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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR O CINEMA E A TRILHA SONORA MARISA VIEIRA DE ARAGÃO

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO

DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR

O CINEMA E A TRILHA SONORA

MARISA VIEIRA DE ARAGÃO

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TRILHAS DO CINEMA CARIOCA:

RELEVO OU PANO DE FUNDO ?

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Dedico este trabalho a todos os que se empenham em expressar aquilo de que se nutrem para manterem vivo o entusiasmo perpetuando suas inspirações na forma de incentivo.

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SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTILO I 2

Trilhas do Cinema Carioca – Relevo ou Pano de Fundo?

CAPÍTULO II : 9

Um Pouco de História

CAPÍTULO III : 15

Herança Cultural da Música no Cinema

CAPÍTULO IV : 19

Desenvolvimento da Linguagem

CAPÍTULO V : 29

Banda à Parte – Duas Presenças Importantes

CONCLUSÃO: 32

A Trilha Sonora – Material de Análise

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INTRODUÇÃO

Em nosso país, os compositores de trilhas sonoras são egressos dasescolas de música, ou são autodidatas. E, geralmente, seu trabalho éfeito em estúdio, com seus músicos para depois ser ajustado namontagem, ou a partir das imagens visionadas previamente, antes decriarem as partituras. Uma vez compostos, estes temas apresentadosà direção do filme para aprovação, são gravados e mixados.Há trilhas que fazem mais sucesso que os próprios filmes, pelaqualidade musical, ou o inverso, músicas que se tornam famosasdevido a qualidade dramática do filme e das cenas em que foraminseridas. Embora haja composições criadas para serem vendidas etemas que se harmonizam com seguimentos definidos da imagem,sem serem comerciais.Analisar questões de conteúdo – musicais e cinematográficos –relacionando-as, é trazer a tona a importância dos recursosexpressivos, da integração da trilha sonora neste segmento, comrelação à formação universitária do profissional da área de cinema ede música, assunto suficientemente extenso para a constituição decurso universitário para o qual a formação especializada em docênciasuperior se estabelece estruturando as linhas de pesquisa quecorrespondam aos diferentes pontos de vista dentro do enfoqueinterdisciplinar adotado como base para experimentação.Serão levantadas, aqui, algumas questões relacionadas à inserção daformação profissional nas trilhas em termos de linguagem; modo deprodução de trilhas como determinante na criação da composiçãomusical para cinema; música como recurso dramático e ferramenta deintegração compositor / diretor; a determinação de estilos no campo datrilha sonora para cinema, sem a pretensão de esquematizar umtrabalho acadêmico que delimite cada tema especificamente.Como trajetória de análise, temos: uma introdução às idéias iniciaisque inspiraram a autora; um histórico situando o advento do som nocinema; uma abordagem de questões relacionadas à linguagem eutilização do som; uma parte dedicada às fontes musicais;movimentos de ruptura e recursos sonoros; possibilidades artísticaspara uma análise fílmica como exemplificação de práticas expressivas;e algumas sugestões de encaminhamento.

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CAPÍTULO I

Trilhas do Cinema Carioca: Relevo ou Pano de Fundo?

“Ouvir: experiência da subjetividade.

Ao acordarmos, todo dia, é imagemou são os sons, ainda oníricos,que geralmente nos despertam lentamente?

Bem antes de abrirmos os olhos, para o mundo,escutamos os sons, desenvolvemos os nossos sentidos,nossa memória auditiva.Apreendemos, do que nos circunda,através de filtros orgânicos, essas informaçõesque dão início à trilha sonora da nossa aventura de vida.

Daí pra frente a descontinuidade – introdução sonora exterior – passaa integrar o imaginário ora enriquecido por imagensque vão se formando, tornando-se nítidas,conforme estímulos oferecidos a estes nossosórgãos dos sentidos que, agora, coordenam-sea caminho da nitidez perceptiva.

É como se o distanciamento entre percepção de some imagem fosse a descontinuidade de uma memória intangível,a impossibilidade de se resgatar a experiência íntima, de base,e, ao mesmo tempo, este distanciamento fossea própria intimidade, assim reflexiva.

Os sons mecânicos do projetor em movimentoforam os sons que antecederam a imagem cinematográfica.E, no entanto, foi neste momentoque a atenção na imagem ficou mais patente.”

Marisa Aragão

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Iniciando:

A pesquisa sobre o tema proposto iniciou-se com a indagação arespeito da formação musical e cinematográfica dos profissionais quefazem trilhas, a saber que contribuição universitária, ao nível dalinguagem (tanto musical quanto cinematográfica), se insere narealização deste trabalho de direção musical para cinema.A seguir veio a análise filmica visando o levantamento da qualidadeprofissional (relacionada ao subtítulo) na intenção de trazer à tona aimportância expressiva da trilha sonora com relação ao cinema e àmúsica da atualidade.A escolha do tema deveu-se à formação da autora comopesquisadora, formada em Cinema através do Curso de ComunicaçãoSocial na UFF, em 82, tendo trabalhado na Embrafilme diretamenteem moviola; no fato de ter-se dedicado à música como professora, emescolas de 1º gral, e como cantora, em diversas ocasiões,especialmente, pela oportunidade que teve em observar ofuncionamento de alguns estúdios de gravação; e principalmente pelointeresse específico no que se refere aos recursos destas duaslinguagens, assunto para o qual não há, até o momento, formaçãoespecializada.

As entrevistas da série do programa Estarte, que a autora transcreveabaixo, remeteram à reflexão sobre o tema proposto, como ponto departida.A autora armazenou material a respeito de mostras, informaçãodiversificada, para conduzir o aprofundamento da pesquisa com oobjetivo de intercambiar idéias durante os encontros estabelecidospara entrevistas com um dos autores mais conceituados em direçãomusical para cinema no Brasil.Um conhecimento antecipado aliado ao cotidiano foi de grande auxíliopara a coleta de dados em termos de qualidade, em sintonia fina como direcionamento almejado, que adaptou-se ao tema enriquecendo atroca de idéias.Um bom referencial teórico-científico tornou-se adequado à análise, apartir do levantamento de dados.

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A MÚSICA NO CINEMA STarTE – GloboNews ( transcrição )

Apresentação - Bianca Ramoneda:- “Olá! No Starte de hoje: A Música do Cinema, um pouco dos

mistérios e do fascínio das notas musicais que eternizam asimagens e como trabalham alguns compositores brasileiros quecriam trilhas sonoras para os filmes.

- Abertura:- Cinema e música sempre andaram juntos. No tempo do filme mudo

a música era tocada ao vivo para preencher o silêncio das imagens.- Na imagem: “Filme Mudo com Charlie Chaplin, acompanhado depianista.”- Com o filme sonoro a música se tornou a mais completa parceira do

cinema.”- Na imagem: “Cidadão Kane de Orson Welles, música de BernardHermann.”- “A trilha do filme Cidadão Kane, o filme marco do cinema moderno,

tem uma participação importante na narrativa sofisticada de OrsonWelles.”

Na imagem: “O Bom, o mau e o feio – MGM/UA home vídeo, deSérgio Leone”- “Os acordes bárbaros de Enio Morricone tornaram inesquecíveis os

westerns espaguetes de Sérgio Leone.

Na imagem: “Caçadores da arca perdida, CIC vídeo, de StevenSpielberg.”- As cenas de ação de Indiana Jones ganha um tom épico com a

trilha grandiloquente de John Williams.

Na imagem: “Amacord, Warner home vídeo, de Federico Fellini,música de Nino Rota”- O grande circo da memória que Fellini armou com Amacord não

seria o mesmo sem as maravilhosas composições de Nino Rota.

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Entrevista:

- No Brasil, David Tygel é um dos mais atuantes compositores paracinema. Ele fez parte do grupo vocal Boca Livre, no início dos anos80 e já compôs mais de 10 trilhas.

Na imagem: “O homem da capa preta, Manchete vídeo, de SérgioResende, música de David Tygel.”

David: - “O trabalho começa exatamente por você poder ter acesso àimagem. Pra falar a verdade, o diretor te manda uma fita ou você vaina moviola... te manda a imagem e você vê e revê e passa ali... ( evocê tem uma semana ), fica uma semana com o filme entrando nasua cabeça... envolvido com isso... e se vê tomado pela necessidadede dar uma resposta, quer dizer: o seu corpo, a sua sensibilidade sãoinstados a darem uma resposta musical à aquilo que está te afligindo,que são os acontecimentos do filme.”

Na imagem: “A cor do seu destino, de Jorge Duran, música de DavidTygel.”

David: “... É um prazer realmente inenarrável ver como a sua músicaacaba funcionando ali. ... Inclusive você erra. No próprio A cor do seudestino eu fiz uma música super triste, sentida... Depois mostrei proJorge Duran e ele ficou decepcionado!... Não tinha nada a ver com ofilme dele! Embora ele achasse a música “excepcional”. Então, eu tiveque refazer...! Tem momentos em que a música não acrescenta àimagem. Pelo contrário, ela deturpa a imagem ( porque deturpa anarrativa ). Música é uma arma muito poderosa.”

