PRÁTICAS CORPORAIS · A construção da ideia base da fragmentação do tempo, do espaço, do...
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PRÁTICAS CORPORAIS
E EDUCAÇÃO FÍSICA os debates nos artigos do Grupo Corpo
(FACED/UFBA).
GRUPO CORPO:
Cotidiano, Resgate, Pesquisa e Orientação.
2
Grupo Corpo / Faculdade de Educação / Universidade Federal da Bahia
Salvador/BA
GRUPO CORPO –
Práticas Corporais e Educação Física: os debates nos artigos do Grupo Corpo
(FACED/UFBA). - 2ed. Salvador: Grupo Corpo, 2019, 98p.
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NOTA EXPLICATIVA
O Grupo “Corpo: Cotidiano, Resgate, Pesquisa e Orientação” está localizado
na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e entre as atividades
desenvolvidas estão: debates, produção de artigos, projetos científicos e de
extensão. Além destas ações o Grupo Corpo possui um blog em que discute
diversos temas relacionados à Educação Física e áreas correlatas. Em virtude disso
elaboramos este e-book com o intuito de apresentar os artigos que já foram
publicados ao longo de quase três anos. Vale ressaltar que os textos foram
elaborados com maior flexibilidade permitindo uma leitura mais fluente e estão todos
no endereço “www.gcorpo.wordpress.com.” disponíveis no link “artigos”.
O Grupo Corpo deseja boa leitura a todos e todas!
Grupo Corpo: Cotidiano, Resgate, Pesquisa e Orientação
Faculdade de Educação Universidade Federal da Bahia
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 6
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 8
LAZER: CONCEITOS E USOS SOCIAIS ................................................................. 10
LEITURAS SOBRE AS (RE)FORMULAÇÕES DE LAZER E DA SEMANA. ..................................... 11
PARA PENSAR SOBRE LAZER E UNIVERSIDADE… .................................................................. 13
A FORMAÇÃO NO CAMPO DO ESPORTE E LAZER. ................................................................ 15
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO PARA O LAZER. .............................................. 19
A CRIANÇA QUE NÃO BRINCA: Reflexos numa sociedade da produção. .............................. 22
AS FESTAS DE LARGO: CULTURA POPULAR E LAZER NA BAHIA. ........................................... 24
DELINEANDO OS LAÇOS ENTRE O LAZER, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: UM ESPAÇO PARA
CONSTRUÇÃO DO SER. .......................................................................................................... 27
AS AULAS DE GINÁSTICA EM ACADEMIA COMO UMA PRÁTICA DE LAZER. ......................... 30
HISTÓRIA DO ESPORTE, DAS PRÁTICAS CORPORAIS E DO LAZER. ..................... 33
PRÁTICAS CULTURAIS NA CAPITAL BAIANA: PRIMEIRAS IMPRESSÕES................................. 34
A INFLUÊNCIA DO JUDÔ NA FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO JIU-JITSU BRASILEIRO EM
SALVADOR. ............................................................................................................................ 39
MEMÓRIAS DO ESPORTE EM SERGIPE: O “GROUND ADOLPHO ROLLEMBERG”.................. 44
O INSTITUTO PONTE NOVA E SUA TRAJETÓRIA. ................................................................... 47
EDUCAÇÃO HIGIÊNICA E GINÁSTICA NO PROJETO DE MODERNIDADE DA BAHIA – SÉCULO
XIX. ........................................................................................................................................ 49
NAGIB MATNI NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA PARAENSE. ........................................... 51
A HISTÓRIA DO TAEKWON-DO NA BAHIA: relatos por Ary Alakija. ...................................... 54
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E OUTROS TEMAS .................................................... 59
AS INFLUÊNCIAS DOS SISTEMAS PADRONIZADOS NAS AULAS DE GINÁSTICA EM
ACADEMIA. ............................................................................................................................ 60
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: O DIREITO DE SER VOCÊ MESMO! .......................... 64
AS MULHERES E AS PRÁTICAS EQUESTRES. ......................................................................... 69
A GINÁSTICA CIRCENSE E SUAS POSSIBILIDADES. ................................................................. 73
INFLUÊNCIAS POLÍTICAS E COEXISTÊNCIA DOS SISTEMAS NO SUS. ..................................... 76
NO LUGAR DA FALA, A ESCUTA: PRIMEIRA TURMA DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UCSAL. ....... 79
A LUTA ANTIMANICOMIAL É TODO DIA! .............................................................................. 81
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EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS E ESTÉTICAS NOS FESTIVAIS DE DANÇA NA GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO FÍSICA. ................................................................................................................ 85
EDUCAÇÃO FÍSICA E DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO. .................................................. 89
DANÇA E EDUCAÇÃO ............................................................................................................. 92
A UTILIZAÇÃO DO LIAN GONG COMO TERAPÊUTICA NA ATENÇÃO BÁSICA EM CAMAÇARI-
BA. ......................................................................................................................................... 96
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APRESENTAÇÃO
Uma das marcas mais relevantes da consolidação recente dos Estudos do
Esporte – especialmente do campo acadêmico da História das Práticas Corporais,
mais usualmente conhecido como História do Esporte, da Educação Física e do
Lazer – é o espraiamento dos debates e das iniciativas para outras regiões do país
que não as Sudeste e Sul, onde inicialmente as experiências de investigação melhor
se estruturaram. Há que se saudar enfaticamente tal ocorrência.
O novo conjunto de reflexões decorrente dessas iniciativas tem arejado
significativamente as compreensões sobre os objetos investigados. Chama a
atenção para os riscos do etnocentrismo e nos convoca a perceber a plasticidade e
complexidade dos fenômenos sociais sobre os quais nos debruçamos. Ajuda-nos a
perceber seus caminhos múltiplos, alertando-nos para suas regularidades e
peculiaridades. Nenhum entendimento mais ambicioso pode prescindir desses
novos olhares.
As iniciativas do grupo Corpo da Universidade Federal da Bahia, coordenado
pelo amigo e irmão Coriolano Pereira da Rocha Junior, são um perfeito exemplo
desse novo e alvissareiro momento. Seus pesquisadores, muitos deles autores de
contribuições nesse livro publicadas, têm trabalhado em sintonia com os debates
nacionais e internacionais, articulando-os com seus olhares sobre as ocorrências da
Bahia, demonstrando não somente a importância dos seus diversos objetos para o
cenário local, como também percebendo suas peculiaridades, interpretadas à luz de
um contexto específico, conectando de tal forma o chamado regional com quadros
maiores do ponto de vista geopolítico que podemos até mesmo questionar o quanto
são válidas essas classificações.
A Bahia é o mundo e o Brasil sem deixar de ser a Bahia; o Brasil e o mundo
estão na Bahia, relidos de forma peculiar. Não se trata de ver somente o reflexo,
mas também o refratário. É sempre na tensão entre captar aquilo que reflete e aquilo
que se apresenta difuso que está o desafio dos investigadores, esforço muito bem
empreendido pelos colegas que se reúnem em torno do grupo Corpo.
Há que se destacar a importância da Bahia no cenário nacional. Tendo sido
local da primeira capital das terras da América portuguesa, a perda dessa condição
para o Rio de Janeiro ocasionou impactos significativos, inclusive no que tange ao
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futuro processo de adesão ao ideário e imaginário da modernidade. Seus
movimentos específicos de vinculação a ideias de civilização e progresso carregam
o potencial de nos permitir perceber os diferentes tempos de desenvolvimento das
urbes no Brasil, bem como as tensões que nesse processo se estabeleceram, e
ainda se estabelecem, entre o campo e a cidade, entre o antigo e o novo, entre a
tradição e a inovação.
Compreender essas peculiaridades é sem sombra de dúvidas entender
melhor o Brasil e o mundo, em nosso caso tendo como portas de entrada as práticas
corporais institucionalizadas e de entretenimento. As ações do grupo Corpo são,
assim, fundamentais para nos permitir essa compreensão. Devem ser saudadas.
Vida longa e alvíssaras a esse incrível coletivo de colegas!
Victor Melo
Inverno de 2018
Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro
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INTRODUÇÃO
Nossa intenção, mesmo que de forma breve é a de apresentar este livro
eletrônico, que é uma ação de um grupo de pesquisa. O Grupo em foco é o CORPO,
que é a composição dos seguintes termos: Cotidiano, Resgate, Pesquisa e
Orientação. Essa denominação é o agrupamento de categorias tidas como centrais
na formação docente e científica, especificamente nos campos da Educação e da
Educação Física.
O Grupo CORPO está instalado na Faculdade de Educação (FACED),
da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Sua atuação se vincula notadamente,
embora não apenas, ao Curso de Graduação em Educação Física (CEF) da UFBA e
ao Programa de Pós-graduação stricto-sensu em Educação (PGEDU) da mesma
Universidade. Ambos os cursos têm seu funcionamento na FACED, que é a Unidade
Acadêmica de referência.
Uma das ações e motivações do Grupo é exatamente a de estabelecer
associações e vínculos entre a graduação e a pós-graduação. Para tanto, suas
atividades buscam estabelecer mecanismos de construção de experiências
docentes, vivências em trabalhos de campo e também, de produção de
conhecimentos.
No caso específico deste livro eletrônico que ora apresentamos,
identificamos uma das formas de ação do grupo, que é de elaboração de pesquisas
e produção de textos, que buscam dialogar com campos diferentes, sendo uma
expressão daquilo que é vivido no cotidiano do GRUPO.
Esta obra reúne todo o material produzido até então por pesquisadores do
Grupo, representando seus interesses de estudo e publicados no blog, que é
também uma outra produção do CORPO. Este blog, de endereço
www.gcorpo.wordpress.com, objetiva ser um meio de comunicação e relação do
grupo com a comunidade, um espaço de expressão de nossas ações.
Desta forma, o que está aqui reunido e apresentado para leitura, mesmo que
em parte, dá ao público leitor a oportunidade de se aproximar do Grupo e de quem
dele faz parte, através do material aqui exposto. Os textos passeiam por temas
diversos, com abordagens diferentes, sendo escritos individuais, que representam
as vivências de um coletivo, como deve ser um Grupo de Pesquisa.
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Leitores e leitoras encontrarão textos escritos de forma curta e leve, com
uma abordagem que pretende alcançar mesmo os não especialistas, mas que
também conta com o necessário rigor teórico de uma produção acadêmica. Os
temas e os textos dão a quem os lê a chance de uma aproximação com os temas,
permitindo que a partir de interesses se busquem aprofundamentos e esse é o
objetivo do material do blog, que pode remeter aos outros materiais do próprio
Grupo, como: artigos dissertações e teses.
Com tudo isto, buscamos oferecer a quem acessa esta obra, uma leitura
qualificada, mas também leve e ágil, a partir das tecnologias disponíveis na
atualidade.
Enfim, a todos e todas uma boa leitura, que desfrutem e aproveitem da
melhor forma o material e sejam bem vindos e bem vindas ao CORPO.
Prof. Dr. Coriolano P. da Rocha Junior
Líder do GRUPO CORPO
Docente da Universidade Federal da Bahia
Salvador, setembro de 2018.
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LAZER: CONCEITOS E USOS SOCIAIS
Lida com projetos que analisam o lazer como fenômeno da
sociedade moderna e busca compreender como este é tratado
conceitualmente e qual função é a ele atribuído em programas
sociais, em sua relação com as políticas públicas.
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LEITURAS SOBRE AS (RE)FORMULAÇÕES DE LAZER E DA
SEMANA.
Lizandra Lima
A construção da ideia base da fragmentação do tempo, do espaço, do lugar
e dos usos desses fragmentos emerge do processo da industrialização e da
subsequente globalização que permanece impactando em nossas práticas culturais.
O lazer resíduo (de consumo), com todo o fervor da industrialização, é um
dos ícones desse processo. O impulsionamento dos espaços de lazer para os
grandes centros urbanos o fez adotar a postura da comercialização do prazer. Em
perspectiva histórica, Dumazedier (2014) nos chama atenção para o início do
processo de urbanização atrelado ao advento da industrialização, como um dos
fatores responsáveis pelo crescimento dessa vertente do lazer.
Isso nos conduz a compreensão de que o mundo passa a ter sua relação
entre tempo e espaço redefinida, e a forma como usufruir de ambos também sobre
impactos. Giddens (1991) enfatiza essa mudança indicando que as configurações
entre espaço e tempo se reformulam até que a “uniformidade de mensuração do
tempo pelo relógio mecânico correspondeu à uniformidade na organização social do
tempo” (p.21) Um dos maiores sinais disto é a reorganização da semana,
apresentada por Witold Rybczynski em seu livro Esperando o Fim de Semana.
Rybczynski (2000) ao analisar a estruturação do final de semana, apresenta
uma observação que permanece em pauta: “O final de semana, o tempo para, mas
não só porque tiramos nossos relógios de pulso”. E ainda acrescenta: “O final de
semana também é um retiro do trabalho, mas de forma diferente: saímos do
indefinido e geral para o definido e particular” (p.193).
A produção de novos bens, a globalização de comportamentos, a ascensão
de novos valores. Todos esses aspectos não impactaram apenas na nossa (ilusória)
livre escolha para as práticas de lazer, mas reverberam no modo operacional da
sociedade. A semana que vive a tensão da dualidade entre os dias de trabalho e os
dias de lazer passa atualmente por novas formas de representações. Novos
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regimentos de contratação e novas formas de trabalho e ocupação nos conduzem a
reformular e ressignificar também novos contextos de lazer.
REFERÊNCIAS
DUMAZEDIER, J. Lazer e Cultura Popular. 4ª ed. São Paulo-SP: Editora
Perspectiva, 2014.
GIDDENS, A. As consequências da modernidade. Tradução Raul Fiker. São
Paulo – SP : Editora UNESP, 1991.
RYBCZYNSKI, W. Esperando o fim de semana. Tradução de Beatriz Horta.
Rio de Janeiro – RJ: Editora Record, 2000.
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PARA PENSAR SOBRE LAZER E UNIVERSIDADE…
Brenda Paula França Pereira
É sempre inspirador e instigante falar de lazer para quem se ocupa de tomar
um tempo para debruçar-se sobre suas nuances, e é comum desde as leituras
iniciais, surgirem os questionamentos, juntamente com a insatisfação de ver como
este, permitindo-me expressar um pouco de paixão – tesouro social -, é renegado,
esquecido, na maioria das vezes por falta de conhecimento da parte a quem
pertence o direito.
Essa temática tem sido abordada repetidas vezes com maestria por aqueles
que publicam através desse meio de veiculação, mas quero desde agora pedir a
quem lê, primeiro licença para a forma direta e depois que não tenham expectativas
tão elevadas quanto a este, não sou a autora que tenta se sabotar no segundo
parágrafo da sua publicação, mas venho aqui falar sobre intrigas, sobre as minhas
intrigas que talvez possam ser as suas e de mais alguns. E reforço também que não
consta a característica resposta por aqui, apenas perguntas.
Iniciando com as intrigas, não só minhas – pois encontrei também vários
outros autores com tal interrogação ou constatação – se dá a partir da corrente
noção de que lazer se associa somente ao brincar, sem ofensa aos brincantes por
obséquio, mas meu objeto de admiração se torna facilmente representado por
atitudes sem maiores finalidades em si, despreocupadas, mesmo preguiçosas e
basicamente, não produtivas, sendo apontado unicamente como oposto a dimensão
do trabalho, esmaecendo suas tantas outras faces.
Após um tempo, lendo, entendendo, discutindo e produzindo sobre o lazer,
vive-se então por um momento, temendo que se esteja tomando um rumo fora de
curso, caminhando em uma direção que talvez não alcance algum objetivo louvável
e plausível, principalmente para a comunidade acadêmica, pomposa e
honrosamente científica, apesar de também o fazermos com o máximo de esforço e
rigor, contudo porém a intriga está no seguinte: qual o lugar nesse universo desse
conhecimento, buscado, esforçado e produzido sobre o lazer?
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O lazer é um campo que foi e ainda é construído por diversas áreas de
conhecimento, tomado como prática em diferentes contextos, que atribuem a ele
significados variados, são professores de Educação Física, Pedagogos,
Turismólogos, dentre tantos outros que se aventuram nesse campo, que chegam as
Universidades ávidos por um conhecimento que forneçam as condições necessárias
para um exercício pleno do trabalho, mas existe essa intenção por parte dessas
Instituições? Elas reconhecem a necessidade de estar preparado para o trabalho
com o lazer? Existe um reconhecimento do potencial contido nesse fenômeno
social? Ou talvez será que anterior a todas essas indagações, interessa tentar
ajudar a essa sociedade adoecida, utilizando uma ferramenta tão simples?
Não desejo de maneira alguma levantar e nem poderia sustentar grandes
teorias, mas essas intrigas e algumas outras, das quais quis me resguardar de
externa-las, são no momento questões que busco respostas ou justificativas, e nada
melhor do que o compartir!
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A FORMAÇÃO NO CAMPO DO ESPORTE E LAZER.
Silvana Regina Echer
A formação em desenvolvimento humano
Apesar de todos os avanços vivenciados pela sociedade, em especial nas
últimas décadas, percebe-se que a formação/educação continua percorrendo
labirintos, questionamentos de conceitos, eixos teóricos e propostas, em um
processo claro de desarticulação do conhecimento, da competência específica dos
processos de formação e das demandas da sociedade.
Paulo Freire destaca em suas diversas obras (1921-1997) a importância do
caráter histórico-social da formação, considerando que o ser humano está em
constante relação com o meio onde vive, mediatizado pelo mundo. Para ele os
saberes são frutos da produção coletiva, constante e dinamicamente elaborada pela
interação entre os sujeitos e gerações.
No cenário vivido neste momento no país, o pensamento Freireano mostra-
se muito atual, tendo em vista questões por ele abordadas como a relação opressor
e oprimido, a temática da alienação e da emancipação, formação/educação crítica e
a “educação bancária”, que, de maneira simplificada trata da formação como
processo de transmissão de informações, sem considerar os interesses,
necessidades e experiências dos formandos, culminando em uma educação com
conhecimentos desumanizados, desqualificados de significados e sem relação com
a realidade concreta com a qual passaria a interagir.
A formação em esporte e lazer
Com a aceleração do processo de urbanização, em especial a partir de
1970, o mercado de trabalho para quem atua com esporte e lazer cresceu muito e
com ele o desafio de pensar na formação destes quadros. Para o campo do esporte
há um processo mais consolidado, percorrido pela educação física.
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A formação profissional em educação física, em nível superior no Brasil, se
iniciou com a criação em 1939, da Escola Nacional de Educação Física, para
atender às demandas do período histórico. A meta, segundo Castellani (apud
Marcellino 1995, p.64) era formar profissionais que fossem capazes de atuar na
capacitação física da mão-de-obra, no adestramento físico da força de trabalho do
operário brasileiro. Podemos perceber que até hoje é forte a tendência de focar a
formação na questão da iniciação desportiva, com base nos princípios do
rendimento e da competição, apesar dos avanços normativos e conceituais
construídos no final dos anos 80, que procuram trazer o esporte e o lazer para o
campo das práticas sociais e produtos da atividade humana.
Marcellino (1995, p.7-8) ao tratar da formação do profissional que trabalha
com lazer nos remete ao século XVI, no sul da França, quando líderes da juventude
eram chamados de “chefes de prazer”, para tratar de uma das muitas denominações
já atribuídas aos profissionais incumbidos de “prestar serviços” nesta área de
atividade com uma forte tradição no praticismo, no entretenimento, no cumprimento
de tarefas, sem uma visão mais contextualizada e abrangente.
Isayama, (apud Marcellino, 2003, p.59) destaca que no campo do lazer, por
se tratar de uma área multidisciplinar que engloba profissionais com formações
diferenciadas acaba por ter negligenciada a necessidade de um aprofundamento
mais específico, que permita a qualificação da atuação. Na mesa linha, Tondin
(2011, p. 46) afirma que há uma compreensão, no senso comum, de que o
profissional que atua com esporte e lazer não precisa de uma formação específica,
bastando ter algumas “qualidades pessoais: ser alegre, divertido e ter carisma”.
Considerando que a maior parte dos profissionais de esporte e lazer é
oriunda da educação física, forjada neste processo histórico que acabamos de
trazer, é possível perceber que trabalhar com pacotes ou receitas prontas,
tecnicistas e desumanizantes, não é consequência ingênua ou comodismo dos
profissionais e sim parte de um processo perverso de massificação, de controle dos
sujeitos e de suas vontades, perpetuado até os dias de hoje em algumas práticas.
Esta forma de atuação restringe o trabalho a recortes específicos do esporte e do
lazer, particulariza e desqualifica o sujeito e seus conhecimentos com uma
concepção hierarquizada de sociedade, na qual alguns saberes, vivências e práticas
de esporte e de lazer valem mais que os outros.
