REGIME INTERNACIONAL PARA REFUGIADOS - … objetivo deste artigo é discutir as dificuldades e os...

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17 RESUMO REGIME INTERNACIONAL PARA REFUGIADOS: MUDANÇAS E DESAFIOS Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 17-30, out. 2010 Recebido em 17 de novembro de 2009. Aprovado em 25 de abril de 2010. Rossana Reis Rocha Julia Bertino Moreira O objetivo deste artigo é discutir as dificuldades e os dilemas envolvidos na gestão da questão dos refugiados na ordem global contemporânea. Com essa finalidade, apresentaremos a evolução institucional das normas e das organizações que compõem o regime internacional para refugiados, elaborado no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), desde o final da II Guerra Mundial até os dias de hoje. Ao longo dessa apresentação, acreditamos ser possível identificar as origens de alguns dos problemas que ainda hoje afetam o tratamento dado ao problema dos refugiados, assim como destacar os fatores mais recentes que acrescentam novas dificuldades ao funcionamento do regime. Finalmente, concluímos que os principais desafios a serem enfrentados relacionam-se ao desenho institucional da organização internacional, sobretudo seu mandato e suas fontes de financiamento. Além disso, entendemos que o regime deveria ser fortalecido para solucionar de maneira mais eficaz os problemas vivenciados pelos refugiados na atualidade. Todavia, reconhecemos que há entraves políticos para que seja reaberto o debate sobre a revisão desse regime internacional. O processo de reformulação deveria ocorrer de forma compartilhada entre diversos atores no cenário internacional, sendo de responsabilidade não só da agência da ONU que atua em prol dos refugiados, mas também dos Estados e da sociedade civil global. PALAVRAS-CHAVE: refugiados; ACNUR; organização internacional; regime internacional. I. INTRODUÇÃO: DEFININDO A QUESTÃO – O REGIME INTERNACIONAL PARA REFUGIADOS As migrações não constituem um fenômeno recente, tendo em vista que, desde os primórdios da história da humanidade, os seres humanos deslocam-se, por vontade própria ou involuntariamente. O que é, de fato, novo é que, a partir de meados do século XX, diversos Estados participantes do sistema internacional passaram a reconhecer a fuga, por medo de perseguição em função de raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou filiação social, como um direito do indivíduo, protegido por uma legislação internacional. Essa mudança se deveu, sobretudo, à preocupação dos países aliados com a estabilidade da Europa e a uma mobilização significativa para encontrar uma solução humanitária para as cerca de 40 milhões de pessoas deslocadas de seu local de origem pelos regimes totalitários que se implantaram na Europa, na primeira metade do século XX, e pela II Guerra Mundial (HOBSBAWM, 1995). Fronteiras foram deslocadas, países foram devastados, e a Europa foi cindida por uma cortina de ferro que separava dois modelos diferentes de organização social e legitimidade política: o capitalista e o socialista. O encaminhamento dado à questão dos deslocados rapidamente converteu-se em uma questão política da maior importância em um momento no qual Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS) lutavam para consolidar suas posições como superpotências e expandir suas esferas de influência. Nesse contexto, a Organização das Nações Unidas (ONU) veio representar um papel fundamental. A criação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) ensejou um debate sobre o mandato dessa organização entre os países no seio da ONU. A Europa Ocidental defendia uma agência forte e independente, capaz de angariar fundos. Os Estados Unidos, preocu-pados com a questão orçamentária, propunha um organismo temporário que exigisse pouco finan-ciamento e não pudesse receber contribuições. A URSS, por fim, DOSSIÊ “RELAÇÕES INTERNACIONAIS: NOVOS CENÁRIOS E AGENDAS”

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 17-30 OUT. 2010

RESUMO

REGIME INTERNACIONAL PARA REFUGIADOS:MUDANÇAS E DESAFIOS

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 17-30, out. 2010Recebido em 17 de novembro de 2009.Aprovado em 25 de abril de 2010.

Rossana Reis Rocha Julia Bertino Moreira

O objetivo deste artigo é discutir as dificuldades e os dilemas envolvidos na gestão da questão dos refugiadosna ordem global contemporânea. Com essa finalidade, apresentaremos a evolução institucional das normase das organizações que compõem o regime internacional para refugiados, elaborado no âmbito daOrganização das Nações Unidas (ONU), desde o final da II Guerra Mundial até os dias de hoje. Ao longodessa apresentação, acreditamos ser possível identificar as origens de alguns dos problemas que ainda hojeafetam o tratamento dado ao problema dos refugiados, assim como destacar os fatores mais recentes queacrescentam novas dificuldades ao funcionamento do regime. Finalmente, concluímos que os principaisdesafios a serem enfrentados relacionam-se ao desenho institucional da organização internacional, sobretudoseu mandato e suas fontes de financiamento. Além disso, entendemos que o regime deveria ser fortalecidopara solucionar de maneira mais eficaz os problemas vivenciados pelos refugiados na atualidade. Todavia,reconhecemos que há entraves políticos para que seja reaberto o debate sobre a revisão desse regimeinternacional. O processo de reformulação deveria ocorrer de forma compartilhada entre diversos atoresno cenário internacional, sendo de responsabilidade não só da agência da ONU que atua em prol dosrefugiados, mas também dos Estados e da sociedade civil global.

PALAVRAS-CHAVE: refugiados; ACNUR; organização internacional; regime internacional.

I. INTRODUÇÃO: DEFININDO A QUESTÃO –O REGIME INTERNACIONAL PARAREFUGIADOS

As migrações não constituem um fenômenorecente, tendo em vista que, desde os primórdiosda história da humanidade, os seres humanosdeslocam-se, por vontade própria ouinvoluntariamente. O que é, de fato, novo é que, apartir de meados do século XX, diversos Estadosparticipantes do sistema internacional passaram areconhecer a fuga, por medo de perseguição emfunção de raça, religião, nacionalidade, convicçõespolíticas ou filiação social, como um direito doindivíduo, protegido por uma legislaçãointernacional.

Essa mudança se deveu, sobretudo, àpreocupação dos países aliados com a estabilidadeda Europa e a uma mobilização significativa paraencontrar uma solução humanitária para as cercade 40 milhões de pessoas deslocadas de seu localde origem pelos regimes totalitários que seimplantaram na Europa, na primeira metade doséculo XX, e pela II Guerra Mundial

(HOBSBAWM, 1995). Fronteiras foramdeslocadas, países foram devastados, e a Europafoi cindida por uma cortina de ferro que separavadois modelos diferentes de organização social elegitimidade política: o capitalista e o socialista.

O encaminhamento dado à questão dosdeslocados rapidamente converteu-se em umaquestão política da maior importância em ummomento no qual Estados Unidos (EUA) e UniãoSoviética (URSS) lutavam para consolidar suasposições como superpotências e expandir suasesferas de influência. Nesse contexto, aOrganização das Nações Unidas (ONU) veiorepresentar um papel fundamental.

A criação do Alto Comissariado das NaçõesUnidas para os Refugiados (ACNUR) ensejou umdebate sobre o mandato dessa organização entre ospaíses no seio da ONU. A Europa Ocidental defendiauma agência forte e independente, capaz de angariarfundos. Os Estados Unidos, preocu-pados com aquestão orçamentária, propunha um organismotemporário que exigisse pouco finan-ciamento e nãopudesse receber contribuições. A URSS, por fim,

DOSSIÊ “RELAÇÕES INTERNACIONAIS: NOVOS CENÁRIOS EAGENDAS”

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empenhou-se em boicotar as negociações, dianteda ausência de interesse em colocar o tema dosrefugiados na pauta da agenda internacional (ALTOCOMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARAOS REFUGIADOS, 2000).

