Reafricanização do candomble angola

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    RENATO UBIRAJARA DOS SANTOS BOTO

    PARA ALM DA NAGOCRACIA: A (RE)AFRICANIZAO DO CANDOMBL

    NAO ANGOLA-CONGO EM SO PAULO

    Marlia

    2007

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAFACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS

    CMPUS DE MARLIA

    RENATO UBIRAJARA DOS SANTOS BOTO

    PARA ALM DA NAGOCRACIA: A (RE)AFRICANIZAO DO CANDOMBLNAO ANGOLA-CONGO EM SO PAULO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Faculdade deFilosofia e Cincias da Universidade EstadualPaulista - cmpus de Marlia, como requisitopara obteno do ttulo de Mestre.

    Orientadora: Profa. Dra. Claude Lpine

    Marlia

    2007

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    Ficha catalogrfica elaborada peloServio Tcnico de Biblioteca e Documentao UNESP Campus de Marlia

    Boto, Renato Ubirajara dos Santos.B748p Para alm da nagocracia : a (re)africanizao do

    candombl nao angola-congo em So Paulo / RenatoUbirajara dos Santos Boto Marlia, 2007.

    127 f. ; 30 cm.

    Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais) Faculdade de Filosofia e Cincias, Universidade EstadualPaulista, 2007.

    Bibliografia: f. 119-123

    Orientador: Prof Dr Claude Lpine

    1. Candombl. 2. (Re)africanizao. 3. Bantu. I. Autor.II. Ttulo.

    CDD 299

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    BANCA EXAMINADORADATA: 27 DE NOVEMBRO DE 2007.

    _______________________________Profa. Dra. Claude LpinePPGCS/FFC/UNESP-MARLIA(Presidente da banca e orientadora)

    ________________________________Profa. Dra. Josildeth Gomes ConsortePPGCS/PUC-SP

    __________________________________Profa. Dra. Lcia Helena Oliveira SilvaPPGHI/FCL/UNESP-ASSIS

    ____________________________________Prof. Dr. Srgio Paulo AdolfoPPGLE/ UEL (1 suplente)

    _____________________________________

    Prof. Dr. Lus Antonio Francisco de SouzaPPGCS/FFC/UNESP-MARLIA (2 suplente)

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    DEDICATRIA

    Aos meus pais Elena e Geraldo firmes como o baob

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    AGRADECIMENTOS

    Este trabalho significa para minha pessoa o segundo passo mais importante dentro

    desta instituio que a universidade.

    So muitas as pessoas s quais devo agradecer por no deixarem que esta discusso

    tomasse o seu rumo inicial.

    Agradeo, primeiramente, professora, orientadora e debatedora Claude Lpine, por

    sua simplicidade e seriedade e, mais ainda, por ter acreditado nas minhas idias. Agradeo

    pelo que essa pessoa : uma grande mulher, uma yab.

    Ao amigo Aguinaldo por ter acompanhado todas as etapas deste trabalho, mesmo

    antes de surgir a primeira linha. Agradeo pelo tempo que passamos juntos.

    Agradeo aos membros do Inzo Ia Tumbansi Nzambi Ngana Kavungu, que me

    receberam muito tranqilamente. Agradeo especialmente a tata Katuvanjesi, makota Iara,

    mametu Luangi, Marcelo Kanjila e Maurcio Santos por me terem feito ver a riqueza da nao

    angola-congo. A todos e todas do Aba Nkassut Lemb Nzambi Keamazi, especialmete a

    tata Nkassut, pela hospitalidade, pela disposio, por suas aulas de histria da frica e pelo

    esclarecimento de muitas questes. Daniela por ter suportado os telefonemas. Agradeo por

    tudo que fizeram por mim.Agradeo aos dois terreiros pela seriedade com que me receberam e por ter ajudado a

    fazer esta pesquisa, sei que nos encontraremos mais vezes.

    CNPq pelo auxlio financeiro que viabilizou minha ida aos congressos, ao campo e

    na compra de alguns livros.

    Ao Nupinho de Marlia pelas discusses acirradas e pelo estmulo, pois sabemos como

    difcil estudar tudo o que se refere ao negro no Brasil.

    Aos novos amigos Bris, Srgio Cardoso (que me salvou com as fotos) e Marcus

    Tulius (este ltimo me salvou na correo ortogrfica), ao velho amigo Edson, de So Paulo,sempre me colocando dvidas na cabea. Ao professor Andreas pelas provocaes, com suas

    timas crticas, e pela disposio em discutir as questes que ns negros temos que encarar.

    professora e amiga Clia Tolentino (Der para os ntimos) por todos estes anos,

    pelas oficinas de teatro, pelas conversas, pelo tratamento horizontal, isso muito importante.

    Aos meus sempre amigos Cssio, Dani Rosa, Virgnia e Anderson, Diadema, Mari e Meire,

    Dani e Wander, Carol e Jazo, que me acompanham desde a graduao. Ao pessoal da casa

    11 (incluindo os cachorros e os gatos), aos vigias da faculdade, Aline e todo o pessoal da

    ps-graduao, ao pessoal da biblioteca, a todas as pessoas que esqueci de citar.

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    Aos professores Valria, Edemir e Jos Carlos Miguel por servirem de espelho a

    muitos negros desta faculdade, pelas discusses e indignao quanto situao do negro no

    Brasil. Elionora, Ellen, Mel, lida, Meiri, Luciane, Nathrcia, Dailme, Sandra Soul,

    Carol e tantas outras mulheres negras desse Brasil que me fizeram ver que ser negro muito

    mais que um discurso.

    Aos professores Lus Antonio e Srgio Domingues Krah pelas timas crticas na

    qualificao e pela seriedade com que leram meu texto.

    No poderia deixar de agradecer s professora Josildeth Gomes Consorte da PUC-SP e

    Lcia Helena Oliveira Silva da Unesp-Assis por aceitarem o convite para participar deste

    debate/banca com contribuies valiosas.

    Especialmente aos meus pais, irmos e irms, tias, primos, sobrinhos.

    Eu agradeo a todos pelo que vocs so.

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    RESUMO

    Desde quando chegaram s terras americanas, os africanos foram tratados como mercadorias.

    Contudo, resistiram todo esse tempo, tendo como suporte consolador a religio, que mesmo

    despedaada, foi uma das poucas instituies (seno a nica) que sobreviveu represso do

    homem branco. Para o negro ela teve a funo de aglutinar as outras instncias da cultura de

    origem africana no Novo Mundo. Vrias etnias africanas contriburam para a formao do

    Candombl. Entre os bantu vieram os angola, os congo, os moambique, etc. Entre os

    sudaneses vieram os ketu, os egb, os nag, para citar os mais conhecidos. Ao longo de toda a

    sua histria o Candombl tem passado por diversas transformaes. Sendo de tradio oral,

    portanto sujeito a diversas interpretaes, comeou-se a ter uma preocupao maior com a

    questo da manuteno dos conhecimentos sagrados que estavam se perdendo. Este

    movimento de resgate dos conhecimentos recebe o nome de (re)africanizao e procura, entre

    outras aes, romper com o Catolicismo, com as religies amerndias e se aproximar dos

    cultos africanos. O objetivo desta pesquisa proceder a uma investigao acerca da

    (re)africanizao dos Candombls de tradio bantu particularmente a nao angola-congo , em So Paulo, tendo em vista que existem poucos estudos sobre esta nao e tambm porque

    os povos de origem bantu foram os que mais contriburam para a formao do que hoje se

    conhece como cultura afro-brasileira.

    Palavras-chave: identidade, religio, candombl, (re)africanizao, bantu.

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    ABSTRACT

    Since they arrived in american lands, the africans have been treated like merchandise.

    Nevertheless, they resisted throughout this time, having the religion as a console support, that,

    even broken, was one of the few institutions that survived to the white mens repression. To

    the blacks, it had a agglutinate purpose to another instances of the africans culture in New

    World. Several africans ethnicity contributed to the Candombls development. Into bantu

    people came the angolas, congos, moambiques, etc. Into sudanians group came ketus, egbas,

    nags, to mention the most famous groups. Throughout its history, Candombl has been

    passing for many changes. Belonging to an oral tradition, so subject to many interpretations, it

    became to have a larger concern with the maintenance deal of the sacred knowledge that was

    being lost. This process of knowledges rescue receives the (re)africanization name and try,

    among other efforts, to break up with Catolicism, with amerindians religions and come close

    to the africans cultist. The objective of this study is to proceed an investigation about

    Candombls (re)africanization of bantu tradition particularly about angola-congo nation

    in So Paulo, keep in mind that there are few studies about this nation and also because this

    bantu group was one of the most contributed to the formation of what today is known as

    african-brazilian culture.

    Key-words:identity, religion, candombl, (re)africanization, bantu.

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    Mini glossrio

    Ankixi(kikongo) = divindades do panteo bantu

    Bab(yorub) = pai

    Bakisi (kimbundu) = quarto onde ficam os iniciandos

    Il(yorub) = casa

    InzoouNzo(kimbundu) = casa

    Iy(yorub) = me

    Jinkisi(kimbundu) = plural de nkisi

    KambonduouKambundu(kimbundu) = assistente masculino

    Kambonda(kimbundu) = assistente feminino

    Ketu(yorub) = etnia sudanesa que fala a lngua yorub

    Kimbanda(kimbundu) = sacerdote

    Kisaba(kimbundu) = folha

    Mametu(kimbundu) = me

    Makota(kimbundu) = aquela que substitui o pai/me-de-santo na ausncia deste

    Mukixi(kikongo) = plural de ankixi

    Mutue(kimbundu) = cabeaMunanzenza(kimbundu) = aquele que se inicia no culto

    Muzenza(kimbundu) = aquela que se inicia no culto

    Nngua(kimbundu) = senhora

    Nganga(kimbundu) = adivinho

    Ngoma(kimbundu) = tambor

    Ngombu(kimbundu) = sistema oracular dos povos bantu do norte de Angola

    Nkisi(kimbundu) = divindades do panteo bantu

    Nzambi/Nzambi-Mpungu(kimbundu) = DeusOg(yorub) = assistente masculino

    Olodumar/Olorun(yorub) = Deus

    Or(yorub) = cabea

    Orix(yorub) = divindade do panteo yorub

    Runfila(kimbundu ou kikongo) = cozinha

    Soba(kimbundu ou kikongo) = rei

    Thi(kikongo) = adivinho

    Tata(Kimbundo) = pai

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    Vodun(fon) = divindades do panteo jje

    VumbiouNvumbi= morto

    Xicarangomo(kimbundu ou kikongo) = aquele que toca o tambor

    Ya(yorub) = aquele / aquela que se inicia no culto

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    SUMRIO

    Introduo................................................................................................................................14

    Captulo 1: O candombl em So Paulo................................................................................21

    1.1 - Razes bantu em So Paulo?..........................................................................................21

    1.2 - Elementos bantu na umbanda paulista?.......................................................................25

    1.3 - Origens do candombl em So Paulo............................................................................28

    Captulo 2: Angola versus ketu: aproximaes, diferenas e a construo da Ideologia

    Nag ......................................................................................................................................33

    Introduo................................................................................................................................33

