Revista Advir n. 23

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 ADVIR Nº 23 • DEZEMBRO DE 2009 • 1 REVISTA ADVIR Publicação da Associação de Docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Asduerj. Registro ISSN 1518-3769 Rua São Francisco Xavier, 524, 1º andar, Bloco D, Sala 1026, Maracanã - Rio de Janeiro/RJ - Cep 20550-013. Telefones: 22649314 (Geral) / 8698-0512 (Secretaria) 8698-0513 (Imprensa) / 8698-0514 (Diretoria) Página na internet: www.asduerj.org.br Endereço eletrônico: [email protected] DIRETORIA BIÊNIO 2009/2011 Presidente: Cleier Marconsin (FSS) I Vice-Presidente: Luiz Claudio de Santa Maria (IQ) II Vice-Presidente: Ademir de Assis Figueiredo (FCM) I Tesoureiro: Guilherme Locks Guimarães (IEFD) II Tesoureiro: Guilherme Lúcio Abelha Mota (IME) I Secretário: Inalda Pimentel (FFP) II Secretário: Antonio Braga Coscarelli (Aposentado) CONSELHO EDITORIAL Deise Mancebo Denise Brasil Alvarenga Aguiar Hindenburgo Francisco Pires Paulo Roberto Chaves Pavão Ronaldo do Livramento Coutinho EDITORA RESPONSÁVEL Inalda Alice Pimentel do Couto expediente CONSELHO CONSULTIVO  Antônio Carlos da Silva (Biologia)  Antonio Celso Pereira (Direito) Carlos Alber to Mandarim (Biologia) Décio Orlando (CAP-Uerj) Eurico Zimbres (Geologia) Gustavo Bernardo Krause (Letras) Heliana Conde (Psicologi a) Jader Benuzzi Martins (Física) José Augusto Quadra (Medicina) Lená Medeiros (Ciências Sociais) Lilian Nabuco (Comunicação) Luiz Sebastião Costa (Engenharia) Maria Beatriz de Albuquerque David (Economia) Pedro Luiz Pereira de Souza (Desenho Industrial) Rose Mary Serra (Ser viço Social) FICHA TÉCNICA Jornalistas responsáveis: Sérgio Franklin e Paula Almada Estagiário de Jornalismo: Átilas Campos Edição Visual: Leila Braile Tiragem: 2.500 exemplares SECRETARIA DA ASDUERJ Secretária: Arlete Cândido  Auxi liares Administrativo s: Marcello Teixeira, Erick Cândido e Zita Alves DISTRIBUIÇÃO (GRATUITA)  Aos f iliados da Asduerj; Associações Docentes filiadas ao  Andes-SN ; Institutos de Pesquisa e Ensino Su perior; Bibliotecas Públicas; Câmarade Vereadores do Rio de Janeiro;  Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

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expedienteREVISTA ADVIR Publicao da Associao de Docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Asduerj. Registro ISSN 1518-3769 Rua So Francisco Xavier, 524, 1 andar, Bloco D, Sala 1026, Maracan - Rio de Janeiro/RJ - Cep 20550-013. Telefones: 22649314 (Geral) / 8698-0512 (Secretaria) 8698-0513 (Imprensa) / 8698-0514 (Diretoria) Pgina na internet: www.asduerj.org.br Endereo eletrnico: [email protected] DIRETORIA BINIO 2009/2011 Presidente: Cleier Marconsin (FSS) I Vice-Presidente: Luiz Claudio de Santa Maria (IQ) II Vice-Presidente: Ademir de Assis Figueiredo (FCM) I Tesoureiro: Guilherme Locks Guimares (IEFD) II Tesoureiro: Guilherme Lcio Abelha Mota (IME) I Secretrio: Inalda Pimentel (FFP) II Secretrio: Antonio Braga Coscarelli (Aposentado) CONSELHO EDITORIAL Deise Mancebo Denise Brasil Alvarenga Aguiar Hindenburgo Francisco Pires Paulo Roberto Chaves Pavo Ronaldo do Livramento Coutinho EDITORA RESPONSVEL Inalda Alice Pimentel do Couto CONSELHO CONSULTIVO Antnio Carlos da Silva (Biologia) Antonio Celso Pereira (Direito) Carlos Alberto Mandarim (Biologia) Dcio Orlando (CAP-Uerj) Eurico Zimbres (Geologia) Gustavo Bernardo Krause (Letras) Heliana Conde (Psicologia) Jader Benuzzi Martins (Fsica) Jos Augusto Quadra (Medicina) Len Medeiros (Cincias Sociais) Lilian Nabuco (Comunicao) Luiz Sebastio Costa (Engenharia) Maria Beatriz de Albuquerque David (Economia) Pedro Luiz Pereira de Souza (Desenho Industrial) Rose Mary Serra (Servio Social) FICHA TCNICA Jornalistas responsveis: Srgio Franklin e Paula Almada Estagirio de Jornalismo: tilas Campos Edio Visual: Leila Braile Tiragem: 2.500 exemplares SECRETARIA DA ASDUERJ Secretria: Arlete Cndido Auxiliares Administrativos: Marcello Teixeira, Erick Cndido e Zita Alves DISTRIBUIO (GRATUITA) Aos filiados da Asduerj; Associaes Docentes filiadas ao Andes-SN; Institutos de Pesquisa e Ensino Superior; Bibliotecas Pblicas; Cmarade Vereadores do Rio de Janeiro; Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

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orientaoaoscolaboradoresREVISTA ADVIR uma revista semestral e publicar, preferencialmente, artigos de professores da Uerj que abordem temas relacionados Universidade em todos os seus aspectos: poltico, administrativo, acadmico, cintfico e cultural. Por ser uma publicao que se prope a atingir um pblico abrangente, ADVIR no publicar artigos cientficos especializados. Contudo, sero aceitos artigos de divulgao cientfica, que devero ser escritos de forma a permitir o entendimento por leitores de outras reas do conhecimento. ENTREVISTA Os Conselhos Editorial e Consultivo definiro o tema desta seo e indicaro nomes dos possveis entrevistados. No entanto, sero aceitas sugestes de temas e nomes. PONTO DE VISTA Sero publicados artigos assinados, com pontos de vista diferenciados acerca do tema central, previamente definido e divulgado. ACADEMIA Publicar artigos no-especializados de tema livre, objetivando, com isso, apresentar um demonstrativo da produo acadmica dos professores da Uerj. A cada nmero, ADVIR procurar contemplar diferentes reas do conhecimento. ENSINO, PESQUISA & EXTENSO Publicar textos que analisem e divulguem projetos e experincias de interesse nos campos do ensino, da pesquisa e da extenso. ARTE & CULTURA Publicar textos sob as formas de resenha, crtica ou artigo, sobre temas relacionados aos campos da arte e da cultura. IMPORTANTE OPINIO Publicar textos que expressem a opinio pessoal do autor sobre tema de livre escolha. C ENTRE NS Publicar cartas recebidas, no todo ou em parte, a critrio do Conselho Editorial. DOCUMENTO Publicar material de carter histrico e documental, no todo ou em parte, preferencialmente relacionado ao tema central da revista. Os artigos que no obedecerem aos critrios aqui divulgados no sero recebidos pela assessoria editorial da Asduerj. CRITRIOS PARA O ENVIO DE ARTIGOS 1. Artigos de alunos de graduao devem, necessariamente, ser acompanhados de parecer de um docente com formao na rea de conhecimento do texto. 2. Notas e referncias bibliogrficas devero ser colocadas ao final do texto, conforme padro da ABNT. 3. Todo artigo recebido ser submetido ao Conselho Consultivo, que decidir, em carter definitivo e com base em critrios cientficos, sobre sua publicao ou no, ficando a critrio do Conselho Editorial definir em que edio da revista isto ocorrer, tendo em vista apenas critrios de adequao editorial. 4. Fotos e ilustraes sero aceitas como contribuio espontnea, mesmo que no se faam acompanhar de artigos. As fotos e ilustraes que vierem a ser utilizadas traro os crditos de seus autores. ADVIR no se responsabiliza pela devoluo do material recebido. 5. Os artigos devero, necessariamente, ser enviados j digitados e acompanhados do(s) crdito(s) do(s) autor(es). 6. A dimenso total dos textos no poder ultrapassar o limite de 08 (oito) laudas, incluindo-se referncias bibliogrficas, notas, grficos, etc. 7. O texto dever vir, necessariamente, acompanhado do nome completo de seu autor, instituio e setor onde trabalha, ltima titulao, telefone e endereo completos. 8. Independentemente dos prazos divulgados nos editais de convocao de artigos, os textos enviados, desde que aprovados pelo Conselho Consultivo, passam a fazer parte do Banco de Artigos da revista, aguardando publicao no nmero subseqente.

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PONTO DE VISTA 5Universidade e projeto nacional 5 Pedro Luiz Santiago Senne As Polticas de democratizao do acesso ao Ensino Superior do governo Lula 11 Maria de Ftima de Paula Universidades Federais e o REUNI: alteraes nas funes da universidade pblica brasileira 20 Ktia Lima Financiamento pblico da Uerj: uma questo de autonomia 27 Susana Moreira Padro As universidades francesas e a autonomia: o novelo de uma greve (entrevista com os professores da Universidade de Rouen, Jean Houssaye e Annie T-Schirart) 41

ACADEMIA 51Choque de ordem ou punio dos pobres: uma anlise necessria 51 talo Pires Aguiar Viagem de Esperana: angstia migrante frente ao despojamento e a estranheza 55 Ademir Pacelli Ferreira Dicotomias entre o pblico e o privado no contexto da cidade: como pensar polticas pblicas neste espao na contemporaneidade? 61 Charles Barros de Figueiredo Espaostemposde formao: momentos do movimento estudantil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em um acervo fotogrfico 66 Rebeca Brando Rosa, Thais Barcelos e Nilda alves

ENSINO, PESQUISA E EXTENSO 74Uma experincia multidisciplinar envolvendo alunos de Iniciao Cientfica e de Ps-Graduao em Qumica 74 Luiz Claudio de Santa Maria e Ftima Teresa Braga Branquinho O desafio das universidades na construo da Sustentabilidade Ambiental: uma proposta de Modelo de Gerenciamento Integrado de Resduos 79 Elmo Rodrigues da Silva e Luiz Antonio Arnaud Mendes

ARTE E CULTURA 86Entre a Luz e a Sombra: Duas Peas de Samuel Beckett e o Embate da Criao 86 Isabel Cavalcanti

ENTREVISTA 94"Meta recuperar a infraestrutura" 94 (Entrevista com o presidente da Faperj, professor Ruy Garcia Marques) Do outro lado do balco: a viso do pesquisador 102 (As professoras Lcia Guimares, Sheila Veloso, Valria Gallo e Maria Tereza Goudard comentam a entrevista do presidente da Faperj)ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 3

editorialPor que discutir Polticas Pblicas para Universidade? Neste nmero a Revista ADvir discute, com os artigos da seo "Ponto de Vista", polticas implantadas pelos governos das vrias esferas com relao s universidades pblicas. Optamos por tal tema, pois, com o advento do REUNI do Governo Federal, vrios setores se voltam para este debate. Questes como: autonomia, financiamento, ampliao de vagas, reorganizao da estrutura universitria, alteraes nos currculos e, principalmente, nos modelos de formao dos diversos cursos oferecidos implicam diretamente no funcionamento das universidades e na manuteno da qualidade alcanada ao longo dos anos por estas instituies. Torna-se assim imprescindvel discutirmos como todas estas polticas pblicas propostas e/ou implantadas atingiro o universo da formao universitria, em particular na UERJ. este debate que pretendemos iniciar com os textos publicados neste nmero da ADvir. Para que, no ano do trigsimo aniversrio da Asduerj, nossos leitores sintam-se convidados a, junto conosco, participar da luta pela universidade pblica, gratuita e socialmente referenciada, que tanto buscamos.

