Projeto de Qualificação (Mestrado - 2015) Título: Política Nacional de Assistência Social e o...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA SOCIAL E INSTITUCIONAL
DANIEL DALLIGNA ECKER
Poltica Nacional de Assistncia Social e o Programa Mais Educao:
entre o direito educao e a obrigatoriedade de estudar
Porto Alegre
2015
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DANIEL DALLIGNA ECKER
Poltica Nacional de Assistncia Social e o Programa Mais Educao:
entre o direito educao e a obrigatoriedade de estudar
Projeto de Qualificao apresentado ao Instituto de
Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul [UFRGS] como parte dos requisitos do
Curso de Mestrado Acadmico Edital PPGPSI n.
01/2013.
rea de concentrao:
Programa de Ps-graduao em Psicologia Social
e Institucional [PPGPSI]
Orientadora: Prof Neuza M. de F. Guareschi
Porto Alegre
2015
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SUMRIO 1. Introduo ao estudo .................................................................................. 4
2. Poltica Nacional de Assistncia Social e educao ................................ 7
2.1 Assistncia social e educao: mecanismos de governo da populao
.......................................................................................................................... 10
3. Educao no Brasil: direito da populao, dever do Estado ................ 13
4. Discursos sobre educao integral em contexto brasileiro .................. 29
5. Caracterizao do problema de pesquisa ............................................... 42
5.1 O Programa Mais Educao ...................................................................... 42
5.2 Questo de pesquisa ................................................................................. 50
5.3 Questes norteadoras ............................................................................... 50
6. Processos metodolgicos ........................................................................ 51
6.1 Contexto de pesquisa ................................................................................ 51
6.2 Procedimentos de pesquisa ....................................................................... 52
6.3 Organizao dos materiais de pesquisa, anlise e discusso .................. 53
7. Referncias ................................................................................................. 54
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1. Introduo ao estudo
Este Projeto de Pesquisa de Mestrado tem como objetivo discutir a
relao entre a Poltica Nacional de Assistncia Social (PNAS) e o Programa
Mais Educao, no BrasilI. Atravs dele, visamos ampliar a compreenso sobre
como se constitui certa noo de cidadania e de direitos humanos no arranjo
entre essas polticas, que se operam atravs de aes do Estado, justificadas
pelo argumento da garantia dos direitos sociais populao.
O Programa Mais Educao foi criado atravs da Portaria Interministerial
n. 17/2007 (2007) e regulamentado pelo Decreto n. 7.083/2010 (2010) com o
objetivo de fomentar a educao integral de crianas, adolescentes e jovens,
atravs de atividades socioeducativas no turno inverso ao escolar. Amparado
pela Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, ele integra as aes do
Ministrio da Educao [MEC] que visam conjugar todos os esforos
objetivando a progresso das redes escolares pblicas urbanas de ensino
fundamental para o regime de escolas de tempo integral (1996, 5).
No ano de 2011, representantes do Ministrio do Desenvolvimento
Social e Combate Fome [MDS] (2011) indicaram que o Mais Educao
deveria ser considerado um Programa complementar a Poltica de Assistncia
Social. Desde ento, o MEC e o MDS tm estabelecido aes estratgicas
visando ampliar o acesso ao Mais Educao dos beneficirios do Bolsa
Famlia. A justificativa se ampara pelo argumento de que os beneficiados pelo
Bolsa Famlia refletiriam o quadro histrico de desigualdades e de
vulnerabilidades sociais do contexto brasileiro. A meta governamental prevista
para at o final de 2014 era a de que todos os Estados do Brasil
concentrassem esforos para que pelo menos metade de todas as escolas com
educao integral fossem compostas por uma maioria de alunos do Bolsa
Famlia.
I O Projeto formulado a partir da perspectiva de aprofundamento da produo desenvolvida na Linha de Pesquisa Polticas Pblicas, Sade, Trabalho e Produo de Subjetividade. O estudo faz parte do Projeto guarda-chuva Psicologia Social, Polticas Pblicas e o Governo das Populaes coordenado pela Prof. Dr. Neuza M. de F. Guareschi atravs do grupo de pesquisa - Estudos Culturais e Modos de Subjetivao dentro do Ncleo e-politcs - Estudos em Polticas e Tecnologias Contemporneas de Subjetivao - do PPGPSI da UFRGS.
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Ao nos aproximarmos de escolas que implementaram o Mais
EducaoII, dentre as diversas problemticas apresentadas, nos deparamos
com o relato de que o Programa no tem ocorrido via Poltica de Assistncia
Social, mas sim, diretamente atravs da Secretaria da Educao junto s
escolas de cada regio. Mesmo assim, no so todas as escolas de cada
territrio que possuem o Programa. Segundo a coordenadora do Centro de
Referncia de Assistncia Social (CRAS), da regio nordeste de Porto Alegre
(Rio Grande do Sul - RS), possvel que hajam jovens cadastrados no
Programa Bolsa Famlia que estejam no Mais Educao, dado que no est
presente no cadastro das famlias e nem foco de interveno dos
profissionais do servio de assistncia.
A educao integral, atravs do Mais Educao, tem se apresentado
como estratgia governamental para jovens em situao de vulnerabilidade
social como, por exemplo, os que se encontram em situao de Abrigo.
Oficinas de msica, arte e reforo escolar so as principais atividades
executadas atravs do Mais Educao. Segundo relato de uma gestora do
Programa, a poltica tem desviado a ateno do que seria prioridade no ensino
bsico atual: mais necessidade de investimento em infraestrutura, em recursos
humanos e maior valorizao dos profissionais envolvidos, especialmente os
professores. Ela descreve que o Mais Educao produz precariedade nos
servios ao sobrecarregar responsabilidades aos docentes, impondo tarefas e
aes em meio a um ambiente que j problemtico.
Junto a isso, o vnculo de carter voluntrio oferecido aos monitores do
Programa desvaloriza os profissionais no momento em que oferece uma bolsa
de, em mdia, R$275,00 para um trabalho de 20 horas semanais. Sendo a
remunerao extremamente baixa muitos monitores acabam se
responsabilizando por mais de uma turma, trabalhando excessivamente para
receber menos do que um salrio mnimo brasileiro, j que a regulamentao
do governo abre a possibilidade para que o monitor atenda a mais de uma
II Relatos obtidos na aproximao com os servios referenciados na regio do Centro de Referncia de Assistncia Social (CRAS), da regio nordeste de Porto Alegre (RS), que disponibilizaram autorizao para a execuo deste estudo.
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classe. Essas problemticas, frente execuo do Programa Mais Educao,
justificam a necessidade de estudos e discusses nesse campo.
Visando pensar na articulao de prticas governamentais sobre a
populao no Brasil, na relao entre o Programa Mais Educao e a PNAS,
fazemos uma aproximao com os estudos de Michel Foucault. No curso
intitulado Segurana, Territrio, Populao, dado no Collge de France no
ano de 1977 a 1978, Foucault inicia sua discusso sobre as tecnologias de
segurana, que reativam e transformam as tcnicas jurdico-legais e as
tcnicas disciplinares, fazendo emergir a noo de governamentalidade
(Foucault, 2008a). Essa noo entendida como uma racionalidade que se
forma no ocidente, principalmente a partir do sculo XVIII, tendo como ideia
central a de que a populao um elemento fundamental nas prticas de
governo, estando na base de manuteno da estrutura de poder do Estado, se
envolta por todo um aparato regulamentar (Foucault, 2004; 2008).
Assim, entendendo as polticas sociais brasileiras como modos de
governar atravs de determinadas racionalidades (Cruz & Guareschi, 2012;
Cruz, Guareschi & Rodrigues, 2013; Scisleski & Guareschi, 2014) elaboramos
este Projeto de Mestrado visando aprofundar a seguinte questo de pesquisa:
Como se constitui o sujeito cidado e de direito educao na relao entre a
Poltica de Assistncia Social e o Programa Mais Educao, no Brasil?
Para dar suporte s discusses aqui colocadas, organizamos a escrita
do Projeto dividindo-a em cinco etapas. Na primeira, introduziremos elementos
referentes Poltica de Assistncia Social no Brasil e sua aproximao com as
polticas de educao. Em seguida, apresentaremos pontos histricos sobre o
processo de constituio da educao como direito da populao e dever do
Estado, trazendo para anlise fragmentos das Constituies Federais
brasileiras desde sua primeira formulao no ano de 1824. Essa aproximao
objetiva ampliar a compreenso sobre como foi se produzindo o sujeito de
direito educaoIII, no pas.
III A expresso sujeito de direitos utilizada no documento da PNAS para afirmar a necessidade de interveno da Poltica Nacional de Assistncia Social sobre a populao. Utilizaremos no texto a ideia de sujeito de direito educao para nos remetermos a esse sujeito contemporneo que foco de polticas governamentais de educao sob a justificativa de ser uma ao que lhe garante proteo social atravs
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Por terceiro, colocaremos em anlise discursos que emergem junto s
propostas de educao integral na historicidade do Brasil. A partir dos
principais enunciados presentes nesses discursos, apresentaremos alguns
contrapontos que marcam as cenas do quadro histrico de constituio do pas
enquanto Estado-nao, especialmente no que se refere ao processo de
colonizao, aps a chegada dos espanhis e portugueses na Amrica Latina.
No quarto momento, apresentaremos a caracterizao da pesquisa, o
Programa Mais Educao e as questes de pesquisa. Por fim, descreveremos
os percursos metodolgicos previstos para o desenvolvimento do estudo, que
se realizar junto a um CRAS de Porto Alegre e s escolas de seu territrio,
tendo tem como objetivo geral compreender como se constitui certa noo de
cidadania e de direitos humanos no arranjo entre a Poltica Nacional de
Assistncia Social e o Programa Mais Educao, no Brasil.
2. Poltica Nacional de Assistncia Social e educao
No contexto brasileiro pode-se dizer que a garantia dos direitos polticos,
sociais, econmicos e culturais do cidado foi assumida como responsabilidade
do Estado a partir da Constituio Federal de 1988. atravs de sua
promulgao que vemos determinados direitos serem definidos como
compromisso do governo onde a assistncia, juntamente com a sade e a
previdncia social, constituram o trip da seguridade social. Assim, inspirada
na noo de Estado de Bem Estar Social, a Constituio de 1988 um marco
histrico que institui o incio da transformao da assistncia social no pas.