    2.1 - Dispora africana?.....................................................................................................33

    2.2 - As diferenas entre as naes.........................................................................................35

    2.3 - A hierarquia no candombl de tradio angola-congo...............................................38

    2.4 - Os jinkisi divindades do candombl angola-congo...................................................39

    2.5 Outros rituais.................................................................................................................45

    2.6 - Abandono do candombl angola ou a construo da Ideologia nag....................46

    Captulo 3: Da africanizao (re)africanizao.................................................................52

    3.1 Africanizao: algumas sobrevivncias religiosas......................................................52

    3.2 - A (re)africanizao no continente americano..............................................................54

    Captulo 4: A construo da (re)africanizao no Brasil....................................................62

    4.1 Introduo..........................................................................................................................62

    4.2 O modelo da nao ketu...................................................................................................67

    4.3 O modelo da nao angola-congo ou Tradicionalismo bantu..................................72

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    Captulo 5: Identidades, tradies, sincretismos e o sub-campo religioso afro

    bantu.........................................................................................................................................81

    5.1 Construindo uma identidade............................................................................................81

    5.2 Tradio e sincretismo na construo da identidade afro-bantu.................................87

    5.3 O campo religioso brasileiro e o sub-campo (re)africanizado bantu...........................96

    Captulo 6: Entre os jinkisi e os caboclos: descrio dos terreiros e das festas.................99

    6.1 Introduo..........................................................................................................................99

    6.2 Inzo Ia Tumbansi Tua Nzambi Ngana Kavungu.........................................................100

    6.2.1 A sada de muzenza e a festa de Kavungu.................................................................102

    6.3 Aba Nkassut Lemb Nzambi Keamazi....................................................................106

    6.3.1 A festa dos caboclos......................................................................................................109

    6.4 O que foi possvel (re)africanizar..................................................................................112

    Consideraes finais..............................................................................................................116

    Referncias.............................................................................................................................119

    Apndices...............................................................................................................................124

    Anexos....................................................................................................................................125

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    Introduco

    As religies, como parte da cultura de um povo, tambm sofrem transformaes.

    Algumas se perdem, outras so readaptadas para no se perderem, como o cristianismo que

    vem sofrendo grandes alteraes, sobretudo em suas bases, com novos valores sendo

    implantados; o islamismo, to discutido em nosso tempo, tambm vem sendo questionado por

    seus seguidores e pela opinio pblica, buscando se inserir nos novos tempos.

    O candombl tambm sofreu, e vem sofrendo, transformaes e busca se adaptar

    modernidade ou ps-modernidade, e a (re)africanizao1 um desses pequenos movimentos

    que ocorrem no interior desta religio. O movimento de (re)africanizao caracteriza-se pelabusca pelos pais e mes-de-santo de fragmentos religiosos perdidos durante a travessia do

    Atlntico e atravs dos tempos.

    A histria do negro escravizado no Brasil e de suas religies ainda pouco divulgada

    para a maioria da populao e, geralmente, est restrita aos muros da academia. Entretanto, os

    dados que j foram levantados atravs de pesquisas permitem concluir que desde cedo

    movimentos de religies de origem africana, que s vieram luz no perodo ps-abolio,

    desenvolveram-se durante quatro sculos de escravido.

    Para o africano, a escravido rompe a ligao com a terra-me, a ausncia da terra

    ancestral degrada o ser, corri a energia vital, provoca o banzo e at a morte. O africano,

    escravizado e retirado de sua terra, virou um ser sem fora. Se ele conseguiu sobreviver,

    certamente, foi porque pde, de alguma forma, manter contato com seus deuses e seus

    antepassados. A religio reagrupou os africanos em terras americanas e constituiu (ainda

    constitui?) centros de organizao da resistncia cultural, onde puderam recriar algumas

    estruturas sociais africanas e inventar outras.

    Em teoria, esse reagrupamento proporcionado pela religio pode ser pensado:

    [...] comosobrevivncias culturais, como algo que persiste porque resistiuna dura batalha histrica de quatro sculos entre diferentes tradiesculturais competindo entre si, cada uma na busca de seu lugar ao sol, cadaqual procurando se impor como retalho privilegiado nessa colchanacional. (PEREIRA, 1984, pp. 177-178) (grifo do autor)

    1 Adotaremos tal termo utilizando o recurso dos parnteses, porque entendemos que o candombl uma religiobrasileira, logo, podemos dizer que os sacerdotes e sacerdotisas esto buscando africanizar seus terreiros, aoinvs de reafricanizar. Outros autores adotam grafias diferentes. Prandi (1991) e Braga (1988) utilizam o termo

    sem o uso dos parnteses, Melo (2004) adota o recurso das aspas, e Lpine (2005, 2007) adota o termoafricanizao.

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    Essa religio, resultado do contato entre diferentes religies e culturas africanas,

    convencionou-se chamar no Brasil de candombl, por isso, pode-se dizer que o candombl

    uma inveno brasileira que contm uma africanidade. Essa religio bem como outras

    religies de matriz africana no continente americano como a santeria e o vodu s despertou

    o interesse dos estudiosos no perodo ps-abolio, quando o Brasil se interrogava sobre seu

    futuro, e quando, diante das ideologias evolucionistas e racistas que predominavam na poca

    (sculo XIX), a populao negra do pas era vista como um empecilho ao progresso da nao.

    Nina Rodrigues deu incio etnografia do candombl e privilegiou, em seus estudos, o

    modelo jje-nag (tambm conhecido como ketu), rito que lhe parecia mais evoludo que o

    rito bantu e o jje. Para Lopes (1988, p. 01):

    Essa discriminao dos Bantos atinge o negro de um modo geral. Porquecom toda a certeza a maioria dos africanos trazidos para o Brasil nacondio de escravos veio do vasto territrio abaixo da grande florestatropical (frica Central, Oriental, Austral), que o habitat dos povosbantfones.

    Conforme afirmao do autor, esse estigma sobre a cultura e o povo bantu reflete-se

    no ethos brasileiro at hoje. Essas idias foram geradas a partir do sculo XIX por vrios

    escritores que pensavam o Brasil, no apenas do plano religioso, mas tambm, eprincipalmente, do mbito poltico, social, jurdico e cultural. Entre eles citamos: Silvio

    Romero, Afrnio Peixoto, Oliveira Vianna, Joo do Rio, Braz do Amaral, Manuel Diegues Jr.,

    Caio Prado Jr., Gilberto Freyre, Srgio Buarque de Holanda.

    A maioria dos autores que estudaram e ainda estudam as religies afro-brasileiras tem

    seguido os passos de Nina Rodrigues e enfocado, sobretudo, como objeto emprico, os

    candombls da nao ketu. Assim, quando se fala nesse culto, pensa-se logo no modelo

    estruturado nas casas mais famosas da Bahia, como a Casa Branca do Engenho Velho, o

    Gantois, o Op fonja e o Alaketo, que cultuam os orixs divindades yorubanas muitas

    delas consideradas reis, rainhas ou heris divinizados e cantam na lngua yorub.

    Por conta desse privilgio dispensado ao rito ketu, o rito angola-congo (e outras

    naes) que cultua os jinkisi2 que para algumas pessoas o correspondente aos orixs e para

    outras so os espritos dos nossos antepassados , e canta numa mistura das lnguas kimbundu

    e kikongo, tem sido considerado como um rito menor e ainda pouco estudado. Muitos

    estudiosos e pais/mes-de-santo parecem defender essa idia:

    2 Plural de Nkisi, divindades do panteo mitolgico bantu.

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    Talvez pelas influncias que recebeu dos ritos jeje-nags, dos quais adotou

    o panteo de orixs iorubanos, ainda que os chame por outros nomes quefazem parte de sua lngua ritual de origem banto e hoje to intraduzvelquanto as lnguas rituais do queto, do ef, dos nags pernambucano egacho, resultantes de arcaicos dialetos iorubanos. Alm da adoo doorculo nag, de preceitos iniciticos, e da organizao ritual e hierrquica moda queto. (PRANDI, 1991, p. 19).

    Devido a esse prestgio conquistado pelo candombl de origem yorub, e pela sua

    hegemonia como modelo de culto para outras naes (como pensam a maioria dos

    estudiosos), no de estranhar que a luta e o processo de (re)africanizao das religies afro-

    brasileiras tenham sido iniciadas por adeptos desta nao.O termo (re)africanizao, em sua acepo atual, no Brasil, foi pensado por cientistas

    sociais (Brown, 1994; Prandi, 1991; Silva, 1995 e outros), para designar um conjunto de

    medidas que se caracterizam pela inteno de resgatar os mitos, os rituais e outros elementos

    que vinham e vm perdendo o significado no interior do candombl. Outra caracterstica deste

    movimento a crtica ao sincretismo religioso, com as religies indgenas, com a umbanda,

    sobretudo, com o catolicismo. Mas a (re)africanizao no algo recente. Segundo Braga

    (1988, p. 81):

    [...] o incio do processo de reafricanizao comea com o retorno frica,no sculo passado, de africanos emancipados que alimentaram por toda avida o ideal de voltarem movidos por um sentimento profundo de fidelidade terra de origem, de onde tinham sido trazidos, na condio de escravos[...]

    Atualmente, no Brasil, a (re)africanizao parece florescer com intensidade na regio

    sudeste mais precisamente Rio de Janeiro e So Paulo onde o candombl instala-se no

    mais como uma religio apenas de negros, mas agora voltada para todos, independente de

    etnia e classe. Ao vir para o sudeste e abrir-se para a classe mdia escolarizada e com nvel

    superior, o candombl encontra as condies propcias para poder atravessar o Atlntico em

    busca dos conhecimentos perdidos.

    Contudo, mesmo com a disseminao dessa religio em todo o pas, a hegemonia

    nag ou nagocracia3 persiste. Por isso, concordamos com Braga (1988, p. 85), quando ele

    3 Emprestamos essa expresso de Prandi (1991, p. 101), que a utiliza para demonstrar a popularidade alcanadapelo candombl nao ketu tambm chamado de nag no Brasil, na dcada de 1970, quando do jubileu de

    ouro de iniciao de me Menininha do Gantois, considerada a mais famosa yalorix do Brasil em todos ostempos.