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UNIVERSIDADE E PROJETO NACIONALPedro Luiz Santiago SenneProfessor do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Uerj Tornou-se lugar comum estender largos elogios s maravilhas que o ensino pode proporcionar a um pas com atraso em amplas faixas da vida nacional, a ponto de ser vulgarizada essa opinio no discurso e nas preocupaes que descem at o homem comum sem, porm, haver uma reflexo sobre a natureza da importncia e dos limites do seu poder. Repetida como um mantra, no parece ter conseqncias maiores que um mero ritual do politicamente correto, obrigatrio especialmente a ocupantes de cargos pblicos que rezam o credo sem muita piedade. As idias displicentes tomam o lugar de concepes bem instrudas e precedem as prticas mais daninhas aos objetivos do ensino. Uma evidncia a prosaica confuso entre educao e instruo pblica, to recorrente que tornou indistinguveis, em boa parte dos discursos, as diferenas entre aqueles conceitos. Trata-se de engano tom-las como sinnimos, quando, em verdade, dizem respeito a abrangncia de competncias diversas, pois a educao de cunho amplo e indefinido, constrangimento nem sempre sentido, mas presente na socializao dos indivduos, diz respeito a processos no necessariamente formais e cuja durao indeterminada, sendo ainda provida por todos os mbitos de contato social: a famlia, a vizinhana, a igreja, o trabalho, o clube, o crculo de amigos, hoje, os contatos pela internet e..., claro, a escola. A instruo pblica, por seu lado, estruturada formalmente e possui propriedade coercitiva explcita fundada na vontade poltica do Estado, est calcada num currculo estritamente controlado pelo poder poltico e serve aos interesses que o presidem. certo que a educao inclui onde h organizao social relativamente desenvolvida e voltada para uma vida pblica de razovel participao poltica, ainda que formalmente a instruo pblica universal em seu escopo; mas esta corolrio da participao da massa no processo poltico e objetiva fundamentar uma base para a preveno do extremismo das lutas sociais. Em adio, os que participam do processo instrucional esto imbudos de concepes que trazem de todos aqueles outros lugares e tergiversam sobre o contedo do currculo com maior ou menor sucesso. Afinal, os lugares de instruo so, tambm, espaos de socializao, com seu propsito limitado. O fato, porm, que o peso da educao, com os variados matizes que possui, no pode ser jogado na conta da instruo pblica,

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pois, excede suas possibilidades fazer a parte substituir o todo. Ao caracterizar o ensino superior encontramos a orientao de carter formal e regrado, voltado para a formao profissional com base em cnones estabelecidos no lastro da tradio da instituio universitria, mas que recebe o influxo das expectativas da sociedade em que se insere para criar sua prpria atmosfera educativa. No bojo desse processo a importncia que detm muito deve ao papel que pode desempenhar no contexto geral, especialmente naquilo que diz respeito ao desenvolvimento da sociedade nos mbitos cultural, tico, cientfico, tecnolgico, e econmico. O Estado contemporneo concede universidade um papel coadjuvante na formao dos recursos de poder e a centralidade de sua funo de exponenciar o conhecimento transforma-a em brao da ao do poder pblico, da a ateno especial e a necessidade de polticas pblicas especficas. Em todo o mundo a instruo superior objeto de interesse face ao carter de vantagem competitiva que oferece aos Estados que fazem largo uso dos recursos humanos bem adestrados que pode proporcionar, sendo, como , a principal instituio produtora e difundidora de conhecimento organizado em bases cientficas, sem prejuzo a institutos isolados, sejam pblicos ou privados, mas que esto bem aqum da abrangncia possibilitada pela integrao entre os objetivos da universidade moderna: ensino, pesquisa e extenso. Sobre a pluralidade de ob-

jetos cientficos e culturais debruam-se variegadas linhas de pensamento, de afiliao e de ao que conflitam e implicam, na especificidade de cada circunstncia e de cada instituio, o permanente questionamento das crenas sociais. Tem-se a a riqueza latente da funo da universidade na sociedade moderna: expressar os conflitos sociais, dentro de balizas discursivas prprias, e mostrar que o conhecimento sobre o homem e sobre a natureza no se fecha s alternativas surgidas desses embates. nessa teia que devemos inserir a questo das polticas pblicas para a universidade. Todo o enlace que a universidade pode estabelecer com o poder poltico deve considerar a necessidade mpar de autonomia de pensamento e de ao, e, conseqentemente, a liberdade de exerc-la, sem a qual suas funes ficam prejudicadas e seu papel definha pela impossibilidade de explorar as diversas influncias sociais. Desde o incio a universidade obteve esse privilgio e isso constituiu uma tradio respeitvel. dessa maneira que ela pode ser fiel aos seus propsitos e, tambm, contrapor-se, em parte, coero do entorno poltico e social. Porm, ainda que tenha tais garantias assinaladas na constituio e nas leis, ou simplesmente nos costumes de uma sociedade, a efetividade dessa postura autnoma depende dos recursos materiais que recebe da sociedade, posto que a obteno por meios prprios est alm das suas possibilidades. Isso a coloca na dependncia de patronos magnificentes ou do poder poltico quanto ob-

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H, tambm, por outro lado, a possibilidade do encontro dos setores destitudos de qualquer determinao ou fora social com a atividade universitria.teno desses meios, residindo a um conflito insolvel, mas manejvel quando a universidade encontra um papel em projetos nacionais. Os projetos nacionais tm origem no plano difuso das necessidades sociais manifestadas aberta ou sub-repticiamente pelos movimentos e inquietaes de grupamentos insatisfeitos com o status da repartio dos bens sociais, materiais ou intangveis, e ganham densidade quando mobilizam o Estado a encampar os seus objetivos em tal grau que altere a estrutura dessa repartio. No est em causa se esses agrupamentos so restritos ou amplos, bem estruturados e coordenados ou ainda incipientes em sua organizao, se procuram ampliar seu poder ou simplesmente fugir a determinadas condies de limitao social. O poder poltico responde atravs de polticas pblicas que satisfaam o objetivo de manter a coeso e a legitimidade do arranjo de poder num grau razovel de segurana. Tais polticas so funo do horizonte de projeo daqueles que, detendo influncia sobre o processo de deciso, orientam o desenvolvimento geral para um futuro previsvel. Est claro, ento, que a adjetivao de nacional subentende algum particularismo, um olhar enviesado, discricionrio, e mesmo assim, sem negar a ordem poltica liberal das sociedades contemporneas, capaz de, sob certos limites, pactuar com os descontentamentos emergentes. H, tambm, por outro lado, a possibilidade do encontro dos setores destitudos de qualquer determinao ou fora social com a atividade universitria, como objeto de interesse proporcionado por aquela liberdade original. Nesse caso, a limitada franquia poltica do conhecimento traz cena o que no poderia de outro modo aparecer para as conscincias perfiladas diante do sistema social dominante. A anlise do Estado brasileiro sobre a questo do ensino pode ser observada em vrios documentos oficiais, inclusive na chamada pblica para o recebimento de contribuies ao DOCUMENTO REFERNCIA DO FRUM NACIONAL DE EDUCAO SUPERIOR e no prprio documento do Conselho Nacional de Educao, redigido pela Cmara de Ensino Superior do CNE1 . Publicao recente e, por isso, atual quanto s preocupaes dos homens que decidem os negcios da instruo pblica, revela um pouco o modo de perceber e de operar os problemas que afetam a estrutura do ensino superior. Encampando os resultados da Conferncia Regional de Educao Superior para a Amrica Latina e Caribe em junho de 2008, sob os auspcios da UNESCO, o Brasil assume a difuso das concluses daquele encontro, estimulando a apresentao de idias nelas balizadas e como preparao para o posicionamento do pas na Conferncia Mundial de Educao Superior, em Paris, em julho de 2009 ... e, a partir desta, elaborar documento preliminar sobre a Educao Superior, a ser debatido na Conferncia Nacional de Educao Superior, em 2010, e apoiar a reviso do Plano Nacional de Educao para o perodo 2011-2020.2 Com base nas concluses daquela conferncia regional, sugere o CNE trs ei-

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xos para as polticas pblicas: i) democratizao do acesso e flexibilizao do modelo de formao; ii) elevao da qualidade e avaliao; iii) compromisso social e incluso.3 O objetivo final consiste em ...atender as demandas de conhecimento e formao advindas do processo de desenvolvimento socioeconmico e cientfico e tecnolgico... e...apoiar a construo da sustentabilidade social e econmica e promover a soberania nacional.4 Como linhas de orientao da ao com vista ao desenvolvimento do ensino superior, essas so proposies bastante sedimentadas nas concepes na universidade brasileira, notadamente nas instituies pblicas, mas so claramente insuficientes para amparar a ambio de tornar a instruo superior um dos propulsores do desenvolvimento social, econmico e cultural. Falta um campo para onde se possa expandir a interveno transformadora e justificar o vultoso investimento que uma instituio como essa requer da sociedade. Em outras palavras, falta o prolongamento dos efeitos da ao iniciada com a formao profissional superior e s completada com o pleno aproveitamento dos talentos e inteligncia desenvolvidos para a satisfao das necessidades do pas. De outra forma, seu papel estar reduzido ao de promover as expectativas de ascenso social pela posse de um diploma superior. Isso uma possibilidade bem concreta, quando examinada a inquietao dos formuladores de polticas pblicas. No referido documento do CNE lamenta-se a frustrao de no se atingir a meta de 30% da populao entre

