PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL … · Ana Andrade Anes, solteira, enfermeira auxiliar,...

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PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL Via Profissional 34.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 15620/2017, PUBLICADO EM D.R. 2.ª SÉRIE, N.º 249, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2017 DATA: 1 DE MARÇO DE 2018 2.ª CHAMADA HORA: 14H15M ( DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART.º 12.º DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE DURAÇÃO DA PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA )

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PROVA ESCRITA

DE

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

Via Profissional

34.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

PROVA ESCRITA DE

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 15620/2017, PUBLICADO EM D.R. 2.ª

SÉRIE, N.º 249, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2017

DATA: 1 DE MARÇO DE 2018

2.ª CHAMADA

HORA: 14H15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART.º 12.º DO

REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE

DURAÇÃO DA PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA

DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROVA: 4 HORAS

PROVA ESCRITA DE

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

Via Profissional – 2.ª Chamada – 01 de março de 2018

1 – Para a presente prova disponibiliza-se as partes relevantes do seguinte

conjunto de peças processuais:

I - Acusação

II - Requerimento de Abertura de Instrução

III - Elementos recolhidos no Inquérito

1. Auto de Notícia

2. Auto de Inquirição de Testemunha

3. Auto de Inquirição de Testemunha

4. Auto de Inquirição de Testemunha

5. Auto de Inquirição de Testemunha

6. Auto de Interrogatório de Arguido e Auto de Constituição de Arguido

7. Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal

8. Auto de Busca Domiciliária e Apreensão

9. Termo de Autorização de Busca

10. Auto de Visionamento de Imagens

11. Auto de Denúncia

12. Documento

13. Documento – Informação Clínica

14. Certificado de Registo Criminal

15. Documento - Certidão do teor

16. Documentos - Contratos de Trabalho

IV - Elementos Resultantes das Diligências Instrutórias

A. Auto de Inquirição de Testemunha

B. Auto de Inquirição de Testemunha

2 - Deve considerar-se:

I - que não houve oposição dos sujeitos processuais nem foi solicitado prazo suplementar (no caso de entender que, da instrução, resulta alteração da qualificação jurídica dos factos ou alteração não substancial destes);

II - na Instrução e por decisão do Juiz de Instrução Criminal, foi oficiosamente determinada a audição de Berto Brito e Carla Costa.

3 - A presente prova consiste na elaboração de uma Decisão Instrutória a ser proferida nos Autos de Instrução com o NUIPC 1234/17.4PAFAR, devendo ser apreciadas todas as questões suscitadas no Requerimento de Abertura de Instrução ou que sejam de conhecimento oficioso.

4 - Apesar de a prova consistir na elaboração de uma Decisão Instrutória, não poderá conter qualquer assinatura, ainda que fictícia, pelo que, no final da peça, os/as candidatos/as só deverão escrever as palavras seguintes:

“Data”

“Assinatura”.

5 - Cotação: 20 valores

I - A Cotação reporta-se às questões suscitadas no Requerimento de Abertura de Instrução que deverão ser objeto de decisão:

A.

1.) e 2.) – 2 valores

3) e 4) – 3 valores

5) e 6) – 3 valores

B.

7) e 8) – 5 valores

C.

9) a 12) – 3,5 valores

II – Componentes estruturais da decisão – 3,5 valores.

6 - A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe um tratamento completo das várias questões suscitadas ou de conhecimento oficioso, que deverá ser coerente e corretamente fundamentado e com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

7 - A peça processual elaborada pelo/a candidato/a que padeça dos vícios de nulidade ou inexistência é susceptível de ser penalizada até um máximo de 3 valores.

8 - Na apreciação da prova relevarão, nomeadamente, a pertinência do conteúdo, a qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa.

9 - Os erros ortográficos serão considerados negativamente: 0,25 por cada um, até um máximo de 3 valores.

10 - Os/as candidatos/as que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia do "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa" (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente no quadro "Observações" da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo "Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade", sendo a prova corrigida nesse pressuposto.

11 - As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento identificativo do/a candidato/a (a identificação constará apenas do destacável da folha de rosto), sob pena de anulação da prova.

O Ministério Público deduz acusação para julgamento em processo comum e

perante Tribunal Colectivo contra:

Ana Andrade Anes, solteira, enfermeira auxiliar, filha de

Adeodato Anes e de Alzira Andrade, nascida a 25 de

Maio de 1975 na freguesia da Sé, Faro, titular do CC n.º

12345678, emitido pelo Arquivo de Identificação de

Faro, residente na Rua Francisco José, Lote 4 – 5º Esq.,

Urbanização dos Plátanos, Faro

1.) A arguida Ana Anes viveu em comunhão de cama, habitação e mesa com Berto Brito, desde

meados de 2005 até 4 de Setembro de 2017.

2.) Residiram na Rua Francisco José, Lote 4 – 5º Esq., Urbanização dos Plátanos, Faro,

correspondente a fracção adquirida com recurso a crédito bancário e em que são mutuários a

arguida e o indicado Berto, outorgantes na escritura pública de compra e venda do imóvel.

3.) Entre 2010 e 2015, durante a vivência em comum com a arguida, o ofendido Berto sempre

explorou um estabelecimento de venda de jornais, revistas e tabaco e, nesse período, quando

chegava a casa, a arguida exigia-lhe todo o dinheiro proveniente desse trabalho.

4.) Quando Berto se recusava a entregar todas essas quantias à arguida, esta desferia-lhe

bofetadas na cara e discutia com o mesmo para o pressionar a entregar-lhe tais montantes,

apelidando-o de “frouxo”, “imprestável” e dizendo que andava “metido com todas”.

