Qualidade Do Leite 7

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Curso Online: Monitoramento da Qualidade do Leite MÓDULO 7 Módulo 7 – Pagamento do leite com base em parâmetros de qualidade Prof. Dr. Marcos Veiga dos Santos Prof. Dr. Luis Fernando Laranja da Fonseca Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Universidade de São Paulo (FMVZ/USP) 1. Introdução Certamente o leite é um dos produtos primários que apresenta maior complexidade no que diz respeito ao sistema de pagamento da matéria-prima, apesar do produto ter característica de commodity agrícola. Essa complexidade se expressa pela falta de uniformidade e consenso no que diz respeito às formas de pagamento do produto ao produtor, com grande variação na forma e método de acerto financeiro nos diferentes países do mundo e mesmo entre diferentes regiões de um mesmo país. No Brasil, a situação não é diferente, pois especialmente após a liberação do controle de leite pelo governo, a partir de 1991, o preço tem variado de forma significativa nas diferentes regiões do país e mesmo dentro de micro-regiões. Esta variação é afetada por distintos fatores de mercado, a princípio totalmente desregulamentado, e é motivo de grandes discussões entre os diferentes elos que compõe a cadeia agroindustrial do leite. Na maior parte do país, o preço pago ao produtor é definido pela indústria, de forma unilateral, pois há pouco poder de barganha dos produtores. Na maioria dos casos, há um preço padrão estabelecido mensalmente e que é extensivo a todos os produtores. No entanto, na última década, com o amadurecimento do mercado no setor de lácteos, agora não mais engessado pela intervenção estatal, com a necessidade de aumento de eficiência e competitividade por parte das indústrias e com uma

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Curso Online: Monitoramento da Qualidade do Leite

MÓDULO 7

Módulo 7 – Pagamento do leite com base em parâmetros de qualidade

Prof. Dr. Marcos Veiga dos Santos Prof. Dr. Luis Fernando Laranja da Fonseca

Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia

Universidade de São Paulo (FMVZ/USP)

1. Introdução

Certamente o leite é um dos produtos primários que apresenta maior

complexidade no que diz respeito ao sistema de pagamento da matéria-prima,

apesar do produto ter característica de commodity agrícola. Essa complexidade se

expressa pela falta de uniformidade e consenso no que diz respeito às formas de

pagamento do produto ao produtor, com grande variação na forma e método de

acerto financeiro nos diferentes países do mundo e mesmo entre diferentes regiões

de um mesmo país.

No Brasil, a situação não é diferente, pois especialmente após a liberação

do controle de leite pelo governo, a partir de 1991, o preço tem variado de forma

significativa nas diferentes regiões do país e mesmo dentro de micro-regiões.

Esta variação é afetada por distintos fatores de mercado, a princípio

totalmente desregulamentado, e é motivo de grandes discussões entre os

diferentes elos que compõe a cadeia agroindustrial do leite. Na maior parte do país,

o preço pago ao produtor é definido pela indústria, de forma unilateral, pois há

pouco poder de barganha dos produtores. Na maioria dos casos, há um preço

padrão estabelecido mensalmente e que é extensivo a todos os produtores. No

entanto, na última década, com o amadurecimento do mercado no setor de lácteos,

agora não mais engessado pela intervenção estatal, com a necessidade de

aumento de eficiência e competitividade por parte das indústrias e com uma

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pressão organizada de parte dos produtores de leite, é crescente a adoção de um

mecanismo mais moderno de fixação do preço do leite e que envolve o pagamento

diferenciado baseado em critérios distintos que incluem desde parâmetros

indicadores de qualidade da matéria-prima até volume e sazonalidade de

produção. As razões para a seleção de distintos valores de parâmetro analíticos

nos esquemas de pagamento de leite não estão muito bem definidas e mostram

uma marcada variação em função de:

• Momento histórico;

• Qualidade do produto final;

• Rendimento industrial;

• Requerimentos do mercado;

• Normas legais.

Um exemplo de que a determinação de preço do leite é um processo

complexo e polêmico é o fato de que falta uniformidade de critério até mesmo no

parâmetro utilizado para medição física do leite comercializado. Basicamente,

existem duas possibilidades para medição do leite, por volume ou por peso.

Recente estudo elaborado pela IDF (Bulletin of International Dairy Federation,

n.379, 2002), que incluiu um levantamento em 20 países membros envolvendo o

continente europeu, Ásia, Oceania, América do Norte e África, apontou que 11

países adotam o critério “volume” para efeito de medição física do leite, enquanto

que os 9 países restantes adotam o critério “peso”.

Qual o impacto da adoção desses diferentes critérios? Considerando que o

leite apresenta uma densidade média próxima a 1,030 g/ml, ou seja, 1 ml de leite

pesa 1,03 gramas, podemos concluir que há uma diferença de 3% entre as

medidas de peso e volume. Neste caso, supostamente seria vantajoso para quem

vende o leite (produtor) utilizar o critério peso para efeito de medição do produto a

ser comercializado. Já para quem compra a matéria-prima (indústria) a princípio

seria benéfico utilizar o sistema de volume. É interessante notar que tal discussão

não é nada irrelevante, pois uma diferença de 3% é bastante significativa em

termos de comércio.

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2. Critérios

Dentre os critérios passíveis de serem utilizados para efeito de pagamento

diferenciado do leite destacam-se:

• Composição do leite;

• Qualidade higiênica;

• Parâmetros físico-químicos;

• Resíduos de drogas e inibidores;

• Sazonalidade/volume de produção;

• Condições de exploração/variáveis zootécnicas.

A seguir analisamos de forma sucinta cada um desses critérios:

2.1. Composição do leite

Talvez esse seja um dos critérios mais antigos e freqüentes utilizado para

pagamento diferenciado do leite. Dentre os fatores de composição destacam-se o

teor de gordura e proteína, embora em alguns países e regiões também seja

utilizado o teor de sólidos totais e até mesmo a lactose.