Historicamente, a assistncia estava associada a um longo perodo de prticas
vinculadas caridade, Igreja Catlica, filantropia e ao primeiro-damismo.
Prticas de um sistema meritocrtico, calcado na tica da benemerncia e da
relao de subalternidade (Couto, Yasbek, Silva & Raicheles, 2010, p. 53).
Com a promulgao da Constituio, a assistncia social deixa de ser
caracterizada pela noo de caridade e filantropia para se tornar poltica
pblica de Proteo Social, inserindo-se em um novo campo de atuao: dos
direitos e da universalizao dos acessos, assim como da responsabilidade
Estatal. Articulada a poltica de educao, ela se direciona garantia de
da garantia de direitos.
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direitos e de condies dignas de vida, demarca seu carter universal, ainda
que seletivo, destinada apenas a quem dela necessitar (Cruz; Guareschi &
Rodrigues, 2010).
Na dcada seguinte, diante de um quadro de crises econmicas, vemos
promulgada a Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (1993) que, como
grande avano ao campo, institui a assistncia social como compromisso
poltico no mais vinculado s prticas de protecionismo filantrpico. Intitulada
de Lei Orgnica da Assistncia Social [LOAS], essa Lei estabelece a proteo
como um mecanismo contra as formas de excluso social, organizando a
poltica de assistncia a partir de dois tipos de proteo: 1) Proteo social
bsica: visa prevenir situaes de vulnerabilidade e risco social por meio do
desenvolvimento de potencialidades, aquisies, fortalecimento de vnculos
familiares e comunitrios; 2) Proteo social especial: objetiva contribuir para
a reconstruo de vnculos familiares e comunitrios, fortalecimento das
potencialidades, aquisies e a proteo de famlias e indivduos para o
enfrentamento das situaes de violao de direitos.
A materializao desses princpios ocorre com a elaborao, em 2003,
do Sistema nico de Assistncia Social [SUAS] pelo qual o acesso poltica de
assistncia se dar pela condio de sujeito de direitos. Segundo a Poltica
Nacional de Assistncia Social [PNAS], o pblico usurio do SUAS so os
cidados e grupos em situaes de vulnerabilidade e risco social. De acordo
com a proposta da poltica, faz-se necessrio considerar as pessoas, as suas
circunstncias e dentre elas seu ncleo de apoio primeiro, isto , a famlia
(Brasil, 2004a, p. 10). Desse modo, o fortalecimento dos vnculos familiares e
comunitrios torna-se fundamental garantia dos direitos sociais, sendo
estratgico que a principal ao do Servio de Proteo e Atendimento Integral
Famlia [PAIF] seja a consolidao dos Servios de Convivncia e
Fortalecimento dos Vnculos, destinados insero dos usurios em situao
de vulnerabilidade socialIV.
Assim, a famlia acaba se constituindo como a principal via para o
acesso educao de crianas e adolescentes, j que a educao colocada
IV Os servios ofertados so divididos por faixa etrias constituindo, por exemplo, Grupos de Convivncia para crianas, adolescentes e idosos separadamente.
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como um dos mnimos sociaisV a ser garantido pela poltica de assistncia. De
acordo com Piana (2009), na contemporaneidade, a educao tem ocupado
lugar central na esfera poltica, econmica e cultural dentro dos campos de
batalha que se forjam na busca pela execuo de diferentes projetos
societrios. A reformulao ou criao de novas legislaes tornou possvel a
potencializao do vnculo entre as polticas de assistncia social e de
educao. Segundo a autora, a educao nem sempre foi prioridade dos
dirigentes polticos e a democratizao do acesso, por muito tempo, foi
relegado a segundo plano em suas pautas de discusso, visto que a educao
sempre esteve a servio de um modelo econmico de natureza concentradora
de rendas e socialmente excludente (Piana, 2009, p.67).
Na conjuntura atual, a educao se torna um dos pontos centrais no
discurso das polticas de governo que visam combater as vulnerabilidades
sociais e as desigualdades. Nisso, surgem diversos Programas que articulam
as polticas de educao, sade, assistncia social e direitos humanos como,
por exemplo, o Programa de Benefcio de Prestao Continuada [BPC] na
Escola, Programa Brasil Alfabetizado, Programa Brasil Profissionalizado, entre
outros (Brasil, 2014b). Atravs do Plano Mais Brasil, a Secretaria de Educao
Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso [SECADI] prope polticas
pblicas visando integrar Programas e Aes da Educao Superior,
Profissional e Tecnolgica e Bsica. Seu objetivo principal poder contribuir
para o enfrentamento das desigualdades educacionais, considerando os
diferentes pblicos e temticas como, por exemplo, Educao Especial,
Educao para as Relaes tnico-Raciais, Educao do Campo, Educao
Escolar Indgena, Educao Quilombola, Educao em Direitos Humanos,
Educao Inclusiva, Gnero e Diversidade Sexual, Combate Violncia,
Educao Ambiental, Educao de Jovens e Adultos (Brasil, 2014b, 1).
Alm desses Programas e Aes, as polticas de educao se
vinculam s polticas de assistncia social entendendo essa ltima como
V A ideia de mnimo social aparece na poltica da LOAS (Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993), mas sua compreenso no detalhada. Entendemos que os mnimos sociais comportam a afirmao dos direitos previstos em Constituio, nos quais toda a populao deveria ter acesso, o que inclui o direito educao. Na rea de saber do Direito, por exemplo, determinados autores trabalham tambm com a noo de mnimo existencial (Figueiredo, 2007).
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possibilidade de garantia da insero dos sujeitos na escola. o caso do
Programa Bolsa Famlia [PBF] que, por meio de transferncia direta de renda,
beneficia famlias em situao de pobreza e de extrema pobreza em todo o
Brasil. Ao receber o benefcio, a famlia se torna sujeita a condicionalidades
que, segundo a poltica, visam reforar o acesso a direitos sociais bsicos nas
reas de educao, sade e assistncia social para que se supere a situao
de vulnerabilidade anteriormente identificada (Brasil, 2014c). Do ponto de vista
terico, por exemplo, os elos que associam educao e pobreza
fundamentam-se segundo a concepo de que os investimentos em mo de
obra resultam num dado positivo para o aumento da produtividade do trabalho
e, com efeito, do desenvolvimento econmico (Silva, Brando & Dalt, 2009).
Recentemente, uma parceria entre o MDS e o MEC, priorizou a
implantao do Programa Mais Educao em escolas com grande volume de
alunos beneficiados pelo Bolsa Famlia. Mais de 11,7 mil escolas se
inscreveram nesse Programa do Ministrio que prope o estmulo da educao
integral nas escolas pblicas, nmero que representa 67% do total de unidades
que comportam a maioria de alunos atendidos pelo Bolsa Famlia. A meta
pactuada entre os dois Ministrios de inserir 50% dos alunos beneficiados
pelo Bolsa Famlia na educao integral at o final do ano de 2014 (Brasil,
2011).
2.1. Assistncia social e educao: mecanismos de governo da populao
A discusso proposta por este projeto parte da desnaturalizao do
vnculo entre a poltica de assistncia social e educao, entendendo que as
mesmas constituem importantes mecanismos de governo da populao. Ao
colocarmos essa aproximao em anlise emerge a problemtica das
estratgias de governo e dos jogos de interesses alocados frente ao
gerenciamento dos sujeitos. Esse exerccio de desnaturalizao sustenta-se
pela aproximao que fazemos com os estudos do filsofo Michel Foucault.
Foucault (2004) discutiu sobre o modo como as polticas, a partir do
sculo XVIII, foram sendo pensadas atravs de uma racionalidade de
interveno no estilo neoliberal dos alemes. Atravs da desnaturalizao de
prticas de gesto da populao pelo governo, o autor torna possvel pensar
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sobre como os processos polticos da era moderna se caracterizariam por uma
racionalidade neoliberal de pensar o governo das vidas.
Atravs da racionalidade do clculo e da diminuio da interveno
governamental, esse estilo de prtica instauraria a lgica do Estado Mnimo
como organizador da racionalidade de governo. Desse modo, o governo no
visa somente seu crescimento, sua riqueza, sua fora e sua populao. A
razo governamental passa a obedecer principalmente a interesses, um jogo
complexo de anseios individuais e coletivos, benefcio econmico e utilidade
social, junto ao equilbrio de mercado e ao regime do poder pblico. A
estratgia do Estado Mnimo abre espao para que o mercado possa surgir e
se estabelecer como lugar de veridico da prtica governamental e da
regulao dos processos de concorrncia econmica. A interveno do Estado
ficaria limitada ao princpio da utilidade ou no utilidade de sua ao, passando
a agir em funo dos jogos de interesses (Foucault, 2004).
Dessa forma, as polticas sociais, ao contrrio do que poderamos pensar
em um primeiro momento, no buscariam a repartio do consumo dos bens,
mas sim, a transferncia de uma parte do subconsumo da renda. O que estaria
em jogo no seria uma preocupao acerca de como se poderia assegurar o
poder aquisitivo da populao, a igualdade no um princpio a ser atingido,
mas sim, assegurar aos indivduos um valor mnimo, sem o qual eles no
conseguiriam garantir sua sobrevivncia. Podemos pensar no slogan do atual
governo brasileiro que enfatiza que pas rico pas sem pobreza (Brasil,
2014d), pois o que parece estar em questo em tal afirmativa no a busca de
igualdade entre os sujeitos, onde todos deveriam ter as mesmas condies de
vida, mas o rompimento com a condio de vida que habita a linha da extrema
pobreza, onde no h possibilidade de determinada parcela da populao
ingressar no jogo postulado pelas relaes de mercado.