5.) A arguida sabia que, ao actuar na residência comum com o ofendido, ampliava o

sentimento de receio deste, visto que violava o espaço reservado da vida privada do casal.

6.) Berto Brito, apesar de sofrer continuadamente estes comportamentos desde data não

concretamente apurada mas pelo menos entre 2010 e 2015, por medo, nunca apresentou

queixa, tendo mesmo declarado neste processo que não desejava procedimento criminal.

7.) A arguida praticou estes actos de forma consciente e livre, querendo provocar no

companheiro mau estar psicológico, lesões físicas, bem como atormentá-lo e diminuí-lo

ACUSAÇÃO

enquanto homem e então companheiro, o que conseguiu, bem sabendo que o seu

comportamento era proibido e punido pela lei penal.

8.) No dia 4 de Setembro de 2017, cerca das 20.00h, Berto chegou a casa após um dia de

trabalho na loja de venda de jornais, revistas e tabaco que explorava no centro da cidade de

Faro.

9.) Sabendo a arguida que Berto traria algum dinheiro referente ao apuro de caixa desse dia,

exigiu ao mesmo a entrega de todo esse dinheiro como o fizera pelo menos no período de

2010 a 2015.

10.) Ao que Berto entregou € 100,00 à arguida, afirmando-lhe que ficaria com € 25,00 para os

seus gastos pessoais.

11.) A arguida, não satisfeita com a resposta e por pretender a quantia total de € 125,00,

munida de objecto não apurado mas com características cortantes, dirigiu-se a Berto - que se

encontrava apenas vestido com cuecas e que se deslocava para a casa de banho com o

objectivo de tomar banho - e, sem que nada o fizesse prever, agarrou-o na zona dos testículos

e desferiu, com o dito objecto, um golpe na região genital de Berto, cortando-o no pénis e

escroto numa extensão de 6 cm.

12.) Berto vestiu-se e saiu de casa, a fim de procurar ajuda e, por sangrar profusamente,

deslocou-se ao café “Amparo”, existente em frente ao prédio do casal, ali referindo, por

vergonha, que se tinha ferido acidentalmente na zona genital ao cair da bicicleta em que

habitualmente se deslocava de e para o trabalho.

13.) Por manifestar necessidade urgente de receber tratamento hospitalar foi accionado o

número de emergência 112 e enviada uma ambulância do INEM que transportou o ofendido

para o Centro Hospitalar do Algarve – Hospital de Faro, onde recebeu pronta assistência

médica.

14.) Como consequência directa e necessária desta conduta da arguida, o ofendido Berto

sofreu as seguintes lesões:

No períneo: ferida linear regular na base do pénis com 6 cm suturada com 8 pontos de seda.

No pénis: edema e equimose arroxeada de todo o órgão.

Testículo esquerdo: várias escoriações, duas das quais com pontos de sutura de seda e edema

testicular.

15.) Tais lesões determinaram ao ofendido 25 (vinte cinco) dias de doença, com afectação da

capacidade de trabalho geral e profissional assim como, por seccionamento do epidídimo, de

forma permanente e irreversível, a perda da função de procriação.

16.) Ao actuar como actuou no dia 4 de Setembro de 2017 a arguida fê-lo de forma livre,

deliberada e consciente, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do

ofendido, pretendendo com tal actuação atingir um órgão importante e causar-lhe os

ferimentos verificados;

17.) Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

18.) Após alta hospitalar concedida no dia 6 de Setembro de 2017, Berto passou a viver junto

da sua mãe, na cidade de Faro, por temer futuras reacções da arguida, deslocando-se à fracção

onde aquela continuou a residir, no dia 11 de Setembro de 2017, a fim de daí retirar os seus

pertences pessoais.

19.) A arguida, desde 2000, desempenha as funções de enfermeira auxiliar no serviço de

urologia e transplantação renal do Centro Hospitalar do Algarve – Hospital de Faro, por

contrato de trabalho público, ali trabalhando também, como enfermeira, Carla Costa.

20.) Por via dos contactos proporcionados pelo trabalho a arguida e Carla Costa

desenvolveram uma relação de amizade e, pelo menos desde 2010, esta passou a ser visita

regular na casa da arguida e de Berto Brito.

21.) Berto Brito e Carla Costa, na sequência da convivência e dos contactos que foram

mantendo, também desenvolveram uma forte relação de amizade e, a partir de meados de

2011, passaram a nutrir sentimentos de amor um pelo outro e, pelo menos em duas ocasiões,

envolveram-se sexualmente.

22.) A arguida, por desconfiar que a relação entre Berto e Carla ia para além da amizade e

entendendo que esta era uma má influência para aquele, movida pelo ciúme, pensou em

prejudicá-la no serviço onde ambas trabalhavam.

23.) Na concretização desse desiderato, naquele mesmo dia 4 de Setembro de 2017, cerca das

15.00h a arguida notou que estava ao cuidado e sob custódia do serviço um rim humano,

proveniente de recolha autorizada em cadáver efectuada no hospital, órgão viável para

ulterior transplante em beneficiário compatível de acordo com os critérios de preferência.

24.) O órgão encontrava-se acondicionado em arca refrigerada, depositado em sala de acesso

condicionado nas instalações do Centro Hospitalar do Algarve – Hospital de Faro.

25.) A abertura da porta da sala era feita através de leitor de cartões com banda magnética na

qual estava inserida informação referente ao respectivo titular e permissões de acesso.

26.) Apenas por força das suas funções e para o exercício delas, a arguida e a Carla Costa eram

titulares de cartões com permissões de acesso.

