PROPOSTA DE PESQUISA DE ANÁLISE DA RELAÇÃO … · demanda pela reforma da educação brasileira,...

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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011 1 PROPOSTA DE PESQUISA DE ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O TRABALHO E A EDUCAÇÃO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MÉDIA BRASILEIRA SABBI, Volmir (UEM) 1 AZEVEDO, Mário Luiz Neves de (Orientador/UEM) 2 1. Introdução A educação brasileira de nível médio caracterizou-se, ao longo de sua história, por uma crônica oscilação de identidade quanto aos seus objetivos. Diferente do ensino fundamental - que tem seu objetivo amplamente aceito de formação escolar básica em ciências humanas, matemáticas e biológicas – e do ensino superior – que se caracteriza pela formação profissional -, o ensino médio parece situar-se em um limbo quanto à definição sobre a sua função e, ainda, uma função variável quando se trata do público a ser atendido. Em alguns momentos e dependendo do seu público, a sua finalidade principal foi a de fazer uma formação propedêutica aos estudantes que continuariam seus estudos no ensino superior enquanto que em outros momentos, ou para estudantes oriundos de extratos sociais mais pobres, a sua função de maior destaque era formar profissionais para o mercado de trabalho. Em outras ocasiões houve uma duplicidade de objetivos que mesclavam os dois citados, expondo uma dificuldade na estruturação didático- pedagógica ao dividi-la entre esses dois objetivos distintos. A dupla identidade desse nível escolar, associada à contribuição que a formação escolar poderia trazer para a consolidação da sociedade de classes resultante do fortalecimento contínuo do sistema produtivo capitalista, resultou em uma grande diversidade no tempo e no espaço da organização pedagógica da educação de nível 1 Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Pato Branco 2 Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e do Programa de Pós-Graduação em Educação

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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

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PROPOSTA DE PESQUISA DE ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O

TRABALHO E A EDUCAÇÃO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

MÉDIA BRASILEIRA

SABBI, Volmir (UEM)1

AZEVEDO, Mário Luiz Neves de (Orientador/UEM)2

1. Introdução

A educação brasileira de nível médio caracterizou-se, ao longo de sua história,

por uma crônica oscilação de identidade quanto aos seus objetivos. Diferente do ensino

fundamental - que tem seu objetivo amplamente aceito de formação escolar básica em

ciências humanas, matemáticas e biológicas – e do ensino superior – que se caracteriza

pela formação profissional -, o ensino médio parece situar-se em um limbo quanto à

definição sobre a sua função e, ainda, uma função variável quando se trata do público a

ser atendido.

Em alguns momentos e dependendo do seu público, a sua finalidade principal

foi a de fazer uma formação propedêutica aos estudantes que continuariam seus estudos

no ensino superior enquanto que em outros momentos, ou para estudantes oriundos de

extratos sociais mais pobres, a sua função de maior destaque era formar profissionais

para o mercado de trabalho. Em outras ocasiões houve uma duplicidade de objetivos

que mesclavam os dois citados, expondo uma dificuldade na estruturação didático-

pedagógica ao dividi-la entre esses dois objetivos distintos.

A dupla identidade desse nível escolar, associada à contribuição que a formação

escolar poderia trazer para a consolidação da sociedade de classes resultante do

fortalecimento contínuo do sistema produtivo capitalista, resultou em uma grande

diversidade no tempo e no espaço da organização pedagógica da educação de nível 1 Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Pato Branco

2 Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e do Programa de Pós-Graduação em Educação

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médio. Fatores como: a ampliação da escolarização na modernidade, a necessidade de

formação de mão-de-obra para o sistema produtivo industrial em crescimento, o

fortalecimento dos estados-nação e sua alternância democrática e o desenvolvimento do

sistema capitalista com sua conseqüente disputa de classes, formam elementos

importantes na disputa sobre o modelo de educação de nível médio a ser assumido pela

sociedade. A dualidade entre a formação científica para os filhos das classes

dominantes, que continuarão seus estudos de nível superior, e a formação

profissionalizante para os filhos da classe operária, parece ser uma marca histórica desse

nível de ensino.

2. Contexto Histórico

No período colonial e imperial brasileiro a oferta de educação média era restrita

a poucas localidades e seu público compunha-se dos filhos da aristocracia ou dos

estratos dirigentes da burguesia nacional. O conteúdo abordado nessas escolas estava

relacionado com a cultura humanista visando o aprofundamento do ensino trabalhado

no nível primário ou a preparação para a formação superior, ainda mais restrita. A

formação para o trabalho, destinada aos filhos da população com menores condições

financeiras, acontecia, de maneira geral, durante a realização da própria atividade

laboral e caracterizava-se por um conteúdo intelectual mais restrito.