Assim, o fundamental s polticas sociais (inspiradas por um modo
neoliberal de governar) no a garantia de uma cobertura social para os
riscos, mas um espao econmico para seu enfrentamento. O ponto de
aplicao das intervenes governamentais no ter a necessidade de corrigir
os efeitos destruidores do mercado na sociedade, mas a interveno sobre a
prpria sociedade em sua trama e em sua espessura para que os mecanismos
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de concorrncia continuem a assumir seu papel regulador (Foucault, 2004, p.
199). No se almeja a igualdade social, mas a garantia de um mnimo possvel
para que todos possam entrar no jogo de mercado.
O que caracteriza essa racionalidade poltica no um governo
econmico, mas um governo de sociedade (o alvo e o objetivo da prtica de
governo). Uma sociedade onde prevalece a lgica da concorrncia, na qual
vemos a tica social da empresa infiltrando-se em suas unidades de base e
multiplicando-se no interior de todo corpo social constituindo formas
empresas como o indivduo empresa e a famlia empresa, ao modelo do
neoliberalismo americano (Foucault, 2004).
Ao colocar em discusso a emergncia desses jogos de racionalidades,
Michel Foucault torna possvel ampliarmos nossa percepo sobre como as
polticas pblicas funcionam como estratgias no processo de constituio de
um Estado e das prticas governamentais que o sustentam. Originrio do
contexto Europeu, o autor acaba tendo como principal base para sua discusso
dados que emergem da anlise de documentos histricos datados aps o
sculo XVII. Atravs de uma leitura minuciosa desses documentos, Foucault
coloca em questo toda uma srie de prticas que emergem no Ocidente e
difundem por seus territrios tecnologias de subjetivao, que so centrais para
compreendermos a histria da arte de governar (Foucault, 2004).
Na anlise do autor sobre as tecnologias de governo, uma das questes
centrais para pensarmos a possibilidade de formao de um Estado so as
produes discursivas que emergem em torno da rea de saber do Direito,
especialmente no que se refere s leis que visam regular vidas. Tal
compreenso nos permite analisar a forma como a PNAS, as polticas de
educao e o Programa Mais Educao, contemporaneamente, colocam em
exerccio regulamentos jurdicos que se articulam no entrecruzamento de
polticas que tm como objetivo o gerenciamento da populao atravs das
racionalidades que estabelecem.
De acordo com Foucault (2004), as relaes forjadas entre o Estado, o
direito e a economia, a partir do sculo XVIII, evidenciam como determinadas
prticas vo se intensificando no que se refere preocupao sobre o
regramento da vida. Essas aes de regulamentao do cotidiano, que o autor
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tambm intitular de governamentalizao da vida, so bases que tornam
possvel a composio da ideia que temos de Estado. Dentre diversos fatores,
teremos o Direito e as leis como centrais para a existncia de um Estado.
Foucault (2004) compreende que as racionalidades em torno das
prticas de governo das vidas adentram o territrio ocidental como um todo.
Visando identificar algumas especificidades que se referem ao contexto
brasileiro, neste momento, julgamos necessrio nos aproximarmos das leis que
emergem ao longo da constituio do Brasil como Estado e tornam possvel a
emergncia do sujeito de direito educao no pas. Para conseguirmos
realizar uma anlise mais prxima de nosso objeto de estudo, faremos um
recorte das leis criadas em torno do campo da educao buscando identificar,
atravs de uma breve passagem pelas sete Constituies Federais j
formuladas para o Brasil, como a educao vai se tornando dever do Estado e
direito da populao.
A anlise desses documentos parte da premissa de que as produes
dos enunciados jurdicos se formulam em razo de relaes de poder, sendo o
discurso que eles veiculam uma produo histrica e politicamente datada, j
que palavras so tambm construes; na medida em que a linguagem
tambm constitutiva de prticas (Fischer, 2001, p.199).
3. Educao no Brasil: direito da populao, dever do Estado
Para compreendermos como foi se produzindo as racionalidades
jurdicas em torno do sujeito de direito educao, julgamos necessrio
adentrar no processo histrico brasileiro destacando cenas que tornaram
possveis a composio dessa noo.
Freitag (1986), na tentativa de produzir um entendimento didtico sobre
o processo histrico da educao no Brasil, formula a existncia de trs
perodos: 1) De 1500 a 1930, abrangendo a Colnia, o Imprio e a Primeira
Repblica; 2) De 1930 a 1960 aproximadamente; 3) De 1960 em diante. No
primeiro perodo o autor d destaque chegada dos padres jesutas, que ele
considera como os responsveis pela instituio da base de um imenso
sistema educacional no pas. Com a expanso do territrio da colnia, a Igreja
Catlica colocada como a responsvel, por mais de dois sculos, de divulgar
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o Cristianismo e a cultura europeia nos seminrios e colgios dos jesutas,
facilmente atingindo os ideais da colonizao portuguesa de adequar a
populao colonizada aos objetivos do imprio.
A estrutura social da poca era formada principalmente por escravos,
senhores de engenho, grandes latifundirios e funcionrios da coroa. Os
objetivos da poltica portuguesa eram obter grandes lucros e as vias principais
se davam pelo modelo agroexportador, tendo o acar, o ouro, o caf e a
borracha como base da economia. A funo do Brasil, ainda no considerado
um pas independente, estava organizada em produzir e exportar para o
comrcio europeu. Nesse perodo, era inexistente uma poltica educacional de
origem estatal, j que o sistema educacional servia a uma elite, e no havia
interesse em ampli-lo para o acesso das classes consideradas subalternas
(Freitag, 1986).
Dias (2007) destaca que uma referncia emblemtica para
compreendermos a constituio da educao como direito a Declarao dos
Direitos do Homem e do Cidado, emitida pela Conveno Nacional Francesa
em 1793, cujo Art. XXII afirmava que: A instruo a necessidade de todos.
A sociedade deve favorecer com todo o seu poder o progresso da inteligncia
pblica e colocar a instruo ao alcance de todos os cidados (Assembleia
Nacional Francesa, 1793). Apesar de no ser um documento produzido dentro
do Brasil, importante ressaltarmos a racionalidade que ele prope ao ser
formulado, j que a relao comercial entre as fronteiras daquela poca
possibilitavam a ida e vinda de propostas e aes visando atingir os objetivos
dos pases em jogo. Dias (2007) afirma que essa declarao central para
compreendermos a constituio da educao como direito, j que ela vem
instituir a lgica do direito fundamental que eleva a educao condio de
nico processo capaz de tornar humano os seres humanos. Isto significa que a
educao no apenas se caracteriza como um direito da pessoa, mas,
fundamentalmente, seu elemento constitutivo (p.441).
Quinze anos aps a emisso da Declarao na Frana, em 1808, a
famlia real e a corte de Portugal se transferem para o Brasil devido
ocorrncia de uma invaso a seu pas. Neste momento se instala o governo
portugus na colnia e isso altera todo o quadro poltico, econmico e cultural
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da regio. Inicialmente, a funo do Brasil era enriquecer seus colonizadores
que no habitavam suas terras e que, a partir desse momento, passaram a
residir no pas. Essa mudana acarreta o declnio do poder de Portugal sobre a
colnia, a ampliao do comrcio atravs da abertura dos portos, a indstria
tornou-se livre, e a economia modernizou-se (Piana, 2009, p.62).
Com a vinda de D. Joo VI, foram inauguradas diversas instituies
educativas e culturais, surgiram cursos superiores de Direito, Engenharia,
Medicina, mas ainda no universidades. A necessidade de formao tcnica e
administrativa, que o contato com outros pases atravs da abertura dos portos
produziu, ampliou a fundao de escolas e academias: a Academia Real da
Marinha, a Academia Militar, o Curso de Cirurgia, Anatomia, o Curso de
Medicina, de Economia, Agricultura, Botnica, Qumica Industrial, Geologia e
Mineralogia, entre outros. Cabe destacar que grande parte dos cursos ainda
eram iniciantes em sua organizao e estrutura, pois se focavam apenas no
processo de profissionalizao das classes economicamente favorecidas
(Freitag, 1986).
Em 1822, novos ideais surgem aps o processo de Independncia do
Brasil. A Assembleia Constituinte discute a relevncia da educao popular e,
em 25 de maro de 1824, na Constituio Poltica do Imprio do Brazil,
instituda pelo Imperador Dom Pedro I, a educao colocada como dever do
Imprio apenas no que se referia garantia de Direitos Civis, e Politicos dos
Cidados Brazileiros... XXXII. A Instruco primaria, e gratuita a todos os
Cidados. XXXIII. Collegios, e Universidades, aonde sero ensinados os
elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes (Constituio Politica do
Imperio do Brazil de 25 de maro de 1824). Mesmo no documento sendo
garantido o direito de acesso escola a toda populao, a educao ainda era
um hbito direcionado a seletos grupos.
A Constituio de 1824 foi a que teve maior permanncia de todas as
Constituies Federais da histria do Brasil, permanecendo em vigncia at a
Proclamao da Repblica em 1889. De acordo com Saveli e Tenreiro (2012),
o ensino primrio afirmado como direito apenas a partir de 1934, pois na
Constituio de 1824 apenas a gratuidade estava explicitada. Aps a
Proclamao da Repblica em 1889, a educao excluda da Constituio de
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1891. Nesse documento, que institui a Repblica dos Estados Unidos do Brasil,
a educao no colocada como responsabilidade do Estado e nem
relacionada a formas de organizar a conduta da populao (Constituio da
Repblica dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891).
Em 1925, pelo Decreto n. 16.782-a de 13 de janeiro, organizado o
primeiro Departamento Nacional do Ensino, que prope a reforma do ensino
secundrio e o superior, dando outras providncias. Nessa poca, o
Departamento Nacional do Ensino se constituiu diretamente subordinado ao
Ministrio da Justia e Negcios Interiores (Decreto n. 16.782-a, de 13 de
janeiro de 1925). Em 1930, logo aps a chegada de Getlio Vargas ao poder,
regulamenta-se o Ministrio da Educao e Sade Pblica, que desenvolvia
atividades pertinentes a vrios ministrios, como sade, esporte, educao e
meio ambiente (Decreto n. 19.402, de 14 de Novembro de 1930).