27.) Aproveitando-se da ausência da Carla Costa, naquele momento em período de descanso,

a arguida, sabendo que aquela mantinha o seu cartão de acesso no seu cacifo pessoal do

vestiário do serviço, ali se dirigiu e, do indicado cacifo, retirou uma carteira contendo

documentos de identificação pessoal de Carla Costa (cartão de cidadão e carta de condução), o

cartão de serviço que permitia o acesso à sala de depósito de material para transplante e oito

notas de € 20,00 (vinte euros), emitidas pelo Banco Central Europeu, apoderando-se da dita

carteira e do seu conteúdo.

28.) Na posse do cartão de acesso emitido em nome de Carla Costa, pelas 15h 17m e 13s desse

mesmo dia 4 de Setembro de 2017, a arguida passou pelo leitor existente o cartão contendo as

informações pessoais e permissões reportadas à titular, desta forma, como se de Carla Costa

se tratasse, desbloqueando o acesso à sala onde se encontrava depositado o órgão humano,

apoderando-se do mesmo e abandonando as instalações do hospital.

29.) Em virtude da actuação da arguida foi comprometida a cadeia de custódia e a refrigeração

do órgão, tornando-o imprestável para transplante.

30.) A arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, querendo fazer sua a carteira e

respectivo conteúdo, assim como o órgão humano destinado a transplante, sabendo que o

fazia sem autorização e contra a vontade, respectivamente, da respectiva proprietária e da

administração do hospital, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei

penal.

Com as descritas condutas cometeu a arguida, em autoria material e em concurso

efectivo:

- 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º n.º 1 al. b) e 2 do Cód.

Penal;

- 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art.º 144º al. b) do Cód.

Penal;

- 2 (dois) crimes de furto, p. e p. pelo art.º 203º n.º 1 do Cód. Penal.

*

PROVA:

Testemunhal

- José Firmino de Sousa, casado, agente da PSP (…) [1]

- Berto Brito, solteiro (…) [2]

- Belmira Borges, casada, (…) [3]

- Delmina Darques, viúva, (…) [4]

- Carla Costa, divorciada, (…)[5]

Pericial

- Relatório médico-legal de fls. (…) [7]

Documental

- Informação clínica de fls. (…) [13]

- Auto de Busca e Apreensão de fls. (…) [8]

- Auto de Visionamento de Imagens de fls. (…) [10]

- Informação e listagem de fls. (…) [12]

- Certidão de fls. (…) [15]

- Contratos de fls. (…) [16]

- Certificado de Registo Criminal de fls. (…) [14]

Estatuto coactivo: Promovo que a arguida aguarde os ulteriores termos do processo

sujeita às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência, já prestado, medida de

coacção que se nos afigura adequada, suficiente e proporcional por não se verificarem, nos

autos, os requisitos gerais previstos no art.º 204º do Cód. Proc. Penal.

(…)

Faro, 10 de Novembro de 2017

O Procurador-Adjunto

JJ

Proc. n.º 1234/17.4PAFAR

Exmo. Sr. Juiz de Instrução Criminal de Faro

Ana Andrade Anes, arguida nos autos supra identificados, notificada da

acusação, vem requerer a abertura da instrução nos termos e com os

seguintes fundamentos:

A) Das nulidades/proibições de prova

1.) O pretenso juízo indiciário que sustenta a acusação e no que tange

aos crimes de violência doméstica e ofensa à integridade física grave decorre

das declarações prestadas por Berto Brito.

2.) Berto Brito era, à época, companheiro da ora arguida e aqui

requerente pelo que, previamente à prestação de depoimento, teria que ser

advertido nos termos e para os efeitos previstos no art.º 134º n.º 2 do Cód. Proc.

Penal, o que não sucedeu, o que implica a proibição de valoração do seu

depoimento, nos termos do art.º 126º n.º 2 al. a) do mesmo diploma legal, o

que se pretende ver declarado.

3.) Também no que concerne à pretensa subtracção do rim humano –

conduta que, como se afirmará, se considera atípica – os indícios recolhidos

fundam-se nas imagens obtidas por câmara de vigilância existente na sala de

REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO

depósito do material para transplante e no resultado da busca domiciliária

realizada no dia 11 de Setembro.

4.) Ora a captação de imagens não se encontrava, como devia,

anunciada, sendo ilegítima e insusceptível de valoração;

5.) A busca domiciliária é nula, porquanto efectuada sem autorização

judicial (art.º 177º n.º 1 do Cód. Proc. Penal), sendo que o consentimento então

prestado por Berto Brito para a sua realização é inidóneo já que aquele havia

cessado a coabitação.

6.) Sendo consequentemente nulas as apreensões ocorridas no decurso

da mesma.

B) Da ausência de indícios

7.) Considerando o atrás exposto e não podendo ser considerados os

seguintes meios de prova/de obtenção de prova:

- Declarações de Berto Brito

- Imagens de CCTV

- Busca domiciliária e apreensão

Não há, por conseguinte, quaisquer indícios que sustentem a imputação dos

crimes constantes da acusação pública.

8.) A acusação funda-se, tão-somente, em meros elementos

circunstanciais, especulativos, em clara dissonância com o imperativo da

presunção de inocência e dos deveres de legalidade e objectividade que

devem nortear a actuação do MP: - nada do que se refere ter ocorrido no

domicílio do casal pode ser atestado por meios válidos e atendíveis, as lesões

verificadas em Berto Brito terão resultado (como o próprio terá afirmado

perante terceiros e em espaço público) de um acidente com o velocípede e

o desaparecimento de um órgão em meio hospitalar ou a pretensa

subtracção de uma carteira também não são assacáveis à arguida, quando o

registo da entrada na sala de depósito convoca, antes, a participação de

Carla Costa.