18 e 24 anos matriculada no ensino superior at 2011, conforme o PNE - Plano Nacional da Educao. Ainda espanta o CNE que o pas possua o maior sistema de ps-graduao da Amrica Latina (cerca de dez mil doutores/ano) e que as desigualdades sociais sejam enormes.5 O qu significa isso? Por qu o Brasil precisa desse percentual de matriculas at 2011? Qual a relao entre o nmero de doutores e a diminuio da desigualdade social? provvel que muitas das nossas polticas sejam estabelecidas em funo de um comparatismo estatstico, o qual nutre uma ansiedade por medir posies com base em ndices elaborados em situaes sociais diferentes e derivados de conceitos e supostos nem sempre relevantes para o caso nacional. O efeito, ento, resume-se a diminuir o mal-estar provocado por lugares pouco elogiosos para o pas e desalentadores para o orgulho das autoridades, possveis peas acusatrias contra a sua capacidade administrativa e poltica frente aos adversrios internos e aos interlocutores internacionais. Provavelmente, a desigualdade seja melhor combatida por mecanismos de oportunidade de insero num mercado de trabalho em que a distncia entre a renda mais baixa e a mais alta obtida por quem trabalha no seja aquela que vigora no pas. Mas isso est alm do alcance da universidade proporcionar, pois, depende de mecanismos de regulao poltica da distribuio da renda nacional, como os referentes propriedade e a tributao do trabalho e do capital, temas sem dvida bastante discutidos nesta instituio,

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Ainda no conduzimos com larga autonomia os nossos prprios projetos, buscamos o prestgio fcil que alimenta a vaidade dos lderes.a qual contribui dentro dos limites dos argumentos do conhecimento. Uma universidade, mormente a pblica, requer mais do que olhar para o seu umbigo como permite o documento ao referir-se s propostas da conferncia regional voltada ao fortalecimento de sua atividade. Entre as medidas preconizadas est a fixao do ensino superior como direito humano e bem pblico; ampliar a cobertura e encontrar modelos para a incluso democratizante; formao voltada para o desenvolvimento integral e sustentvel da sociedade; constituio de redes acadmicas regionais para qualificar pesquisadores e deter a sua evaso.6 Todas essas recomendaes so dependentes de decises de investimento, cuja limitao dada pela frgil capacidade das naes de fazer fortes inverses em uma rea cujo resultado aparece em longo prazo, o que significa que isso s ser feito quando houver um projeto nacional, que configure uma expectativa promissora para a sociedade, ou os que decidem em nome dela, isso significa que o ensino superior ser considerado pelo seu valor extrnseco, pelo impacto do conhecimento na transformao desejada da vida do pas. A estrutura do ensino superior ter possibilidade de evoluir na direo certa apenas quando encontrar na sociedade demanda para aquilo que faz. No Brasil, a universidade pblica tem sustentado um esforo histrico para exercer uma influncia nos rumos da vida nacional, mas tem sido obrigada a deter-se, travada pela mesma falta de perspectiva que domina o horizonte do pas. Isso mesmo. Falta, apesar das percepes predominantes, um horizonte claro do que queremos ser num mundo em rpida transformao. Submetemos ao consenso internacional as concepes sobre o futuro da nao e abdicamos de estipular os princpios que iro norte-lo. Mas isso explicado porque ainda no conduzimos com larga autonomia os nossos prprios projetos, buscamos o prestgio fcil que alimenta a vaidade dos lderes e alinhamo-nos com proposies estranhas, muitas vezes, ao interesse da sociedade nacional. Num pas assim dirigido, onde encontrar uma brecha para lanar um projeto nacional e como convocar a universidade para desenvolvlo no que lhe compete? S podemos discutir questes secundrias e no verdadeira ao. O princpio da difuso do conhecimento encontra na expresso democratizao a sua converso em moeda poltica: a universidade oferecida a um pblico mais interessado na exibio de um item de promoo de status, prprio da cultura bacharelesca ainda vigente. O citado documento segue em suas preocupaes, que espera ver secundadas pelas contribuies da comunidade interessada, considerando o desequilbrio entre oferta de vagas em instituies pblicas e privadas, questiona a qualidade do ensino privado, em geral de cunho mercantil, prope a elevao do porte do setor pblico no atendimento da demanda, apresenta a realizao dos programas de distribuio de milhares de bolsas de estudo em programas como Prouni, ao lado da busca da regu-

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lamentao da participao do capital estrangeiro no ensino... Faltam, entretanto, os projetos que mobilizam a sociedade em torno de grandes realizaes. Sem isso, a universidade se compraz em cuidar apenas de si mesma, voltada aos projetos de carreira; a associao a grandes projetos internacionais, cuja mxima ambio manter uma proximidade com o estado da arte da atividade cientfica e tecnolgica em alguns setores especficos; a lutar por recursos ao sabor de demandas pontuais, cujo flego depende dos humores nem sempre decifrveis. Urge um projeto para desvendar a Amaznia, com investimentos vultosos em reas to diversas como biologia, geografia, cincias sociais, geologia, engenharia e outras, mobilizando todas as universidades interessadas e carreando recursos humanos para a formao e crescimento de novas instituies no cho amaznico, entrelaando o desenvolvimento da regio com o desenvolvimento de instituies superiores na rea e ligadas a todo o pas. Urge um projeto para conhecer os recursos marinhos a nossa disposio e possibilitar a sua explorao, algo que j se provou em parte com o exemplo da atividade petrolfera, e que poderia ter muito maior repercusso. Urge um projeto para a atividade espacial, um outro para a sobrevivncia seca nordestina, mais um para...e mais um... Pede-se, certamente, um projeto para a instruo pblica fundamental e mdia que abastea a universidade com os recursos que mais necessita: mentes curiosas, fascinadas pela tarefa de desvendar o mundo, com coragem de desafiar o convencionado e abrir novos caminhos. preciso dizer, sinceramente, que a universidade no barata, no uma pechincha, um luxo quando est plenamente realizando a sua misso, mas devolve em boa medida aquilo que pede sob a forma de novas possibilidades de ter

conscincia das coisas do mundo. Tambm no o nico lugar em que se pode fazer isso, e talvez no o faa da maneira mais radical e desconcertante, mas onde esta tarefa est mais institucionalizada e licenciada pelos poderes vigilantes e atinge maior difuso e capilaridade. Para tristeza dos que amam o conhecimento em si, esse um valor bastante restrito aos que participam da atividade cientfica, filosfica ou artstica como um modo de existir no mundo, mesmo no recinto universitrio sua unanimidade questionvel. A sociedade a sua volta, portanto, sentir a necessidade que tem dela quando puder extrair algo que converta em seus prprios valores, quando o conhecimento, intil em si, encontrar a utilidade da satisfao das necessidades sociais. O elo entre os dois o projeto de sociedade, o projeto nacional. A vontade de erigir algo alm do alcance das possibilidades atuais gera o empreendimento para superar os problemas nacionais profundos, e no h oportunidade melhor para exibir a inteligncia bem adestrada. Mas a prpria vontade precisa ser estvel e imune volubilidade da matria de onde se origina: a sociedade e o Estado. A necessidade de conscincia e firmeza polticas est na base de polticas pblicas consistentes para a universidade.

Notas A chamada pblica do CNE a de n 01/2009 e pode ser encontrada no stio do MEC ( http://portal.mec.gov.br/ index.php ) e localizado no cone do Frum Nacional da Educao Superior. 2 Este trecho est na parte contextualizao, na pgina 1 da chamada pblica. 3 Chamada pblica, pgina 2. 4 Documento referncia para o Frum Nacional de Educao Superior, pgina 2. 5 Pginas 1 e 2 do Documento. 6 Parte 1 do Documento, pgina 7.1

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AS POLTICAS DE DEMOCRATIZAOdo acesso ao Ensino Superior do governo Lula

Maria de Ftima de PaulaProfessora da Faculdade de Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal Fluminense (UFF)

1. Introduo Vivenciamos, sobretudo a partir da dcada de 1990, um verdadeiro desmonte da universidade pblica brasileira, com um investimento cada vez menor do Estado no campo da educao superior pblica. Como consequncia, acelera-se a expanso do processo de privatizao do sistema de ensino superior, com a insero das universidades, inclusive as pblicas, na lgica do capital (PAULA, 2002). Mercantiliza-se o sentido da formao universitria, da pesquisa e da extenso. A formao, transformada em treinamento, voltase cada vez mais estritamente para o mercado de trabalho, perdendo o sentido de formao integral do homem para a vida e para a construo de cidadania participativa. A pesquisa direcionase cada vez mais para o setor produtivo e para as empresas que a encomendam, ficando refm da lgica de mercado. A extenso comercializase e transforma-se em fonte de renda e de complementao salarial. H uma desfigurao do conceito clssico de autonomia universitria, crescentemente confun-

dido com autonomia financeira da universidade diante do Estado, sendo as universidades pblicas cada vez mais impelidas a captarem recursos junto ao mercado e ao setor produtivo (PAULA, 2003). importante destacar que nas ltimas dcadas, com a crise fiscal do Estado em vrias partes do mundo e o avano do modelo neoliberal, comeou a se dar um novo tipo de relao universidade-governo. O Estado vai retirando-se progressivamente do financiamento da mesma, adotando polticas de ajuste neoliberal. Nesse sentido, a educao superior passa a ser concebida como servio a ser vendido e comprado no mercado, deixando de ser vista como direito do cidado e dever do Estado. Esta concepo, ditada, sobretudo, pelos organismos internacionais, tais como OMC, Banco Mundial, FMI, dentre outros, tem exercido forte influncia sobre o caso brasileiro, sendo a educao superior colocada numa relao estreita de custo/benefcio, segundo uma tica instrumental reducionista. nesse contexto que a privatizao da edu-