Na imagem: “Psicose de Alfred Hitchcock, música de BernardHermann.”

David: “... Tive, várias influências de pessoas que trabalharam muitobem. Talvez o principal seja o Bernard Herman, que é um cara querevolucionou a história da relação entre a música e a imagem, comtoda a sacação dele da música ser, digamos assim, uma narrativapsicológica dos personagens (que nem sempre estava ligada à açãodo filme mas sim à forma pela qual os personagens estavamenvolvidos com essa ação ). E, principalmente, ele liberou o cinemadas grandes melodias, de você ter que... sair cantando as músicas do

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filme depois! Mas fez temas que dificilmente você iria à um concertoassistir, ouvir uma orquestra tocando ( por exemplo, aqueles violinosde Psicose ). E no entanto, no filme, ela é absolutamente fundamentalquando sincronizada.Ele sacou, então, que a música de cinema deveria estar basicamenterestrita a sincronização com a imagem.”

Na imagem: “Um copo de cólera, Warner home vídeo, de AluízioAbranches, música de André Abujamra.”

Apresentação - Elisabete Pacheco:

- “Ele começou fazendo trilha sonora aos 17 anos! Nessa últimadécada André Abujamra já compôs para 9 filmes. O primeiro longafoi Carlota Joaquina.”

- Na imagem: “Carlota Joaquina, Europa home vídeo, de CarlaCamurati, música de André Abujamra.”André: “- Foi um trabalho muito difícil pra mim porque foi o primeirolonga, com orquestra... E aí eu comecei a estudar, um pouco, mesmo.Fui atras dos caras que fazem cinema.Aí eu fiz um filme muito importante para a minha carreira, também,que é Os Matadores, um filme do Beto Brant. Eu fiquei dois meses emLos Angeles mixando o filme com um americano ( um velhinhoamericano de Hollywood! ).”

Elisabete: “- Importante por isso?!

André: “- Foi. Importante porque você começa a ver a técnica, além daintuição. Além de você gostar, você começa a entrar no mundomesmo.”

Na imagem: “Os Matadores, Cannes home vídeo, de Beto Brant,música de André Abujamra.”

André: “- E, geralmente, as trilhas mais bonitas pra mim são as quevocê não lembra!... Dizer: -Ah, eu saí com a música na cabeça... Não!Quando o filme é todo bom você sai com o filme inteiro na cabeça.A música está junto, ela é um ator, uma luz do filme. A luz é um ator ea luz é uma música...

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Eu acho que é uma coisa complexa. E completa no filme. É quandovocê sai do filme e diz: - Nossa! O filme é lindo!!

Na imagem: “Castelo Ra -Tim - Bum, Columbia home vídeo, de CaoHamburguer, musica de André Abujamra.”

André: “- A gente pode fazer o barulho de um trem com uma corda ”...( de violino )- e demonstra.- “Uma coisa de mistério também...”

Na imagem: “São Jerônimo, Europa home vídeo, de Julio Bressane,música de Fábio Tagliaferri.”

Fábio: “ – Quando você compõe um roteiro musical, (pois o filme temum roteiro musical também), o filme, geralmente, tem uma sonoridade.E o diretor encontra essa sonoridade na pessoa que ele chama prafazer a trilha. No caso do São Jerônimo, a viola de arco e a percussão,( que é uma coisa gravada no nordeste, assim uma coisa bem árida ),casou muito bem: a viola com a percussão.”

David: “ Quando aquilo vira cinema, ou seja, todo um trabalho final... evocê vai ao cinema, senta e ... quer dizer... é um milagre!Eu acho que O Cinema é Um Milagre!! ”

Na imagem: “Imagens: Egledio Vianna / Anderson Vasco. Produção e Edição: Gustavo Cascon.

Uma infinidade de títulos

Considerando dois eixos distintos na produção musical para cinema:São Paulo e Rio, foi considerada trilha carioca a que identificou-secom os meios artísticos que caracterizam os compositores da área doRio de Janeiro, pela proximidade do campo de pesquisa.

A atual produção brasileira – tomando como atuais os lançamentos, apartir de 2000 – fornece elementos diversos que propõe análises ediscussões sobre trilhas sonoras, tais como: relevo ou pano de fundo?processos de produção; composição / direção; questões de estilo;dentre outras, a serem levantadas e relacionadas numa ótica

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interdisciplinar que aprofunde as questões relativas ao som tantoquanto são desenvolvidas as análises sobre a imagem, no cinema.

Da lista de 2000 do Cine Arte UFF: AMÉLIA, de Ana Carolina;ATRAVÉS DA JANELA, de Tata Amaral; CASTELO RA-TIM-BUM – OFILME, de Cao Hamburger; UM CERTO DORIVAL CAYMMI, deAluisio Dicler; CRONICAMENTE INVIÁVEL, de Sérgio Bianchi; CRUZE SOUSA, O POETA DO DESTERRO, de Sylvio Back; O DIA DACAÇA, de Alberto Graça; ESTORVO, de Ruy Guerra; EU TU ELES, eGÊMEAS, de Andrucha Waddington; FÉ, de Ricardo Dias; HANSSTADEN, de Luiz Alberto Pereira; IREMOS À BEIRUTE, de MarcosMoura; MÁRIO, de Hermano Penna; OLÉ, UM MOVIE CABRA DAPESTE, de Roberto Santucci Filho; ORIUNDI, de Ricardo Bravo;PIERRE FATUMBI VERGER, MENSAGEIRO ENTRE DOISMUNDOS, de Lula Buarque de Holanda; QUASE NADA, de SérgioResende; O RAP DO PEQUENO PRÍNCIPE CONTRA AS ALMASSEBOSAS, de Paulo Caldas e Marcelo Luna; A TERCEIRA MORTEDE JOAQUIM BOLIVAR, de Flávio Cândido; TOLERÂNCIA, de CarlosGerbase; O TRONCO, de João Batista de Andrade e VILLA-LOBOS,de Zelito Viana, dão uma amostra de possíveis filmes passíveis deanálises, dos quais “Quase Nada” será comentado, para concluir esteprojeto, a título de exercício crítico, tendo o trabalho de David Tygelcomo referência de trilha carioca para cinema.

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CAPÍTULO II

Um pouco de história

Datar o tempo do som no cinema é resgatar, das primeiras imagensprojetadas, as impressões de um reduzido número de espectadores arespeito do que estaria sendo ouvido no momento em que ThomasEdison filmava Anabelle Moore em A Dança da Borboleta – 1895. Sehavia ou não um som sendo reproduzido naquele estúdio improvisadoem Nova Jersey no momento da filmagem não se sabe. Mas ouvir,internamente, o que levasse àquela bailarina a recortar, com suavaporosa vestimenta, o espaço da tela é acompanhar o ritmo daimagem – puro movimento.Imaginar o som do kinetoscópio (aparelho de projeção individual deimagens, um dos protótipos do cinema) é estar próximo da motivaçãooriginal que impulsionava Edison a desenvolver mais um de seusinventos – num tempo de idéias efervescentes, precursoras da eracinematográfica.Mas tantos outros artesãos, bem antes do evento das imagensprojetadas, dedicaram-se a criar e a aperfeiçoar técnicas de fazer,cortar e polir lentes, prismas, vidros e cristais que já eram perfeitospara os experimentos com a luz – desde 1646, com a Lanterna Mágicade Kircher, descrita em seu “A grande Arte da Luz e da Sombra” –desde a caixinha de música...A tragédia grega era representada com acompanhamento depercussão e coros cantados. No teatro clássico era, geralmente, atrilha musical que enfatizava o desenrolar da dramaticidade expressana visão de cada ato.

A dialética fundamental do cinema, que opõe e liga som e imagempode ser demonstrada no exemplo do cinema mudo. Desde asprimeiras projeções de Méliès na cave de um café parisiense, quetanto público como cineastas sentiram a falta de um acompanhamentomusical para as imagens.

Os irmãos Lumière, no mesmo ano de 1895, mostraram publicamentea imagem de um trem chegando na estação – L’Arrivée d’um Train emGare, o marco inicial do cinema. O som mecânico do projetor em

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movimento foi, para o espectador, o som que antecedeu a imagemcinematográfica. Não é de estranhar o espanto, o susto! A fonte de“milagre” tão flagrante ouvida assim como ruído a perturbar oespetáculo, já surpreendente, da imagem dominante – ruído que logofoi coberto por sons de instrumentos.

E, a partir daí, o pianista, nas salas de concerto onde se projetavam osfilmes, era quem criava os climas de cena, improvisando um repertórioao vivo, de acordo com o modo de sentir as imagens, quem tornava amúsica ilustrativa. E, dos pianistas, vieram as orquestras inteirastocando o que se pode chamar de trilhas musicais – pois muitas vezesas partituras eram compostas originalmente para o filme.

Charlie Chaplin foi o primeiro a se preocupar com a função da música,criando, ele próprio, partituras para seus filmes – o que exigia dopianista variações temáticas que se adequassem às cenas.

A equivalência musical, para o cineasta russo Serguei Ensenstein, quetrabalhava de forma mais complexa a montagem das imagens,correspondia a compositores como Prokofiev e Shostakovich – e cadasessão de seus filmes exigia a presença de uma orquestra inteira.