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    diz que [...] essa reafricanizao deveria ser chamada, com mais propriedade, de

    nigerianizao e em menor escala de beninizao [...]. E completa dizendo:

    A reafricanizao ou pelo menos a tentativa de reafricanizao dos cultosafro-brasileiros, pelas razes histricas e at mesmo polticas, foiprofundamente prejudicial ao conhecimento de outros povos africanos, taiscomo os Bantos, que legaram ao Brasil muito da sua concepo de vida, dehbitos e costumes, hoje plasmados na totalidade do ethos brasileiro. Areafricanizao pouco serviu aos interesses dos candombls Angola, Congoe Congo-angola, e tantos outros grupos religiosos. Ao contrrio, ficaram dealguma forma estigmatizados, quase rfos de uma matriz qual pudessemeventualmente recorrer. como se a cultura religiosa africana se limitasseexclusivamente religio dos Orixs. Em sntese, a reaproximao com africa tem sido pouco expressiva em relao ao conhecimento dos pases de

    lngua portuguesa, ironia da histria, os menos estudados e muito poucovisitados por pesquisadores e gente-de-santo. (BRAGA, 1988, p. 88)

    Sabe-se que no Brasil o contato entre religies diferentes originou um processo de

    interpenetrao de valores, crenas e prticas religiosas com todas as suas transformaes.

    fato tambm, que j h algumas dcadas (1970/1980) adeptos da nao ketu vm promovendo

    a (re)africanizao em seus terreiros4. A questo com o qual nos defrontamos agora alm da

    escassez e do descaso frente aos estudos sobre a tradio e as culturas bantu no Brasil o de

    saber como se d a (re)africanizao no interior do candombl nao angola-congo, fato ainda

    no pensado pelos estudiosos das religies afro-brasileiras. Como os angoleiros, nome pelo

    qual so conhecidos os adeptos deste rito, percebem a (re)africanizao, em que lugar

    (Angola?, Moambique?, Congo?, nos livros?, eventos?) eles vo buscar os conhecimentos,

    porque a fazem e at que ponto possvel empreend-la.

    Devido a conversas com tatas e mametus de nkisi (pais e mes-de-santo na lngua

    kimbundu), bem como com outros angoleiros e angoleiras; com autoridades, professores e

    devido s falas dos palestrantes muitos deles sacerdotes e sacerdotisas do rito angola , na

    ocasio do II ECOBANTO5 - Encontro Internacional de Cultura e Tradio Bantu,

    levantamos a hiptese de que se h uma (re)africanizao ocorrendo no interior da nao

    angola-congo, ela passa por duas fases: a primeira a que chamamos de fase da fronteira,

    ou seja, um processo de esclarecimento das semelhanas e diferenas entre a nao angola-

    congo e a nao ketu (considerada a mais tradicional e pura). A segunda fase caracteriza-se

    4 Em 2002 realizamos pesquisa (financiada pela Fapesp) sobre a questo do resgate de cnticos, rezas e toquespara o orix Yemanj, empreendido por dois terreiros da nao ketu da capital paulista, que resultou namonografia intitulada: Os tambores e a voz da frica nos candombls da cidade de So Paulo. Culto a Yemanjnos terreiros: Il Ax Orokon Ogun e Il Iyami Oxun Muyiwa..5

    O II-ECOBANTO ocorreu na cidade de So Paulo, no Memorial da Amrica Latina, nos dias 03, 04 e 05 desetembro de 2004.

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    pela busca e implantao de conhecimentos e preceitos de origem bantu, que se perderam ou

    foram abandonados, ou esto sendo inventados.

    Esta busca passa, por exemplo, pela tentativa de reeducar os adeptos do rito angola-

    congo no sentido de utilizar as lnguas bantu em seus rituais. Outro exemplo empreendido

    pelos angoleiros o resgate das divindades e a reconstruo das canes, das rezas e do

    sistema oracular bantu.

    Nossa pesquisa procurou responder a algumas questes referentes a esse movimento,

    no que diz respeito ao candombl nao angola-congo, em dois terreiros do Estado de So

    Paulo: Inzo Ia Tumbansi Tua Nzambi Ngana Kavungu, localizado na cidade de Itapecerica da

    Serra, grande So Paulo, e comandado por tata Katuvanjesi; e o Abass Nkassut Lemba

    Nzambi Keamazi, no distrito de Padre Nbrega, administrado pela cidade de Marlia, na

    regio centro-oeste do estado, e que tem como lder tata Nkassut. Mas a escolha destes

    terreiros, para centrarmos nossa pesquisa, no foi aleatria, pois, estes dois sacerdotes e suas

    casas se destacam como pioneiros (e servem de modelo) quando o assunto o resgate dos

    conhecimentos bantu.

    Deixamos claro que no somos os primeiros a fazer uma crtica hegemonia nag

    ou nagocracia. Ao nosso lado temos autores como Lopes (1988), um dos primeiros

    estudiosos do bantusmo no Brasil; Dantas (1988) que mostra num estudo comparativo como

    ainteligentsiabrasileira fez a opo pelo yorub; e de longe, podemos citar Sansone (2002)

    quando, na sua discusso sobre etnicidade, relata como os historiadores europeus

    inventaram uma suposta supremacia yorub no sculo XIX.

    A discusso da (re)africanizao dos candombls no um fato isolado, pois ela

    insere-se no mbito de discusses polticas que vo desde a luta pelas aes afirmativas, o

    reconhecimento das comunidades quilombolas, a luta pela liberdade de culto frente s

    religies evanglicas, as reivindicaes dos vrios movimentos negros na sociedade, que

    desgua na questo da etnicidade. Enfim, podemos dizer que estas discusses do sustentao

    para uma discusso maior, que sobre a busca de uma identidade negra ou afrodescendente

    para a maioria da populao brasileira. No mbito religioso o resgate dos conhecimentos

    perdidos est tambm associado questo do mercado religioso e sua busca por fiis, uma

    vez que, o candombl vem perdendo adeptos para as igrejas pentecostais e neopentecostais,

    principalmente, nas periferias das grandes cidades.

    Na nossa pesquisa de campo adotamos a observao participante, e adiantamos que

    no anexaremos as entrevistas realizadas, uma vez que os sacerdotes entrevistados citam

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    nomes de pessoas e terreiros que no foram consultados, e que, eventualmente, poderiam vir a

    causar celeuma entre o povo-de-santo. Segundo Ferretti (1995, p. 28):

    O antroplogo no pode escrever tudo o que v e observa [...] Desvendarproblemas pessoais um dos riscos que preciso ter o cuidado decontornar, para no trazer obstculos aos informantes, o que pode ocorrercom a publicao de trabalhos [...] mesmo trocando nomes dosenvolvidos, as pessoas podero ser facilmente identificadas.

    Assim, aps esta introduo, no primeiro captulo discutiremos as possveis

    sobrevivncias culturais dos africanos bantu em So Paulo, e a polmica em torno de algumas

    dessas sobrevivncias que ajudaram na construo da umbanda. Outro ponto a ser discutido,

    ainda neste captulo, ser o surgimento do candombl em So Paulo e suas fases: rito angola,

    rito ef, rito ketu e o rito ketu (e o angola-congo) (re)africanizado.

    No segundo captulo comeamos por listar uma srie de etnias tanto sudanesas,

    como bantu trazidas numa espcie de dispora, mas que ajudaram a formar o Brasil.

    Discutiremos tambm as principais semelhanas e diferenas entre a nao ketu e a nao

    angola-congo, mostrando assim que cada nao de candombl tem a sua particularidade.

    Ainda neste captulo apresentamos a hierarquia no candombl nao angola-congo, as

    divindades desta nao e alguns outros rituais. Por ltimo tentamos mostrar os motivos quelevaram os estudiosos a construir uma ideologia nag em detrimento da outras naes.

    No terceiro captulo discutiremos como se deu a africanizao e a reafricanizao do

    continente americano apresentando algumas sobrevivncias religiosas como o vodu haitiano e

    a santeria cubana. Terminamos nossa discusso mostrando a disseminao do candombl, da

    santeria e do vodu pelo continente. Por fim apontamos as novas vertentes religiosas (ou de

    inspirao religiosa) de matriz africana, como o ritual do kwanzaa e a diplo-santeria nos

    Estados Unidos.

    No quarto captulo apresentaremos nossa discusso acerca da construo do termo

    (re)africanizao no Brasil, adiantando que este no um fenmeno recente. Por isso,

    dividimos a sua histria em trs fases, da qual a fase da (re)africanizao religiosa a atual.

    Ainda nesta parte discutiremos a (re)africanizao do ponto de vista dos estudiosos, bem

    como ela pensada e aplicada pelos sacerdotes da nao ketu. Verificaremos como angoleiros

    e angoleiras esto pensando a (re)africanizao que alguns chamam de Tradicionalismo

    bantu , e chegando concluso de que no h apenas um sentido para o termo nem no

    interior de cada nao.

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    O quinto captulo versar sobre os conceitos de: identidade contrastiva, proposta por

    Oliveira (1976); de fronteira (Barth, 1998); de inveno da tradio (Hobsbawm & Ranger,

    1987); de sincretismo (Ferretti, 1995); a questo do campo religioso do candombl (Lpine,

    2005; 2007), e especificamente da nao angola-congo (re)africanizada. Buscaremos articular

    estes conceitos com a opinio de nossos interlocutores, verificando como os sacerdotes

    entrevistados pensam estes termos e como fazem uso ou no deles para empreenderem a sua

    (re)africanizao.

    No sexto captulo procederemos descrio da trajetria religiosa dos entrevistados,

    das casas as quais so lderes, e das festas que acompanhamos. No terreiro comandado por

    tata Katuvanjesi apresentaremos uma sada de muzenza e uma festa de Kavungu (nkisi da

    casa), ambas ocorridas no mesmo dia. No terreiro de tata Nkassut descreveremos como

    uma festa de caboclo (considerado o ancestral dos indgenas brasileiros) num terreiro de

    candombl.

    Por ltimo apresentamos nossas consideraes sobre a (re)africanizao empreendida

    pelos dois sacerdotes, em que apontamos para um maior empenho da academia sobre as

    tradies culturais e religiosas bantu no Brasil e um intercmbio mais intenso com a regio

    bantfone Angola, Congo, Moambique e outros por parte do governo federal.

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    Captulo 1: O candombl em So Paulo

    1.1 Razes bantu em So Paulo?

    Conforme Bastide (1973), nos sculos XVI e XVII ainda eram poucos os escravos

    africanos no estado de So Paulo, mas a partir do sculo XVIII, podemos afirmar com

    segurana que os primeiros africanos que chegaram aqui eram provenientes do grande grupo

    lingstico bantu6, onde eram comprados diretamente de Angola na frica, e depois, do Rio

    de Janeiro e, posteriormente, da Bahia j no Brasil. Desde os difceis anos da minerao So

    Paulo passara a receber quantidades progressivas de negros escravizados, pois o alvar real de

    20 de janeiro de 1701 permitira capitania a importao anual de 200 negros.

    Durante o ciclo da minerao, mas sobretudo no sculo XIX, houve um crescimento

    deste negcio devido necessidade de se trazer mo-de-obra para as lavouras de caf que

    naquele momento estava tornando-se a principal atividade da regio , principalmente no vale

    do Paraba. Mas a populao negra cresceria espantosamente em todo o estado a partir de

    1850, no auge do desenvolvimento da indstria cafeeira.

    Em relao aos africanos de origem bantu ainda no sculo XIX na cidade So Paulo h

    algumas referncias como nesta passagem de Marques (1966, p. 150).

    Benedito, o homem dos braos de atleta, um negro de peito largo e pernasfortes, a negrinha vivaz de Angola, ou a cabinda de ancas perfeitas e seiosvirgens, o molequinho, azougado, de Benguela, ou a rapariguinha impbereda Guin, todos, todos, com a incluso de uma futura me-preta de olhardistante e compleio robusta, findo o leilo passavam a viver sob a novachibata.