Apesar dessas divergências, o ACNUR foiestabelecido em dezembro de 1950, passando afuncionar no início do ano seguinte, voltando-separa a atuação em prol dos refugiados europeus.A organização contava com o pequeno orçamentoda Assembléia Geral da ONU e tinha todas asdemais despesas financiadas por contribuiçõesvoluntárias. Desde o princípio de suas atividades,o ACNUR teve um financiamento insuficiente paraa execução de todos os seus programasdirecionados aos refugiados. Além disso, elapossuía apenas 33 funcionários, um restritonúmero de parceiros, um orçamento de 300 000dólares (idem). Ao longo das décadas, no entanto,seu mandato e suas atividades foram se expandindoe se modificando, como veremos adiante.

Desde o início, o estatuto do ACNUR definiuseu trabalho como apolítico, social e humanitário,porém a bibliografia existente sobre a organizaçãodemonstra que, na prática, a separação entreatividade política e humanitária, principalmente nosanos da Guerra Fria, foi virtualmente impossível.De fato, na questão dos refugiados, as duasdimensões - humanitária e política - estãoentrelaçadas de modo indissociável. Humanitáriaporque se refere a seres humanos que têm suasvidas ou seus direitos mais fundamentaisameaçados ou já violados e, por isso, precisamcom urgência de proteção. Política porque dependede decisões de Estados e instituições que se guiampor outros tipos de interesse. Hyndman (2000)vai ainda mais longe e defende que não há soluçõeshumanitárias apolíticas capazes de lidar comdeslocamentos humanos, uma vez que estes sãoeventos políticos. Para a autora, o humanitarismoconstitui um processo politizado que balanceia asnecessidades dos refugiados e de outras pessoasdeslocadas com os interesses dos Estados. Emrazão disso, o ACNUR caracteriza-se, ao contráriodaquilo que pretende, como uma organizaçãoaltamente politizada, que tem de lidar, ainda quesem admitir, com as implicações decorrentes dessadupla dimensão, como abordaremos em maiorprofundidade ao longo do texto.

A politização inevitável da instituição do refúgioconverte-se muitas vezes em frustração para

aqueles que trabalham pelos refugiados, seja noplano das organizações internacionais, como oACNUR, seja no plano das organizações não-governamentais1.

II. CONVENÇÃO DE 1951: A CONSTRUÇÃODA DEFINIÇÃO DE "REFUGIADO"

Além da criação de um organismo que sededicasse ao grupo, era preciso definir o que seentenderia como "refugiado", delimitando o seusignificado por meio de um tratado internacional: aConvenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados,de 1951. É relevante enfatizar que o regimeinternacional para refugiados relaciona-sediretamente com o regime internacional dos direitoshumanos e foi estabelecido poucos anos depoisdeste. Ainda no contexto do pós-guerra, a questãodos direitos humanos passou a ser debatida pelacomunidade internacional, diante das atrocidadescometidas por regimes totalitários. O Estado e seusagentes, embora possuam a atribuição de assegurare concretizar os direitos humanos de seus cidadãos,passaram a ser considerados como potenciaisvioladores destes direitos mais fundamentais. Issolevou à constituição do regime internacional dosdireitos humanos no âmbito da ONU, com aDeclaração Universal de 1948, que garantia umasérie de direitos aos indivíduos, passando areconhecê-los como sujeitos de direito no planointernacional. O texto previa, entre outros, o direitode procurar e gozar asilo a toda pessoa vítima deperseguição. No entanto, vale salientar que o direitodo indivíduo perseguido em seu país de origem debuscar asilo, dirigindo-se a outro país e solicitando-lhe proteção, não se confunde com o direito aoasilo, ou seja, à concessão desta proteção peloEstado de destino (ANDRADE, 2001, p. 100).Tanto assim que a Declaração Universal reconheceuo direito do indivíduo de procurar asilo, mas não aobrigação dos Estados de concedê-lo - da mesmaforma como ocorreu com a Convenção de 1951,como veremos adiante. Isso porque a concessãodo asilo (ou refúgio) é um ato soberano do Estado,que decorre de outra atribuição estatal: o controleterritorial e de suas fronteiras. Portanto, consistenuma decisão política, calcada em complexosinteresses.

1 Uma boa descrição das dificuldades de conciliarconstrangimentos políticos e preocupações humanitáriasem campo nos é oferecida por Samantha Power na biografiade Sérgio Vieira de Mello, publicada pela Companhia dasLetras em 2008: O homem que queria mudar o mundo.

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A conferência internacional em que se discutiua redação do texto da Convenção de 1951 tambémfoi marcada por um acirrado debate entre os paísesque dela participaram. Os representantes dos paísesque estiveram presentes no evento dividiram-se emduas posições distintas. A primeira delas, chamadade corrente europeísta (ou eurocêntrica), pretendiaque apenas os europeus pudessem ser reconhecidoscomo refugiados. Já a segunda, denominadauniversalista, sustentava que o termo refugiadopudesse abarcar pessoas de todas e quaisquerorigens (ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕESUNIDAS PARA OS REFUGIADOS, 1970a). Oconsenso a que se chegou resumiu-se a atrelar oalcance do termo a uma decisão estatal dada nomomento de adesão ao instrumento (ALTOCOMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARAOS REFUGIADOS, 1970b), mas que, vale frisar,poderia ser alterada posteriormente por meio de umasimples comunicação ao Secretário-Geral da ONU.Assim, a partir da definição de refugiado, que ficouconhecida como clássica, considerava-se comorefugiado qualquer pessoa “que, em conseqüênciados acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeirode 1951, e receando com razão ser perseguida emvirtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiaçãoem certo grupo social ou das suas opiniões políticas,se encontre fora do país de que tem a nacionalidadee não possa ou, em virtude daquele receio, nãoqueira pedir a proteção daquele país; ou que, senão tiver nacionalidade e estiver fora do país noqual tinha a sua residência habitual após aquelesacontecimentos, não possa ou, em virtude do ditoreceio, a ele não queira voltar” (ALTOCOMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARAOS REFUGIADOS, 1996a, p. 61).

A definição de refugiado assim construídaconsiderava o refúgio um estatuto de caráterindividual, embora pudesse ser concedido tambéma grupos, sobretudo em função da perseguiçãodecorrente de "filiação em certo grupo social".Também é importante destacar que o caráterorientado para o indivíduo da legislaçãointernacional muitas vezes obscurece a relaçãoentre questões de raça e gênero com o processode formação dos fluxos de refugiados e a formacomo eles são gerenciados, uma lacuna querecentemente vem sendo mais explorada pelaliteratura especializada (BARNETT, 2002).

Além disso, nota-se que esta definição traziauma limitação temporal clara, que restringia suaaplicação aos “acontecimentos ocorridos antes de

1º de janeiro de 1951”. Contudo, essa limitaçãoera passível de duas formas de interpretação: osacontecimentos poderiam ter ocorrido na Europaou fora desta. A partir da primeira interpretação,só seriam reconhecidos como refugiados pessoasde origem européia (o que foi denominado de“reserva geográfica”), ao passo que, a partir dasegunda, poderiam ser reconhecidas comorefugiados pessoas de todos os cantos do mundo.Como já dissemos, caberia ao Estado-partedelimitar o alcance que daria ao termo.