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A formação neste campo do esporte e lazer precisa caminhar por um
processo amplo e transdisciplinar, que alie, o conhecimento do sujeito que está com
a atribuição de formar, tendo como ponto de partida a realidade que está inserido e
ponto de chegada a construção coletiva de alternativas de superação das
dificuldades encontradas. Grupos de trabalho, estudo e pesquisa, intercâmbio de
experiências, oficinas, atividades de escuta e observação podem contribuir
significativamente para a efetiva participação social. “A superação desse estágio de
compreensão do tempo de lazer para práticas mais conscientes social, cultural e
ambientalmente vem exigindo novas políticas e profissionais interdisciplinares em
sua gestão.” (MOESCH, apud Marcellino, 2003, p. 27).
Partindo da premissa de que a educação em um sentido muito mais amplo
que o ensino formal, é o principal elemento do sistema social de um determinado
contexto histórico, recai sobre ela a grande parte da responsabilidade por buscar
entender momentos históricos como o atual e oferecer elementos para o
desvelamento destas questões, para que homens e mulheres consigam agir
enquanto sujeitos, atores e construtores conscientes da sua própria realidade.
Para que isso seja possível os profissionais que atuam com as pessoas, seja
na educação formal, seja na informal, precisam ser capacitados de modo a contribuir
com o processo de formação das pessoas, ciente de que não há neutralidade frente
à realidade e aos problemas ou opções. É papel de todos os envolvidos neste
processo refletir, questionar e refazer suas atuações pedagógicas, com vistas a
permitir que as pessoas com as quais trabalham façam o mesmo no seu dia a dia.
REFERÊNCIAS
BERGER, P, L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis:
Vozes, 1998.
FREIRE, P. Conscientização. Teoria e prática da libertação. Uma introdução
ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Editora Moraes, 1980.
______. Pedagogia do Oprimido. 11ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MARCELLINO, N.C. (Org.) Formação e desenvolvimento de pessoal em lazer
e esporte. Campinas, SP: Papirus, 2003.
18 | P á g i n a
______. (Org.) Lazer: formação e atuação profissional. 2ª edição. Campinas,
SP: Papirus, 1995.
TONDIN, G. A formação dos educadores sociais de esporte e lazer no
Programa Esporte e Lazer da Cidade – PELC – em Porto Alegre. Dissertação
(Mestrado em Educação Física) – UFRGS, Porto Alegre, 2011. Disponível
em:
http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/48909/000828097.pdf?sequ
ence=1 acesso 19/05/2019.
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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO PARA O LAZER.
Sueli Abreu
A vida em sociedade é formada por uma rede de influências mútuas, o que
corrobora para o entendimento de que a educação é um processo constante em que
ninguém pode ser afastado, realizando-se em todos os espaços e momentos. O ser
humano pôde e pode ensinar e aprender ou aprender e ensinar, em todo lugar e em
todos os tempos, num verdadeiro movimento dinâmico, sem mesmo se dar conta de
que, de fato, constrói a própria identidade ao tempo em que contribui para a
construção de tantas outras.
Considerar a tríade tempo, espaço e atitude no processo educativo
demonstra preocupação e respeito a aspectos relevantes ao desenvolvimento
humano, cabendo destaque, sobretudo, aos momentos de lazer que, em tese,
perfazem-se no exercício de certo grau de autonomia e liberdade. “Deve-se admitir
que o emprego sábio do lazer é fruto da civilização e da educação.[…]sem uma
quantidade razoável de lazer, uma pessoa fica privada de muitas coisas boas da
vida.” (RUSSELL, 1976, p. 17). Neste sentido, aduz-se que o tempo livre, quando
usado, seja em distração, diversão, repouso, conversa, esporte ou tudo mais que
permita atender a capacidade do homem de se autodeterminar na busca da
satisfação e/ou prazer, também, fomenta e promove autorrealização.
Numa sociedade onde a espontaneidade, quase sempre, dá lugar a ações
orquestradas, medidas, previsíveis, a educação formal recebe destaque em
desprestígio aos saberes e inteligências que fogem ao controle de interesses
sociopolíticos e econômicos diversos (legítimos ou não). Estes, quase sempre,
revestidos de um discurso moralizante, ocupam-se em forjar um indivíduo “satisfeito”
nas demandas físicas, sociais, práticas, artísticas e intelectuais, de forma que o ideal
de cidadão livre (plena expressão de si mesmo) ainda, como na Roma antiga, fica
reservado a muito poucos.
Numa manifestação de resistência, porém,
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[…]A um mundo orientado no sentido da fabricação racional das coisas e da gestão racional das organizações, responde um outro mundo voltado para a livre expressão dos próprios seres e para as relações afetivas com outros seres, como fim derradeiro, apesar dos condicionamentos sociais que se lhe opõem (DUMAZEDIER, 2008, p. 173).
Parece um imperativo, então, a urgência em conceber a prática educativa
para além da utilitária instrução, no intuito de reconhecer o “ser animado”, com vida
própria e necessidades singulares, para que desvele disfarces apresentados pelo
controle social que por vezes o robotiza e se apresenta sob variadas formas,
inclusive, sob o título de lazer. Assim, confia-se à educação para o lazer a promoção
de despertamentos, a saber: tempo livre não é sinônimo de tempo de lazer; não é
somente no lazer que se experimenta momentos felizes; diversão e entretenimento
não são as únicas formas de lazer; o lazer está sob a força de algum interesse
explícito ou implícito; lazer desperta e desenvolve a consciência…
Se o processo educativo tem como marca a ininterrupção, não se sustenta
fragmentações ou a desconsideração da complexidade dos seres, desconsiderando
tempo e ritmo vividos pelo homem. A lógica estigmatizada de que diversão,
distração, ócio só dignificam quando se referem ou, quase numa relação binária,
somam-se ao indivíduo trabalhador, servindo como relaxantes, não passa da
moralidade nutrida por um estado explorador e reprodutor de desigualdades sociais.
Faz-se necessário compreender que a carência de autodeterminação para
ocupar o tempo livre com o lazer, devido aos disfarces de forças produtivas que
objetivam fazer do homem “máquina potente”, capaz de se submeter às pressões
externas e depois liberá-las através de um tempo “menos preso e mais agradável”,
revela mais sobre adestramento do que educação. Somente consciente de suas
escolhas prezando pelo exercício lúcido da vida cidadã, onde “o tempo livre possa
ser preenchido com atividades que levem o indivíduo a pensar e agir de forma mais
rica em todos os momentos de sua existência […] Enquanto brinca, o ser humano
também se educa.” (CAMARGO,1998, p. 154-155) é que sujeitos se emancipam ao
exercício da cidadania plena.
Vale salientar que o lazer é um direito fundamental, preconizado na
Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, dando vida ao princípio da
dignidade da pessoa humana, o qual está diretamente vinculado ao educar para ser
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livre e responsável por si, em sociedade. Daí, não se pode ignorar que a educação
para o lazer pode contribuir na construção do respeito à individualidade, criticidade e
autonomia, a fim de que o homem possa fazer escolhas responsáveis que
contemplem realizações íntimas, ciente da sua condição de ser social, agente
transformador, tornando-se competente na identificação e rejeição de mecanismos
de reprodução e controle sobre si.
Educar para o lazer pode contribuir bastante para que se aprecie com
desconfiança e se mantenha alerta aos discursos plastificados em que a via do
cumprimento do “dever” (trabalho/obrigação/obediência) é a única que dignifica o
homem, numa insensatez alienante ou numa ingenuidade dormente que não deixa
ver que a cultura é “ ao mesmo tempo forte instrumento de dominação e grande
possibilidade de reflexão” (MELO, 2003, P.96).
O lazer como objeto da educação diz respeito à construção de conhecimento
para adoção de postura consciente na utilização do “tempo livre”. E, para tanto, pode
a escola atuar, incluindo a educação para o lazer no seu currículo, o que não
prescinde a participação da família, da igreja, dos órgãos públicos e privados, isto é,
do esforço comum de toda a comunidade. Assim, poder-se-á confrontar concepções
funcionalistas de lazer que alienam através de práticas moralistas e compensatórias
e que fazem com que o cidadão viva engessado pela dignidade alcançada pelo
binômio trabalho e “lazer regrado”.
REFERÊNCIA
1. CAMARGO, Luiz O. Lima. O que é lazer. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1992.
2. DUMAZEDIER. Joffre. Sociologia empírica do lazer. 2ªed. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
3. MELO, Victor Andrade de. Lazer e Minorias Sociais. São Paulo: IBRASA,
2003.
4. RUSSEL. Bertrand. Elogio do Lazer. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
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A CRIANÇA QUE NÃO BRINCA: Reflexos numa sociedade da
produção.
Wilson de Lima Brito Filho
Não raramente temos convivido com uma busca cada vez maior da
instrumentalização da vida e de todos os seus momentos, numa leitura simplificada,
esta situação é causada pela necessidade de estar apto à competição, de preparar-
se para o mercado de trabalho.
Mas o que temos de pano de fundo nesta constituição do homo
instrumentalis? Um modismo ou um novo modelo perene que transforma todos os
sujeitos a partir da necessidade de ver produtividade em qualquer ação humana?
Aprofundando um pouco mais há que se perguntar: Qual o reflexo desta – ausência
– ou abrupta diminuição do brincar espontâneo? Observem que falo do “brincar
espontâneo”.
De certo, não podemos negar que o ato de brincar é algo inerente ao ser
humano, quando mais tenra a idade, maior a sua facilidade em criar, fantasiar com
objetos e situações que sejam parte de um padrão de vida ou sociedade a que tem
contato, portanto, um lápis vira um avião, o som do vento na fresta da janela se
transforma em um uivo e, assim por diante.
E facilmente verificarmos que não trata-se do não reconhecimento da função
do objeto ou fenômeno mas, uma transformação fruto da espontaneidade e criação
próprios a raça humana o brincar, o jogar.
É o processo de “adultização”, ou a ideia de tudo pela produção que traduz a
redução deste universo brincante, a cada ano somado as nossas vidas são notórias
e maiores as cobranças por uma postura que extirpe de nós o ato brincante, que nos
faça ser cada vez mais sérios, desconhecendo que no brincar e no jogar a seriedade
é maior que em certas atividades laborativas.
Mas de fato o que temos é este desenvolvimento do anti-brincar ou do
brincar produtivo que retira a espontaneidade, a fluidez e pouco a pouco faz com
que crianças percam o interesse ou tenham receio de brincar, de ser espontâneos e
de ter medo de “pagar micos”.
23 | P á g i n a
E quais seriam os reflexos dessa negação a um fenômeno que é natural ao
humano? Penso numa série deles e podemos tranquilamente elencar:
1. a redução das possibilidades de uma interrelação proporcionada por
ambientes brincantes, causado também pelo uso não-específico de espaços
e objetos;
2. a redução de espaços e atividades para o desenvolvimento da atividade e
ação criativa, do ato de fantasiar de dar vida a imaginação extrapolar os
limites do mundo real;
3. a redução do estímulo ao criativo e a subsequente aceitação dos modelos
prontos, criação de hábitos a seguir com base em padrões predeterminados;
4. redução do estímulo ao desenvolvimento motor, psicológico e cognitivo.
Percebe-se que o não brincar traduz-se num caminho que reduz as
possibilidades da vida humana, inclusive trazendo impactos nas diversas esferas da
vida de cada sujeito, inclusive no ambiente laboral.
Mas o fato é que, não se trata apenas do não brincar, ou da
instrumentalização dele mas, do ainda preconceito deste fenômeno entendido como
parte menos importante da sociedade, da vida humana entretanto, homens,
mulheres e crianças brincam seja de forma provocada numa seleção, num curso de
formação, numa sala de aula, a partir de uma atividade de lazer ou simplesmente
espontaneamente.
Advogo para o fato de que precisamos estar atentos para os usos
instrumentais, sejam eles educacionais ou laborativos – imaginando nossa condição
de humanos e decorrente disso inquietos, sem limites prontos para a criação – há
necessidade de reconhecer o brincar e seu espaço como parte do dia a dia da vida.
Não brincar é negar a condição humana, e, dessa forma, o não brincar tendo
como justificativa a falta de equipamentos, a falta de tempo, a necessidade de
posturas mais ríspidas é certamente uma tentativa de escamotear parte visceral da
vida, da condição humana.
24 | P á g i n a
AS FESTAS DE LARGO: CULTURA POPULAR E LAZER NA BAHIA.
Adriana Priscilla C. Cavalcanti
Não é novidade dizer que os baianos tem uma dimensão diferencial de fazer
festa, associando irreverência e fé no mesmo patamar de importância. Essa relação
tem seu desenvolvimento, a partir do período do Brasil Colônia, quando os
portugueses instituem aqui, os ritos católicos que regiam, em grande medida, os
costumes e a vida da população em Portugal.
Para tanto, as festas em homenagem aos Santos Padroeiros – a exemplo da
Festa do Bonfim, Festa de Santa Bárbara, Festa de Nossa Senhora da Conceição
da Praia (Salvador), Festa de Nossa Senhora D’ Ajuda (Cachoeira) e Festa de
Nossa Senhora Santana (Feira de Santana) – são compostas de vários momentos.
É como se de fato ocorresse uma festa dentro da outra que, ao mesmo tempo,
acaba por consolidar-se em uma única grande festa. Assim sendo, há os
movimentos considerados enquanto sagrados, a exemplo das novenas, trezenas,
missas e procissões e, outros acontecimentos da festa, como de caráter profano.
Interpretação esta, dada principalmente pela igreja.
Essa dicotomia estabelecida entre o sagrado e profano, segundo Serra
(2009), tem uma relação com as dimensões dadas ao território pelas civilizações. Ao
mesmo tempo em que, o território da igreja, caracteriza-se em múltiplo e diverso,
sela-se em fronteiras das quais diferencia as relações de continuidade que
simbolizam e caracterizam determinado conjunto de singularidades. Ou seja, ao
adentrar e deparar-se com o umbral, este “corresponde, […] a uma espécie de
fronteira que distingue e opõe dois mundos, é o lugar paradoxal onde eles se
comunicam e onde pode efetuar-se a passagem de um ao outro: do profano ao
sagrado, e vice-versa” (SERRA, 2009, p. 71-72).
Nesse sentido, tais singularidades – sagrado e profano – dialogam
emdeterminada medida, haja vista que, uma só existe porque a outra se faz
presente, e isso, por sua vez, ao mesmo tempo, se torna elemento preponderante
para diferenciação de uma e de outra. Essa questão se torna mais evidente quando
fazemos a compreensão do termo profano. Segundo Serra (2009),
25 | P á g i n a
Muitas vezes se encontra usado o termo “profano” como equivalente de “não religioso”. Mas a idéia do profano só tem sentido numa perspectiva religiosa, ou seja, no domínio fenomenológico em que se opõe à noção do sagrado. Essa oposição liga as duas referidas categorias de forma necessária, numa estreita correlação. Aquele para quem não há nada sagrado, nada pode considerar profano. A religião é que divide o mundo nesses dois domínios (SERRA, 2009, p. 69).
Apesar da relação desses dois mundos que se misturam em um dado
espaço-tempo, também se encontram selados, fronteiras, as quais se encontram
determinadas por um imaginário a consolidar territórios concretos, imbuídos de
práticas, dispositivos e comportamentos que os distinguem. Deflagra-se aí, o
sagrado enquanto o que acontece no templo e o profano em torno dele – conhecido
como largo, no qual, geralmente, acontecem os folguedos populares. Porém, o que
ocorre no entorno só se efetiva, tendo como mola propulsora de sua existência, os
acontecimentos concretizados no templo (SERRA, 2009).
Assim sendo, a lógica das comemorações em louvor aos Santos Padroeiros
se estruturam de modo implicado com o sacro-profano, apesar de serem instituídos
em territórios distintos. Desse modo, “curtir” uma festa de largo pode ou não está
imbricado com a ideia de devoção e, por sua vez, com uma obrigação religiosa. Isso
depende de como os sujeitos se apropriam dessa prática cultural. Dessa forma, os
espaços da festa de largo podem se constituir ou não em lócus de lazer.
A apropriação desta prática cultural como um lócus profano – entendendo
que aquilo que não é permissivo dentro do templo, o é, fora dele – desconecta com
a ideia de sagrado e, no que lhe concerne enquanto obrigação religiosa. Nesse
lugar, portanto, permite-se cantar e dançar, ingerir bebidas alcoólicas, se fantasiar,
namorar, paquerar, rever e brincar com os amigos, encenar performances,
questionar o poder público de modo irreverente e sarcástico, sem isso se constituir
em motivo a se relacionar com o sagrado.
Além disso, os sujeitos podem experienciar essas possibilidades, no tempo
que estabelecem como disponível, de modo desinteressado, obtendo como única
recompensa, a satisfação por está ali. Constitui-se, portanto, uma possibilidade de
lazer aberta à população, independente de credo, condição social, questões étnicas
26 | P á g i n a
ou de gênero, de maneira a se caracterizar em espaço-tempo de uma educação
para e pelo o lazer (MARCELLINO, 1987).
Isso só se descaracteriza quando o indivíduo rompe com as dimensões
fronteristícas imaginárias e se apropria daquele lugar, tanto quanto se estivesse
dentro dos limites instituídos pela religião como sagrado, mesmo que não o seja,
interconectando como uma obrigação com a devoção aos santos – pivô central das
celebrações. Aí acreditamos se constituir no que Dumazedier (1999) chama de
semilazer e semiculto.
Enfim, rir, brincar, se fantasiar, beber, paquerar, sambar, pular, entram no rol
de práticas permissivas no tempo disponível e de modo desinteressado pela
população. O que importa é o simples prazer de está lá, encenando suas
performances e “curtindo” esse momento entre amigos e familiares, a constituindo
também enquanto manifestação cultural das cidades e, portanto, elemento identitário
e de pertença de um povo.
REFERÊNCIAS
DUMAZEDIER, J. Sociologia empírica do lazer. 2. ed. São Paulo, SP:
Perspectiva, 1999.
MARCELLINO, N. C. Lazer e educação. Campinas, SP: Papirus, 1987.
SERRA, Ordep J. Rumores de festa: o sagrado e o profano na Bahia. 2. ed.
Salvador: EDUFBA, 2009.
27 | P á g i n a
DELINEANDO OS LAÇOS ENTRE O LAZER, EDUCAÇÃO E
SOCIEDADE: UM ESPAÇO PARA CONSTRUÇÃO DO SER.
Lizandra Lima
No contexto atual, falar sobre o Lazer e suas implicações no ensino básico,
nos conduz a investigar primeiramente o que o compõe e como se estruturam esses
dois ambientes. Pensar o Lazer unicamente pela ideia de contraposição ao trabalho
é analisar de uma forma superficial todo o fenômeno que está relacionado ao
mesmo, mas ignorar a repercussão que as práticas sociais advindas do nosso
sistema econômico têm sobre o Lazer é vê-lo com certa ingenuidade que não é
passível no nosso momento sociopolítico.
Sob essa lógica, não é apenas o Lazer que sofre ação do sistema
sociopolítico, a comunidade escolar também fica exposta a essa mesma relação,
assim como todo processo educacional, seja ele institucional ou não.
A escola, enquanto parte do sistema educacional, é reflexo da prática que
vivenciamos na sociedade de forma ampla. Neves (2005) aponta que a pedagogia
que vivenciamos atualmente no serviço público de educação favorece o caráter
hegemônico da sociedade, porém esse movimento não é exclusivo da realidade
moderna. Demerval Saviani, no livro História das Ideias Pedagógicas no Brasil
(2013) retrata todo processo de construção do princípio educativo em nossa
sociedade, das suas influências a sua formação e nos mostra que desde a
colonização, o sistema educativo parte da necessidade dos sistemas de produção e
trabalho que estão relacionados à nossa terra.
A sociedade escolar apresenta os mesmos estereótipos da sociedade geral,
em um padrão reduzido, porém com as mesmas estruturas relacionais. Saviani
(2013) denota que esta ideia traz à escola uma conotação do capital humano
direcionado em uma hegemonia da concepção produtivista. A revolução industrial e
a ideia positivista de produção tornaram a escola um ambiente voltado à
instrumentalização.
O entendimento desse cenário sobre a formação social e o campo
educacional torna-se ainda mais relevante se a ideia é entender o lazer dentro desse
28 | P á g i n a
contexto. Interpretado por muito tempo como simples oposição ao trabalho, o Lazer,
possui uma carga cultural e social com alto potencial para um espaço hegemônico,
igualmente disputado tal qual a educação, por terem o mesmo apelo social e
capacidade difusora de ideias.
Espaços sociais, clubes e associações são tidos como locais para o foco das
ações hegemônicas e a cultura popular que se abriga nesse espaço-tempo pode ser
um fator a favorecer ou contrapor estas ações. A consciência desse potencial fez
com que iniciativas como o Sistema “S” centrasse sua dedicação aos estudos e
cuidados sobre esse tempo, considerado livre.
Centrais como SESI e SESC, dedicaram livros e manuais à análises e ações
nesse tempo-espaço partindo da necessidade de manter os trabalhadores ocupados
em seu tempo de descanso com atividades que garantissem sua integridade física e
mental para a sua atuação laboral, por exemplo. Essas instituições não se limitaram
apenas aos cuidados com o Lazer, como também atua no setor educacional, com
escolas voltadas a educação básica e as de ensino técnico como SENAI, SENAC.