Após a revolução de 1917 o Estado abarca o cinema como meiodidático a fim de fazer a propaganda da “realidade” soviética, daí aexaltação através das imagens reunidas por Vertov organizadas em OHomem da Câmera, em 1924 – exemplo de documentário russo.Pudovkin, sublinha, em suas ficções, as significações históricastornando patéticas as lutas de classes e os combates, para exaltar asforças revolucionárias.

A clareza do conjunto fílmico dá lugar aos detalhes onde apreocupação é mais em despertar paixões arrebatadas que preservara coerência e a continuidade dos encadeamentos, destacando aamplificação dos acontecimentos e a expressão de valores num ritmoque tende a orquestrar os movimentos visuais.O Encouraçado Potenkin é um dos filmes que marcaram a presençado cinema russo.

Paralelamente organizam-se outros movimentos na Europa:

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O impressionismo, nos anos 20, é a primeira vanguarda francesa cujoobjetivo de promover um cinema nacional consegue se distinguir dascoerções do cinema americano que já domina a cena. É a convocaçãode todos os recursos fílmicos para compor sinfonias visuais e rítmicasa fim de revelar o que não é visível a olho nu, o imponderável.O Dinheiro, A roda e A Queda da Casa de Usher representampesquisas formais da resistência deste movimento.

O Dadaísmo e o surrealismo representam a segunda vanguarda evêm de pesquisas plásticas, da Alemanha, com composições visuaiscentradas em formas abstratas, em movimentos e puro ritmo. Osfranceses permanecem figurativos interessando-se pelo movimentopara tratar de assuntos concretos como máquinas, objetos usuais ou ocorpo humano explorando mais além as associações de imagens.L’Age D’Or e Chien Andalou, são filmes citados como representantesmáximos do surrealismo.

O Expressionismo alemão afirma-se como um vasto movimentoestético, entre 1907 e 1926, opondo-se ao realismo através daexacerbação das formas e da composição das imagens que enfatizamluz e sombra e a teatralização, criando um universo inquietante.O Gabinete do Dr. Caligari e Metrópolis são exemplares.

Da estética russa ao expressionismo alemão, todos estes movimentosinfiltraram-se no cinema clássico influenciando toda a criação que viriaa seguir e a força de suas representações impõe a imagem comoreferencial de estruturação.

A reprodução mecânica do som data de tanto tempo que – entre 1892e 1910 – Thomas Edison, Pathé Zecca, Henry Joly e Leon Gaumont jápesquisavam inúmeras combinações diferentes do fonógrafo com oprojetor de imagens. O que acontecia é que a qualidade alcançada erainsuficiente para a exibição pública.

Na segunda metade da década de 20 foi criado o sistema pioneiro desom “óptico” que transformava impressões luminosas em ondassonoras ampliadas por auto-falantes, embora tenha sido o Vitaphone -um sistema de sonorização que acoplava projetor e vitrola – aimortalizar o filme O Cantor de Jazz.

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E é mesmo a partir de 1927 que se inicia uma produção de filmesintegrando definitivamente voz e corpo, movimento e dança – osmusicais – gênero que dá ênfase a impressão de espontaneidade, decoreografia de grupo, para compensar a diretividade da música,sempre cantada e dançada, muitas vezes incluindo aplausos daplatéia na trilha.

O fato de que tantos destes musicais se passassem no espaço cênicodo teatro, deve-se ao período em que a projeção dos filmes era feitajunto com os espetáculos ao vivo que deram origem às primeirasexperiências de gravações para filmes sonoros feitas pela WarnerBrothers – ainda no sistema Vitaphone.

O primeiro filme cem por cento falado e cantado foi o musical –Melodia na Broadway, em 1929. O advento do som óptico, que incluíaruídos e diálogos e prescindia da presença do músico, revolucionandoa ilustração musical, foi crucial para o desenvolvimento da narrativacinematográfica.

Agora, era preciso re-pensar a função da música, que passava a ser,então, terreno promissor de possibilidades, e re-aprender a utilizar osom de acordo com os novos padrões técnicos, e estéticos.

Até o início dos anos 30, quando se generalizaram os filmes sonoros,o cinema “silencioso” estabeleceu-se produzindo obras de enormeimportância, através dos movimentos citados, determinando atrajetória criativa de inúmeros cineastas por desenvolverem umapoderosa imagem ideográfica – o que estabelece a predominância daimagem como significante máximo.

Filmes como Intolerance, Greed, Bronenosets Potiônquim, Zêmlia, DerLetzte Mann e City Lights, dentre outros, atestam a autoridade do filme“mudo”. Compositores que preservavam a música sinfônica tradicionalforam todos para o cinema.

Enquanto as produções americanas realizadas com a dupla FredAstaire/Ginger Rogers na RKO exemplificam a inclusão da platéia naperformance utilizando a música como um convite aoacompanhamento rítmico – como se o público compartilhasse do

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processo criativo do filme – as teorias de Eisenstein ficavam fechadasem círculos europeus, pouco influenciando a indústria vigente.

King Kong, em 1933, consagrou Max Steiner com seus poemassinfônicos pós-românticos que se estenderiam – E O vento Levou,Jesebel e Casablanca – grandiloqüentes na medida dos épicos e dosromances.

Capitain Blood, The Sea Hawk e Adventures of Robin Hood, dentreoutros, fez com que Erich Korngold tenha ido para Hollywood, com suabagagem européia, aprimorar as técnicas musicais sobre diversosgêneros cinematográficos.

Em 1939, Orson Welles, com Cidadão Kane, revoluciona a narrativado cinema na América. E, Walt Disney, com Fantasia, mostra aopúblico a imensa capacidade significante da música, fazendo com quea ação de seus personagens fosse subordinada à narrativa musical –a música é o roteiro de Fantasia.

O primeiro som estereofônico gravado com a maior tecnologiadisponível na época, teve um efeito tão marcante que os produtorescomeçaram a incluir a música como elemento fundamental durante osvinte anos que se seguiram ao impacto das inovações de 39.

Quase todas as grandes produções acolheram compositores deformação erudita oriundos da tradição da música sinfônica européia.E, nessa altura, a industria cinematográfica já havia cristalizado nopúblico o gosto pelos gêneros que determinariam toda a produçãoposterior.

Era preciso formar uma geração de músicos americanos para suprir anecessidade da indústria cultural voltada aos dramas, às comédias,aos policiais e aos westerns, tipicamente americanos, a seremdistribuídos por uma estrutura cada vez maior.Essa geração surgirá somente no final dos anos 40, junto com ahegemonia dos europeus: Alfred Newmann, Elmer e LeonardBernstein e Bernard Herrmann, e mesmo Victor Young com Sansonand Delilah, Around de World in 80 Days e Greatest Show on Earth,que estudou em Varsóvia antes de compor para cinema. Ben-Hur

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glorificou a competência musical do húngaro Miklos Rozsa – era odomínio da trilha utilizada em função do gênero.

As sutilezas dos filmes noir, dos suspenses e dos romances,ambientados musicalmente, chega ao extremo nos anos 50.Como prática que o cinema europeu legou, os diretores escolhiam seucompositor favorito para todos os seus filmes, o que só teve espaçonas produções americanas com o filme de autor.Sabendo como trabalha o compositor, o diretor constrói em conjuntoos climas de forma substancial, antes que a partitura esteja totalmentepronta.

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CAPÍTULO III

Herança cultural da música no cinema

O trabalho conjunto diretor / compositor leva à reflexão sobre aconceituação da crítica musical do século XIX que apontava para duasvertentes: a música absoluta e a música programática. Sendo aabsoluta, a que não dependia de nenhum outro fator de apreciação senão a narrativa musical, feita sem nenhuma base literária ou teatral.Esse tipo de composição que se sustentava por formas coerentes, desólida construção, eram a forma-sonata, o rondo, a fuga.As sinfonias de Bruckner ou Brahms são um bom exemplo de músicaabsoluta com sua descendência da tradição européia representadapor Bach.

Música programática é um conceito romântico que nasceessencialmente na metade do século XIX com a sinfonia descritiva e opoema sinfônico, em que a composição tem como inspiraçãoelementos extramusicais condutores da narrativa, como As QuatroEstações de Vivaldi, a Pastoral, ou a Sexta Sinfonia de Beethoven.

Mas foi Hector Berlioz quem incluiu a forma sinfônica – base damusica dita programática – numa narrativa, no sentido dramático, emsua Sinfonia Fantástica, baseada num sonho descrito em cincomovimentos correspondentes a situações determinadas – obraconsiderada um atentado ao bom gosto pela crítica de sua época.Primeiro exemplo concreto de sinfonia descritiva de audição pública,foi um marco da vanguarda musical. Fez com que a orquestraincluísse elementos até então não utilizados, puramente narrativoscomo sinos e outros instrumentos percussivos que influenciaram todaa geração seguinte aumentando o número de musicistas dasorquestras.