Sem conceder,

C) Da qualificação jurídica dos factos:

9.) Ainda que, por mera hipótese, se considerasse existirem indícios,

imputa o MP à requerente, entre outros, a prática de um crime de violência

doméstica, p. e p. pelo art.º 152º n.º 1 al. b) e 2 do Cód. Penal, punível com

pena de prisão de 2 a 5 anos e um crime de ofensa à integridade física grave,

p. e p. pelo art.º 144º al. b) do Cód. Penal, punível com pena de prisão de 2 a

10 anos;

10.) Mesmo que a arguida tivesse praticado os factos que lhe são

imputados - o que não se concede - no limite teria praticado apenas um

crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º n.ºs 1 al. b), 2 e 3 al. a) do

Cód. Penal, punível com pena de prisão de 2 a 8 anos, não havendo qualquer

fundamento que justifique a dupla relevância atribuída às condutas

assacadas à arguida e dirigidas ao seu ex-companheiro, quando a invocada

prática do crime de violência doméstica pressupõe a reiteração das condutas

ao longo da vivência comum;

11.) Se assim não se entendesse as condutas reportadas ao período

entre 2010 e 2015 não integrariam a prática de um crime de violência

doméstica. Pela sua pouca gravidade, ainda que a arguida as tivesse

perpetrado, tratar-se-ia, no limite, de crimes de ofensa à integridade física

simples e injúria, não tendo o pretenso ofendido apresentado

tempestivamente queixa (estando já extinto o respectivo direito) nem

deduzido acusação particular, carecendo o MP de legitimidade.

12.) Quanto aos factos referentes ao dia 4 de Setembro e

alegadamente ocorridos no Hospital de Faro, a conduta assacada à arguida

e referente à subtracção de um rim não integra a imputada prática de um

crime de furto. O órgão humano não é “coisa móvel” susceptível de

apropriação, sendo a subsunção jurídica proposta pelo MP claramente

violadora dos princípios da legalidade e da tipicidade, recorrendo

ilegitimamente à analogia num exercício claramente inconstitucional.

Por todo o exposto e na procedência dos argumentos de facto e de

direito esgrimidos, face à completa ausência de indícios, deverá, a final, ser

proferido despacho de não pronúncia, como é de elementar JUSTIÇA

ASSINATURA – Dr. TT (advogado)

1. Auto de Notícia

Data: 2017.09.04

Local: Café “Amparo”, sito na Rua Francisco José, Lote 5 – Loja B, Urbanização

dos Plátanos, Faro.

Autuante: José Firmino de Sousa – agente principal da PSP

Extrato: “Aos 4 dias do mês de Setembro de 2017, pelas 21.00h, quando me

encontrava de serviço (…) fui contactado via rádio no sentido de acorrer ao café “Amparo”, sito

na morada supra referida, porquanto ali se encontraria um indivíduo ferido, tendo sido

mobilizados, via número de emergência, meios de socorro (ambulância medicalizada e viatura

VMER) (…). Chegado ao local, pelas 21.15h, ainda ali se encontrava Berto Brito, que

apresentava sinais de ferimentos na zona do baixo-ventre, sangrando profusamente e

alegando que havia sofrido uma queda quando tripulava um velocípede sem motor. Não foi

possível recolher outros elementos junto do identificado indivíduo dado que, à minha chegada,

foi transportado para o hospital de Faro a fim de receber tratamento emergente. Fui abordado

por Belmira Borges, acima melhor identificada e gerente do estabelecimento que me referiu ter

convocado os meios de socorro via 112 e telefonado para esta polícia dado que, cerca de 20m

antes, o referido Berto ali havia comparecido a pedir ajuda, com sinais evidentes de se

encontrar ferido (sangue na zona dos genitais), afirmando ter sofrido uma queda de bicicleta, o

que lhe pareceu suspeito dado que não havia qualquer bicicleta na rua nem o mencionado

Berto apresentava outros ferimentos visíveis, como escoriações nos membros, que fossem

compatíveis com uma queda (…)”.

2. Auto de Inquirição de testemunha

Data: 2017.09.20

Testemunha: Berto Brito

ELEMENTOS CONSTANTES DO INQUÉRITO

Foi informado que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a

funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei

atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal

Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? - Não

Extrato: “Em Maio de 2005, depois de terem namorado cerca de 6 meses,

passou a viver com Ana Anes, na morada acima referida em fracção por ambos adquirida com

recurso a crédito bancário (…). Durante os primeiros cinco anos mantiveram sempre um bom

relacionamento, sem grandes divergências a reportar, apenas com algumas pequenas

discussões, como será comum entre os casais. A partir de 2010, quando o depoente começou a

explorar um estabelecimento de venda de jornais, revistas e tabacos, sito na cidade de Faro,

talvez por ter conseguido alguma autonomia económica e deixado de depender do vencimento

da então companheira como enfermeira auxiliar, aquela começou a interpelá-lo quase

diariamente, exigindo-lhe o dinheiro do apuro de caixa, dizendo que até então o depoente

vivera “à sua conta”. Foi-se tornando cada vez mais agressiva e constante nas exigências quase

diárias de dinheiro, dirigindo-se ao depoente num tom de voz ríspido e elevado, o que fazia

com que geralmente lhe entregasse parte ou mesmo a totalidade do dinheiro que conseguia

com a sua actividade comercial, dinheiro esse que a companheira administrava como entendia.

Quando o depoente colocava alguma objecção Ana Anes reagia com violência, geralmente

começando aos gritos, apelidando o depoente de frouxo, imprestável, entre outros insultos,

afirmando que lhe era infiel, que andava “metido com todas” e, não raras vezes, partia para a

violência física, geralmente esbofeteando o depoente no rosto. Com o tempo as discussões

passaram a ser quase diárias e o depoente, com medo, deixou de lhe fazer frente ou colocar

qualquer objecção às pretensões de Ana Anes, receando ser agredido e sentindo-lhe

envergonhado e humilhado com os nomes que aquela lhe dirigia e que seriam ouvidos pelos

vizinhos.