Dentre estes parâmetros a gordura destaca-se por ser o critério mais

comumente utilizado no mundo inteiro. Basicamente, o fundamento em que se

baseia o pagamento de bonificação extra para elevados teores de gordura reside

no fato de que esta gordura extra resulta, na indústria, na produção de derivados

lácteos de valor agregado no mercado tais como manteiga e creme de leite. Além

disso, a pesquisa já indicou claramente que o teor de gordura do leite está

intrinsecamente relacionado com o rendimento industrial e tem importância

fundamental sobre as características organolépticas para fabricação de queijos e

outros derivados lácteos.

No entanto, nos últimos anos, em função da mudança significativa nos

hábitos alimentares da sociedade moderna, e que envolve uma rejeição de

alimentos com um alto teor de gordura, especialmente gordura saturada de origem

animal, o pagamento de bonificação baseado no teor de gordura do leite tendeu a

decrescer. Dessa forma, o resultado da queda ou estagnação no consumo de

manteiga e o desenvolvimento de tecnologia na indústria alimentícia para

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proporcionar alimentos com baixos teores de lipídeos e calorias, tais como queijos,

requeijões, sorvetes e até mesmo leite condensado e creme de leite “light” ou

“diet”, levou a uma menor valorização do teor de gordura do leite, ao mesmo tempo

em que desencadeou uma valorização do teor de proteína.

Apesar de toda essa forte tendência observada no mercado e na indústria

alimentícia, ainda assim, na maioria dos países, o teor de gordura é utilizado como

critério para pagamento diferenciado da matéria-prima.

No levantamento realizado pela IDF, dos 20 países analisados, 19

apontaram a utilização do teor de gordura como critério de pagamento do leite.

Cabe ressaltar duas particularidades no que diz respeito à gordura do leite.

Primeiro que este é o componente que sofre maior variação dentre todos o

compostos do leite e que mais facilmente pode ser manipulado, especialmente pela

nutrição do rebanho. Em segundo lugar este é um composto fácil de ser medido na

indústria, não exigindo técnicas nem equipamentos sofisticados. Dessa forma, a

antiga técnica de Gerber, que exige apenas um butirômetro, ácido e uma

centrífuga, ainda é largamente utilizada em vários países do mundo. Isso sem

dúvida favorece a utilização desse parâmetro por parte de algumas indústrias

menos tecnificadas.

Com relação ao teor de proteína, que vem crescendo em importância nos

sistemas de pagamento diferenciado do leite no mundo todo, basicamente pode-se

atribuir essa valorização em grande parte ao crescente aumento no consumo de

queijos, uma vez que o teor de proteína da matéria-prima (leite) é um dos fatores

que apresenta maior correlação com o rendimento industrial para fabricação de

queijos.

No estudo do IDF mencionado anteriormente, dos 20 países analisados, 15

utilizavam o teor de proteína para efeito de definição do valor a ser pago pelo leite.

Tabela 1 – Destino do leite no mundo. 1955 1995 Leite Fluido 49% 27% Queijo 13% 33%

Aqui cabe a ressalva de que existem basicamente duas formas para se

avaliar o teor de proteína do leite: proteína bruta e proteína verdadeira. A proteína

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bruta é obtida pela multiplicação do teor nitrogênio encontrado no produto pelo

fator 6,38. Já a proteína verdadeira é obtida descontando-se o teor de nitrogênio

não protéico do valor da proteína bruta.

Em termos técnicos, o parâmetro “proteína verdadeira” seria o mais preciso

e adequado para efeito de remuneração do leite, pois está mais fortemente

relacionado com o rendimento industrial para fabricação de queijos e expressa

melhor o valor nutritivo do leite. No estudo realizado pelo IDF, apenas a França já

adota o critério “proteína verdadeira” como parâmetro para pagamento por

qualidade. No entanto, recentemente os EUA também introduziram este critério

como sendo oficial em grande parte dos seus estados. Cabe frisar que o conteúdo

de proteína do leite apresenta pequena variação e são limitadas as estratégias que

podem ser utilizadas pelos produtores para obter um aumento no teor de proteína

do leite.

Já a metodologia para avaliação de proteína do leite é relativamente mais

sofisticada do que para análise de gordura. Atualmente, existem diversos

equipamentos a custos não muitos altos para uma indústria de laticínios que

executam automaticamente esse tipo de análise. No entanto, para se obter o

resultado da proteína verdadeira, há necessidade de equipamentos mais

sofisticados e que apresentam custos mais elevados.

Com relação aos demais parâmetros de composição, tais como sólidos

totais, sólidos não gordurosos e lactose, pode-se apontar que eles ocupam um

espaço secundário nos sistemas de pagamento por qualidade, muito aquém dos

critérios relacionados com a gordura e proteína.

Dentre estes, a porcentagem de sólidos totais tem um pequeno destaque,

sendo utilizado como critério para pagamento do leite em 2 dos 20 países

pesquisados pela IDF, no último levantamento mundial realizado em 2002,

enquanto que os sólidos não-gordurosos eram utilizados em outros 3 países.

O teor de sólidos no leite (sólidos totais ou sólidos não-gordurosos)

apresenta alta correlação com o rendimento industrial para produção de diversos

derivados lácteos, destacando-se o queijo e o leite em pó e, desta forma, deveriam

ser valorizados pela indústria. No entanto, adotando-se simultaneamente os

critérios de porcentagem de proteína e gordura para efeito de remuneração de

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matéria-prima, isso significa na prática um critério quase idêntico ao parâmetro

sólidos totais, pois, em última análise, os componentes do leite que apresentam

alguma variação significativa são a proteína e a gordura, uma vez que a lactose e

os minerais apresentam variação extremamente pequena. Por essa razão o teor de

lactose praticamente não é utilizado atualmente como critério de pagamento do

leite, sendo mencionada na pesquisa da IDF apenas pelo Canadá e Argentina

dentre os 20 países estudados.

2.2. Qualidade Higiênica

Os critérios relacionados com qualidade higiênica do leite são bastante

diversos e adotados em praticamente todos os países que apresentam uma

indústria láctea minimamente desenvolvida para efeito de pagamento do leite.

