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JWN Nº 70052960978 2013/CRIME 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. TRANSPORTE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. POSSE DE ARTEFATO EXPLOSIVO. PROVA ILÍCITA. NULIDADE REJEITADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. NULIDADE. ILICITUDE DA PROVA. Alegação de que a prisão foi efetuada por policiais militares. Os policiais rodoviários federais descreveram as circunstâncias da prisão de forma uniforme, demonstrando que estavam presentes no flagrante. Ademais, a prisão decorreu de trabalho desenvolvido em conjunto entre a Polícia Rodoviária Federal, a inteligência da Policia Militar e a Receita Federal, o que justifica a participação de policiais militares na abordagem e no flagrante, tal como foi informando nos ofícios da Brigada Militar. Rejeitada a preliminar, sendo lícitas as provas decorrentes do flagrante. MÉRITO. Na revista do carro, que estava sendo monitorado, na parte inferior (embaixo), encontraram um compartimento com drogas (16,519 Kg de cocaína e 0,697 Kg de crack), armas (três pistolas, 9 mm, uma argentina, uma tcheca e outra israelense) e uma dinamite. As declarações dos policiais são coerentes e uniformes e convergem todas para a conclusão de que, ao contrário do que o réu afirma, ele transportava drogas, armas e um artefato explosivo, sem autorização e em desacordo com as determinações legais. TRANSPORTE DE ARMA DE FOGO. O laudo pericial concluiu que as armas apreendidas estavam aptas para uso e/ou funcionamento e são de uso restrito. Atestou, ainda, que uma delas (israelense) sofreu raspagem mecânica, ficando com a numeração suprimida. A conduta descrita no art. 16 da Lei nº 10.826/03 é crime de perigo abstrato, de modo que o delito estará consumado com a mera conduta descrita no tipo. Decisão recente do STF, no HC 104410, confirmando que é típico portar arma desmuniciada. Condenação mantida. POSSE DE ARTEFATO EXPLOSIVO. O laudo pericial atestou que o artefato apreendido é de natureza explosiva e de fabricação industrial, bem como concluiu que o material “tinha todos os elementos para se realizar uma explosão eficiente”. Condenação mantida. TRÁFICO DE DROGAS. O simples fato de transportar a substância entorpecente, visando a entrega a

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APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. TRANSPORTE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. POSSE DE ARTEFATO EXPLOSIVO. PROVA ILÍCITA. NULIDADE REJEITADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. NULIDADE. ILICITUDE DA PROVA. Alegação de que a prisão foi efetuada por policiais militares. Os policiais rodoviários federais descreveram as circunstâncias da prisão de forma uniforme, demonstrando que estavam presentes no flagrante. Ademais, a prisão decorreu de trabalho desenvolvido em conjunto entre a Polícia Rodoviária Federal, a inteligência da Policia Militar e a Receita Federal, o que justifica a participação de policiais militares na abordagem e no flagrante, tal como foi informando nos ofícios da Brigada Militar. Rejeitada a preliminar, sendo lícitas as provas decorrentes do flagrante. MÉRITO. Na revista do carro, que estava sendo monitorado, na parte inferior (embaixo), encontraram um compartimento com drogas (16,519 Kg de cocaína e 0,697 Kg de crack), armas (três pistolas, 9 mm, uma argentina, uma tcheca e outra israelense) e uma dinamite. As declarações dos policiais são coerentes e uniformes e convergem todas para a conclusão de que, ao contrário do que o réu afirma, ele transportava drogas, armas e um artefato explosivo, sem autorização e em desacordo com as determinações legais. TRANSPORTE DE ARMA DE FOGO. O laudo pericial concluiu que as armas apreendidas estavam aptas para uso e/ou funcionamento e são de uso restrito. Atestou, ainda, que uma delas (israelense) sofreu raspagem mecânica, ficando com a numeração suprimida. A conduta descrita no art. 16 da Lei nº 10.826/03 é crime de perigo abstrato, de modo que o delito estará consumado com a mera conduta descrita no tipo. Decisão recente do STF, no HC 104410, confirmando que é típico portar arma desmuniciada. Condenação mantida. POSSE DE ARTEFATO EXPLOSIVO. O laudo pericial atestou que o artefato apreendido é de natureza explosiva e de fabricação industrial, bem como concluiu que o material “tinha todos os elementos para se realizar uma explosão eficiente”. Condenação mantida. TRÁFICO DE DROGAS. O simples fato de transportar a substância entorpecente, visando a entrega a

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terceiros, de per si, já é conduta tipificada no art. 33 da Lei nº 11.343/06. Condenação mantida. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. O magistrado não considerou a reincidência. Recurso exclusivo da defesa. Impossibilidade de reforma, de ofício, sob pena de violação do princípio da non reformatio in pejus. A posse de armas e de artefato explosivo, em um mesmo contexto fático, configura crime único. Mantida a pena fixada no mínimo legal. Para o crime de tráfico de drogas, a exasperação da basilar está concretamente justificada na natureza e na quantidade de droga apreendida, tudo de acordo com o artigo 42 da Lei nº 11343/06. No caso, não deve ser reconhecida a minorante inserta no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, pois não preenchidos os requisitos legais.

SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE RECLUSÃO. Inviável a substituição, pois em face do concurso material de crimes, a penalidade ultrapassa o limite para a concessão da benesse.

REGIME DE CUMPRIMENTO. O regime de cumprimento da pena deve ser o inicial fechado, conforme preceitua o art. 33, § 2º, “a”, do Código Penal.

PENA DE MULTA. A pena de multa é preceito secundário do tipo, sendo obrigatória sua imposição. O pedido de isenção da multa com base na alegada impossibilidade financeira deve ser formulado perante o Juízo da Execução Penal.

APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

APELAÇÃO CRIME

TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70052960978

COMARCA DE RIO GRANDE

MARCELO SCHERDIEN

APELANTE

MINISTERIO PUBLICO

APELADO

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A CÓR DÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara

Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, rejeitar a

preliminar e prover parcialmente o recurso, para alterar a pena privativa de

liberdade, fixando-a em 09 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e

pagamento de 520 dias- multa, à razão mínima legal.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes

Senhores DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI (PRESIDENTE E REVISOR)

E DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO.

Porto Alegre, 09 de maio de 2013.

DES. JAYME WEINGARTNER NETO, Relator.

R E L AT ÓRI O

DES. JAYME WEINGARTNER NETO (RELATOR)

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra

MARCELO SCHERDIEN, dando-o como incurso nas sanções do artigo art.

16, parágrafo único, incisos III e IV, e art. 18, c/c art. 19, todos da Lei

10.826/03, e art. 33, c/c art. 40, ambos da Lei 11.343/06, na forma do art. 69

do CP, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

No dia 23 de junho de 2012, por volta das 13 horas, no km 24 da BR-392, no Posto da Polícia Rodoviária

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Federal na Vila da Quinta, município de Rio Grande, RS, o denunciado foi preso em flagrante ao (i) importar e transportar armas de fogo de uso restrito sem autorização da autoridade competente; (ii) transportar arma de fogo de uso restrito com numeração raspada; (iii) possuir e deter artefatos explosivos e (iv) importar ou transportar drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Com efeito, na data acima, Policiais Rodoviários Federais, em decorrência de trabalho desenvolvido em conjunto com a inteligência da Polícia Militar e a Receita Federal, abordaram o veículo GM MONZA, IGJ 1534, de propriedade e conduzido pelo flagrado, procedente de Foz do Iguaçu/PR, ocasião em que, após vistoria, lograram encontrar por baixo do veículo um compartilhamento oculto que acondicionava:

(i) 16 (dezesseis) invólucros em formato de “tijolo” com a seguinte descrição: 14 (quatorze) invólucros plásticos na cor azul clara (15,437 kg) e 01 (um) invólucro plástico na cor azul escura (1,082 kg), ambos contendo em seus interiores uma substância em pó compactado, na cor branca, exalando odor característico de cocaína;

(ii) 01 (um) invólucro plástico na cor cinza contendo, em seu interior, uma substância compactada na cor bege clara, vulgarmente conhecido por “crack” (0.697 kg);

(iii) Uma arma de fogo do tipo pistola, calibre 9 mm, capacidade para 17+1 cartuchos, da marca argentina “Bersa S.A”, modelo Thunder9”, com um carregador com capacidade de 17 cartuchos;

(iv) Uma arma de fogo do tipo pistola, calibre 9 mm, capacidade para 16+1 cartuchos, da marca Tcheca “Ceska Zbrojovka”, modelo “CZ 75B”, com um carregador com capacidade de 16 cartuchos;

(v) Uma arma de fogo do tipo pistola, calibre 9mm, capacidade para 16+1 cartuchos, da marca israelense “BULL LTDA”, modelo “G-Cherokee”, com “numeração raspada no lado direito do freme” e carregador com capacidade de 16 cartuchos;

(vi) Um invólucro em fita adesiva na cor bege escura, abrigando em seu interior o explosivo conhecido por nitro-penta (PETN – Pentatrinitronitrato de tetranitroeritriol), com cordel detonante;

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(vii) Uma bisnaga plástica na cor branca, sendo o material explosivo do tipo emulsão encartuchada, vulgarmente conhecido como “banana de dinamite”, de marca nacional “Britanite”.

O denunciado, ouvido em sede policial, afirmou que, por duas oportunidades, em janeiro e nesta, teria conduzido o veículo, ora apreendido, até a cidade de Foz do Iguaçu/PR, para ocultação e transporte de mercadorias até a cidade de Rio Grande, tendo ainda conhecimento de que o veículo entrou em território paraguaio, em Ciudad Del Leste (Prisão em flagrante – evento 01).

O crime de tráfico internacional de munição e drogas se consumou com a entrada em território nacional, sendo certo, ainda, ter ultrapassado a zona alfandegária primária, dado que o flagrante se deu já no Município de Rio Grande/RS.