Inspiradores, como Dante, Nietzsche, Shakespeare e Byron foramfontes para inúmeros compositores que se enveredaram peloscaminhos da música programática no tempo em que se discutia ovalor destas vertentes, por oposições, discussão que teve fim com oadvento da psicologia e da psicoacústica – que defenderam a

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premissa de que todos os tipos de música causam efeitos nossentidos similarmente sendo que o que varia é a forma demanifestação destes sentimentos.Franz Liszt criou, a partir de Berlioz, o poema sinfônico, gênero cujaestrutura musical libertava, de certa forma, a rigidez da músicaconsiderada absoluta.

A narrativa, na verdade, encontra-se presente na maneira como amúsica é composta, apresentada e ouvida. Certas leis, inerentes aosuporte musical, devem ser respeitadas em ambos os casos. Osprincípios de harmonia, variação temática e linha melódica submetem-se à estrutura extra-musical escolhida caracterizando a direção que omúsico imprime à composição de acordo com a idéia condutora.

Na Sinfonia Dante, de Liszt, por exemplo, os três movimentosdescrevem impressões emocionais do Inferno, Purgatório e Paraísoque a narrativa condiciona simetricamente entre sessões, que seresumem num só movimento curto – o que caracteriza o poemasinfônico – estabelecendo uma outra tradição paralela, responsávelpor uma liberdade crescente na expressão sinfônica, que culmina emGustav Mahler.

Considerado gênero livre, o poema sinfônico é adotado por inúmeroscompositores como Camille Saint-Säens, com sua Dança Macabra,sobre Henry Cazalis; Smetana, O Moldávia, rio de sua terra natal;Grieg, Korsakov, Tchaikovsky, Romeu e Julieta, sobre Shakespeare; eo consagrado Richard Strauss, Macbeth, sobre Shakespeare, DonQuixote, sobre Cervantes e Assim Falou Zarathustra, sobre Nietzsche,dentre outros que levaram o ouvinte a uma inevitável associação deimagens que unia literatura e música fascinando toda a geração dejovens artistas deste meado de século em diante.

O comentário de Debussy sobre a composição de Strauss sercinematográfica, já no início do século XX, tem como base o fato desua obra considerar-se uma infinita fonte de imaginação cinemática,gerando, através dos sons orquestrais, uma cadeia estimulante deimagens.

E, finalmente, o ápice desta grande influência sobre as produçõescinematográficas, e televisivas: Richard Wagner, com Lohengrin, O

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Navio Fantasma, Tannhauser, Tristão e Isolda, Os Mestres Cantores,Parsifal e o ciclo do Anel dos Nibelungos, por exemplo, encarnando oleimotiv – motivo condutor onde um tema musical caracterizadeterminada ação ou personagem – com seus dramas musicais,derivados das sinfonias programáticas de Berlioz, que até hoje sãoseguidas como princípio, cristalizando encaminhamentos.

De 1900 à 1910, Mahler une a tradição sinfônica à associação deimagens. Entre 1915 e 1920 Arnold Schoenberg cria o dodecafonismo,com base no atonalismo, quebrando toda uma tradição existente,incluindo um conceito totalmente novo de imaginação musical, comharmonias dissonantes, estrutura formal sutil, com acordes semhierarquia de tons, o que soava estranho e trazia imagensdesoladoras. O ineditismo vanguardista deste movimento atraiuespecialmente os compositores mais ativos para este campoinexplorado, muito também pela saturação da música européia,especialmente a música alemã, que se impusera através daradiofonia.

Em plenos anos 30, inúmeros compositores permaneceram no campotradicional escrevendo sinfonias e concertos, sem incluírem em suascomposições os ares modernos da música atonal.

Somente os antigos mestres, já consagrados, como Rachmaninov,Sibelius, Shostakovich e Stravinsky mantiveram sua forma tradicionalem composições novas, preservando seu repertório.Entre a tradição e o vanguardismo, toda uma geração decompositores, dos anos 10 aos 20, não sabia se explorar os rumosmusicais de Schoenberg e seus discípulos ou se seguir os mestres.

Por força do comércio fonográfico que tornou elitizado o consumo damúsica erudita ao enfatizar o desenvolvimento explosivo da músicapopular, cantada nos musicais, a preferência do público acabava porrecair ou numa sinfonia de Beethoven ou numa dissonante peça deWebern.

Os conservadores voltavam-se para o tradicionalismo e os modernospara as vanguardas. Muitos compositores, sem saída, deixavam atéde compor pelas imposições do mercado. Para estes, quetrabalhavam numa linha conservadora, o advento do som no cinema

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foi providencial pois toda a tradição de música programática era maispropícia para a sedimentação da trilha sonora cinematográfica.

Filmes exibidos sem orquestra ou pianistas, a princípio peloVitaphone, foram aperfeiçoados pelo sistema Movietone que imprimiao som na própria película e acabava com o problema do chiado e odas falhas no sincronismo.

O principal problema agora era de ordem estética. Onde incluir o som,a voz e a música numa narrativa já estabelecida pela imagem?

Uma lenta evolução fez com que o cinema encontrasse as formas deutilização apropriadas, para cada tipo de narrativa.

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CAPÍTULO IV

Desenvolvimento da linguagem

... “o caráter mecânico da operação fílmica básica ( a duplicaçãofotográfica e fonográfica ) tem como conseqüência integrar no produtofinal pedaços de significação cuja estrutura interna permaneça a-fílmica e obedece a paradigmas amplamente culturais.” Cristian Metz

Desde 1646 a idéia da imagem em movimento remete ao ilusionismo.Em 1736 Musschenbroek montou um mecanismo que modificava umaparte da imagem durante sua projeção luminosa e viajou toda aEuropa com o seu Teatro Mágico que se tornou um entretenimentopopular, em meados do século XVIII.O divertimento popular vem da fascinação pela luz, por truques,mágicas e invenções. A supremacia da imagem sobre o som tem suasorigens na animação, e desde a paixão do século XIX pelas invençõese pela ciência.De 1794 à 1797 Liege implementou seu misterioso “Fantasmagorie”transformado em show de efeitos, em espetáculo permanente.Em 1892 inaugura-se o Teatro Ótico, no museu de cera de Paris eÉmile Reynauld exibe suas Pantomimas Luminosas. E, a partir destasprimeiras seqüências com conteúdo dramático, a música é associadaà imagem, com efeitos sonoros. De 1892 à 1900 meio milhão deespectadores assistiram às quase treze mil exibições do Teatro Óptico– um recorde para a época.Émile Reynauld foi pioneiro em filmes coloridos de animação, comhistórias completas, música e efeitos sonoros sincronizados.

O ser humano, com sua veia artística, cria fábulas, gosta de fingir queas ficções são verdadeiras mesmo quando sabe que não o são. Amesma era que aperfeiçoou a técnica da perspectiva e todo oilusionismo do século XIX, trouxe também mistificações e idealizações.

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A popularidade inicial do cinema deve-se a sua impressão derealidade, fonte de poder, e ao fato de que o espectador se deliciavacom a verossimilhança, com a capacidade de se reproduzirmecanicamente uma imagem correspondente à percepção do olhohumano.

O fascínio com a precisão de representar o que é análogo, conferia àfotografia um poder de testemunha infalível das “coisas como elassão”, herança do ilusionismo – já abandonado pelos impressionistas,pelos simbolistas do teatro e por romancistas como Joyce e Woolf.

Mas era o documentário que dava inicio ao cinema. O realismo e oanti-realismo sempre estiveram contidos na linguagem do cinema,desde os primórdios – das próprias origens da fotografia, que sedeleitava em transformar a realidade em vez de apenas imitá-la.

Já em 1843, os daguerreotipistas renunciavam à representação fiel,passando a utilizar o foco “doce” e os efeitos da pintura – antecipandoa vocação da imagem cinematográfica em explorar o podersignificante do filme e não às aparências convencionais.

Narrar é tomar como base uma idéia e expressa-la através de veículosarbitrários, da escolha do autor.

A função primordial que, por exemplo, uma peça de Sakespeareatribui à imaginação, tanto para assisti-la quanto para fazê-la,alimenta-se da dialética entre a imitação realista e o artifício reflexivo,que o cinema herda – pois a arte da representação, sem essaimaginação, perde toda a força.

É o próprio espectador que transforma as representações verbais e asimagens filmicas numa “história”.

Arte e espiritualidade eram conceitos que se interligavam quando sefalava do cinema “mudo” no início do século XX. Cineastas, críticos eteóricos confiavam na expressão genuína de suas idéias tomando apossibilidade técnica como fonte eficaz de inspiração que a linguagemvisual desenvolvia enquanto representação artística. O cinemaincorporou o código da perspectiva descoberto pelos pintores daRenascença italiana ao aparato reprodutivo da câmera. O pressuposto

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básico da arte mimética é o de que existe uma realidade anterior sobrea qual a obra de arte deve ser modelada.

Refletir sobre a natureza do gênero em si é tornar-se consciente dosmeios pelos quais a “realidade” é mediatizada através da arte. O que oartista imita não é a Natureza e sim outros discursos artísticos: pinta,escreve ou filma porque viu quadros, leu, ou assistiu filmes.