No período republicano, a implantação de políticas públicas alinhadas com o

ideário positivista, as demandas de formação de mão de obra para o iniciante processo

de industrialização nacional e o crescimento das populações nas cidades resultaram em

um aumento crescente da oferta de ensino médio e a criação de cursos

profissionalizantes. O público que freqüentava esses dois sistemas de ensino era de

origem social diferenciada. A ampliação da oferta dessa modalidade de ensino

caracterizou-se pela dualidade do tipo de formação – de base científico-humanista ou de

formação profissional – oferecida a extratos sociais diferentes da população.

As sucessivas reformas educacionais após 1930 buscavam ajustar a estrutura

educacional à demanda crescente. O ensino médio ampliou o seu atendimento à

população, mas mantinha a sua dualidade, variando, porém, em sucessivos períodos, na

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forma de conexão e continuidade do ensino médio profissional com o ensino superior. O

que estava sempre presente na escola média brasileira era a existência de conteúdos

diferentes trabalhados com sujeitos diferentes: ensino de cultura geral para a classe

dirigente e ensino profissionalizante para a classe trabalhadora.

Durante a ditadura militar, o Governo Federal, atendendo à uma vigorosa

demanda pela reforma da educação brasileira, promulgou a Lei 5.692/71 que, dentre as

diversas alterações da estrutura do ensino, unificou o ensino médio que passou a

designar-se de ensino de 2o grau. A partir dessa Lei, todos os alunos do ensino de 2o

grau passaram a ter uma formação que englobava tanto conteúdos humanísticos e

científicos como profissionais. Essa unificação no formato de ensino médio para todos

os alunos representou, paradoxalmente com o regime político existente, uma condição

que poderia ser classificada como democrática, pois era o mesmo para todos. A rede de

ensino, tanto pública como privada, porém, não estava preparada em termos de

formação de professores e de estrutura educacional, para ministrar a ampla diversidade

de formações profissionais com um mínimo padrão de qualidade.

Dentre as instituições de ensino médio existentes na época, as escolas públicas

pertencentes à rede federal de ensino profissionalizante representavam uma exceção.

Mesmo atendendo apenas a uma pequena parcela da população, essas instituições

reuniam as condições objetivas para uma oferta de qualidade dos novos cursos

profissionalizantes integrados. A rede federal de educação profissionalizante reunia

condições para a oferta de ensino médio de qualidade, mas era minoria em função de

esta modalidade de ensino ser, de acordo com a legislação, de responsabilidade dos

estados federativos. A qualidade dos cursos oferecidos pela rede federal podia ser

comprovada pela procura intensa, de todos os setores da sociedade, aos cursos

oferecidos pelas escolas da rede federal.

Apenas em 1982 a Lei 7.044 permitiu, após 21 anos, a separação facultativa

entre educação propedêutica e a profissional no ensino médio. A classe dominante foi

“libertada” da obrigatoriedade de freqüentar um curso profissionalizante. Abriu-se,

novamente, a possibilidade de ofertar uma educação de qualidade e conteúdo

diferenciados em função do público a ser atendido. Isto permitiu às escolas privadas

uma ampliação da sua atuação no mercado de ensino ao oferecer um ensino médio com

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conteúdo de base científica visando a preparação dos alunos para a continuidade da sua

formação no ensino superior.

As escolas públicas federais permaneceram ofertando os cursos técnicos

integrados com o ensino propedêutico e com uma proposta pedagógica que foi se

aperfeiçoando em função da melhoria da formação de seus professores. Durante a

segunda metade da década de 80 e a década de 90 houve, em sincronia com o que

acontecia no Brasil, um significativo acréscimo na titulação dos professores da rede

pública federal que propiciou o aperfeiçoamento na abordagem teórico-metodológica

desses professores. Essa ampliação na titulação permitiria que se ampliasse

significativamente a reflexão sobre a prática escolar através da realização de pesquisas

científicas que tivessem esses cursos técnicos integrados como objeto de estudo.

Infelizmente esses cursos foram, de forma abrupta e autoritária, desmontados pelo

governo federal, interrompendo uma construção pedagógica de valor reconhecido pela

sociedade.