O Laudo de Exame Preliminar de Constatação em Substância (Evento 01) resultou positivo para a presença de Cloridato de Cocaína, indicando tratar-se de substância de uso proscrito no Brasil.

A materialidade e autoria dos delitos encontram-se comprovadas no Auto de Prisão em Flagrante, especialmente nos depoimentos do condutor da prisão em flagrante, das testemunhas e do denunciado, bem como no Laudo de Exame Preliminar de Constatação em Substância, Auto de Apresentação e Apreensão (Evento 1).

O réu, notificado, apresentou resposta à acusação (fls. 13/20).

A Justiça Federal declinou da competência e remeteu os autos

para a Justiça Estadual (fls. 108/208).

A denúncia foi recebida em 27/07/2012 (fls.126).

O acusado, devidamente citado, por intermédio de defensor

constituído, reiterou a defesa preliminar (fl.214).

Após regular trâmite processual, sobreveio sentença de parcial

procedência da ação penal, para condenar o réu como incurso nas sanções

do art. 16, parágrafo único, incisos III e IV da Lei nº 10.826/03, e art. 33 da

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Lei 11.343/06, na forma do art. 69, do CP, às seguintes penas: 03 anos de

reclusão, em regime aberto, e pagamento de 10 dias-multa, à razão de 1/30

do salário mínimo vigente à época do fato (2º fato), 03 anos de reclusão, em

regime aberto, e pagamento de 10 dias-multa (3º fato) e 06 anos de

reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 510 dias-multa, à razão

mínima legal (4º fato). Aplicado o concurso material de crimes, as

penalidades foram somadas, totalizando 12 anos de reclusão. O réu foi

absolvido da imputação pela prática do crime disposto no artigo 18 da Lei nº

10.829/03 (1º fato) (fls. 282/302).

Inconformado, o réu apela.

Em razões recursais, o réu alega, em preliminar, ilicitude da

prova, alegando que não ficou esclarecido quem efetuou a abordagem do

veículo na ocasião do flagrante. Afirma que não sabia da existência das

armas, drogas e explosivo, e que estaria apenas transportando contrabando

de produtos eletrônicos, o que já tinha feito em outras oportunidades. Relata

que entregou o carro a alguém, em Foz do Iguaçu, para fazer o

carregamento de eletrônicos, mas não sabe dizer onde o carro foi levado.

Esclarece que o veículo seria entregue a uma terceira pessoa quando

chegasse a Rio Grande, para descarregar os equipamentos. Refere ter

medo de represália, por isso não informa o nome de quem lhe contratou

para o serviço. Afirma que os policiais que efetuaram o flagrante não foram

identificados. Refere que as armas estavam desmuniciadas, por isso o fato é

atípico. Alternativamente, postula a redução da pena, com fixação da basilar

no mínimo legal, bem como o reconhecimento da minorante prevista no

artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, a imposição do regime aberto e a

substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Por fim,

requer o afastamento da pena de multa (fls.311/343).

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 344/352).

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Indeferido o pedido formulado pelo Ministério Público para

degravação da audiência (fls. 355/356).

Nesta instância, o Dr. Procurador de Justiça opinou pelo

desprovimento do recurso (fls. 358/363).

É o relatório.

V O TO S

DES. JAYME WEINGARTNER NETO (RELATOR)

PRELIMINAR – Ilicitude da prova

Não procede a alegação do apelante acerca de eventual

ilicitude na prova porque foi preso por outros policiais que não os que

prestaram depoimento em juízo.

Primeiro, as declarações de Gustavo Ebling Soares e Marcel

Gonçalves Arruda, ambos da Polícia Rodoviária Federal, são coerentes no

sentido de que participaram da abordagem, inclusive descrevendo as

circunstâncias do flagrante. Os depoimentos em juízo estão em consonância

com as declarações prestadas na fase policial, não existindo qualquer

motivo para desacreditar das suas palavras. Nesse ponto destaco que o

veículo foi abordado no Km 24 da BR 392, no Posto da Polícia Rodoviária

Federal na Vila da Quinta, no município de Rio Grande.

Segundo, o fato de existirem dois ofícios informando nomes de

outros policiais que teriam participado da abordagem não é suficiente para

comprovar a tese do apelante de que os verdadeiros responsáveis pelo

flagrante sequer foram identificados. Segundo consta nos autos, o que foi

ratificado pelos depoimentos dos policiais, a operação que culminou na

prisão decorreu de trabalho desenvolvido em conjunto entre a Polícia

Rodoviária Federal, a inteligência da Policia Militar e a Receita Federal.

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Nessas circunstâncias, não causa qualquer estranheza a participação de

policiais militares na abordagem e no flagrante, tal como foi informando nos

ofícios da Brigada Militar.

Rejeito, assim a preliminar, sendo lícitas as provas decorrentes

do flagrante.