Cabe destacar que tais parâmetros, e especialmente aqueles relacionados com a

qualidade microbiológica do leite, são utilizados como critério mínimo para

aceitação da matéria-prima por parte da indústria, e geralmente são inseridos

dentro da legislação oficial de cada país ou região. No entanto, fora a

regulamentação oficial, várias indústrias também utilizam tais critérios para efeito

de bonificação extra do leite.

Os parâmetros relacionados com a qualidade higiênica são muito variados e

incluem desde o mais básico e tradicional que é a Contagem Bacteriana Total

(CBT) ou Contagem Global (CG) até a Contagem de Células Somáticas (CCS).

Também são utilizados outras provas que indicam indiretamente a qualidade

higiênica do leite tais como: Alizarol, Redutase, álcool, acidez, lactofiltração,

temperatura do leite, contagem de psicrotróficos/termodúricos/coliformes. Dentre

esses critérios, vários estão relacionados direta ou indiretamente com a qualidade

microbiológica do leite e, portanto, refletem o mesmo problema higiênico da

matéria-prima. Sendo assim, é importante a análise crítica de cada um para que,

ao incluí-los em um programa de pagamento diferenciado de leite por qualidade,

não haja sobreposição de critérios similares. Vários destes testes indicam o mesmo

problema de qualidade e, portanto devem ser utilizados com precaução em

sistemas de pagamento por qualidade de leite.

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Basicamente, ao focalizar a qualidade microbiológica do leite, a indústria

busca obter garantia de fatores tais como saúde pública e qualidade industrial do

leite. No que se refere à saúde pública, mesmo sabendo-se que o ponto crítico de

controle é a pasteurização do produto, quanto menor for a contaminação da

matéria-prima, menor será o risco de problemas associados ao produto final,

considerando nesta análise inclusive o risco potencial de presença de toxinas e de

bactérias termodúricas potencialmente patogênicas.

Já a qualidade industrial também está intrinsecamente relacionada com a

carga microbiana da matéria-prima, pois tanto as características organolépticas dos

produtos finais, quanto o tempo de prateleira e mesmo o rendimento industrial são

afetados de forma significativa pela baixa qualidade microbiológica do leite. Em

resumo, bactérias fermentadoras de lactose aumentam a acidez do leite que

compromete, dentre outros fatores, o processamento industrial e a qualidade dos

produtos finais, tais como o leite UHT e queijos. Já as bactérias psicrotróficas

podem produzir enzimas, que ao atacar as frações protéicas e lipídicas, resultam

em sabores indesejáveis no leite e seus derivados, em menor vida de prateleira e

em queda no rendimento industrial para fabricação de derivados lácteos.

Dada a importância dos parâmetros associados à qualidade microbiológica

do leite, observa-se que praticamente todos os países que apresentam uma

estrutura minimamente organizada do setor lácteo utilizam tais parâmetros para

efeito de pagamento do leite. Isso se reflete claramente no estudo feito pela IDF,

no qual todos os 20 países estudados adotam critérios de higiene para efeito de

remuneração do produtor.

No Brasil, grande parte das indústrias utiliza o teste da Redutase como

principal teste aferidor de qualidade microbiológica do leite. Considerando a

relevância atribuída ao quesito qualidade microbiológica no que se refere ao

pagamento de matéria-prima, o controle da carga microbiana do leite está

associado diretamente ao resfriamento imediato do produto após a ordenha, à

higiene durante a ordenha, à qualidade de água utilizada na propriedade, à

lavagem e sanitização do equipamento e utensílios de ordenha e a saúde da

glândula mamária do rebanho.

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Ainda dentre os parâmetros de qualidade higiênica destaca-se de

sobremaneira a Contagem de Células Somáticas (CCS). A CCS tem sido talvez um

dos quesitos mais debatidos e que mais crescem em importância no mundo todo.

Na Tabela 2 são apresentados os limites legais adotados em diferentes países do

mundo. Atualmente, a maioria dos países utiliza a CCS para efeito de formação do

preço do leite ao produtor. No Brasil, após a implantação de limites de CCS pela

legislação (Instrução Normativa 51/2002), que estabelece o limite de 1.000.000

cel/ml a partir de 2005 para as principais regiões produtores de leite, esse critério

passa a ser utilizado de forma efetiva por parte de alguns laticínios. Nos EUA, tal

parâmetro é amplamente utilizado há anos e recentemente foi introduzido como

critério oficial e obrigatório para ajuste final de preço nos estados que adotam o

sistema MCP (ver Anexo “Sistema de pagamento do leite nos EUA”).

A CCS é um parâmetro diretamente relacionado com a saúde da glândula

mamária do rebanho e está intimamente associado com a qualidade industrial do

leite. Várias pesquisas comprovaram que a CCS afeta as características

organolépticas do leite e derivados, o rendimento industrial para fabricação de

lácteos e o tempo de prateleira dos produtos finais.

2.3. Parâmetros físico-químicos

Dentre as características físico-químicas destaca-se, para efeito de

pagamento do leite, o ponto crioscópico. Basicamente o ponto crioscópico está

associado com a detecção de fraudes por adição voluntária ou involuntária de água

no leite. Além disso, há correlação do ponto crioscópico com o rendimento

industrial para fabricação de derivados lácteos, uma vez que a crioscopia ou ponto

de congelamento do leite estaria associado ao teor de sólidos do leite. Desta

forma, o ponto crioscópico é atualmente um dos métodos mais tradicionais de

avaliação da matéria-prima na indústria, sendo utilizado no mundo inteiro.

Dentre os 22 países analisados pelo IDF, apenas Austrália e Suíça não

utilizam este critério para efeito de pagamento do leite. Além da crioscopia, a

densidade também tem sido utilizada como teste de análise de qualidade do leite

por alguns laticínios. No entanto, a sua utilização é decrescente e atinge escala

muito menos expressiva que a crioscopia. Basicamente, a prova de densidade

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indica de forma indireta a possibilidade de adulteração do leite por desnate ou por

adição de água, além de ser utilizada juntamente com o teor de gordura para

estimar os sólidos totais do leite.