Em 1997, pela força do Decreto 2208/97, o Governo Federal, sob vigorosa

influência das idéias neoliberais hegemônicas no mundo e no Brasil e por

condicionalidades do Banco Mundial (BM) e do Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID), separou obrigatoriamente o ensino médio do ensino

profissionalizante. A rede federal de ensino foi forçada a extinguir seus cursos técnicos

integrados de qualidade reconhecida. Em 2004, o Governo Federal, sob a orientação de

um referencial de gestão pública mais identificado com as causas populares, promulga o

Decreto 5.154/2004 que permitiu, novamente, a oferta de ensino profissionalizante

integrado com o ensino médio. O problema é que toda a estrutura de oferta desse ensino

que existia sete anos antes já havia sido desmontada e não se detectou um movimento

significativo no sentido da sua recomposição na mesma dimensão que havia antes.

Essa sucessiva alteração do modelo de ensino médio demonstra a inexistência de

uma compreensão mais profunda e fundamentada da sociedade sobre o modelo de

educação neste nível. Não existe uma política de Estado ou de sociedade para esse nível

de ensino, apenas políticas de governo. É urgente, portanto, que se faça uma discussão

teórica para a elaboração de um modelo de educação secundária que tenha uma

identidade de objetivos e que seja aceita como válida pela maioria da sociedade. O

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estudo das idéias de Marx e Gramsci que propõe a integração da educação com o

trabalho, de forma ampla e democrática, traz elementos de grande força teórica para a

formação humana no sentido de harmonizá-la com o movimento de transformação da

sociedade.

3. O Referencial Teórico

O debate sobre o modelo de educação que interessa à classe trabalhadora já

havia ocupado Marx e Engels. Nos Princípios do comunismo de Engels, que serviu de

base para a elaboração em 1848 do Manifesto do partido comunista, foi abordada a

questão da importância da educação para a revolução socialista e a sua organização

pedagógica vinculando educação e trabalho. Nesses Princípios, uma medida a ser

adotada seria a “Instrução a todas as crianças, assim que possam prescindir dos cuidados

maternos, em institutos nacionais e a expensas da nação. Instrução e trabalho de fábrica

[Fabrikation] vinculados.” (ENGELS, apud MANACORDA, 2010, p. 40). Já estão

presentes aqui conceitos como democracia na oferta educacional e o compromisso do

estado para com essa educação. A associação entre instrução e trabalho é, também, uma

diretriz educacional tipicamente socialista. Para Engels a educação, unindo ensino e

trabalho, deve ser destinada a todas as crianças e não apenas aos filhos dos proletários.

Essa posição democrática é contrária à dualidade da educação a ser oferecida aos filhos

do proletariado e aos da burguesia que caracteriza a educação média na história mundial

e brasileira.

A união de trabalho produtivo com ensino seria acolhida definitivamente pela

pedagogia marxista, cerca de vinte anos depois. Ao elaborar as Instruções aos delegados

do comitê provisório do I Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores,

em Genebra, com o argumento “de que todo adulto deve, segundo a lei geral da

natureza, ‘trabalhar não apenas com o cérebro, mas também com as mãos’ (MARX,

apud MANACORDA, 2010, p. 47) Marx aceita a possibilidade de uma presença, desde

que limitada, de crianças no trabalho. Essa limitação foi estabelecida em termos de

limite de horas em função das idades das crianças.

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O conteúdo pedagógico do ensino socialista previsto nessas Instruções

contemplaria três coisas: ensino intelectual, educação física e o

adestramento tecnológico, que transmita os fundamentos científicos gerais de todos os processos de produção e que, ao mesmo tempo, introduza a criança e o adolescente no uso prático e na capacidade de manejar os instrumentos elementares de todos os ofícios. [...] A união do trabalho produtivo remunerado, ensino intelectual, exercício físico e adestramento politécnico elevará a classe operária acima das classes superiores e médias. (MARX, apud MANACORDA, 2010, p. 48)

A união entre educação e trabalho produtivo como estratégia para uma formação

mais completa e fundamentada, capaz de elevar a classe operária acima das outras,

aponta para a importância do trabalho assumir um papel pedagógico central na medida

em que seja alçado à condição de princípio educativo.