MÉRITO

Segundo as declarações dos policiais, a ação foi conjunta entre

a Polícia Rodoviária Federal, a inteligência da Policia Militar e a Receita

Federal. Eles tinham informação sobre o tráfico de drogas e de armamentos.

Receberam noticia específica sobre o veículo apreendido, que se encontrava

em Foz do Iguaçu, entre os dias 20 e 22 de junho. Passaram a monitorar o

veículo e, na abordagem, ao averiguarem o carro, verificaram que o banco

traseiro estava modificado. Na revista do carro, na parte inferior (embaixo),

encontraram drogas (16 tijolos, pesando 15,437 Kg, e um invólucro, pesando

1,082 Kg, ambos de cocaína, e um invólucro contendo 0,697 Kg de crack),

armas (uma tipo pistola, 9 mm, marca argentina “Bersa AS”, uma tipo pistola,

9 mm, marca tcheca “ceska Zbrojovka” e outra tipo pistola, 9 mm, marca

israelense “Bull Ltda.”) e uma banana de dinamite, marca nacional

“Britanite”.

O réu relatou, em juízo, que é comerciante. Disse que levou o

carro para Foz do Iguaçu, para trazer contrabando de equipamentos

eletrônicos, mas negou o transporte de drogas e de armas. Recusou-se a

dizer com quem manteve contato para a referida viagem, bem como o nome

do destinatário dos produtos, mas disse que o local da entrega do carro

estava previamente estabelecido. Afirmou que pensava tratar-se de peças

de computador e celulares de última geração e, pelo transporte, iria receber

R$ 2.000,00. Disse que ficou surpreso ao saber que tinha explosivo no

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carro. Afirmou que os policiais presentes não foram os que o prenderam.

Mencionou que foi preso por dois policiais da Brigada Militar. Disse que não

é verdade que informou aos policiais, no flagrante, sobre a existência de

explosivos.

As declarações dos policiais são coerentes e uniformes e

convergem todas para a conclusão de que, ao contrário do que o réu afirma

em juízo, ele transportava drogas, armas e um artefato explosivo, sem

autorização e em desacordo com as determinações legais.

1. Transportar arma de fogo de uso restrito com

numeração raspada (2º fato)

A materialidade do delito restou comprovada pelo auto de

prisão em flagrante (fls.39/40), pelo auto de apreensão (fls.45/47), laudo de

exame em arma de fogo (fls.97/100) e demais provas produzidas em Juízo.

Gustavo Ebling Soares, policial rodoviário federal, disse que,

ao vistoriarem o veículo, perceberam que o banco traseiro tinha um aspecto

diferenciado, parecendo que havia sido pintado. Relatou que, ao

suspenderem o veículo com um “macaco”, uma massa pintada que tinha

embaixo quebrou e apareceu um compartimento, no qual estavam as

drogas, três armas e uma dinamite. Esclareceu que as pistolas eram de 9

mm, de origem argentina, tcheca e israelense. Afirmou que o réu não resistiu

à prisão e, primeiro, alegou que não tinha nada de ilícito no veículo.

Contudo, após, ao saber que iriam usar uma serra, que geraria faíscas, para

quebrar o compartimento, o réu disse para não fazer isso porque no carro

havia dinamite. No mesmo sentido, as declarações do policial Marcel

Gonçalves Arruda. Ele confirmou a existência do compartimento no veículo,

no qual foram encontradas as drogas, as armas e a dinamite. Também

afirmou que o réu alertou acerca da existência de explosivo quando soube

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que utilizariam uma serra para abrir o compartimento. Os depoimentos

judiciais dos policiais estão em consonância com as declarações prestadas

na fase policial.

O laudo de exame em armas de fogo concluiu que as armas

apreendidas estavam aptas para uso e/ou funcionamento (fls. 97/100).

Referido laudo também apontou que as três armas examinadas são de uso

restrito. Atestou, ainda, que as armas de fogo, tipo pistola, das marcas

argentina e tcheca, não apresentavam sinais de adulteração. Todavia, a de

origem israelense sofreu raspagem mecânica, ficando com a numeração

suprimida.

Tenho que a conduta descrita no artigo 16 da Lei nº 10.826/03

é crime de perigo abstrato, não se exigindo a efetiva lesão, tampouco o

perigo em concreto de lesão, ao bem jurídico protegido pela norma, de modo

que o delito estará consumado com a mera conduta descrita no tipo. Desse

modo, o porte ilegal de arma de fogo, por si só, configura a prática do delito,

pois o objeto jurídico tutelado é a segurança pública e a paz social e, não, a

incolumidade física.

Nesse sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE USO PERMITIDO. ART. 14, CAPUT, DA LEI N.º 10.826/03 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO). PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. ARMA DESMUNICIADA. DELITO DE PERIGO ABSTRATO. HABEAS CORPUS DENEGADO.

1. "A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal" (STF, Min. GILMAR MENDES, voto vista proferido no HC 96.759/CE, 2.ª Turma, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJe de 11/06/2012).