Não raras vezes apresentava equimoses no rosto, fruto das bofetadas que Ana Anes lhe

desferia mas, por vergonha e porque gostava da sua companheira, nunca apresentou queixa.

Quando os clientes do estabelecimento o interpelavam, procurando saber o porquê das marcas

no rosto, o depoente referia que tinha caído ou que acidentalmente embatera com a cara

nalgum objecto.

Dada a actuação de Ana Anes o depoente passou a chegar a casa o mais tarde

possível, arranjando sempre algo para fazer na tabacaria pois sabia que, ao chegar, iria ser

confrontado, haveria discussão, gritos, insultos e, não raras vezes, agressões nos sobreditos

termos, passando a andar angustiado e receoso, evitando cruzar-se com os vizinhos e sentindo-

se observado pelos clientes do seu estabelecimento dadas as marcas físicas que por vezes

apresentava.

Naquele período e porque se sentia deprimido, começou a sentir-se próximo de Carla

Costa, colega de trabalho da sua companheira e visita da casa, com quem acabou por se

envolver emocionalmente e, pelo menos por duas vezes, também sexualmente. Era uma pessoa

que oferecia carinho ao depoente e a quem acabou por confidenciar tudo o que se passava em

casa.

Nos últimos dois anos Ana Anes passou a tratar o depoente com mais urbanidade,

sendo menos frequentes as discussões. O depoente deixou de questionar as exigências de

dinheiro e a companheira passou a trabalhar por turnos, tornando mais reduzido o período em

que tinham que conviver na fracção. Embora ainda temeroso estes últimos dois anos foram,

para si, anos de alguma tranquilidade, sem agressões físicas de que se recorde.

No pretérito dia 4 do corrente mês de Setembro, cerca das 20.00h, o depoente chegou

a casa depois de mais um dia de trabalho. Aí for abordado pela companheira Ana Anes, que se

lhe dirigiu de uma forma mais ríspida, como o fazia no passado, exigindo-lhe dinheiro,

deixando o depoente intranquilo. Por receio entregou-lhe € 100,00, reservando para si € 25,00

dado que, depois de tomar banho e jantar ainda pretendia ir ao centro comercial adquirir um

DVD para visionar ao serão. A companheira não terá gostado do facto do depoente não lhe ter

entregado a totalidade do apuro do dia pelo que foi ter consigo à casa de banho, onde o

declarante se encontrava apenas em cuecas e, sem que nada o fizesse prever, munida de algo

que trazia escondido atrás das costas, com esse objecto atingiu-o na zona genital, cortando-o e

provocando imediatamente abundante sangramento. Perante isto vestiu-se e saiu

rapidamente a fim de pedir ajuda, dirigindo-se ao café existente em frente à sua casa onde

pediu que chamassem o 112. Por vergonha disse que tinha caído da bicicleta onde

habitualmente se desloca (…).

Saiu de casa definitivamente no passado dia 11, data em que foi ao apartamento

recolher os seus pertences, passando a residir junto da sua mãe. Desde então não tem tido

contactos com a companheira, com quem não pretende voltar a viver. No entanto e em

homenagem à longa vivência comum, não pretende procedimento criminal (…)”

3. Auto de Inquirição de testemunha

Data: 2017.09.27

Testemunha: Belmira Borges

Foi informada que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a

funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei

atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal

Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? - Não

Extrato: “É gerente da sociedade “Comer Bem, Lda.”, que explora o

estabelecimento de bebidas “Pastelaria – Café – Amparo”, sito na Rua Francisco José, Lote 5 –

Loja B, Urbanização dos Plátanos, Faro. No dia 2017.09.04, à hora do jantar, cerca das

20.00/20.30h, entrou no seu estabelecimento o Sr. Berto Brito, pessoa que conhece há cerca de

10 anos por ser cliente habitual e residir no prédio em frente. O referido Berto apresentava

muito sangue na zona dos órgãos genitais, aparentando estar em sofrimento e muito agitado.

Pediu ajuda, referindo que tinha acabado de cair quando circulava de bicicleta, o que a

depoente estranhou dado o tipo de lesão que apresentava e o ar comprometido e acabrunhado

que aparentava. De imediato ligou para a PSP, dando conta do sucedido, tendo sido

reencaminhada para o INEM, tendo solicitado a presença de uma ambulância que

efectivamente chegou cerca de 15m ou 20m após esta chamada. Enquanto aguardavam pelo

socorro procurou confortar o seu vizinho e tentar perceber o que efectivamente sucedera,

mantendo aquele que havia caído mas não se encontrando nas imediações qualquer bicicleta

nem apresentando aquele lesões equivalentes como escoriações ou “esfoladelas” por abrasão.

(…)”.