O cinema é uma linguagem composta pela virtude de suas diversasmatérias de expressão: a seqüência fotográfica, a música, o somfonético, o ruído, além da herança de todas as formas de arte a elasassociadas. Definições famosas que associam o cinema às artescomo : “música da luz”, Abel Gance, “escultura em movimento”,Vachel Lindsay, ou “arquitetura em movimento”, Elie Faure, focalizamalgumas potencialidades fílmicas – mas transformam-nas emmetáforas de uma suposta “essência do cinema” que logo é re-apropriada pelos mais diversos meios de comunicação.

Cineastas, assim como romancistas, sentem-se obrigados a definir edemarcar territórios para a passagem de novos gêneros.

A principal corrente do cinema de ficção estabeleceu a tendência demodelar suas convenções temporais no romance tradicional –omitindo os tempos mortos com elipses narrativas suavizadas pordissolvência e fades.

A conjuntura que antecede a guerra de 1914 é o momento chave dasistematização modelar da linguagem, nos filmes de Griffth – pioneirona estruturação cinematográfica. Ou seja, mesmo antes da apariçãodo som sincronizado, o cinema clássico já estava sendo estabelecidona imagem, formando o público para um produto específico.

Mas, enquanto a arte ilusionista procurava causar a impressão decoerência espaço-temporal, pode-se considerar – numa brevepesquisa sobre o que se poderia chamar de tradição auto-reflexiva –alguns exemplos que chamam a atenção, justamente, por mostraremo artifício utilizado para alcançar o propósito essencial de um cinemaantiilusionista – o humor.Num filme de Edwin Porter, de 1902, é mostrada a ingenuidade doespectador que confunde o filme com a realidade ao assistir um trecho

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do Blak Diamond Express, (filme de Edison, de 1896), se esquiva daimagem. Em The Kid Auto Races at Venice, 1913, de Mack Sennett,Chaplin sem querer, atrapalha a filmagem de um documentáriosentando-se na frente da câmera. E até os truques mecânicosutilizados nas seqüências de perseguição são mostrados, ainda em1924.

A paródia dos costumes da época, amplamente conhecidas nos filmesde Charlie Chaplin, eram também a marca registrada dos filmes deBuster Keaton que, por exemplo, ao ver um de seus contendoresdesarmado, prestes a abandonar a briga, entrega-lhe uma faca paraobter melhor efeito em sua filmagem, interferindo diretamente nanarrativa.A “verdade” documental é desmistificada usando, inclusive os “erros”de maneira criativa.

Então, o que se vê de um lado é uma narrativa formal baseada naestrutura do romance. E, de outro, o cinema auto-reflexivo oriundo dasrepresentações populares, calcado no humor.

O processo de aperfeiçoamento do sistema consagrado por Griffth eseus seguidores estende-se pela década de 20. Mas dá um salto coma chegada do som.A partir de 26, o filme “mudo” envereda pelo caminho que conduziria aum desenvolvimento ainda maior da linguagem.O progresso da técnica do enquadramento e da montagem superava aobjetividade primitiva das primeiras tentativas. Acreditava-se que ocinema estava prestes a estruturar um diferencial psicológico, umaforça espiritual e criadora que nenhuma outra arte alcançara até então.Mas a chegada do som marca um novo início a meio caminho.

Toda aquela civilização da expressão visual é ameaçada por estanova técnica – ainda não desenvolvida – que ocasionou umaretroação na forma de trabalhar e que afetou também o conteúdoexpressivo.Esta nova via que interrompeu a velha provocou a crise quecaracteriza as grandes descobertas – como a aparição da primeiramáquina fotográfica também pode ter parecido uma intromissãodesprovida de alma e espiritualidade – mas foi assimilada e

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transformada em extensão orgânica através do domínio de suaspossibilidades criativas.

Haviam diversas propostas de utilização do som. Desde 1928, omanifesto de Eisenstein, Pudovkin e Alexandrov – já apontava aslimitações da narrativa clássica estabelecida por Griffith. Inúmeroscineastas e críticos expressavam sua oposição ao princípio do somsincronizado – princípio necessário ao aperfeiçoamento do métodoclássico, pois tornar audível o que já está sendo visto era torná-lo maisconvincente; manipular o som ambiente confere mais espessura ecorporeidade à imagem e aumenta seu poder ilusório.

O espectador de um filme deve suprir a terceira dimensão, “imaginar”que não existe a delimitação do quadro, e “reconstruir” ou apagarmentalmente as imperfeições técnicas que perturbem a apreensão doque é representado preenchendo a analogia mínima que vincula aimagem fílmica à realidade objetiva.Além de que, a ressonância de efeitos fornecida pela trilha musical –que, no cinema “mudo”, tinha como base a presença da orquestra nasala de projeção – teve suas possibilidades muitíssimo ampliadas: apeça musical, a entrada, a saída, as modulações e todos os detalhespassaram a ser totalmente controlados pelos realizadores do filme,para causar a impressão de uma coerência espaço-temporal.

O advento do cinema sonoro, em verdade, foi lamentado pordiferentes estetas. Mas constituiu um passo decisivo no refinamentode um sistema de linguagem. É que este sistema, assim desenvolvido,privilegia o ilusionismo e a identificação como norma de produçãoindustrial.

O som sincronizado estabelecia a colocação das palavras e ruídos nomomento em que vemos a fonte emissora, produzindo umacorrespondência – aceita como natural – entre som e imagem.

Entre 1908 e 1914, o cinema, em sua acepção mais abstrata, perde aimportância para o cinema comercial – considerado, então, particular -da narrativa clássica.De mais a mais, determinadas “descobertas“ do começo do séculoforam fundamentais justamente por apresentarem certas relações deestrutura. Os padrões impostos à utilização destas relações é que

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vieram compor, ao longo do tempo, junto com a imprensa, o rádio e atv, o complexo da indústria cultural do qual o cinema é o carro-chefe.

O som era utilizado de duas maneiras: como elemento climático – oque daria emprego aos compositores eruditos, e como foco de ação –nos musicais que expandiam a indústria norte-americana, nos quais amúsica conduzia a narrativa.

E, como elemento climático, o som foi crucial para o desenvolvimentoda narrativa cinematográfica.

Logo após os primeiros filmes dos Lumière, Alfred Jarry, lançara, comseu teatro, o embrião da hostilidade à história e à narrativa para osadmiradores apaixonados de seu trabalho artístico – os surrealistas.O cinema nascente adquire um caráter de modernidade tal que osurrealismo o abraça como instrumento de excelência contra asconvenções sociais e artísticas das classes dominantes.Jarry fizera a denúncia das peças “bem feitas” enquanto Buñuelinvestia contra o sentimentalismo da narrativa clássica naturalista.Chien Andalou, em 1929 e L’Âge D’Or, em 1930, revolucionaram ocinema satirizando as estratégias temporais dos filmes de ficçãoconvencionais. Os surrealistas e os dadaistas foram os primeiros aexplorar sistematicamente as técnicas aleatórias na criação artística.

A arte antiilusionista procura ressaltar as ligaduras do tecido narrativo.Com o modernismo a descontinuidade ganhou um caráter filosófico,programático e de certa forma hostil, talvez porque os surrealistas

deixassem que as descontinuidades da psique se descarregassem emsuas produções artísticas. Embora a música no cinema surrealista, demodo geral, fosse, fundamentalmente, de apoio ao clima onírico edramático das cenas.

O romance literário é uma espécie de miragem que a estrutura daspalavras define, em termos de realismo. No cinema o realismo édiferente do romance. O cineasta não pode prescindir do modelo.A realidade pró-fílmica pode ser encenada, arrumada, mediatizada portodos os códigos da fotografia: quadro, ângulo, distância focal, etc.Além de que as imagens são montadas num discurso que pode não

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ter qualquer conexão com “o que aconteceu”. Assim como a sincroniaestabelecida pela direção musical dará à trilha a ênfase desejada.

Imagem e som são elementos integrantes de mesmo nível. O som nãoé simplesmente um acessório da imagem. Então, é preciso falar deimagem, da sistematização técnica que definiu os padrões vigentes,para se falar de trilha.

Sobre decupagem – que é a decomposição das cenas em planosdurante a confecção do roteiro – acrescenta-se a palavra montagem –como pressuposto de suma importância e no qual o som é enfatizadopor sua correspondência à construção efetiva de um tempo e espaçopeculiares ao cinema. A dimensão sonora que a decupagem e amontagem passam a ter traz uma infinidade de novos recursos, aolado de novos problemas.

As vantagens excepcionais em termos da decupagem clássica pelasinúmeras possibilidades de combinação – mesmo dentro dos limitesdo princípio do sincronismo som / imagem – para a construção doespaço “natural” das cenas é fator decisivo, por exemplo, de definiçãoclara do espaço que se estende além dos limites do quadro.A descontinuidade visual encontra coesão numa continuidade sonoraque indica que a seqüência se passa no mesmo ambiente; nosmomentos de transição ou saltos de um espaço para outro, em que amanipulação do som é um recurso básico de preparação eenvolvimento; além de certos assincronismos especiais - compatíveiscom os objetivos gerais dominantes.