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cao superior ganha destaque no Brasil, quando comparamos o nosso caso com pases do primeiro e do terceiro mundos. Esse processo de privatizao tem uma dupla face: de um lado, assistimos proliferao das instituies privadas, e, de outro lado, estagnao e ao desmonte das universidades pblicas pelo Estado, favorecendo um processo crescente de privatizao dessas instituies, pela via do ensino, da pes1 quisa e da extenso . O sistema de educao superior no Brasil diversificado, com instituies distintas em termos de qualidade e prestgio, objetivos, finalidades educativas, dentre outros aspectos. Temos hoje 257 instituies pblicas (federais, estaduais e municipais) e 2.141 privadas. No universo das privadas, a grande maioria compe-se de instituies com fins lucrativos, de qualidade duvidosa, sendo a menor parte constituda de instituies comunitrias e confessionais, sem fins lucrativos. As instituies de educao superior (IES) se organizam como universidades (instituies complexas que se ocupam do ensino, extenso, pesquisa e ps-graduao, em geral envolvendo muitos setores do conhecimento, embora se admitam universidades especializadas em determinada rea), centros universitrios (sem obrigao com a pesquisa) e faculdades. Segundo dados de 2007 do INEP/MEC, o Brasil possui 177 universidades, 185 centros universitrios e 2.036 faculdades, sendo cerca de 90% dessas instituies privadas e apenas 10% pblicas. Das 2.398 IES, 92% so pequenas instituies que se dedi-

cam somente ao ensino e esto orientadas a fornecer um diploma mais aligeirado de curso superior aos alunos, com o objetivo de facilitar a sua insero no mercado de trabalho (DIAS SOBRINHO & BRITO, 2008, pp. 489 e 495). Esses dados demonstram que o conjunto da educao superior brasileira um das mais privatizados da Amrica Latina e do mundo, tendo perdido muito do significado de bem pblico de qualidade, com exceo das IES pblicas e das IES de natureza comunitria e confessional. Cabe ressaltar que o sistema de educao superior brasileiro um dos mais elitistas da Amrica Latina e do mundo, pois 73% das matrculas esto no setor privado e apenas 27% no setor pblico. Acrescente-se a isto que as IES pblicas oferecem 63% dos seus cursos no perodo diurno e apenas 27% no perodo noturno, acontecendo praticamente o contrrio nas IES privadas. Outro dado relevante para este cenrio de excluso social do ensino superior, no Brasil, quando comparado a outros pases da Amrica Latina e do mundo, o fato de apenas 12% dos estudantes entre 18 e 24 anos estarem matriculados na educao superior, possuindo o nosso pas uma taxa bruta de matrcula no ensino superior ao redor de 20%, segundo os ltimos ndices do Instituto de Estatsticas da UNESCO (DIAS SOBRINHO & BRITO, 2008, pp. 493-4). A partir dos dados apresentados, podemos concluir que a maior parte dos estudantes que ingressa no ensino superior brasileiro o faz pela via privada, em instituies de qualidade duvido-

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Aps tramitar no Congresso Nacional por quatro anos, finalmente o projeto de Lei 3627/2004 foi aprovado em novembro de 2008, no dia em que se comemora a Conscincia Negra.sa, que no realizam pesquisa nem extenso. Os alunos trabalhadores e provenientes das classes sociais menos favorecidas econmica e socialmente no encontram muitas possibilidades de ingresso nas universidades pblicas, de maior qualidade, que se dedicam ao ensino, pesquisa e extenso, com um corpo docente mais qualificado. Isso porque as vagas nestas instituies so limitadas, a concorrncia grande e existe o "funil do vestibular", que deixa de fora muitos desses estudantes de baixa renda, provenientes do ensino mdio pblico, nem sempre de qualidade. Inversa e injustamente, os alunos provenientes das classes sociais mais abastadas, que cursaram o ensino mdio em escolas particulares de elite, chegam com muito mais facilidade s universidades pblicas, sobretudo nos cursos de maior prestgio social, como Medicina, Engenharias, Direito, Odontologia, dentre outros. 2. As polticas de democratizao do acesso ao ensino superior do Governo Lula Frente grande expanso do ensino mdio no pas e demanda cada vez maior dos concluintes desse nvel por ensino superior, aliadas ao diminuto nmero de estudantes que ingressam nas instituies de educao superior brasileiras, uma das prioridades do governo atual tem sido a busca de solues para a democratizao do acesso educao superior. Nesse sentido, um dos primeiros passos da Reforma Universitria foi a edio de medidas que permitissem a democratizao do acesso, com gastos reduzidos para o governo federal, segundo a lgica instrumental neoliberal, que concebe a educao superior como um custo oneroso para os cofres pblicos e no como investimento no sentido da formao de cidados crticos e qualificados para atuarem no mercado de trabalho. Das polticas de democratizao do acesso ao ensino superior propostas pelo Governo Lula, destacamos o Programa Universidade para Todos (PROUNI), que ser enfatizado a seguir, a poltica de cotas e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (REUNI). Segundo projeto de lei n? 3627/04, encaminhado pelo Governo Lula ao Congresso Nacional, as instituies pblicas federais de educao superior devero reservar em cada concurso de seleo para ingresso nos seus cursos de graduao, no mnimo, 50% de vagas para alunos que cursaram integralmente o ensino mdio em escolas pblicas, incluindo nessa cota os afrodescendentes e indgenas, de acordo com a proporo de negros, pardos e ndios na populao do Estado onde est instalada a universidade, conforme os dados do censo do IBGE. Aps tramitar no Congresso Nacional por quatro anos, finalmente o projeto de Lei 3627/2004 foi aprovado em novembro de 2008, no dia em que se comemora a Conscincia Negra. Na ltima hora, o parlamentar Paulo Renato Souza, ex-Ministro da Educao do Governo FHC, sugeriu a incluso do corte de renda para beneficiar os estudantes das classes sociais desfavorecidas

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economicamente, unindo a cota social cota racial, importante mudana introduzida no Projeto de Lei 3627/2004. importante ressaltar que a aprovao dessa lei, que conjuga cotas sociais e cotas raciais, beneficiando estudantes provenientes das escolas pblicas, pobres, negros e ndios, representa um avano no sentido da democratizao do acesso ao ensino superior no Brasil, pois facilita o ingresso desses atores sociais nas universidades pblicas, que primam por uma formao de qualidade, aliando ensino, pesquisa e extenso. Uma das aes do atual governo na direo da democratizao do ensino superior, muito criticada e questionada no meio acadmico, foi a instituio do REUNI, atravs do decreto n 6.096, de 24 de abril de 2007, tendo como objetivo, de acordo com seu artigo 1, "criar condies para a ampliao do acesso e permanncia na educao superior, no nvel de graduao, pelo melhor aproveitamento da estrutura fsica e de recursos humanos existentes nas universidades federais". O REUNI tambm tem como objetivos a elevao da taxa mdia de concluso dos cursos presenciais de graduao para noventa por cento e da relao de alunos de graduao por professor para dezoito, num prazo de cinco anos (art. 1, & 1), praticamente dobrando a relao de alunos por professores em cursos presenciais de graduao, com precarizao das condies de ensino. O REUNI possui como diretrizes (art. 2) a reduo das taxas de evaso, ocupao de vagas ociosas e aumento de vagas de ingresso, especial-

mente no perodo noturno; ampliao de polticas de incluso e assistncia estudantil; articulao da ps-graduao com a graduao e da educao superior com a educao bsica. Todavia, o REUNI alvo de duras crticas, pois existe a preocupao de que as universidades pblicas acabem se transformando em "escoles" de terceiro grau, o que poderia comprometer a qualidade da formao universitria, da pesquisa e da extenso. As universidades que aderirem ao programa recebero recursos adicionais do MEC para promoverem a reestruturao de suas instituies, havendo uma induo do governo, com o consentimento da maioria das reitorias, no sentido da adeso ao Programa, sem apoio das bases, que se posicionam contrariamente medida. 2.1. Programa Universidade para Todos (PROUNI) Uma das propostas para equacionar o problema da ampliao do acesso sem maiores investimentos, e, portanto, sem preocupao central com a qualidade da formao, foi incorporada pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI), lanado oficialmente em 13 de maio de 2004 pelo prprio presidente da Repblica, Luiz Incio Lula da Silva, e pelo ento ministro da Educao, Tarso Genro. A proposta foi encaminhada ao Congresso, na forma de projeto de lei n? 3582/04, assinada por Tarso Genro e por Antonio Palocci Filho, portanto, com o aval dos Ministrios da Educao e da Fazenda, sob o regime de "urgncia constitucio-

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importante ressaltar que a aprovao dessa lei, que conjuga cotas sociais e cotas raciais, representa um avano no sentido da democratizao do acesso ao ensino superior.nal," para que os parlamentares pudessem aprov-la o mais rpido possvel, na medida em que o governo pretendia criar, ainda no segundo semestre de 2004, cerca de 70/80 mil vagas nas universidades privadas para estudantes carentes. As principais justificativas apontadas pelo governo para a criao do PROUNI foram: a) apenas 10% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos conseguem ingressar no ensino superior; b) desse percentual, menor ainda o nmero de estudantes de baixa renda que "consegue vencer as barreiras para ingressar na faculdade" (Programa Universidade para Todos, 2004, p. 1); c) h um grande nmero de vagas ociosas nas instituies privadas de ensino superior, uma ociosidade da ordem de 40%, conforme dados do INEP 2 (2003) ; d) o aproveitamento de parte dessas vagas ociosas das instituies de ensino superior privadas para o Programa, na forma de bolsas de estudo integrais, possibilitar a democratizao do acesso, viabilizando o ingresso de 300 mil novos estudantes em um prazo de cinco anos. Segundo o projeto de lei, as bolsas de estudo integrais para cursos de graduao e seqenciais de formao especfica, em instituies privadas de ensino superior com ou sem fins lucrativos (art. 1) sero concedidas a brasileiros cuja renda familiar no exceda a um salrio mnimo per capita (art. 1, & 1), que cursaram o ensino mdio completo em escolas pblicas ou a professores da rede pblica de ensino fundamental, sem diploma de nvel superior (art. 2). Alm disto, o Programa adotar uma poltica de cotas pela qual sero concedidas bolsas de estudo para alunos autodeclarados negros, pardos e indgenas, de acordo com a proporo dessas populaes nos respectivos estados, para o que sero utilizados os dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) - art. 7, & 1. O processo de seleo dos alunos para as vagas do Programa ser feito mediante os resultados e perfis socioeconmicos obtidos no Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM), ficando tais estudantes dispensados do processo seletivo especfico das instituies privadas de ensino superior (art. 3). Os mecanismos propostos para as instituies privadas que participarem do PROUNI so de dois tipos: (1) As instituies filantrpicas de ensino superior - que j tm iseno de impostos federais, incluindo o INSS - tero de transformar 20% de suas matrculas em vagas para o Programa. Conforme projeto de lei, tal proporo ser aplicada em cada curso, turno e unidade administrativa da instituio. Hoje, elas j so obrigadas a aplicar 20% de sua renda bruta em "gratuidade", mas a legislao atual que regula a matria no esclarece qual o tipo de servio a ser oferecido. Apesar de o assunto ser polmico e de j existirem instituies filantrpicas que cogitam ingressar na Justia para no serem obrigadas a reordenar seus gastos assistenciais, essas instituies devero oferecer os 20% de gratuidade, exclusivamente, em forma de bolsas de estudo e no mais em outros tipos de atendimento, de difcil contro-