Ancorada em duas limitações, uma de carátertemporal e outra geográfica, a definição de refugiadonascia já fadada à inaplicabilidade. Como destacaConley (1993), estas duas restrições contidas naConvenção refletiam a crença de que os refugiadosconstituíam um problema temporário do continenteeuropeu, que havia sido gerado pela guerra e que,logo após esta, seria resolvido. Hathaway (1993)complementa que essas limitações eram estratégicase motivadas por interesses políticos dos paísesocidentais. Nesse sentido, Matas (1993) enfatizaque a Convenção de 1951 foi originalmentedesignada pelos países ocidentais para proverrefúgio aos anticomunistas que fugiam do lesteeuropeu após a II Guerra Mundial. Tanto assimque, no entender do autor, os EUA não assinaramnem ratificaram a Convenção, porque não tinhaminteresse em distinguir refugiados dos indivíduosque fugiam do leste europeu por razões econômicas.Tampouco havia interesse da URSS em aderir àConvenção, já que a maioria dos refugiados nessemomento fugia dos países socialistas, de modo que,somente após sua desintegração no cenárioposterior à Guerra Fria, os países que a compunhampassaram a fazê-lo. Nota-se que o processo deconstrução do regime internacional para refugiados,erigido no contexto histórico da Guerra Fria, foialtamente permeado por aspectos político-ideológicos que marcavam o período.

É importante ressaltar que o acolhimento derefugiados no contexto posterior à II Guerraatendia a determinados interesses dos paísesocidentais. Havia interesses tanto de carátereconômico, já que a Europa atravessava umperíodo de reconstrução e necessitava de mão-de-obra barata e abundante para suprir seumercado de trabalho, quanto de cunho político-ideológico e geo-estratégico, uma vez que sedenunciava a fuga de pessoas de paísesgovernados por regimes socialistas, com o intuitode desacreditar o bloco soviético e deslegitimar

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os ideais que o sustentavam. Por fim, do ponto devista cultural, a identidade entre refugiadoseuropeus e sociedades acolhedoras (seja de paísestambém europeus, porém do Ocidente, seja de ex-colônias, como Estados Unidos, Canadá eAustrália) também colocavam a opinião pública afavor da recepção dos refugiados. Essasmotivações fizeram com que grande parte dospaíses ocidentais se compro-metesse com oregime internacional para refu-giados delineadopela ONU durante o pós-guerra.

Todavia, nos casos dos países que nãoassinaram ou ratificaram a Convenção de 1951, oACNUR concedia proteção aos refugiados,chamados de mandatários, com base em seuestatuto. A agência, então, tornava-se responsávelpelos refugiados, devendo-lhes fornecer não sóproteção, mas também assistência, já que eles nãopoderiam gozar dos direitos previstos pelaConvenção no Estado acolhedor, por não terem sidoreconhecidos como refugiados pelas autoridadesestatais (ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕESUNIDAS PARA OS REFUGIADOS, 1992, p. 12).

Com todas as suas dificuldades, no entanto, aConvenção de 1951 representou uma pequenarevolução no direito internacional. O princípio denon-refoulement, expresso no artigo 33 daConvenção, pela primeira vez, estabelecia aresponsabilidade do Estado em relação a umindivíduo que não fazia parte de sua população.Em outras palavras, pela primeira vez éreconhecida a existência do indivíduo no planointernacional, independentemente de sua cidadaniaou nacionalidade. Por meio desse princípio, osEstados-parte comprometiam-se a não devolveros refugiados para as fronteiras dos territórios ondesuas vidas ou liberdades estivessem ameaçadasem virtude de sua raça, religião, nacionalidade,filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.Contudo, nunca é demais ressaltar que: “Emrespeito à sua soberania, nenhum Estado éobrigado a acolher os refugiados, eles são apenasproibidos de mandá-los de volta aos paísesacusados de perseguição (o já mencionadoprincípio de non-refoulement). Também não existenenhum organismo supranacional capaz decontrolar ou de punir os Estados que infringem alei” (REIS, 2007).

Da maneira como ele está estruturado, oregime internacional para refugiados permite queos Estados interpretem as normas do direito

internacional conforme seus próprios interesses,principalmente por inexistir uma autoridadesupranacional para compeli-los a cumpri-las(LOESCHER, 1999). Assim, durante a GuerraFria, os Estados Unidos, por exemplo, mantiveramuma política para refugiados altamente seletiva queprivilegiava seus interesses de política externa emdetrimento de preocupações humanitárias. Comoconseqüência, indivíduos fugindo de paísescomunistas facilmente eram reconhecidos comorefugiados, enquanto aqueles que fugiam de paísesaliados quase nunca tinham sua condiçãoreconhecida.

III. O PROTOCOLO DE 1967 E A AMPLIAÇÃODA QUESTÃO DOS REFUGIADOS

Na década de 1960, novos fluxos de refugiadossurgiram na África e na Ásia, atrelados aosmovimentos de descolonização nesses continentes,atestando que essa questão não se restringia aocontexto da II Guerra Mundial e tampouco àEuropa e evidenciando a inadequação da Convençãode 1951, que, sendo limitada temporal egeograficamente, não podia ser aplicada aos novosfluxos, deixando os africanos e asiáticosdesprotegidos no regime internacional.

Mais uma vez, tanto os países do bloco ocidentalquanto os do bloco soviético buscaram exercerinfluência sobre os novos Estados que se formavam.Nesse sentido, a assistência a refugiados novamenteapareceria como elemento central das políticasexternas dos países ocidentais direcionados aospaíses recém-constituídos. E mais uma vez, a ONU,e em particular o ACNUR, esteve no centro dosesforços para adaptar o regime. A partir de então, aagência passou a atuar em outros continentes e nospaíses em desenvolvimento, prestando assistênciaaos fluxos de refugiados em larga escala(LOESCHER, 2001b).

Em 1967, foi criado, então, o Protocolo sobreo Estatuto dos Refugiados, com a finalidade deresolver os problemas gerados pelas duaslimitações da Convenção. Colocava-se fim àreserva temporal, ao mesmo tempo em que seexigia que os Estados que se comprometessemcom as obrigações da Convenção ao aderir aoProtocolo não adotassem mais a reserva geográfica(ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕESUNIDAS PARA OS REFUGIADOS, 1996b).

A Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967delimitaram os limites de um regime considerado

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por Hollifield (2000) como fortementeinstitucionalizado e “quase efetivo”, ao instituirnormas que são hoje amplamente reconhecidaspelos Estados. De fato, quase todos os paísesmembros da ONU comprometeram-se com oregime. Porém, é preciso manter uma visão críticasobre a efetividade do regime para refugiados.

Além de definir juridicamente o conceito derefugiado, o regime criava apenas uma obrigaçãoaos Estados-parte: o impedimento de devolverrefugiados para países onde estavam sendoameaçados de perseguição ou foram efetivamenteperseguidos. Ainda assim, vale frisar, o dever denão devolver foi desrespeitado quando outrosinteresses estatais estavam em jogo.