Essas ações nos mostram algo que Nelson Marcellino frisou em seu livro
Lazer e Educação (2013, p. 54-55): a compreensão da possibilidade do lazer como
campo de intervenção pedagógica. Neves (2005) ilustra ainda as ações financiadas
por aparelhos privados da hegemonia:
atividades esportivas e manifestações artísticas, como a dança, a música, o artesanato, com vistas a favorecer a coesão social e melhor a auto-estima dos cidadãos brasileiros, em especial daqueles que habitam os grandes centros urbanos (NEVES, 2005, p. 109).
Temos assim a área do Lazer, assim como da Cultura e o Esporte, sob
influência maciça de fortes empresas estatais e do capital financeiro privado na
execução das estratégias educadoras do Estado, atuando desde o ambiente laboral
a apropriação integral do tempo do indivíduo e do coletivo.
Nesse ponto o professor, como um trabalhador, passa por todo esse
processo e isto interfere diretamente nas suas concepções de lazer, no modo como
ele articula esse lazer a sua prática pedagógica além de repercutir nas políticas
educacionais que fundamental o trabalho docente, que ocorre sobre forte influência
29 | P á g i n a
dessas relações de poder. Do indivíduo ao todo social fica evidente a interrelação
entre esses espaços e as implicações mútua entre eles.
REFERÊNCIAS
MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. 17ª ed. São Paulo:
Editora Papirus, 2013.
NEVES, Lúcia Maria Vanderley. Introdução: Gramsci, o Estado educador e a
nova pedagogia da hegemonia. In: NEVES, Lúcia Maria Vanderley. A nova
pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São
Paulo: Xamã, 2005.
NEVES, Lúcia Maria Vanderley. A sociedade civil como espaço estratégico de
difusão da nova pedagogia da hegemonia. In: NEVES, Lúcia Maria Vanderley.
A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o
consenso. São Paulo: Xamã, 2005.
SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4ª ed.
Campinas, SP: Autores Associados, 2013.
30 | P á g i n a
AS AULAS DE GINÁSTICA EM ACADEMIA COMO UMA PRÁTICA DE
LAZER.
Amanda Azevedo Flores
Com as novas práticas da vida moderna, a ginástica de condicionamento ou
a ginástica em academia, vem sendo procurada por diferentes classes sociais e
muitas vezes sendo compreendida como uma opção ou substituição para prática de
lazer. As academias de ginásticas são ambientes que atribuem variadas práticas de
atividades ou exercícios físicos, dentre elas as modalidades de ginástica
cardiovasculares, neuromusculares ou posturais. Os interesses físicos e esportivos
do lazer praticados em academia e suas relações socioculturais ainda são assuntos
com poucas produções acadêmicas para os profissionais que atuam nesses
espaços.
Esse fenômeno social, o lazer, identifica-se em uma série de mudanças que
marca a sociedade moderna, geradas pela industrialização, ascensão da burguesia
ao poder, pela nova organização do tempo de trabalho (modelo produção fabril),
pela nova circulação de mercadorias e a nova configuração das cidades
(GOLÇALVES E MELO, 2009). Isso se deve a conquistada diminuição da carga
horária de trabalho, por outro lado, com a passagem do modo de produção artesanal
para industrial o consumo dessa produção precisava aumentar, sendo assim a
grande parte da população eram os trabalhadores, as indústrias lhe dando o tempo
livre e férias remuneradas lhe proporcionavam o tempo livre para consumir tais
produções e assim mantendo a produção-consumo.
O conceito de tempo livre surgiu com a industrialização das sociedades
contemporâneas, passando assim pelas transformações do trabalho formal, sendo
entendido então como o tempo do trabalhador dispõe como seu, ocupando de forma
livre, como quiser. Para Dumazedier o conceito de lazer se caracteriza como:
Um conjunto de ocupações às quais os indivíduos podem entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informação ou
31 | P á g i n a
formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais (DUMAZEDIER, 1980b, p.23.).
O lazer consiste na busca da satisfação enquanto elemento fundamental que
se distingue das demais manifestações sociais, o prazer é definido como essencial
na vida do ser humano, característico de formação da personalidade e qualquer
meio social organizado. Assim podemos afirmar que o lazer é atividades de prazer
que se faz dentro do tempo livre, em busca do lúdico, o tempo livre entre o trabalho
e o repouso.
A necessidade básica do corpo de ações espontâneas, ou com estímulos,
como tudo aquilo que leve o individuo apenas a se divertir, se alegrar, a passar o
tempo livre, ou a ao iniciar algo sem vontade, vê que é prazerosa e acaba gostando,
é lúdico. De um lado, as mudanças na vida privada com a “emancipação da mulher”
e do outro, às mudanças na vida pessoal/individual com a revolução cultural do
tempo livre, que oportunizou, através das atividades de lazer, novas práticas do
corpo ao indivíduo (COELHO FILHO, 2009).
No Brasil, as academias, se caracterizam como um espaço privado,
normalmente fechado, mas que por vezes, em circunstâncias, podem ser abertos. O
espaço da academia, em suas várias formas, propaga esse processo de
multiplicidade da cultura e práticas de atividades diversificadas, entre elas a
ginástica. Sobre a ginástica em academia, podemos incidir em uma forma de
atividades ou exercícios físicos sistemáticos, acertados as condições de espaço e
materiais disponíveis, podendo ser desenvolvida para grupos ou indivíduos e que
ainda, em sua composição, se associa a música ou não, como elemento de
organização coreográfica ou de motivação.
Como visto, a ginástica pode ter objetivos estéticos, terapêuticos,
educativos, sociais, militares, competitivos e lúdicos. Dentre outras coisas, suas
ações lidam com as qualidades físicas, na intenção de desenvolver suas
potencialidades, de forma a contribuir como um dos elementos da constituição de
uma maior qualidade de vida, já se entende que esta, tem vinculação direta com a
relação do corpo em movimento.
32 | P á g i n a
Considerando as atividades lúdicas como todo e qualquer momento que se
tem como objetivo em si mesmo produzir prazer na sua execução, ou seja, divertir o
praticante na qual sua prática escolhida, acompanha todo o ser humano ao longo da
vida, pode afirmar que toda a atividade lúdica que ocupa o nosso tempo livre é lazer.
REFERÊNCIAS
COELHO FILHO, Carlos Alberto de Andrade. A ginástica em academia no
contexto sociocultural do século XX. In: CUNHA JUNIOR, Carlos Fernando
Ferreira da; MARTIN, Edna Hernandez; LIRA, Luís Carlos e colaboradores.
Lazer, Esporte e Educação Física: Pesquisas e Intervenções na Rede
Cedes/UFJF. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2009.
DUMAZEDIER, J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Ed. SESC, 1980b.
GONÇALVES, Cléber Augusto.; MELO, Victor Andrade de. Lazer e
urbanização no Brasil: notas de uma história recente (décadas de 1950/1970).
Movimento. Porto Alegre, v. 15, n. 03, p. 249-271, julho/setembro de 2019.
33 | P á g i n a
HISTÓRIA DO ESPORTE, DAS
PRÁTICAS CORPORAIS E DO LAZER.
Tem por objetivo desenvolver estudos históricos sobre o esporte,
as práticas corporais institucionalizadas e do lazer, em sua relação
com os projetos de modernidade na cidade de Salvador, numa
perspectiva que também pode ser comparativa com outras
cidades do país ou tão somente se focar nas peculiaridades da
Bahia.
34 | P á g i n a
PRÁTICAS CULTURAIS NA CAPITAL BAIANA: PRIMEIRAS
IMPRESSÕES.
Danilo Raniery Alves Freire
Neste artigo resolvi compartilhar as primeiras impressões que tive ao
debruçar sobre os jornais de 1935, especificamente os três primeiros meses do “A
TARDE”, periódico que circula até os dias atuais na capital baiana. Necessário,
portanto, entender que a Bahia vivia um momento de baixa no setor comercial e
industrial se comparado ao período imperial (SARMENTO, 2009). Em contraposição,
no âmbito social era comum perceber uma incessante busca por modernidade e
este fator nos permite compreender a existência de determinadas práticas.
Neste sentido, algumas intervenções estruturais são tidas como “modernas”
como as reformas na Av. Jequitaia (bairro Calçada), Largo da Sé e no ainda
nascente bairro “Pituba”, cujo trecho do jornal A TARDE de 27 fev 1935 diz:
Possuindo clima delicioso parecendo gosar de uma primavera perpetua, a Pituba, é sem duvida, a Copacabana da Bahia e assim está destinada a ser, dentro de alguns annos, um dos bairros mais populosos e aristocráticos da capital. Já é notavel o progresso actual da Pituba, com sua magnífica estrada e obras de saneamento […] (A TARDE, 27 fev 1935, p. 2).
No que diz respeito aos aspectos culturais observados até então, pode-se
perceber que no primeiro trimestre do ano, em Salvador, aconteciam festividades do
carnaval. Em meio a preocupações com o cenário politico e econômico nacional, os
jornais da cidade garantiam uma coluna para a festa com notícias que variavam de
informações dos clubes carnavalescos oficiais à festividades organizadas por
associações e grupos em determinados locais da cidade. Com relação aos clubes
carnavalescos, de acordo com Ickes (2013), três clubes disputavam protagonismo
na década de 1930 – Fantoches da Euterpe, Cruz Vermelha e Inocentes em
Progresso. Entretanto, estes clubes passavam por dificuldades financeiras que
duraram até 1950 (ICKES, 2013).
35 | P á g i n a
Por outro lado, havia outros espaços de diversão e distração para a
população baiana na capital, entre eles estavam os cinemas (Guarany, Casa Santo
Antonio, Cine-Glória, Lyceu e Jandaia), os teatros (Circo-Teatro França, Guarany e
Circolo Italiano), salões e sedes (da Associação dos Comerciários da Bahia, dos
clubes carnavalescos e dos clubes esportivos). Estes locais eram frequentados pela
elite econômica local, havendo neles festas dançantes, apresentações de violino e
ópera, assim, consolidavam-se como espaços culturais. Destaque para a dança que
aparentemente estava sempre presente nos eventos da elite baiana (aniversário de
instituições, reuniões de clubes esportivos e carnavalescos, etc)[2].
Todavia, como veremos abaixo, as classes populares não ficavam inertes,
isto porque, mesmo em meio à problemas estruturais como falta de energia e
saneamento básico, como é o caso da comunidade do “Japão” (atual bairro da
Liberdade), a população mais carente alegrava-se nos chamados “centros de
diversões” onde os “batuques” e ensaios do clube local (Afochés) garantiam
momentos de distração[3].
O futebol também era praticado nas ruas da cidade como forma de
divertimento dos jovens, mas, neste caso, era tratado como algo a ser reprimido até
mesmo pela polícia[4][5]. Relatos de jogos de dominó e baralho (bisca) praticado
nas ruas são apresentados no jornal como jogos de azar[6].
Dentre outras diversões baianas, uma delas se destaca por ser
corriqueiramente anunciada, trata-se dos banhos à fantasia – prática que também
era realizada em outras cidades brasileiras. Além de serem organizados pela
Associação dos Clubes Carnavalescos (ACC) (quando eram chamados de oficiais) e
pelos bandos anunciadores, os banhos à fantasia eram também articulados por
moradores e veranistas principalmente nos bairros Bonfim e Rio Vermelho[7]. O
jornal A TARDE de 12 de janeiro de 1935 nos traz mais algumas informações sobre
estes banhos:
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Foto: Banho a fantasia – Rio Vermelho, 1935. Jornal “A TARDE” (14 jan 1935, p. 2).
Abaixo da imagem a nota diz:
As festas anunciadoras do carnaval deste anno vão sendo celebradas com grande poupa e entusiasmo, índice seguro de que a folia vai ser mesmo rôxa. Ainda hontem, tanto no Rio Vermelho como em Itapagipe, houve animados banhos á fantasia, havendo prêmios prometedores. O Clichê acima fixa um aspecto do banho animadíssimo no Porto do Bomfim, vendo-se a “macacada” à espera de “Tarzan”, que, no caso, era o Rei Momo (A TARDE, 14 jan de 1935, p. 2).
Era comum a entrega de recompensas para as fantasias mais inusitadas,
tanto nos banhos organizados por moradores e veranistas quanto nos banhos
oficiais do carnaval. Nos oficiais havia regulamento e entre as exigências estava a
necessidade de inscrição para concorrer às premiações.
Identificamos a existência também de outros festejos realizados
excepcionalmente aos sábados e domingos e incluíam também páreos esportivos
37 | P á g i n a
(natação, futebol, regatas e voleibol) para apreciação dos participantes. Vez por
outra contavam também com bandas de musica, jogos e brincadeiras como a
“corrida com um ovo na colher”, “corrida enfiando um agulha”, corrida com três
pernas e “corrida de cigarro”[8], além de “quebra potes”, “galinha gorda” e “pau de
sebo”[9].
A festa tradicional do Bonfim[10] também tinham destaque na cidade e as
comemorações populares percorriam o final de semana indo até a segunda-feira,
que a esse tempo já era chamada de “segunda-feira gorda” [11]. Outro festejo
tradicional é o de Iemanjá que também é noticiado, porém, com menor destaque.
Novamente frisamos que estas são primeiras observações, futuramente
esperamos trazer mais detalhes sobre as práticas culturas na cidade da Bahia.
Todavia, pudemos perceber até então um protagonismo dos eventos pré-
carnavalescos (principalmente os banhos à fantasia) e práticas esportivas como
possibilidades de diversão, além dos locais (cinemas e teatros) já consagrados de
distração de parcela da população.
REFERÊNCIAS
ICKES, Scott. Era das batucadas: o carnaval baiano das décadas 1930 e
1940. Afro-Ásia, Salvador , n. 47, p. 199-238, 2013 . Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0002-
05912013000100006&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 14 Jan. 2019.
SARMENTO, Silvia Noronha. A Arena e as regras. In: SARMENTO, SN. A
raposa e a águia : J.J. Seabra e Rui Barbosa na política baiana da Primeira
República / Silvia Noronha Sarmento. Dissertação (Mestrado). Programa de
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciencias Humanas,
Universidade Federal da Bahia, — Salvador, 2009, p. 36-58.
____________
[2] A TARDE, 03, 04, 17, 18, 23 jan 1935.
[3] A TARDE, 26 jan 1935, p. 2.
[4] A TARDE, 15 jan 1935, p. 2.
38 | P á g i n a
[5] A TARDE, 16 jan 1935, p. 2.
[6] A TARDE, 21 jan 1935, p. 2.
[7] Jornal A TARDE das datas: 8, 14 jan 1935.
[8] A TARDE, 29 jan 1935, p.8
[9] A TARDE, 16 jan 1935, p. 2
[10] festejo em louvor ao Senhor do Bonfim que ocorre sempre na segunda quinta-
feira do ano.
[11] No jornal A TARDE (19 jan 1935, p. 3) se refere à festa como a maior da Bahia.
Prolongação dos festejos do Bonfim. O jornal A TARDE (21 jan 1935, p. 3) fala em
“milhares de pessoas” participando da festa.
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A INFLUÊNCIA DO JUDÔ NA FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO
JIU-JITSU BRASILEIRO EM SALVADOR.
Luan Alves Machado
O Judô é um esporte japonês, que foi introduzido no Brasil a partir de um
processo migratório de japoneses para o país. Nesse processo de imigração, a
prática do Judô foi uma das formas de manutenção da cultura oriental, que foi sendo
gradualmente incorporado por brasileiros nativos. Com isso, alguns mestres
japoneses, chamados “senseis” (numa nomenclatura mais adequada culturalmente),
foram essenciais na consolidação dessa prática em diversas regiões do país.
Sobre esses senseis japoneses, Mitsuyo Maeda (conhecido como Conde
Koma), foi um dos que ficaram mais conhecidos. Formado na escola Kodokan, que
foi criada por Jigoro Kano, com o objetivo de desenvolver o Judô. Enquanto um
aluno de destaque da escola, foi convidado a disseminar as técnicas e filosofia da
luta no mundo. Viajou por países como Estados Unidos e Inglaterra, fazendo
apresentações em arenas e circos, desafiando atletas por onde foi passando.
Chegou no Brasil em 1914, em Porto Alegre, viajou o país junto com um grupo de
outros lutadores fazendo demonstrações e desafios de lutas, até se firmar em Belém
do Pará em 1915. Koma foi responsável por apresentar os conhecimentos da luta
agarrada a Gastão Gracie e a seu filho Carlos, processo que foi fundamental para a
criação do clã dos Gracie, e do Jiu-Jitsu Brasileiro.
Soishiro Satake, um lutador de destaque também da escola Kodokan
acompanhava Koma e se estabeleceu no Brasil, na cidade de Manaus. Este teve
importante impacto no ensino da luta agarrada no estado do Amazonas, mas
também se dedicava a outras práticas, tais como o lecionado de basebol, técnicas
de massagem oriental e até alguns tratamentos de estética para eliminação de
cravos e espinhas. Satake foi embora do Brasil em 1934, mas deixou uma
importante marca que influenciou o desenvolvimento das lutas no estado do
Amazonas.
É importante ressaltar que o Judô tradicional ou Judô Kodokan, como ficou
bastante conhecido, sistematizado pelo sensei Jigoro Kano, descende do ju-jitsu ou
40 | P á g i n a
ju-jutsu, conhecido no mundo ocidental como Jiu-Jitsu Japonês. Se tratava de um
sistema de luta focado nos recursos da luta agarrada, mas também incorporava
golpes como socos, chutes, cotoveladas e etc. O Judô contemporâneo, veio
passando por sucessivos processos de reformulação, adotando novos sistemas de
regras, que impactaram diretamente em como a prática se dá atualmente no mundo,
embora com influência fundamental do tradicional, diferente de como este se dava
na sua gênese.
Uma interpretação possível dessas mudanças, seja dos nomes, ou das
regras dessas modalidades de lutas, se dá, via de regra, por interesses políticos e
econômicos de determinados grupos e atores. É indiscutível a existência de outras
influências, mas esse é um fator bastante evidente. Isso pode ser interpretado na
história do Jigoro Kano, que visava consolidar o Judô enquanto um produto a ser
difundido em todo o mundo. E uma nomenclatura nova, que pudesse se distanciar
dos estigmas que o Jiu-Jitsu Japonês trazia, era essencial para a fixação desse
“novo” produto. A mesma regra pode ser aplicada ao Jiu-Jitsu Brasileiro. O clã dos
Gracie, tinha também o objetivo de fundar um “novo” produto no Brasil e no mundo.
Nesse sentido, para além das estratégias comuns, tais como os desafios de lutas,
precisou de uma nomenclatura que representasse o novo, assim se “criou” o Jiu-
Jitsu Gracie ou Jiu-Jitsu Brasileiro, que embora tenha sido fundamentalmente
influenciado pelos ensinamentos do Conde Koma, se firmou enquanto uma nova
modalidade de luta.
Em Salvador, no estado da Bahia, recorte específico do local em que este
trabalho se localiza, um nome que emerge das fontes é o do sensei Kazuo Yoshida.
Há uma dificuldade de encontrar fontes que forneçam detalhes sobre a história
desse ator, de quando ele chegou em Salvador e sobre as suas filiações as escolas
de lutas Japonesas. Sabe-se que se trata de um grande mestre de Judô, que
lecionava na capital baiana em meados do século XX. Ricardo Carvalho, um
relevante nome do Jiu-Jitsu Brasileiro no estado da Bahia na contemporaneidade, é
considerado “neto” de Yoshida, já que seu pai, mestre Cirão, foi um dos discípulos
do judoca desde 1963. Ricardo Carvalho conta em entrevista que o japonês era um
lutador muito habilidoso, e que possuía um Judô mais tradicional, no qual se treinava
bastante técnicas de solo e finalizações (golpes que retiram o oponente de
combate).
41 | P á g i n a
É notável que houveram outros importantes atores orientais na cidade no
que se refere ao contexto das lutas, no entanto, um fato histórico marcante, é que
Yoshida faz parte da linhagem dos irmãos Edson e Ricardo Carvalho, referências na
firmação do Jiu-Jitsu Brasileiro na cidade. Ricardo Carvalho é atualmente um dos
mais notáveis mestres de Jiu-Jitsu Brasileiro da Bahia. Natural de Salvador, conta
que nasceu aprendendo Judô, com o seu pai mestre Cirão, que é também um
notável mestre de Judô na cena local. Ricardo é um dos líderes da equipe Edson
Carvalho, que leva o nome de seu irmão e também sócio. A Edson Carvalho Team,
é uma das mais tradicionais equipes de Jiu-Jitsu Brasileiro da cidade, tendo
ampliado inclusive a sua influência com academias em vários países do mundo.
Ricardo é também presidente da Federação Baiana de Jiu-Jitsu (FBJJ), fundada em
1997, uma das quatro federações que estão em atividade na organização do Jiu-
Jitsu baiano.