Dentre os vrios embates educacionais desse perodo, Mendona
(2006) destaca o modo como o movimento de Higiene Mental emergente na
dcada de 1930 contribuiu na formulao de teorias e ordenamento de ideias
que deram fundamento a prticas com crianas em escolas pblicas
brasileiras. Segundo a autora, o movimento de higienizao do escolar partia
da iniciativa de intelectuais preocupados com o que eles nomeavam de futuro
da nao. Para eles, a compreenso das crises sociais era atribuda m
formao moral e orgnica do indivduo. Correntes tericas da Psicanlise so
colocadas como saberes centrais para a formulao das ideias sobre higiene
mental do escolar, especialmente no que se refere s teorias normalizadoras
do comportamento que apresentavam propostas de higienizar o esprito das
crianas atravs de aes da famlia e das prticas escolares (Mendona,
2006, p.41).
nesse mesmo perodo que se cria a Liga Brasileira de Higiene Mental,
que se fez presente de meados dos anos 1920 aos anos 1950 em uma
instituio sede localizada na Avenida das Naes, no Rio de Janeiro, onde se
situavam Embaixadas, Consulados e outros importantes rgos estatais
(Fontanelle, 1925). As condies de possibilidade para a criao da Liga no
Brasil esto atreladas emergncia da urbanizao como um problema social,
decorrente das grandes mudanas pelas quais passou o pas a partir do final
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do sculo XIX, com a Abolio da Escravatura, a instaurao da Repblica e os
primeiros movimentos para a industrializao.
Presente entre as duas grandes guerras mundiais, a Liga resultado do
entusiasmo da burguesia brasileira em consolidar-se como uma nao
desenvolvida. Os ideais ufanistas e nacionalistas encontram-se com as
concepes de mundo e de homem, com forte apelo ao indivduo e
hereditariedade como princpios de uma nao saudvel. Os problemas
mentais da populao, apesar de suas explicaes individualizantes, eram
identificados como obstculos ao progresso coletivo da nao. Internamente, a
Liga dividia-se entre correntes distintas com relao s respostas aos dilemas
nacionais, variando entre propostas de esterilizao e outras de cunho moral
(Junior & Boarini, s/d).
Freitag (1986) destaca que o segundo perodo do processo histrico da
educao no Brasil, entre 1930 e 1960, marcado por diversas reformas
educacionais, pelo surgimento de intelectuais da educao, criao das
primeiras universidades brasileiras e caracterizado pela ampliao do sistema
escolar como um todo. O sujeito de direito educao dessa poca ainda
muito voltado lgica da cultura do bacharelismo. De acordo com Piana
(2009), essa cultura identificava o ttulo de doutor como possibilidade de
ascenso social e estratgia de enriquecimento. Muito presente em meio
classe mdia, esse sonho confirmava o grande distanciamento que ainda havia
entre educao e trabalho, j que a principal fonte de riqueza do Brasil da
poca era a agricultura. Com a crise mundial dos anos 30, o Brasil passa por
um perodo de srias dificuldades, principalmente em relao superproduo
do caf. As mudanas nos acordos econmicos torna possvel a emergncia
da industrializao no pas, fazendo com que a agricultura viesse a ser apenas
mais um meio de desenvolvimento da economia.
No incio dos anos de 1930, tendo por influncia todo um movimento
intelectual em prol da higiene mental e da eugenia, veremos na Constituio
Federal de 1934, que a noo de famlia e de moral torna-se parte da
estratgia do governo brasileiro atravs das leis vinculadas a educao.
Contextualizando as Constituies anteriores, veremos em 1824 a noo de
famlia ser colocada principalmente no Captulo III, que descreve sobre os
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direitos da Familia Imperial, e sua Dotao (1824, Capitulo III), na qual so
definidas as regras que se referem manuteno da herana Imperial, seus
dotes e repasse de bens entre familiares. A moral, nessa Constituio,
aparecer no Art. 8 em que ao cidado brasileiro Suspende-se o exercicio
dos Direitos Politicos I. Por incapacidade physica, ou moral. (1824, Titulo 2).
Assim como, no Art. 126. Se o Imperador por causa physica, ou moral,
evidentemente reconhecida pela pluralidade de cada uma das Camaras da
Assembla, se impossibilitar para governar, em seu lugar governar, como
Regente o Principe Imperial, se for maior de dezoito anos (1824, Capitulo V).
Na Constituio de 1891 ser mantida a no integridade moral como
possvel de suspender os direitos do cidado e, vinculada s prticas
religiosas, sero aceitas todas as formas de cultos e ritos Art. 72 (...) desde
que no offendam a moral publica e as leis (1891, 5). Nesse documento,
por suspenso do antigo regime Imperial e instituio de um regime livre e
democrtico, a ideia de famlia como estratgia poltica no aparecer em
nenhum artigo, pargrafo ou alnea da Constituio de 1891.
Ento, em 1934, na Constituio Federal da Era Vargas, a educao
ser vinculada declaradamente famlia e moral, juntamente economia.
Como descreve o Art. 149, a educao:
...direito de todos e deve ser ministrada, pela famlia e pelos Poderes
Pblicos, cumprindo a estes proporcion-la a brasileiros e a estrangeiros
domiciliados no Pas, de modo que possibilite eficientes fatores da vida
moral e econmica da Nao, e desenvolva num esprito brasileiro a
conscincia da solidariedade humana (Constituio da Repblica dos
Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934).
No documento, a famlia obter destaque na proteo do Estado como,
por exemplo, no Art. 144 A famlia, constituda pelo casamento indissolvel,
est sob a proteo especial do Estado; no Art. 113 34) A todos cabe o
direito de prover prpria subsistncia e de sua famlia, mediante trabalho
honesto; e a famlia emergir como alvo de uma poltica com carter
assistencial no Art. 138 que, Incumbe Unio, aos Estados e aos Municpios,
nos termos das leis respectivas: d) socorrer as famlias de prole numerosa.
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A noo de moral, alm de sua incluso na definio do direito
educao, aparecer em trs estratgias polticas nessa Constituio. No Art.
122, pargrafo nico, a definio do Presidente para a constituio dos
Tribunais do Trabalho e das Comisses de Conciliao ser de livre
nomeao do Governo, escolhido entre pessoas de experincia e notria
capacidade moral e intelectual; no Art. 138 Incumbe Unio, aos Estados e
aos Municpios, nos termos das leis respectivas: e) proteger a juventude contra
toda explorao, bem como contra o abandono fsico, moral e intelectual e f)
adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a
moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeam a
propagao das doenas transmissveis (Constituio da Repblica dos
Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934).
Na Constituio de 1934 ser institudo, pela primeira vez, o carter de
obrigatoriedade frequncia no ensino primrio, inclusive para adultos. De
acordo com Horta (1998), as discusses sobre a obrigatoriedade escolar
sempre foram pautas defendidas por intelectuais desde o Imprio, mas nunca
foram suficientes para consagr-las como prticas governamentais nas
Constituies Republicanas. A gratuidade e a laicidade foram includas nas
Reformas educacionais desde 1890, mas a obrigatoriedade s emerge,
novamente, em Minas Gerais no Artigo 33 da Reforma Artur Bernardes em
1920. A multa, a quem no cumprisse, inclua o pagamento de 10 mil ris aos
infratores e, na falta de dinheiro, priso durante trs dias. Assim, nesse
perodo, Reformas Estaduais permitiram a aplicao da obrigatoriedade em
algumas regies e, segundo Horta (1998), isso tornou possvel preparar todo
um caminho para que se introduzisse o principio da obrigatoriedade do ensino,
a seguir, na Constituio de 1934.
Tomando forma legal na Constituio de 1934, o direito a educao e
sua obrigatoriedade foram possveis tambm pela influncia do Manifesto dos
Pioneiros da Educao Nova (1932) (Azevedo et al., 1932). Produzido por
intelectuais da poca, o manifesto colocava diversas exigncias em relao
educao do brasileiro, a qual era compreendida com uma finalidade
biolgica (p.194) que afirma o direito biolgico que todo ser humano tem a
educao (p.44). Junto a isso, o documento coloca que o Estado no pode
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tornar o ensino obrigatrio, sem torn-lo gratuito (p.194) e a obrigatoriedade...
deve se estender progressivamente at uma idade concilivel com o trabalho
produtor, isto , at os 18 anos (p.194).
O interessante do Manifesto que seu argumento da educao, como
necessidade biolgica do ser humano, surgia junto preocupao sobre uma
poltica educacional de Estado que desse conta do novo modo de
funcionamento econmico da sociedade brasileira. A industrializao faz
emergir a preocupao sobre uma educao escolar ativa. A Escola Ativa,
tambm conhecida como Escola Nova, foi um movimento intelectual que
acreditava que a educao deveria acompanhar o desenvolvimento econmico
do pas, preparando a populao para as demandas do mercado. A educao
popular e o ensino pblico passam a ganhar destaque nessa poca, j que a
mo de obra no qualificada para as demandas do mercado no era mais
suficiente manuteno da economia.
Nas prticas de governo, em 1937, para conseguir permanecer no
poder, Getlio Vargas estabelece um golpe de Estado, tornando-se ditador.
Sua ao justificada como algo extraordinrio, que viria a proteger a
sociedade brasileira de uma suposta ameaa comunista. O regime implantado,
de clara inspirao fascista, ficou conhecido como Estado Novo, sendo
marcado pela criao de uma nova e imposta Constituio Federal. Na
introduo desse documento, fica claro o contexto da poca:
O PRESIDENTE DA REPBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO
BRASIL, ATENDENDO s legitimas aspiraes do povo brasileiro paz
poltica e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de
desordem, resultantes da crescente agravao dos dissdios partidrios,
...colocando a Nao sob a funesta iminncia da guerra civil;
ATENDENDO ao estado de apreenso criado no Pas pela infiltrao
comunista... diante dos perigos que ameaam a nossa unidade e da
rapidez com que se vem processando a decomposio das nossas
instituies civis e polticas; Resolve assegurar Nao a sua unidade,
...decretando a seguinte Constituio, que se cumprir desde hoje em
todo o Pais (Constituio dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de
novembro de 1937).