    Embora atentemos para o fato de que os comerciantes de escravos no se atinham

    quanto procedncia de suas peas, parece interessante que esses mesmos mercadores

    6 Sabemos que o genrico banto foi dado por W. H. Bleck em 1860 a um grupo de cerca de 4 mil lnguasafricanas que estudou (BALANDIER, 1968, p. 64). Analisando essas lnguas, Bleck chegou concluso que apalavramuNTUexistia em quase todas elas significando a mesma coisa (gente, indivduo, pessoa) e que nelasos vocbulos se dividiam em classes, diferenciadas entre si por prefixos. Assim baNTU o plural demuNTU,porque nas lnguas bantas os nomes so sempre antecedidos de prefixos, que distinguem, por exemplo, oindivduo (Um, Um, Am, Mo, M, Ki, Tchi, N, K, Muxi, Mkua etc.), o grupo tnico a que ele pertence (Ba, Wa,Ua, Ova, A, Va, Ama, I, Ki, Tchi, Exi, baxi, Bena, Akua etc.) [...] (LOPES, 1988, p. 85 grifos nosso). Banto(bntu): grupo lingstico, compreendendo milhes de africanos, com inmeras lnguas e quase 300 dialetos, queestende por quase 2/3 da frica Negra, desde o Camerum at o sul. Inclui-se Angola e Congo de onde nos veio amaioria dos escravos desse grupo e cujas lnguas, kimbundu e kikongo, entre outras, so as que mais termosdeixaram em nossa lngua atual. (CACCIATORE, 1977, pp. 63-64). De nossa parte manteremos o termo

    BANTU (grafia africana), em toda a extenso do nosso texto, mesmo diante de palavras e/ou frases da lnguaportuguesa que estejam no plural, preferindo no aportugues-las, como fazem alguns autores.

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    faziam referncias quanto origem e capacidades desses africanos. Em relao a este fato nos

    reportamos a um artigo de Maria Ins da Costa Oliveira em que a autora versa sobre o assunto

    e diz:

    A tese hegemnica de que, quando chegavam aqui no Brasil os negros eramlogo misturados a outras etnias para que perdessem a capacidade deorganizao no parece satisfatria, seno como explicar que mesmo entreos bantu, j no sculo XIX cronistas conseguiam identificar a olho nu vriasetnias: os angolas seriam os melhores escravos, dedicados, fiis e honrados.Os congos, prprios para o campo, eram tambm dceis, embora no tointeligentes ou corajosos. Mesmo os termos: congo, angola, cambinda,benguela so problemticos e foram utilizados de forma aleatria como setais termos reportassem a seus locais de origem, assim como falamos dos

    portugueses, franceses, italianos (OLIVEIRA, 1997, p. 54)

    Ainda no sculo XIX,tambm na cidade de So Paulo era possvel perceber as vrias

    etnias que vinham de frica para colonizar o Brasil. No entanto, parece que os negros bantu

    predominavam na cidade e at mesmo no estado, pelo menos at a primeira metade do sculo

    XIX. A pesquisadora Maria Odila Leite da Silva Dias (1984, p. 116), em seu estudo sobre a

    capital paulista, nesta mesma poca escreve: Em anncios de jornais e nos raros maos de

    populao, que discriminadas a origem dos escravos, preponderavam numericamente escravas

    de Angola, Moambique, do grupo bantu [...]. Entretanto no se pode deixar de aceitar que

    negros sudaneses atuavam tambm na cidade, embora em nmero reduzido.

    Em relao religiosidade dessas pessoas, nesta poca, tm-se poucos dados, mas

    alguns estudiosos do perodo, como a historiadora Emlia Viotti da Costa (1966), contam que

    viajantes confirmavam a permanncia de alguns ritos pagos. Novamente nos reportamos a

    Maria Odila para reforar nosso argumento. Citamos agora uma parte em que a estudiosa se

    refere especificamente ao cotidiano das escravas:

    [...] gozavam de prestgio e influncia entre os prprios escravos, tornando-se lderes no seu convvio social e religioso: no seu quotidiano de trabalho ede lazer, alternavam-se cantos estratgicos de comrcio ambulante, com aintensidade de pontos mgico-religiosos dos seus cultos improvisados.Adquiriam fama como curandeiras e mes de santo. Maria DAruanda eMe Conga ficaram conhecidas na cidade. (DIAS, 1984, p. 119)

    Sem dvida, se fssemos investigar a existncia de religies de matriz africana, no

    estado de So Paulo no sculo XIX, descobriramos que as prticas religiosas dessas pessoas

    eram corriqueiras.

    Segundo Bastide (1973; p. 195):

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    As casas em que se reuniam os negros para celebrar os cultos chamavam-

    se aqui, nessa poca, batuques. Este nome permanece at hoje no sul dopas, sendo que em So Paulo e Rio de Janeiro, o nome macumba foi oque ficou cunhado, para denominar as prticas religiosas dos negros.Outro nome pelo qual tambm ficou conhecida era casa da fortuna.(grifo do autor)

    Ao lado destas prticas organizadas nas casas de culto, agiam tambm feiticeiros e

    curandeiros, que desempenhavam funes de mdicos e guias espirituais. Eles j haviam

    incorporado elementos cristos e espritas a suas prticas. Mas o contrrio tambm se

    verificava, testemunho disso foi a construo da capela de Nossa Senhora das Estrelas no

    lugar onde anos antes havia sido morto um negro fugitivo, que muitos diziam ser curandeiro.

    Os elementos espritas foram incorporados sem dificuldade pelos negros bantu, pois [...] o

    africano encontrava no espiritismo a forma brasileira de sua antiga cultura, um meio de

    continuar a comunho antiga com os espritos dos mortos. (BASTIDE, 1973, p. 197)

    Florestan Fernandes escreve sobre o negro Joo de Camargo7, que viveu na cidade de

    Sorocaba, na segunda metade do sculo XIX. Era praticante do curandeirismo esprita, mas

    tambm adorava imagens catlicas e outros elementos africanos, o que caracteriza um

    verdadeiro sincretismo entre das trs culturas fundantes do Brasil: a indgena, a europia e a

    africana. Joo de Camargo chamava os santos catlicos por nomes africanos de origem bantu

    quando estava na presena de seus iniciados. Um exemplo desta traduo para as lnguas

    africanas So Benedito no por acaso um dos santos catlicos mais cultuados pela

    populao negra , que Joo de Camargo chamava de Rongondongo. Segundo Marques

    (1966, p.186):

    Os cabindas chegavam a substituir, por outros, os nomes de certos santosj consagrados pela igreja catlica. Era, sse, um velho costume l dles.Mudavam, por exemplo, o nome de So Benedito para o de Lingongo; ode Santo Antonio, para de Vereque; o de Nossa Senhora das Dores, para o

    de Sinh Samba [...].

    Joo de Camargo fundara um templo religioso chamado Igreja Nosso Senhor da gua

    Vermelha, mas que teria sido registrado como associao esprita. Nesta igreja, conservava-

    se o hbito do culto catlico juntamente com elementos do culto africano como a litolatria8.

    7 Para informaes mais recentes sobre esta personagem veja o filme Cafund,de 2005, dirigido por Paulo Bettie Clvis Bueno, que conta a histria de Joo de Camargo, estrelado pelo ator Lzaro Ramos, c.f.

    www.cafundo.com.br, 14/07/2007.8 Lito = pedra; Latria = culto.

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    A litolatria, cultura africana, tanto pode ser um trao do culto fetichistasudans a Xang, como um trao de religio banto. No primeiro, caso a

    pedra adorada seria apedra de raioconforme Artur Ramos emO NegroBrasileiro; mas a segunda hiptese parece-me a mais provvel, por causada predominncia do elemento banto nessa regio, e porque as pedras nosopedras de raio. (FERNANDES, 1972, p. 223) (grifos do autor)

    Neste mesmo estudo Florestan Fernandes nos diz que Arthur Ramos j observava que

    os cabinda9 eram adoradores das pedras, dos paraleleppedos e das lascas de pedra. Outro

    argumento utilizado pelo estudioso para reforar sua idia de que Joo de Camargo utilizava-

    se de elementos bantu em seu culto religioso e no elementos originrios de povos

    sudaneses10

    era o fato de que [...] o preto banto j tinha em sua cultura traos que muito seaproximavam do espiritismo, como o culto Orodre, em Benguela. (FERNANDES, 1972, p.

    224) Ainda conforme Florestan Fernandes, Joo de Camargo estabelecia uma distino entre

    o que ele prprio fazia e o que outros curandeiros e macumbeiros faziam, por isso iniciou

    uma guerra religiosa sem trgua procurando desacredit-los aos olhos de seus seguidores e de

    seus clientes.

    Independente de Joo de Camargo se posicionar contra os curandeiros (ou

    macumbeiros como ele os denominava), sendo ele prprio considerado um macumbeiro aos

    olhos das autoridades do Estado e da sociedade da poca, isso no empobrece o fato destesenhor ser um dos primeiros que se tem notcia a sincretizar a religio europia com

    elementos africanos (mais precisamente bantu) no estado de So Paulo. O que nos leva a

    pensar na questo da umbanda e sua genealogia, uma vez que muitos pais e mes-de-santo,

    tanto da umbanda como do candombl, dizem que foram as culturas de origem bantu que

    mais emprestaram seus ensinamentos para a formao dessa religio.

    Segundo Camargo (1961, p.11), em seu estudo Kardecismo e Umbanda: [...] o que

    caracteriza os terreiros Banto o menor grau de pureza ritual e a maior receptividade na

    aceitao de influncias catlicas ou espritas.

    9 Cabinda. Regio africana, perto de Angola e da foz do rio Congo. // Nome dado, no Brasil, aos escravos vindosdesse lugar, ditos tambm de nao Cabinda ou Cambinda. (CACCIATORE, 1977, p. 73)10 Povos que habitam a regio intertropical africana, entre o deserto do Saara e o Atlntico (golfo da Guin),compreendendo o Tchad, o Nger, o Sudo etc. e as regies na costa do golfo: Nigria, Daomei (atual repblicaPopular do Benin), Togo, Gana (antiga Costa do Ouro), Costa do Marfim, estendendo-se at a Libria, SerraLeoa, Guin, Senegal. // Grupos de escravos vindos dessas regies, sendo em maior quantidade os iorub (nag),hau (maometanos), da Nigria, os denominados jeje, do Daomei, os fanti-axanti (minas), da Costa do Ouro. //Indivduos vindos dessas regies. F. de Sudo. (CACCIATORE, 1977, pp.245-246). Do mesmo modo,

    manteremos a grafia africana yorub ao invs da aportuguesada iorub, como consta no dicionrio da autoracitada.

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    1.2 Elementos bantu na umbanda paulista?