A firmação do Jiu-Jitsu Brasileiro na cidade de Salvador se inicia, de acordo
com o cruzamento do que contam as fontes, a partir da associação dos irmãos
Carvalho, Charles Gracie e outros mestres de Judô locais da época, no início da
década de 1990. Há relatos pontuais da existência da prática da “nova” modalidade
em períodos anteriores, mas foi a partir da associação desses atores, que a
modalidade tomou fôlego, se firmou na capital, e foi se difundindo em todo o estado.
Sobre o enraizamento da modalidade na cidade, há vários fatores de alta
relevância. Dentre eles, vale ressaltar que os mestres de Judô locais, de acordo com
as fontes, praticavam um Judô mais próximo do tradicional, no qual as técnicas de
solo sempre fizeram parte das suas rotinas de treinamento e estudo. Portanto, foi
natural para estes a adequação ao foco do treino de solo que o Jiu-Jitsu Brasileiro
se dedicava, não houve grandes mudanças no aspecto técnico, apenas uma
adequação no foco do treino. Outro fator importante diz respeito a relevância
econômica que a “nova” modalidade tinha alcançado nacional e até
internacionalmente. A evidência midiática do Jiu-Jitsu Brasileiro, a partir das
estratégias de marketing do clã Gracie, colocavam a prática como a “febre” do
momento, o que tornou atrativo aos tradicionais mestres de Judô da cidade a se
dedicarem.
Os indicativos que esse estudo apresenta, a partir da revisão de algumas
fontes sobre a história das modalidades de lutas agarradas existentes nos dias
42 | P á g i n a
atuais, é que apesar da divisão das modalidades, as histórias se cruzam e se
influenciam mutuamente, tanto no espectro Salvador, como Brasil. Os processos
migratórios de japoneses para o Brasil tiveram grande impacto na consolidação das
modalidades de lutas agarradas no cenário nacional. A incontestável história de
atores japoneses em diversas regiões foram fundamentais naquilo que se firmou e
que segue vivo nos dias atuais, embora haja reformulações. E no que se refere a
cidade de Salvador, que o Judô, prática fixada em períodos anteriores ao Jiu-Jitsu
Brasileiro, teve grande importância no processo de firmação da “nova” modalidade
sistematizada pelo clã dos Gracie.
REFERÊNCIAS:
Entrevista concedida por SOUZA, Ricardo Barbosa de. [mai. 2015].
Entrevistador: Luan Alves Machado. Salvador, 2015.
Entrevista concedida por SOUZA, Luiz Augusto Barbosa de. [mai. 2015].
Entrevistador: Luan Alves Machado. Salvador, 2015.
Entrevista concedida por PINTO, Ricardo Carvalho. [mar. 2019].
Entrevistador: Luan Alves Machado. Salvador, 2019.
KANO, J. Judô Kodokan. Tradução Wagner Bull. São Paulo: Cultrix, 2008.
CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE JIU JITSU. History. Disponível em:
<https://cbjj.com.br/history/>. Acesso em: 28 de mar. 2019.
CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE JUDÔ. História do Judô. Disponível em:
<http://www.cbj.com.br/novo/medalhistas.asp>. Acesso em: 28 mar. 2019.
NUNES, A. V. RUBIO, K. The Japanese immigration influenceon the formation
and development of Brazilian judô. International Journal of Sport Studies. Vol.
3 (10), 1087-1094, 2013.
Gracie Seminars: The Best Source of Gracie Jiu-Jitsu Seminars in the World,
2006. Disponível em:<http://www.gracieseminars.com/charles_bio.htm>.
Acesso em: 29 de mar. 2019.
LIMA, L. Soishiro Satake: A história do japonês que fundou a primeira
acadêmia de jiu-jitsu do Brasil, 2016. Disponível em:
<http://escritorio610.blogspot.com/2016/04/soishiro-satake-historia-do-
japones-que.html>. Acesso em: 29 mar. 2019.
43 | P á g i n a
Perfil: Cirão. Judô Bahia – Revista Oficial da Federação Baiana de Judô. n. 2,
p. 16-18, fev. 2017. Disponível em:
<https://issuu.com/febaju/docs/revista_febaju_ii_edi____o_21_fev_p>.
Acesso em: 28 mar. 2019.
Firmação da “nova” modalidade sistematizada pelo clã dos Gracie.
44 | P á g i n a
MEMÓRIAS DO ESPORTE EM SERGIPE: O “GROUND ADOLPHO
ROLLEMBERG”.
Marlaine Lopes de Almeida
O desenvolvimento do esporte em Sergipe, no alvorecer do século XX,
organizava-se tendo como suporte o projeto de modernização e urbanização. E
neste sentido, a construção de espaços específicos para realização dos eventos
esportivos era uma condição necessária para o progresso da cultura esportiva.
Na capital sergipana, os indivíduos mobilizavam-se para agregarem-se às
correntes coletivas de exaltação em torno das práticas esportivas. Entretanto, o
gosto e a demanda de praticantes cresciam muito mais depressa do que as
providências administrativas das agremiações, ou do governo, poderiam acomodar,
com infra-estrutura, recursos e serviços urbanos capazes de garantir a sua plena
vazão e desenvolvimento.
Conforme Viana Filho (2002; 2014), os jogos das primeiras competições de
Futebol em Aracaju foram realizados nos campos da Praça Pinheiro Machado
(Antiga Praça da Conceição) e da Praça do Petisco, no Bairro Siqueira de Menezes
(hoje Bairro Industrial). Esses espaços eram “campos” improvisados e
desconfortáveis, mesmo assim, o público aracajuano, entusiasmado com o futebol,
suportava o ambiente insalubre e animava as tardes de domingo, comparecendo em
grande número aos jogos ali realizados.
A utilização de espaços adaptados era justificada pelas autoridades
públicas, tanto do Estado quanto do Município, sob a alegação de não disporem de
recursos públicos para construírem um estádio adequado, justificavam, ainda que, a
Praça Pinheiro Machado era um logradouro público que necessitava de lei
específica para se transformar oficialmente em um estádio esportivo. Já o campo do
Bairro Siqueira de Menezes, diferente, era particular, pertencia ao clube Industrial.
Pompeu Voga, cronista esportivo da redação do Jornal do Povo, na edição
de 27 de maio de 1919, retrata a expectativa do público aracajuano, que clamava
por um campo de futebol adequado e condigno com o progresso do esporte em
Sergipe. No contexto, o Coronel Adolpho Faro Rollemberg, que acompanhava
45 | P á g i n a
socialmente os eventos, fazendo-se presente nas várzeas e nos campos onde
ocorriam as partidas de futebol, deliberou a compra de um terreno para construção
de um “ground” (campo estruturado) que contemplasse as necessidades dos
entusiastas do esporte “bretão”.
O Jornal correio de Aracaju de 1º de agosto de 1919 recebeu uma nota
sobre os preparativos para doação do campo esportivo. A reunião que tratou do
assunto ocorreu na residência do Capitão de Corveta Oscar Azevedo (vice-
presidente da Liga Desportiva Sergipana), com a presença do Almirante Aminthas
José Jorge (presidente da Liga Desportiva Sergipana), do Sr. João Monteiro
(presidente do Club Cotinguiba), e do Coronel Adolpho Faro Rollemberg. O
promissor do terreno comunicou nesta reunião, que não havia conseguido adquirir o
terreno prometido, resolvendo então doar um terreno de sua propriedade, localizado
em local privilegiado na capital, na antiga Praça da Fundição, para a construção de
um campo de futebol. Entretanto, três dias após a reunião, antes de consumar a
documentação que oficializava a doação do terreno, o superintendente do Estado,
Coronel Adolpho Faro Rollemberg faleceu, aos 47 anos, vitimado de uma uremia,
seguida de infecção generalizada.
O fato não arrefeceu os ânimos para que os clubes fizessem a aquisição de
um campo para a construção de um Ground. Conforme visto nas notas dos jornais
que acompanhavam as reuniões do Club Sportivo Feminino, constantemente era
colocado em pauta as estratégias possíveis para adquirir um terreno. Assim, na
reunião extraordinária do Club Sportivo Feminino, em 28 de setembro de 1919, foi
eleita uma comissão para providenciar os preparativos para receber a Família Faro
Rollemberg, com o intuito de oficializar a doação do terreno, anteriormente
pronunciado pelo Coronel Adolpho Rollemberg.
Cumprido o evento promovido pelo CSF, para resolver as pendências da
documentação da doação do terreno, o projeto de construção do campo fora levado
a frente. A imprensa continuou recebendo circulares para acompanhamento do
avanço dos trabalhos de construção do campo pelos clubes Cotinguiba, Sergipe e
pela Liga Desportiva Sergipana, entidades estas a quem fora dirigida a doação do
terreno.
Em 26 de outubro de 1919 os jornais já noticiavam o compasso do projeto
de construção do Ground, a imprensa alimentava a ideia de desejo de sua
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implantação, ao mesmo tempo em que criava expectativas de consumo no público.
No jornal, os dirigentes dos clubes, estrategicamente já anunciavam a proposta de
divertimento, antes mesmo de o campo estar construído.
Conforme Viana Filho (2002), para a disputa do primeiro campeonato oficial
de futebol, realizado no Ground Adolpho Rollemberg e patrocinado pela Liga
Desportiva Segipana, os Clubes Cotinguiba e Industrial contrataram vários “craques”
dos principais clubes de Futebol da Cidade de Salvador – BA, recebendo, inclusive,
times dos Estados vizinhos para competir e garantir o sucesso do evento.
Conforme o Jornal Correio de Aracaju, de 18 de novembro de 1919, muitos
foram os esforços reunidos por diversas entidades para o sucesso da construção do
campo de futebol, como a promoção de bailes, exibição de filmes, eventos com
apresentação de ginástica, trapézio, lutas de boxes, dentre outros benefícios que
contribuíam financeiramente para as obras do campo de futebol.
Em 07 de março de 1920 inaugurava-se o primeiro ground de futebol de
Sergipe, que recebeu o nome de Adolpho Rollemberg. Localizado ao estuário do Rio
Sergipe, entre as Ruas Vila Cristina e Vila Nova (atual Duque de Caxias), esse
espaço foi o principal palco dos espetáculos esportivos de Aracaju durante 28 anos.
O empreendimento fora construído com bases de alvenaria, arquibancadas
de madeira e cobertura de zinco. Com o passar dos anos, as reformas necessárias
para a manutenção do Ground não foram empreendidas, os clubes aos quais
pertencia o Estádio alegavam falta de recursos financeiros para efetivar os reparos
na estrutura do espaço. Com o desgaste e a deterioração, o campo foi interditado ao
público e como consequência, o lugar foi demolido e o terreno foi vendido, com o
valor rateado entre os clubes ao qual o terreno fora doado. Posteriormente o local foi
ocupado por construções residenciais. E hoje, nos resta a memória de um cenário
que foi palco dos primórdios da vida esportiva de Aracaju no início do Século XX: O
“Graund Adolfo Rollemberg”.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Marlaine Lopes de. O Club Sportivo Feminino e as formas de
sociabilidades para as mulheres da elite em Aracaju (1919 – 1926). TESE.
Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal da
Bahia. 2017.
47 | P á g i n a
O INSTITUTO PONTE NOVA E SUA TRAJETÓRIA.
Rúbia Mara de Sousa Lapa Cunha
Este post aborda a presença da disciplina Educação Física e suas práticas
e as festividades escolares, nesse instituto que foi denominado Instituto Ponte Nova
(IPN), fundado por missionários da Missão Central do Brasil, que teve como
referência o Colégio Mackenzie (SP).
Interessa-nos tratar os rituais e ritos cívicos e festivos, onde o professor leigo
de educação física era o ator de tais ações. Reconhecemos que a ginástica
prevaleceu com movimentos, onde o corpo passou a ser contemplado e “cuidado”,
sob a responsabilidade daquele que figurou como elo dinamizador de ações
educativas e de aparições festivas, o professor leigo. Os eventos festivos
apontavam as influências pragmáticas, patrióticas e liberais, amalgamadas na base
do protestantismo norte americano – base pedagógica do IPN.
Vale afirmar que algumas escolas normais funcionavam com restrições a
participação da mulher em salas mistas, a exemplo das escolas confessionais
católicas, sob o argumento de “zelo” com o corpo feminino, sendo tal concepção, na
verdade, frutos de ideias conservadoras. Por funcionar de maneira diferente, muita
das vezes, o IPN não tinha suas formas de trabalho aceitas, por uma comunidade
mais reacionária no tocante aos comportamentos.
Entendemos que a partir de uma uniformização dos cursos normais, em
1946, foi possível um maior “equilíbrio” entre as várias regiões brasileiras e assim, a
prática mostrou que muitas escolas acabaram compondo seus currículos e ainda,
muitos acordos foram firmados entre o Brasil e os organismos internacionais,
especialmente com os norte americanos. Vale citar, dentre eles, o Programa de
Assistência Brasileira Americana ao Ensino Elementar (PABAEE), que objetivava
preparar nos Estados Unidos, docentes brasileiros para atuarem nas escolas
normais do Brasil. Tais professores, ao retornarem ao país, aplicavam métodos e
técnicas utilizadas, convergindo para uma doutrina expansionista e
desenvolvimentista do capital imperialista americano ressaltando as formas de
treinamentos, ao utilizarem os materiais didáticos importados e difundirem as
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tendências pedagógicas civilizatórias. Por já funcionar a partir deste princípio, o
Instituto Americano Ponte Nova e do Colégio Mackenzie que já funcionavam com
essas deliberações.
Ao situar o “lugar de pertencimento” do professor leigo em um educandário
americano – alvo de intensas mudanças e acontecimentos no campo educacional e
religioso – convêm sinalizar o movimento de lutas dos protestantes em envidar
esforços para se destacar na formulação de educação escolar integrada aos
princípios religiosos com perspectivas de conhecimentos pautados na evangelização
para educação do corpo e da alma . No IPN, os rituais festivos foram materializados
justapostas aos “saberes construídos na cadeira de ginástica”, fazendo com que
esta assuma protagonismo , num ensino aliado aos movimentos de aparições e de
devolutivas no formato de sociabilidades instauradas.
O IPN, em sua trajetória, atuou na formação de líderes políticos e
representantes, muito por conta de sua base curricular privilegiada, que ofertava
disciplinas específicas, como a ginástica com uso de aparelhos modernos, estudo de
línguas (alemão, francês e inglês), como formas de garantir o desenvolvimento da
oratória dos sujeitos e na preparação de condutores da religião.
Enfim, este espaço de formação, além de ser uma escola profissionalizante
com os cursos de técnico em enfermagem, cursos bíblicos, técnicas agrícolas e
cursos de preparação de pastores, também disseminou saberes e conhecimentos
para o sertanejo “inculto”, “desvalido” e “desassistido” pelo governo e poderes
locais.. Somado a isto, quando os americanos implantaram o Instituto Americano
começam a se destacar em toda a região pelo modelo instaurado e pelos resultados
manifestados pelos alunos no decorrer de sua formação, principalmente pelos
saberes e a questão do esporte em torno de uma proposição pedagógica que
influenciou a institucionalização do ensino da Educação Física, enquanto disciplina
responsável pela saúde do corpo e da alma, além de vivências promovidas para dar
visibilidade ao fazer diferenciado e também, pela construção de prédios suntuosos e
da praça de esportes.
Enfim, vemos que o IPN atuou na imersão do professor leigo, nas atividades
corporais, além de articular e representar a educação do corpo e da alma
sucessivamente para forjar um novo cidadão para o sertão.
49 | P á g i n a
EDUCAÇÃO HIGIÊNICA E GINÁSTICA NO PROJETO DE
MODERNIDADE DA BAHIA – SÉCULO XIX.
Aline Gomes Machado
O século XIX, no Brasil, representou um momento de mudanças
significativas nos diversos setores. Via-se a efervescência de uma busca pela
modernização do país. Civilização e modernidade se convertiam, neste momento,
em palavras de ordem; virando instrumento de batalhas, além de fotografias de um
ideal alentado.
A Bahia, como a antiga capital do país, não ficou de fora desse processo.
Também ela viu fervilhar o desejo pela modernidade, por novos ares, modos de
vida, novos comportamentos e hábitos, inclusive, os de saúde e higiene.
O discurso médico figurou no movimento de modernidade baiano,
articulando o progresso, a necessidade de higiene. A exemplo disso temos a fala de
Mathias de Campos Velho, na tese apresentada para conclusão do curso de
medicina na Faculdade de Medicina da Bahia em 1886, aonde afirma que a higiene:
"Esta quasi sempre em razão directa com a civilização de um povo e constitue fonte de riqueza, porque concede dous thesouros preciosos, a saude e a ordem (p.70) e, neste sentido diz, também, que o homem civilisado tem sempre em vista: a hygiene geral” (VELHO, 1886, p.67).
Dentre as estratégias elaboradas para atingir a higiene necessária, os
higienistas reconheciam a importância de uma educação que se enquadrasse nos
objetivos desse movimento. Objetivos esses que não se restringiam ao controle das
variáveis físicas, biológicas, mas também buscavam uma retidão moral, uma
disciplinarização necessária para atender as demandas sociais da época. Assim, os
higienistas indicavam quais medidas deveriam ser tomadas pela população e
governo, inclusive nas instituições escolares.
Contando com o apoio de articulistas, os higienistas apontavam como
elemento basilar para formar o homem higiênico, o cuidado com o corpo, onde a
50 | P á g i n a
prática de atividades físicas possuía fundamental importância. Dentre eles, a
ginástica aparecia como a prática dileta.
Sabemos que a ginástica, como uma prática educativa, era tratada como
algo que atuaria na formação de novos corpos e mentes, tida como uma extensão
dos poderes e saberes gerados pela higiene, ganhando assim, a defesa de médicos
e articulistas que se encarregavam de garantir os porquês da importância dessa
atividade, não apenas fundamentando os benefícios corporais, mas também para
formação moral do ‘homem vigoroso’.
Como justificativas a este apoio a uma nova ação ‘educativa’, a ginástica,
encontramos nos jornais baianos questionamentos, inclusive, sobre a forma como os
mais ricos educavam seus filhos. O Correio Mercantil (02 de junho de 1838, p.02)
apontava que “os mimos e branduras com que as pessoas mais ricas e poderosas
custumão criar os filhos os fazem commummente aleminados e de débil
compleição”, e coloca a ginástica “com o exercício acertado” como corretiva desta
situação, e segue garantindo que “a gymnastica, porém, nas cidades he
absolutamente precisa, não para formar arlequins, como o para cuidado, mas para
educar homens vigorosos”.
Por conta de pensamentos como esse, os discursos voltaram-se, então para
a prática da ginástica como instrumento capaz de fornecer os idealizados objetivos
dessa sociedade modernizada, civilizada e higiênica.
Desta forma, vimos, na Bahia, um movimento que visou, sobretudo, civilizar
os costumes, moralizar as condutas e moldar comportamentos e corpos para
alicerçar as bases da sociedade higiênica e moderna. Este movimento configurou as
principais estratégias do projeto higienista.
REFERÊNCIAS:
VELHO, Mathias Campos. Etiologia da Cholera-morbus: medidas
sanitarias applicaveis contra a sua invasão e propagação nesta cidade.
Tese (Doutorado). Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador, 1886.
DA GYMNASTICA. O Correio Mercantil, Salvador, p.02, 02 jun, 1838.
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NAGIB MATNI NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA PARAENSE.
Carmen Lilia da Cunha Faro
O conhecimento histórico é elaborado a partir de normas e procedimentos
peculiares, sendo de caráter provisório, torna-se possível sua modificação por meio
de novas pesquisas e cogitações. Como instrumentos para o alcance de tal
conhecimento utiliza-se a síntese de datas, fatos e nomes, bem como fontes orais e
documentos, interpretados e analisados aos olhos do pesquisador (FERREIRA,
2013).
A história de vida do professor Nagib Coelho Matni se entrelaça à própria
história da Educação Física no Pará e, está enraizada à história da Escola Superior
de Educação Física do Pará (ESEFPA).
Nagib Matni nasceu na cidade de Igarapé-Açu, Pará, em onze de agosto de
1923. Filho de Adib Miguel Matni e Vitalina Coelho Matni, casado com Lycia
Mesquita Matni, pai de Eduarda Maria Mesquita Matni, Nagib Mesquita Matni e
Maria do Socorro Mesquita Matni. Fez o curso primário no grupo escolar de sua
cidade natal, concluindo em 1936. O curso ginasial foi concluído no Colégio Ciências
e Letras e cursou o colegial na Escola Estadual Paes de Carvalho.
Em 1946, concluiu o Curso Superior de Educação Física e Desportos pela
antiga Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, sendo um dos primeiros
licenciados plenos em Educação Física no Estado do Pará. Ingressou na Polícia
Militar do Estado, onde fez diversos cursos de aperfeiçoamento para oficiais,
chegando ao posto de Major, no qual passou para a reserva.