A utilização de som ambiente, a escolha dos instrumentos adequados,tudo na música está relacionado.Porque, em suma, o sistema de procedimentos que constituiu adecupagem clássica foi amplamente identificado com a verdadeiraconquista da especificidade cinematográfica. Décadas de cinemaficaram marcadas pelo predomínio absoluto deste método de narraçãoem escala mundial – enquanto produção da indústria norte americana.O filme sonoro parece ter levado o cinema a ser mais realista. Mas,como resultado, o estilo dominante em Hollywood passou a parecer-secom o estilo da ficção realista ou do teatro naturalista do século XIX.

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Duas exceções genéricas dentro do universo geral do realismodramático são o musical e o desenho animado, que se definem pordois elementos: música e dança. O musical com uma tendência maiorao artifício auto-reflexivo que os demais gêneros.

A música não aparece como arte da representação e a dança é umaestilização abstrata do movimento, então, desde que se constituamcomo centro do espetáculo o público terá mais propensão em aceitaros cenários exóticos, os personagens esteriotipados e as tramasartificiais – tudo através da trilha. É a orquestração do cotidianoatravés de uma fantasia coreografada onde a natureza do gêneromusical permite apresentações grandiosas, impossíveis, deimprovável extravagância, com efeitos visuais caleidoscópicos, comonos filmes de Busby Berkeley.

Os musicais da década de 50 chegam a ser comparáveis à ópera –cuja ação também se desenrola em função da música. A concepçãogeral do próprio argumento destes musicais tem na derivação maispopular da ópera – a opereta – sua maior influência musical.

Cantando na Chuva, de 52, é considerado a obra-prima dos musicaisauto-reflexivos. Ao estudar a era de transição que levou Hollywood dofilme mudo ao filme sonoro, Kelly e Donen exploram a ambientaçãodos estúdios da MGM.Desmistificando o esquema do estrelato, o personagem conta, natrilha sonora, a seus fãs sua ascensão gloriosa e fascinante àcategoria de astro enquanto a imagem exibe os fatos reais e sórdidos.

A trilha também referencia os filmes mudos e critica a incompetênciatécnica dos primeiros filmes falados.Evidenciando alguns problemas do som sincronizado mostra atoresamontoados em torno de alguns poucos microfones escondidos emarbustos. E, a certa altura, a sincronização incompetente coloca umavoz masculina numa jovem, evocando de maneira satírica os filmes de23, em som direto, das revistas de diversão.

O desenho animado, quando o clima geral era favorável ao realismodramático, fez a opção pela fantasia. Para satisfazer as própriasexigências do gênero, o artista tem que ser anti-realista e, sobretudoter liberdade para criar.

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É como se o espírito livre da comédia dos filmes mudos tivesseressurgido no desenho animado: Chuck Jones aperfeiçoou sua técnicaestudando os movimentos de Keaton e Chaplin.

Walt Disney tomou como seu ideal o “impossível plausível” que seconfirma nos poderes de seus personagens e na elasticidade mágicade sua narrativa. A versão da Sinfonia Pastoral de Beethoven, emFantasia, é um exemplo de maestria da equipe Disney quando sepropõe a traduzir sentimentos da vida campestre numa linha narrativade harmonia perfeita para o espírito da obra, passando de umambiente à outro, ampliando a significação de formas já existentes.

Um ensaio por demonstração sobre a natureza do artifício naanimação – e também no filme – é Duck Amuck, quando concentrasua atenção no quadro – uma das convenções básicas do cinema.

O cenário muda e o personagem persegue a cena e as linhas quedelimitam a tela desabam numa seqüência frenética. Os mecanismosde sincronização do som também são ressaltados quando Daffydedilha uma guitarra. Faz um sinal, pois não ouve o som e pede: “-Som, por favor” e toca novamente. Mas é o som de uma metralhadoraque ecoa . Quando tenta reclamar, é o canto de um galo que sai desua boca. Tenta novamente e só tem o som de pássaros. Exasperado,suplica: “ – Quem é o responsável por isso? Exijo sua presença!”.

A auto-reflexividade lúdica, entretanto, representa um nível bastanteprimário, relativamente superficial da desmistificação, somenteressaltando artifícios. A cada autor cabe utilizar os recursosdisponíveis para seus fins, de acordo com as contingências estruturaisde cada produção em especial .

A música popular nas trilhas sonoras só aparece – sem o climadestacado por uma partitura orquestral – nos anos 60, o que nuncatinha acontecido antes.A música passa a ter funções adjacentes, e então surgem oscompositores “populares”. É o período em que o espectador saicantando o tema de Burt Bacharach, Lalo Schifrin e Henry Mancini,que aos poucos tomam o lugar da música sinfônica.

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Os anos 70 trouxeram os musicais como Hair, Jesus Christ Superstar,que não somavam novidades, a não ser, é claro a música pop e o rockpontuando a ação do filme.

Daí por diante estes dois estilos foram explorados em todas as suasvertentes, adentrando os anos 80, em climas subjacentes, de diversasmaneiras.

Somente mais tarde a partitura orquestral – agora acrescida do temado filme – era devolvida à narrativa do cinema em filmes comoAmadeus e ET, por exemplo, o que perdura com pouquíssimasexceções.

A coexistência de gêneros musicais acompanha as necessidadesestéticas de cada produção. E são inúmeros os exemplos dediferenças estilísticas que se estabeleceram até a atualidade.

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CAPÍTULO V

Banda à Parte: Duas Presenças Importantes

Godard e a Nouvelle Vague

É, também no período de 50 à 70, que emergem os movimentos nosquais a estética politizada incorpora novamente a descontinuidadepara provocar o espectador e despertar sua inteligência crítica.

O antiilusionismo de Brecht agora faz repercutir suas idéias na teoria ena prática cinematográfica influenciando os filmes da Nouvelle Vague– movimento encabeçado por Jean-Luc Godard. O filme de ficção, queprecisava de uma unidade mais longa que o plano e mais curta que opróprio filme, criou a seqüência. Toda a carreira de Godard é umarevolta sistemática contra a tirania da seqüência por constatar que osautores costumam criar histórias em que sua relação com o próprioespectador é mais importante que a história em si. Então subverte: emvez de oferecer ao público uma narrativa linear e contínua confronta-ocom uma proliferação de histórias que se multiplicam.

Valendo-se da crítica: da ficção do romance, do teatro e do própriocinema, bem como de nossa credulidade, Godard realiza novasficções antiilusionistas. Combinando ou confrontando os gêneros,subvertendo premissas, provoca uma colisão de linguagens econvenções.

O processo criativo, nestes movimentos tão representativos, advémexatamente do conflito entre o desejo de criar uma ilusão – pois oscineastas que os representam possuem todos os meios para seduzir opúblico – e a decisão consciente de destruí-la. A paródia é um meio deutilizar-se da própria cultura de forma crítica e ao mesmo tempoeliminar determinadas formas.

Em Acossado, Godard parodia os filmes de gangsters; em UmaMulher É Uma Mulher, os musicais.Em Made In USA, evoca os surrealistas estruturando diálogosestapafúrdios que agridem o espectador por violar suas expectativasde coerência, mas que conferem também um sentimento de libertação

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sobre o confinamento inibidor da lógica e da gramática, sentimentoque acompanha o triunfo lúdico.

O tratamento distanciado, as vezes cômico, com que a violência éabordada nos filmes da Nouvelle Vague, se origina na tradiçãovanguardista do teatro de Jarry e na comédia pastelão, com crimesirreverentes, praticados com indiferença, num tom ultrajante.

A experimentação que Godard faz com as vozes – de um tomconstante e frio, em quaisquer circunstâncias – é um prolongamentodo teatro de vanguarda que distorce-as ou aliena-as dissociando-as domomento dramático, da personalidade e do caráter do personagem.

Em Les Carabiniers a idéia é fazer da guerra algo tão simples quequalquer criança entenda. Basicamente o filme mostra a guerra comoum mero pretexto para a pilhagem além de desmistificar a guerra emsi, o filme de guerra e até o próprio filme antiguerra. As contradiçõesentre as formas patrióticas embelezadas da guerra e as realidadessombrias que costumam mascarar são, justamente, realçadas porcontrapontos entre som e imagem.Não oferece grandes batalhas aos que anseiam por espetáculo; nemjogos estratégicos ou ilusórios aos fascinados, e tão pouco acamaradagem masculina e demais gratificações que o gênerocostuma oferecer.

É através da trilha sonora e de material de arquivo que a guerra éevocada, não como convencionalmente e sim para destruir porcompleto a impressão realista.

Glauber e o Cinema Novo

Terra em Transe, por exemplo, é um filme que apresenta um mundode ruptura e descontinuidade que obriga o espectador a reconstruir asrelações espaciais e temporais e onde sobretudo a violência éfragmentada pela montagem. Os ruídos nunca são coordenados comas armas que aparecem em cena. Onde há pistolas ouve-semetralhadoras. Em outro momento, ouve-se metralhadoras mas nãose vê nada.Uma trilha sonora autônoma e descontínua mina o realismo quandoefetua, inclusive, contradições entre a escala visual e a escala

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auditiva; quando elimina a trilha sonora deixando um silêncioperturbador.