Finalmente, a inexistência do dever do Estado-parte de receber refugiados, justificada pelaperspectiva da soberania estatal, reforça o pesodos interesses políticos nas decisões relativas àconcessão de refúgio. Salta aos olhos que oinstituto do refúgio e o próprio grupo dosrefugiados encontram-se atrelados à dimensão doEstado-nação como organização política, emtermos do reconhecimento do status de refugiado,do acolhimento de refugiados e da decorrenteefetivação de direitos a esse grupo em âmbitonacional. Tanto a origem quanto a solução doproblema dos refugiados têm como condicionanteo Estado-nação: sendo o indivíduo ameaçado deperseguição ou efetivamente perseguido em seupaís de origem, ao cruzar as fronteiras e obterrefúgio, caberá ao Estado acolhedor prover aproteção que o país de origem não conseguiuefetivar. Portanto, toda a lógica e dinâmica inerenteà questão dos refugiados tem como engrenagema esfera política do Estado-nação e as relaçõesentre Estados e organizações no cenáriointernacional. Mesmo levando em consideração,como afirmamos anteriormente, que aproblemática do refúgio é necessariamente política,a forma de institucionalização do refúgio nosistema ONU acabou por fortalecer a dimensãopolítica em detrimento da humanitária.

Na década de 1970, o tratamento dado à questãodos refugiados começa a sofrer outro tipo depressão. Com a crise econômica de 1973, derivadados choques do petróleo, que atinge fortemente omundo, países desenvolvidos e em desenvolvimentoentram em um período de forte recessão, que, emalguns casos, vai se estender até a década de 1980.Os países da Europa ocidental em particular vão

passar a se ressentir cada vez mais da forte presençaestrangeira, o que vai se refletir no tratamento dadoaos refugiados, mesmo que, em princípio, essa nãoseja uma migração econômica. Na nova conjuntura,os refugiados passaram a ser vistos cada vez maiscomo pesados encargos econômicos e sociais aospaíses de acolhimento. Somava-se a isso o choquecultural entre a massa de refugiados - africanos,asiáticos e latinos - e as sociedades acolhedoras,aumentando as atitudes de intolerância em relaçãoa eles, por meio de práticas discriminatórias exenófobas. Conseqüentemente, no mesmomomento em que começava a se acirrar o embatecultural, arrefeciam os interesses político-ideológicos e econômicos por parte dos paísesdesenvolvidos em recebê-los, considerando operíodo de distensão no embate Leste-Oeste e acrise econômica internacional (KHAN, 1986).

De acordo com Feller (2001), os Estadosequacionam uma relação custo-benefício quenorteia o acolhimento a refugiados. Enquanto eramculturalmente similares, de fácil integração,supriam demandas do mercado de trabalho,chegavam em números administráveis, atendiama objetivos ideológicos ou estratégicos, osbenefícios superavam os custos, resultando empolíticas favoráveis à recepção. No entanto, essaconjuntura modificou-se em décadas posteriores.

IV. MUDANÇAS E DESAFIOS: A QUESTÃODOS REFUGIADOS HOJE

As mudanças no cenário internacionalimpulsionadas pelo fim da Guerra Fria tambémafetaram a percepção da questão dos refugiados.Findada a disputa entre os dois blocos, osrefugiados perderam em grande parte a cargaideológica e política que perpassou todo o períodoe cresceu a tendência, sobretudo entre os paísesricos e desenvolvidos, a olharem com suspeição ainstituição do refúgio, como uma espécie de pontofrágil do controle migratório que esses paísespretendiam fortalecer.

Nesse contexto, chegou-se a questionar aefetividade do regime internacional, cogitando-se aexistência de uma crise no estatuto do refúgio. Outroponto que acirrou o debate relacionava-se com oaumento no número de imigrantes ilegais, que eramacusados de solicitar refúgio a fim de regularizarsua situação no país de ingresso, ainda que não seenquadrassem na categoria dos refugiados. Natentativa de controlar a entrada de ilegais, os paísesdesenvolvidos adotaram políticas cada vez mais

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restritivas ao reconhecimento como refugiado,dificultando o acesso ao pedido de refúgio e outrosquesitos do trâmite legal. Ao mesmo tempo, essespaíses estabeleciam novas categorias de proteçãocom duração limitada, que garantiam menos direitosse comparadas ao status de refugiado da Convençãode 1951, como, por exemplo, a proteção temporária,aplicada pelos países europeus para os refugiadosgerados pela crise dos Bálcãs, e a proteçãosubsidiária, atualmente utilizada pela União Européia(UNIÃO EUROPÉIA, 2004).

Da mesma forma, os fluxos de larga escalaoriginados por conflitos em países emdesenvolvimento (sobretudo da África) fizeramcom que os países vizinhos e da regiãoposicionassem-se contra a recepção de refugiados,tendo em vista os custos financeiros e políticosenvolvidos nessa decisão. Em casos de grandescontingentes de refugiados, por motivos deviolência generalizada, conflitos internos e violaçãomaciça de direitos humanos, dentre outros, osindivíduos são reconhecidos coletivamente comorefugiados, a partir do critério prima facie – oque coloca em xeque a capacidade de absorçãodos Estados receptores. Seguindo os passos dospaíses do Norte, os do Sul também começaram aexecutar medidas voltadas para a contenção desolicitantes de refúgio. Com o fechamento dasfronteiras tanto no Norte quanto, em menorproporção, no Sul, a única solução possível a serconcretizada em prol dos refugiados visualizadapelo ACNUR seria o repatriamento.

A tendência ao estreitamento das oportunidadesde refúgio foi reforçada no cenário atual,sobretudo após os ataques de 11 de setembro de2001, pela securitização da questão da imigração,de uma forma geral, com uma associação cadavez mais freqüente entre fluxos migratórios e

grupos de deslocados, e questões de segurançainternacional, regional ou mesmo nacional.

Refugiados, solicitantes de refúgio e imigrantesem geral passaram a ser vistos como potenciaisperigos e ameaças às sociedades receptoras (emespecial, mas não somente, em relação àmanutenção da identidade nacional). Nesse sentido,a idéia de controle, prevenção e contenção dessesindesejáveis vem se disseminando entre os países,que têm fornecido uma resposta reativa aos“invasores” (GOODWIN-GILL, 2001). Exemplodisso é a aprovação da Diretiva de Retornorecentemente pela União Européia, que pode deterpor até 18 meses os imigrantes considerados ilegaise depois mandá-los de volta aos seus países deorigem. A medida pode atingir potenciaisrefugiados, o que traz à tona as dificuldades dasinstituições internacionais em defender o acessoao instituto de refúgio e a sua efetiva aplicação.

Por fim, novas dinâmicas estão tornando maisdifícil a aplicação dos termos da Convenção de1951 e do Protocolo de 1967 a situações contem-porâneas. De um lado, os conflitos violentos estãose tornando cada vez mais complexos, na medidaem que confundem as dimensões nacional einternacional. O conflito da Colômbia, por exem-plo, evidencia um grande problema da atualidadeque é a diferenciação entre deslocados internos erefugiados. Em princípio, deslocados internos sãoconsiderados um grupo distinto dos refugiadospor se movimentarem dentro de seus países, vistoque não conseguem transpor as fronteirasnacionais, o que acontece não só em situações deconflito, mas também por impedimentosgeográficos e ambientais. A estimativa é de queexistam 26 milhões de deslocados por conflitos e25 milhões de deslocados por desastres ambientais,totalizando 51 milhões de deslocados no mundo,como aponta o quadro abaixo.