Sua vida dentro do desporto foi sucedida de fatos marcantes, a saber:
técnico de futebol do Paysandu Esporte Clube, Paulista Futebol Clube, Clube do
Remo, Tuna Luso Brasileira, técnico da Seleção Paraense, membro da Comissão
técnica de Futebol da Federação Paraense de Desporte, Diretor do Departamento
de Árbitro da Federação Paraense de Desporto. Sagrou-se campeão paraense de
futebol, como técnico, nos três grandes clubes do Pará: Paysandu, Remo e Tuna.
Como professor de Educação Física iniciou no então Ginásio Visconde de
Souza Franco. Posteriormente, exerceu o cargo de Diretor do Serviço de Educação
52 | P á g i n a
Física do Estado, o qual passou a se chamar Departamento de Educação Física,
Recreação e Esporte, parte integrante da Secretaria de Estado de Educação. Nesse
cargo serviu a diversos Secretários de Estado e Educação. Foi eleito “Professor do
Ano” em 1973, pela Sociedade Paraense de Educação. Foi membro do Conselho
Estadual de Educação, na função de Conselheiro, em 21 de fevereiro de 1964 a 6
de maio de 1990, sendo em 8 de maio de 1970 nomeado, pelo Governo do Estado,
representante dos professores de Educação Física e, posteriormente, em 31 de
março de 1992, foi nomeado novamente membro do Conselho Estadual de
Educação pelo então governador Jader Barbalho, a fim de completar o mandato do
Prof. Octávio Bandeira Cascaes.
De acordo com as obras e arquivos documentais pesquisados, de forma
impressa, manuscrita, datilografada, filmada, pergaminho, fotos, medalhas etc., o
nome de Nagib Matni está associado à Educação Física desde a década de 40,
como professor de Educação Física do então Ginásio Visconde de Souza Franco e,
na década de 50, seu destaque é como um dos criadores dos Jogos Paraenses
Ginásios-Colegiais.
Na década de 60 seu nome já pode ser visto na esfera federal, a partir de
1961, quando se instala em Belém a Inspetoria Seccional de Educação Física e ele
é nomeado inspetor. Ainda nessa década Nagib Matni foi empossado Diretor do
Departamento de Educação Física, Recreação e Esporte (DEFRE), pelo Secretário
de Estado de Educação e Cultura, Sr. Édson Raymundo Pinheiro de Souza Franco.
Podemos perceber, com as informações descritas até aqui, que Nagib Matni
ao ser escolhido como representante do Estado para visitar outras Escolas de
Educação Física e, posteriormente, nomeado presidente da comissão que elaboraria
o regimento da Escola a ser criada em Belém, foi “peça” fundamental e ativa na
construção do regimento da ESEFPA, sendo observada sua influência sobre a
origem dessa Instituição.
Como era a primeira vez que se realizaria provas para o vestibular para o
Curso de Educação Física no Estado Pará, foram designados alguns professores
para ministrarem aulas no Curso Intensivo de Preparação e Orientação para Exame
de Suficiência, em janeiro de 1970. Entre esses professores estava Nagib Matni,
incumbido de ministrar aulas sobre Legislação e Organização da Educação Física e
Desportos no Brasil.
53 | P á g i n a
O funcionamento da ESEFPA não significou que sua estrutura física naquele
período estava pronta, muito pelo contrário, havia grande dificuldade na realização
das aulas práticas, já que essas eram realizadas em diferentes locais da cidade,
nesse primeiro momento era justamente essa a maior deficiência da “Escola”:
infraestrutura para a realização das aulas práticas.
O Prof. Nagib Matni foi o mentor da estruturação física que compunha a
Escola Superior de Educação Física no Pará, sendo construído o conjunto esportivo,
quadra de tênis, ginásio de ginástica olímpica, ginásio de musculação e caixa de
saltos ornamentais.
Por fim, ao apresentar um breve relato da história de um ícone da Educação
Física paraense, ressalta-se que este ainda não se configura como o fim, mas já se
tem a intenção de apresentar num segundo momento as fontes orais de sujeitos que
conviveram com Nagib Matni profissionalmente, os quais podem fornecer novos
dados e sugerir novas pistas para o repensar desse conhecimento histórico.
REFERÊNCIAS
FERREIRA, Marieta de Moraes. A história como ofício: a constituição de um
campo disciplinar. Rio de Janeiro: FGV, 2013.
MANESCHY, Pedro Paulo. Educação e corporeidade: o vivido e o pensado
na ESEFPA. 1996. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 1996.
MATNI, Nagib C; SANTOS, C. U. A formação do docente de educação física
e sua realidade local. Belém, PA: ESEFPA, 1984.
MELO, Victor Andrade de (et al). Pesquisa Histórica e história do esporte. Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2013, p. 147-157.
SANTOS, C. U. Histórico da escola superior de educação física do Pará 1970-
1985. Belém, PA: ESEFPA, 1985.
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A HISTÓRIA DO TAEKWON-DO NA BAHIA: relatos por Ary Alakija.
Danilo Raniery Alves Freire
Este pequeno texto surge como um “pontapé” de um desejo pessoal de
escrever sobre a história do Taekwon-Do na Bahia mais precisamente por três
motivos especiais: 1) Ser praticante; 2) Registrar os caminhos desta arte marcial em
solo baiano, bem como dar visibilidade aos personagens envolvidos; 3) Contribuir
com o desenvolvimento de pesquisas científicas locais no âmbito das lutas,
enquanto práticas corporais institucionalizadas. Para isso, necessário explicar
alguns quesitos importantes.
Taekwon-Do é uma luta coreana de defesa pessoal que utiliza a ciência
moderna (principalmente a física newtoniana) como instrumento para obter o melhor
rendimento possível na aplicação de suas técnicas e golpes.
Como foi dito inicialmente, este é ainda um “pontapé” para a construção
mais consistente de uma história do Taekwon-Do na Bahia e, por isso, este texto
constitui-se basicamente da narrativa de um dos atores envolvidos. Desta forma,
considerando a necessidade de ouvir um sujeito dessa história, realizamos uma
entrevista temática gravada com Ary Alakija Silva – brasileiro e mestre Taekwon-Do
há quase 30 anos na Bahia – no dia 7 de setembro de 2019.
Ary Alakija Silva
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O Taekwon-Do foi desenvolvido por um General do Exército coreano
chamado Choi Hong Hi, entre os anos de 1946 e 1955 – quando o nome “Taekwon-
Do” é oficializado. Para desenvolver o Taekwon-Do, o mesmo muniu-se de técnicas
do Karatê japonês, do Tae kyon e Soo Bak Gi, antigas artes marciais predominantes
durante a dinastia Koryo (Goryeo) e Silla na Coréia. Na tradução literal “TAE”
significa golpear com os pés, “KWON” golpear com as mãos e “DO” quer dizer arte
ou caminho (HONG HI, 1996). Atualmente é praticado em diversos países de todos
os continentes.
Choi Hong Hi
A utilização do termo “Taekwon-Do” não marca apenas a descrição de uma
arte marcial. Em síntese, representa a existência de um campo de conflito onde até
a forma de escrever representa de qual “lado” da história estão os sujeitos. Para que
o leitor possa melhor entender esta questão, basta reparar que o nome “Taekwon-
Do” pode aparecer também em diversos locais escrito como “Taekwondo”, tudo junto
e sem hífen. Este pequeno detalhe já marca uma distinção entre as duas grandes
instituições mundiais: a) International Taekwon-Do Federation (ITF), fundada em 22
de março de 1966; b) World Taekwondo (WT), antiga World Taekwondo Federation
(WTF), fundada em 28 de maio de 1973.
De forma bem resumida e pouco aprofundada, exemplificamos ao leitor que
a ITF foi criada pelo Gal. Choi Hong Hi, com o consentimento de vários países,
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mestres e da Associação Coreana de Taekwon-Do. Tempos depois após tentar
provocar mudanças na arte desenvolvida e encontrar resistência do Gal. Choi, o
governo sul-coreano criou a WTF, atualmente WT. Este fato histórico faz surgir a
denominação “Taekwondo”, uma luta adaptada do Taekwon-Do tradicional que
incorporou diferentes regras, formas de luta, graduações, modo de cumprimentar, a
história, etc. Por estes motivos, o Taekwondo praticado pela WT não é reconhecido
pelos filiados da ITF como um autêntico Taekwon-Do, levantando uma discussão
política que se arrasta há anos.
Feita essa introdução, ressaltamos que neste artigo falamos do Taekwon-Do
desenvolvido entre as décadas de 1940 e 1950 e representado pela instituição ITF.
Na Bahia, em 1968, de acordo com o Mestre Ary Alakija:
“conta-se que chegou em Cruz das Almas um coreano que dava aula de Taekwon-Do, mas na verdade o que ele dava aula não era de Taekwon-Do, era de Tank Soo Do MoodoKwan, uma arte marcial coreana.. tá certo!? E que assim como ele e muitos mestres no mundo por causa de um problema politico que teve da Coréia, trocou o nome da arte que chamava-se Tank Soo Do MoodoKwan para Taekwondo MoodoKwan. Porém, o criador do MoodoKwan nunca chamou a arte dele de Taekwon-Do, chamou inicialmente de Tank Soo Do MoodoKwan e se eu não tiver enganado depois Soo Bak MoodoKwan que até hoje permanece esse nome, portanto, eu considero que esse coreano não é o introdutor do Taekwon-Do na Bahia” (ARY ALAKIJA).
E continua…
“Porém, depois disso veio um outro coreano para Salvador aqui que era da WTF, hoje conhecida como WT, e trouxe essa forma que eles chamam de Taekwondo, essa forma olímpica que eles chamam de Taekwondo, porém, o Taekwon-Do foi criado pelo General Choi em 1946 e batizado de Taekwon-Do em 1955, por causa de problemas políticos na Coreia ele teve que sair da Coreia em 1972 e com isso se criou essa confusão de Taekwon-Do no mundo” (ARY ALAKIJA).
Essa informação sobre os “problemas políticos” coaduna com dados da
Enciclopédia do Taekwon-do, ano de 1992, escrito por Choi Hong Hi, versão
argentina.
Neste sentido, o introdutor do Taekwon-Do na Bahia, na forma como aqui
abordamos, foi o Mestre Ary Alakija e isso pode ser confirmado através das fotos
57 | P á g i n a
apresentadas pelo entrevistado e dos certificados de graduação. Sobre isso afirma o
entrevistado:
“a forma original do Taekwon-Do foi introduzido na Bahia em agosto de 1992 por mim… tá certo!? E na época o nosso supervisor era o Djalma Clementino dos Santos que era 4ºDAN na época, hoje ele é 7ºDAN e na época eu tive que fazer uma confirmação de graduação para 1ºDAN, aí eu fiz 6 meses e um ano depois eu fiz essa confirmação e continuei na ITF” (ARY ALAKIJA).
Em 1994, o Gal. Choi Hong Hi esteve no Brasil para ministrar um curso de
instrutor internacional, curso que Ary Alakija possui certificado comprovando sua
participação.
Certificado de Instrutor Internacional de Ary Alakija. Curso ministrado em maio de
1994 por Choi Hong Hi na cidade do São Paulo/SP.
De acordo com nosso entrevistado, em 1997 foi fundada a Federação
Brasileira de Taekwon-Do (FBT) “com estatuto da Federação de Taekwon-Do
Tradicional de São Paulo, com Centro Brasileiro de Taekwon-Do Tradicional ITF e
com a Associação Alakija de Taekwon-Do Tradicional ITF da Bahia”, sendo a Bahia
o terceiro estado a introduzir o Taekwon-Do no Brasil.
58 | P á g i n a
Atualmente, o Mestre Ary Alakija continua dando em sua academia
localizada no bairro de Brotas (Salvador/BA), e conta, segundo ele, com a ajuda dos
faixas pretas formados por ele para dar continuidade ao Taekwon-Do na Bahia. A
Associação Alakija possui uma filial em Paulo Afonso/BA, onde quem dá aula é o
professor Marcus Melo Santos. Além destes espaço, o Taekwon-Do também é
ensinado pela instituição chamada “Classe A” (não ligada a Associação Alakija) com
aulas no bairro Imbuí (Salvador/BA) ministradas pelo professor Luciano Ribas.
Por fim, como prometido de início, este texto é um pequeno passo para uma
futura elaboração mais densa e respaldada sobre a história do Taekwon-Do na
Bahia. Colocamo-nos, contudo, no papel de ouvintes de uma narrativa que poderá
ser contestada e complementada por outros atores. Entretanto, consideramos que
este processo demanda maior disponibilidade de tempo para análise dos
documentos e registros que reforcem ou contestem os dados aqui apresentados.
Desta forma, consideramos imprescindível a exposição dos relatos do entrevistado,
haja vista que este é personagem fundamental da história do Taekwon-Do na Bahia.
REFERÊNCIAS
Entrevista concedida por Ary Alakija Silva em 7 de setembro de 2019 às
15h26min. Brotas, Salvador/BA, Brasil.
HONG HI, CHOI. Taekwon-Do: el arte coreano de la defensa personal. Trad.
Pablo Trajtenberg e Hector Marano. International Taekwon-Do Federation:
Argentina, 1996, 747p.
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
E OUTROS TEMAS
A linha objetiva analisar as ações docentes nos vários campos de
intervenção da Educação Física, buscando compreender como
são constituídos, como se dá sua relação com a sociedade e
com a formação profissional, além de investigar as ações
didáticas e pedagógicas que são estruturadas e desenvolvidas.
Inclui ainda estudos voltados para a área da educação e saúde.
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AS INFLUÊNCIAS DOS SISTEMAS PADRONIZADOS NAS AULAS DE
GINÁSTICA EM ACADEMIA.
Amanda Azevedo Flores
Com a estruturação de novas formas e padrões de comportamento, sob
larga influência de preceitos religiosos, na idade média, as ações que envolviam o
corpo foram relegadas para segundo plano, sendo recuperadas, com o princípio do
culto às formas belas e, neste caso, falamos do período relativo ao Renascimento.
Interessa reafirmar que o termo e as formas de prática da ginástica ganharam
variadas definições de acordo com cada época e cada padrão cultural onde se dava
(FIORIN-FUGLSANG, 2002).
Esta prática, “em alguns momentos, chegou a designar toda e qualquer
atividade física sistematizada, abrangendo desde exercícios militares até práticas
esportivas (DODÔ e REIS, 2014). Entende-se que foi nos séculos XVIII e XIX, na
Europa, que a ginástica, agora sob viés pedagógico ganhou um status, contando
com uma maior estruturação.
Soares (2009), afirma que esse processo visava à organização das
atividades, sob um caráter metódico, rigoroso e mesmo, com cunho disciplinador.
Assim teve origem o termo Movimento Ginástico Europeu. Foi a partir deste
movimento, que vimos surgir os Métodos Ginásticos. Os métodos, sob influências
das revoluções que se davam no continente europeu, dentre elas a científica, tinham
a perspectiva de criar, moldar novos corpos e comportamentos, difundindo as ideias
e preceitos de uma nova saúde, de uma nova sociedade, de um novo homem e de
uma nova ciência e tecnologia.
A ginástica padronizada deveria substituir as práticas de rua, por se
considerar que estas eram nocivas a organização social pretendida naquele
momento. Ou seja, vimos à lógica das ciências serem incorporadas as atividades
corporais, dando as mesmas um ar de pretensa neutralidade e rigorosidade,
devendo ser “limpas” em sua composição, obedecendo a padrões pré-concebidos.
Os métodos nos permitem ver um processo mais claro de sistematização da
prática. A preocupação com a regulação e padronização das atividades, sob um
61 | P á g i n a
aparato pedagógico, dá a dimensão da renovação que se experimentava na
sociedade, nos conhecimentos e nas relações. A partir da década de 1990, vimos se
fortalecer no Brasil, com influências de todas essas modalidades, a busca pela
atividade física personalizada (PRESTES e ASSUMPÇÃO, 2010).
Atendendo assim a necessidade atual de produção do consumo, que
acompanha as exigências do mercado e se refletem na movimentação dentro do
contexto das academias. Também neste mesmo período vimos se iniciar formas
diferentes de ginástica, não em sua estruturação técnica, mas sim em sua
apresentação e comercialização. Falamos aqui de diversas ginásticas que passaram
a funcionar sob moldes estilizados e unificados, com nomes internacionalizados, que
representavam as empresas que criaram patentes de seus modelos, passando
inclusive a negociar franquias.
A Les Mills[1] comercializa no Brasil um sistema, com programas de
ginástica em academias pré-coreografadas, com dez modalidades diferentes e
também licencia academias, sendo representada no país pela Body Systems[2],
sediada na cidade de São Paulo. Sua concepção de aulas une coreografias de baixo
nível de complexidade, sob o aspecto de execução, e com músicas, dando forma a
atividade (GOMES, CHAGAS e MASCARENHAS, 2010).
Os programas da Body Systems são desenvolvidos a partir de um
treinamento direcionado aos seus instrutores, o Body Training Systems. Sua
organização acontece sob o sistema de franquias, ou seja, a academia ou o
profissional interessado, paga pelo direito de uso da marca, das atividades e de
todos os seus produtos correlatos (PAIM, 2007).
Nestes programas, toda a estruturação da aula já é demarcada, ao professor
cabe a função de reproduzir o modelo determinado no material didático. Neste
contexto, a dinâmica das pré-coreografias está intimamente ligada a uma música,
que dita qual a próxima sessão de movimentos, mas que não deixa de seguir a
lógica sequencial do aquecimento, parte principal e volta à calma.
Neste modelo, a academia contratante e seus professores ficam
condicionados a atuar sob os moldes pré-estabelecidos, não havendo assim, espaço
para a elaboração autônoma das atividades. Para tanto, há um processo de
organização e planejamento das aulas, que ocorre a cada três meses, com a
renovação e atualização do material didático, reproduzido em mídia, com CD’s e
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DVD’s das aulas em cada um destes programas. O que se espera com isso, é a
padronização das atividades, sujeitando e condicionado qualquer tipo de ação ao
contrato estabelecido.
Os elementos didático-pedagógicos presentes no exercício da docência,
quando organizados pela Body Systems perdem seus reais valores, já que são
desprovidos de significado, por apenas possibilitar a transmissão de informações,
instruções ou frases previamente programadas. Logo, se torna impraticável um
processo de ensino-aprendizagem com presença de reflexão, planejamento,
consciência e autonomia para agir, decidir e se preciso, melhor reformular, existindo
apenas uma insignificante instrução.
Ao contrário, o planejamento, quando construído pelo professor, dentro de
sua realidade, ajustado as suas possibilidades, interesses e convicções e contribui
para o sucesso de sua docência, já que se mostra “autêntico” e “espontâneo” e isto,
seus resultados, são percebidos diretamente, no cotidiano de cada um, quando do
contato com suas turmas.
[1] Rede neozelandesa.
[2] Body Systems é a empresa que representa uma metodologia de treinamento de
ginástica baseada na realidade de outros países, esse sistema surgiu na Nova
Zelândia em 1980, pelo criador Philips Mills.
REFERÊNCIAS
DODÔ, Aline Menezes e REIS, Lorena Nabanete dos. EFDeportes.com,
Revista Digital. Buenos Aires, Ano 18, Nº 190, Março de 2014. Disponível em:
< http://www.efdeportes.com/>. Acesso em: 27.abr.2015.
FIORIN-FUGLSANG. Cristiane Montozo. A ginástica em Campinas: suas
formas de expressão da década de 20 a década de 70. 2002. 173f.
Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação
Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.
GOMES, Ingrid Rodrigues; CHAGAS, Regiane de Avila; MASCARENHAS,
Fernando. A indústria do Fitness, a mercantilização das práticas corporais e o
63 | P á g i n a
trabalho do professor de Educação Física: o caso Body Systems. Movimento.
Porto Alegre, v. 16, n. 04, p. 169-189, outubro/dezembro de 2010.
PRESTES, Jonato; ASSUMPÇÃO, Cláudio de Oliveira. Ginástica em
academias. In: GAIO, Roberta; GÓIS, Ana Angélica Freitas e BATISTA, José
Carlos Freitas (orgs). A ginástica em questão: o corpo e movimento. 2. ed.
São Paulo: Phorte, 2010.
SOARES, Carmem Lúcia. Da arte e da ciência de movimentar-se: primeiros
momentos da Ginástica no Brasil. In: DEL PRIORE, Mary e MELO, Victor
Andrade de. (Org.). História do Esporte no Brasil: do Império aos dias atuais.
São Paulo: Editora da Unesp, 2009.
PAIM, Vanessa Alves. Os elementos didático-pedagógicos e as condutas dos
professores de ginástica aeróbica nas diversas manifestações mais
praticadas do fitness. Trabalho de conclusão (Monografia), UNISINOS, São
Leopoldo, 2007.
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EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: O DIREITO DE SER VOCÊ
MESMO!
Silvana Regina Echer
“Direitos Humanos são aqueles direitos considerados fundamentais a todos os seres humanos, sem quaisquer distinções de sexo, nacionalidade, etnia, cor de pele, faixa etária, classe social, profissão, condição de saúde física e mental, opinião política, religião, nível de instrução e julgamento moral.”