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Em relao educao, neste documento, dentro de uma lgica que
objetivava estabelecer uma unidade nacional entre seus membros, vai se
definir que:
Art. 15 - Compete privativamente Unio: IX - fixar as bases e
determinar os quadros da educao nacional, traando as diretrizes a
que deve obedecer a formao fsica, intelectual e moral da infncia e da
juventude; DA FAMLIA Art. 125 - A educao integral da prole o
primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado no ser estranho a
esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiria, para
facilitar a sua execuo ou suprir as deficincias e lacunas da educao
particular; Aos pais miserveis assiste o direito de invocar o auxlio e
proteo do Estado para a subsistncia e educao da sua prole. Art.
131 - A educao fsica, o ensino cvico e o de trabalhos manuais sero
obrigatrios em todas as escolas primrias, normais e secundrias
(1937).
A Constituio de 1937 absorve grande parte das discusses pautadas
pelas reformas educacionais da poca. Ela tambm introduz nas legislaes do
Estado o ensino profissionalizante e torna obrigatrio, para a indstria e os
sindicatos, a criao de escolas que formem em sua especialidade os filhos de
seus operrios ou associados. O foco nesse perodo se torna preparar futuros
operrios para a indstria e, tal racionalidade, torna possvel fazer emergir em
seguida o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial [Senai] e o Servio
Nacional de Aprendizagem Comercial [Senac], voltados parcela mais pobre
da populao (Piana, 2009).
Ser tambm na Constituio de 1937 que a educao ter sua primeira
apario como dever das famlias, ou seja, nela que se descreve o carter
obrigatrio do processo educativo para os responsveis pelas crianas. Apesar
de ser a primeira constituio brasileira que evidencia a obrigatoriedade dos
parentes de educarem suas crianas, esse vnculo obrigatrio no se refere
insero dos jovens especificadamente em um servio escolar. Em
compensao, Mouro (1959) discute que na poca do Imprio a prtica de
obrigar os responsveis pela criana a inseri-la na escola j era recorrente no
pas como, por exemplo, na Lei n. 13 de 28 de maro de 1835, que
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determinava o pagamento de multas para os responsveis pelos menores que
no estivessem fazendo-os frequentar a escola ou dando-lhes instruo.
Naquela poca, para instituir a obrigatoriedade aos pais, ficava ao encargo do
Juiz de Paz fornecer uma lista dos meninos da regio cuja idade fosse de oito a
quatorze anos.
A obrigatoriedade da educao no lar e na escola vai ser imposta aos
responsveis aps o governo de Getlio, momento no qual se busca superar o
perodo de ditadura e instaurar um sistema de regime representativo, em que
emerge uma nova ordem constitucional. A Constituio de 1946, promulgada
em 18 de Setembro, apresenta a educao no Ttulo VI - Da Famlia, da
Educao e da Cultura. Captulo II - Da Educao e da Cultura. No Art. 166, a
educao ser descrita como direito de todos e ser dada no lar e na escola.
Deve inspirar-se nos princpios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana. interessante destacar que nessa Constituio, no Art. 167, se
oficializa o livre ensino de diferentes ramos iniciativa particular, respeitadas
as leis que o regulem (Constituio dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de
setembro de 1946).
Nesse documento, as leis que produzem o sujeito de direito educao
se colocam vinculadas noo de famlia e de cultura no mesmo Ttulo. A
educao, como prtica que deveria ocorrer em casa, pautada por ideais de
liberdade e solidariedade, orientam os princpios educativos propostos pelo
governo. Horta (1998) coloca que a educao nessa Constituio direito da
populao, mas ainda no afirmada como dever do Estado. Assim, se
mantem a lgica no documento de 1946 o que j era afirmado na Constituio
de 1937, no Art. 171, que Os Estados e o Distrito Federal organizaro os
seus sistemas de ensino (1946), mas no um dever deles garantir a
existncia de vagas, acesso ou permanncia (Brasil, 1946).
Em 1953, pela Lei n. 1.920 de 25 de julho, veremos o desmembramento
do Ministrio da Educao e Sade que passa a denominar-se Ministrio da
Educao e Cultura. Essa ao regulariza de forma mais estratificada as aes
do Ministrio da Educao e Cultura, ampliando os objetos de interveno
governamental, assim como, desmembrando os saldos de dotaes
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oramentrias destinados s reparties de cada Ministrio (Lei n. 1.920, de
25 de julho de 1953).
Na dcada de 60, na passagem do governo Castelo Branco para o
Costa e Silva, vemos uma Constituio que emerge em um contexto no qual
predominava o autoritarismo e o arbtrio poltico. Na Constituio de 1967,
teremos a educao e cultura continuando vinculada noo de famlia no
Ttulo IV - Da famlia, da educao e da cultura: Art. 168 - A educao
direito de todos e ser dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de
oportunidade, deve inspirar-se no princpio da unidade nacional e nos ideais de
liberdade e de solidariedade humana. Nesse documento, se ampliar o apoio
s iniciativas privadas de ensino, inclusive, atravs do amparo tcnico e
financeiro dos Poderes Pblicos, incluindo a oferta de bolsas de estudos. A
educao, a partir do ensino das cincias, letras e artes, so colocadas como
livres, sem nenhuma jurisdio que as censure (Constituio da Repblica
Federativa do Brasil de 1967).
De acordo com Freitag (1986), o terceiro perodo que marca a educao
no Brasil, de 1960 em diante, pautado por discursos sobre a
redemocratizao do pas. O surgimento de um Estado populista
desenvolvimentista produz novos movimentos e reformas, principalmente no
que se refere exigncia de uma escola pblica, gratuita e universal. Os
movimentos sociais se destacavam pelo engajamento de polticos, intelectuais
e estudantes que estimulavam a populao no processo de participao
poltica e de tomada de conscincia sobre os problemas vividos pelo Brasil na
dcada de 1950. O sujeito de direito educao passa a ter uma afirmao
maior de seu carter universal, j que os processos educativos tornam-se
estratgia para a ordem e progresso do pas, quando vinculados ao dispositivo
da obrigatoriedade.
Ser no incio da dcada de 1960 que se retomar o Anteprojeto de Lei
de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, o qual discutia o dever de educar
e a obrigatoriedade escolar, discorrendo sobre seus critrios (Almeida Jnior,
1949). Depois de demorada tramitao, a Lei de Diretrizes e Bases
promulgada em 1961 e passa a estender os critrios de obrigatoriedade,
incluindo o Poder Pblico como assegurador desse direito. Essa Lei afirma a
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obrigatoriedade por parte do Estado para que garanta servios de educao
bsica populao, mas, na Constituio dessa poca, a obrigatoriedade para
o Estado ainda no colocada (Lei n 4.024, de 20 de dezembro de 1961).
O ano de 1960 marcado por diversos conflitos econmicos, sociais e
polticos. Os governantes do Brasil buscavam recursos face ruptura da
Repblica agroexportadora, o crescimento urbano que emergia e os militares
que desejavam construir suas prprias armas. A Era Vargas havia possibilitado
negociaes com os americanos, que exigiram o apoio do Brasil aos Aliados da
Segunda Guerra Mundial, em troca de benefcios que tornaram possvel a
crescente industrializao do Estado brasileiro daquela poca. A incorporao
poltica de grupos com interesses voltados ao setor industrial, possibilitou a
emergncia da indstria como modelo hegemnico do capital e do trabalho nos
anos posteriores a 1960. O Brasil era um pas dependente, marcado pela
internacionalizao do capital que direcionava os jogos polticos aqui
colocados. A chamada burguesia nacional aliava-se aos interesses de pases
internacionais buscando investimento para reproduzir suas estratgias de
interveno social, as quais davam segurana e manuteno a seus poderes
polticos e projetos societrios (Cunha e Ges, 1996).
De acordo com os autores,
...os intelectuais orgnicos da classe dominante atuavam no Congresso
Nacional, formavam opinio pblica atravs dos meios de comunicao
de massas, da escola, de parte das Igrejas, de organizaes tipo IPES
(Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e IBAD (Instituto Brasileiro de
Ao Democrtica), instrumentalizando conceitos ideolgicos de
civilizao ocidental crist, corrompendo com o dinheiro da embaixada
americana (eleies de 1962) com o objetivo poltico de conservao
das estruturas, contra as reformas ou qualquer mudana (Cunha e
Ges, 1996, p.9).
Em 1969, Ministros da Marinha de Guerra, do Exrcito e da Aeronutica
Militar formulam uma Ementa Constitucional que edita o texto da Constituio
Federal de 1967. Essa ao, declaradamente imposta, marca a oficialidade do
regime ditatorial por parte dos militares no Brasil. A nova e editada Constituio
de 1967 vai apontar diversas modificaes, principalmente no que se refere a
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alteraes jurdicas que potencializaram o cerceamento da conduta da
populao e ampliaram o poder de controle do Estado, no apenas em relao
ao territrio, mas tambm sobre a vida dos brasileiros.
A educao da poca, marcada por um regime imposto, foi pautada por
acordos que privilegiavam os interesses de quem estava no poder.
Destacamos aqui o acordo entre o Ministrio da Educao e a United States
Agency for International Development (USAID) que, sob justificativa de
prestao de assistncia tcnica, tornou possvel a interferncia norte-
americana na educao nacional brasileira. Foram institudas diversas
mudanas de planejamento, assessoria, fornecimento de material e de
execuo das propostas pedaggicas, normalmente camufladas sob a
justificativa de modernizao do ensino.