CATEGORIA

Refugiados sob o mandato da AcnurRefugiados sob o mandato da Unrwa

TOTAL DE REFUGIADOS

Deslocados internos devido a conflitosDeslocados internos devido a desastres naturais

TOTAL DE DESLOCADOS INTERNOS

QUANTIDADE

11,44,6

16,0

26,025,0

51,0

QUADRO 1 – NÚMERO DE DESLOCADOS INTERNOS (2008)

FONTE: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (2008c).NOTA: Unrwa: United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East (Agência da Organizaçãodas Nações Unidas para Alívio e Trabalhos para os Refugiados Palestinos no Oriente Próximo).

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No caso da Colômbia, a mobilidade dosdeslocados faz com que essa diferenciação sejadifícil de se estabelecer. Ao mesmo tempo, afetasobremaneira a relação entre a Colômbia e seusvizinhos, fazendo da solução da questão dosrefugiados ou deslocados um problema da maiorimportância para a estabilidade e a paz na região.

O reflexo dos fluxos de refugiados é umapopulação atual de, aproximadamente, 16 milhõesde pessoas, considerando os 11,4 milhões derefugiados protegidos pelo ACNUR e os 4,6 milhõesde palestinos no Oriente Médio protegidos por outraagência da ONU, a United Nations Refief and WorksAgency for Palestine Refugees in the Near East(UNRWA)2 (ALTO COMISSARIADO DASNAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS,2008c; UNITED NATIONS REFIEF AND WORKSAGENCY FOR PALESTINE REFUGEES IN THENEAR EAST, 2008).

Todavia, o principal instrumento internacionalelaborado sobre refugiados (a Convenção de 1951)não contempla as pessoas que se deslocam emfunção de catástrofes naturais, nem de fatoreseconômicos, considerando apenas aqueles quefogem motivados por questões políticas.

Além dos conflitos, os problemas de desastresnaturais, muitos deles decorrentes de variaçõesclimáticas, como inundações, terremotos, secas,furacões, noticiados recentemente em diversaspartes do mundo, vêm intensificando os fluxosmigratórios. A esse respeito, a ONU estima que,em 2010, mais de 50 milhões de pessoas serãoconsideradas refugiados ambientais, e o regime

internacional de refugiados tal como estáestruturado hoje não está preparado para lidar comessa questão (UNITED NATIONS UNIVERSITY,2005). Como os atingidos por desastres naturaisnão são reconhecidos como refugiados, não hágarantias de que terão assistência e proteçãointernacional. No caso da catástrofe provocadapelos tsunamis no final de 2004, que afetou 1,5milhão de pessoas, o ACNUR decidiu engajar-sediante da magnitude dessa crise humanitária,beneficiando 145 000 deslocados internos naIndonésia e 100 000 no Sri Lanka (ALTOCOMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARAOS REFUGIADOS, 2007b).

V. O REGIME INTERNACIONAL PARAREFUGIADOS NO CONTEXTO ATUAL

A relação da instituição com os Estados,sobretudo os seus doadores, e sua capacidade deação independente suscitou intensa discussão entreos autores dedicados ao estudo dos refugiados.Loescher (2001) percebe o ACNUR como um forteator político moldado pelos interesses dos paísesricos, tendo em vista que depende de suas doaçõespara concretizar suas operações. Hathaway (1993)corrobora essa idéia, entendendo que a instituiçãotornou-se dependente da boa vontade dos paísesdesenvolvidos para garantir seu financiamento.Nesse sentido, é valido apontar que os EstadosUnidos lideram sozinhos a lista de países doadores,com contribuição bastante superior à do segundocolocado, a Comissão Européia. Ainda despontamna lista outros países desenvolvidos da Europa eo Japão, como mostra o quadro abaixo:

2 A UNRWA foi estabelecida em 1949, após a criação doEstado de Israel, especificamente para assistir e proteger

os refugiados palestinos no Líbano, na Jordânia, na Síria,na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.

Estados Unidos 510 311 403Comissão Européia 129 963 451Japão 108 452 710Suécia 99 877 511Holanda 85 461 129Reino Unido 57 422 861Noruega 56 885 334Alemanha 48 672 436CERF* 45 679 720Dinamarca 45 297 773

QUADRO 2 – 10 MAIORES DOADORES (EM DÓLARES; ATÉ 30.NOV.2008)

FONTE: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (2008b).NOTA: *Trata-se do Central Emergency Response Fund, da Organização das Nações Unidas (ONU).

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REGIME INTERNACIONAL PARA REFUGIADOS

Para Khan (1986), o papel da agência éambíguo, já que a organização reúne os Estados afim de encontrar soluções para os refugiados, mas,ao mesmo tempo, é usada por eles para perseguirseus próprios interesses. Barnett (2001) considerao ACNUR uma organização relativamenteautônoma, em função de sua autoridade comoinstituição burocrática e agência líder em matériade refugiados, o que lhe permite manter certadistância em relação aos países. Os pontos de vistacolocados pelos autores mencionados nos leva àseguinte questão: qual a margem de atuação dainstituição internacional em relação aos Estados,sobretudo os contribuintes?

O financiamento é um antigo problema, queperpassa o ACNUR desde sua criação, agravadopela ampliação de suas atividades. Embora seja amaior agência do sistema ONU, apenas 2% de seuorçamento é repassado pela organização, sendo 98%obtido por contribuições voluntárias (VÄYRYNEN,2001). Como já apontado anteriormente, o uso derecursos financeiros distribuídos pelos paísesdoadores gera limitações políticas, comprometendoa autonomia da instituição, que fica atrelada àsdiretrizes dos Estados. Há uma tendência dosdoadores de impor condições no uso dos fundos,direcionando-os a programas específicos em certospaíses. Isso leva a um difícil dilema: os casos emque os interesses estatais conflitam com asdemandas e necessidades dos refugiados.

Nesse sentido, a distribuição de fundosdepende da avaliação dos Estados diante da crisehumanitária e dos interesses envolvidos nela, damesma forma que a decisão pela intervenção temcaráter seletivo. Os maiores contribuintes (EUA,Europa e Japão) têm optado por áreasgeograficamente próximas a eles ou politicamentemais relevantes. Por isso, operações na Áfricativeram menos financiamento que as da Europa(como a crise dos Bálcãs), assim como umrefugiado africano tem recebido menos assistênciado que outro do leste europeu (idem).

Dessa forma, ainda que a organização trabalheem prol de propósitos humanitários, buscandoproteger seres humanos em risco, a dimensãopolítica influencia fortemente sua atuação. Issosignifica que a organização deve lidar cada vezmais com fluxos de refugiados de maiores escalasem ambientes altamente politizados (LOESCHER,2001a).

O ACNUR expandiu sobremaneira sua atuação

nas últimas décadas. Após a Guerra Fria, aorganização possuía delegações em 120 países, maisde 5 000 funcionários, contava com um orçamentode mais de 1 bilhão de dólares e parcerias commais de 500 ONGs3 (ALTO COMISSARIADODAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIA-DOS, 2000). Inicialmente atuando apenas naEuropa, a agência viu-se, nos anos 1990, assistindogrande contingente de pessoas deslocadas porconflitos intra ou interestatais, que ocorriamsimultaneamente em todos os continentes domundo. Da mesma forma, se suas atençõesestiveram voltadas para os refugiados europeus, aagência tem assistido, sobretudo, asiáticos eafricanos, regiões marcadas por conflitos étnico-culturais. Outra questão é que a agência passou aadministrar campos de refugiados, que constituiriauma solução, em tese, provisória e urgente para ogrupo – o que, na prática, não é o que ocorre,podendo se prolongar por anos ou ainda décadas.Muitas vezes, as condições de vida nos campossão de extrema calamidade, com instalaçõesprecárias e carência de provimentos básicos. Alémdos problemas de assistência, há a questão da faltade proteção e segurança, já que alguns campos sãoinstalados dentro do país de origem ou nas fronteirascom outro país, onde se desenrola o conflito armado,colocando em risco a população refugiada.

