Produção de alimentos saudáveis e uma farmácia viva na porta de casa: a experiência de dona...

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Dona Neves e seu Enóquio moram no sítio Catolé, município de Queimadas- PB. Os dois nasceram na comunidade, casaram e continuaram vivendo ali onde tiveram três filhos, um menino e duas meninas. Há 25 anos, construíram a casa onde moram na propriedade da família de dona Neves e começaram a cuidar da terra. Nos dois hectares herdados, seu Enóquio e dona Neves plantam fava, milho, jerimum, batata, feijão carioca e macassar. Além da área destinada ao roçado, eles têm um pequeno campo de palma. Até a década de 1990 a família também plantava algodão, mas devido ao bicudo deixaram de plantar. O que é produzido no roçado é armazenado em silos de zinco ou em garrafas pet para a alimentação da família e para a semente do próximo ano. Seu Enóquio é agricultor, mas aprendeu também a profissão de pedreiro e nos períodos que não está no roçado sai para arranjar o sustento da família. Eu cresci trabalhando no roçado, acho que eu tinha uns 11 anos quando comecei a botar roçado. Na verdade, quem nasce no sítio já nasce agricultor, diz seu Enóquio. Dona Neves e seu Enóquio já criaram gado e porcos, mas agora só criam galinhas e um bode. As galinhas e os ovos são para alimentação da família. Segundo seu Enóquio, os porcos davam muito trabalho e o lucro era muito pequeno, pois ele tinha que buscar soro de leite em Barra de Santana, cidade vizinha, e comprar farelo para alimentar os animais. Em 1990, com recursos próprios, a família construiu uma cisterna feita de tijolos,com capacidade de 16 mil litros para a água de beber. No sítio não havia depósito para água de gasto da casa, então a água dessa cisterna passou a ser usada para todos os usos da casa. Nela foi instalada uma bomba que leva água para um caixa que distribui a água para sua casa e para a casa do cunhado. Quando chega o verão, as duas famílias se juntam para comprar um carro d’água a cada dois meses. Como não confia na qualidade da água do carro pipa, a família passa a utilizar água de beber da casa da mãe de seu Enóquio, que é reservada apenas para este uso. Com a água de beber a gente tem que ter mais cuidado. Durante o inverno se bebe da cisterna da gente, pois é água boa da chuva, garante o agricultor. Dona Neves conta que sempre teve vontade de plantar árvores no arredor de casa e fazer uma horta, mas como o sítio é muito seco não podia. Eu sempre ia para as visitas de intercâmbio, via as hortas com verduras e plantas medicinais, mas não podia fazer aqui em casa. Quando estava no Paraíba Ano 6 | nº 901 | novembro | 2012 Queimadas-PB Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Produção de alimentos saudáveis e uma farmácia viva na porta de casa: a experiência de dona Neves e seu Enóquio 1

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Dona Neves e seu Enóquio moram no sítio Catolé, município de Queimadas-PB. Os dois nasceram na comunidade, casaram e continuaram vivendo ali onde tiveram três filhos, um menino e duas meninas. Há 25 anos, construíram a casa onde moram na propriedade da família de dona Neves e começaram a cuidar da terra. Nos dois hectares herdados, seu Enóquio e dona Neves plantam fava, milho, jerimum, batata, feijão carioca e macassar. Além da área destinada ao roçado, eles têm um pequeno campo de palma. Até a década de 1990 a família também plantava algodão, mas devido ao bicudo deixaram de plantar. O que é produzido no roçado é armazenado em silos de zinco ou em garrafas pet para a alimentação da família e para a semente do próximo ano. Seu Enóquio é agricultor, mas aprendeu também a profissão de pedreiro e nos períodos que não está no roçado sai para arranjar o sustento da família. Eu cresci trabalhando no roçado, acho que eu tinha uns 11 anos quando comecei a botar roçado. Na verdade, quem nasce no sítio já nasce agricultor, diz seu Enóquio.