MARIA VITORIA BENEVIDES
O movimento de defesa dos Direitos Humanos no Brasil surgiu de forma
articulada na segunda metade da década de 70, especialmente no âmbito das
mobilizações sociais contra a ditadura militar e o autoritarismo, legitimados pela
cultura escravocrata, machista e patriarcal. As principais reivindicações era o fim da
tortura, dos assassinatos e dos desaparecimentos de presos políticos e militantes de
diversas organizações sociais e políticas, assim como a restituição dos direitos que
foram eliminados com o fim da democracia no país e que atingiram principalmente
as pessoas negras, indígenas e as mulheres.
Ao longo da década de 80, as experiências nessa área, especialmente no
campo da Educação em Direitos Humanos, foram se ampliando até passarem a
pautar a política governamental, conforme determinado nos artigos 5º a 17º na
Constituição Federal de 1988, bem como expressa atualmente, no Plano Nacional
dos Direitos Humanos e nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que são as
diretrizes do Governo Federal para a educação.
A relevância desta temática justifica-se pela importância da educação como
uma prática social e da escola como espaço de formação de cidadãos de direitos, de
construção de relações sociais igualitárias, pautadas por princípios democráticos,
por uma ética de respeito à dignidade da pessoa humana de ser quem ela é. No
processo de afirmação desses direitos, a educação representa papel importante, ao
65 | P á g i n a
possibilitar a conscientização, a reflexão e a proposição de ações que podem ser
implementadas nas escolas.
O espaço escolar, dentre outros ambientes da sociedade, é um lugar onde
crianças, adolescentes, jovens e adultos devem aprender a lição do respeito a si
mesmo, do respeito ao outro (na igualdade e na diferença), respeito ao planeta e do
exercício da cidadania. Devem também participar ativamente da construção de uma
gestão democrática, de forma articulada com os movimentos organizados da
sociedade civil e sintonizada com as lutas sociais e políticas em defesa do respeito
às diferenças.
Além disso, o desenvolvimento da educação dos Direitos Humanos tem
outros objetivos como: refletir sobre as principais violações de Direitos Humanos
identificadas no cotidiano da comunidade escolar, bem como na sociedade; motivar
a prática de princípios como respeito, justiça, ética, solidariedade e tolerância a si
mesmo e aos outros; debater e sugerir as formas de criar uma cultura de Direitos
Humanos e de Paz no ambiente escolar; preparar os estudantes para assumirem a
condição de sujeitos construtores da sua própria história, na medida em que
intervêm na realidade que vive como atores das práticas sociais; denunciar os casos
de violação de Direitos Humanos no âmbito escolar e social.
Segundo CANDAU (2003), deve-se ter em mente que a educação em
Direitos Humanos não pode ser reduzida à introdução de alguns conhecimentos nas
diferentes práticas educativas. Deve-se elaborar metodologias estratégicas que
explicitam as dimensões que pretendam trabalhar nas práticas pedagógicas.
Dimensões que devem ser integradas e globais. Dimensões do ser humano, da
humanização, da capacidade de reconhecer o outro e se reconhecer no outro, a
socialização, o comprometimento, a cultura, a identidade.
A autora aponta a possibilidade de desenvolver a educação para os Direitos
Humanos através de oficinas pedagógicas, como espaço de construção coletiva de
um saber, de análise da realidade, de confrontação e intercâmbio de experiências. A
participação, a socialização da palavra, a vivência de situações concretas através de
sociodramas, a análise de acontecimentos, a leitura e discussão de textos, a
construção de cartazes, a realização de vídeo-debates, o trabalho com diferentes
expressões da cultura popular, etc, são elementos presentes na dinâmica das
oficinas (CANDAU, 2003, p.87-88).
66 | P á g i n a
Essas atividades são muito importantes e atraentes para os estudantes, pois
favorecem o diálogo e a expressarem os seus sentimentos, seja de indignação ou
sobre a sua dignidade (essência), que é o valor absoluto que toda a pessoa tem
dentro de si e que deve ser respeitada como tal por todos os demais, visando à
formação de uma cultura que priorize a igualdade entre todas as pessoas e, ao
mesmo tempo, a tolerância à diversidade.
Porém, a educação em direitos humanos é um desafio para a cultura escolar
tradicional, que se limita ao papel pedagógico de ensinar a ler, escrever e calcular,
como se, aprendendo essas coisas, as pessoas estivessem aptas a viver em um
ambiente social complexo que requer uma gama de conhecimentos e valores para
uma diversidade de contextos humanos. Observa-se que os processos de
discriminação são inerentes ao ambiente educacional típico de uma sociedade
competitiva. A escola está inserida em um modelo de sociedade multicultural que
não respeita as diferenças. Geralmente, os estudantes com características
vulneráveis não conseguem escapar do estigma a eles imposto, bem como da
discriminação que sofrem.
Verifica-se que a Educação em Direitos Humanos, via de regra, ainda não
faz parte da estrutura curricular dos cursos de formação de professores, o que
representa uma grave lacuna de formação voltada para os desafios
contemporâneos. Constata-se da mesma forma, um número insignificante de
publicações voltada para o público infanto-juvenil e para o público envolvido no
processo educacional.
Apesar da evolução e da afirmação de um processo de promoção e defesa
dos Direitos Humanos no país, é preciso não esquecer que esses direitos são
continuamente desrespeitados e que alguns dos elementos importantes nesse ciclo
de violações são o próprio Estado brasileiro e a falta de conhecimento, pela
população dos seus direitos.
Para que a escola se torne realmente um espaço de afirmação e promoção
dos Direitos Humanos precisa reconhecer que a base para isso é a democracia,
compreender que vai além do âmbito político, mas se insere também no campo
social, e deve se consolidar como uma cultura que esteja presente em todas as
relações sociais e institucionais.
67 | P á g i n a
Assim, educação e Direitos Humanos possuem uma íntima e estreita
relação, cabendo a escola ser agente motivador de sua reflexão, difusão e
implementação de práticas educativas de respeito e defesa desses direitos em todos
os espaços sociais.
No Brasil, ainda estamos nos familiarizando com a ideia de uma sociedade
democrática fundada no respeito aos direitos dos cidadãos, independente de sua
classe social, raça, gênero, orientação sexual, opção religiosa e etc., o que tem se
traduzido um grande desafio, sobretudo em tempos marcados pelo risco da negação
desses direitos.
Defendo que, ao realizar o seu papel de instituição cultural – distribuindo os
bens culturais para todos, vencendo velhos mecanismos de exclusão e
autoritarismo, ao dialogar com seus alunos e comunidade, ao praticar uma didática
que possibilite o desenvolvimento de um processo que oriente para aprender,
defender, zelar e promover a dignidade do ser humano, visando a tornar nossa vida
social menos injusta e violenta – as escolas já estão realizando uma Educação em
Direitos Humanos.
A par disso, os desafios enfrentados pela educação, expressados nos quatro
pilares fundamentais para o século XXI, ao lado do aprender a aprender e do
aprender a fazer, impõem-se, cada vez mais o aprender a conviver e o aprender a
ser como forma imperiosa de harmonia e humanização das relações entre as
pessoas.
Vida longa a democracia e ao direito de ser como você é, sem ter medo
algum!
REFERÊNCIAS
BENEVIDES, Maria Vitória. Prefácio. In: SCHILLING, Flávia(org). Direitos
Humanos e Educação: outras palavras, outras práticas. São Paulo: FEUSP,
Editora Cortez, 2005.
BIASOLI-ALVES, Zélia Maria Mendes e FISCHMANN, Roseli (org.). Crianças
e adolescentes: construindo uma cultura de tolerância. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2001.
68 | P á g i n a
CANDAU, Vera Maria. Educação e direitos humanos, currículo e estratégias
pedagógicas. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto
Alegre: L&PM, 1999.
GUTIERREZ, José Paulo e URQUIZA, Antônio Aguilera (org). Direitos
Humanos e cidadania: desenvolvimento pela educação em direitos humanos.
Campo Grande: Ed.UFMS, 2013
PARO, Victor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo,
SP: Editora Àtica, 1997.
69 | P á g i n a
AS MULHERES E AS PRÁTICAS EQUESTRES.
Adriana Cavalcanti
Triste louca ou má. Será qualificada. Ela quem recusar. Seguir receita tal. A receita cultural. Do marido, da família. Cuida, cuida da rotina. Só mesmo rejeita. Bem conhecida receita. Quem não sem dores. Aceita que tudo deve mudar. Que um homem não te define. Sua casa não te define. Sua carne não te define. Você é seu próprio lar. […]. Ela desatinou. Desatou nós. Vai viver só. Eu não me vejo na palavra fêmea: alvo de caça. Conformada vítima. Prefiro queimar o mapa. Traçar de novo a estrada. Ver cores nas cinzas. E a vida reinventar […].
EL HOMBRE (2016)
As estrofes acima pertencem à letra musical da banda “Francisco, El
Hombre” e fala de uma nova perspectiva de tratar o feminino. Tal perspectiva emana
sob as luzes da república do século XIX, que apesar de não favorecer as mulheres
logo nos primeiros anos deste novo regime governamental, conforme mencionado
por Almeida e Rocha Júnior (2017), tal fato se tornou inevitável de acontecer.
Apesar disso, aquelas que desafiam os moldes impostos pela cultura da
homossociabilidade – uma sociedade masculina que se encontra expandida nos
espaços e no cotidiano, excluindo veladamente, ou não, as mulheres – (ADELMAN,
2011), tem tido que conviver com a ideia de ser considerada “triste, louca ou má”.
Porém, “só mesmo rejeita, bem conhecida receita, quem não sem dores aceita tudo
que deve mudar.”
Sendo assim, o lugar que as mulheres conquistaram na atualidade é fruto de
vários confrontos e enfrentamentos. Até então, o que se intitulava enquanto corpo
feminino, se submetia, com exclusividade, a condição de esposa, mãe e dona de
casa – “a receita cultural do marido, da família, cuida, cuida da rotina.” Essas
condições eram impostas pela sociedade, a partir de uma educação destinada a
possibilitar-lhe o cumprimento de maneira primorosa da missão maternal e de rainha
do lar, considerada a sua única vocação e destino (ALMEIDA; ROCHA JÚNIOR,
2017).
70 | P á g i n a
Mesmo assim, em um cenário conturbado, as mulheres passam a resistir a
tudo que as enclausuraram por muito tempo. Esse corpo, dito feminino, se constrói
sob novas bases – “um homem não te define, sua casa não te define, sua carne não
te define” – e constituindo, segundo Adelman (2011), identidades e subjetividades de
mulheres diferentes, pois elas são o “seu próprio lar”.
Essa construção se dá “[…] de algumas formas significativas, [configurando]
novo sentido ao feminino, indo além das definições centradas na maternidade e
legitimando a participação que as mulheres tão ativamente procuravam nos espaços
públicos nos quais surgiam canais para a (re)construção do eu.” (ADELMAN, 2011,
p. 935) – “e a vida reinventar.”
Para tanto, foi preciso compreender que o corpo é construído culturalmente,
no qual, se encontram as marcas que o identifica, seja temporalmente,
espacialmente, economicamente, etnicamente e socialmente (GOELLNER, 2010).
Por isso falar em feminilidades e não feminilidade, pois só assim, desmistifica-se o
que Wittig (2012, p. 2) chama de o “‘mito da mulher’” que incorpora justamente essa
ideia de padrão normativo de ser feminino atrelado à predeterminação das
dimensões biológicas de ser mãe.
Neste palco de enfrentamentos e desmistificações, que possibilitam a
construção, portanto, de feminilidades outras, temos as práticas esportivas, dentre
elas, as práticas equestres, constituindo-se assim, em “[…] terreno de lutas
simbólicas e práticas intensas sobre definições de feminilidade, sobre ‘o que é uma
mulher’ e quais as atividades que um corpo marcado como feminino pode ou deve
realizar” (ADELMAN, 2011, p. 931).
Obviamente, que a equitação não é algo recente no universo das
feminilidades, apesar de ser realizada de modo limitado, como por exemplo, no
Antigo Regime da França. As damas da corte deveriam montar em amazona, ou
seja, sentada, com as duas pernas unidas à esquerda do cavalo. Além disso,
deveriam seguir uma espécie de “cartilha”, na qual, se definia regras de conduta no
intuito de atender aos moldes da boa educação, principalmente no que se refere às
vestes, postura, equipamentos e gestualidade. O importante era manter a elegância,
a graça e a beleza (HOUBRE, 2007).
Contudo, em 1880 se estabelece um rito de transgressão nas práticas de
equitação: as mulheres passam a montar em um cavalo com uma perna em cada
71 | P á g i n a
lado, assim como os homens o faziam. A partir disso, todo o repertório corporal, bem
como de vestes e postura se modificam com o tempo (HOUBRE, 2007). E daí por
diante, passamos a ter mulheres em diversas práticas equestres como o hipismo,
mais especificamente a prova de salto; o turfe e o rodeio campeiro.
Normalmente, as mulheres que se envolvem nestas modalidades começam
na infância, tendo como mola propulsora para adentrar este universo, a paixão por
tais práticas e pelos cavalos. Porém, jovens amazonas têm dificuldades em
participar, no sentido de ser difícil convencer os pais e/ou parentes, por alegarem
que são esportes muito perigosos para serem praticados por mulheres. A falta de
apoio por parte de cônjuges e filhos, no caso de amazonas adultas, também se
constitui em obstáculo para exercê-los (ADELMAN, 2011).
Por outro lado, elas se sentem em outro patamar em relação às demais
mulheres da sociedade ao participarem desses esportes. Veem-se mais corajosas,
ousadas e com um perfil diferenciado em relação a “construções convencionais de
feminilidade”, ou seja, “afastadas do cotidiano banalizado de interesses ‘tipicamente
femininos’” (ADELMAN, 2011, p. 941).
Porém, adentrar espaços que historicamente sempre foi dominado por
homens, não se constitui em tarefa fácil. Algumas delas se sentem sozinhas neste
meio muito masculinizado. Ouvir comentários preconceituosos é comum. Há quem
acredite que de tanto mexerem com cavalos vão se tornar mulheres machorras,
grotescas, musculosas e horrendas. Mas mesmo assim, demonstram muita “garra” e
determinação para adquirirem o respeito devido nestas práticas (ADELMAN, 2011).
Destarte, pelo visto, aquelas que transgridem a fronteira do considerado
permissível às mulheres, passam a ser vistas como alguém que “[…] desatinou,
desatou nós, vai viver só”, como diz a música do início deste texto.
Contudo, apesar da existência de tensões e confrontos que dificultam a
inserção das mulheres nas práticas equestres, nota-se, segundo Adelman (2011),
que o monopólio de um padrão masculino vem sendo frequentemente questionado,
contestado e renegociado. Assim sendo, uma mudança cada vez mais progressiva,
depende de homens e mulheres que assumam o compromisso de romper as
fronteiras da ignorância e do preconceito que corporeificam um ser mulher atrelada a
“palavra de fêmea: alvo de caça, conformada vítima.” É preferível que como seres
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humanos que somos, “queimar o mapa, traçar de novo a estrada, ver cores nas
cinzas, e a vida reinventar”.
REFERÊNCIAS
ADELMAN, Miriam. As mulheres no mundo equestre: forjando corporalidades
e subjetividades ‘diferentes’. Estudos Feministas, Florianópolis, 19(3): 392,
setembro-dezembro/2011.
ALMEIDA, Marlaine Lopes de; ROCHA JUNIOR, Coriolano Pereira da.
Representações femininas em festas dançantes em Aracaju no início do
século xx: educação e sociabilidade. Movimento, Porto Alegre, v. 23, n. 3, p.
1013-1024, jul./set. de 2017.
EL HOMBRE, Triste, Louca ou Má. Albúm: SOLTASBRUXA. La Habana:
Cuba, 2016.
GOELLNER, Silvana Vilodre. A educação dos corpos, dos genêros e das
sexualidades e o reconhecimento da diversidade. Cadernos de Formação
RBCE, p. 71-83, mar. 2010
HOUBRE, Gabrielle. Graciosa ou viril? A postura das amazonas no século
XIX. Revista Gênero, EDUFF, 2007, 7 (2), pp.13-20.
WITTIG, Monique. Ninguém nasce mulher. Zine: Hurrah, um grupelho eco-
anarquista e Coletivo Bonnot, Departamento de Terrorismo Performático de
Gênero, p. 1-20, 2012. Disponível em:
http://casadadiferencams.blogspot.com.br/2012/05/nao-se-nasce-mulher-
texto-de-monique.html
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A GINÁSTICA CIRCENSE E SUAS POSSIBILIDADES.
Aline Gomes Machado
A Ginástica tem se constituído como objeto de estudos de pesquisadores
brasileiros nas últimas décadas. Apesar de, inicialmente, a tratarmos no singular, é
consenso entre esses estudiosos desta temática que podemos falar num sentido
plural, manifestações múltiplas que remontam a um grupo de atividades que
configuram a ginástica. Podemos falar então de GINÁSTICAS.
Suas origens não possuem muita precisão, já que a amplitude do conceito
remete às práticas milenares. Apesar de não serem definidos dentro do termo exato,
vários exercícios são mencionados na literatura em semântica indicativa da
ginástica. Ramos (1982) mostra uma posição, que indica que a ginástica, como a
prática do exercício físico, vem da Pré-história, afirma-se na Antiguidade, estaciona
na Idade Média, fundamenta-se na Idade Moderna e sistematiza-se nos primórdios
da Idade Contemporânea.
A Ginástica Sueca, A Ginástica Francesa, A Ginástica Alemã, o Turner, que
são referências ao conhecido Movimento Ginástico Europeu do início do século XIX;
a ginástica Higiênica, a ginástica racional e científica, a ginástica de academia, as
ginásticas de competição, dentre outras, são expressões que se apresentaram e/ou
apresentam no país, em maior ou menor grau, tanto como prática propriamente dita,
quanto objeto de estudos.
Pensando na ginástica circense numa perspectiva histórica, já que este é o
nosso lugar de fala uma vez que nos propomos atuar nesta área, podemos perceber
que esta prática se constituiu como parte do cotidiano brasileiro em determinado
período histórico, mais especificamente o século XIX, merecendo assim uma
atenção cuidadosa para sua manifestação.
A ginástica circense integrou um dos primeiros espaços de difusão da
ginástica no Brasil. Exibida em circos e teatros esta ginástica compusera círculos de
sociabilidade e diversão entre a sociedade brasileira que se encantava e impactava
com os movimentos executados nos espetáculo. O espaço do circo se caracteriza
como um lócus de diversão acessível às camadas populares, tornando-se uma das
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atrações mais procuradas pela população do Brasil do século XIX, tendo os
exercícios gímnicos de acrobacias, contorcionismos, malabarismos como parte
importante dos seus espetáculos (MELO, 2007; MELO e PERES, 2014).
Também o teatro foi um espaço de prática dessa ginástica circense, também
chamada de ginástica-espetáculo. Frequentados por uma camada mais abastada da
sociedade, no Brasil oitocentista, “nas duas primeiras décadas, também foram
comuns à apresentação em teatros de atletas que realizavam “proezas ginásticas”,
caso do famoso José Floriano Peixoto e sua “Companhia Ginástica e de
Variedades”“ (MELO, 2007, p.150).
Falando da capital baiana, encontramos no jornal Correio do Brasil, com
circulação em Salvador no ano de 1904, a apresentação do chamado menino cobra
Francisco Fernandes descrito como perfeito deslocador que executou todos os
movimentes, quer em equilibrio, quer em saltos, que em deslocações, no espetáculo
da Companhia Gymnastica Bahiana, despertando admiração e espanto dos
espectadores.
Apesar deste gosto e admiração pela ginástica circense, num dado momento
do século XIX, ela passava a ser questionada e até mau vista por um determinado
grupo intelectual que visualizava na ginástica um instrumento capaz de fornecer
usos econômicos e racionais do corpo. Assim, essa ginástica-espetáculo que
permitia um uso livre e, aparentemente, irracional e indevido do corpo, não deveria
mais fazer parte do cotidiano da sociedade brasileira, de acordo os ideias desta elite
intelectual. Contudo, apesar deste movimento, os espetáculos ginásticos continuam
acontecendo ao mesmo tempo em que uma desejada ginástica científica e racional
se desenvolve, como afirmam Machado (2018).
Desta forma, mais do que uma discussão aprofundada sobre a ginástica
circense, apontamos aqui como esta prática nos oferece um amplo espaço de
discussão, já que pode ser encarada a partir dos aspectos de diversão e
sociabilidade, uma vez que se apresentou como realidade da cultura brasileira. Além
de possibilitar diálogos sobre formas, usos e representações de corpo no século
XIX.
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REFERÊNCIAS
MACHADO, Aline Gomes. A Ginástica Como Prática Educativa na Bahia.
Salvador, 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal
da Bahia.
MELO, Victor Andrade de. Dicionário do Esporte no Brasil: do século XIX ao
início do século XX. Autores Associados. Rio de Janeiro, 2007.