    Pode-se dizer que antes do estudo realizado por Camargo (1961), nenhum pesquisador

    havia pensado sobre a umbanda paulista, e menos ainda sobre os aspectos bantu no interior

    dessa religio. O autor argumenta que nunca se encontrou traos africanos locais, muito

    menos bantu, nesta religio. Ele defende a idia de que a umbanda tenha sido trazida de

    outros estados, especialmente Bahia e Rio de Janeiro. Para o estudioso A Umbanda paulista

    importada dos outros Estados e seu poder de expanso se encontra na funcionalidade do seu

    sistema e no na fra de inrcia de uma tradio cultural. (CAMARGO, 1961, p. 35)Camargo cita um estudo de Bastide11, especificamente o captulo sobre a Macumba

    Paulista, realizado nos anos 1940, e que, devido pobreza da umbanda naquela poca, deu

    nfase aos aspectos do curandeirismo, muito comum at ento. O autor acredita que o

    crescimento desta religio em So Paulo tenha se dado na dcada de 1950. Para Camargo, os

    negros de origem bantu contriburam muito pouco para a configurao da umbanda, e a idia

    de que a cultura bantu tenha oferecido algo mais no passa de pura ideologia acadmica, e

    diz:

    Sabe-se que a maioria dos escravos que vieram para So Paulo provinhado Congo e de Angola e muitos etnlogos, inclusive Roger Bastide,querem encontrar na tradio africanista de So Paulo a marca do estiloreligioso dos negros Banto. possvel. No cremos, entretanto, que tenhahavido na cidade de So Paulo [e talvez no Estado] uma continuidadecultural, como sucede na Bahia. (CAMARGO, 1961, p. 34)

    Conforme os conhecimentos do autor, o panteo umbandista e at mesmo expresses

    rituais tm origem na cultura sudanesa dos povos falantes da lngua yorub, como exemplo

    ele cita as palavras babalorix, babala e atabaque.Para Silva (1994) a cabula12 religio anterior umbanda com forte influncia bantu

    teria contribudo para o surgimento da umbanda. Outra religio que tambm teria influenciado

    a umbanda seria a macumba13, que se aproxima das prticas rituais da cabula.

    11 BASTIDE, R.Les Religions Africaines au Brsil:vers une sociologie des interpntrations des civilisations.Paris: Presses Universit de France, 1960.12 Seita secreta afro-brasileira, com influncias malesas, bantas e espritas, poss. Precursora da umbanda, e que

    aparece nos ltimos anos do sc. XIX na Bahia. [Sobrevive como culto no ES, em MG e no RJ.] (FERREIRA,A. B. de H. verso 3.0, em 20 jul. 2007)

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    Mesmo antes, porm, de adquirir um contorno mais definido, muitos

    elementos formadores da umbanda j estavam presentes no universoreligioso popular no final do sculo XIX, sobretudo nas prticas bantos.(SILVA, 1994, p. 106)

    Desse modo, diante da argumentao do autor, tudo nos leva a pensar que Silva (1994)

    acredita que a umbanda tenha sofrido grande influncia das culturas bantu, indo de encontro

    opinio de Camargo (1961).

    Outro estudioso que tambm questiona a origem bantu da umbanda paulista Lsias

    Nogueira Negro. Negro (1996) se apia na tese de livre docncia de Liana Trindade14 para

    demonstrar a existncia de terreiros de Umbanda em So Paulo montados como grupos

    organizados desde ao menos a dcada de 1920. Para Liana (1991 apud NEGRO, 1996, p.

    36)

    [...] foram os grupos tnicos Angola e Congo, que predominavam em SoPaulo desde o perodo escravocrata, que forneceram os componentesbsicos para o posterior desenvolvimento da Macumba e do Candombl (deAngola). Desde o sculo XIX os jornais registraram prticas rituaisangolanas, como os sacrifcios de animais ofertados s divindades junto arvores, uso de ervas, o ritual de fechamento do corpo, o jogo de bzios.

    Segundo Negro (1996), muitos destes rituais teriam prevalecido na umbanda, porm

    a influncia mais importante vinda dos bantu teria sido a possesso dos espritos, que tm o

    dom de falar, ao contrrio dos rituais sudaneses em que os espritos so mudos. Outro trao de

    influncia bantu na umbanda a maneira de tocar os atabaques. Nos rituais sudaneses os

    atabaques so tocados com uma varinha e nos rituais bantu so tocados com a mo, como se

    verifica at hoje nos terreiros de umbanda em todo Brasil.

    Apesar de Negro (1996) tambm aceitar a influncia dos rituais citados acima, ele

    concorda com Liana (1991) quando a pesquisadora questiona dizendo que a origem destes

    mesmos rituais no proveniente dos africanos de origem bantu que moram em So Paulo.

    Conforme o autor, as referncias empricas so poucas, o que faz com que essa hiptese no

    se concretize, pois:

    13 H uma polmica que at hoje no foi resolvida com esta religio, pois muitas pessoas tanto do povo desanto, como entre os estudiosos , dizem que a umbanda e a Macumba so a mesma religio, enquanto outraspessoas acreditam ser religies distintas.14

    TRINDADE, L. M. S. Construes Mticas e Histria: estudo sobre as representaes simblicas e relaesraciais em So Paulo do sculo XVIII atualidade . So Paulo: Universidade de So Paulo, 1991.

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    O ritual de possesso angolana, descrito no processo de Inquisio ainda nosculo XVIII, ocorrera em Sabar, Minas. A Cabula, descrita por Dom Nery

    em sua carta pastoral, era capixaba. Os artigos de Benjamin Pret na dcadade 30 foram publicados no Dirio da Noite suas observaes, pormrealizadas nos terreiros do Rio de Janeiro. (NEGRO, 1996, p. 37).

    O que nos resta, seguramente, de africano em So Paulo o caso de Joo de Camargo

    citado acima. Contudo cremos que seja um caso to especfico que no tem relevncia para a

    comparao com a umbanda ou mesmo a macumba paulista.

    No Brasil Imprio, os jornais da poca noticiavam e denunciavam prticas mgico-

    religiosas de origem africana, por outro lado havia poucas notcias sobre prticas de origem

    europia, como o caso de um messias portugus em Campinas. De quatorze casos

    registrados [...] oito deles em associao com acusaes de curandeirismo, uma associada a

    bruxaria e uma a charlatanismo. (NEGRO, 1996, p. 45) Geralmente estas acusaes eram

    associadas s prticas religiosas de origem africana.

    Paralelamente, comeavam a surgir na imprensa paulista da virada do sculo XIX para

    o XX notcias sobre o espiritismo. Devido imigrao europia, tanto o espiritismo ligado a

    Kardec, quanto o considerado mais popular, comearam a se tornar visveis aos olhos da elite

    e do poder pblico. Em 22 de abril de 1894, o jornal A Ptria, que era um rgo da Federao

    Catlica de So Paulo, publicou um texto intitulado Sobre o Espiritismo. Por volta de 1910,

    a imprensa paulista apresentava de forma explcita a diferena entre o baixo e o alto

    espiritismo.

    O alto Espiritismo seria, portanto, religio protegida pelo Estado, cultosemelhante aos demais e livre, inspirado nos nobres princpios de caridade,envolvendo pessoas instrudas de elevada condio social. O baixoEspiritismo seria a prtica de sortilgios, de feitiaria e curandeirismoenquadrveis no Cdigo Penal, despido de moralidade e motivado porinteresses escusos, envolvendo pessoas desclassificadas socialmente eignorantes. bvio que as prticas mgico-religiosas de origem negraenquadravam-se dentro desta ltima categoria. (NEGRO, 1996, p. 57 grifo

    do autor)

    Estaramos equivocados se pensssemos que o termo baixo Espiritismo era mais

    designado aos terreiros de origem bantu existentes em So Paulo na poca (conhecidos como

    Macumba), numa tentativa de se enquadrarem como centros espritas? Conforme Negro

    (1996), a partir de 1929, alguns terreiros de umbanda j comeavam a ser registrados nos

    cartrios como centros espritas.

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    Por ltimo, registramos a posio de Pinto e Freitas (1972) sobre a umbanda. Para os

    autores, a umbanda uma religio da etnia lunda-quioco, situada no nordeste de Angola, na

    frica; logo, de origem bantu. Seguindo a linha de raciocnio dos autores, a partir de sua

    vinda para o Brasil a umbanda teria se sincretizado com o espiritismo. Por isso, A umbanda

    um sincretismo bantu-kardecista, com imagens catlicas [...] (PINTO; FREITAS, 1972, p.

    29). Ainda segundo os autores, antes do desenvolvimento da umbanda j existiam outros

    cultos populares como: a pajelana, presente no Maranho, no Par e no Amazonas, derivao

    de cultos amerndios; o catimb, tambm muito presente no Norte e no Nordeste e que tem

    como mestres espirituais Z Pelintra e outros; e a linha das Almas que para os autores, de

    origem africana, embora muitas pessoas a considerem de procedncia kardecista.

    1.3 Origens do candombl em So Paulo

    Se existiam religies negro-africanas em So Paulo h pelo menos um sculo, fato

    que o candombl s se tornaria visvel no sculo XX, mais precisamente na sua segunda

    metade. A origem do candombl no estado de So Paulo, segundo Prandi (1991), no tem

    mais que quarenta anos. Ou seja, podemos pensar esta origem por volta dos anos 1960, poisantes o que existia era a umbanda e os centros espritas kardecistas.

    So Paulo, como acreditam alguns estudiosos (Camargo, 1961; Negro, 1996; Prandi,

    1991; Trindade, 1991), no teria originado nenhum tipo de culto seja ele umbanda,

    candombl ou outros por isso, pode-se dizer que o candombl paulista, assim como a

    umbanda, teria importado o culto de outros lugares do pas, de outro modo, o candombl

    em So Paulo, no seu incio, foi gerado por sacerdotes e sacerdotisas de outros estados. Esta

    religio chega a So Paulo de diversas maneiras:

    Atravs de pais-de-santo que vm do Rio e da Bahia para iniciarem filhoaqui; quando umbandistas vo ao Rio e Bahia para l se iniciarem nocandombl; nos casos em que um pai ou me-de-santo migra para SoPaulo j iniciado em seu Estado de origem e abre terreiros de candombl;na situao em que o migrante j vem feito no candombl, mas comeasua carreira religiosa em So Paulo abrindo casa de umbanda, para maistarde vir a tocar candombl e abandonar a umbanda; e, finalmente, atravsde filhos que j so iniciados em So Paulo por mes e pais-de-santotambm iniciados em So Paulo. (PRANDI, 1991, p. 93)

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    O candombl paulista teria se instalado primeiramente nas cidades litorneas. A esse

    respeito, Prandi (1991, p. 94) diz: [...] enquanto umbandistas de So Paulo se iniciavam no

    candombl com pais e mes do Rio ou da Bahia, tanto indo para l, como recebendo-os aqui,

    alguns terreiros j haviam se instalado diretamente na Baixada Santista, mais ou menos em

    torno do cais do porto.

    Assim, o registro mais velho que se tem notcia desta religio data de 1958 em Santos,

    com a roa fundada por Seu Bob. Vindo da Bahia, Seu Bob, Jos Bispo dos Santos, hoje

    com 75 anos de idade, ficou no Rio de 1950 a 1958.(PRANDI, 1991, p. 95). Outra que por

    essa poca fixou residncia tambm em Santos foi Me Toloqu, de nome civil Regina Clia

    dos Santos Magalhes, que foi iniciada na Bahia por Joozinho da Gomia, importante

    sacerdote do rito angola. Valdemar Monteiro de Carvalho Filho codinome Vav Negrinha ,

    baiano da nao jje15, instala sua roa na cidade de So Vicente por volta de 1950. Conforme

    Prandi (1991), a maioria destes pais e mes-de-santo mantinham relaes com Joozinho da

    Gomia, que muitos acusavam de no ser feito no santo. Outros ainda se relacionavam com

    centros de umbanda.