2.4. Resíduos de drogas e inibidores

Este termo envolve a avaliação de resíduos de antibióticos, vermífugos,

carrapaticidas, hormônios e desinfetantes no leite e tem sido crescente a sua

importância nos programas de monitoramento e pagamento do leite. A maioria dos

países estabeleceu limites máximos aceitáveis na legislação para resíduos de cada

droga específica. No entanto, as indústrias também adotam sistemas próprios de

monitoramento. Além disso, há uma pressão e preocupação crescente dos

consumidores com relação a essa questão e isso leva a uma pressão do mercado

para que o risco da presença dessas drogas nos alimentos seja minimizado.

Dentre as drogas apontadas, a classe dos antibióticos é aquela que tem o

monitoramento mais severo, conjuntamente ou paralelamente com o controle de

inibidores de forma geral. Isto em decorrência dos métodos disponíveis para

análise, os quais são mais acessíveis e baratos do que aqueles aplicados para

vermífugos, carrapaticidas e hormônios. Todos os 20 países envolvidos no estudo

da IDF adotam o monitoramento da presença de antibióticos para efeito de

pagamento do leite. Na grande maioria das vezes, a simples presença de resíduo

de antibióticos ou inibidores é motivo para descarte automático do produto,

resultando no não pagamento do mesmo ao(s) produtor(es). A presença de

resíduos dessas drogas está intimamente relacionada com a questão de saúde

pública (desenvolvimento de resistência de microrganismos e reações alérgicas) e

de qualidade industrial do leite, especialmente para fabricação de produtos

fermentados.

2.5. Volume e sazonalidade de produção

Estes critérios, apesar de não estarem relacionados com a qualidade

intrínseca do leite, são bastante considerados para efeito de pagamento do

produto, pois tanto o volume de entrega quanto à variação sazonal da produção

afetam eficiência da indústria. Desta forma, interessa aos laticínios, de maneira

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especial, captar leite junto a produtores que forneçam grandes volumes diários de

leite e que apresentem baixa variação sazonal da produção. A captação de leite

em grandes volumes significa diluição nos custos operacionais e de transporte

além de melhor logística para recolhimento do produto. Já a pequena variação

sazonal proporciona melhor planejamento por parte da indústria e a minimização

da ociosidade do parque industrial em determinadas épocas do ano. Desta forma,

os grandes produtores são disputados pelas indústrias que procuram atraí-los com

uma bonificação extra. Além disso, tal estratégia serve como estímulo para o

aumento de escala dos pequenos produtores.

Também a sazonalidade da produção é um critério antigo e tradicional

utilizado na definição do preço do leite para o produtor. É justamente este fator que

embasa o sistema de leite cota e extra-cota no Brasil por exemplo. Neste sistema,

os laticínios definem o volume de cota de seus fornecedores, que nada mais é do

que a média de produção do leite entregue à usina no período de formação de cota

(entressafra). Uma vez definida a cota, a produção de leite que ultrapassar este

valor no período da safra recebe uma cotação significativamente mais baixa e

recebe o nome de leite extra-cota.

Este tipo de procedimento funciona como um estímulo à profissionalização

do produtor e como uma valorização dos produtores mais tecnificados, que em

função do planejamento da dieta e do manejo do rebanho conseguem manter a

produção ou até mesmo aumentá-la durante as épocas mais críticas do ano.

2.6. Condições de exploração/variáveis zootécnicas

A bonificação no preço do leite em função da adoção de certas “condições

de exploração” ou “variáveis zootécnicas” é um método utilizado no Brasil que tem

como objetivo estimular a melhoria das condições higiênicas e zootécnicas das

fazendas. Dentre as diversas variáveis utilizadas por diferentes empresas

destacam-se: existência de curral cimentado, disponibilidade de água corrente, uso

de coador do leite, ordenha mecânica, uso de inseminação artificial, controle

leiteiro, ordenha coberta e escrituração zootécnica.

Como se pode observar, tais variáveis não estão necessariamente

relacionadas diretamente com a qualidade do leite e sim com uma estratégia muito

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associada ao programa de fomento das indústrias de laticínios. Tal prática não é

mencionada em outros países tradicionais e não consta na lista da IDF e tampouco

nos EUA.

3. Freqüência das análises/laboratórios/transporte de amostras

A questão das análises laboratoriais é um delicado e importante tópico em

um programa de pagamento diferenciado por qualidade do leite, uma vez que a

espinha dorsal do programa é justamente os resultados obtidos nestas análises do

produto. Desta forma a confiabilidade do laboratório, a freqüência dos testes e o

transporte das amostras são pontos chaves.

Quando se trata de parâmetros de análise para efeito de inspeção ou

monitoramento oficial, logicamente que o laboratório onde será realizada a análise

deverá ser cadastrado pelo órgão oficial. No entanto, como o foco estabelecido

neste capítulo são os programas de bonificação dos produtos em função da

qualidade do leite, tais análises podem ser feitas por qualquer laboratório indicado

pela empresa de laticínio. Basicamente, existem 3 possibilidades:

• A utilização de um laboratório central terceirizado;

• O próprio laboratório da indústria;

• Um sistema híbrido.

A escolha depende do tamanho da empresa e do nível de qualificação do

seu laboratório interno. Excetuando-se as mega-empresas, que apresentam

laboratórios próprios bem equipados, geralmente a melhor opção é o sistema

híbrido.

Neste caso, os critérios relacionados com a qualidade microbiológica do leite

(CBT, Redutase, acidez, Alizarol), bem como os parâmetros físico-químicos

(crioscopia e densidade), podem ser realizados na própria indústria, no seu

laboratório interno, a partir de amostras “frescas” resfriadas trazidas pelo

transportador de leite ou coletador na plataforma. Já as amostras para análise de

composição do leite e especialmente para avaliação da CCS podem ser enviadas a

um laboratório central terceirizado. Neste caso as amostras são enviadas com

conservante e não necessitam de refrigeração, o que facilita a logística. Os testes

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referentes à presença de resíduos de antibióticos e inibidores devem ser feitos “in

loco” na própria indústria.