Dona Neves e seu Enóquio já criaram gado e porcos, mas agora só criam galinhas e um bode. As galinhas e os ovos são para alimentação da família. Segundo seu Enóquio, os porcos davam muito trabalho e o lucro era muito pequeno, pois ele tinha que buscar soro de leite em Barra de Santana, cidade vizinha, e comprar farelo para alimentar os animais. Em 1990, com recursos próprios, a família construiu uma cisterna feita de tijolos,com capacidade de 16 mil litros para a água de beber. No sítio não havia depósito para água de gasto da casa, então a água dessa cisterna passou a ser usada para todos os usos da casa. Nela foi instalada uma bomba

que leva água para um caixa que distribui a água para sua casa e para a casa do cunhado. Q u a n d o chega o verão, as duas famílias se juntam para comprar um carro d’água a cada dois meses. Como não confia na qualidade da água do carro pipa, a família passa a utilizar água de beber da casa da mãe de seu Enóquio, que é reservada apenas para este uso. Com a água de beber a gente tem que ter mais cuidado. Durante o inverno se bebe da cisterna da gente, pois é água boa da chuva, garante o agricultor. Dona Neves conta que sempre teve vontade de plantar árvores no arredor de casa e fazer uma horta, mas como o sítio é muito seco não podia. Eu sempre ia para as visitas de intercâmbio, via as hortas com verduras e plantas medicinais, mas não podia fazer aqui em casa. Quando estava no

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inverno, até dava, mas quando pegava a seca morria tudo. Eu ficava morrendo de pena, relembra. O sonho de dona Neves foi realizado em 2009, quando a família recebeu uma cisterna-calçadão do P1+2 e ela pôde cuidar melhor do arredor de casa. Com a cisterna, que tem capacidade para 52 mil litros de água, dona Neves plantou pés de banana, graviola, mamão, coco, abacate e muitas plantas medicinais. Foi uma riqueza. Eu adoro flores e plantas medicinais. Toda vez que vou a uma visita de intercâmbio sempre trago plantas e agora com a cisterna posso cuidar delas. Minhas filhas vivem reclamando que não pode chegar visita aqui que levo logo para horta para mostrar minhas verduras e minhas plantas medicinais, conta dona Neves. Mas o que dona Neves se orgulha mesmo é de ter conseguido fazer uma horta perto da cisterna-calçadão. Em volta da cisterna ela tem pimentão, cebolinha, couve, repolho, alface, coentro, cenoura, abobrinha, jiló e alguns pés de fruta. Agora mesmo com esta seca eu diminuí a produção, mas na época de maior produção eu vendo muito alface, coentro, couve e pimentão. As pessoas vêm comprar aqui mesmo, pois sabem que são produtos cultivados sem veneno, explica dona Neves.

Para fortalecer as plantas, a família usa biofertilizante feito na associação da comunidade, onde o casal é sócio. Os mutirões de biofertilizante têm contribuído para que as famílias deixem de comprar venenos e adubos químicos e assim produzam de forma agroecológica. Segundo dona Neves depois de participar da associação e do sindicato a família está transformando a propriedade. A partir das experiências trocadas nas visitas de intercâmbio e nas reuniões do sindicato, a família está aprendendo práticas de convivência com o semiárido e a produzir sem veneno. Desde que fez a cisterna-calçadão,

muitos vizinhos e pessoas da comunidade vêm conhecer as experiências da família com a produção de alimentos Desde que a cisterna-calçadão foi construída ainda não secou e nem a gente parou de ter verduras frescas na mesa, nem plantas medicinais para fazer remédio quando precisa. Minha horta é uma maravilha e minhas plantas medicinais são como uma farmácia viva. Eu fico muito feliz quando alguém vem me visitar e levar uma mudinha de planta é como se fosse uma parte de mim que vai ser plantada em outro lugar e dar frutos, diz dona Neves encantada com sua horta.

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