MELO, Victor Andrade de; PERES, Carlos de Faria. A Gymnastica no Tempo
do Império. 7Letras. Rio de Janeiro, 2014.
76 | P á g i n a
INFLUÊNCIAS POLÍTICAS E COEXISTÊNCIA DOS SISTEMAS NO
SUS.
Bruno Anunciação dos Santos
Durante a construção do SUS houve uma grande e marcante participação
popular em todo o processo, desde a idealização até a luta pela sua implementação.
Um dos frutos dessa mobilização popular foi a reforma sanitária, que propôs um
sistema de saúde muito avançado em relação as políticas públicas vigentes no país,
elevando o patamar da saúde pública brasileiro para de grande referência mundial.
A reforma proposta entre outras coisas propunha a humanização no cuidado
e a autonomia do sujeito sobre as decisões de saúde tomadas sobre seu corpo,
levando a diversos questionamentos sobre a pratica medica hegemônica que era
ofertada no Brasil. A adoção definitiva desse novo conceito de saúde, traria um
embate de forças para a grande área. É sabido que o poder medico exerce forte
influência em todas as decisões em saúde, e agora teria um grande opositor pela
frente, opositor esse que tinha o apoio da sociedade, porém, esse poder nunca
perdeu seu status, sendo sempre decisivo no direcionamento do SUS, culminando
no que chamaremos aqui de coexistência de modelos assistências no SUS.
Atrelado a tudo isso percebemos que o processo de implementação do sus
foi iniciado em um governo cujo ideal liberal erra a principal frente do programa de
governo, entendendo dessa forma que a o Estado deviria intervir minimamente nas
questões sócias, Paim nos conta que “As limitações das ‘políticas racionalizadoras’
propiciavam certo espaço para o desenvolvimento de ‘políticas democratizantes’ e,
em especial, para a defesa da ‘proposta’ da Reforma Sanitária e da organização do
SUS. A chamada ‘Nova República’ poderia apostar num conjunto de reformas como
um meio de saldar a dívida social acumulada em 21 anos de regime militar, mas o
fim melancólico do governo responsável por conduzir a transição democrática
terminou por contribuir com cores de farsa para a tragédia brasileira” (PAIM, 2009, p.
36). Dito isso a Reforma Sanitária foi parcial, e sentimos isso explicitamente no
“chão de fábrica”, os dois sistemas coexistem no sus (medico centrado, sanitarista)
77 | P á g i n a
de forma que as idealizações teóricas e proposta de uma outra concepção de saúde
se tornam impraticáveis.
Os Governos que sucederam ao impeachment na conjuntura pós-
constituinte (Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Ignácio Lula da
Silva) foram incapazes de fazer avançar o ‘processo’ da Reforma Sanitária brasileira.
No limite, esses governantes produziram fatos que levaram à implantação tortuosa
do SUS […] Cumpre apenas destacar que, não obstante o retraimento dos
movimentos sociais nesse período, os canais de participação social propostos pela
Reforma Sanitária brasileira e o SUS, bem como o persistente movimento sanitário,
possibilitaram a continuidade do ‘processo’ da Reforma. Apesar das contradições e
conflitos gerados, a criação de espaços de participação social, como conferências e
conselhos de saúde, permitia a constituição de novos sujeitos que se transformavam
em atores políticos (2009, p.37).
Para evidenciar como a coexistência desse modelos de atenção impactam
do processo de trabalho e consequentemente nos serviços ofertados a população,
podemos tomar como exemplo, o acolhimento, temos essa proposta inovadora que
é prevista na Política Nacional de Humanização (PNH) que faz parte da Política
Nacional de Atenção Básica (PNAB) que entre outras coisas, pretende realizar uma
escuta acolhedora do usuários nas unidades de saúde, tentando dar resolutividade a
sua queixa principal e forma dignar e eficiente, por qualquer profissional de saúde
que seja designado, porém, na prática se torna praticamente impossível de se
aplicar, pois corriqueiramente caímos na velha e persistente prática, o poder de
atuação profissional restringi ou deixa de mãos atadas todos os outros profissionais
de saúde, necessitando recorrer a esse o poder máximo para tomar condutas
simples no acolhimento, voltando assim a mesma alopatia de sempre.
Como se não bastasse todos os problemas que o SUS enfrenta na sua
lógica de existência, nos deparamos agora com políticas de extrema direita, que
entre tantas barbareis ditas e agora executadas não sabemos o que será do SUS
nos próximos 4 anos, a eminencia de venda literalmente da saúde do cidadão
brasileiro é cada vez mais clara, o desrespeito aos corpos, negros, femininos, gays,
trans é só mais um reflexo da desumanização constante que é pregada no Brasil. É
de fato um momento muito delicado e preocupante para a população brasileira,
78 | P á g i n a
porém a solução está muito palpável a todos os cidadãos, a resistência e a luta,
assim como foi para construir o SUS.
Fico me perguntando, quando a saúde de fato será entendida como algo
amplo, com sujeitos extremamente ativos no seu processo de saúde-doença,
quando a fragmentação do “SER” findará e dará início a um entendimento de
completude humana. Não somos dissociados da nossa mente, do nosso espirito
então porque delegamos a uma outra pessoa as decisões que serão tomadas sobre
nosso corpo? Entendo que isso é um outro debate que nos levara a uma
profundidade nas relações humana, mas onde está a autonomia do sujeito?
Resposta essas que busco na minha pratica profissional.
REFERÊNCIA
PAIM, J. S. Uma análise sobre o processo da Reforma Sanitária brasileira.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 27-37, jan./abr. 2009
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NO LUGAR DA FALA, A ESCUTA: PRIMEIRA TURMA DE
EDUCAÇÃO FÍSICA DA UCSAL.
Maria Elisa Gomes Lemos
O Estádio Octávio Mangabeira estava vazio, apenas os avaliadores e os
candidatos à vaga de estudante do primeiro Curso de Licenciatura em Educação
Física da Bahia da Universidade Católica do Salvador – UCSAL estavam a postos
para as provas práticas que os habilitariam a condição de professor licenciado em
Educação Física, mas quem são estas pessoas, quem atuava na área, e quem
ministrava a matéria nas escolas da capital e interior da Bahia na década de 1970?
Acreditamos que o interesse destes candidatos pela área tenha ocorrido,
como hoje, por inúmeros motivos, e que o principal deles tenha sido a relação com a
ginástica, os esportes, e experiências multissensoriais que foram valiosas para o
exercício profissional voltado à prática e a formação do professor, na conduta teórica
e prática nesta disciplina, mesmo sem uma formação acadêmica.
É fato que nesta trajetória, talvez tenha havido considerada influência, a
consolidação do Conselho Federal de Educação Física, e ampliação dos cursos de
graduação e pós-graduação na área, no período marcado entre as décadas de 1980
e 2010, e contribuído significativamente para outro olhar da sociedade sobre a
profissão.
Além disto, nestes mais de quarenta anos, além do significativo aumento de
candidatos e professores, da produção do conhecimento na área de Educação
Física, esta se tornou uma profissão conceituada perante a sociedade, tendo
alcançado um elevado patamar de pesquisa, onde os investigadores voltaram seus
olhares para a produção acadêmica, e para a atuação do discente e docente
universitário.
E, diante deste avanço, os olhares, quando lá atrás estava na urgência pela
titulação, na qualificação do chamado professor “leigo”, iniciou-se um período de
questionamentos sobre a formação do profissional, especialmente, quanto ao ensino
transmissivo, sem articulação entre teoria e prática.
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A partir de então estudos foram realizados no intuito de melhor balizar a
atuação do docente universitário em prol de uma formação mais abrangente e
contextualizada, para atender às necessidades da sociedade, não que em 1973 não
houvesse esta preocupação. Daí resultou-se em reformas curriculares que
passaram a atender diferentes segmentos da profissão, tais como os de esportes
populares, o ensino regular, e a formação.
Enquanto isto, aquele espaço das provas físicas da primeira turma da Ucsal,
o Estádio Octávio Mangabeira é palco de apresentação da Olimpíada Baiana da
Primavera, maior festa de abertura do esporte amador estudantil da Bahia, eram
apresentadas diferentes modalidades individuais e coletivas, ao longo das décadas
de 60 e 80, vivia seus anos de quase cem por cento de sua capacidade operacional.
Este complexo de equipamentos olímpicos com pista oficial de atletismo,
conjugado com o Centro Olímpico de natação da Bahia com piscina olímpica, e o
Ginásio de Esporte Governador Antonio Balbino, além das provas da Ucsal, é o
espaço de apresentação de jovens atletas de diferentes colégios estaduais, que
buscavam construir sua história esportiva, acompanhados pelos professores antes
leigos, agora formandos da primeira turma da Ucsal, é implodido em 2010 dando
lugar a atual Arena Fonte Nova.
O ser humano, de modo geral, de forma especial, satisfaz suas curiosidades
intelectuais e suas necessidades por meio de atividades também motoras. Neste
contexto, a escolha da formação profissional deste grupo, parece ter servido de
veículo para grande número de contatos sociais de aprendizagem, e cooperação,
além de fortalecer a capacidade de pensar, interpretar, solucionar problemas e de
tomar rápidas decisões, sem pretensões de serem os primeiros.
No entanto é acidentalmente, o mais antigo, o essencial, o original, o grupo
inicial, a primeira turma de professores licenciados da Bahia. Hoje percebemos a
valorização da turma como objeto de estudo das ciências humanas e sociais,
justificando por base, o próprio valor da formação, como dimensão social. Também
pelo fato de ter uma dupla expressão na prática, a formação nos ajuda a entender os
significados e meandros da construção dos personagens do primeiro Curso de
Licenciatura em Educação Física e Desportos da Universidade Católica do Salvador
do primeiro Curso de Educação Física na UCSAL.
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A LUTA ANTIMANICOMIAL É TODO DIA!
Ewerton de Almeida Oliveira
A sociedade sempre tratou o comportamento incomum enquanto uma
conduta subversiva, incômoda e que precisava passar por algum ritual religioso e/ou
isolamento, para que retornasse a sua condição de normalidade. A compreensão do
“louco” e da “loucura” em determinados períodos da história era tratada de diferentes
formas, havendo distintos procedimentos de exclusão social no qual o manicômio
sempre foi a peça chave nessa relação de contenção.
Os primeiros registros segundo SADE (2014, p.19, apud Pessoti, 1994)
estão descritos nos livros do Antigo Testamento, no qual aponta o comportamento
anormal como fruto de forças sobrenaturais, onde a solução era a expulsão dos
maus espíritos ou punições físicas. Na Idade Média por sua vez, os sacrifícios e a
cura estiveram intimamente ligados ao do poder Igreja. Mais à frente, com o
processo da industrialização e consequente aumento da pobreza, outros
mecanismos foram utilizados, a exemplo do isolamento social em prédios ou
casarões antigos, ordenados pelo poder público e afastados da cidade. No século
XVII segundo SADE (2014, p.21, apud Foucault, 1978), a loucura é definida pela
norma social estabelecida à época. As casas de internamento acolhiam doentes
mentais, leprosos, criminosos, dando cuidados, muitas vezes, considerado piores do
que nas prisões, remontando a constituição psiquiátrica.
No século XVIII surge uma nova lógica de tratamento que se baseava na
moral e na educação SADE (2014, apud Gondim, 2001) avançando, à época, no
cuidado com o sujeito, no entanto, o paciente não poderia exercer sua liberdade,
tendo que se adequar às normas da instituição. Com o passar dos anos, tais locais
passaram a ter médicos especialistas, mas a maioria da equipe de trabalho, muitas
vezes sem formação adequada, tinha um cunho conservador e religioso em sua
atuação. Com o capitalismo em ascensão, essa população outrora marginalizada,
começa a ter um valor de uso em um novo mercado de trabalho e, portanto,
somente as pessoas com problemas mentais se mantiveram ali. Estes locais ficaram
mais conhecidos como manicômios, ou seja, a razão manicomial historicamente tem
82 | P á g i n a
sido uma lógica de afastamento do convívio social com o claro objetivo de
reorganizar as relações, disciplinando corpos e movimentos.
Após a Segunda guerra mundial na Europa e nos EUA surgem os primeiros
movimentos contrários ao tradicional modelo hospitalocêntrico no cuidado à saúde
mental, a partir de denúncias constantes de maus tratos e violências. No Brasil, os
debates avançam e no final dos anos 70, já em período da ditadura militar, onde
houveram os primeiros movimentos que questionaram a assistência psiquiátrica.
Profissionais contestaram e denunciavam práticas de abusos com os pacientes em
diferentes espaços, ganhando força no cenário nacional e constituindo o Movimento
dos Trabalhadores em Saúde Mental.
Outro momento importante foi o Encontro Nacional de Saúde Mental em
1987 onde o tema “por uma sociedade sem manicômios” contribuiu para que o
movimento deixasse de ser apenas dos profissionais e passasse a ter uma
participação social mais efetiva. Além disso, resultou na extinção das instituições e
concepções manicomiais, não se restringindo a uma transformação limitada aos
espaços de saúde, mas ampliando a sua luta, reconhecida como a “luta
antimanicomial”.
Em 1989 o Projeto de Lei nº 3657, proposta pelo Deputado Federal Paulo
Delgado, previa a extinção progressiva dos manicômios, sendo substituídos por
outros recursos assistenciais. No entanto, apenas em 2001 – fruto de muita luta – é
aprovada a Lei Federal 10.216 ou Lei Nacional da Reforma Psiquiátrica, que objetiva
a proteção e direitos de pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando
o modelo assistencial, buscando uma mudança no tratamento e no lugar da loucura
na sociedade. Como desdobramento, temos a Política Nacional de Saúde Mental
(PNSM), no qual visa a constituição de dispositivos substitutivos aos hospitais
psiquiátricos, desinstitucionalizando a lógica de internações longas e o isolamento
social, buscando a reabilitação através do trabalho, da cultura e do lazer.
Avançamos muito desde então, no entanto, como nem tudo são flores, os
ventos começaram a mudar de direção com a instalação do estado de exceção e
alguns indícios de mudanças que representaram o retrocesso do grau de avanço da
PNSM. O conjunto dessas mudanças estão em curso desde a aprovação da
resolução da Comissão Intergestores Tripartite de dezembro de 2017. No entanto,
este ano houve a divulgação da Nota Técnica Nº 11/2019, em 05 de fevereiro,
83 | P á g i n a
produzida pela Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas –
Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretária de Atenção à
Saúde do Ministério da Saúde – no qual trata da mudança na PNSM e das diretrizes
da Política Nacional sobre Drogas.
Diferentes setores insatisfeitos apontaram as incongruências entre a nota e
o que se é preconizado com a Lei da Reforma Psiquiátrica pois a medida rompe com
a atual política de desinstitucionalização e incentiva a hospitalização e o retorno do
tratamento desumanizado. Sendo assim, os principais pontos que foram alvos de
críticas fundamentadas nos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira e
despertam preocupação são: A inclusão de hospitais psiquiátrico nas redes de
atenção psicossocial, com prioridade no financiamento e reforçando um modelo
hospitalocêntrico; O incentivo ao uso da eletroconvulsoterapia (ECT) o popular
eletrochoque e o perigo do uso trivial e sua produção simbólica; A possibilidade da
internação de crianças e adolescente em hospitais psiquiátricos e o favorecimento
ao uso do método da abstinência no tratamento a usuário de álcool e drogas,
negando a lógica ampliada da redução de danos.
Após enorme pressão social dos diferentes setores do campo da saúde
mental, foi retirada de circulação e o próprio Ministro da Saúde, até então Luiz
Henrique Mandetta, revelou em entrevista ter desconhecimento sobre os principais
pontos questionados, classificando-os como polêmicos. Porém, mesmo com a
retirada da circulação para uma (re)avaliação interna, os argumentos apresentados
da nota continuam tendo relevância pois as portarias não foram revogadas,
ratificando a racionalidade reducionista e ideológica, do avanço do conservadorismo
e o desmantelamento intencional do SUS.
Em síntese, a nota técnica nos faz lembrar que a reforma psiquiátrica é um
processo contínuo e todos os dias é preciso reforçar a desconstrução do modelo
manicomial, seja dos antigos hospitais até as recentes comunidades terapêuticas.
Se faz necessário a efetivação da desinstitucionalização e a manutenção dos
serviços substitutivos, para assim promover visibilidade, voz e cidadania a estes
sujeitos, buscando romper com o conservadorismo, dando um novo lugar de amor,
aceitação e respeito, ao olhar para o louco e a loucura.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais
e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União.
Câmara dos Deputados (BR). Projeto de lei nº 3657-1989. Dispõe sobre a
extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos
assistenciais e regulamenta a internação psiquiátrica compulsória. Brasília:
CD; 1991
SADE, R.M. S. Portas abertas: Do manicômio ao território: Entrevistas
Triestinas. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014.
RESOLUÇÃO Nº 32, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2017.
NOTA TÉCNICA Nº 11/2019-CGMAD/DAPES/SAS/MS. Disponível>
http://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf. Acesso em
02/03/2019.
Entrevista do Ministro da Saúde Luiz Henrrique Mendetta. Disponível em:
https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,texto-de-ministerio-da-saude-da-
aval-ao-eletrochoque,70002712508 Acesso em 02/03/2019.
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EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS E ESTÉTICAS NOS FESTIVAIS DE
DANÇA NA GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA.
Viviane Rocha Viana
O texto em tela provoca uma reflexão acerca das experiências vivenciadas
ao longo de pouco mais de uma década trabalhando com o ensino da dança na
formação de professores/as de educação física considerando o que foi vivenciado
em cada aula e observando o despertar da consciência corporal daquele/a que
vivenciou a dança no seu contexto cênico, encarando-a numa perspectiva artístico-
estética.
Para tanto, faz-se necessário inicialmente destacar o olhar que tecemos
acerca do corpo, pois este representa a condição física de nossa existência e os
movimentos por ele realizados contribuem para o diálogo com o mundo, pois antes
mesmo da fala o ser humano já se comunicava através da expressão e dos
movimentos realizados pelo corpo (FARO, 1986). Assim, este passou a fazer parte
das relações entre o sujeito e o meio, como primeiro plano de visibilidade humana,
como lugar privilegiado das marcas da cultura (SOARES, 1999), pois através da
expressão corporal e do movimento entra em cena a comunicação que se
estabelece com o meio.
Dessa forma, percebe-se que os corpos que dançam carregam consigo
possibilidades de permitir, acessar e construir constantes diálogos com e no mundo.
Pois, através da dança, podem-se compreender movimentos que falam, contam e
representam significados sociais, históricos e culturais da sociedade. Para Marques
(2010) os saberes da dança estão associados aos cotidianos sociais dos sujeitos,
consequentemente também estão atrelados as suas corporalidades.
No contexto da dança, enquanto atividade educativa – formativa é
importante saber o que se quer contar, pois a cada aula ou a cada composição
coreográfica faz-se necessário enriquecermos nossa prática de significados. Visto
que para os estudantes este componente curricular pode oportunizar relevante
aprendizado devido a sua pluralidade cultural que expressa e simboliza a existência
humana.
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Logo, no cotidiano das aulas e através da realização dos Festivais a cada
final de semestre letivo é possível perceber nos estudantes um olhar diferenciado
para com o aspecto estético, expressivo e artístico que a Dança pode representar
em suas vidas. Pois vale considerar que o dançar representa um momento de
interação, troca de experiências e aprendizado.
Para Gariba (2007), a dança enquadra-se ainda como linguagem que deve
ser ensinada, aprendida e vivenciada, na medida em que favorece o
desenvolvimento de vertentes cognitivas, éticas e estéticas e contribui
qualitativamente para as questões da socialização e expressão.
A partir da aproximação com a dança os estudantes vão, a cada atividade
prática, estabelecendo aos poucos um contato diferenciado com seu próprio corpo,
consequentemente adquirindo uma relação mais proximal consigo mesmo, bem
como com outros colegas de turma, com objetos e tudo que se encontra ao seu
redor.
Neste sentido, Barreto (2005) afirma que as aulas de dança permitem que as
pessoas vão adquirindo consciência dos seus sentimentos, ideias, sensações e
pensamentos, assim os caminhos das técnicas se abrem permitindo que apareçam
as formas dançantes desses e nesses corpos.
Logo, o professor deve ser capaz de compartilhar conhecimentos e
diferentes experiências em dança, seja através de diversificados ritmos, sejam em
aulas de expressão corporal ou mesmo na realização de eventos como Festival de
Dança. Este que ao longo dos anos vem se constituindo nos cursos de Formação de
professores de Educação Física um elemento motivador para o ensino e
desenvolvimento das aulas, pois permite que os estudantes percebam, ao longo da
sua construção e durante a realização do mesmo, o significado pedagógico que este
proporciona.
O Festival pode motivar a participação dos estudantes nas aulas de dança
porque propõe, para a grande maioria, desafios a serem superados. Além disso,
também pode proporcionar ao futuro professor maior segurança para com o hábito
da prática.