Hoje existem 3,8 milhões de refugiadosprovenientes da Ásia, 2,2 milhões da África e 1,5milhão da Europa. Dentre os países de onde maisse originam refugiados, não por acaso lideram oAfeganistão (3,1 milhões) e o Iraque (2,3 milhões).Os maiores países acolhedores são: Paquistão,Síria, Irã, Alemanha e Jordânia. Vale lembrar quePaquistão e Irã são vizinhos do Afeganistão, assimcomo Síria e Jordânia fazem fronteira com oIraque. Nota-se que apenas três paísesdesenvolvidos (Alemanha, Reino Unido e EstadosUnidos) destacam-se entre os que mais recebemrefugiados, como mostra a figura seguinte.

3 Esses números referem-se a 1999.

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Uma das principais mudanças nos rumos daorganização consistiu no alargamento da prestaçãode assistência a outros grupos de deslocados,abrangendo os deslocados internos, apátridas,retornados, solicitantes de refúgio (além de outrascategorias dentro de people under concern), num

total de assistidos de 31,7 milhões de pessoas.Observa-se que o número de deslocados internos(13,7 milhões) já supera o de refugiados (11,4milhões) beneficiados pelo trabalho da agência(ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕESUNIDAS PARA OS REFUGIADOS, 2008c).

FONTE: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (2008c).NOTAS: * Inclui afegãos em uma situação semelhante à de refúgio.

** Estimativa governamental.*** Estimativa da ACNUR baseada em dez anos de reconhecimento individual de buscas de asilos. A figura exclui os refugiados reassentados.

FIGURA 2 – TOTAL DE ASSISTIDOS POR CATEGORIA (FINAL DE 2007)

FONTE: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (2008c).

Se, por um lado, a organização tem sido bem-sucedida em fornecer ajuda humanitária a umgrande número de pessoas, por outro, sofrecríticas por nem sempre conseguir proteger a

população que se encontra vulnerável em situaçõesde extrema violência. E ainda pelo fato de que oslimitados fundos podem estar beneficiando apopulação afetada e os demais grupos, mas não

FIGURA 1 – PAÍSES QUE MAIS ACOLHEM REFUGIADOS (FINAL DE 2007)

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REGIME INTERNACIONAL PARA REFUGIADOS

especificamente os refugiados. Nesse sentido, aagência precisa definir melhor seu papel,sobretudo, em relação aos deslocados internos,que vêm aumentando crescentemente (BWAKIRA,2001; VÄYRYNEN, 2001).

Outra transformação essencial refere-se àpolítica adotada pela organização. Antes voltadapara os países de acolhimento e concentrandoesforços na integração local, a agência passou aenfocar os países de origem e as causas quelevaram ao deslocamento, atuando em situaçõesde conflito e organizando o repatriamento derefugiados (SUHRKE, 2001). Esse novo focodirecionado para a ação preventiva está diretamenterelacionado com a posição dos paísesdesenvolvidos, que, além de adotarem políticasrestritivas à recepção de refugiados, passaram afinanciar programas dirigidos para os países deonde provêm os fluxos. Além disso, os países queacolhem grande contingente de refugiados tambémpressionam para que eles sejam repatriados. Nesseponto, a agência tem sido criticada por incentivaro repatriamento, não conseguir efetivar o carátervoluntário do retorno, nem garantir a segurançados refugiados no processo de reintegração (jáque muitas vezes os países não se encontram aindaem condições viáveis para receber seus nacionais)(VÄYRYNEN, 2001). Outra crítica dirigida aoACNUR é a de promover um sistema decontenção, impedindo que as pessoas consigamsair de seus países (BARNETT, 2001).

O ACNUR vem assumindo também um papelde coordenador em ações destinadas à assistênciahumanitária internacional, atuando em conjuntocom forças militares e operações direcionadas paraa paz (peacekeeping e peacemaking). Aindapassou a desempenhar uma importante função nasnegociações políticas internacionais com os paísesenvolvidos nos conflitos e fluxos de refugiados.Com isso, a agência viu-se voltada para assuntosdomésticos dos Estados, inclusive na tarefa dareconstrução deles, a fim de garantir um ambientepropício para a reintegração dos retornados eprevenir novos deslocamentos (BARNETT, 2001).

Os desafios que se colocaram para aorganização, agência humanitária líder dentro daONU, referem-se às dificuldades não só de assistir,mas também de proteger grupos maiores. Oscríticos sustentam que a expansão da agênciacomprometeu sua capacidade e vontade defornecer proteção a todas as categorias de

deslocados. Ainda a pôs à mercê de um conjuntomais amplo de cálculos políticos e estratégicos,relacionados com a obtenção de fundos para osseus programas, o que demanda conquistar aconfiança dos doadores e promover soluçõescompromissadas. Além disso, segundo Loescher(2001), a organização não possui uma identidadeinstitucional definida, atuando de formaindependente em alguns casos ou em conjuntocom as demais agências do sistema ONU emoutros. Da mesma forma, parece não abrir espaçopara se submeter a uma crítica interna ou externa.

Quanto ao trabalho realizado com o Programadas Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD), organizações internacionais (como aOrganização do Tratado do Atlântico Norte -OTAN) e ONGs, o ACNUR assume a liderançanas operações. Ao desempenhar o papel decoordenar a ação, precisa delegar tarefas,subcontratando serviços de ONGs para queconsiga executar seus projetos, mas, ao mesmotempo, precisa manter o controle e a fiscalizaçãodeles. Se a atuação em conjunto tem favorecido,em certa medida, a assistência e proteção aosrefugiados, por outro lado, há uma disputa porfinanciamento entre as agências humanitárias porfundos privados e públicos, o que cria obstáculosà cooperação mútua (VÄYRYNEN, 2001).

Outro problema que tem sido apontado peloscríticos é a falta de transparência e accountabilitynas atividades da agência. A ausência deinformação confiável e adequada sobre suascapacidades, planos e objetivos compromete suaimagem, principalmente frente aos doadores. Ainstituição é marcada por forte poder decentralização e é pouco transparente sobre seusdados financeiros (o que remonta à discussãosobre sua autonomia ou dependência dosdoadores). Também é acusada de nem sempre sereficiente no uso desses recursos, estando sujeitaà corrupção e fraude. Nesse ponto, discute-seainda a efetividade da organização, que perdelegitimidade frente aos países, o que dificulta ofortalecimento do regime para refugiados.Väyrynen (2001) sugere que a instituição deveriatornar mais claro como despende seus recursosem relação às atividades que desenvolve e que asolução ideal seria contar com uma quantia parafinanciar operações emergenciais para fazer frenteàs necessidades nos campos de refugiados. Morris(1997), funcionário do ACNUR, admite a

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 17-30 OUT. 2010

necessidade de uma explicação mais estruturadae pública da posição institucional acerca de suaatuação.