Os movimentos de educao e cultura popular foram encerrados a partir
desse acordo MEC-USAID e muitos de seus educadores foram cassados,
presos ou exilados. A principal medida no campo da educao pelo governo
imposto no golpe de 1964 foi a represso. Todos os funcionrios ou materiais
que eram suspeitos de divulgar prticas ou pensamentos considerados
comunistas eram demitidos, suspensos ou apreendidos. Muitos reitores e
professores foram demitidos de universidades, programas educacionais
tiveram suas verbas cortadas e materiais incinerados. A educao passou a
ser vista como um grande negcio, com isso, emergiram os defensores do
privatismo que exaltavam as escolas privadas como fonte de obteno de
capital, em detrimento do ensino pblico gratuito (Cunha e Ges, 1996).
interessante destacar que a Constituio de 1967, editada em 1969,
mantm a educao como direito de todos, assim como outras clusulas que
incluem o regramento sobre o ensino. Apesar do regime de governo dessa
poca ser ditatorial, muitos dos argumentos jurdicos utilizados pelos ditadores
continuaram sendo os mesmos desenvolvidos por regimes que acreditavam ser
democrticos. Uma diferena importante que a Ementa Constitucional do
regime ditatorial institui a obrigatoriedade, por parte do Estado, em prover a
educao. Assim, seguindo a lgica da Lei de Diretrizes e Bases promulgada
em 1961, teremos o Art. 168 previsto na Constituio de 1967 apagado e
substitudo pelo Art. 166 que descreve: A educao, inspirada no princpio da
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unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, direito de
todos e dever do Estado, e ser dada no lar e na escola (Emenda
Constitucional n 1, de 17 de outubro de 1969, sublinhado nosso).
Anteriormente considerada como uma prtica livre, a educao a partir
do ensino das cincias, letras e artes continuar sendo livre, desde que no
infrinja o disposto no pargrafo 8 do Artigo 153:
8 livre a manifestao de pensamento, de convico poltica ou
filosfica, bem como a prestao de informao independentemente de
censura, salvo quanto a diverses e espetculos pblicos, respondendo
cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer (...) No sero,
porm, toleradas a propaganda de guerra, de subverso da ordem ou de
preconceitos de religio, de raa ou de classe, e as publicaes e
exteriorizaes contrrias moral e aos bons costumes (1969).
O regime militar no Brasil durou 21 anos e termina em 1985 junto com o
mandato de Joo Baptista Figueiredo. Em 14 de maro de 1985, no Decreto n.
91.144, se cria o Ministrio da Cultura desmembrando o at ento Ministrio da
Educao e Cultura em duas instituies distintas. A justificativa governamental
de tal ao se pauta pelo argumento de que:
CONSIDERANDO que o crescimento econmico e demogrfico do Pas,
a expanso da rede escolar e universitria, a complexidade cada vez
maior dos problemas ligados poltica educacional, nas suas diferentes
funes no desenvolvimento nacional, bem como o enriquecimento da
cultura nacional, decorrente da integrao crescente entre as diversas
regies brasileiras e da multiplicao das iniciativas de valor cultural,
tornaram a estrutura orgnica do Ministrio da Educao e Cultura
incapaz de cumprir, simultaneamente, as exigncias dos dois campos de
sua competncia na atualidade brasileira (Decreto n. 91.144, de 15 de
Maro de 1985).
Destacamos nessa justificativa governamental o vnculo que vai se
estabelecer entre crescimento econmico, demogrfico e o aumento de
servios na rea da educao, que torna possvel o surgimento do Ministrio
da Educao no pas. De acordo com Lockmann (2013), ser entre 1985 e
1990 que podemos pensar na emergncia de uma racionalidade neoliberal no
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Brasil. O discurso da redemocratizao nacional surge entre embates polticos
que evidenciam uma forma mais intervencionista de governar e outra mais
liberal. O Brasil, quando comparado a outros pases como Alemanha ou
Estados Unidos no que se refere a um modo neoliberal de governar a
populao, apresentar suas especificidades. No podemos dizer que h uma
prtica homognea de governamento dos sujeitos no pas, mas sim, se
mantm as disputas, tenses, contradies e disparidades dos jogos de poder,
tendo como centralidade o manuseio dos direitos dos governados, o livre
mercado, a economia, as leis, entre outros, como formas de estratgia poltica.
No campo da educao, ser a partir da Constituio Federal de 1988
que o conceito de educao ganhar um captulo especfico e, afirmado
enquanto direito social, ser descrito no Art. 205 como direito de todos e
dever do Estado e da famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho (Constituio da
Repblica Federativa do Brasil de 1988).
interessante perceber a transformao dos jogos discursivos que
ocorrem na descrio da educao ao longo do sculo XX. Famlia, moral,
unidade nacional, solidariedade, liberdade, lar e escola so termos que
apareceram repetidamente desde a primeira Constituio, sendo centrais para
a jurisdio educacional do Brasil. Na Constituio de 1967, famlia, educao
e cultura estavam no mesmo Ttulo IV e nela a educao era dever da famlia,
mas no do Estado. Na reformulao dessa Constituio por parte dos
Militares, se manter no mesmo Ttulo, mas agora o Estado afirma seu dever
de garantir a educao. Na Constituio de 1988, se desmembrar o vnculo
do Ttulo anterior entre famlia, educao e cultura, mas a famlia entrar como
membro ao lado do Estado que agora tem o dever de garantir a educao de
seu afiliados. O documento marca um importante elo do sujeito de direito
educao com a famlia, a sociedade e o trabalho, que anteriormente no
estavam previstos em regulamentao.
A Constituio de 1988 o ltimo regime proposto no Brasil at ento.
Desde l, muitas Leis, Decretos, Programas, entre outros, surgem no campo da
educao visando elaborar seu regramento. Freitas (2008) evidencia, atravs
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da discusso sobre a Lei n. 9.394/1996 [LDB] (1996), a forma como, com base
na Constituio de 1988, passa a emergir a ideia de educao bsica no
contexto nacional. Para a autora, o significado de bsico passa a condicionar a
finalidade do ensino brasileiro. Dentre as mudanas que a terminologia institui,
possvel perceber a introduo do vnculo entre a proposta de educao
escolar bsica diretamente atrelada ao campo do trabalho e da manuteno de
determinadas prticas sociais (Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996).
Na Constituio de 1988 a educao torna-se discursivamente
produzida como obrigatria para crianas e adolescentes, tendo como
responsveis as suas famlias, a sociedade e o Estado. A esse ltimo caberia
eliminar os obstculos que emergem para a efetivao desse direito j que
3 - Compete ao Poder Pblico recensear os educandos no ensino
fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsveis,
pela frequncia escola (Constituio da Repblica Federativa do Brasil de
1988).
De acordo com Freitas (2008), no Brasil, as polticas educacionais de
Estado afirmam o carter de obrigatoriedade educacional apenas ao nvel do
ensino fundamental. Dessa forma, dever da Federao, dos Estados e
Municpios garantir vagas e acesso populao nessa modalidade. Ao menos
formalmente, o ensino fundamental precedido pela educao infantil,
incluindo creche e pr-escola, sendo sucedido pelo ensino mdio. Pelo carter
de obrigatoriedade, as polticas pblicas brasileiras atuais seguem atribuindo
prioridade nas aes que incidem na esfera do ensino fundamental, por isso,
torna-se interessante destacar que nesse campo que a educao integral,
atravs do Programa Mais Educao, ser inserida.
O arranjo que se estabelece nessa relao direito/obrigatoriedade um
jogo central para pensarmos os dados que iro emergir atravs da execuo
dos processos de pesquisa. Alm disso, conceitos como famlia, moral,
unidade nacional, liberdade, solidariedade, trabalho, entre outros, so
operadores centrais para a discusso posterior dos materiais. Atravs deles,
ser possvel complexificar e abranger o entendimento sobre como se constitui
a garantia do direito de acesso educao nas aes que se estabelecem
entre o campo da Poltica de Assistncia Social e o Programa Mais Educao.
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A assistncia social, ao propor prticas de garantia de direitos, coloca a
educao como uma poltica complementar s suas aes. O Estado, ao
instituir obrigatoriedades e condicionalidades a essas polticas, adentra no jogo
de garantir/obrigar sob o argumento da afirmao do sujeito enquanto humano
e, por isso, com direitos.
O Programa Mais Educao, ao propor a educao integral nas escolas
pblicas como ferramenta de garantia de direitos e produo de cidadania,
emerge nessa trama complexa Estado/direito/obrigatoriedade, produzindo
determinados efeitos. Nossa proposta poder evidenciar alguns desses efeitos
na constituio do sujeito de direito educao atravs deste Projeto de
Pesquisa, mas, para isso, inicialmente retomaremos alguns pontos histricos
sobre a educao integral no contexto brasileiro. O intuito dessa ao fazer
emergir alguns discursos e rupturas que tornaram possveis o surgimento do
Mais Educao na contemporaneidade, buscando compreender que condies
de possibilidades criam-se atravs desse Programa que tornam possveis sua
conectividade com a assistncia social nos dispositivos atuais de governo.
4. Discursos sobre educao integral em contexto brasileiro
Para que possamos analisar as transformaes nas racionalidades que
pautaram o tema da educao integral no Brasil, destacando algumas cenas do
processo histrico do pas. Adentrar em um processo de pesquisa atravs de
uma perspectiva inspirada nos estudos do filsofo Michel Foucault demanda
relevar que a produo de discursos nos levam a compreender as
racionalidades de uma poca. Assim, procuraremos abordar como foi se
produzindo o tema da educao integral no Brasil, entendendo que os saberes
emergidos sobre o assunto forjavam sistematicamente os objetos dos quais
falavam. Compreende-se que todo discurso uma ao, uma prtica, j que
conduz vontades, intenses estratgicas e articula de maneira variada
exerccios de poder, sendo indispensveis na sua sustentao e atuao eficaz
(Foucault, 2010).
Ao realizarmos esse exerccio, no buscamos constituir uma linearidade
de fatos ao longo das pocas. Nossa tentativa objetiva tornar visvel questes
que foram ditas sobre a educao integral, de onde foram falados, a quem se
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destinavam, quais efeitos foram produzidos atravs desses discursos e quais
regimes de verdade embasaram suas formulaes. Dessa forma,
compreendemos que a relao entre a Poltica de Assistncia Social e o
Programa Mais Educao evidenciam a produo de jurisdies as quais
fazem parte de jogos de disputa, jogos de poder, jogos discursivos, nos quais
regimes de condutas so propostos atravs de diversos cdigos. O Mais
Educao e sua proposta de educao integral, assim como todas as polticas
das aes humanas, so aqui tomados para anlise como ferramenta de
reproduo de racionalidades e, consideravelmente, produtores de sujeies e
constituidores da noo de Estado.