4. Auto de Inquirição de testemunha

Data: 2017.09.30

Testemunha: Delmina Darques

Foi informada que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a

funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei

atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal

Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? - Não

Extrato: “É vizinha de Berto Brito e da companheira deste, Ana Anes, residindo

no 4º Esq. do mesmo prédio. Conhece o casal desde o dia em que foram para ali residir, ou

seja, há cerca de 12 anos. É reformada e passa grande parte do dia em casa. Nunca teve

qualquer desentendimento com os seus vizinhos de cima mas, pelo menos numa ocasião,

acabou por ir bater à porta do 5º Esq. dados os gritos que dali provinham e que impediam a

depoente de descansar. Este episódio ocorreu há cerca de 7 anos, numa época em que o

falecido marido da depoente se encontrava doente e necessitado de repouso. Ainda assim os

gritos e as discussões não cessaram e frequentemente ouvia a sua vizinha Ana Anes a gritar

com o companheiro, assim como sons que pareciam objectos a cair. Embora não conseguisse

perceber tudo o que a vizinha dizia lembra-se de escutar muitas vezes a expressão “frouxo”,

sendo frequente cruzar-se com o vizinho no elevador e vê-lo de óculos escuros em dias com

pouco sol ou com marcas no rosto. Em sua opinião o Sr. Berto Brito era agredido mas nunca

conversou com ele sobre isso até porque é um homem e quando os casais se dão mal é

geralmente a mulher que sai prejudicada. No último par de anos tudo lhe pareceu mais

tranquilo no andar de cima, cessando quase por completo aqueles barulhos que até aí eram

quase diários. No entanto no passado dia 4, por volta da hora do jantar, ouviu novamente a

vizinha a gritar, o que a fez recordar do passado. Passado cerca de 15m sentiu o seu vizinho a

sair. Foi espreitar à janela e viu-se a dirigir-se ao café em frente, a cambalear (…)”.

5. Auto de Inquirição de testemunha

Data: 2017.09.27

Testemunha: Carla Costa

Foi informada que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a

funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei

atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal

Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? - Não

Extrato: “É colega de trabalho de Ana Anes e amiga de Berto Brito, com quem

manteve um relacionamento amoroso. Conhece Ana Anes em virtude de serem ambas

enfermeiras no hospital de Faro. Por força do relacionamento profissional mantido com Ana

Anes ficaram amigas, começando a frequentar a casa desta, local onde conheceu o Berto Brito.

Pelo menos desde 2010 que é visita da casa do casal, sendo frequentemente convidada para

jantares que retribuía também na sua própria casa. Por força deste contacto ficou bastante

próxima de Berto Brito, parecendo-lhe que aquele não era feliz no seu relacionamento com a

Ana Anes. Notava-lhe uma tristeza da qual procurou saber a origem vindo o mesmo a

confidenciar-lhe que não era feliz na relação, sendo maltratado, querendo com isto dizer que

não raras vezes o Berto lhe confidenciava que era insultado pela Ana, que o apelidava de

“frouxo” e “imprestável”, lhe imputava relacionamentos extraconjugais, lhe exigia a entrega do

dinheiro que ganhava, chegando a agredi-lo, geralmente à bofetada.

Com o tempo os sentimentos que nutria por Berto Brito e ele por si foram evoluindo e

chegaram a relacionar-se sexualmente. Os sentimentos românticos ter-se-ão iniciado em

meados de 2011.

Nos últimos dois anos notou que o Berto se reaproximou de Ana, andando

aparentemente mais tranquilo e mais distante de si. No entanto sabe que a Ana, por

mensagens que detectou no telemóvel do Berto, passou a desconfiar da depoente e,

recentemente, no mês passado, disse que “já sabia de tudo”, ameaçando que iria “fazer a vida

negra” à depoente.

No dia 4 do corrente mês de Setembro, após o almoço, a depoente teve a tarde livre

pelo que se ausentou do serviço de urologia e transplantes onde é enfermeira e a Ana Anes

enfermeira auxiliar. Soube que, na sua ausência, alguém entrou na posse do seu cartão de

acesso à sala refrigerada onde são colocados os órgãos para transplante. O cartão encontrava-

se na carteira da depoente e fora por si deixada no seu cacifo pessoal. Com o dito cartão e

através de passagem no leitor de banda magnética, foi franqueado o acesso à referida sala e

dali retirado um rim que acabara de ser depositado para ulterior transplante. Embora fazendo

uso do seu cartão – ficando a entrada registada em seu nome no sistema – não foi a depoente

a utilizá-lo, vindo posteriormente a saber que fora a Ana Anes a fazê-lo, possivelmente para

prejudicar a depoente, como prometera, já que o rim veio a ser encontrado em casa daquela e

já sem condições para o fim a que se destinava (transplante).

Para além do cartão de acesso, a carteira continha ainda o cartão de cidadão, a carta

de condução e € 160,00 em notas de € 20,00, dinheiro que levantara para, ao fim da tarde,

pagar a explicadora da sua filha.

A carteira e os documentos de identificação foram recuperados, em casa da Ana Anes,

mas continua prejudicada em € 160,00. Por estes factos deseja procedimento criminal contra

a referida Ana Anes. (…)”

6. Auto de interrogatório de arguido e Auto de constituição de arguido

Data: 2017.09.20

Arguida: Ana Andrade Anes

Extrato: “Não desejou prestar declarações”

7. Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal

Data: 2017.10.30

Entidade emissora: Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses

Extrato: “Exame objectivo: No períneo - ferida linear regular na base do pénis

com 6 cm suturada com 8 pontos de seda. No pénis - edema e equimose arroxeada de todo o

órgão. Testículo esquerdo - várias escoriações, duas das quais com pontos de sutura de seda e

edema testicular. (…) Conclusões: As lesões atrás descritas terão resultado da acção de objecto

cortante ou actuando como tal e determinaram um período de doença fixável em 25 (vinte

cinco) dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional assim

como, por seccionamento do epidídimo, de forma permanente e irreversível, a perda da função

de procriação. (…)”

8. Auto de busca domiciliária e apreensão

Data: 2017.09.11

Entidade que preside: Polícia de Segurança Pública

Local da diligência: Rua Rua Francisco José, Lote 4 – 5º Esq., Urbanização dos

Plátanos, Faro

Extrato: “Aos onze dias de mês de Setembro (…) na sequência do Termo de

Autorização de Busca Domiciliária de Berto Brito (…) procedi à busca domiciliária à residência

sita (…). Assim, pelas 17.00h, na companhia das testemunhas policiais identificadas no

presente Auto, entrámos na referida residência, tendo a porta de entrada sido aberta

livremente pelo visado (…). Refira-se que no interior da residência apenas se encontrava Berto

Brito, tendo sido elucidado da possibilidade de assistir à busca, fazer-se acompanhar ou

substituir por pessoa da sua confiança, conforme o preceituado no art.º 176º do Cód. Proc.

