Os tabus sociais da família brasileira que impedem os...

3
Os tabus sociais da família brasileira que impedem os avanços da adoção no País. Os efetivos avanços legais e procedimentais implementados desde 2009 para faci- litar e desburocratizar a adoção no Brasil, ainda esbarram em obstáculos sociais maiores, os tabus e preconceitos em torno da adoção das crianças e adolescentes “fora do padrão". Neste artigo abordare- mos o tema da adoção, com foco nos avanços procedimentais e legais em comparação com a realidade prática que separa as famílias na fila de espera e as crianças aguardando um lar. o ponto de vista técnico-jurídi- co, desde 2009, houve, de fato, um avanço na facilitação e desburocratização do sistema de adoção no Brasil. Tal avanço se iniciou com as modificações feitas no Estatuto da Criança e do Adolescente - "ECA", pela "Nova" Lei de Adoção (Lei nº 12.010/2009). Esta nova Lei possibilitou o aperfeiçoamento da sistemática prevista no ECA (Lei nº 8.069/1990) para garantia do direito à convivência familiar das crianças e adolescentes adotados. Ao final desta matéria, há um link com um quadro comparativo das modificações imple- mentadas no ECA, de autoria da Promotoria de Justiça da Infância, Juventude e da Pessoa com Deficiên- cia de Presidente Prudente/SP. Até a presente data, em adição às novas determinações do texto legal de 2009, muitos avanços foram implementados pelo órgão máximo inerente ao tema adoção no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Desta forma, foi superado um dos maiores entraves burocráticos do antigo sistema de adoção brasileiro, qual seja, a descentralização das informações sobre as crianças dispo- níveis para adoção e as famílias interessadas em adotar. Todo processo de adoção se inicia e termina no Poder Judiciário. Assim, qualquer pessoa maior de 18 anos, independentemente do estado civil, pode se candidatar a adotar uma criança, sendo obrigatória uma diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança acolhida. O pedido tem de ser feito por petição endereçada à Vara de Infância e Juventude do local do domicílio do candidato. Assim, atendido os requisitos legais necessários, ou seja, aprovação no curso de preparação psicossocial-ju- rídico e entrevista domiciliar, cujo resultado tem de ser chancelado pelo Ministério Público, o Juiz determinará a inclusão e habilitação do nome do interessado no Cadastro de Adoção. www.bbadv.adv.br NEWSLETTER NOVEMBRO 2015 Rio de Janeiro Avenida Almirante Barroso, 63 Sala 1109 - Centro - Rio de Janeiro - RJ 20031-003 55 (21) 3176-4801 São Paulo Rua Alves Guimarães, 462 5º andar - Cj. 51/52 Pinheiros - São Paulo - SP 05410-000 55 (11) 3473-3780 / 3562-4276 Curitiba Rua Emiliano Perneta, Nº 725 12º, 16º e 17º andares Centro - Curitiba - PR 80420-080 55 (41) 3123-3131 Florianópolis Av. Mauro Ramos, 1970 Sala 1006 Centro - Florianópolis - SC 88020-304 55 (21) 3176-4801 D

Transcript of Os tabus sociais da família brasileira que impedem os...

Os tabus sociais da família brasileira que impedem os avanços da adoção no País.Os efetivos avanços legais e procedimentais implementados desde 2009 para faci-litar e desburocratizar a adoção no Brasil, ainda esbarram em obstáculos sociais maiores, os tabus e preconceitos em torno da adoção das crianças e adolescentes “fora do padrão".

Neste artigo abordare-mos o tema da adoção, com foco nos avanços procedimentais e legais em comparação com a realidade prática que separa as famílias na fila de espera e as crianças aguardando um lar.

o ponto de vista técnico-jurídi-co, desde 2009, houve, de fato, um avanço na facilitação

e desburocratização do sistema de adoção no Brasil. Tal avanço se iniciou com as modificações feitas no Estatuto da Criança e do Adolescente - "ECA", pela "Nova" Lei de Adoção (Lei nº 12.010/2009). Esta nova Lei possibilitou o aperfeiçoamento da sistemática prevista no ECA (Lei nº 8.069/1990) para garantia do direito à convivência familiar das crianças e adolescentes adotados. Ao final desta matéria, há um link com um quadro comparativo das modificações imple-mentadas no ECA, de autoria da Promotoria de Justiça da Infância,

Juventude e da Pessoa com Deficiên-cia de Presidente Prudente/SP.