Com relação à freqüência das amostragens, existe grande variabilidade

entre os diversos programas de pagamento de leite. Além disso, cada parâmetro

de análise exige uma consideração particular. Por exemplo, a presença de

resíduos de antibióticos deveria ser monitorada diariamente, mesmo que isto seja

feito ao nível de caminhão-tanque ou tanque de armazenamento na indústria, e

caso seja encontrado resultado positivo procede-se à análise individual dos

produtores. Também os testes para detecção de fraude (crioscopia, densidade)

exigem alta freqüência de amostragens. Além disso, os testes “de plataforma”

devem ser realizados diariamente, tais como Alizarol ou prova do álcool.

No entanto, para efeito de bonificação do leite, os testes mais complexos

tais como CCS, CBT e composição do leite podem ser realizados com menor

freqüência, variando de 1 a 4 amostragens/mês. O procedimento mais utilizado no

mundo todo tem sido a amostragens quinzenal e aleatória (o produtor não é

informado sobre o dia que será realizada a análise do leite proveniente da sua

fazenda). A freqüência de amostragens quinzenais proporciona boa estimativa da

qualidade do leite de uma determinada propriedade e, além disso, apresenta custo

compatível e logística de operação adequada.

Considerando que o método para coleta de amostra é um ponto crítico para

o programa de bonificação, deve ser dado o treinamento da pessoa responsável

pela coleta, que na grande maioria das vezes é o próprio motorista do caminhão. A

seguir apontamos algumas recomendações práticas para a execução da coleta:

• Medir a temperatura do leite;

• Agitar a amostra do tanque por pelo menos 10 minutos;

• Fazer a coleta de preferência pela parte superior do tanque e não

pela torneira inferior;

• Utilizar um instrumento limpo e desinfetado para a coleta (geralmente

uma concha de aço inox);

• Observar cuidados para prevenir a contaminação da amostra durante

a coleta;

• Fechar adequadamente o frasco após a coleta;

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• Identificar corretamente a amostra (data, origem, observações extras);

• Acondicionar corretamente a amostra para o transporte (se for

amostra refrigerada, garantir a temperatura adequada; se for amostra com

conservante homogeneizar adequadamente).

Desta forma, o treinamento dos transportadores (caminhoneiros) é um item

essencial para estabelecimento de seus programas de pagamento por qualidade

do leite. Este treinamento deve envolver não só questões relacionadas com a

coleta de amostras, mas também, sobre higiene e qualidade do leite. O

caminhoneiro também pode ser um excelente agente de extensão e educação dos

produtores.

Por fim é fundamental ressaltar a importância da qualidade do trabalho

desenvolvido no laboratório de análise. É importante que se estabeleça um

programa estatístico de controle de qualidade, metas aceitáveis de variação dos

resultados, controle intra e inter-laboratorial, manutenção de amostras padrão e

constante atualização e treinamento dos técnicos laboratoristas.

4. Freqüência, métodos de pagamento e contratos

Num programa de incentivo à qualidade do leite com pagamento

diferenciado é importante que todas as regras sejam claras e de fácil

compreensão. Muitas vezes tais programas apresentam sistema de pontuação ou

bonificação tão complexo que foge da compreensão dos produtores, especialmente

considerando que muitos deles têm baixo nível de escolaridade e compreensão

limitada de matemática. Dessa forma, quanto mais simples e acessível for o

programa, mais rapidamente pode-se chegar aos resultados almejados, pois

somente com a compreensão clara do programa, o produtor poderá estabelecer

um projeto de melhoria de qualidade visando melhor remuneração.

Além disso, é importante que o programa seja amplamente divulgado

perante todos os fornecedores da empresa de laticínio via os agentes de extensão

e fomento, folhetos, jornais etc. Também é importante que as regras não sejam

mudadas com muita freqüência, pois isso desestimula os produtores a continuar

perseguindo as metas estabelecidas. No Brasil, esse tipo de problema ocorre com

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bastante freqüência devido à grande oscilação de produção no período

safra/entressafra. Dessa forma, no momento de escassez de leite, os critérios de

qualidade são relaxados enquanto que no período em que há abundância de oferta

(safra) as indústrias arrocham os critérios de qualidade. Isso gera desestímulo

para os produtores profissionais e qualificados.

Igualmente importante é o estabelecimento de parâmetros factíveis e

realistas para efeito de bonificação do leite. A definição de parâmetros

excessivamente severos leva ao desestímulo por parte dos produtores, pois estes

passam a acreditar que não conseguirão atingir as metas desejáveis a ponto de

receberem remuneração extra por tal feito.

Por fim, cabe ressaltar a importância da comunicação sistemática dos

resultados de análises feitas, mesmo para aqueles produtores que não atingirem

as metas. Essa comunicação dos resultados deve vir acompanhada de um serviço

técnico de apoio que proporcione informações aos produtores sobre o que significa

cada parâmetro de qualidade e quais as estratégias mais adequadas para atingir

tais parâmetros.

Em termos de freqüência de pagamento, o método mais comum é

pagamento mensal, ainda que alguns países tenham freqüência quinzenal de

pagamento. Dentre as formas de pagamento, destacam-se a transferência

bancária e o pagamento em cheque ou dinheiro diretamente aos produtores.

Algumas indústrias dispõem de um sistema de crédito para aquisição de insumos,

tais como ração, medicamentos e mesmo tanques resfriadores, sendo descontado

o valor no dia do pagamento do leite. Este tipo de programa geralmente estimula

os produtores e facilita a aquisição de insumos importantes para a melhoria da

qualidade do leite (tanques resfriadores, detergentes, desinfetantes etc.).