Outra questão complicada é a falta demecanismos internos e externos para monitorar asoperações e os programas executados e, mais, seeles satisfazem as necessidades dos refugiados eoutros grupos assistidos, que, afinal, são o objeto aque se destinam. É valido apontar que os refugiadosnão possuem um canal para colocar suas demandase, com isso, não conseguem exercer pressão sobrea instituição (LOESCHER, 2001a).

Também há dificuldades em garantir asegurança não só dos refugiados, mas tambémdos funcionários da agência trabalhandodiretamente em situações de conflitos (BWAKIRA,2001). Com relação ao grupo, um dos problemashá muito apontado consiste na militarização doscampos, freqüentemente instalados em paísesfronteiriços, que são usados para atacar os paísesde origem (SUHRKE, 2001). Muitas vezes emcondições precárias, permanece nos campos aviolência desencadeada pelos conflitos do país deorigem. Os funcionários da agência, com opropósito de proteger os refugiados, trabalham emcondições de alto risco, tornando-se alvos deataques4. Ao focar os países de origem, que sãozonas de conflitos, a agência precisa lidar não sócom os governos locais, mas também commovimentos de oposição e grupos armados. Agarantia da integridade física de seu pessoal é maisum dos desafios a ser enfrentados pela instituição(LOESCHER, 2006).

O enfoque no repatriamento ainda levou oACNUR a empreender esforços na reconstruçãodos Estados em situações pós-conflitos, a fim degarantir meios para viabilizar a reintegração dosrefugiados em seus países. Para tanto, sãoexecutados projetos voltados para odesenvolvimento local, focando em especial aconstrução de instituições afetadas pelas guerras.Nesse quesito, novamente aponta-se a dificuldadedo ACNUR em coordenar suas atividades ao tentarpôr em prática os chamados “projetos de impactorápido” com outras agências, como o PNUD e oFundo Monetário Internacional (FMI). E, maisuma vez, surge a questão da obtenção de fundos,já que essas instituições priorizam financiarprojetos de longo prazo em regiões com potencialeconômico, o que não se verifica em áreas afetadaspor crises humanitárias ou conflitos armados(BWAKIRA, 2001; LOESCHER, 2006).

A agência tem investido também noreassentamento de refugiados, transferindo-ospara terceiros países, principalmente nos casosem que países vizinhos e da região acolhemgrandes fluxos. Países desenvolvidos (comdestaque para os Estados Unidos) despontam nalista dos que mais reassentam refugiados, emboranormalmente estabeleçam cotas (ALTOCOMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARAOS REFUGIADOS, 2007a). Países emdesenvolvimento também passaram a adotá-los,tornando-se países “emergentes” dereassentamento5.

Estados Unidos 41 300Austrália 13 400Canadá 10 700Suécia 2 400Noruega 1 000Nova Zelândia 700

QUADRO 3 – PRINCIPAIS PAÍSES DE REASSENTAMENTO (2006)

FONTE: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (2007a).

5 Dentre eles, destacamos o Brasil, que ocupou o 12º lugarna lista dos maiores países de reassentamento em 2006. NaAmérica do Sul, também aparecem Argentina e Chile. Nocaso do Brasil, há um programa regional de reassentamentoque tem recebido especialmente refugiados colombianosque se encontravam na Costa Rica e no Equador.

4 Aqui vale lembrar o ataque à sede da ONU no Iraque quelevou à morte de Sérgio Vieira de Mello e de mais de 20funcionários da organização em 2003.

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REGIME INTERNACIONAL PARA REFUGIADOS

O reassentamento apresenta-se como umasolução preferível em relação à integração local,porque os refugiados já foram reconhecidos peloprimeiro país de asilo. Além disso, as cotas sãouma medida de restringir e controlar o fluxo deentrada, considerando o custo econômico e social,além do ônus político decorrente de uma reaçãonegativa por parte da população local. Com isso,esses países criam uma relativa segurança sobrequantos entram e quem são eles (SUHRKE, 2001;VÄYRYNEN, 2001).

VI. CONCLUSÕES

Diante do grande contingente de pessoas quese qualificariam como refugiados, de acordo coma definição do regime, além do aumento desituações preocupantes do ponto de vistahumanitário, causadas por conflitos violentos edesastres ambientais, a necessidade de revisão dasinstituições internacionais para refugiados pareceevidente.

O mundo do início do século XXI é, emmuitos sentidos, diferente daquele de meados doséculo XX, e o regime precisa encontrar umamaneira de se adaptar a uma ordem global em queas fronteiras nacional e internacional são maispermeáveis e em que os desastres ecológicostendem a se tornar mais freqüentes. Nesse sentido,a definição de refugiado construída no contextodo pós-guerra apresenta-se defasada para enfrentaros complexos desafios do cenáriocontemporâneo. Ainda que existam interpretaçõesbuscando uma atualização (a exemplo da aplicaçãodo motivo “filiação em determinado grupo social”para dar proteção a mulheres e homossexuaisameaçados de perseguição ou efetivamenteperseguidos), há diversos pontos que merecemser reformulados. Um deles refere-se ao fato deque os conceitos de “refugiado ambiental” e“econômico” não foram incorporados na definiçãode refugiado, que se pauta apenas pela categoriado “refugiado político”. No mundo atual, em queexiste um número significativo de pessoasdeslocadas que precisam de proteção(independentemente das várias categorias em quese encontram), é fundamental repensar o sistema,as soluções que oferece e a forma como foiestruturado. Contudo, assim como em 1951, asquestões humanitárias estão inevitavelmentepermeadas por considerações políticas, o que nãonecessariamente é um empecilho para areformulação do sistema.

A consciência de que a gestão da questão dosrefugiados é fundamental para a estabilidadeinternacional pode contribuir para alimentar onecessário debate sobre o regime internacionalpara refugiados. Por outro lado, há que se atentarpara o risco de que a reabertura desse debate emum contexto de forte securitização da questãoimigratória possa levar a um recrudescimentomesmo dos compromissos estreitos do regimeexistente.

Algumas iniciativas importantes estão emcurso. Dentre elas, o ACNUR lançou a ConventionPlus, com o objetivo de fortalecer a proteção aosrefugiados e conquistar o comprometimento dosEstados por meio de acordos multilaterais. Essainiciativa envolve uma série de projetos em paísesespecíficos, acolhedores, doadores e outrosparceiros internacionais voltados especialmentepara operações de repatriamento e reassentamento(ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕESUNIDAS PARA OS REFUGIADOS, 2008a).Todavia, como aponta Betts (2009), o sucessodos resultados dessa iniciativa são questionáveis.

O regime internacional para refugiados passapor antigos e novos desafios, que remontam àépoca em que foi criado, em contraposição àsquestões que surgem no contexto atual. Osprincipais problemas que se colocam referem-seao seu desenho institucional, vale dizer, ao mandatopara o qual foi designado e às suas fontes definanciamento. A agência, desde sua criação,embora tenha certa liberdade de ação, ficoucondicionada à doação de alguns Estados ricos epoderosos e, nesse sentido, dependente dessesatores. A organização internacional terá de levarem conta as críticas para rever seu papel e suaforma de atuação, a fim de torná-los mais efetivos,enfrentando as dificuldades políticas para fazervaler o seu propósito humanitário.