    Porm,ser a partir da dcada de 1960 que comeam a aparecer terreiros registrados

    em cartrio como de candombl, pois,at ento, s se tinha notcias de terreiros registrados

    como de umbanda, tenda esprita e/ou centro esprita. Parece que o primeiro terreiroregistrado como de candombl data de 1965, como escreve Prandi (1991, p. 93):

    Em alguns casos, este catlogo de registros cartoriais serviu paracomprovar informaes, como o fato de que Me Manod uma dentreos mais antigos sacerdotes que abriram casas de candombl em So Paulo[na cidade de So Paulo], e a primeira a registrar seu terreiro em cartriocom a palavra candombl no ttulo da casa, em 1965.

    Nos anos seguintes da dcada de 1960, e ainda influenciados por Joozinho da

    Gomia, viriam para So Paulo Alvinho de Omulu, Seu Jos de Oxossi, Camaro de Ians,

    alm da presena do prprio babalorix para iniciar muita gente no santo que hoje tem seu

    prprio terreiro como, por exemplo, dona Isabel de Omulu e sua filha carnal Wanda de

    Oxum. Na dcada de 1970,com a morte de Joozinho da Gomia,sacerdotes e sacerdotisas

    15 Dialeto do grupo dialetal fon, da lngua ewe (V), falado por escravos vindos do Daomei (atual RepblicaPopular do Benin). // Denominao geral dada aos escravos vindos dessa regio, cuja linguagem, crenas,costumes foram absorvidos em grande parte pelos iorubanos (nag), na Bahia. Contudo existem aindacandombls jeje na Bahia, no Maranho e, atualmente, tambm no Rio e Estado do Rio, fundados por baianos.Os do Rio de Janeiro (alguns, pelo menos) usam grande nmero de deuses e rituais nag. F.p. ior.: jeji

    estrangeiro, estranho, nome que os ioruba, no Daomei, davam aos povos vizinhos, i. e., aos daomeanos.(CACCIATORE, 1977, p.159).

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    do candombl ketu16 comearam a se destacar na cidade. [...] Era a poca do prestgio do

    Gantois de Me Menininha [...] (PRANDI, 1991, p. 101) e do candombl como um todo que

    havia sido descoberto por intelectuais e artistas.

    No auge da nagoizao (Braga, 1988, p. 85) ou nagocracia (Prandi, 1991, p.101)

    vieram Me Juju, Olga do Alaqueto (que aqui passava quatro meses apenas) e muitos outros.

    Caio Ob Inan, que veio da umbanda, inaugurou seu terreiro Ax Il Ob (um dos maiores do

    pas em p ainda hoje) em 1974, e quando morreu foi sucedido por Slvia de Oxal ,que hoje

    est frente deste terreiro, tombado pelo CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do

    Patrimnio Histrico, Arqueolgico, Artstico e Turstico do Estado de So Paulo como

    patrimnio histrico da cidade em 1975. Neste mesmo perodo, representando a nao jje-

    mina maranhense, veio o importante sacerdote Francelino de Xapan. A partir da, j

    possvel perceber um crescimento e identificar a primeira gerao de pais e mes-de-santo

    paulistas iniciados na cidade tocando terreiros. Esta gerao que comear um movimento de

    volta frica que ser chamado de (re)africanizao (o qual discutiremos mais frente).

    Pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos da Religio Duglas Monteiro, ligado

    Universidade de So Paulo, baseadas em documentos de 1929 a 1982, verificaram o

    crescimento, nesse perodo, do nmero de associaes civis de umbanda, espritas e de

    candombl. Na dcada de 80, entre as religies de matriz africana, o candombl a que maisrapidamente se expande. Um dos fatores, e talvez o principal, que explicaria esse crescimento

    seriam as migraes dos nordestinos, ou seja, o fato de estes homens e mulheres virem para

    So Paulo, trazendo consigo suas histrias de vida religiosa, alguns aderindo umbanda,

    outros abrindo seus prprios terreiros.

    Conforme Silva (1995), outro fator que teria contribudo para esse crescimento teria

    sido, estranhamente, o desenvolvimento da umbanda, pois:

    Se por um lado o candombl se expande atravs dos imigrantesnordestinos que para c se deslocam, por outro est a passagem de muitosumbandistas para os quadros do candombl, seja por motivos de crisereligiosa, seja pela melhor compreenso e aceitao dos preceitos queenvolvem o candombl [...] (SILVA, 1995, p. 79)

    16 Tambm dito Ketu. Antigo reino da frica Ocidental, cortado em dois pela atual fronteira Nigria-Benin. Seugovernante tem o ttulo de Alaketu. // Povo desse reino, pertencente ao Egb, diviso dos Ioruba. Veio emgrande nmero, como escravo para a Bahia. A elementos seus se devem os candombls mais tradicionais, como

    Engenho Velho (Casa Branca), Op Afonj, Gantois, Alaketo, Ogunj F. ior.: ktu. (CACCIATORE, 1977,p.163)

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    Para acompanhar o desenvolvimento das religies afro-brasileiras em So Paulo,

    seguiremos o esquema traado por Silva (1995), e que distinguiremos resumidamente em

    quatro fases.

    1a fase rito Angola

    Na dcada de 50, chega a So Paulo, vindo do Rio de Janeiro e de Salvador, o

    candombl angola. Entre os nomes mais lembrados pelo povo de santo est o de Joozinho da

    Gomia.A morte de Joozinho da Gomia em 1971 marcou o declnio desta nao.

    2a fase rito Ef

    As dcadas de 50 e 60 delimitam o perodo em que houve maior contato com

    candombls da Bahia e do Rio de Janeiro. Entre os terreiros cariocas mais conhecidos, temos

    o de Cristvo de Ogum, iniciado no terreiro do Oloroqu em Salvador, considerada a casa

    matriz do rito ef, variante do tronco nag (ou yorub ou ketu), fundada por Maria da Paixo.

    Desta mesma corrente, saram Waldomiro de Xang que havia iniciado Diniz da Oxun, que

    no final da dcada de 60 foi para a cidade de Santos, levando consigo seu og Gilberto de

    Exu17. Irmo de Waldomiro de Xang, Alvinho de Omulu muda-se para So Paulo, tornando-

    se o principal divulgador deste rito, principalmente na zona leste.

    Com o crescimento do rito ef comeou a haver uma disputa entre Alvinho de Omulu

    e Joozinho da Gomia. Dessa disputa, os seguidores do rito ef retiraram algumas vantagens:a) A proximidade com o modelo ketu, at hoje posto como o mais puro; logo, mais

    tradicional.

    b) Seu distanciamento da umbanda, vista como sincrtica, freqentemente associada

    ao candombl angola.

    Esta disputa tambm representou, em outros termos, um redirecionamentono campo de influncias das naes num momento em que o candomblse expandia e se tentava criar algumas formas eletivas de participao eredistribuio do poder religioso. (SILVA, 1995; p. 86)

    Com efeito, Joozinho da Gomia era freqentemente acusado de no ter sido feito no

    santo, e de cultuar entidades estranhas ao candombl, como os caboclos, por exemplo.

    Percebe-se a importncia que o pertencimento a uma genealogia religiosa comeava a

    assumir. Foi em meio a essa disputa que o rito ketu, que j havia se estabelecido em So

    Paulo, encontrou condies para florescer.

    3a fase rito Ketu.

    17

    Gilberto de Exu casado com a yalorix Wanda de Oxun que, atualmente, comanda o Il Iy Mi OxunMuyiwa. (Entrevista concedida em abril de 2002)

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    O candombl de rito ketu, a nao mais prestigiada, responsvel pela formao de

    vrias linhagens, como a de Nezinho de Ogum do terreiro do Porto de Muritiba, localizado

    no Recncavo Baiano, e representado por terreiros famosos como a Casa Branca do

    Engenho Velho e o Gantois de me Menininha. Nezinho de Ogum vinha corriqueiramente,

    nos anos 60 e 70,a So Paulo, e ajudou a iniciar muitas pessoas como Prsio de Xang, pai

    Jos Mendes de Oxossi e tia Rosinha de Xang.

    O modelo ketu teria desfrutado de tanto prestgio nas dcadas de 70 e 80 que muitos

    pais e mes-de-santo procuraram diretamente as grandes casas da Bahia, chegando a ponto de

    muitos deles abandonarem suas naes de origem ou mesclarem as suas naes com a nao

    ketu.

    4a fase rito Ketu (re)africanizado e outras naes

    Alm das naes mencionadas nas trs fases anteriores, existem outras que ajudaram a

    ampliar o dilogo para a formao do candombl paulista. Citaremos algumas, para

    exemplificar nossa afirmao.

    Da nao jje (e sua variante baiana chamada marrim) veio o pai de santo Vav

    Negrinha. Da mesma nao (variante maranhense chamada mina) veio Francelino de Xapan,

    que filho de santo de Jorge de Iemanj, do terreiro de Mina de Iemanj em So Lus, no

    Maranho. A nao jje-mina cultua os Vodum18

    , os encantados, bem como caboclos, turcos efidalgos, por isso pai Francelino, nos primeiros tempos de seu estabelecimento em So Paulo,

    foi acusado de inventar uma nao.

    Outra nao que se instalou por aqui foi o Xang pernambucano (variao do ketu)

    cuja maior representante me Zefinha, filha de santo de Me das Dores. Das Dores mudou-

    se para So Paulo aos 78 anos de idade e trouxe consigo o assentamento de orix de seu

    terreiro, como o de Orunmil, divindade que preside o jogo de If e pouco conhecida no

    Brasil.

    Conforme Silva (1995, p. 93),A transformao mais recente no campo das disputasentre as naes e linhagens refere-se ao processo de reafricanizao, processo inicialmente

    empreendido por pais e mes de santo da nao ketu em So Paulo, mas que agora parece ter

    se estendido tambm aos adeptos da nao angola-congo.

    18

    Tambm dito vodu. Nome genrico das divindades jeje, correspondendo a orix do nag. F.p. ewe oudialeto: vodu. (CACCIATORE, 1977, p. 261).

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    Captulo 2: Angola versus ketu: aproximaes, diferenas e a construo daideologia nag.

    Introduo

    Muito se fala, se l e se estuda sobre o candombl, embora sempre sob o prisma da

    nao ketu. Pouco se divulga ou se estuda sobre outras naes como a jje, a ef, e mesmo a

    angola e sua co-irm congo. Por que ser que os estudiosos resolveram estudar apenas um

    tipo de candombl,deixando os outros de fora? Poderamos pensar que isto se deu (e tem se

    dado),principalmente, porque os estudiosos teriam encontrado maior facilidade de acesso s

    informaes junto a estas comunidades que, segundo eles, apresentam-se mais receptivas?

    Talvez as coisas no tenham sido to simples assim. Neste captulo,vamos tentar explicar um

    pouco sobre o candombl nao angola-congo e as suas diferenas com a nao ketu. Logo

    aps, mostraremos como foi o processo de construo da chamada ideologia nag.