O estabelecimento de contratos entre indústria e produtores é uma questão

extremamente polêmica. No entanto, este tipo de relação formal é extremamente

importante para a profissionalização e modernização do setor. No Brasil, são raros

os casos de estabelecimento de contratos formais entre produtores e indústria,

especialmente em decorrência de uma postura refratária por parte da última. Isto

se deve, em grande parte, à flutuação sazonal da produção no nosso país. Neste

caso a indústria sente-se livre para cortar a coleta de leite ou mesmo redefinir

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preços a qualquer momento. Por outro lado o produtor sente-se livre para mudar de

empresa ao sabor do preço pago ou comodidade. Esses fatores levam a um

cenário de baixa fidelidade indústria-produtor, que não é benéfico para um trabalho

de longo prazo em prol da melhoria da qualidade do leite.

5. Condições básicas para adoção de um programa de bonificação

Em resumo, apontamos a seguir algumas condições básicas para viabilizar

a implantação e o sucesso de um programa de pagamento diferenciado por

qualidade do leite.

• Definição de parâmetros que efetivamente gerem benefícios para a

indústria;

• Elaboração de um programa simples e de fácil compreensão por parte

do produtor;

• Viabilizar um apoio técnico para esclarecer os produtores sobre o que

são e como atingir os parâmetros definidos no programa;

• Não mudar as regras do programa com muita freqüência;

• Não adotar parâmetros indicadores da mesma problemática de

qualidade (acidez + redutase);

• Não adotar limites excessivamente severos para tais parâmetros;

• Dispor de uma estrutura de análise laboratorial confiável e técnicos

competentes;

• Estabelecer um sistema eficiente e confiável para coleta, transporte e

identificação das amostras;

• Definir valores de bonificação que sejam minimamente atraentes para

os produtores;

• Comunicar sistematicamente e de forma clara aos produtores os

resultados obtidos nas análises, as médias obtidas pelo conjunto dos fornecedores

da indústria bem como os progressos feitos com a adoção do programa.

Para concluir este capítulo apontamos abaixo o arcabouço básico da grande

maioria dos programas de bonificação do leite por qualidade:

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Preço básico +

Fatores de composição (gordura, proteína, sólidos totais) +/-

Parâmetros de qualidade higiênica (CCS, CBT) +/-

Ajustes de preço em função de sazonalidade/volume de produção Parâmetros desclassificatórios (Rejeição do leite):

*Presença de inibidores/ antibióticos/ contaminantes

*Crioscopia (aguagem do leite)

6. Referências bibliográficas

IDF. Payment Systems for exfarm milk .Bulletin of the IDF 331 pg 6-25.

1998

ALVES, A. P. Como funciona o sistema de pagamento do leite no Brasil?.

Boletim do Leite, ano 6, No.60, Mar/1999. PONCE, C.P. Programa integral para la mejora de la calidad de la leche y la reduccion de la

mastitis. mimeo 1998.

USDA. Question and answers on federal milk marketing orders. Agricultural

Marketing Service. Dairy Division .MAS-559. 1996

Tabela 2: QUALIDADE DO LEITE – Legislação Vigente em diferentes países. CCS Crioscopia CBT ATB Resfriamento

Obrigatório Transporte

a granel Brasil 1.000.000 Sim 1.000.000 (2x) Sim Sim – 7oC Sim EUA 750.000 Sim 300.000 (2x) Sim Sim – 7oC Sim Canadá 500.000 Sim (100.000) (2x) Sim Sim – 4oC Sim Argentina --- Sim 500.000 (2-5x) Sim Não Não Uruguai 2.000.000 Sim 800.000 (3x) Sim Não Não U.E. 400.000 Sim 100.000 (2x) Sim Sim - 4/8oC Sim Nova Zelândia 400.000 Sim 500.000 (1x) Sim Sim – 7oC Não Austrália 400.000 Não 1.000.000 (3x) Sim Sim– 4/6oC Não Chile 1.000.000 Sim 1.000.000 (2x) Sim Não Sim

Page 17: Qualidade Do Leite 7

17

Tabela 3: Mecanismos envolvidos na negociação do leite.

Preço Negociado

Preço Tabelado

Forma de Pagamento

Contrato Subsídio direto/indireto

Brasil X 1x/mês Não Não EUA X X 1- 2x/mês Não Sim Canadá X X 2x/mês Não Sim Argentina X 1x/mês Não Não Uruguai X 1x/mês Não Não U.E. X X 1-2x/mês Sim Sim Nova Zelândia X 1x/mês Não Não Austrália X X 1x/mês Não Não Chile X ? Não Não

Tabela 4: Determinação dos parâmetros de pagamento de leite adotados em diferentes países.

Volume Peso Gordura Proteína Sólidos totais ou não gord.

Contagem global

CCS

Áustria X X X X X X Austrália X X X Bélgica X X X X X Canadá X X X X X X Dinamarca X X X X X Finlândia X X X X X França X X X* X X Alemanha X X X X X Grécia X X X X Hungria X X X X X Irlanda X X X X Israel X X X X X Japão X X X X X Holanda X X X X X X Noruega X X X X X Nova Zelândia X X X X X Espanha X X X X X X Suécia X X X X X Suíça X X X África do sul X X X X X Inglaterra X X X X X Zimbabwe X X X X * Proteína Verdadeira

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ANEXO 1: SISTEMA DE PAGAMENTO DE LEITE NOS EUA

Recentemente foram introduzidas mudanças significativas no sistema de

pagamento de leite nos EUA, passando a vigorar no país um sistema chamado

MCP (Multiple Component Price) ou preço baseado em múltiplos componentes.

Este sistema nada mais é do que um mecanismo de estabelecimento do

preço final do produto baseado na sua composição, ou seja, os teores de

proteínas, gordura e outros sólidos. Além disso, em alguns estados americanos

também foi adotado oficialmente um fator de ajuste no preço final do leite baseado

na CCS.

Para compreender esse novo sistema oficial de pagamento de leite nos EUA

não se pode esquecer de que a definição do preço pago ao produtor naquele país

é totalmente regulamentado pelo governo, apesar de ser baseado em estatísticas

coletadas no mercado.