2. Prevalece na Jurisprudência o entendimento de que, nos termos da Lei n.º 10.826/03, o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada constitui conduta

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típica, pois "o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante o fato de estar a arma de fogo municiada ou não" (STF, HC 104.206/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 26/08/2010).

3. Habeas corpus denegado. (HC 183070, 5ª T., STJ, Rel.: Min. Laurita Vaz, DJe 13/08/2012)

Ademais, decisão recente do Min. Gilmar Mendes, no HC

104410 (aliás oriundo do TJRS), a par de confirmar que é típico portar arma

desmuniciada (daí a recíproca ser logicamente possível), acrescenta

importantes considerações acerca da legitimidade constitucional da

antecipação de tutela, via tipificação do perigo abstrato, pelo estatuto do

desarmamento, inclusive na linha da proibição de insuficiência e margem

razoável de escolha do legislador (claro que cotejando com a ofensividade).

Dessa forma, estando caracterizada a tipicidade do fato,

impõe-se a responsabilização criminal do apelante, não havendo motivos

para reforma da sentença de primeiro grau.

2. Possuir e deter artefato explosivo (3º fato)

A materialidade do delito restou comprovada pelo auto de

prisão em flagrante (fls.39/40), pelo auto de apreensão (fls.45/47), laudo de

perícia criminal federal - bombas e explosivos - (fls.104/112).

Como se vê, a prova constante nos autos é firme e coerente.

No caso dos autos, os policiais foram uníssonos no sentido de que, no

momento da revista, encontraram, além das drogas e das três armas, uma

dinamite. Ainda, afirmaram que o réu alertou sobre a existência de explosivo

quando soube que tentariam abrir o compartimento com uma serra, que

geraria faíscas. Tais declarações, inclusive, se coadunam às respectivas

narrativas apresentadas na fase policial.

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O laudo de perícia criminal federal (bombas e explosivos)

atestou que o artefato apreendido é de natureza explosiva e de fabricação

industrial. Concluiu que o material “tinha todos os elementos para se realizar

uma explosão eficiente, através de uma linha de fogo formada, nesta ordem,

por estopim, iniciador, cordel detonante e cartucho de emulsão”.

Dessa forma, estando caracterizada a tipicidade do fato,

mantenho a condenação.

3. Tráfico de drogas (4º fato)

A materialidade do delito restou comprovada pelo auto de

prisão em flagrante (fls.39/40), pelo auto de apreensão (fls.45/47), laudo de

exame preliminar de constatação em substância (fl.44), laudo de perícia

criminal federal (fls.224/230).

A autoria, de igual forma, está comprovada nos autos.

Foram apreendidos 16 tijolos, pesando 15,437 Kg, e um

invólucro, pesando 1,082 Kg, ambos de cocaína, e um invólucro contendo

0,697 Kg de crack.

Os entorpecentes estavam em um compartimento previamente

preparado embaixo do veículo, junto com armas e uma dinamite.

Considerando a grande quantidade, não há dúvidas que a destinação das

drogas apreendida era o comércio, inclusive previamente articulado,

organizado e em larga escala.

A versão do réu de que apenas transportava mercadorias e

equipamentos eletrônicos não tem credibilidade.

O réu afirma que foi contratado para trazer equipamentos

eletrônicos e que deixou o carro por dois dias em Foz do Iguaçu para

carregamento dos produtos. Disse que já havia feito tal transporte em outras

duas oportunidades.

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O réu não nega ter plena consciência de que efetuava

transporte ilegal, segundo ele, apenas de produtos eletrônicos. Entregava o

veículo de sua propriedade a terceiros, para que preparassem o

carregamento, e aguardava por dois dias tal preparação, sem, contudo,

presenciá-la. Trazia o veículo e o entregava em determinado local para

determinada pessoa para o descarregamento, novamente sem presenciar tal

ato. Admitiu, inclusive, já ter efetuado tal transporte em duas outras

oportunidades. Disse que receberia R$ 2.000,00 pelo transporte.

Neste contexto, a meu sentir, o réu tinha pleno conhecimento

do transporte de grande quantidade de entorpecente, armas e explosivo,

pois alertou os policiais sobre o risco de explosão, caso utilizassem a serra

para abrir o compartimento. Não é crível que soubesse do artefato explosivo

e desconhecesse os demais produtos transportados. Também não é digna

de credibilidade a tese de que acreditasse tratar-se somente de produtos

eletrônicos. Trata-se de pessoa com 44 anos de idade, comerciante, que,

segundo ele mesmo admite, busca mercadorias no Paraguai frequentemente

para revendê-las, com maturidade e experiência suficiente para total

entendimento do transporte ilícito que realizava.

O simples fato de transportar a substância entorpecente,

visando a entrega a terceiros, de per si, já é conduta tipificada no art. 33 da

Lei nº 11.343/06. Ademais, a quantidade de droga apreendida é indicativa de

traficância.

Mantenho, assim, a condenação pelo crime de tráfico de

drogas.

PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

De início, consigno que o réu é reincidente, ostentando

condenação criminal transitada em julgado em data anterior à pratica do fato

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descrito na inicial (Processo 2040000131-9). Todavia, o magistrado não a

considerou, o que vai mantido, pois há recurso somente da defesa e a

reforma, de ofício, violaria o princípio da non reformatio in pejus.

No tocante ao apenamento, para os delitos de transporte de

arma de fogo e posse de artefato explosivo, as penas foram aplicadas no

mínimo legal (03 anos de reclusão e 10 dias-multa, à razão mínima legal),

para cada um dos crimes.

Tenho, contudo, que a posse de armas e de artefato explosivo,

em um mesmo contexto fático, configura crime único.

O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no

sentido da “existência de um delito único quando apreendidas mais de uma

arma, munição, acessório ou explosivo em posse do mesmo agente, dentro

do mesmo contexto fático, não havendo que se falar em concurso material

ou formal entre as condutas, pois se vislumbra uma só lesão de um mesmo

bem tutelado” (HC 228231 / SP, 5ª T., j. em 12/06/12).

Assim, fixo a pena, para os delitos de transporte de armas e

posse de explosivo, considerados como crime único, em 03 anos de

reclusão e pagamento de 10 dias-multa, à razão mínima legal.

Por fim, passo à análise da dosimetria quanto ao crime de

tráfico de drogas.

A pena-base foi fixada em 06 anos. Na aferição das

circunstâncias judiciais o magistrado assim se manifestou:

“O réu não registra antecedentes, conforme certidão acostada (fl. 280/281); não há elementos para se avaliar a personalidade do acusado; conduta social abonada pela prova oral; os motivos foram comuns à espécie; as circunstâncias e consequências normais ao tipo; não há vítimas diretas do delito (apenas o Estado), impossibilitando qualquer

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colaboração para a prática do crime; a culpabilidade do réu, considerada como o grau de reprovação de sua conduta em face das peculiaridades do caso e de suas condições pessoais, vai aferida em grau leve. Desse modo, verificando especial desvalor no que diz à natureza da substância (cocaína, crack, de significativo potencial lesivo e de crescente disseminação) e quantidade, fixo a pena base em 06 (seis) anos de reclusão”.

O art. 42 da Lei n.º 11.343/2006 impõe ao Juiz considerar, com

preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a

quantidade da droga, tanto na fixação da pena-base quanto na aplicação da

causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.

Assim, a quantidade e a natureza da droga apreendida podem ser utilizadas

na exasperação da pena-base e na definição da fração pela aplicação da

minorante, sem que isso configure violação do princípio do non bis in idem,

pois apenas se utiliza o mesmo parâmetro para momentos e finalidades

distintas. Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA NOVA LEI DE TÓXICOS. FIXAÇÃO DO QUANTUM DE REDUÇÃO. APLICAÇÃO, PELO JUÍZO SENTENCIANTE, NO PATAMAR DE 1/6 (UM SEXTO). AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REGIME PRISIONAL: OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO AFASTADA. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1.º DO ART. 2.º DA LEI DE CRIMES HEDIONDOS, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 11.464/2007, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 33, §§ 2.º E § 3.º DO CÓDIGO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.

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1. A fixação da pena-base acima do mínimo legal restou suficientemente fundamentada na sentença penal condenatória, em razão do reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis, inexistindo, portanto, ilegalidade a ser sanada. 2. O art. 42 da Lei n.º 11.343/2006 impõe ao Juiz considerar, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da droga, tanto na fixação da pena-base quanto na aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4.º do art. 33 da nova Lei de Tóxicos. 3. Não se trata de violação ao princípio do non bis in idem, mas apenas da utilização da mesma regra em finalidades e momentos distintos. Com efeito, na primeira etapa da dosimetria, os critérios do art. 59 do Código Penal e do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006 servem para fundamentar a pena-base, enquanto no último momento do sistema trifásico os mesmos parâmetros serão utilizados para se estabelecer a fração de redução a ser aplicada em razão da minorante prevista no art. 33, § 4.º, da Lei Antitóxicos. 4. Na espécie, à luz do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006, a natureza e a quantidade da substância apreendida - 490 comprimidos de "ecstasy" - justificam a não aplicação do redutor em seu grau máximo, qual seja: 2/3, observando-se a proporcionalidade necessária e suficiente para reprovação do crime. 5. Não havendo ilegalidade patente no quantum de redução pela minorante prevista no art. 33, § 4.º, da Lei de Drogas, é vedado, na estreita via do habeas corpus, proceder ao amplo reexame dos critérios considerados para a sua fixação, por demandar análise de matéria fático-probatória. (...) 10. Ordem de habeas corpus denegada (STJ, 5ª T. HC 189960 / SC, j. em 16/08/12).

Assim, no caso, a exasperação está concretamente justificada

na natureza e na quantidade de droga apreendida, tudo de acordo com o

artigo 42 da Lei nº 11343/06. Tenho que, no caso concreto, o acréscimo de

01 ano é adequado. A pena-base deve ser fixada no mínimo legal apenas

quando todas as circunstâncias judiciais forem favoráveis ao acusado.