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le e contabilizao, sob pena de perderem a prpria condio de instituio filantrpica. (2) No caso das instituies privadas com fins lucrativos, que atualmente pagam todos os impostos, o projeto de lei prev a iseno de qua3 tro tributos : o Imposto de Renda das Pessoas Jurdicas (IRPJ); a Contribuio Social sobre o Lucro Lquido (CSLL), instituda pela Lei n 7.689, de 15 de dezembro de 1988; a Contribuio Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), instituda pela Lei Complementar n 70, de 30 de dezembro de 1991; e a Contribuio para o Programa de Integrao Social (PIS), instituda pela Lei Complementar n 7, de 7 de setembro de 1970 (art. 9). Como contrapartida, a instituio privada de ensino superior dever oferecer uma bolsa para cada nove alunos regularmente matriculados em seus cursos, ou seja, 10% de suas vagas seriam destinadas a alunos carentes e/ou professores da rede pblica sem diploma de curso superior. Todas as instituies filantrpicas, se quiserem manter a condio de entidades beneficentes de assistncia social, tero de fazer parte do Programa, ao contrrio das demais universidades privadas, que devero assinar um termo de adeso com o Ministrio da Educao, com prazo de vigncia de dez anos, renovvel por igual perodo. Alm disso, ficar vedado o credenciamento de instituies de ensino superior no FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), caso no ofeream bolsas de estudo integrais, segundo o percentual determinado pelo

PROUNI ( art. 13). Diante das dificuldades de aprovao do Projeto de Lei no Congresso e, sobretudo, para atender as presses das instituies privadas de ensino superior, o presidente baixou a Medida Provisria 213, em 10/09/2004. Embora no seja idntica ao PL, a MP mantm a mesma lgica dele, que a de renncia fiscal em troca de vagas ociosas das instituies privadas, destinadas a alunos com renda familiar per capita inferior a 1 salrio mnimo (no caso das bolsas integrais ou iseno total da mensalidade) ou a 3 salrios mnimos (no caso das bolsas parciais de 50% ou iseno de metade da mensalidade). Os beneficirios precisam ter cursado o ensino mdio completo em escola pblica ou em instituies privadas na condio de bolsistas integrais. A exigncia de renda no se aplica ao professor da rede pblica de ensino no caso dos cursos de licenciatura e pedagogia destinados formao do magistrio de educao bsica, nem aos portadores de necessidades especiais, tampouco aos alunos que se declararem negros, pardos e indgenas, com direito a ocupar um percentual das vagas correspondentes ao de cidados autodeclarados pretos, pardos e indgenas em cada Estado. importante assinalar a influncia da presso das instituies de ensino superior privadas na mudana de alguns critrios da MP em relao ao PL, o qual fixava o limite de renda familiar per capita em um salrio mnimo, ampliado para trs na MP, que tambm favorece os privatistas ao

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Entretanto, nem todas as instituies de ensino superior com avaliao insatisfatria so descredenciadas pelo MEC, continuando a fazer parte do PROUNI.permitir o benefcio a estudante que tenha feito o ensino mdio com bolsa integral em instituio privada. A possibilidade de bolsas parciais ou mensalidades parciais pode ser interpretada como mais uma vitria do setor privado, que, alm de ser beneficiado com iseno fiscal, passa a ter estudantes que pagam meia mensalidade, atenuando a grande ociosidade de vagas existentes nessas instituies, assim como o problema da inadimplncia e da evaso ocasionadas, dentre outros fatores, pela impossibilidade de os alunos pagarem os altos custos das instituies privadas. Nesse sentido, o PROUNI pode ser analisado como um Programa de recuperao financeira das instituies privadas de ensino superior. Alm disso, cabe ressaltar a falta de coerncia entre os critrios de seleo dos alunos beneficirios do Programa, pois no se exige corte de renda para os professores da rede pblica de educao bsica, para os portadores de necessidades especiais, nem para os que se declararem negros, pardos e ndios. Esses beneficirios podem ter renda familiar per capita superior a 1 ou 3 salrios mnimos, respectivamente obtendo bolsas integrais ou parciais, o que no garante, nestes casos especficos, uma incluso baseada no critrio classe social. Ainda analisando os documentos referentes ao PROUNI, encontramos algumas questes polmicas relacionadas avaliao das instituies privadas pelo Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior (SINAES). O PL previa que a instituio seria desvinculada se apresentasse resultado insatisfatrio por dois anos consecutivos ou trs intercalados, num perodo de cinco anos. Na MP, a desvinculao da instituio ocorreria se a mesma apresentasse resultados insatisfatrios por trs avaliaes consecutivas. Entretanto, nem todas as instituies de ensino superior com avaliao insatisfatria so descredenciadas pelo MEC, continuando a fazer parte do PROUNI - situao que precisa ser reavaliada pelo Ministrio. Um dos fatores que perpetuam essa prtica est relacionado ao lobby realizado pelos representantes das instituies privadas junto ao MEC e ao CNE. Apesar do consenso das entidades envolvidas com a educao superior, tais como ANDIFES (Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino Superior), ANDES (Associao Nacional dos Docentes do Ensino Superior), UNE (Unio Nacional dos Estudantes), dentre outras, quanto necessidade de aumento de financiamento para as instituies pblicas, o PROUNI pretende resolver o grave problema do acesso ampliando a renncia fiscal - renncia pouco transparente para a sociedade - que quase nada sabe sobre o emprego de um dinheiro que, investido nas instituies pblicas, poderia impulsionar programas de expanso e modernizao. De acordo com artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo:Nmeros oficiais [...] mostram que os incentivos fiscais j concedidos pelo governo federal s instituies

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privadas filantrpicas de ensino superior, foco principal do programa Universidade para Todos, seriam suficientes para dobrar o nmero de alunos nas federais. Beneficiadas com iseno fiscal, as filantrpicas consomem R$ 839,7 milhes ao ano. dinheiro que o Estado deixa de arrecadar: R$ 634 milhes em contribuies previdencirias ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e mais R$ 205,7 milhes em tributos recolhidos pela Receita Federal. Estudo feito pelo Ministrio da Educao, na gesto Cristovam Buarque, indica que seriam necessrios de R$ 800 milhes a R$ 1 bilho para criar cerca de 520 mil novas matrculas nas universidades federais (CONSTANTINO & SALOMON, 2004).

Portanto, segundo os dados apresentados, com o dinheiro que o governo deixa de arrecadar por conta de iseno fiscal concedida s instituies privadas filantrpicas, seria criado quase o dobro das vagas propostas pelo PROUNI (300 mil, no prazo de cinco anos) nas instituies pblicas de educao superior. De maneira pouco coerente, o governo tem alegado a escassez de recursos para maiores investimentos nas instituies pblicas, porm, ao mesmo tempo, pratica a renncia fiscal em nome da democratizao do acesso, que, em muitos casos, realiza-se com o sacrifcio da qualidade e sem o necessrio controle da sociedade, oferecendo aos estudantes carentes um ensino de nvel duvidoso. Os excludos da educao superior devem entrar pela porta da frente, tendo um ensino de qualidade nas universidades pblicas. Para tal, as polticas compensatrias e eleitoreiras no traro solues consistentes, s construdas, de fato, com um investimento macio, por parte do Estado, na educao pblica fundamental, mdia e superior. Ao invs de promover a democratizao do acesso educao superior dos excludos do sis-

tema, a privatizao realizada pelo PROUNI (Mancebo, 2004) refora as condies histricas de discriminao e negao desse direito aos setores populares, cristalizando a segmentao e a diferenciao da educao superior, pois destina aos pobres um ensino de menor qualidade nas instituies privadas, que, salvo excees, no realizam pesquisas e ocupam-se mais do treinamento do que da formao, compreendida no seu sentido amplo. O prprio ex-Ministro da Educao Tarso Genro, em entrevista divulgada pelo Jornal do Brasil em 23/05/2004, contraditrio ao afirmar que "a plebe vai estudar medicina e direito l na privataria" (p. A3). 3. Consideraes finais Pelo exposto, conclumos que as polticas de "democratizao" do acesso ao ensino superior do Governo Lula so passveis de crticas e reformulaes. No caso do PROUNI, a proposta pode representar um aprofundamento da privatizao do sistema de ensino superior no Brasil, uma vez que funciona como mecanismo de recuperao financeira das instituies privadas, que deixam de pagar elevadas quantias ao Estado (renncia fiscal) em troca de vagas ociosas destinadas aos alunos carentes. Para essas instituies, a medida pode significar uma ajuda financeira considervel, tendo em vista o alto ndice de inadimplncia e evaso dos estudantes. Para os alunos, por outro lado, o PROUNI pode significar um presente de grego, pois sero encaminhados para faculdades que, em sua maioria, no realizam pesquisa e oferecem um ensino de qualidade duvidosa. A democratizao do acesso ao ensino supe-

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rior s se dar de forma satisfatria com a expanso qualificada das instituies pblicas, com garantia de infra-estrutura e pessoal qualificado, o que requer recursos e investimentos por parte do governo. Alm disso, o acesso ao ensino superior deve vir acompanhado de medidas efetivas que garantam a permanncia dos estudantes nas universidades. Isto requer investimento considervel em assistncia estudantil e depende do fortalecimento da educao pblica em todos os nveis, fundamental, mdio e superior, assim como de reformas sociais profundas que conduzam a uma melhor distribuio de renda, rompendo com a aviltante desigualdade e a crnica injustia social existentes no Brasil.

4. Referncia bibliogrficaAMARAL, Nelson Cardoso. Financiamento da educao superior: estado x mercado. So Paulo: Cortez; Piracicaba: Editora UNIMEP, 2003. BRASIL, Dirio Oficial da Unio, Atos do Poder Executivo. Decreto no. 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais - REUNI. BRASIL, MEC. Projeto de Lei n?3582/2004. Institui o Programa Universidade para Todos - PROUNI, e d outras providncias. Disponvel em:< http://www.mec.gov.br > Acesso em 13 de maio de 2004. BRASIL, MEC. Projeto de Lei n?3627/2004. Institui o Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas pblicas, em especial negros e indgenas, nas instituies pblicas federais de educao superior e d outras providncias. Disponvel em: < http:// www.mec.gov.br> . Acesso em 26 de maio de 2004.

BRASIL, Medida Provisria 213, de 10/09/2004. Institui o Programa Universidade para Todos - PROUNI, regula a atuao de entidades beneficentes de assistncia social no ensino superior, e d outras providncias. Disponvel em:< http:// www.planalto.gov.br> Acesso em 20 de setembro de 2004. CONSTANTINO, Luciana; SALOMON, Marta. "Filantrpica ganha R$ 839,7 milhes de incentivo". Folha de S. Paulo. So Paulo, 12 de abril de 2004. Cotidiano, p. C1. DARIANO, Daniela. "A plebe vai estudar na privataria". Entrevista com Tarso Genro. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 23 de maio de 2004. Pas, p. A3. DIAS SOBRINHO, Jos e BRITO, Mrcia Regina F. de. "La educacin superior en Brasil: principales tendencias y desafos". Avaliao, Revista da Avaliao da Educao Superior, Campinas; Sorocaba, v.13, n. 2, pp. 487-507, jul. 2008. MANCEBO, Deise. "Universidade para Todos: a privatizao em questo". Pro-Posies, Campinas, vol. 15, n. 3(45), pp. 75-90, set./dez. 2004. PAULA, Maria de Ftima de. A modernizao da universidade e a transformao da intelligentzia universitria. Florianpolis: Insular, 2002. ____________. "A perda da identidade e da autonomia da universidade brasileira no contexto do neoliberalismo". Avaliao, Revista da Rede da Avaliao Institucional da Educao Superior, Campinas, v. 8, n. 4, pp. 53- 67, dez. 2003.