E a mesma autonomia da trilha se encontra também no trabalho decâmera que, em geral, não acompanha diretamente a ação, semovimenta de maneira coreografada, geométrica, cria contradiçõescom os movimentos dos personagens. Essa visibilidade do trabalho decâmera chega ao extremo de incluir o próprio equipamento em cena.

A ópera é o estilo musical escolhido por Glauber para trilha de Terraem Transe: Verdi e Carlos Gomes, com O Guarani, evocando umpatriotismo estridente do populismo cultural, de uma certa época,ironizando as grandes pretensões do personagem central.

A ópera enfatiza também a linguagem exaltada e estilizada pelosmovimentos, além de que os personagens se comunicam através dapoesia como se fosse natural, como na ópera. Ao contrário deenvolver o espectador, o filme o transforma num observador críticodos personagens.

É a forma anti-realista de retratar a violência, de acordo com o desejoexpresso por Glauber Rocha de “refletir sobre a violência, em vez defazer dela um espetáculo”.

E hoje o que temos é o grande espetáculo da guerra “ao vivo”, quepouco ou nada fica a dever às grandes produções naturalistas queainda enchem as telas mundiais.

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CONCLUSÃO

A Trilha Sonora – Material de Análise

As linhas de pesquisa que compõe o projeto O Cinema e a TrilhaSonora correspondem aos diferentes pontos de vista dentro doenfoque particular da interdisciplinaridade adotada em análises eexperimentações de imagem e de som, por enfocar questões relativasàs linguagens, as técnicas e por levar em conta o contexto sócio-histórico de sua produção, como foi dito anteriormente.

A contribuição da formação musical e cinematográfica dos trilheiros -enquanto músicos de cinema, responsáveis pela criação de todas asmúsicas pontuativas, incidentais e temáticas a serem colocadas natrilha sonora que acompanha as imagens de um filme - insere-se narealização das trilhas, em termos de qualidade da linguagem.

Para analisar questões de conteúdos - musicais e cinematográficos -relacionando-as, é necessário trazer a tona a importância dos recursosexpressivos - da integração eficiente - da trilha sonora com relação àformação tanto do profissional da área de cinema quanto da área demúsica em cada diferente tipo de projeto.

Em entrevista à GloboNews, em maio de 2001, David Tygel explicaum pouco de seu processo de trabalho a partir da imagem que vêrepetidas vezes, num prazo determinado, quando é tomado pelanecessidade de dar uma resposta musical a cada acontecimento dofilme, pressuposto de sua composição.

Cada estrutura de produção seria, também, determinante à criação decada trilha.Em “A Cor de Seu Destino” David Tygel fez e refez a trilha até que ostemas se acoplassem ao que desejava o diretor Jorge Duran que,embora achasse a música excepcional, queria um clima específicopara sua obra a culminar num árduo trabalho – de resultadosexcelentes.

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Música, mais que recurso dramático, seria ferramenta de linguagem aintegrar compositor e diretor no trabalho final.

Parcerias reconhecidas como Maurice Jarre e David Leaninfluenciaram muitos de nossos autores. O grupo Popol Vuh e o diretorWerner Herzog; Peer Raben e Fassbinder; Nino Rota e Fellini;Georges Delerue e Truffaut; Ennio Morricone e Sérgio Leone; JohnWilliams e Spielberg são parcerias notáveis a serem citadas, comdestaque para a consagrada dupla Bernard Herrmann e Hitchcock,dentre tantas mais.

Que conjunturas levariam a determinação de estilos e gêneros?

É inegável a capacidade criadora, a resistência formal que encontrabrechas, porque põe a força da imaginação a serviço da sensibilidade,porque trabalha objetivando mobilizar o público através doenriquecimento da expressão artística ao veicular idéias e emoções,dentre outras virtudes, e contingências.

Bernard Herrmann, que já marca estréia com Orson Welles em“Cidadão Kane”, é dos mais admirados por seu estilo.

Responsável por trilhas de ficção científica (“O Dia Em Que a TerraParou” e “Fahrenheit 451”, por exemplo), ação e aventura (como“Viagem Ao Centro Da Terra”), dedicou-se ao suspense de Hitchcock,para quem compôs oito trilhas, a destacar-se “Um Corpo Que Cai” e“Psicose”.

Brian de Palma e Martin Scorsese também convidaram Hermann paraseus: “Irmãs Diabólicas”, “Trágica Obsessão” e “Taxi Driver”,respectivamente, o que realça sua versatilidade, demarcandotendências. Sua influência é patente sobre o trabalho de diversoscompositores.

David Tygel, em sua entrevista, reconhece esta influência, bem comoa de todo e qualquer trabalho de qualidade, destacando que BernardHerrmann, revolucionou a história da relação música-imagem porinserir temas narrativos relacionados à psicologia de cadapersonagem – uma narrativa psicológica nem sempre ligada à ação do

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filme e sim à forma pela qual os personagens estão envolvidos com aação.

Herrmann também liberou o cinema das grandes melodias-temasconsumidas pelo público, estabelecendo a atuação da trilha comoelemento fundamental da linguagem dramática através dasincronização de música e imagem.

Se há uma forma consagrada – cujas origens já foram aventadasacima – em que a função dos temas musicais acompanha os váriospersonagens, bem como as situações vividas pelo personagemprincipal, o compositor possui inúmeros recursos que usará a serviçodo tipo de produção na qual se envolver, podendo, inclusive, parodiaroutros temas já utilizados fazendo referências expressivas, além decriar temas especialmente para o filme.

O diretor musical, em geral, convida os músicos ou grupos musicaisque escolhe para enriquecer o conjunto da obra, da mesma forma queo diretor do filme elege o compositor, pela sonoridade de suascomposições, por seu trabalho artístico e pelas afinidades queencontra com o roteiro a ser filmado.

David Tygel, com seus mais de vinte longas, dedica-se atualmente àproduções musicais nas áreas de cinema, tv e vídeo. E, dentre suastrilhas de destaque estão as dos filmes do diretor com o qual se afinade forma exemplar: Sérgio Rezende, com quem realizou “O Homemda Capa Preta” e “Lamarca”.“Quem Matou Pixote”, de José Joffily também estão na lista dosmelhores. “Leila Diniz” e “For All, O Trampolim da Vitória” de LuisCarlos Lacerda também levam a marca de suas composições.Mas, “Quase Nada” é a trilha - sugerida pelo próprio autor - paraexemplificar a utilização do som como recurso, com linguagem própria.

Há diversos princípios, inúmeros instrumentos, e condutas válidaspara se analisar um filme. A definição do contexto e do produto final éque se torna indispensável ao enquadramento da análise – o que foiestabelecido desde a introdução deste trabalho.

Além de que, a análise acompanha o trabalho de criação dos filmes, oque atestam os textos e as entrevistas de cineastas como Eisenstein,

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Hitchcock, Fritz Lang, Bergman ou Truffaut integrando-se igualmenteao processo de recepção, em nome de críticos e teóricos comoDelluca, André Basin, Christhian Metz, dentre tantos constantes nabibliografia sugerida – ao final do que se segue.

Analisar um filme não é revê-lo simplesmente e sim examiná-lotecnicamente pois desmontá-lo é estender seu registro perceptivo eusufruir sua riqueza expressiva, quando a escolha do material tem porbase a qualidade artística. A análise trabalha o filme no sentido emque ela faz com que suas significações e seus impactos se movam,além de que trabalha também o analista pondo em questão suasprimeiras percepções e impressões, fazendo com que ele reconsideresuas hipóteses ou opções.

E a opção da autora, neste trabalho, voltou-se à descrição detalhadade alguns trechos narrativos na tentativa de fornecer uma leitura críticamenos esquemática que ilustrativa, cuja leveza é inspirada pelopróprio filme.

Ouvindo com atenção:

Sérgio Rezende escolheu David Tygel para compor a Musica e fazer aDireção Musical da trilha de Quase Nada, reafirmando a sintonia dadupla. A riqueza de nuances, a presteza em apurar com tantasensibilidade compondo harmoniosamente som e imagem situam oobservador bem no cerne da linguagem.

Créditos iniciais:

O contínuo do tom que inicia os créditos chama a atenção e já traz osdetalhes que envolvem aclimatando o olhar.

A sincronização exibe, em tom e intensidade, cada elemento fílmicoinformando da importância e do critério técnico presentes na imagem -intercalada de letreiro e pequenas seqüências que a trilha encaminhaenquanto elementos que se fundem. Pois cada som vai compondo oconjunto.

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E, assim sendo, da imagem do centro de uma rosa exposta numbuquê à venda na Lagoa, zona sul do Rio – um só instrumento – nosdistanciamos - plano a plano, vista aérea.

A entrada das flautas, cordas e teclados, cítara e a parcimoniosapercussão nos introduz na trama, antes do começo, e, ao mesmotempo nos afasta do ponto onde estamos, dando todo o espaço àleitura proposta.

E os tons que se somam, compõe e encaminham – sobrevoamprédios, num plano geral – com todo o arranjo musical fluindo ecarregando a imagem mais pra longe da cidade, dando destaque aoscréditos: Fotografia e Câmera – entra a percussão após as cordas – jáno auge, que define a qualidade musical, como um resumo destadescrição.