Existindo circunstância desfavorável, a pena pode ser elevada até o limite do

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termo médio entre a pena mínima e a máxima. Esse parâmetro não é fixo

nem exato, é apenas referencial – um formulismo preciso, matemático, neste

sentido, seria, além de impossível, inconveniente. A aferição das

circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP é um exercício de

discricionariedade motivada e depende da sensibilidade jurídica e social do

julgador, em observância ao princípio da individualização da pena (CF, artigo

5º, XLVI). Portanto, mantenho a pena-base em 06 anos, ficando a pena

provisória no mesmo patamar.

No caso, não deve ser reconhecida a causa de diminuição da

pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06, pois não

preenchidos os requisitos legais.

Tenho afirmado que o envolvimento com organizações

criminosas e a dedicação a atividades criminosas não podem ser

presumidas. Contudo, no caso concreto há elementos suficientes a

demonstrar que o réu se dedica a atividades criminosas. O réu admitiu já ter

feito esse tipo de transporte em outras duas oportunidades, embora

alegando tratar-se apenas de contrabando de produtos eletrônicos.

A situação e a quantidade significativa de droga apreendida

revelam envolvimento e comprometimento com a mercancia ilícita, sendo

incompatíveis com o tráfico ocasional.

A causa de diminuição inserta no § 4º do art. 33 da Lei

11.343/2006 tem por objetivo mitigar a sanção penal do traficante ocasional

e não daquele que faz do tráfico seu meio de vida, dedicando-se a

atividades delituosas.

Nesse sentido, julgados das Cortes Superiores:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4.º DA LEI DE DROGAS. NÃO

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PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. REGIME FECHADO. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA NOVA LEI DE TÓXICOS. FIXAÇÃO DO QUANTUM DE REDUÇÃO. APLICAÇÃO, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, NO PATAMAR DE 1/5. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL E DA SUPREMA CORTE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR SANÇÕES RESTRITIVAS DE DIREITOS. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA. IMPOSSIBILIDADE, REGIME PRISIONAL: OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO AFASTADA. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1.º DO ART. 2.º DA LEI DE CRIMES HEDIONDOS, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 11.464/2007, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CABÍVEL, NA ESPÉCIE, A FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO. 1. Na espécie, à luz do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006, constata-se que a natureza e a quantidade da droga apreendida - 161 gramas de cocaína -, conforme ponderado pelo acórdão combatido, justificam a aplicação do redutor em 1/5, observando-se a proporcionalidade necessária e suficiente para reprovação do crime. 2. Não havendo ilegalidade patente no quantum de redução pela minorante prevista no art. 33, § 4.º, da Lei de Drogas, é vedado, na estreita via do habeas corpus, proceder ao amplo reexame dos critérios considerados para a sua fixação, por demandar análise de matéria fático-probatória. 3. A significativa quantidade de drogas impede, ainda, a incidência da causa de diminuição prevista no § 4.º, do art. 33, da Lei n.º 11.343/06, conforme já decidiram ambas as Turmas que compõem a Terceira seção desta Corte. 4. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, declarou, por maioria, incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 1.º do art. 2º da Lei n.º 8.072/90, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.464/2007, afastando, dessa forma, a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e

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equiparados, devendo-se observar o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal. 5. No caso dos autos, considerando o quantum da pena estabelecido e a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, mostra-se cabível a fixação do regime intermediário, a teor do disposto no artigo 33, § 2.º, alínea b, e § 3.º do Código Penal, o qual dispõe que "o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto". 6. Habeas corpus parcialmente concedido para, mantida a condenação, fixar o regime semiaberto (STJ, HC 190780 / SC, 5ª T., j. em 09/10/12) (grifou-se). HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERESTADUAL DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. PRETENDIDA APLICAÇÃO. MAUS ANTECEDENTES. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGALMENTE EXIGIDOS. INDEFERIMENTO DA MINORANTE JUSTIFICADO. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. 1. Constatando-se que a paciente ostenta maus antecedentes, ausente ilegalidade na não aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, haja vista o não preenchimento de exigência determinada nesta regra. 2. As circunstâncias que envolveram a prisão em flagrante da agente, somadas à quantidade e à natureza da substância entorpecente apreendida em seu poder - mais de 3 quilos de maconha -, ademais, levaram à conclusão de que não se tratava de traficante ocasional, dedicando-se a atividade criminosa. INTERESTADUALIDADE. CAUSA DE ESPECIAL AUMENTO PREVISTA NO ART. 40, V, DA LEI ANTITÓXICOS. TRANSPORTE QUE NÃO ULTRAPASSOU A FRONTEIRA ENTRE DOIS ESTADOS. IRRELEVÂNCIA. DROGA QUE TINHA COMO DESTINO OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO. ILEGALIDADE AUSENTE. 1. O entendimento prevalente na Terceira Seção deste STJ é no sentido de que basta que esteja

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comprovado que o produto tóxico tinha como destino outra unidade federativa, sendo irrelevante que haja ou não a efetiva transposição da divisa interestadual para a incidência da causa especial de aumento do art. 40, V, da Lei 11.343/06. 2. Constatado que a agente foi flagrada em São Paulo dentro de ônibus que se dirigia ao Rio de Janeiro, não há ilegalidade no reconhecimento e aplicação da hipótese prevista no art. 40, V, da Lei n. 11.343/06. 3. Ordem denegada (STJ, HC 230835 / SP, 5ª Turma, j. em 04/09/12).

