POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E COMBATE À · PDF fileassumindo, em...

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    POLTICA DE ASSISTNCIA SOCIAL E COMBATE POBREZA: QUAL O

    LUGAR DA MULHER NEGRA NESSA HISTRIA?1

    Silvana Silva do Nascimento* Valdenice Jos Raimundo**

    RESUMO

    O presente estudo objetiva fomentar a discusso em torno do perfil dos/as

    usurios/as da Poltica de Assistncia Social no Brasil no sculo XXI. A proposta

    teve sua importncia ampliada na medida em que o levantamento bibliogrfico e

    documental, procedimentos metodolgicos escolhidos para o desenvolvimento de tal

    pesquisa, revelou que de acordo com o Ministrio do Desenvolvimento Social, 93%

    das famlias beneficiadas pelo Programa Bolsa Famlia - PBF so chefiadas por

    mulheres e destas, 68% so negras. O dado apresentado exigiu a retomada da

    trajetria da centralidade das famlias nas polticas sociais, da Feminizao da

    Pobreza e do lugar da mulher negra no mercado de trabalho. Dentre os resultados

    constatamos que o conceito de pobreza foi inserido na Lei Orgnica da Assistncia

    Social (1993). Alm disso, tanto o PBF (2003) como o Plano Brasil sem Misria -

    PBSM (2011) consideram a renda per capita familiar na avaliao da pobreza.

    Grande parte das famlias pobres chefiada por mulheres e a essa realidade

    atribuda o conceito de Feminizao da Pobreza. Quanto ao recorte racial

    verificamos que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    (2010), a populao negra corresponde a 50,7% da populao brasileira, porm

    quando levamos esse quantitativo para o campo da pobreza extrema constata-se

    que a populao negra totaliza 70% dos que vivem abaixo da linha de misria. Esse

    dado possui relao direta com o lugar para o qual historicamente a populao

    negra foi direcionada.

    1 O presente estudo configura-se como recorte de Trabalho de Concluso de Curso intitulado:

    Assistncia Social e Trabalho: Programas de Transferncia de Renda e o Perfil dos/as Usurios/as. Elaborado para obteno do ttulo de Especialista em Gesto da Poltica de Assistncia Social pela Universidade Catlica de Pernambuco. Sob orientao da Prof Dr Valdenice Jos Raimundo. *Assistente Social pela UFPE. Especialista em Gesto da Poltica de Assistncia Social pela UNICAP. Residncia Multiprofissional em Urgncia Emergncia e Trauma pela UPE. Vice lder do Grupo em Estudos em Raa, Gnero e Polticas Pblicas. Email: [email protected] ** Doutora em Servio Social/UFPE. Professora da Universidade Catlica de Pernambuco. Lder do Grupo em Estudos em Raa, Gnero e Polticas Pblicas. Email: [email protected]

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    Palavras-chave: Gnero. Raa. Pobreza. Assistncia Social.

    INTRODUO

    1. ASSISTNCIA SOCIAL: transferncia de renda como estratgia de

    enfrentamento a pobreza

    Inserida pela Constituio Federal de 1988 no trip que compe a Seguridade

    Social, a Assistncia Social passou a ser parte de um conjunto integrado de aes

    de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, destinadas a assegurar os

    direitos relativos sade, previdncia social e assistncia social (BRASIL, 2002:

    art 194). A Seguridade Social, em seu conjunto, representaria um grande ganho no

    referente aos direitos sociais, romperia com a lgica fragmentada e buscaria dar um

    sentido amplo rea social, trabalhando a idia de ampliao dos direitos sociais e

    a responsabilidade do Estado diante dessas polticas (COUTO, 2004).

    No entanto, o advento do neoliberalismo impediu o sucesso da seguridade

    social. A Assistncia Social, por exemplo, que tinha transformado em direito o que

    at ento era tratado como favor ou caridade, tinha pela frente o desafio de

    concretizar-se como poltica prestada para que dela precisar, independentemente de

    contribuio. Contudo, outros desafios surgiram com o neoliberalismo: de um lado,

    o de se materializar como poltica pblica frente a todo processo de desmonte da

    seguridade social; do outro, e de superar algumas caractersticas histricas.

    A concepo de Assistncia Social adotada pela Seguridade Social possui

    uma dimenso de proviso social, que tem sua base ancorada na noo de direito

    social e a idia de compensao aos que, pelo trabalho, mereciam ser atendidos

    socialmente. Alm de ampliar o campo assistencial para uma populao que antes

    ficava fora da sua rea de atuao, so eles: os desempregados ou empregados

    precariamente, os que no encontram espao nas polticas trabalhistas, e agora

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    vem como fundamental a busca por atendimento na Assistncia Social (COUTO,

    2004).