Penal, tendo este optado por assistir à diligência. Foi então dado início à busca propriamente

dita, sendo percorridas todas as dependências do imóvel a buscar, nada tendo sido encontrado.

Todavia, ainda no interior da referida habitação, Berto Brito entregou-nos uma caixa em

material tipo esferovite, de cor laranja, contendo no seu interior um órgão aparentemente

humano, assim como uma carteira de cor azul contendo um cartão plástico com banda

magnética, emitido pelo Hospital de Faro, um cartão de cidadão e carta de condução, tudo em

nome de Carla Costa (…), objectos por si encontrados no quarto de dormir e que foram

apreendidos por esta polícia (…)”

9. Termo de autorização de busca

Extrato: “Para os efeitos constantes na al. b) do n.º 5 do art.º 174º do Cód.

Proc. Penal eu Berto Brito (…) declaro que autorizo os agentes da PSP da Esquadra de

Investigação Criminal da (…) de Faro, a passar busca em: Rua Francisco José, Lote 4 – 5º Esq.,

Urbanização dos Plátanos, Faro, com observância das formalidades legais. Mais declaro que

dei esta autorização voluntária e conscientemente, pelo que vou assinar o presente Termo de

Autorização de Busca. Faro, 11 de Setembro de 2017. O Autorizante: Berto Brito (assinatura)”

10. Auto de visionamento de imagens

Data: 2017.09.10

Entidade: Polícia de Segurança Pública – Divisão de Investigação Criminal

Extrato: “Nesta data foi efectuado o visionamento do suporte de CDR,

proveniente do sistema de videovigilância instalado no Centro Hospitalar do Algarve – Hospital

de Faro e referentes aos movimentos referentes ao dia 04 de Setembro de 2017. No decorrer

do visionamento pode verificar-se, através das imagens captadas pela câmara n.º 1, a acção

da suspeita Ana Andrade Anes, ao passar um cartão no leitor de banda magnética existente na

porta de acesso à sala de depósito de material para transplante e, por via das imagens

captadas pela câmara n.º 2, existente no interior da referida sala, a mesma suspeita a pegar

numa arca própria para acondicionamento de material biológico e a dirigir-se à porta, sendo

visível, agora pela câmara n.º 1, que aquela abandonou o local transportando a referida arca.

Junto se envia folha de suporte com os fotogramas da suspeita e o respectivo CDR (…)”

11. Auto de denúncia

Data: 2017.09.05

Denunciante: Fernando Freitas – Presidente do Conselho de Administração do

Centro Hospitalar do Algarve – Hospital de Faro

Extrato: “No dia de ontem – 4 de Setembro – cerca das 15.00h, das instalações

do Hospital de Faro, foi retirado um rim humano que se encontrava acondicionado em arca

refrigerada depositada na sala de material para transplantes do Serviço de Urologia e que

havia sido nesse dia retirado de cadáver para ulterior transplante. (…) Deseja procedimento

criminal contra a autora da subtracção sendo perceptível, do visionamento das imagens, a

entrada no espaço da Sra. Enfermeira Auxiliar Ana Andrade Anes cuja cópia da fotografia

existente no serviço de recursos humanos se junta”.

12. Documento

Extrato: “Exmos. Senhores:

Na sequência do pedido que nos foi dirigido a coberto do Ofício n.º (…) dessa polícia,

enviamos por esta via cópia em CDR das imagens recolhidas pelo nosso sistema de

videovigilância (CCTV) e referentes ao dia 4 de Setembro de 2017. Mais remeto a listagem

extraída dos registos informáticos de acesso à sala de depósito de material para transplante,

alcançando-se a existência de um acesso no dia 4 de Setembro de 2017, pelas 13h 30m 25s

com o cartão de utilizador atribuído ao Dr. Gualter Guedes, Director de Serviço e que se reporta

à entrada para depósito de um rim humano recolhido na sequência de decesso recente e

destinado a ulterior transplante em beneficiário compatível e, pelas 15h 17m e 13s do mesmo

dia o registo subsequente através da utilização do cartão atribuído à Sra. Enfermeira Carla

Costa, inexistindo qualquer outro acesso registado por esta via até às 16h 40m e 18s, agora

novamente através do cartão atribuído ao Dr. Gualter Guedes que, em sequência, comunicou o

desaparecimento do dito órgão humano (…)

Com os melhores cumprimentos, Faro, 6 de Setembro de 2017, Fernando Freitas,

Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Algarve – EPE”.

13. Documento – Informação Clínica

Entidade emissora: Centro Hospitalar do Algarve EPE – Hospital de Faro

Extrato: “Relatório resumo de episódio de urgência (…)

Nome do paciente: Berto Brito (…)

Data de admissão: 21:35h 04-Set.-2017

Queixa: Refere queda de bicicleta

Tipo de triagem: Entrou via urgência – INEM

(…)

Alta para domicílio em 13.00h - 2017.09.06 (…)”.