Notas1. Segundo Amaral (2003), a preos de janeiro de 2003, o total de verbas destinadas suniversidades federais caiu de R$ 14 bilhes, em 1989, para R$ 10 bilhes em 2002. 2. Na rede pblica, somente cerca de 5% das vagas oferecidas em 2003 no foram preenchidas. 3. As instituies privadas sem fins lucrativos que aderirem ao Programa ficaro isentas de recolher PIS e Cofins, o que representa um incentivo bem menor do que o concedido s instituies com fins lucrativos; na prtica, igualando ambos os tipos de instituies, no que diz respeito iseno de tributos.

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UNIVERSIDADES FEDERAIS E O REUNI:alteraes nas funes da universidade pblica brasileira

Ktia LimaProfessora-pesquisadora da Escola de Servio Social e do Programa de Ps-graduao em educao da Universidade Federal Fluminense

Introduo Este artigo apresenta alguns resultados da pesquisa que est sendo desenvolvida, financiada pelo CNPq e pela FAPERJ, sobre as reformulaes em curso nas universidades federais sediadas no Estado do Rio de Janeiro. Partindo da considerao de que estas reformulaes fazem parte das profundas alteraes realizadas na poltica de educao superior brasileira nos anos de neoliberalismo, analisa a poltica de reestruturao e expanso das universidades federais elaborada pelo Ministrio da Educao/MEC (Decreto Presidencial 6096/07), procurando desvendar seu significado poltico-pedaggico. Educao superior brasileira: uma reformulao em processo A reformulao da educao superior, que est sendo realizada pelo governo Lula da Silva, encontra-se inserida em um processo mais amplo de reordenamento do Estado brasileiro, caracterizado pela sistemtica diluio das fronteiras entre pblico e privado, a partir da materializao

da noo de pblico no estatal operada pelas parcerias entre o pblico e o privado. Esse processo atravessou o governo Cardoso, quando a educao foi includa no setor de atividades noexclusivas do Estado (SILVA JR. e & SGUISSARD, 1999), e est sendo aprofundado no atual governo por meio de mais uma fase da reforma da educao superior (NEVES, 2004; NEVES e & SIQUEIRA, 2006 e LIMA, 2007). O intenso processo de reformulao da poltica de educao superior em nosso pas est ocorrendo a partir de um conjunto de leis, decretos e medidas provisrias, como (i) o Sistema Nacional de Avaliao do Ensino Superior (Sinaes) Lei n 10.861/2004; (ii) o Decreto n 5.205/2004, que regulamenta as parcerias entre as universidades federais e as fundaes de direito privado, viabilizando a captao de recursos privados para financiar as atividades acadmicas; (iii) a Lei de Inovao Tecnolgica (n 10.973/2004), que trata do estabelecimento de parcerias entre universidades pblicas e empresas; (iv) o Projeto de Lei n 3.627/2004, que institui o Sistema Especial

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O Plano de Desenvolvimento Institucional/PDI e a poltica de avaliao implementada pelo Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior/SINAES mantm a lgica meritocrtica e produtivista.de Reserva de Vagas; (v) os projetos de lei e decretos que tratam da reformulao da educao profissional e tecnolgica; (vi) o Projeto de Parceria Pblico-Privada (PPP) (Lei n 11.079/ 2004), que abrange um vasto conjunto de atividades governamentais, (vii) o Programa Universidade para Todos (ProUni) Lei n 11.096/2005 , que trata de generosa ampliao de iseno fiscal para as instituies privadas de ensino superior; (viii) o Projeto de Lei 7.200/06, que trata da Reforma da Educao Superior e se encontrase no Congresso Nacional; (ix) a poltica de educao superior a distncia, especialmente a partir da criao da Universidade Aberta do Brasil e (x) o Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais/REUNI - Decreto Presidencial 6096/ 07 e o Banco de Professor-Equivalente. A fundamentao terica desta dessa refor mulao est expressa em algumas nucleaes bsicas como a noo da educao como bem pblico; a diversificao das instituies de ensino superior, dos cursos e das fontes de financiamento e as concepes de desenvolvimento, expanso e avaliao da educao superior brasileira. A noo da educao como um descaracterizado bem pblico cria as bases polticas e jurdicas para a diluio das fronteiras entre pblico e privado: se a educao um bem pblico e instituies pblicas e privadas prestam esse servio pblico (no-estatal), est justificada, por um lado, a alocao de verbas pblicas para as instituies privadas e a ampliao da iseno fiscal para estas essas instituies, e, por outro, o financiamento privado das atividades de ensino, pesquisa e extenso das instituies pblicas (MANCEBO, 2004). Neste Nesse sentido, o empresariamento da educao superior (NEVES, 2002), que foi iniciado com o governo Collor-Itamar, ganhando nova racionalidade com o governo Cardoso, ser aprofundado no atual governo a partir de um duplo mecanismo: a ampliao do nmero de cursos privados e a privatizao interna das instituies pblicas. Neste Nesse contexto, a burguesia de servios (BOITO JR., 1999) educacionais sai vitoriosa com os resultados da presso exercida: a ampliao da iseno fiscal realizada pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior/FIES e pelo ProUni (Carvalho, 2006) e a possibilidade de que instituies privadas brasileiras reconheam diplomas de mestrado e doutorado expedidos por instituies estrangeiras, prerrogativa que at ento era exclusiva das instituies pblicas. A outra face deste desse empresariamento1 ocorre pela abertura para participao do capital estrangeiro na educao brasileira e pelo estabelecimento de parcerias e/ou compra de pacotes educacionais para viabilizao da poltica de educao superior a distncia conduzida pelo governo federal. No interior das Instituies Federais de Ensino Superior/IFES, o Plano de Desenvolvimento Institucional/PDI e a poltica de avaliao implementada pelo Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior/SINAES mantm a lgica meritocrtica e produtivista que orientou a poltica de avaliao do governo Cardoso e natu-

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raliza a privatizao interna das IFES pela diversificao das suas fontes de financiamento realizada por meio da constituio de receitas prprias geradas com a venda de servios educacionais atravs das fundaes de direito privado (MeloMELO, 2006). A diversificao das instituies de ensino superior e dos cursos ser aprofundada. Alm da estruturao em universidades, centros universitrios e faculdades isoladas, a reformulao da poltica de educao superior apresenta os cursos seqenciais, os cursos de curta durao, os cursos de formao geral e formao especfica e a emisso de diplomas, certificados e atestados de aproveitamento como formas de aligeiramento da formao profissional. Uma das mais importantes referncias deste desse processo de certificao em larga escala o Programa REUNI divulgado pelo MEC em 2007 como parte do Plano de Desenvolvimento da Educao/PDE. O Programa REUNI: as alteraes em curso nas universidades federais O PDE apresenta um conjunto de aes consideradas como prioritrias para o governo federal.2 . Considerando os limites deste artigo, deterei minhas anlises no significado poltico-pedaggico do Decreto Presidencial 6096/07, que institui o REUNI (Brasil/Presidncia da Repblica, 2007), do Documento intitulado Diretrizes gerais do Decreto 6096 - REUNI: Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (Brasil/ MEC, 2007a.) e das Portarias Interministeriais que tratam do Banco de Professores Equivalentes

(Brasil, MEC/MPOG, 2007). O REUNI foi divulgado pelo governo Lula da Silva atravs de um Decreto Presidencial (6096/07) e apresenta os seguintes objetivos: Elevar a taxa de concluso dos cursos de graduao para 90%; Aumentar o nmero de estudantes de graduao nas universidades federais; Aumentar o nmero de alunos por professor em cada sala de aula da graduao; Diversificar as modalidades dos cursos de graduao, atravs da flexibilizao dos currculos, da criao dos cursos de curta durao e/ou ciclos (bsico e profissional) e da educao a distncia; Incentivar a criao de um novo sistema de ttulos; Viabilizar a mobilidade estudantil entre as instituies (pblicas e/ou privadas) de ensino. Todas estas essas aes devero ser realizadas no prazo de cinco anos. Para implementar esta poltica, as Portarias Interministeriais nmeros 22 e 224/07 (Brasil, MEC/MPOG, 2007) representam as primeiras medidas efetivas de implementao do Decreto presidencial, constituindo, em cada Universidade, um instrumento de gesto administrativa de pessoal: o banco de professores-equivalentes. O banco ser operacionalizado, dando-se a cada docente em exerccio em 31/12/06 um peso diferenciado, segundo o seu regime de trabalho.

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A adeso das universidades federais ao REUNI implica diretamente dois nveis de precarizao: a da formao profissional e do trabalho docente.Na medida em que o REUNI objetiva a expanso do ensino de graduao, fica evidente que aes do governo estimulam as universidades federais contratao de professores em regime de trabalho de 20 horas para o trabalho em sala de aula da graduao, esvaziando o sentido do regime de trabalho em dedicao exclusiva, base de realizao da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extenso. A adeso das universidades federais ao REUNI implica diretamente dois nveis de precarizao: a da formao profissional e do trabalho docente. A precarizao da formao ocorre atravs do atendimento de um maior nmero de alunos por turma, da criao de cursos de curta durao e/ou ciclos (bsico e profissionalizante), representando uma formao aligeirada e desvinculada da pesquisa. Considerando a necessidade do cumprimento das metas de expanso apresentadas no decreto, atravs do aumento do nmero de turmas, de cursos e da relao professor-aluno em sala de aula da graduao, a dinmica de contratao de professores nas universidades dever pautar-se no banco de professores-equivalentes, precarizando ainda mais as condies de trabalho docente (VALE, 2008). A proposta de diversificao dos cursos de graduao apresentada pelo REUNI no constitui, entretanto, nenhuma novidade, mas sim a reatualizao das polticas elaboradas pelo Banco Mundial para os pases da periferia do capitalismo que expressam a concepo de educao para estes esses pases: adaptao e difuso de conhecimentos (LEHER, 1998 e SIQUEIRA, 2004). Analisando as bases de fundamentao terica e poltica do Programa REUNI, encontramos como referncia a reformulao da educao superior europia europeia denominada processo de Bolonha, que tem seu incio em 1999 e prossegue no incio do novo sculo com a finalidade de construir um espao europeu de educao superior at o ano 2010, atravs da adoo de sistema de graus comparvel ; de um sistema baseado, essencialmente, em ciclos e da promoo da mobilidade de estudantes. Esse Um um processo que vem sofrendo duras crticas pela fragmentao da formao profissional que realiza e pelo indicativo de formao de um promissor mercado educacional europeu, facilitando a ao das empresas educacionais (ROSA, 2003). Simultaneamente, o REUNI uma face do Projeto Universidade Nova (UFBA, 2007). Apesar de o REUNI e do UniNova apresentarem as mesmas argumentaes (LDA, 2007) e a mesma proposta de elaborao de uma nova arquitetura curricular para as universidades pblicas atravs da organizao de bacharelados interdisciplinares/BI (ciclos bsicos - comuns a vrias reas de conhecimento - e ciclos profissionalizantes), o UniNova, na medida em que centralizou sua proposta nessta nova arquitetura curricular, gerou um conjunto de crticas de reitores e demais administradores das universidades federais que reivindicavam financiamento pblico para a realizao das metas de expanso e reestruturao destas dessas instituies. O REUNI, portanto, o UniNova com (algum) financiamento pblico condicionado ao cumprimento de