A aproximação da formação escolar com a formação para o trabalho pode,

dependendo da forma adotada, atender a uma necessidade de formação mais completa,

onilateral, ou, de outra forma, como expôs Marx em sua posição no Trabalho

assalariado e capital, pode atender aos interesses capitalistas que buscam apenas de um

treinamento para tornar o trabalhador mais apto e flexível para a operação da

maquinaria em constante mutação.

Entre essas duas abordagens distintas dessa união de educação e trabalho

produtivo, temos inicialmente a formação técnica para os vários ramos do trabalho. Essa

formação representa o modelo mais difundido em função de melhor atender aos

interesses capitalistas, historicamente hegemônicos. Nesse modelo, a ênfase está na

formação plural com o intuito de atender às multiplicidades dos trabalhos. Podemos ter,

porém, outra abordagem. Na união da teoria com a prática, do trabalho manual com o

intelectual, a formação humana assume um caráter de totalidade e onilateralidade,

opondo-se à divisão originária entre trabalho manual e intelectual que a fábrica moderna

exacerba. Neste modelo existe “a possibilidade de uma plena e total manifestação de si

mesmo, independentemente das ocupações específicas da pessoa.” (MANACORDA,

2010, p. 53)

A relação entre o trabalho e o processo educativo da classe trabalhadora também

foi uma preocupação central de Gramsci ao estudar a realidade concreta da sociedade e

as condições necessárias à sua transformação através da revolução socialista. O sentido

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da elaboração intelectual de Gramsci é o da reflexão sobre as condições históricas

concretas de modo a elaborar uma estratégia de formação da classe operária para que

esta assumisse o protagonismo do movimento pela sua emancipação e pela revolução da

sociedade. Para que se compreendesse o processo de apreensão dessa consciência de

classe, Gramsci pensa no papel dos intelectuais como elementos indutores ou inibidores

de uma organização cooperativa de classe.

O interesse de Gramsci para as questões culturais formativas era motivado e orientado, portanto, pela objetiva preocupação de preparar os quadros dirigentes que haveriam de governar o futuro Estado Proletário. Nessa direção, o problema principal, pensava, era formar pessoas de visão ampla, complexa, porque governar é uma tarefa difícil. (NOSELLA, 2010, p.42)

O processo de formação desses intelectuais e do conjunto da classe operária

pode ser feito por diversas instituições, pelos partidos, pelos jornais, pelos sindicatos ou

pela escola. Mas qualquer que seja a instituição que promova essa formação, a sua

natureza educativa é o que caracteriza essa ação.

Em função da centralidade do processo educativo na transformação das

condições objetivas de formação da classe operária e sendo a escola a principal

instituição educativa de uma sociedade, Gramsci se dispôs a fazer uma reflexão de

grande inovação e fundamentação teórica sobre o papel da escola. A partir dos

pressupostos teóricos do marxismo e das condições históricas em que se encontrava o

sistema produtivo de sua época, Gramsci avançou e aprofundou uma proposta de ação

educativa para a classe operária no sentido de emancipá-la intelectualmente,

propiciando à mesma a possibilidade de disputar, em igualdade de condições, o controle

da sociedade com a classe capitalista.

a tendência democrática, intrinsecamente, não pode significar apenas que um operário manual se torne qualificado, mas que cada “cidadão” possa tornar-se “governante” e que a sociedade o ponha, ainda que “abstratamente”, nas condições gerais de poder fazê-lo: a democracia política tende a fazer coincidir governantes e governados. (GRAMSCI, 2006, p. 50)

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4. A Proposta De Pesquisa

O problema de pesquisa que apresentamos é: A partir da história da educação

brasileira de nível médio e do referencial teórico da escola unitária de Gramsci, como

pensar uma proposta de educação de nível médio no Brasil que seja mais democrática e

emancipadora do ser humano?3

A construção de uma sociedade mais justa e igualitária passa pela progressiva

união entre trabalho intelectual e trabalho manual. A centralidade do trabalho na

formação do homem e da sociedade está ligada à sua própria condição de produção da

materialidade histórica que fez o homem como fruto do seu trabalho coletivo. Tanto em

Marx como em Gramsci, a formação deve ter uma relação de identidade com o trabalho,

pois este representar a condição central da produção material e que tem o trabalhador

como sujeito ativo da relação. A combinação de trabalho com ensino representa para

ambos, a possibilidade de transformação da sociedade. Gramsci aprofundou e ampliou

essa unificação trabalho e educação através de uma proposta mais detalhada de escola

unitária em que o trabalho assumiria a função de princípio educativo.