14. Certificado de Registo Criminal

Data: 2017.11.04

Entidade emissora: Ministério da Justiça – Direção-Geral da Administração da

Justiça – Sistema de Informação de Identificação Criminal

Extrato: “Ana Andrade Anes (…) Nada consta acerca da pessoa acima

identificada”

15. Documento - Certidão do teor

Registo da fração com aquisição a favor de Berto Brito e Ana Andrade Anes e hipoteca

a favor de instituição bancária.

16. Contratos de trabalho

Cópia dos contratos de trabalho de Ana Andrade Anes e Carla Costa, com as respetivas

categorias profissionais

A. Auto de inquirição de testemunha

Data: 2017.12.05

Testemunha: Carla Costa

Foi informada que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a

funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei

atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal

Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? - Não

Extrato: “Mantém as declarações por si prestadas. Quer esclarecer que a

carteira que lhe foi subtraída se encontrava no seu cacifo pessoal, estando o acesso àquele

receptáculo protegido por fechadura. Embora não seja uma fechadura muito segura a verdade

é que foi utilizado um objecto para arrombar a porta já que a madeira desta estava fendida

como se alguém tivesse utilizado um objecto para fazer de alavanca e quebrar o fecho.

Continua a desejar procedimento criminal (…)”

B. Auto de Inquirição de testemunha

Data: 2017.12.05

Testemunha: Berto Brito

Foi informado que, caso declare ou ateste falsamente à autoridade pública ou a

funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei

atribui efeitos jurídicos, próprios ou alheios, o poderá fazer incorrer em responsabilidade penal

Verificam-se as condições do art.º 134º n.º 1 do Cód. Proc. Penal? – Sim,

tendo declarado que viveu em condições análogas às dos cônjuges com a arguida.

Foi advertido da possibilidade de recusar prestar depoimento tendo

declarado que pretende depôr.

Extrato: “Como já referiu anteriormente, em Maio de 2005, passou a viver com

Ana Anes. Durante os primeiros cinco anos mantiveram sempre um bom relacionamento, sem

ELEMENTOS RESULTANTES DAS DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS

grandes divergências. A partir de 2010, quando o depoente começou a explorar um

estabelecimento de venda de jornais, revistas e tabacos, sito na cidade de Faro, a arguida

começou a interpelá-lo quase diariamente, exigindo-lhe o dinheiro do apuro de caixa,

tornando-se cada vez mais agressiva e constante nas exigências quase diárias de dinheiro. A

arguida falava com o depoente num tom de voz ríspido e elevado, com uma postura muito

agressiva e enervada, o que fazia com que o depoente geralmente cedesse e lhe entregasse

parte ou mesmo a totalidade do dinheiro que conseguia com a sua actividade até porque, se

recusasse a então companheira reagia com muita violência, aos gritos que se ouviam no prédio

todo, apelidando o depoente de frouxo e imprestável, afirmando que lhe era infiel, que andava

“metido com todas” e, não raras vezes, partia para a violência física, geralmente esbofeteando

o depoente no rosto. Com o tempo as discussões passaram a ser quase diárias e o depoente

deixou simplesmente de lhe fazer frente ou colocar qualquer objecção, receando ser agredido.

Tinha a clara percepção que os vizinhos ouviam, sentindo-se vexado, humilhado, tendo que

esconder as marcas que às vezes a arguida lhe deixava no rosto.

Naquele período e porque se sentia triste, começou a ficar cada vez mais próximo de

Carla Costa, colega de trabalho da sua companheira e visita da casa, com quem acabou por se

envolver emocionalmente, passando a confidenciar-lhe tudo o que se passava.

Nos últimos dois anos Ana Anes passou a tratar o depoente com mais urbanidade,

sendo menos frequentes as discussões, achando o depoente que a relação ainda poderia voltar

a funcionar, tendo esperança de voltar a ser feliz.

No pretérito dia 4 do corrente mês de Setembro, cerca das 20.00h, o depoente chegou

a casa depois de mais um dia de trabalho. Aí for abordado pela companheira Ana Anes, que se

lhe dirigiu de uma forma mais ríspida, recordando-lhe o passado. Exigiu ao depoente a entrega

do apuro de caixa. Por receio, e porque já sabia do que a arguida era capaz, entregou-lhe €

100,00, reservando para si € 25,00 dado que, depois de tomar banho e jantar ainda pretendia

ir ao centro comercial adquirir um DVD. A companheira não terá gostado do facto do depoente

não lhe ter dispensado todo o dinheiro pelo que foi ter consigo à casa de banho, onde o

declarante se encontrava apenas em cuecas e, sem que nada o fizesse prever, munida de algo

que trazia escondido atrás das costas (suspeitando que seria uma tesoura) com esse objecto

atingiu-o na zona genital, cortando-o e provocando imediatamente abundante sangramento.

Perante isto vestiu-se e saiu rapidamente a fim de pedir ajuda, dirigindo-se ao café existente

em frente à sua casa onde pediu que chamassem o 112. Por vergonha disse que tinha caído da

bicicleta onde habitualmente se desloca (…).

Saiu de casa definitivamente no passado dia 11, data em que foi ao apartamento

recolher os seus pertences, passando a residir junto da sua mãe. Desde então não tem tido

contactos com a companheira, com quem não pretende voltar a viver. Nesse dia 11, quando se

encontrava no apartamento a recolher as suas coisas, apareceram uns agentes da PSP que

pretendiam fazer uma busca. O depoente franqueou-lhes a entrada, dado que o apartamento

também é seu. Quando estava a recolher as suas roupas no quarto encontrou a carteira da

Carla Costa e uma pequena arca refrigerada, objectos que entregou aos agentes e que lhe

referiram que era precisamente o que procuravam.

Mantém que - em homenagem à longa vivência comum e porque pretende refazer a

sua vida de forma tranquila - não pretende procedimento criminal (…)”