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metas expressas em um contrato de gesto estabelecido entre cada IFES e o MEC. O documento intitulado Diretrizes Gerais do REUNI apresenta as estratgias de controle e acompanhamento impostas pelo MEC, demonstrando que no existe autonomia efetiva das universidades para elaborao de seus planos prprios de expanso:O processo de acompanhamento da execuo das metas propostas pelas universidades integrantes do REUNI ser realizado por meio da Plataforma PingIFES (...) seus dados so utilizados na distribuio dos recursos oramentrios das IFES, a partir de critrios acordados com os rgos de representao das universidades [com base no] horizonte fixado pelas metas relativas abertura de novas vagas, s taxas de concluso dos cursos e ao aumento gradativo da relao entre o nmero de alunos e professor estabelecidas nos projetos de cada universidade aderente (...). Alm disso, o processo de verificao das informaes incorporar a extensa gama de dados coletados por diversos rgos (INEP, CAPES), inserindo-se, ainda, no contexto do sistema de avaliao estabelecido pelo SINAES [e articulado ao] envio de analistas in loco, cuja anlise dever estar especialmente focada nos aspectos previstos no REUNI e consolidados na proposta da universidade (Brasil/MEC, 2007, pp.19-/20).

mais subsumidas pela lgica do mercado e do Estado e, competitiva, nos marcos da produtividade e do empreendedorismo que hoje atravessam e constituem o trabalho docente e a formao profissional nas universidades federais. Consideraes finais As anlises dos documentos acima indicados demonstram que est em curso uma profunda reconfigurao da formao profissional e do trabalho docente realizado nas universidades federais brasileiras. Uma reconfigurao operacionalizada pela diversificao das modalidades da graduao e de itinerrios formativos que criam as bases para a fragmentao e aligeiramento da formao e a quebra da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extenso, trip da universidade pblica brasileira; pela reafirmao da educao a distncia e do uso intensivo de tecnologias no ensino presencial; pelo aproveitamento de crditos, prova de proficincia e a circulao de estudantes entre cursos e programas, e entre instituies de educao, pblicas e privadas, operacionalizando mais uma estratgia de diluio das fronteiras entre pblico e privado na poltica educacional. Essa reconfigurao da formao e do trabalho docente altera significativamente as funes sociais da universidade pblica, reduzida a uma universidade de ensino. Esse Um um processo que ocorre de forma intensa, mas enfrentando muitas resistncias daqueles que insistem em defender a universidade pblica, gratuita e de qualidade, instituio social de produo e difu-

Dessa forma, o REUNI e o Banco de professor-equivalente tm como objetivos alterar substantivamente o sentido das universidades federais, transfigurando suas funes sociais, reduzidas s atividades de uma universidade de ensino, baseada no modelo neoprofissional, heternomo e competitivo (SGUISSARD, 2003). Uma universidade de ensino ou uma escola profissional; heternoma, no sentido de que suas atividades poltico-pedaggicas estariam cada vez

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so de conhecimentos referenciados nas lutas histricas dos trabalhadores e trabalhadoras do nosso pas. Referncias bibliogrficasBOITO JUNIOR, Armando.Poltica neoliberal e sindicalismo no Brasil. So Paulo: Xam, 1999. BRASIL/Ministrio da Educao e Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto. Portarias Interministeriais n. 22 e 224. Constitui em cada universidade federal um banco de professorequivalente.Disponvel em http://www.adunb.org/ portaria_interministerial22.pdf. Acesso em 22 de agosto de 2007. BRASIL/Ministrio da Educao. Diretrizes gerais do Decreto 6096 - REUNI Reestruturao e Expanso das Universidades Federais. vel em http:// portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/ diretrizesreuni.pdf. Acesso em 22 de agosto de 2007a. BRASIL/Ministrio da Educao. Plano de Desenvolvimento da Educao.Disponvel em http:// portal.mec.gov.br/ index.php?option=content&task=view&id= 593&Itemid=910&sistemas=1. Acesso em 22 de agosto de 2007. BRASIL/MEC/SESU. Termo de Acordo de Metas celebrado entre a UFF e o MEC por intermdio da SESU assinado aos 13 dias do ms de maro de 2008 e publicado no Dirio Oficial da Unio em 19 de maro de 2008, seo 3.Disponvel em http:// www.aduff.org.br/especiais/observatorio01.htm. Acesso em 28 de Janeiro de 2009. BRASIL/Presidncia da Repblica. Decreto 6096 de 24 de abril de 2007. o Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais - REUNI. Disponvel em http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/ decreto/d6096.htmAcesso em 22 de agosto de 2007.

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Notas A anlise da disputa entre fraes da burguesia no que tange organizao da educao superior brasileira desenvolvida em Rodrigues, 2007. 2 Para aprofundar as anlises sobre o PDE consultar Saviani, 2007.1

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FINANCIAMENTO PBLICO DA UERJ:uma questo de autonomia

Susana Moreira PadroProfessora do Instituto de Nutrio Diretora de Planejamento da Uerj, no perodo de 2004 a 2007

1. Introduo As universidades pblicas brasileiras, desde sua origem, nunca foram parte integrante dos projetos de desenvolvimento do pas. Criada tardiamente, em 1920, a primeira universidade no Brasil constituiu-se pela justaposio de algumas instituies isoladas, no perodo da Repblica Velha, muito mais por presses de alguns grupos sociais e por receio do governo central de perder o controle sobre o ensino superior do que como importante alicerce para o desenvolvimento do pas no incio daquele sculo. Passaram pelo Estado Novo, atravessaram o perodo Desenvolvimentista, onde as exigncias do capital por uma mo de obra qualificada tornavam-se intensas, sobreviveram Ditadura Militar e ao milagre econmico, entraram na Nova Repblica, incio da transio democrtica, e resistem bravamente, j no sculo XXI, ao neoliberalismo, apesar de todas as tentativas de submet-las exclusivamente aos interesses privados e s demandas de mercado.

As instituies de ensino superior pblicas, e em particular as universidades, nascem estatais, fragmentadas e controladas pelos governos, permanecendo tuteladas at os dias de hoje, sendo os instrumentos de controle mais tnues ou cerceadores dependendo do regime poltico instalado. possvel destacar, nesse percurso, apenas duas instituies que nascem a partir de projetos mais arrojados de universidade e comprometidos com algumas demandas da sociedade: a Universidade do Distrito Federal, em 1935, projetada por Ansio Teixeira, extinta pelo Estado Novo, e a Universidade de Braslia, idealizada por Darcy Ribeiro, em 1961, que sofre interveno da ditadura militar, tendo seu projeto inicial totalmente descaracterizado. Pelo fato de no ter sido considerada, em nenhuma etapa de sua trajetria e para governo algum desde a sua criao, uma instituio estratgica para as polticas dos governos institudos, a universidade nunca esteve no mbito de prioridades dos investimentos pblicos, tendo sido submetida, em diversas ocasies, a severas restri-

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pontodevista

es de recursos. De maneira geral, o desfinanciamento pblico, atravs do corte de verbas, de polticas de incentivam a expanso das instituies privadas e da captao de recursos pela prpria universidade, bem como a transferncia de recursos pblicos para as instituies particulares, so mecanismos comuns a toda a legislao pertinente ao ensino superior que prevaleceu durante esta trajetria. Um rpido retrospecto da histria dessas universidades, com destaque para os principais legislaes e projetos implementados, indica o carter privatizante das polticas pblicas durante tal perodo. Essa perspectiva se faz presente, antes mesmo do advento das universidades, no processo de desoficializao das instituies de ensino superior, que possibilitou a criao das primeiras instituies privadas, no incio do sculo XX. Passa pelo Estatuto das Universidades Brasileiras, de 1931, pelas Leis de Diretrizes e Bases da Educao, de 1961 e 1996, pelos Planos Nacionais de Educao, de 1965 e 2001, pela Reforma Universitria da ditadura militar, promovida em 1968, que implantou o Programa de Crdito Educativo, at finalmente a instituio do Programa Universidade Para Todos, em 2005. O financiamento pblico das universidades me parece uma premissa bsica para que a instituio conquiste e exera sua autonomia. Condio necessria para a produo de conhecimento que contemple a toda a sociedade, para a liberdade do pensamento crtico e a formao de cidados que sejam agentes de transformao social, for-

talecendo a posio estratgica da universidade na construo de uma sociedade justa e democrtica. Caso contrrio, a busca de recursos junto iniciativa privada provavelmente submeter a instituio aos interesses de seus novos financiadores, que dificilmente sero conciliveis com os da sociedade como um todo, pela prpria dinmica do sistema econmico, cujas premissas parecem incompatveis com a ideia de universidade pblica, autnoma e democrtica. Nesta perspectiva, a produo realizada pela instituio, como resultado de suas pesquisas e da formao profissional, tenderia a ser apropriada para a realizao de lucros e acumulao de capital. Partindo desse pressuposto, este estudo foi desenvolvido para se averiguar a suficincia dos recursos pblicos disponibilizados para a manuteno e custeio da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, bem como os investimentos realizados na instituio atravs desses recursos. Contribuiu, ainda, para esta iniciativa a percepo da comunidade universitria acerca de suas precrias condies de trabalho, da falta de manuteno de sua estrutura e das instalaes prediais e dos salrios percebidos, sem reposies nos ltimos 8 anos. Para a avaliao dos valores oramentrios liberados e executados pela universidade, alguns elementos devem ser considerados: - os valores totais disponibilizados pelo Governo do Estado para o custeio e para investimentos; - os mecanismos de liberao, ou seja, se os