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONTROVÉRSIA REFERENTE À APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. DECISÃO QUE INDEFERE O BENEFÍCIO AO RECORRENTE COM BASE NA QUANTIDADE DA DROGA E NA FORMA DE ACONDICIONAMENTO: POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O entendimento deste Supremo Tribunal é de não ser possível aplicar a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 à pena-base relativa à condenação por crime cometido na vigência da Lei 6.368/76, sob pena de se estar criando uma nova lei que conteria o mais benéfico de cada qual das leis. Precedentes. 2. Na espécie, os fatos que ensejaram a não-aplicação da causa de diminuição prevista na nova Lei de Tóxicos (quantidade da droga e forma de acondicionamento) são hígidos e suficientes para atestar a dedicação do Recorrente às atividades criminosas. 3. A conduta social do agente, o concurso eventual de pessoas, a receptação, os apetrechos relacionados ao tráfico, a quantidade de droga e as situações de maus antecedentes exemplificam situações caracterizadoras de atividades criminosas. 4. O habeas corpus não é prestante para revisar os elementos de prova invocados pelas instâncias de mérito a refutar a aplicação da causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. 5. Recurso Ordinário em Habeas Corpus ao qual se nega provimento (STF, RHC 94806 / PR – PARANÁ, 1ª T., Min. Carmem Lúcia, j. em 09/03/10).

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Portanto, a pena definitiva, para o crime de tráfico de drogas,

resta fixada em 06 anos de reclusão.

A pena de multa fixada em 510 dias-multa, à razão mínima

legal, é adequada, pois guarda consonância com a pena privativa de

liberdade.

O concurso formal pressupõe a existência de ação única. Os

crimes de tráfico de entorpecentes e transporte de arma de fogo e de

artefato explosivo são delitos autônomos, não se tratando de uma só ação.

Portanto, correta a aplicação do concurso material entre os delitos, na forma

prevista no art. 69 do Código Penal. A pena definitiva resta fixada, no total,

em 09 anos de reclusão.

Inviável a substituição da pena privativa de liberdade pela

restritiva de direitos, pois em face do concurso material de crimes, a

penalidade ultrapassa o limite para a concessão da benesse, de acordo com

o art. 44, inciso I, do Código Penal.

Por fim, deve o regime de cumprimento da pena deve ser o

fechado, conforme preceitua o art. 33, § 2º, “a”, do Código Penal.

PENA DE MULTA

O réu pretende o afastamento da pena pecuniária, sob o

fundamento de que não tem condições financeiras para o pagamento.

No caso, a pena pecuniária está expressamente cominada ao

delito, de forma cumulativa. Portanto, a pena de multa é preceito secundário

do tipo, sendo obrigatória sua imposição. Ademais, o pedido de isenção da

multa com base na alegada impossibilidade financeira deve ser formulado

perante o Juízo da Execução Penal.

Nesse sentido, precedente desta Câmara Criminal:

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LEI 10.826/03. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E DE USO RESTRITO. ARTS. 12 E 16. EXISTÊNCIA DOS FATOS E AUTORIA. Certa a existência dos fatos, bem como a autoria. PENAS DE MULTA. Eventual dificuldade ou impossibilidade do pagamento é matéria a ser discutida no Juízo da Execução. PENAS SUBSTITUTIVAS. Se as circunstâncias judiciais, além da confissão, deixaram as penas no mínimo, sem fundamento válido a impossibilidade de substituição. APELO DEFENSIVO PROVIDO, EM PARTE. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70046820262, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 26/07/2012)

Assim, deve ser mantida a condenação ao pagamento de 520

dias-multa, à razão mínima legal.

Pelos motivos expostos, voto por rejeitar a preliminar e prover

parcialmente o recurso, para alterar a pena privativa de liberdade, fixando-a

em 09 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 520

dias-multa, à razão mínima legal”.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI (PRESIDENTE E REVISOR) - De

acordo com o(a) Relator(a).

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI - Presidente - Apelação Crime nº

70052960978, Comarca de Rio Grande: "À UNANIMIDADE, REJEITARAM A

PRELIMINAR E PROVERAM PARCIALMENTE O RECURSO, PARA

ALTERAR A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, FIXANDO-A EM 09 ANOS

DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO, E PAGAMENTO DE 520

DIAS-MULTA, À RAZÃO MÍNIMA LEGAL."

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Julgador(a) de 1º Grau: RICARDO ARTECHE HAMILTON