    2.1 Dispora africana?

    Os estudiosos concordam que quem trouxe os primeiros africanos para o Brasil foram

    os portugueses, mas discordam quanto data exata e o nmero, mesmo porque a quantidade

    de documentos que se referem a essa poca escassa. Mas talvez no se equivoque muitoquem se refira chegada dos primeiros africanos entre 1516 e 1548 19.

    Estes primeiros africanos eram majoritariamente originrios do sul20 (Angola e Congo)

    e desembarcaram no nordeste brasileiro, nos atuais estados da Bahia e Pernambuco, para

    19 Maurcio Goulart em seu livro A escravido no Brasil, de 1975, diz "[...] coincidir a entrada dos primeirosnegros com a fabricao dos primeiros acares no Brasil, possivelmente com Pero Capico, entre 1516 e 1526".(p. 95) Afonso de E. Taunay em sua obraSubsdios para a Histria do trfico no Brasil, de 1941, afirma queRinchon, missionrio da poca, datou a entrada dos primeiros africanos escravizados "[...] pelas vizinhanas de1525 [...]" (p. 24). Ao passo que o pesquisador Brasil Gerson no seu A escravido no Imprio, de 1975, relataque o Visconde de Paiva Manso ao escrever seu livro A histria do Congo [...] daria a data de 1548 como adas primeiras, mas pequenas remessas de negros para as plantaes .[...]. (p. 4). .20 O etnlogo francs Pierre Verger, em suas pesquisa sobre o trfico, o divide em quatro ciclos, sendo: 1 Ociclo da Guin, durante a segunda metade do sc. XVI; 2 O ciclo de Angola e do Congo, no sc. XVII; 3 Ociclo da Costa da Mina, durante os trs primeiros quartos do sc. XVIII; 4 O ciclo da baa de Benin, entre 1771

    e 1850, estando includo a o perodo do trfico clandestino (1987 p. 9). Porm, o pesquisador e sambista dacultura bantu, Nei Lopes, informa que [...] muitos escravos aqui vendidos como sudaneses, como peas da

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    trabalharem nas lavouras de cana-de-acar. Em suas terras, estes africanos eram capturados,

    s vezes como prisioneiros de guerras intertribais, s vezes por caadores especializados,

    como os portugueses, que j faziam o "comrcio de carne humana" bem antes do

    descobrimento do Brasil21 e conheciam bem a regio, principalmente Angola e Congo. Ao

    serem capturados esses homens, mulheres e tambm crianas, eram embarcados nos portos de

    Luanda, Mossmedes, Benguela e no rio Ambriz. Entre os bantu, assim tambm denominados

    os negros desta regio da frica, vieram muitos povos que ajudaram a construir o Brasil, entre

    eles destacam-se: os angola, os cabinda, os benguela, os moambique, os maca, os congo. Os

    bantu foram maioria em terras brasileiras at meados do sculo XVII, poca em que ocorrem

    as primeiras descobertas de mina de ouro no Brasil, dando incio ao chamado ciclo do Ouro.

    Com isso ocorre um deslocamento (e no uma substituio) do trfico para a regio do golfo

    da Guin, devido crena errnea de que os sudaneses eram mais resistentes que os bantu,

    considerados mais afoitos agricultura. Na realidade esse deslocamento teve conexo com a

    invaso holandesa de Luanda em 1648.

    O golfo da Guin uma regio que engloba os atuais pases da Nigria, Benin (ex-

    Daom), Gana e Togo (ex-Costa do Ouro), o litoral dessa regio tambm era chamado de

    Costa dos Escravos. Dessa regio vieram povos como os das naes fanti, gs, ashanti, fon e

    outros. Esses negros ficaram conhecidos pela alcunha de "mina", devido ao nome da fortalezade So Jorge da Mina22, local de embarque da grande maioria destes africanos para o Brasil.

    Do interior desses pases vieram as etnias: nag, ijex, ijebu, ketu, (falantes da lngua

    yorub23), hauss (negros islamizados), taps, kanris, borns e outros. Os negros sudaneses

    que vieram para o Brasil eram conhecedores de algumas tcnicas, o que possibilitou o

    desenvolvimento de esculturas em bronze por parte dos povos provenientes da regio yorub

    (na fronteira da Nigria com o Benin). Eram tambm agricultores como os bantu ,

    Guin, eram na realidade originrios de Angola e do Congo. Isto porque, pelo menos no sculo XVIII, o nome

    Guin designava todo o territrio que vai hoje do Senegal ao Gabo, incluindo a Ilha de So Tom (RIBEIRO,1978 apud p. 16 LOPES, 1988, p. 3). porque, durante certo tempo, os navios negreiros procedentes do Congo eAngola tinham todos que primeiro ir quela ilha pagar impostos antes de rumarem para o Brasil (SALVADOR,1981, p. 32 apud LOPES, 1988, p. 3) advindo da a confuso nos livros de registro.21 Segundo Nei Lopes [...] o incio do comrcio escravista pelos portugueses o ano de 1441, quando so feitasas primeiras capturas de negros na atual Mauritnia. (LOPES, 1988, P. 113)22 Forte e ponto de embarque fundado em 1482 na costa da Mina, regio do golfo da Guin.23 Povo sudans que habita a regio de Yorub (Nigria, Africa Ocidental, (que se estende, de Lagos para onorte, at o rio Nger (Oya) e, do Daomei para leste, at a cidade de Benin. [...] Esse povo que tambm habitaalgumas cidades do Daomei (atual repblica Popular do Benin) e Togo veio em grande nmero para o Brasil, ena Bahia dominou social e religiosamente os outros povos escravizados, exceto os mals. mais comumentechamado povo nag, no Brasil. Compreende vrias tribos e subtribos que tm seu prprio governante,subordinados todos ao Oni de If e ao Alafin de Oy.So, entre outros, os Oy, Egb (que inclui o Ketu),Ijebu, Ijex, Ow, Ekiti etc. // Indivduo desse povo. //Lngua (do grupo lingstico Kwa das lnguas

    sudanesas, na classificao de Westermann) falada pelo povo iorub. H vrios dialetos, sendo padro o deOy.No Brasil chamada lngua nag. (CACCIATORE, 1977, p. 154-155) (grifos nossos)

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    pescadores, criadores de animais e conheciam o cavalo, devido o contato com os rabes.

    Possuam cidades com ruas planejadas e arborizadas e surpreenderam "[...] os viajantes

    europeus, a partir dos portugueses que ali aportaram em 1472". (CARNEIRO, 1964, p. 43)

    O trfico interno de escravos no Brasil aconteceu porque como a economia brasileira

    alterara ao longo dos sculos, tornou-se necessrio o deslocamento destas pessoas de uma

    regio para outra. Outros motivos como a seca no nordeste do pas tambm foram

    determinantes. Com isso, at o sculo XVIII, devido descoberta de ouro, a mo de obra

    escrava, em sua maioria, deslocou-se para o sudeste do Brasil, mais precisamente para o atual

    estado de Minas Gerais.

    As culturas africanas em geral contriburam muito para a formao da cultura

    brasileira. Sua influncia se sente na lngua, na culinria, na msica, na maneira de andar e de

    se colocar no mundo. Contudo, excetuando-se a religio, acreditamos que poucas instituies

    (ou nenhuma outra) sobreviveram, e as que resistiram esto subjugadas ao universo religioso.

    Por isso, o negro brasileiro tem que saber "[...] como e por onde levantar o seu nvel

    intelectual e moral". (CARNEIRO, 1936, p.18). Ou seja, se o negro brasileiro quiser buscar

    sua identidade,ele no poder deixar de conhecer a histria do candombl, que se confunde

    com sua prpria histria. No estamos, com isso, pretendendo que os negros e negras

    brasileiros tenham que se converter a essa religio, mas cremos que a construo da autoestima e da identidade passam pelo conhecimento de suas origens.

    2.2 As diferenas entre as naes

    Faz-se necessrio, primeiramente, explicar que existem vrias religies de influncia

    africana no Brasil como: o catimb, a umbanda, o batuque, o xang, o candombl, entre

    outras, que so religies espritas. No interior do candombl existem diferentes denominaes

    de culto que so chamadas de nao24. Cada grupo/etnia que aqui aportou pertencia a locais

    distintos na frica, tendo,assim, costumes e culturas diferentes. Da surgiram as naes, ou

    seja, a prtica do candombl conforme ritos especficos da origem do povo praticante, como a

    nao de ketu, a nao jje, a nao angola e a nao congo (atualmente, estas duas ltimas

    consideram-se fundidas dada a grande semelhana das prticas religiosas e a proximidade das

    lnguas utilizadas, que so,respectivamente, o kimbundu e o kikongo).

    24Denominao de origem tribal ou racial (nao nag, nao africana) atribuda aos grupos de negros africanosvindos como escravos para o Brasil. // Denominao do conjunto de rituais trazidos por cada um desses povos eque determinaram os diversos tipos de Candombl. (CACCIATORE, 1977, p. 86). Para uma discusso mais

    aprofundada sobre o assunto, ver: LIMA, V. da C. O conceito de nao nos candombls da Bahia. RevistaAfro-sia, n. 12, 1977, pp. 65-90.

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    Tentar traar um paralelo entre as naes seria, no mnimo, perigoso. Mas podemos

    dizer que cada uma delas possui caractersticas prprias, que a diferencia das demais. Estas

    diferenas se encontram na lngua utilizada, nas divindades cultuadas, em determinadas

    prticas de carter sigiloso os chamados fundamentos , no modo de ver determinadas

    questes, enfim, numa srie de fatores distintivos/reflexivos. A nao mais divulgada hoje em

    dia a ketu,tambm considerada a mais tradicional. Segundo antroplogos e historiadores,o

    primeiro candombl aberto na Bahia foi a Casa Branca do Engenho Velho (Sociedade So

    Jorge do Engenho Velho ou Il Ax Iy Nass Ok),originrio dessa nao.

    A grande maioria dos estudiosos das religies afro-brasileiras desde Nina Rodrigues

    (1935),passando por Lpine (1979) at os mais atuais como Prandi (1991) concorda que a

    nao ketu serviu de modelo para as demais naes. Assim, conforme os estudiosos, a

    primeira (e primordial) diferena entre as naes de candombl se encontra com relao s

    divindades, objeto do culto.

    Os adeptos do candombl de origem bantu (nao congo e nao angola) denominam

    seus deuses por Nkisi (no plural se diz Jinkisi), embora alguns terreiros da nao angola

    prefiram chamar seus deuses de Ankixi (o plural seria Mukixi). Os adeptos da nao ketu

    chamam seus deuses de Orix e os da nao jje cultuam os Vodun. Se existem diferenas

    entre essas divindades, essa uma discusso que at hoje sacerdotes e estudiosos do assuntono conseguiram responder satisfatoriamente. As opinies esto polarizadas entre aqueles que

    crem que existem diferenas e aqueles que dizem no haver diferena alguma, e que s

    mudam os nomes conforme as naes.