No entanto é possível perceber no processo de experimentação da
montagem de células coreográficas, consequentemente da construção do festival,
além da superação de desafios, a diversão e também sensações de insegurança
87 | P á g i n a
proveniente, na maioria das vezes, da timidez, sobretudo para aqueles que, até
então, não haviam experimentado uma relação mais artística e estética com a
dança. Pois, para atender aos elementos artísticos necessários num trabalho com
dança precisa-se de efeitos cênicos, bom espaço e sonorização. Para isso o Festival
é realizado em auditórios, teatros ou outros espaços que acomodem os estudantes
no momento da dança, assim como o público espectador e ainda atenda as
necessidades do evento.
Vale destacar que o aluno também pode vivenciar a construção do festival
na condição de organizador e/ou auxiliando na realização do evento. Aos que
escolhem o dançar ou são destinados a isso, é importante pontuar que o elemento
técnico presente na dança não está voltado à lógica do rendimento, ou mesmo de
uma gestualidade codificada, mas a ideia é que seja destacada a consciência do
próprio corpo e superados os conflitos que cada movimento reflete no sujeito que
aprende (FREIRE, 2007), consequentemente no sujeito que dança. Ainda, sem falar
da presença do figurino e de outras variáveis da composição coreográfica, que
auxiliam bastante na interpretação de personagens e na incorporação do fazer
artístico.
Contudo, vale salientar que, embora as realizações dos festivais de dança
possibilitem uma vivência artística – estética diferenciada para os estudantes dos
cursos de educação física, bem como apresentem outros elementos, já destacados
neste texto, considerados também importantes para o processo formativo desses
estudantes, a avaliação é um item presente no contexto do Festival que tanto atende
a uma demanda institucional, como também de forma diferenciada, rompe com os
padrões metodológicos de uma avaliação convencional.
Para isso, em se tratando de avaliação, sob a perspectiva docente é
relevante destacar que junto às aprendizagens relacionadas no e com o Festival
estão alguns elementos imprescindíveis como a técnica, esta presente na
construção, nos saberes e na apreensão de conteúdos; a ética, presente nos valores
humanos envolvidos em todo o processo de elaboração e realização do Festival; o
estético presente na sensibilidade e criatividade dos alunos; e o artístico, na
incorporação e interpretação das personagens dançantes, sem falar no elemento
político presente nas temáticas apresentadas (CARBINATTO et al, 2016).
88 | P á g i n a
Sob a perspectiva docente os festivais de dança representam, para além de
um instrumento avaliativo, a aproximação do estudante com os possíveis espaços
de atuação profissional, com uma maior diversidade rítmica e cultural, além de
provocar reflexões importantes e caminhos a serem percorridos em busca de uma
formação cada vez mais qualificada para o trabalho com Dança.
REFERÊNCIAS
BARRETO, Débora, Dança, ensino sentidos e possibilidades na escola.
Campinas: SP, Editores associados, 2005.
CARBINATTO, Michele Viviene et al,. Avaliação em Dança: o caso dos
festivais universitários da Educação Física, 2016. Disponível em
http://www.scielo.br/pdf/pp/v27n3/1980-6248-pp-27-03-00057.pdf. Acesso em
31 de maio de 2019.
GARIBA, C.M.S.; FRANZONI, A. Dança escolar: uma possibilidade na
Educação Física. Revista Movimento. Porto Alegre, v.13, n. 02, p.155-171,
maio/agosto de 2007.
FARO, Antônio José. Pequena História da Dança. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar., 1986.
FREIRE, P.. Educação como prática da liberdade. 30 ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2007.
MARQUES, I. A. Linguagem da Dança, arte e ensino. São Paulo: Digitexto,
2010.
SOARES, C. L. (Org.). Corpo e educação. Caderno Cedes. Campinas, v. 19,
n. 48, 1999.
89 | P á g i n a
EDUCAÇÃO FÍSICA E DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO.
Aline Gomes Machado
O contexto sociocultural apresenta diversos temas de grande complexidade
que vem sendo debatidos, ao longo dos anos, nos espaços acadêmicos e sociais.
Dentre as várias temáticas possíveis, destaco aqui a questão da diversidade de
gênero e sexualidade e suas implicações nos espaços de atuação da Educação
Física.
Comungamos com ideia de que as identidades de gênero e sexuais são
construídas socialmente, isso significa que todos os ambientes de convivência,
sociabilidade, trabalho, estudo, enfim, os mais diversos espaços e seus elementos
participam desse processo de construção identitária. Dessa forma, pensando na
Educação Física e seus conteúdos como integrantes da realidade cotidiana das
pessoas, seja ela na escola ou momentos de lazer, é importante fazermos reflexões
entre ela, a EDF, e as diversidades que apontamos aqui.
Numa primeira leitura, podemos pensar como as práticas corporais permitem
uma liberdade corporal, já que, aparentemente, se faz num momento de
descontração, divertimento, afrouxando as vigilâncias e repressões corporais que
fazem parte do cotidiano social. O comportamento corporal, jeitos e trejeitos não
seriam estigmatizados, exigidos a atender os paramentos de gêneros habituais. Isso
significaria que esses momentos de práticas corporais permitiram a expressão livre
dos corpos que fogem ao padrão heteronormativos, potencializando a construção
empoderada das diversidades.
Contudo, se olharmos mais atentamente, iremos ver que a Educação Física,
desde o seu princípio, se constituiu na esteira de normas que reforçam a distinção
binária de gênero, masculino e feminino. Machado e Pires (2016) apontam a
flagrante proximidade da Educação Física com as instituições militares, quando se
sua instauração no Brasil, com todas as suas características de supervalorização
masculina, nacionalismo, patriotismo. O corpo desejado, almejado era um corpo
forte, reto, vigoroso, um corpo masculino.
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Historicamente, o ideal de corpo esteve intimamente ligado à área de
conhecimento que é a Educação Física. Essa contribui para o enquadramento dos
corpos, definindo-os no dualismo de normal, anormal; certo, errado; belo, feio;
eficiente, inútil. Dentro das exigências heteronormativas, as quais influenciou e
influencia as práticas corporais, os olhares são treinados para perceber e classificar
as marcas que são socialmente inscritas nos corpos, como afirma Louro (2000),
aprendemos a classificar os sujeitos pelas formas como eles se apresentam
corporalmente, pelos comportamentos e gestos que empregam e pelas várias
formas que se expressam.
Várias mudanças socioculturais influenciaram a Educação Física nos
variados tempos históricos, contudo ainda podemos constatar reminiscências da
supervalorização masculina nos dias atuais. Numa pesquisa por mim realizada, no
ano de 2016, em escolas públicas de grande porte num município baiano, pude
perceber que os professores de Educação Física não apresentam em seus
planejamentos estratégias didáticas que trabalhem a questão da diversidade sexual
e de gênero. Claro que esta é uma realidade, em um espaço específico, outras
pesquisas precisam ser desenvolvidas para que possamos aprofundar o olhar nessa
temática.
Entretanto, nos estudos já existentes e em leituras feitas nas experiências
profissionais cotidianas podemos confirmar as questões aqui apontadas. Implícita ou
explicitamente, a Educação Física, de um modo geral, acaba por definir tipos de
comportamentos, ideias, valores que irão reforçar estes ou aqueles pensamentos
que silenciam ou excluem as diversidades, sejam elas de gênero ou sexuais.
Por fim, a importância desse debate, que precisa ser aprofundando e
ampliado, é necessária. Vivemos num momento político e social em que uma onda
conservadora se alastra pelo país. Diariamente lemos e escutamos declarações que,
beirando o desrespeito (ou sendo desrespeitosas de fato) desconstroem anos de
luta e resistências de minorias. Esses tristes acontecimentos reforçam a importância
de uma vigilância constante de nossos exercícios de trabalho, pesquisa, enquanto
integrantes da área de Educação Física, para que não retrocedamos e sim
caminhemos nos sentido que respeitar as diversidades, diminuir preconceitos,
contribuir para visibilidade dos corpos que tentam de todo modo silenciar.
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REFERÊNCIAS
LOURO, Guacira Lopes. O Corpo Educado: pedagogia da sexualidade. 2ª ed.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
MACHADO, Aline Gomes; PIRES, Roberto Gondim. Identidade de Gênero e
Suas Implicações Sobre A Sexualidade Na Perspectiva de Professores de
Educação Física. Motrivivência 28, n. 48, p. 360-375, set./2016.
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DANÇA E EDUCAÇÃO
Dayane Ramos Dórea
A educação na vida do ser humano deve ser considerada como formação
essencial das novas gerações na sociedade, de acordo com os valores e ideias
empregados em cada momento histórico. A educação é constantemente confrontada
ante às crises das relações sociais e, com isso, emerge sua maior missão: oferecer
os caminhos necessários a uma cidadania consciente, fazendo da diversidade um
fator positivo e de compreensão entre os indivíduos (DELORS, 1998).
A educação nos acompanha durante toda nossa vida, pois sempre estamos
aprendendo com novas experiências e, portanto, estamos nos educando a todo
momento. Assim, torna-se um fenômeno adquirido, que norteia a vida do ser
humano, refletindo sua essência, numa profunda relação interpessoal com a
sociedade e com a natureza.
A educação é reconhecida como uma etapa da vida dedicada ao pensar
criticamente, ler, escrever e contar, isto é, um momento em que a linguagem oral e
escrita, bem como dos números e raciocínios lógicos são explorados. Entretanto, as
últimas décadas, juntamente com as reformas educacionais, refletem a pretensão da
ampliação dessa concepção, incluindo outros saberes imprescindíveis à formação
humana, como os conhecimentos geográficos, físicos, biológicos, filosóficos,
sociológicos, artísticos, corporais, entre outros.
A dança se faz presente nos diferentes momentos da nossa existência, nos
espaços mais distintos na sociedade e, claro, também no ambiente educacional.
Ademais, educação se apresenta como um dos vários elementos formativos dos
sujeitos, tendo, ao longo da história da humanidade, buscado sistematizar
conhecimentos que garantem uma formação ampla aos cidadãos, a qual se alicerça
nos conhecimentos historicamente produzidos e culturalmente acumulados.
Conforme Chaves (2002), a dança adentra o ambiente educacional por ser
compreendida como uma prática corporal que possibilita um corpo mais eficiente e
produtivo, frente ao processo de modernização da sociedade, bem como contribui à
atividade intelectual. No entanto, na educação, a dança não pode ter o papel de
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mera reprodução e/ou instrumentalização do corpo, mas sim de constituir-se
enquanto conhecimento e linguagem essencial à educação do ser social
(MARQUES, 1997).
Em contrapartida, a dança ainda é tratada no contexto educacional como
uma forma de apresentações de datas comemorativas, com coreografias
previamente elaboradas que deverão ser incorporadas de maneira mecânica, sem
estabelecer sentido e significado de sua fruição, tratando-a de maneira superficial.
Ou seja, traz-se uma variedade de passos aleatórios, a serem repetidos até que se
decore a sequência coreográfica dentro de uma métrica estabelecida, sem suscitar
nenhuma reflexão (FIAMONCINI, 2003; MORANDI, 2005).
Por meio da dança o indivíduo experimenta uma nova forma de expressar-
se, de comunicar-se com o mundo. Logo, ao falar com e através do corpo tem-se a
possibilidade de falar também consigo mesmo, melhorando sua autoestima,
aliviando o estresse e as tensões diárias, explorando o mundo da emoção e da
imaginação. Dançar não é privilégio apenas de algumas pessoas, e sua prática não
deve remeter-se somente a festividades, mas sim entende-la como um elemento
capaz de auxiliar na formação holística, bem como desenvolver em seus praticantes
uma consciência corporal enquanto sujeitos transformadores do tempo e do espaço.
A dança sempre integrou o trabalho, as religiões e as atividades de lazer,
fazendo parte das culturas humanas. Conforme Vargas (2003, p. 23), a relação
dança e educação envolve sensibilização e conscientização acerca das “posturas,
atitudes, gestos e ações cotidianas como para as necessidades de expressar,
comunicar, criar, compartilhar e interatuar na sociedade”. Logo, ocorrem
aprendizagens de forma direta e íntima, assimilando informações com o corpo, a
mente e as emoções, favorecendo uma ação livre e prazerosa.
Nessa perspectiva, a dança é um forte aliado à educação, uma vez que
possibilita novas e diferentes formas de comunicação e de expressão, conduzindo
os sujeitos à descoberta de sua linguagem corporal, oportunizando o
desenvolvimento de suas potencialidades pessoais e sociais, numa concepção de
cidadania, por meio de uma educação consciente e transformadora. Enquanto fonte
natural de expressão da corporeidade, a dança fomenta a plasticidade e interação
dos corpos em livre experimentação e exploração linguística.
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A dança favorece o desenvolvimento da capacidade de criação e exploração
das infinitas possibilidades comunicativas, além do autoconhecimento corporal e
cognitivo, educação do senso rítmico, expressão não verbal, desenvolvimento
humano e social, bem como a formação integral no tocante aos valores e ao respeito
do seu corpo e dos diferentes corpos que dançam. Portanto, a dança enquanto
atividade educativa fomenta o espírito investigativo, produtivo, crítico, reflexivo e,
enquanto patrimônio histórico cultural da humanidade, possibilita o aprimoramento
do potencial criativo, numa forma de expressão poética de ideias, sentimentos e
visões de mundo.
Destarte, a relação dança e educação deve sistematizar e reverberar as
experiências individuais e coletivas, livre de modelos e padrões que inibam a
criatividade, a autonomia e a liberdade de expressão que explore e contextualize o
universo dos repertórios popular, folclórico, clássico, contemporâneo, etc., bem
como pela improvisação e pela composição corográfica. Para tanto, é salutar que a
dança na educação deixe de ser visualizada como um mero entretenimento para
assumi-la como cultura que ressalta e contextualiza contradições, mercantilismos,
preconceitos e tabus existentes na sociedade, a fim de, criticamente discerni-los e
superá-los.
REFERÊNCIAS
CHAVES, Elisângela. A escolarização da dança em Minas Gerais (1925-
1937). 159 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação
da UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002.
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI.
Ministério da Educação e do Desporto (MEC). São Paulo: Cortez Editora.
1998.
FIAMONCINI, Luciana. Dança na educação: a busca de elementos na arte e
na estética. Pensar a Prática, 6: 59-72, p. 59-73. Jul./Jun. 2002-2003.
MARQUES, Isabel A. Dançando na escola. MOTRIZ, Volume 3, Número 1, p.
20-28, Junho/1997.
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MORANDI, Carla Silvia Dias de Freitas. Passos, compassos e descompassos
do ensino de dança nas escolas. 93f. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP, 2005.
VARGAS, Lisete Arnizaut. A dança na escola. Revista Cinergis, Santa Cruz
do Sul, v.4, n.1, p.9-13, jan/jun. 2003.
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A UTILIZAÇÃO DO LIAN GONG COMO TERAPÊUTICA NA
ATENÇÃO BÁSICA EM CAMAÇARI-BA.
Bruno Anunciação dos Santos
O Lian Gong é uma prática oriental da medicina tradicional chinesa e
compõe o leque de opções terapêuticas das Práticas Integrativas e Complementares
em Saúde (PICS). Lee (1997), criador do Lian Gong, nos conta que ela une a
medicina terapêutica e a prática corporal, com o intuito de desenvolver atividades de
prevenção de agravos e promoção da saúde, assim como o tratamento de dores no
pescoço, ombros, cintura, pernas e também doenças crônicas.
Esta atividade é fruto de constantes pesquisas das heranças culturais – a
Medicina Tradicional Chinesa, antigos exercícios terapêuticos e as artes guerreiras
tradicionais (Wu Shu) – e a reflexão sobre os resultados de sua aplicação no campo
terapêutico, ao longo de mais de 40 anos de prática. Cabe também ressaltar que as
PICS estão inseridas no conceito de racionalidades médicas, possuem tecnologias e
uma compreensão de saúde próprios. A professora Madel Luz, uma das precursoras
do conceito de racionalidade médica, a define da seguinte forma. “Racionalidades
médicas é, assim, todo o sistema médico complexo construído sobre seis
dimensões: uma morfologia humana, uma dinâmica vital, uma doutrina médica (o
que é estar doente ou ter saúde), um sistema diagnóstico, uma cosmologia e um
sistema terapêutico” (Luz 2012, p. 452).
Em maio de 2006, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria n.º 971, Art.
1º, aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC),
no SUS. Essa política, de caráter nacional, recomenda às Secretarias de Saúde dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios a implantação e implementação das
ações e serviços relativos às Práticas Integrativas e Complementares. O Art. 2º
define que os órgãos e entidades do Ministério da Saúde, cujas ações se relacionem
com o tema da Política ora aprovada, devem promover a elaboração ou a
readequação de seus planos, programas, projetos e atividades, na conformidade
das diretrizes e responsabilidades nela estabelecidas.
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Portanto na intenção de ofertar novas práticas e tecnologias de saúde para a
população de acordo com o que é previsto legalmente na política de saúde nacional
e através da identificação das necessidades do território foi implantado o grupo de
Lian Gong na unidade de saúde do bairro de Piaçaveira no município de
Camaçari/BA.
Dito isso, durante o processo de trabalho do Núcleo de Apoio à Saúde da
Família (NASF) em uma das Unidades de Saúde da Família (USF) do município,
percebeu-se que era necessário ofertar uma atividade coletiva para seus usuários
que tivesse por finalidade prevenir os agravos de saúde e promover a saúde com
uma terapeuticamente completa com tecnologias leves. Optou-se então pelo Lian
Gong por apresentar as características necessárias para o objetivo desse projeto. O
conceito de assistência em saúde no SUS vem se transformando ao longo do
tempo, passando a preconizar o cuidado a partir da lógica da integralidade do sujeito
e do respeito a sua individualidade, da promoção do seu bem-estar, e da prevenção
de agravos a sua saúde.
Corroborando com isso, percebemos a necessidade de ofertar nas unidades
de saúde do município de Camaçari, para nos adequarmos a lógica matricial e do
movimento, mais do que salutar, das Práticas Integrativas e Complementares em
Saúde. Prática essas, que a partir da portaria n 971, de 03 de maio de 2006, que
aprova a política nacional de práticas integrativas e complementares, auxiliaram a
expansão do Liang Gong na rede básica do país, fazendo com ele esteja em
segundo lugar entre as práticas mais difundidas no SUS, em 2018 segundo o
Ministério da Saúde.
O objetivo é promover atividades físicas e de integração envolvendo
usuários, familiares e comunidade, estimulando suas potencialidades
biopsicossociais, bem como o estreitamento dos vínculos comunitários com as
equipes. Propiciar momentos semanais de lazer, relaxamento, promoção da saúde e
prevenção de doenças dos usuários através da atividade do Lian Gong; promover
educação em saúde com temas relacionados às necessidades de cada território;
avaliar mensalmente o projeto com a equipe de trabalho e com os usuários.
As atividades são realizadas na praça de Piaçaveira. A cada início de
atividade é feita uma apresentação breve dos conceitos da atividade, seguida pelo
aquecimento com percussões e logo após as terapias do Lian Gong, propriamente
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dito. Foi percebido não só a aceitação dos usuários pelas práticas, mas também os
relatos dos usuários a cada semana do bem-estar físico e mental proporcionado
pela sua prática, assim como diminuição de dores no corpo nos que possuem dor
crônica.
O projeto desenvolvido tem alcançado bons resultados, principalmente no
que diz respeito a participação popular na saúde e no processo de educação,
permitindo assim que os usuarios busquem acessar a unidade de saúde de forma
mais consciente, criando dessa forma uma relação de parceria e coopartipação no
proceso saúde/doença. É importante ressaltar que usuarios antes poliqueixosos e
que tinham uma relação extremecida com a unidade de saúde hoje compreendem
melhor seu corpo e processo de trabalho dos profissionais de saúde.
Já com relação a melhorias na condição de saúde da população em
questão, os participantes têm relato melhora signicativa nas suas queixas principais
de saúde, propriciando dessa forma uma melhor autonomia para o autocuidado.
Quando analisamos o modelo de saúde, acreditamos que é recomendável a
oferta de cursos de qualificação das práticas de ensino e serviço no SUS em PICs
para que permita uma ampliação do olhar proporcionando uma mudança no modelo
de saúde que ainda é o biomédico-hegemônico, para um modelo mais holístico que
consequentemente irá permitir ao usuario uma melhor autonomia para com o seu
corpo/mente/espirito e seus cuidados.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Portaria Nacional das práticas Integrativas. Março 2017.
LEE, M. L. Lian Gong em 18 terapias, f orjando um corpo saudável: ginástica
chinesa do Dr.
ZHUANG YUAN MING. São Paulo: Pensamento, 1997.
RACIONALIDADES MÉDICAS E PRÁTICAS INTEGRATIVAS EM SAÚDE:
ESTUDOS TEÓRICOS E EMPÍRICOS. Luz MT, Barros FB. Rio de Janeiro:
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro/ABRASCO; 2012. 452p. (Coleção Clássicos para Integralidade em
Saúde).
Blog: www.gcorpo.wordpress.com / Facebook: Corpo Ufba / Instagram: @ufbacorpo