No Brasil, para compreendermos a emergncia da noo de educao
integral, no campo de disputa do sujeito de direito educao e nas prticas da
assistncia social, necessrio nos remetermos ao estudo da racionalidade
educacional da dcada entre 1920 e 1930. Naquela poca, a ideia de integral
era interpretada tanto como uma educao escolar ampliada em suas tarefas
culturais e sociais, aumentando significativamente o tempo de permanncia na
escola ou nos seus processos educacionais, quanto em relao funo da
educao que formaria, ou no, um sujeito integral. As discusses, apesar de
terem como foco propostas de intervenes sobre as populaes mais pobres,
se limitavam a abordar o carter funcional da educao, sem compreender
explicitamente essa como uma prtica de assistncia ao social (Cavaliere,
2010).
De acordo com Cavaliere (2010), em meados de 1920 as correntes
polticas educacionais elitistas e autoritrias entendiam a insero da
populao na educao integral como uma potente estratgia de controle
social e de distribuio criteriosa das massas de forma hierarquizada. O
extremo dessa perspectiva evidenciado a partir da proposta de educao
integral presente no discurso da Ao Integralista Brasileira [AIB], que previa o
envolvimento do Estado, da famlia e da religio para sua efetividade. De cunho
moralizador, os valores da educao Integralista eram sacrifcio, sofrimento,
disciplina e obedincia (p.250). Era evidente que, a argumentao em torno de
um homem integral, referia-se a um processo educativo voltado a servio do
Estado, que abria espao para o privatismo, ao defender o ensino em torno da
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instituio famlia e da religio como orientadores dos processos educacionais
(Cavaliere, 2010).
A questo central para tal corrente era a tomada da noo de sujeito
integral no sentido de sujeito ntegro. Focada diretamente nas populaes
pobres, a poltica da Ao Integralista de atuao no social propunha um
aumento de permanncia na escola, no apenas como uma ao educativa
incidente sobre as massas, mas como uma proposta poltico-filosfica de
interferir na cultura da populao, alterando seu fsico, seu intelecto, questes
cvicas e espirituais. Todas essas estratgias se pautavam pela lgica de que
elas elevariam o nvel moral dos sujeitos, regenerando a sociedade e o
indivduo (Cavaliere, 2010).
De acordo com Fagundes (2012), 07 de outubro de 1932 um marco no
calendrio poltico dos integralistas. nessa data, dentro do tradicional Teatro
Municipal de So Paulo, que eles leem e celebram abertamente a publicao
do Manifesto de Outubro. O ms de outubro torna-se uma referncia nas
aes dos integralistas, que passam a realizar diversos ritos e eventos, sempre
que o ms se aproxima. A Ao Integralista Brasileira se inspirava nas
organizaes facistas, sobretudo da Itlia, que seguiam uma srie de normas e
rituais. Militantes do partido vestiam sempre uma camisa verde e gravata, seu
smbolo era representado pela letra do alfabeto grego sigma (), que na
matemtica utilizada para realizar o clculo integral, numa aluso
necessidade de integrar todos os brasileiros (Fagundes, 2012, p.890).
O partido se organizava em milcias, nome genrico dado a
organizaes militares ou paramilitares compostas por cidados comuns,
armados ou com poder de polcia, que teoricamente no integram as foras
armadas de um pas. Utilizavam-se da palavra anau, de origem tupi-guarani,
como forma de saudao, que deveria ser realizada com o brao direito
estendido. Para divulgao das ideias do movimento, formavam os ncleos da
AIB, sendo 1933 um marco no crescimento e divulgao da organizao a nvel
nacional (Fagundes, 2012). No campo das propostas de educao integral,
operava a lgica de moralizar a populao por essa via, no restringindo o
processo educativo apenas alfabetizao.
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J em outro vis poltico, predominava o entendimento da educao
integral como um percurso necessrio para o desenvolvimento da democracia.
Nesse perodo, Ansio Teixeira teve papel central na elaborao tcnica e
terica objetivando ampliar as funes da escola e seu fortalecimento
institucional. As ideias presentes em seus livros como, por exemplo, Educao
para a democracia, Educao no privilgio e Educao um direito,
foram bases terico-filosficas para a construo do seu projeto de reforma
educacional brasileiro. Sua proposta de educao integral vinculada
democracia tinha como centralidade o ideal de que sujeitos integrais seriam
pessoas intencionalmente cooperativas e participativas, pois compreenderiam
sua importncia junto sociedade e natureza (Cavaliere, 2010).
Em meados de 1929, aps duas viagens de estudos aos Estados
Unidos, Ansio retorna ao Brasil permeado pelo pragmatismo americano e por
propostas europeias, que se pautavam em uma concepo de educao
escolar ampliada. Junto a isso, o processo de urbanizao e de crescimento
das indstrias no contexto brasileiro acarretam a produo de desigualdades
sociais e mazelas cada vez mais visveis, fazendo emergir na classe intelectual
e poltica um intenso apelo para a transformao da educao escolar como
forma de lidar com as mudanas decorrentes da poca (Cavaliere, 2010).
Dentre suas diversas ideias, Ansio Teixeira apontava a importncia da
educao integral como possibilidade de superar os ndices de evaso escolar.
Para ele a evaso ocorria pois o ensino escolar priorizava uma formao
elementar voltada para preparar o aluno para o ginsio e a faculdade e no
formar o indivduo. De acordo com suas ideias, resta toda a obra de
familiarizar a criana com os aspectos fundamentais da civilizao, habitu-la
ao manejo de instrumentos mais aperfeioados de cultura e dar-lhes segurana
de inteligncia e de crtica para viver em um meio de mudana e transformao
permanentes (Teixeira, 1997, p.85).
Ansio compreendia a educao integral como uma via de ampliar as
funes da escola, que anteriormente cabiam apenas famlia e sociedade,
no que se referia formao do indivduo para a democracia. Essa formao
referia-se habilitar os sujeitos para a tarefa econmica, ensinando-os a
participar da vida coletiva, capacitando-os para serem sujeitos cidados, com
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direitos plenos, educao no simplesmente preparao para a vida, mas a
prpria vida em permanente desenvolvimento (Cavaliere, 2010, p.254). Na
busca por romper com uma viso meramente utilitarista da escola, referindo-se
ao processo de alfabetizao, Ansio alia a proposta de educao integral a
projetos sobre cuidados da sade, higiene da escola, artes, artes industriais e
domsticas, recreao, jogos, entre outros. Destacamos ateno para o fato
dos textos de Ansio sempre terminarem com profundas discusses sobre a
condio humana do sujeito aprendiz, correlacionando diretamente educao e
civilizao (Cavaliere, 2010).
No embate de perspectivas sobre a educao integral, Cavaliere (2010)
argumenta que existem trs principais correntes histricas no Brasil,
contraditrias e paradoxais, que se apresentam atravs das seguintes
questes: 1) Mobilizaes que se referem ao desejo de uma educao
radicalmente liberal e elitista, que propunha certa domesticao e cura das
classes populares. Nessa viso, predominava a perspectiva higienista-
educacional que pretendia libertar o povo da ignorncia, compreendendo a
ignorncia como doena, os analfabetos como seres que vegetavam, a
formulao do povo-criana a ser educado e preparado para transformar-se
em povo- nao (p.251); 2) A corrente defendida tambm por Ansio
Teixeira, utilizava-se de argumentos como, por exemplo, relacionados funo
formativa da escola e da educao como modo de ampliar a cultura da
populao. Usa-se termos como, desenvolvimento humano, cultura, crtica e
democracia para fundamentar suas discusses e exigncias; e 3)
Especialistas que reivindicam a expanso dos sistemas escolares, dando
urgncia ao crescimento quantitativo, ao invs do qualitativo. O foco nesse vis
instituir a alfabetizao em massa da populao.
A noo de educao integral, nesse embate de perspectivas, central
na busca por tencionar a proposta em torno do aumento quantitativo dos
servios escolares, questionando a alfabetizao seriada dos brasileiros
desvinculada da preocupao tica do processo formativo. O intuito da
expanso dos servios evidenciado atravs, por exemplo, da Reforma
Educacional elaborada pelo diretor da Instruo Pblica do Estado de So
Paulo, Sampaio Dria, o qual estabeleceu uma medida que visava o
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crescimento rpido do nmero de alfabetizados. Dria props a reduo do
Ensino Primrio de quatro para dois anos, afirmou a obrigatoriedade e
gratuidade do ensino e reduziu a jornada escolar, justificando que tempo
compacto e turmas seriadas aumentariam a qualidade e abrangncia do
trabalho desenvolvido pelos educadores (Dria, 1923).
A centralidade na alfabetizao fez emergir a proposta de educao
integral quase como um contraponto aos movimentos de serializao escolar.
Para muitos intelectuais e polticos da poca, a reduo do tempo de ensino,
conhecida tambm como o movimento de fetichismo da alfabetizao, foi
compreendida como um retrocesso ao ensino (Carvalho, 1988). Assim, a
exigncia de uma educao ampliada torna-se bandeira dos movimentos que
idealizavam o ensino como algo alm do processo de alfabetizao. Um dos
resultados dessas mobilizaes o Manifesto dos Pioneiros da Educao
Nova (1932), no qual intelectuais reformistas defendiam uma escola com
funes ampliadas.
Esse documento, que j havamos discutido brevemente ao tratarmos no
captulo anterior sobre a educao como direito, prope a educao integral a
partir do reconhecimento da educao pblica como um direito do indivduo,
que alargaria os limites e raios de ao do processo educacional. A educao
integral no colocada apenas em relao ao tempo de permanncia na
escola, mas tambm, vinculada a uma concepo de desenvolvimento
integral (p.196) e de formao da personalidade integral do aluno (Azevedo,
F. de et al. 1932, p.198).
No mesmo ano de publicao desse documento, e sendo um dos
autores que o assinaram, Ansio Teixeira apresenta o plano de parques
escolares, que viria a adotar mais tarde na Bahia e em Braslia,
respectivamente nos anos 1950 e 1960. A educao integral proposta nesse
projeto consistia em compreender que a escola deveria ser uma reproduo
em miniatura do que a vida na comunidade. De acordo com Cavaliere (2010),
o Centro Educacional Carneiro Ribeiro construdo na Bahia lembraria uma
universidade infantil e ofereceria s crianas um retrato da vida em sociedade
(p.256).