O novo sistema determinou uma redução no número das “federal orders” de

31 para 11. Essas 11 regiões são responsáveis pela produção de 72 % do total de

leite produzido nos EUA. Cabe lembrar que poucos estados americanos estão fora

das “federal orders”, mas destaca-se dentre estes a Califórnia, o maior estado

produtor de leite dos EUA e que tem um sistema próprio de pagamento de leite.

Das 11 “Federal Orders” criadas apenas 7 vão adotar o sistema MCP, sendo

que estas 7 “orders” representam 60% de todo o leite produzido no país. Destas 7,

4 terão oficialmente um sistema de ajuste final no preço do leite baseado no CCS

(somadas elas representam 38% da produção de leite dos EUA). As 3 “orders”

restantes terão o preço do leite fixado apenas em função do preço básico do leite

desnatado acrescido de um valor para o teor de gordura.

O sistema de preços baseado nos múltiplos componentes é extremamente

complexo e exige grande esforço para que se possa compreendê-lo. No entanto,

de forma simplificada, o preço do leite é definido pela soma do valor de cada um

dos seus componentes tais como gordura, proteína e outros sólidos e não mais

pelo volume fluido.

Page 19: Qualidade Do Leite 7

19

Definição do valor dos componentes

O valor de cada componente do leite (gordura, proteína etc.) é definido

mensalmente pelo governo, baseado numa extensa coleta de dados no mercado

realizado pelo Serviço Nacional de Estatística Agrícola (NASS).

O valor final para cada componente é resultado de uma fórmula matemática

que considera basicamente 3 itens: preço do produto acabado, custo de

processamento do produto acabado e fator de correção para rendimento industrial.

Preço de um produto acabado: relacionado com um respectivo

componente. Desta forma, o produto acabado que vai servir de referência para o

estabelecimento do preço da gordura do leite é a manteiga (visto que a manteiga é

composta basicamente pela gordura do leite). Dentro desta mesma lógica o valor

da proteína é definido basicamente em função de preço do queijo avaliado no

mercado, descontando-se aqui uma parcela da gordura que também entra na

composição do queijo.

Por fim, o valor dos “outros sólidos” (lactose e minerais) é definido tendo

como referência o valor do soro do leite desnatado aferido no mercado.

A seguir apresentamos as formulas de cálculo que dão origem ao valor de

cada componente do leite:

GORDURA = (preço da manteiga – custo de produção da manteiga): 0.82

(fator de rendimento industrial gordura/manteiga)

PROTEÍNA = [(preço do queijo – custo de produção do queijo) x 1.405 (fator

de rendimento industrial proteína/queijo)] + {[(preço do queijo – custo de produção

do queijo) x 1.582 (fator de rendimento industrial gordura/queijo)] – preço da

manteiga} x 1.28 (taxa de gordura/proteína no queijo)

OUTROS SÓLIDOS = (preço do soro desnatado – custo de produção do

soro) : 0.968 (fator de rendimento industrial para soro em pó desnatado)

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Custo de processamento do produto acabado: Como pode ser

observado nas fórmulas, existe um valor estabelecido previamente pelo governo,

que é uma estimativa de custo médio para processamento e fabricação de um

determinado produto final e que se aplica neste caso para manteiga, queijo ou soro

de leite desnatado.

Para que este cenário fique claro, no início do ano o USDA sugeriu que o

custo de processamento para fabricação de 1 Kg de manteiga fosse de US$ 30

cents/kg. Esse valor é ajustado periodicamente de forma a contemplar uma

situação real de mercado.

Fator de correção para rendimento industrial: é uma variável utilizada na

definição do preço de cada componente e está relacionada à eficiência de

conversão da matéria-prima (gordura ou proteína) em um produto final.

Por exemplo, ficou definido que o fator de rendimento industrial para

conversão de gordura em manteiga é de 0.82. A princípio isto significa que para

cada Kg de gordura processada pode-se obter 820 g de manteiga.

O fundamento deste programa MCP está baseado na premissa de que o

preço do leite pago ao produtor é resultado do retorno que a indústria processadora

pode obter ao transformar a matéria-prima bruta (leite cru) em um produto final

acabado, considerando nesse processo os fatores de rendimento industrial e custo

de processamento que inclua alguma margem de lucro para as empresas

processadoras de lácteos.

Classificação do leite

Para continuar o entendimento do mecanismo de definição do preço do leite

nos EUA é fundamental defiir que existem, legalmente, 4 classificações ou classes

de leite naquele país, de acordo com o destino a ser dado ao produto:

- Leite Classe I: leite fluido (integral, 2% e 1% de gordura, desnatado e

flavorizado)

- Leite Classe II: Produtos lácteos “soft” (sorvete, iogurte, requeijão,

creme de leite)

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- Leite Classe III: Produtos lácteos “hard” (queijos, leite condensado)

- Leite Classe IV: Manteiga e leite em pó

Preço Básico (Price Mover) e Diferencial de Preço (Differential)

Estes são dois conceitos fundamentais para compreender a formação do

preço do leite no EUA. O preço básico ou Price Mover é o preço nacional básico

definido pelo governo (USDA) baseado em dados coletados sistematicamente pelo

Serviço Nacional de Estatística Agrícola (NASS) e refere-se à média do preço de

mercado dos últimos 6 meses da gordura e do leite desnatado, considerando para

efeito de cálculo um padrão de composição do leite com 3,5% de gordura e 96,5%

de leite desnatado.

Já os diferenciais de preço ou “differentials” são os preços diferenciados

para cada uma das classes de leite. Desta forma os leites classe I e II apresentam

em valor adicional em relação ao BFP, sendo que os "differentials" variam entre

cada "Federal Order". É importante destacar que a BFP é uniforme no país todo,

não variando entre as “Federal Orders" e também o diferencial de preço para o leite

classe II foi padronizado para todo o país no valor de US$ 1.50/100 litros.

Como é definido o preço final do leite?