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Tomo agora a iniciativa de socializar tais informaes na expectativa de ampliar, junto comunidade universitria, o entendimento acerca dos dados oramentrios disponibilizados.recursos so liberados de acordo com programao da universidade, tanto em relao ao tipo de despesa quanto aos montantes; - os controles ou restries do uso dos recursos captados pela prpria universidade, atravs de convnios ou de prestao de servios que impedem sua aplicao; - os critrios utilizados pelos gestores da universidade para aplicao dos recursos liberados e a possibilidade de controle dessas despesas por parte da comunidade acadmica. da universidade. O perodo estudado compreende os anos de 1999 a 2008 e os dados foram levantados no stio oficial da Diretoria de Planejamento e Oramento da UERJ, disponvel para consulta. Esse perodo foi escolhido considerando os governos de Anthony Garotinho (1999/2002), Rosinha Garotinho (2003/2006) e parte de Srgio Cabral (2007/2008), na expectativa de se verificarem os impactos desses governos nas liberaes e execues oramentrias. Os dados e as anlises sero apresentados aqui na forma descritiva. A Comisso de Planejamento do Conselho Universitrio tem como principal atribuio o acompanhamento da execuo oramentria da universidade, sendo a Diplan um rgo da administrao central, responsvel pela consolidao e execuo do oramento da universidade, que elaborado a partir das informaes encaminhadas pelos rgos centrais e unidades acadmicas. Submetido e aprovado pelo Conselho Universitrio, o documento encaminhado ao Governo do Estado. A despeito dos valores apresentados no oramento, o governo encaminha universidade, atravs de seu sistema de gerenciamento (SIG), os limites oramentrios destinados universidade para execuo no prximo exerccio, estabelecidos pelos seus rgos de planejamento. Na prtica, os valores fixados no consideram as demandas e os investimentos necessrios manuteno e ao funcionamento da instituio aprovados pelo Conselho Universitrio.

2. Oramento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro As anlises apresentadas neste estudo so frutos das experincias vividas durante gesto como Conselheira da Comisso Permanente de Planejamento e Desenvolvimento do Conselho Universitrio, instncia suprema de deliberao e normatizao da universidade, e na direo da Diretoria de Planejamento e Oramento da UERJ (Diplan) experincias que considero enriquecedoras e me possibilitaram conhecer e desvendar os mecanismos de financiamento da universidade. Tomo agora a iniciativa de socializar tais informaes na expectativa de ampliar, junto comunidade universitria, o entendimento acerca dos dados oramentrios disponibilizados pela administrao, mas que em sua maioria so de difcil apreenso, e, com isto, facilitar o acompanhamento e controle da execuo oramentria

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possvel inferir, a partir desses procedimentos, que o tratamento conferido pelo Governo do Estado ao oramento encaminhado simplesmente de desconsiderao, j que os valores estabelecidos pelo sistema no guardam nenhuma relao com os dados enviados pela universidade, tanto no que diz respeito ao montante como em sua distribuio nos diferentes programas e investimentos aprovados internamente. O oramento elaborado pelo governo, para toda administrao, calculado considerando a receita prevista, atravs de sua arrecadao, e a execuo do ano anterior, tendo como prioridade seus prprios projetos e interesses polticos. As especificidades da universidade em relao aos demais rgos da administrao direta e indireta, assim como sua autonomia, so, na verdade, desconsideradas. importante ressaltar que tratamento semelhante dado Universidade do Estado do Norte Fluminense (UENF). Vale esclarecer, ainda, que o oramento elaborado pelo executivo e aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado (ALERJ) tem um carter autorizativo, ou seja, sua execuo condicionada realizao da receita prevista e, caso no se concretize, o governo tem a prerrogativa de contingenciar (congelar) os valores disponibilizados para os rgos da forma que melhor lhe convier. Alm disto, faz parte do jogo poltico a aprovao, pela ALERJ, de um percentual em relao ao total do oramento aprovado que o governo poder remanejar e alocar segundo suas prioridades.

Iniciados o ano letivo e a execuo oramentria, os recursos so liberados de acordo com programao definida pela Secretaria de Planejamento, que normalmente estabelece uma periodicidade mensal. Todavia, essa poltica est sujeita a alterao a cada novo governo, o que implica a reorganizao da estrutura e do planejamento da universidade para se adequar nova realidade, que no depende de suas prprias motivaes e necessidades, mas so vindas de fora da instituio. Dentro dos limites liberados mensalmente, a administrao da universidade solicita os recursos de acordo com sua programao, ou seja, o pedido feito com o cdigo que indica que tipo de despesa ser coberta com aquele recurso. As despesas, em todo o estado, so classificadas conforme sua natureza e recebem um cdigo que as identifica, como, por exemplo: pagamento de pessoal contratado e de bolsas para graduao, material de consumo, viagens e dirias, manuteno, entre outras. Desta forma, possvel identificar, no oramento executado e nos grupos de despesa, como o recurso liberado foi utilizado. Como em geral os valores no so suficientes para a cobertura de todas as demandas da universidade, a prpria administrao quem determina as prioridades e como ser realizada a distribuio desse oramento. Qualquer gasto que a universidade precise realizar, seja de custeio ou investimento, mesmo previsto em seu oramento, mas que ultrapasse o valor da liberao mensal ou bimestral progra-

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Os recursos necessrios para a realizao de investimentos na universidade, como a ampliao de instalaes ou a aquisio de novos equipamentos, sempre foram mais difceis de ser obtidos.mada, exige intensas rodadas de negociaes com o governo e, no caso de no haver previso oramentria, as dificuldades tornam-se bem maiores. Nessas situaes, a liberao dos recursos depende, na maioria das vezes, da insero poltica do gestor da universidade no governo e do interesse poltico pelos projetos apresentados, no estando sua justificao, portanto, atrelada a critrios claros e transparentes nem relevncia acadmica e ao atendimento de demandas sociais mais urgentes. Os recursos necessrios para a realizao de investimentos na universidade, como a ampliao de instalaes ou a aquisio de novos equipamentos, sempre foram mais difceis de ser obtidos, sob a argumentao, por parte dos governos, de que investimentos geram aumento de recursos para manuteno e custeio. Para se ter uma ideia da dimenso do problema, no perodo estudado, de 1999 a 2008, praticamente nenhum investimento proveniente de Fonte do Tesouro foi realizado na universidade, com exceo dos anos 2006 e 2008. Em 2006, para o trmino do Ncleo Perinatal, maternidade construda no Hospital Universitrio Pedro Ernesto, que estabelecia uma contrapartida financeira no contrato firmado com o Ministrio da Sade, sob pena de pagamento de multa expressiva, e, em 2008, para reconstruo de parte das instalaes da universidade, atingida pelo incndio de 2007, e reparos na fachada do prdio principal. Portanto, duas ocorrncias cujas intervenes eram inevitveis. Fora essas aplicaes, mais nenhum outro aporte financeiro significativo foi realizado com recursos do governo, nem mesmo para recuperao das instalaes prediais, j bastante danificadas. Por fim, importante esclarecer que os recursos liberados periodicamente atualmente no so repassados universidade sob a forma de espcie e sim como recursos oramentrios, o que, na prtica, significa uma autorizao para realizao da despesa. Uma vez efetivada a despesa, procede-se o encaminhamento da nota Secretaria de Fazenda, que providenciar o pagamento, podendo ou no ser realizado de acordo com seu vencimento, dependendo da poltica de governo estabelecida para tal fim. Essa nota de despesa recebe a denominao, no jargo contbil do estado, de Programao de Desembolso (PD). Esse procedimento acarreta diversos problemas para a gesto da universidade, como a cobrana de fornecedores e prestadores de servios que, no recebendo o que lhes devido nos prazos contratados, cancelam entregas e paralisam suas atividades, bem como a dificuldade de contratar servios e adquirir materiais diversos a preos competitivos. As consequncias mais imediatas so os preos acima do mercado que, por vezes, temos de assumir e os juros e multas com que a universidade tem de arcar pelos atrasos nos pagamentos, os quais comprometem parte do oramento da universidade, ficando a instituio de mos atadas frente a essas situaes. Alm das consequncias mais imediatas e de ordem operacional apontadas acima, parece-nos

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muito mais grave a situao de total atrelamento s regras impostas pelo governo, que afrontam diretamente a autonomia da universidade, impedindo que a instituio possa gerir seus recursos, que, como veremos mais frente, incluem tambm aqueles classificados como recursos prprios, afetando o planejamento e o desenvolvimento de suas atividades fim: o ensino, a pesquisa e a extenso. 3. Fontes de financiamento Os valores que compem o oramento pblico so classificados em diferentes fontes que identificam a origem do recurso e algumas vezes seu destino. So cdigos padronizados e divulgados em documento denominado Classificador de Receita e Despesa do Estado, que revisado e atualizado periodicamente pelos rgos competentes. No caso da UERJ, as fontes de recursos que constituem seu oramento esto discriminadas na Tabela 1.Tabela 1 Fontes de recurso

Os recursos provenientes do Tesouro, Fonte 00, so pblicos e advindos da arrecadao do

estado. Alm dessa codificao, o recurso pblico pode receber outros cdigos, como no caso da Fonte 22, cujo destino foi previamente definido quando da criao do Fundo Estadual de Combate Pobreza e Desigualdades Sociais (FECP), aprovado pela ALERJ, mas sem ter carter permanente. Nessas situaes, os valores que constituem tais fundos esto vinculados percentualmente a uma parcela da receita do estado e devem, necessariamente, ser utilizados de acordo com o que a Lei determinar. A Fonte 22, que passa a compor o oramento da UERJ a partir de 2007, tem sido utilizada em despesas realizadas com o programa de incentivo permanncia dos alunos cotistas, no pagamento de bolsas de auxlio e despesas diversas, que objetiva facilitar a permanncia e a concluso do curso de graduao pelos alunos que ingressam atravs do sistema de cotas. A utilizao desse tipo de recurso em programas permanentes como esse, pelo menos at a lei vigorar, pode ser uma estratgia do Governo do Estado para justificar o uso dos percentuais exigidos por Lei. Procedimento mais adequado seria dotar o prprio oramento da universidade com os valores necessrios para cobrir tais despesas, que tambm foram estipuladas atravs de legislao prpria. Na realidade, outros cdigos como a Fonte 22, que constituem recursos pblicos, so criados para que se possa acompanhar e controlar a aplicao efetiva dos recursos conforme estabelecido pela legislao. De outra forma, seria mui-

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Todo o custeio do Hospital Universitrio Pedro Ernesto coberto com o oramento da Secretaria de Sade/Fundo Estadual de Sade, acrescido dos recursos advindos do SUS.to difcil controlar sua alocao. Alm