Por fim, cabe ressaltar que, embora mais umavez exista a expectativa de que o ACNUR venha adesempenhar um papel central na esperadareformulação do regime, a responsabilidade pelaqualidade desse processo deve ser dividida entreos Estados, que continuam a ser os maisimportantes atores desse regime, e entre achamada “sociedade civil global”, sem a qual,muito provavelmente, podem se concretizar ostemores daqueles que acreditam na hipótese deum retrocesso em relação aos direitos que são hojeprotegidos.

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Rossana Reis Rocha ([email protected]) é Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo(USP) e Professora da mesma instituição.

Julia Bertino Moreira ([email protected]) é Doutoranda em Ciência Política pela UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010ABSTRACTS

INTERNATIONAL REGIME FOR REFUGEES: CHANGES AND CHALLENGES

Rossana Reis Rocha and Júlia Bertino Moreira

This article discusses the difficulties and dilemmas involved in managing the question of refugees inthe contemporary world order. With this goal in mind, we discuss the institutional evolution of thenorms and organizations that make up the international regime for refugees, elaborated within theambit of the United Nations (UN) since the end of the Second World War. Throughout our presentation,we identify the origins of some of the problems that continue to affect the issue of how refugees aredealt with and highlight recent factors that add new difficulties to the regime's functioning. Finally, weconclude that the first challenges that must be confronted are related to the institutional design of theinternational organization, especially its mandate and sources of financing. Furthermore, in ourunderstanding, the regime should be strengthened in order to deal more effectively with the problemsthat refugees experience today. Yet we also recognize that there are political obstacles that make itdifficult to re-open the debate on necessary changes in this international regime. The reformulationprocess should follow a route which promotes the shared responsibility of the diverse actors on theinternational scene, in order to include not only the UN but also States and global civil society.

KEYWORDS: refugees; ACNUR; international organizations; international regimes.

* * *

THE ISSUE OF REPRESENTATION WITHIN THE MERCOSUR: PARLASUR AND FCCRAS CASE STUDIES

Marcelo de Almeida Medeiros, Natália Leitão, Henrique Sérgio Cavalcanti, Maria EduardaPaiva and Rodrigo Santiago

One of the problems that has attracted the greatest attention of scholars who study RegionalInternational Organizations is the issue of representation. The institutional arrangements that havebeen built up within these organizations have sought to reflect representation in its twofold expression,in other words, as an assembly of member-states and another that is made up of citizens' delegates.However, some arrangements have innovated by creating forums made up of sub-national entities,thus seeking to attenuate what certain authors have referred to as the "democracy deficit". Ourobjectives here are to scrutinize the constitutive dynamics of two Southern Common Market organsof representation: (i) the Mercosur Parliament (Parlasur) and (ii) the Constitutive Forum ofMunicipalities, Federate States, Provinces and Departments of the Southern Common Market (ForoConsultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul (FCCR).We attempt to identify the parameters that provide support for their respective compositions and,from there, go on to reflect on the issue of representation. We come to the conclusion that,notwithstanding the essentially consultative roles of Parlasur and the FCCR and their imperfectionsregarding practices of representation and control, they nonetheless become concrete elements thatmay or may not create momentum for new political inventions.

KEYWORDS: Southern Common Market; representation; Parliament; para-diplomacy; regionalism.

* * *

RAWLS’ DISCIPLES IN SEARCH OF A COSMOPOLITAN CONCEPTION OFINTERNATIONAL DISTRIBUTIVE JUSTICE

Gabriel Cepaluni and Feliciano de Sá Guimarães

In this article, we make the argument that some of John Rawl’s “disciples”, reflecting on the principlesof international justice, have taken a position that is more consistent with the spirit of his A Theory

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010RESUMES

LE REGIME INTERNATIONAL POUR LES REFUGIES: DES CHANGEMENTS ET DEFIS

Rossana Reis Rocha et Julia Bertino Moreira

L’Objectif de cet article c’est discuter les difficultés et les dilemmes impliqués dans la gestion de laquestion des réfugiés dans l’ordre globale contemporaine. Avec cette finalité, nous présenteronsl'évolution institutionnelle des normes et des organisations qui composent le régime international pourles réfugiés, élaboré dans le contexte de l’Organisation des Nations Unies (ONU), depuis la fin de laII Guerre Mondiale jusqu’à nos jours. Tout au long de cette présentation, nous croyons être possibled’identifier les origines de quelques uns des problèmes qui affectent, encore aujourd’hui, le traitementdonné au problème des réfugiés ; ainsi comme mettre l’accent sur les facteurs les plus récents quiajoutent des nouvelles difficultés au fonctionnement du régime. Finalement, nous concluons que lesprincipaux défis à relever, concernent la conception institutionnelle de l’organisation internationale,surtout son mandat et ses sources de financement. En outre, nous comprenons que le régime devraitêtre renforcé pour résoudre de manière plus efficace les problèmes vécus par les réfugiés dansl’actualité. Toutefois, nous reconnaissons qu’il y a des obstacles politiques pour que le débat sur larévision de ce régime international soit rouvert. Le processus de reformulation devrait arriver defaçon partagée entre plusieurs acteurs dans le scénario international, étant non seulement uneresponsabilité de l’agence de l’ONU, qui agit au nom des réfugiés, mais aussi des Etats et de lasociété civile globale.

MOTS-CLES : réfugiés ; ONHCR ; organisations internationales ; régime international.

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LA QUESTION DE LA REPRESENTATION AU MERCOSUR : LES CAS DU PARLASUL ETDU FCCR

Marcelo de Almeida Medeiros, Natália Leitão, Henrique Sérgio Cavalcanti, Maria EduardaPaiva et Rodrigo Santiago

Un des problèmes qui attire le plus l’attention des chercheurs des organisations régionalesinternationales (ORI), c’est celui de la représentation. Les arrangements institutionnels construitssur eux, cherchent à tenir compte de cette représentation dans sa double ramification, à savoir : uneassemblée constituée par les états-membres ; une autre formée par des délégués des citoyens.Quelques uns d’eux, toutefois, innovent par la création de forums composés par des êtres infranationaux,cherchant atténuer ce que certains auteurs appellent “déficit démocratique”. L’objectifs de ce travailsont d’observer la dynamique constitutive de deux organes de représentation du “Marché Commundu Sud”: (i) le Parlement du Mercosur (Parlasul) ; (ii) le Forum Consultatif de Villes, Etats Fédérés,Provinces et Départements du Mercosul (FCCR). On cherche à identifier les paramètres qui tracentleurs compositions respectives et à partir de là, on essaye de penser sur la question de la représentation.La conclusion c'est que, malgré les rôles essentiellement consultatifs du Parlasul et du FCCR et deleurs imperfections à l'égard de la pratique de la représentation et du contrôle, elles se constituent enéléments concrets qui peuvent, ou ne peuvent pas, générer momentum pour des nouvelles inventionspolitiques.

MOTS-CLES : Mercosur ; représentation, Parlement ; paradiplomatie ; régionalisme.

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LES DISCIPLES DE RAWLS A LA RECHERCHE D’UNE NOUVELLE CONCEPTIONCOSMOPOLITE DE JUSTICE DISTRIBUTIVE INTERNATIONALE

Gabriel Cepaluni et Feliciano de Sá Guimarães

Dans cet article, nous soutenons que quelques “disciples” de John Rawls, en pensant aux principes