    Uma outra diferena encontrada a variao do idioma/lngua/dialeto utilizado por

    cada nao. Assim: os angoleiros e angoleiras os adeptos do rito angola-congo cantam

    numa mistura de kimbundu e kikongo, as nicas duas lnguas do tronco bantu que

    sobreviveram no Brasil. Os adeptos da nao ketu cantam em yorub, e os adeptos da nao

    jje cantam na lngua ew. Entretanto, em muitos terreiros de candombl e de umbanda possvel observar a utilizao destas trs lnguas rituais. Hoje em dia, devido

    (re)africanizao, os terreiros que ainda mantm essa mistura de lngua em seus rituais so

    chamados de sincrticos em contraposio aos terreiros que adotam apenas uma lngua ritual

    chamados de (re)africanizados.

    As naes distinguem-se ainda pelo prprio ritmo dos atabaques, pelas denominaes

    que cada nao d a estes, ou mesmo pela maneira de toc-los. Assim alguns pais e mes-de-

    santo da nao angola-congo dizem que existem trs toques em seu rito: congo de ouro,

    barravento e cabula (tambm chamado de angola-munjola). Porm outros dizem que existem

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    quatro toques, que seriam: cabula, barravento, rebate e o arrebate; todos estes ritmos so

    tocados com as mos. Das tradies sudanesas (jje e ketu) tem-se o ijex, igbin, aguere,

    bravum, opanij, aluj, adahun e avamunha,entre outros. Uma caracterstica das naes ketu

    e jje que cada orix e/ou vodun tm um ritmo prprio, o que j no acontece nos

    candombls de origem bantu.

    As denominaes dos atabaques para os jjes so: rum, rumpi e l, os atabaques nesta

    nao diferem-se das demais at mesmo no formato, pois so acomodados em suportes na

    posio horizontal, diferentemente das demais tradies; os adeptos do candombl ketu

    mantiveram a denominao da nao jje e os atabaques so tocados com a ajuda de varetas

    (exceto o ijex, que se utiliza tambm do toque com as mos). J os angoleiros denominam

    seus atabaques genericamente de ngoma (tambor em kimbundu), mas cada um deles, assim

    como na nao jje, tem um nome prprio: ngoma txina (o grande), ngoma mukundu (o

    mdio) e ngoma kasumbi (o pequeno).

    Segundo Barcellos (1998, pp.18-19), estudioso e sacerdote do culto angola-congo,

    uma tradio dos candombls ketu [...] fazer o xir (brincadeira) dos orixs, quando se canta

    para todos eles, numa ordem determinada; os angoleiros conhecem e praticam o jamberesu,

    que o ritual de invocao do inquices (divindade) [...].

    Porm, na opinio do autor a mais explcita diferena existente entre o candombl deorigem sudanesa e o de matriz bantu talvez esteja na questo tnica e na questo da origem

    religiosa. Em relao aos povos de lngua yorub o sacerdote diz que:

    Os iorubanos, cujo imprio foi fundado por Oduduwa, na Nigria,fronteira com o Daom, hoje Repblica do Benin, foram absorvendo aospoucos determinadas divindades uma da outra, como por exemplo, aincorporao do orix Nan pela cultura iorubana. Outro caso, osiorubanos vinculam o culto a um determinado orix a uma regioespecfica. Por exemplo, Oxogb cultua Oxum; Oy, Xang; Ire e Hondo,Ogun; Ir, Ians, etc. (BARCELLOS, 1998, pp. 19-20)

    Sobre a mesma temtica o autor diz o seguinte em relao aos povos de origem bantu:

    Os angolanos originaram-se da migrao dos negros africanos do norte enordeste da frica, vindos da regio do Sudo. Foram mais de 150milhes de emigrantes, que ao longo de sua jornada at o sul da fricaforam fundando imprios, reinos e pases. Os bantos foram fundadores doCongo, de Angola, da Nambia etc. (BARCELLOS, 1998. p. 20)

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    Fazendo uma ltima referncia religiosidade bantu, o autor vai dizer que Ao

    contrrio dos iorubanos, os bantos cultuavam seus inquices de acordo com a ocasio

    (BARCELLOS, 1998, p.20).

    2.3 A hierarquia no candombl nao angola-congo

    Os cargos mximos reconhecidos dentro dos candombls de origem bantu so:

    mametu/tatetu nkisi (grafia africana) ou mameto/tata inquiciane ou ainda mameto/tata de

    inquice, respectivamente me/pai-de-santo ou zeladores de santo; Tata nganga ngombu ou

    tata ngana mesu (equivalente ao Babala do candombl ketu), aquele que joga, que tem aincumbncia de aconselhar os zeladores.

    Os outros cargos so: tata kambundu (kambondu/kambanda), homens que no entram

    em estado de transe e que, escolhidos pela divindade, exercem funes superiores, so o

    equivalente ao og na nao ketu; tata utala, responsvel pelos altares e outras funes; tata

    pok o sacrificador consagrado a Nkosi; tata kivonda ou quivonda, o sacrificador

    consagrado a outras divindades; tata kanzumbi/ tata nsalu/ tata nzo Vumbi responsvel pelos

    sacudimentos, carregos, ritos fnebres (inzo ia Vumbi) e so os guardies da casa; o tata

    kisaba ou quinsaba/insaba, que o responsvel pela colheita das folhas. Sobre este cargo ,Santana (1984, p.37) diz: No sei, no conheo se nas outras naes tem este cargo. Sem

    querer desmerec-las, absolutamente, se existe este posto eu no conheo. Essas so

    autoridades fundamentais para um terreiro. Em algumas casas de candombl ketu,disseram

    que esse cargo chamado de Olosse.

    O Tata ngimbi o pai dos cnticos; o tata kixika ia ngoma/ sika a ngoma (grafia

    africana) ou Xicarangomo, aquele que toca o atabaque; tata mbaia, responsvel pelo

    barraco; o tata lubitu/lumbitu responsvel pelos compartimentos sagrados da casa de santo,

    detentor das chaves; tata fufu/nfunfu prepara os ps (pemba em lngua kimbundu) que so

    utilizados nos rituais sagrados; kota maganza/kiakaxi so as rodantes/mdiuns com idade

    superior a 7 anos de iniciao; mam'etu ou tat'etu ndenge ou cota soror a me pequena ou

    pai pequeno; Mam'etu-Kusasa a me criadeira; Mam'etu-Mulongi a me dos cnticos e

    rezas (seria ela o equivalente masculino a tata ngimbi,o pai dos cnticos?); mam'etu-mutint,

    responsvel pelo preparo das tintas rituais; mam'etu/ tat'etu/kota-hongolo matona,a que far a

    pintura colorida; mam'etu/tat'etu-luvemb,responsvel pela pintura branca; mam'etu ou kota-

    mulambi, responsvel pelo preparo das comidas ritualsticas; mam'etu ou kota-rinfula ou

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    quifumbera, a superiora da cozinha; tat'etu/ mam'etu ou kota-dianda responsvel pela

    comunidade.

    As dikota/kota so as mulheres que no entram em estado de transe e que,quando

    escolhidas pela divindade, exercem funes superiores. Neste grupo temos: a kota nbakisi,

    que aquela que cuida das divindades (este cargo comparado ao de ekde da nao ketu); a

    kota ambela,que responsvel pelos iniciados; kota kididi, aquela que mantm a paz e a

    harmonia na casa de santo; kota masoioio ou simplesmente cota a superior mais antiga da

    casa. Aps este grupo de mulheres temos a/o mukaxi,que o mdiun; a muzenza (feminino)

    ou o munanzenza (masculino),que so as/os iniciadas/os;e o ndumbe, assim chamadas as

    pessoas que ainda no se iniciaram. O ndumbe est na base da hierarquia do candombl

    angola-congo, mas to respeitado quanto as outras pessoas do terreiro.

    Na maioria dos terreiros muitos dos cargos citados acima, inclusive os pesquisados,

    so acumulados. Os cargos concedidos pelo sacerdote so exclusivos dos iniciados na tradio

    religiosa angola-congo. Como no candombl ketu,o ttulo de sacerdote s ser reconhecido

    (se tiver cargo) mediante a comprovao de sua iniciao e se tiver idade acima de 7 anos de

    iniciao, bem como com suas obrigaes em dia. E as obrigaes de ano de feitura, se

    atrasadas, no sero reconhecidas se feitas de uma s vez, devendo-se manter um intervalo de

    uma para a outra. Os trabalhos feitos atravs de consultas, sakamene (sacudimentos), makesu(noz de kola) e kudia mutue (comida cabea), no criam vnculos de filiao com a casa.

    2.4 Os jinkisi divindades do candombl angola-congo.

    Muitos so os nomes pelos quais os povos bantu denominam Deus: Nzambi

    (bachicongos, baiacas, bassurongos, etc), Kalunga (bimbundas, nhanecas-humbes, etc),

    Nzambi-Mpungu (congos-bavlis), Mulungu, Mukuru, Muvangi, Suku, etc. Mas, geralmente,

    Ele pouco acionado. Segundo Santos (1969, p. 325):

    O Banto preocupa-se essencialmente com os espritos, com a magia. S attulo de exceo reclama diretamente a ajuda de Deus. Deus est no cu,ens in se, que no se preocupa com as criaturas, sejam elas espritos,homens, animais, vegetais ou minerais. A vida quotidiana do homem recebesim, mas a influncia de uma fora mstica, dos espritos.

    Os povos bantu, assim como os yorubs, acreditam num Deus supremo. Para a maioria

    das etnias Ele caracterizado como um grande rei (soba), que est muito acima de seus

    sditos, e, justamente por isso, encarrega alguns dos seus homens de confiana para tomar

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    conta do reino. O mesmo sucede-se com Deus, que criou o mundo e entregou o seu governo

    aos espritos (nkisi, ankixi). Santos (1969, p. 323 apud Junod s/d), explica da seguinte maneira

    um mito do culto aos antepassados:

    [...] um grande chefe banto tinha por hbito subir a montanha e l fazer assuas preces a Deus. O seu filho, que lhe sucedeu, sentiu medo de seaproximar do Grande Deus que seu pai adorava, e ento chamou o espritode seu pai para que intercedesse por ele e por seu povo diante do criador detodos. Gradualmente, cada chefe de famlia teve os seus prprios espritosancestrais, primeiramente como mediadores, e depois como objeto deadorao. E, desta maneira, com o rodar dos tempos, Deus foi posto de ladopara serem invocados os manes.

    As divindades25 cultuadas pelos angoleiros so: Pambu Njila ou Pambu Nzila

    tambm conhecida como Aluvai a divindade protetora dos templos e dos caminhos, est

    associada ao orix Exu. Todos o sadam da seguinte maneira:

    Kuia'Luvai ngana nzila-Kuia

    Viva Aluvai, senhor dos caminhos Viva

    Nkosi/Hosi, em alguns lugares tambm chamado de Mukumbi, Ngangula, Xau.

    Deus da Guerra uma divindade ligada agricultura e protetora dos ferreiros. Alguns

    sacerdotes associam esse nkisi a Ogum. No entanto,no se furtam de saud-lo por:

    Iuna Kubanga Mu Etu Nkosi E

    Aquele que briga por Ns Nkosi E

    Katende/Mpanzu