Os créditos de Música e Produção Executiva – sublinhados pela cítara– completam a harmonia e a intensidade.Um leve tilintar atrai para a leitura: Sérgio Rezende – Roteiro eDireção.

E o plano da mata, rio sinuoso, vista aérea, situa o espaço em que sepassa a ação. É a sincronização que atua, apresenta a equipe,valoriza toda a forma – e o Som Direto – envolto em tons de pássaros,insetos, ruídos diversos que adornam as falas das primeiras cenas –som exterior.

Pronto, o espectador está ali junto atento, dentro do filme. Na primeirahistória: a música se esvai em fade. E tudo o mais se passa como se,no entanto, não houvesse mais nenhuma trilha. E é aí mesmo que oartista atua pontuando cada sentimento sem que percebamos. Ruídosde sala, ambientes e encaminhamentos compostos com toques demestre.

Diálogos claros, diretos, sem fundo de música, exigem maior atençãoà expressão dos atores, aos gestos, olhares que são mesmo o centrodas informações.

Num intervalo de hesitação da conversa do pai com o filho – ouve-se,por trás da cena, passar um avião – e atenção! Não se vê o avião. É a

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audição do público que capta o som em momentos precisos, longe, nacidade, onde estamos – é a trilha situando a posição do espectadorouvinte?...

Um rádio ligado, o futebol ao fundo, o motor dos veículos, esporas,trotes, tudo vem somar sem alterar na imagem o que percebemos.E a música, o tema, retorna somente no auge da briga – com umtrecho que dá seguimento ao som dos insetos na noite quieta, após adiscussão.

É essa seqüência que desperta o gênio. Pois, mais que o sentido quese dá ao gesto, há a criação do imaginário expresso de tal formaimplícito – como medo e morte – que nos compromete a refletir aprópria sensação do personagem que se expõe e que nos oferece suaidentidade, tão próxima e agreste num som que não há, e que não ésilêncio.

A morte é posta no silêncio, na imagem de peças de um dominórespingadas, no chão.

É tanta a densidade, a dramaticidade interna da seqüência que atocaia dupla afeta os personagens, e tão sem artifícios a imagemproposta, tão simplificada e justa, que os atores surgem, assustados,de seus personagens e escutam algo que não é real: é a trilha, oimaginário, a arte musical que capta o momento, o pressentir, o fato. Adesconfiança, o medo na noite, a premonição que os dois escutam empequenos gestos, a trilha apresenta: é o pré-sentimento, o som que osassusta, pequeno, junto com os insetos, mas que é o som comum dodesfecho da história que ambos pressentem, e o público não!

Esta mesma trilha que nos mete inteiros trama e nos dá tempo, noseleva aos céus com as imagens – instrumentos de corda.

E a visão dos ícones da morte, na manhã seguinte é com toda afamília, que se surpreende. É tema musical tão eloqüente que sómesmo o corte de um motor de carro pra mudar a ação.

A segunda história, que entrelaça o fio de uma narrativa que segueseu curso, estende o pensamento num ritmo lento.

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Mugidos, passadas, leite nos galões, diálogos diretos, tudo intercaladonum tempo correto pra dizer, do mais discreto, o que fala, mas semque escapemos de um afastamento trazido pelos aviões – quepassando de novo lembram do começo – som que traz imagem, sóplanos aéreos, do imaginário e que só são vistos na apresentação.Novos temas são propostos progressivamente. O som imaginárioagora toma corpo, é personagem visto. E o protagonista em seuassombramento, que o incomoda mais que a violência de não ter oque fazer com o medo e a dependência, exposto ao escapismo lento –e o som direto e os ruídos do vento leve, incomum, mesclado à trilha,aos insetos – e o avião que passa, em som, inexplicavelmente.

Latidos, relinchos, galopes, esporas, porteiras que rangem compõesugestões. E, volta e retorna, o estranho som do medo, imperceptível,assim suavemente.

Outros personagens, outros temas, climas que acompanham osprocedimentos e, novamente parece que a trilha está ausente, masestá ali, interna. E, nessa altura, é o espectador que escuta o que estavendo, tudo num crescendo que leva ao desfecho do enredo – que,desta vez, não é nenhum segredo.

E, para deixar bem claro tudo o que se presa, a terceira história vemcom seu desfecho, conta de memória intercalando fatos sem rodeiosnem promessas – seca, e rodeada de tanta beleza.

Num campo, no meio do verde, o vale com neblina – e violinos. Deonde vem as rosas nasce a trama, que termina urbana. Voltamos àrosa com seu tema.

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Um ouvir atento e abrangente, percebe nuances de partitura. E umenvolvimento com a própria linguagem amplia canais de criação,modifica a postura, e tudo o mais que atue.

Tempo de mudanças – tempo urgente. Mudança no modo de abordaros fatos, os padrões, as vozes que ditam, determinam formas, mudarnosso ouvir. Que há sempre tanto a aprender.

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Analisar é exercício de aprofundamento, orientado, pesquisado , parabons resultados!

Sobre leituras:

A seleção de bibliografia relativa às cadeiras de Didática; Metodologiada Pesquisa; Políticas Educacionais; Dinâmica de Grupo;Fundamentos Biológicos da Educação e Fundamentos Psicológicos daEducação do Curso da UCAM torna-se instrumento fundamental àorientação da abordagem analítica, de acordo com a estrutura erecepção de cada turma universitária em seu contexto.

E, especificamente, trechos das obras citadas abaixo, dentre outros:

- www.mnemocine.com.br A TRILHA SONORA NO CINEMA porFilipe Salles, PUC/SP

- http://www.estado.com.br ENNIO MORRICONE, O SOM A SERVIÇO DA SENSIBILIDADE por Géraldine Liperoti, L’Express - www.cinescope.com.br CURSO DE SOM – SOM

- BALAZS, Bela. O Filme Sonoro / Poder Criador do Aparelho deReprodução Sonora / O Diálogo. In: Estética do Filme, 7ªARTE, Rio de Janeiro: Verbum. Título Original: Der Geist dasFilm, Berlim, 1931. p. 115-142.

BURCH, Noel. Sobre a Utilização Estrutural do Som. In: PráxisDo Cinema. Lisboa: Estampa, 1973. cap.3, p. 111-124

STEPHENSON, Ralph e DEBRIX, R. Jean. A Quinta Dimensão:Som. In: O Cinema Como Arte, Rio de Janeiro: Zaar, 1969. cap.VII, p.168-193.

AMENGUAL, Barthélemy. Conquista da Narrativa / No Rumo deUma Especificidade. In: Chaves Do Cinema, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1973. cap. 2e3, p. 30-51.

CARRIÈRE, Jean-Claude. Aparas. In: A Linguagem Secreta DoCinema, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 183-188.

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METZ, Cristian. O Cinema Moderno e a Narração. In: ASignificação no Cinema, São Paulo: EUSP-Perspectiva, 1972.Cap. III 6, p. 173-216.

XAVIER, Ismail. Introdução. In: O Discurso Cinematográfico; AOpacidade e a Transparência, Paz e Terra. p. 26-30.

XAVIER, Ismail. (Org.). O Prazer do Olhar e o Corpo da Voz: apsicanálise diante do filme clássico. Introdução. In: AExperiência do Cinema, Rio de Janeiro: Graal, 1983. p.355-357.

MULVEY, Laura. (1975) Prazer Visual e Cinema Narrativo. In: AExperiência Do Cinema, RJ: Graal. p.367-369.

COELHO, Raquel. A Arte da Animação, Belo Horizonte – MG:Formato Editorial, 2000.

DOANE, Ann Mary. (1980) A Voz no Cinema: A Articulação deCorpo e Espaço. In: A Experiência Do Cinema, RJ: Graal.p.369-371.

MAUERHOFER, Hugo. (1949) A Psicologia da ExperiênciaCinematográfica. In: XAVIER, Ismail. (Org.). A Experiência doCinema, RJ: Graal. p.375-380.

OMAR, Arthur. Cinema E Música; Cinema: Música ePensamento. In: XAVIER, Ismail (Org.). O Cinema No Século,Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.269-288.

VIEIRA, Luiz João. Cinema E Performance. In: XAVIER, Ismail(Org.). O Cinema No Século, RJ: Imago, 1996. p.337-351.

STAM, Robert. O Espetáculo Interrompido; Literatura ECinema De Desmistificação, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

VANOYE, Francis e GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio Sobre AAnálise Fílmica, São Paulo: Papirus. Título Original: PrécisD’analyse Filmique, Paris: Nathan, 1992.

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ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. A Indústria Cultural:O esclarecimento como mistificação das massas. In Dialética doEsclarecimento, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

BARTHES, Roland. Mitologias, São Paulo: Ed. Bretrand Brasil /DIFEL, 1989.

BAKTHIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem, SãoPaulo: Hucitec, 1979.

Aos professores do Curso de Docência Superior, com quemtanto aprendi neste período, meus agradecimentos.

M.V.A.

Outubro de 2001.