Para Gramsci o modelo de homem a ser formado pela escola unitária assemelha-

se com a figura de Leonardo da Vinci, que reunia capacidade de produzir uma

tecnologia a partir dos interesses mais amplos do conjunto da sociedade, que reunia

rigor científico e disciplina laboral para a produção intelectual e estética. Para Gramsci,

mais importante que a cultura escolástica era a autonomia do homem para produzir seu

próprio conhecimento a partir de um rigor metodológico orientado para a produção do

bem coletivo.

O pensamento de Gramsci era orientado pela idéia da revolução socialista. A

formação ampla e completa da classe trabalhadora seria a estratégia para qualificação

3 O autor dessa proposta de trabalho tem uma formação acadêmica e profissional e uma história de atuação docente que pode contribuir na participação dos debates a respeito dos rumos da educação média profissional. É formado em engenharia civil e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) – antigo Cefet-PR - , campus Pato Branco, desde a instalação dessa unidade de ensino em 1993. A participação, no período inicial, na equipe de direção escolar e no Conselho Universitário propiciou a participação nos debates que sacudiram a educação média dos últimos anos. A presença permanente em sala de aula do curso técnico de edificações, a luta junto ao sindicato docente e a realização do mestrado em educação trouxeram elementos teóricos e práticos para balizar a sua proposta de pesquisa em tela.

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desta na disputa pela hegemonia na sociedade. As reflexões de Gramsci a respeito da

educação têm, portanto, esse sentido de formação humana.

Refletir sobre as idéias de Gramsci ao pensar a educação média tem fundamento

na medida em que é nesse momento da vida escolar que o aluno passa a tomar parte

mais intensamente do mundo do trabalho. É, também, nesse momento em que a

organização formal do ensino pode separar os que, na atual estrutura produtiva

capitalista, vão desempenhar apenas trabalho braçal dos que serão preparados para

serem dirigentes. Esse nível de ensino é, também, caracterizado por uma fase muito

sensível na vida humana, a adolescência, em que afloram muitos dos conflitos e

inseguranças inerentes ao ingresso da pessoa na vida adulta. É, também, o período de

contato ou de definição profissional.

Neste sentido, também, a antecipação desta escolha profissional para os alunos

que concluirão seus estudos nesta fase representa um tratamento desigual em relação

àqueles que poderão fazer essa escolha ao ingressar no ensino superior. Por outro lado,

o contato com o mundo do trabalho, na medida em que este represente a oportunidade

de amadurecimento intelectual resultante da percepção da relação existente entre mundo

do trabalho e o conhecimento, pode trazer uma compreensão e um sentido do papel do

aluno na sua vida produtiva e social.

A proposta deste trabalho é estudar como a dualidade entre formação geral e

profissional se apresentou na história da educação média brasileira e como as idéias de

Marx e Gramsci sobre a formação integral podem ajudar a refletir sobre qual escola

média interessa aos setores mais amplos da sociedade. Com essa base teórica, da

formação omnilateral e da escola unitária, é possível refletir sobre a prática pedagógica

dos cursos técnicos profissionalizantes oferecidos pela rede federal de educação

profissionalizante. Tenciona-se que, a partir da realidade concreta encontrada nessa

modalidade de ensino e com a inspiração teórica em tela seja possível pensar uma

construção de uma nova escola que una a educação ao trabalho, com a democratização

no acesso e uma educação de qualidade e com um sentido humano mais aprofundado.

Essa construção pedagógica teria o trabalho como princípio educativo.

O objetivo geral desta proposta de trabalho é fazer uma análise, à luz das idéias

educacionais de Marx e Gramsci, dos modelos educacionais implantados na história da

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educação média brasileira, caracterizando a sua dualidade e a sua nova configuração a

partir da Lei 5692/71. A partir dessa análise, elucidar em que medida o ensino técnico

oferecido pela rede de escolas técnicas federais brasileiras, no período de 1971 a 1997,

traz elementos de integração da escola com o trabalho. Discutir o contexto político-

econômico que rompeu com a integração entre ensino profissionalizante e propedêutico

e refletir sobre as perspectivas de uma proposta pedagógica para esse nível de ensino.