Para compreender esse sistema de pagamento de leite, é importante saber

a filosofia do programa que foi introduzida em 1930. Basicamente, a proposta era

estimular a difusão da produção de leite em todas as regiões do país, expandindo

amplamente a produção além das fronteiras de WI (Wisconsin) e MN (Minnesota),

bacias leiteiras mais tradicionais e nas quais tradicionalmente há superoferta de

leite. Desta forma, o governo federal pretendia garantir o abastecimento de, pelo

menos, leite fluído com preço acessível em todas as regiões, mesmo naquelas

mais distantes da grande bacia leiteira de MN-WI. Daí surgiu a criação das Federal

Orders, cada uma com um preço diferenciado (“differentials”). Isso evitaria a

necessidade de transporte de leite fluido do norte do país para as demais regiões.

Assim, quanto mais afastado de MN-WI for a Federal Order maior será o valor do

“differential” definido pelo governo.

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O preço final ao produtor, desta forma, é definido pela soma do BFP (é

uniforme para todo o país) com o valor do differential válido para cada Federal

Orders específica. Cabe salientar que existem basicamente dois “differentials”, um

para o leite classe I e outra para o leite classe II. O leite classe III não tem preço

diferenciado e, portanto, o seu valor é igual ao BFP.

Para facilitar o entendimento, vamos a um exemplo prático, tomando como

referência a “milk order” que envolve o estado de Kentucky. Nesta “Milk order” o

valor fixado para o “differential” do leite classe I é de US$ 4.00/100 litros, enquanto

que o “differential” do leite Classe II é padronizado em US$ 1.50/100 litros.

Para que se possa definir o preço final pago aos produtores de leite (mail

box price) do estado de Kentucky, é necessário saber a % de utilização de cada

classe de leite no estado. Dessa forma temos:

• - Classe I 70%

• - Classe II 10%

• - Classe III 10%

• - Classe IV 10%

Assim, considerando os valores estabelecidos no mês de janeiro/2000

teremos os seguintes preços:

Classe I (0,965 x 17,15) + (3,5 x $ 2,19) + differential ($4/100

litros)= $28,2/100 litros

Onde $ 17,15 = preço de 100 litros de leite desnatado

$ 2,19 = preço de 1Kg de gordura

$ 4,00= differential classe I para a “milk order” do Kentucky.

Classe II (0,965 x 17,15) + (3,5 x $ 2,19) + differential (1,55/100 litros) = $

25,78/100 litros

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Classe III (1,0191 x 3,5) + (1,1094 x 3,3) + (0,0424 x 5,7) = $

16,58/100 litros

Onde, $ 1,1094 = preço de 1 Kg de proteína

$ 1,0191 = preço de 1 Kg de gordura

$ 0,0424 = preço de 1 Kg de soro de leite em pó desnatado

OBS: O leite deste exemplo utilizado tem a seguinte composição:

Gordura = 3,5%

Proteína = 3,3%

Outros sólidos = 5,7%

Classe IV (0,965 x 17,15 ) + (3,5 x $ 2,19) = $ 24,2/100 litros

De posse destes dados podemos agora calcular o preço final pago ao

produtor no estado de Kentucky.

• - Classe I 70% x 28,2 = 19,74

• - Classe II 10% x 25,78 = 2,58

• - Classe III 10% x 16,58 = 1,66

• - Classe IV 10% x 24,2 = 2,42

US$ 26,30/ litro = preço final ao produtor

No entanto, naquelas 4 “milk orders” que adotaram o fator de ajuste final do

preço do leite em função da CCS ainda é preciso fazer mais um cálculo para

definição do preço final. Nesse caso, a USDA decidiu adotar o valor de 350.000

cel/ml como referência média. Assim sendo, os produtores que fornecerem leite

com CCS acima de 350 mil recebem uma penalização (redução) no preço do leite

enquanto que os produtores que fornecerem leite com CCS abaixo de 350 mil

recebem uma bonificação no preço final, que é gradativa de acordo com o nível de

CCS.

Para se definir o valor da bonificação ou penalização, deve-se subtrair 350

do valor da CCS média do mês em questão e multiplicar esse resultado pelo fator

de ajuste baseado na seguinte fórmula:

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Fator de ajuste = preço do queijo x fator de rendimento CCS/ queijo

(cujo valor pré- estabelecido é de 0,0005)

Para consolidar esse cálculo, peguemos uma fazenda com CCS média do

mês de 100.000 e um valor do preço do queijo de ($ 1.1094/libra). Assim teremos:

$ 1,1094 x 0,0005 = 0,00055 x (350 –100 = 250) = $ 0,14/100 litros

Se utilizarmos o valor calculado anteriormente para uma fazenda situada no

estado do Kentucky, teremos o seguinte preço final do leite pago ao produtor.

26,30 + 0,14 = $ 26,44/100 litros

Em resumo, isso significa que quanto maior for a utilização de leite fluído

numa determinada região maior será o adicional do preço do leite. O objetivo deste

programa é garantir o abastecimento do produto básico para a população, ou seja,

leite fluído. É exatamente essa lógica que determina os preços mais altos de leite

dos EUA no estado da Florida, onde cerca de 90% do leite é destinado para Classe

I (leite fluído), além logicamente, deste estado ter um “differential” mais alto em

função da grande distância em relação a MN-WI.

Como se pode ver, há uma total regulamentação do preço por parte do

governo, e cabe ressaltar que o preço final calculado, também chamado de “Preço

Média Ponderada” (Weighted Average Price ou Blend Price) é o menor valor que

pode ser pago por qualquer comprador de leite nos EUA, ou seja, é proibido por lei

pagar um valor inferior ao definido pela fórmula do governo.

Por outro lado, em várias regiões do país há o pagamento de bônus pelo

leite de alta qualidade. Mas isso já foge totalmente da regulamentação do governo.

Desta forma, se uma determinada indústria que fabrica queijo, por exemplo, decide

pagar uma bonificação pela qualidade do leite baseada na CCS e Contagem

Bacteriana ou teor de proteína, isso é totalmente permitido, mas passa a ser um

contrato direto entre cada indústria e seus fornecedores. Assim, em muitas regiões

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os produtores recebem um valor acima daquele definido pelo governo desde que

tenham leite de alta qualidade.