    Com adoo da ideologia neoliberal, o Brasil entrou em um processo de crise,

    que ocasionou a instabilidade do trabalho, desemprego e o rebaixamento do valor

    da renda do trabalho (SILVA, 2008). A anlise de Oliveira (2012) explica que o

    trabalho foi reconhecido como direito, mas que posteriormente esse direito passou a

    ser a base para a manuteno da ordem social:

    Ou seja, as mudanas no padro de organizao do trabalho em consonncia com as polticas macroeconmicas de estabilizao econmica impostas pelo FMI e demais organismos multilaterais delimitaram a interveno do Estado, provocando um acirramento da questo social em suas variadas expresses. sob esta perspectiva que as polticas de emprego passam a ser implementadas no governo FHC. Ou seja, polticas que possam combater a crise do emprego e, consequentemente, a fome e a misria, mas com recursos reduzidos e com nfase na individualizao do problema, reforando a histrica interveno residual do Estado brasileiro na questo social (OLIVEIRA, 2012: 499).

    Assim a situao de trabalhador assalariado passa a ser cada vez mais

    distante para grande parcela da populao, e o novo padro de organizao do

    trabalho, apenas acirrou a relao j desgastada existente entre o trabalho e a

    questo social2 e mais uma vez os trabalhadores presenciaram o aprofundamento

    das desigualdades e a ampliao do desemprego (IAMAMOTO, 2010).

    Esse o contexto em que so iniciados os primeiros debates sobre as

    experincias internacionais sobre Programas de Transferncia de Renda, so

    apresentadas pelos polticos, organizaes sociais e estudiosos da questo social

    como opo de enfrentamento ao desemprego e a pobreza (SILVA, 2008). A idia

    chega ao Brasil em meio aos escassos investimentos realizados nas polticas de

    emprego e por conseguinte, seus resultados ineficazes, os programas sociais com

    traos compensatrios e descontnuo no conseguiam dar conta do alto ndice de

    desempregados ou sujeitos a vnculos precrios, com salrios cada vez mais baixos.

    2 Questo social, entendida aqui como expresses do processo de formao e desenvolvimento da

    classe operria e de seu ingresso no cenrio poltico da sociedade exigindo seu reconhecimento como classe por parte o empresariado e do Estado. a manifestao, no cotidiano da vida social, da contradio entre proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de interveno alm da caridade e da represso (IAMAMOTO, 2011:77).

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    medida que os programas de transferncia de renda tiveram seu alcance

    ampliado, ocorreu sua definio como poltica compensatria, com o propsito de

    cumprir o papel econmico e poltico, visto que possibilita o acesso, mesmo que

    precrio aos bens e servios. A parcela da populao que no tiver suas

    necessidades atendidas pelas vitrines do mercado, mediante seus salrios, tornar-

    se- pblico alvo da Assistncia Social (SITCOVSKY, 2009:154). Sem

    desconsiderar claro, a importncia que os benefcios pagos pela poltica, vm

    assumindo, em inmeros casos configura-se como nica renda da famlia assistida.

    A relao contraditria existente entre assistncia social e trabalho vem sendo

    levada as ultimas conseqncias.

    Assim, ainda de acordo com Sitcovsky (2009), a impossibilidade de garantir o

    direito ao trabalho, fez com que por um lado, o Estado ampliasse seu campo de

    atuao, passando a assumir os trabalhadores aptos que por conta do desemprego

    estrutural no conseguiram insero no mercado, passando o campo de atuao do

    Estado via Assistncia Social a constituir-se: por miserveis, trabalhadores

    precarizados, desempregados, desqualificados para o trabalho. E por outro lado,

    critrios de acesso foram criados como o caso do do salrio mnimo utilizado

    como critrio para definio do perfil dos usurios do BPC e do Programa Bolsa

    Famlia.

    2. O COMBATE A POBREZA EXTREMA E O PERFIL DOS/AS USURIOS/AS

    DA ASSISTNCIA SOCIAL NO SCULO XXI

    Ao pensar o debate que perpassa a superao da pobreza importante

    salientar que a pobreza um fenmeno multifacetado e por isso a necessidade de

    iniciativas integradas. Considerando o Sistema nico de Assistncia Social- SUAS,

    destaca-se o conceito de pobreza presente na Lei Orgnica da assistncia Social-

    LOAS (1993), cujo entendimento de pobreza considera o cidado com acesso

    precrio aos mnimos sociais. Contudo, ao avaliarmos o Programa Bolsa Famlia-

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    PBF(2003), a pobreza medida por meio da renda familiar, onde a famlia com

    renda per capita entre e de salrio mnimo considerada pobre. No caso do

    Plano Brasil sem Misria (2011), cujo foco a pobreza extrema, o valor referente

    renda per capita passou a ser de at do salrio mnimo, considerando o nmero

    de membros da famlia (SIMES, 2009).

    A reflexo acerca do espao assumido pelos programas de transferncia de

    renda e seu foco na pobreza extrema exige o debate sobre a centralidade que as

    famlias a