Para a realização dessa proposta de trabalho, as tarefas específicas que

precisaremos realizar serão:

1. Estudar os textos de autores que tratam da proposta educacional de integração do

trabalho às atividades pedagógicas na escola, especialmente às referenciadas no

marxismo e nas idéias de Gramsci;

2. Fazer um levantamento do desdobramento histórico da legislação educacional

brasileira buscando caracterizar o modelo de educação média adotado nos

sucessivos períodos no intuito de identificar a possível dualidade entre uma

formação para a classe trabalhadora e outra para a classe dominante;

3. Caracterizar o momento educacional, social e político no Brasil no período

adjacente à formulação da Lei 5.692/71, legislação determinante para a configuração

do modelo de educação profissional implantado na rede federal de escolas técnicas;

4. Fazer um estudo bibliográfico de fontes que tenham como objeto de análise as

práticas pedagógicas que relacionam o trabalho com a educação no âmbito da rede

pública de ensino médio nos níveis federal e estadual;

5. Fazer um levantamento documental da história da Universidade Tecnológica

Federal do Paraná (UTFPR), instituição educacional representativa do sistema

federal de escolas técnicas, buscando explicitar os objetivos e as finalidades dos

cursos médios oferecidos ao longo da sua história para que se possa ampliar a

compreensão do papel a ser desempenhado pela escola no atendimento aos

interesses de classe presentes na sociedade.

6. Fazer uma análise da prática pedagógica dos cursos médios profissionalizantes da

UTFPR, no período pós Lei 5.692/71, buscando caracterizar a estrutura escolar, o

perfil dos professores e alunos e os encaminhamentos pedagógicos que caracterizam

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a integração entre educação e trabalho e os efeitos detectados na formação dos

estudantes.

7. Explicitar a política histórica na relação das instituições federais de ensino técnico

com a sociedade e com o setor produtivo, buscando caracterizar a visão institucional

desta relação;

8. Analisar as alterações legais do ensino médio brasileiro, formalizadas nos Decretos

2.208/1997 e 5154/2004, explicitando suas conseqüências e seus interesses

relacionados;

5. Considerações Finais

Realizar uma pesquisa a respeito do curso técnico integrado nos moldes em que

o mesmo foi implantado na rede de federal de escolas técnicas no Brasil trará uma

compreensão mais ampla das possibilidades de formação que a união entre educação e

trabalho pode trazer. Mesmo que se considere que o objetivo de tal integração, nos

moldes aplicados nessas instituições, fosse o de apenas formar um profissional mais

completo para atender melhor às demandas do sistema produtivo capitalista, é digno de

estudo o potencial formativo dessa proposta pedagógica.

Se essa união entre educação e trabalho é capaz, como pode mostrar essa

experiência, de formar um trabalhador mais competente tecnicamente, poderia, também,

na medida em que se amplie o universo de conhecimentos a ser abordado, formar um

ser humano mais completo e mais comprometido com uma sociedade mais justa e

igualitária. Educar a partir da realidade do trabalho tem o poder de dar sentido ao

conteúdo educacional, tornando-o algo de valor tanto individualmente como

socialmente.

Gramsci ao propor a escola unitária pensava numa estratégia de formação da

classe trabalhadora para torná-la capaz de ser parte do grupo dirigente da sociedade. A

união entre educação e trabalho, num referencial emancipador do ser humano, terá a

condição de potencializar a ação da classe trabalhadora no sentido da sua valorização e

da sua união em torno de seus interesses comuns.

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Para que a formação humana mais completa seja efetivamente democrática e

seja significativa no conjunto educacional de uma sociedade é necessário que essa

proposta de formação seja assumida como uma estratégia de educação pública. Somente

por meio de políticas públicas garantidas pela ação do Estado será possível estender

democraticamente os benefícios de uma educação de qualidade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 5.692/71, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o Ensino do 1o e 2o graus.

_____. Lei 7.044/82, de 18 de outubro de 1982. Altera dispositivos da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, referentes à profissionalização do ensino de 2º grau.

_____. Decreto 2.208/97, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o § 2º do Art. 36 e os Arts. 39 a 42 da lei n. 9.394/96.

_____. Decreto 5.154/2004, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do Art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. V.2. Os intelectuais. O principio educativo. Jornalismo. Trad. N. Coutinho. 4.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. 2.ed. Trad. Newton Ramos de Oliveira. Campinas, SP: Editora Alínea, 2010.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. In: MARX; ENGELS. Textos. V.3. São Paulo: Edições Sociais, 1977, p. 13-47.

MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. In: MARX; ENGELS. Textos. V.2. São Paulo: Editora Alfa-Omega, s/d, p. 203-234.

NOSELLA, Paolo. A escola de Gramsci. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2010.