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Escola como miniatura da comunidade, cidades-escolas, parques-
escolares e outros termos so referncias quando se fala das propostas de
educao integral de Ansio Teixeira. Suas ideias, sempre justificadas pela
produo de um sujeito da democracia, cidado participativo e integrado
comunidade, tinham como base lgica de que a educao que produz
civilizao (Teixeira, 1997, p.84). Apesar de no ser declaradamente membro
da Ao Integralista Brasileira, Ansio apresentava argumentos muito
semelhantes no que se referia educao como via de progresso e como
forma de manuteno da integridade moral humana. Civilizar um termo
central para compreendermos a concepo de educao que se vincula o
autor.
No percurso do presente estudo, nos chama a ateno para o fato de
que a noo de civilizar, como um dos objetivos da educao, ser retomado
na atualidade em torno dos discursos de pesquisadoras na rea da educao
integral. Jaqueline Moll, em entrevista a TV Supren, discorre sobre o fato de
que na contemporaneidade no presumvel pensar a cidade sem pensar na
educao. A pesquisadora acredita que no mais possvel educar as
geraes s na escola, preciso que a escola se conecte com o que est no
seu entorno (Moll, 2012, 4:20min). Inspirada em Paulo Freire e em outros
autores como, por exemplo, Ansio Teixeira, Jaqueline Moll percorreu sua
trajetria de professora e pesquisadora, incluindo sua participao no Ministrio
da Educao, encarregando a tarefa de dirigir a Diretoria de Educao
Integral, Direitos Humanos e Cidadania e de coordenar esforos para
concretizao do Programa Mais Educao, meta do Plano de
Desenvolvimento da Educao do governo brasileiro (Moll, 2012a, p.27).
O Programa Mais Educao um marco no regime da educao integral
no Brasil, j que institui os esforos do governo em fomentar a educao
integral em escolas pblicas (Portaria Normativa Interministerial n. 17, de 24
de abril de 2007). Resultado de um longo percurso de discusses, como
apresentamos anteriormente, desde a dcada de 1920 at a atualidade o Mais
Educao torna possvel a concretizao de ideais de intelectuais e polticos no
campo da educao. interessante ressaltar que, ao invs de utilizar termos
como moralizar ou civilizar, quando referindo funo da educao, o
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Programa Mais Educao ter o aporte da palavra socioeducar como base
estratgica para suas aes: o Programa... visa fomentar, por meio de
sensibilizao, incentivo e apoio, projetos ou aes de articulao de polticas
sociais e implementao de aes socioeducativas oferecidas gratuitamente a
crianas, adolescentes e jovens (Brasil, 2013, p.5).
O Mais Educao, inicialmente, era uma poltica criada via Ministrio da
Educao, sem conexo com as aes da Poltica Nacional de Assistncia
social. No documento da PNAS de 2009, descreve-se que a assistncia Social,
enquanto poltica pblica, deveria se articular aos servios intersetoriais,
principalmente os de Sade, Educao, Cultura, Esporte, Emprego,
Habitao (Brasil, 2004, p.42). Nas aes da poltica de assistncia, o
documento descreve que caberia ao Estado apoiar as famlias na educao de
suas crianas e adolescentes, mas ele no cita a vinculao dos usurios a um
Programa em especfico. Com a criao do Programa Bolsa Famlia em 2004,
se constitui o vnculo entre as prticas de assistncia social e de educao
atravs das condicionalidades impostas aos beneficirios, como o caso da
frequncia escolar exigida s crianas e adolescentes de famlias beneficiadas.
Em 2011, se afirma o vnculo do Programa Mais Educao com o Ministrio do
Desenvolvimento Social e Combate Fome buscando ampliar o acesso de
beneficiados do Bolsa Famlia poltica do Mais Educao. Assim, a educao
integral passa a fazer parte das estratgias de governo da populao propostas
pelas prticas da assistncia social.
Antes de apresentarmos o Programa Mais Educao e sua descrio
juridicamente oficial, julgamos necessrio, por uma questo tica, no ignorar
os termos que frequentemente acompanham os objetivos das propostas sobre
educao integral emergentes no Brasil. Moralizar, civilizar ou socioeducar? Na
busca por ampliarmos a compreenso sobre essas noes partimos de um
dispositivo discursivo que emerge na entrevista da TV Supren, com Jaqueline
Moll. Nela, em meio apresentao do Programa Mais Educao, discorrendo
sobre sua abrangncia nacional e influncia de rgos internacionais na sua
formulao, o entrevistador pergunta pesquisadora: ainda dentro desse
mbito internacional, , o mundo inteiro j respira o clima da educao integral
n, h duzentos anos os Estados Unidos, h 190 na Coria do Sul, a Europa, o
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Japo, enfim, uma agenda que chega no Brasil, mas que o mundo civilizado
todo j adota, isso? (Moll, 2012, 6:34min).
A relao que se estabelece entre a educao integral e a constituio
de um mundo civilizado, atravessada por termos como moralizar, civilizar e
socioeducar, quando colocados em anlise atravs das discusses de Michel
Foucault, so importantes analisadores para este Projeto. Foucault prope um
processo de anlise que desnaturalize os universais em torno do campo de
pesquisa (2004). Dessa forma, partimos do princpio de que a educao e a
educao integral no existem a priori, ou no seriam a nica forma de
constituir uma realidade, para ento fazermos a pergunta: qual , por
conseguinte, a histria que podemos fazer desses diferentes acontecimentos,
dessas diferentes prticas que, aparentemente, se pautam por esse suposto
algo que a educao e a educao integral em relao com as prticas de
assistncia social?VI.
Visando complexificar a compreenso sobre as prticas de educao
integral em torno da constituio do Estado brasileiro, tendo como dispositivo
as produes discursivas que emergem sobre ela, apresentaremos a seguir
alguns pontos histricos sobre a constituio do Brasil como Estado-nao.
Essa ao visa ampliar nossa anlise sobre o objetivo atual da educao e da
proposta de educao integral que circundam as discusses sobre o sujeito de
direito a educao no Brasil.
Quando nos referimos no captulo anterior sobre a educao como
direito, que o primeiro perodo do processo histrico da educao no Brasil, de
1500 a 1930, abrangia a Colnia, o Imprio e a Primeira Repblica, no
estvamos falando de um tempo no qual o embate de foras no estava
colocado. De acordo com Freitag (1986), a chegada dos jesutas, a expanso
da Igreja Catlica e a disseminao do Cristianismo e da cultura europeia nos
seminrios e colgios, marcam um perodo de instituio de todo um sistema
escolar marcado pela imposio dos objetivos da colonizao portuguesa. Sua
inteno principal era alcanar grandes lucros por meio da exportao para o
VI Fazemos aqui uma meno ao processo de desnaturalizao dos universais que Michel Foucault prope em torno da loucura (Foucault, 2004, p.5).
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mercado externo, que se dava pela explorao e extrao de riquezas dos
territrios hoje entendidos como pertencentes ao Brasil.
Segundo Galeano (2014), o descobrimento das terras brasileiras marca
o encontro de espanhis e portugueses com uma vasta e abundante natureza.
A escravizao dos ndios que habitavam essas terras foi central no processo
de colonizao portuguesa. Obrigados a trabalharem na extrao de riquezas,
principalmente da madeira, da cana-de-acar, do ouro, caf, tabaco, cacau,
borracha, banana, entre outros, milhares de ndios foram exterminados nos
processos de trabalho, tanto por causa da exausto por horas ininterruptas de
esforo, quanto por intoxicao, homicdio ou suicdio. Muitos indgenas se
antecipavam ao destino imposto por seus opressores brancos, matando seus
filhos ou se suicidando em massa. H relatos que, na Amrica Latina, ndios
tomavam veneno para no trabalhar e outros que se enforcavam com as
prprias mos (Fernndez de Oviedo, 1959).
Junto ao processo colonizador vieram as doenas como, por exemplo, a
varola, o ttano, tracoma, tifo, lepra, febre amarela, cries e, assim, os ndios
morriam em massa ou ficavam debilitados e incapazes de esforos. H relatos,
que na Amrica Latina somava-se a existncia de 70 milhes de ndios antes
da chegada dos estrangeiros, sendo um sculo depois reduzidos to s a 3,5
milhes. Com a instaurao da Coroa, os ndios se viram obrigados a pagar
tributos, at pelos seus parentes mortos. O evangelho era aplicado nos ndios
agonizantes tanto quanto o chicote. Sob a justificativa de ampliar o reino de
Deus sobre a terra e propagar a f crist, muitos ndios foram submetidos ao
processo de catequizao (Galeano, 2014).
interessante destacar que, ao se depararem com a cultura
diferenciada dos ndios, os colonizadores passaram a trat-los como libertinos,
j que o trabalho mensurado por uma produo no era um valor cultural
indgena. Junto a isso, referiam-se a eles como bestas de carga, portadores de
uma maldade natural, pecadores por suas idolatrias e, por isso, eram uma
ofensa a Deus e mereciam o trabalho forado como forma de absolvio. Os
ndios possuam muitas crenas, que passaram a serem usadas de forma
estratgica no processo de catequizao. Padres e missionrios espalhavam
fantasias vernculas como, por exemplo, de que os cavalos usados por
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representantes da coroa eram de origem sagrada e no poderiam ser mortos.
Outro argumento era de que os deuses vingativos agora repreendiam os ndios
atravs de montadores em armaduras, escudos, raios mortferos e fumaas
irrespirveis como forma de acertar contas com os povos que se negavam ao
trabalho (Galeano, 2014).
O medo, a imaginao e o convencimento atravs de ideias
manipuladas com as prprias crenas dos povos, eram utilizados como
estratgias discursivas na catequizao dos ndios. Os mesmos acreditavam
que a terra era sagrada e, por isso, deveria ser usada para a produo como
forma de valorizar a riqueza do solo. Esse argumento era empregado por
representantes da coroa como forma de ju