Até a presente data, em adição às novas determinações do texto legal de 2009, muitos avanços foram implementados pelo órgão máximo inerente ao tema adoção no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Desta forma, foi superado um dos maiores entraves burocráticos do antigo sistema de adoção brasileiro, qual seja, a descentralização das informações sobre as crianças dispo-níveis para adoção e as famílias interessadas em adotar.

Todo processo de adoção se inicia e termina no Poder Judiciário. Assim, qualquer pessoa maior de 18 anos,

independentemente do estado civil, pode se candidatar a adotar uma criança, sendo obrigatória uma diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança acolhida. O pedido tem de ser feito por petição endereçada à Vara de Infância e Juventude do local do domicílio do candidato.

Assim, atendido os requisitos legais necessários, ou seja, aprovação no curso de preparação psicossocial-ju-rídico e entrevista domiciliar, cujo resultado tem de ser chancelado pelo Ministério Público, o Juiz determinará a inclusão e habilitação do nome do interessado no Cadastro de Adoção.

www.bbadv.adv.br

NEWSLETTERNOVEMBRO 2015

Rio de JaneiroAvenida Almirante Barroso, 63 Sala 1109 - Centro - Rio de Janeiro - RJ20031-00355 (21) 3176-4801

São PauloRua Alves Guimarães, 4625º andar - Cj. 51/52Pinheiros - São Paulo - SP05410-00055 (11) 3473-3780 / 3562-4276

CuritibaRua Emiliano Perneta, Nº 72512º, 16º e 17º andaresCentro - Curitiba - PR80420-08055 (41) 3123-3131

FlorianópolisAv. Mauro Ramos, 1970Sala 1006Centro - Florianópolis - SC88020-30455 (21) 3176-4801

D

O desejo majoritário pela adoção da criança

"padrão", isto é, bebês não maiores que dois ou três anos, brancos, sem irmãos e sem histórico de doenças ou deficiências;

Os três Principais tabus que impedem o avanço da adoção no Brasil

Vara de Infância de Juventude cumpre avisar ao interessado a existência de uma criança

com perfil compatível. O histórico da criança é apresentado ao adotante; se houver interesse, ambos são apre-sentados. Durante o estágio de convi-vência monitorado pela Justiça, é permitido visitar o abrigo. Se o relacionamento correr bem, a criança é liberada e o pretendente dá sequên-cia à ação de adoção, a qual termina com a sentença do Juiz determinando a lavratura do novo registro de nasci-mento, igualando em todos direitos o filho adotado a um consanguíneo.

Na implementação da Nova Lei de Adoção, vale destacar a pertinente inovação e os grandes esforços do CNJ para encerrar com um dos maio-res entraves burocráticos do antigo sistema de adoção brasileiro, a falta de centralização dos cadastros de

candidatos aprovados judicialmente para adotar e as crianças disponíveis para adoção. Antes das inovações implementadas pelo CNJ, cada Estado tinha seu cadastro indepen-dente, fato que impedia o acesso integrado e diminuía muito as pers-pectivas de cruzamento de informa-ções, resultando em menos adoções.

Razão pela qual, o CNJ implemen-tou um cadastro integrado e unificado chamado Cadastro Nacional de Adoção - "CNA", que é um sistema de informações, hospedado nos servido-res do CNJ, o qual consolida os dados de todas as Varas da Infância e da Juventude referentes às crianças e adolescentes recolhidas em abrigos, em condições de serem adotados e os pretendentes habilitados à adoção.

Ao centralizar e cruzar informa-ções, o sistema permite a aproxima-ção entre as crianças que aguardam

por uma família em abrigos brasileiros e as pessoas de todos os Estados que tentam uma adoção. Esse siste-ma on-line de fato reduziu a burocra-cia do processo, pois uma pessoa considerada apta à adoção em sua comarca (área jurisdicional que abrange um ou mais municípios) ficará habilitada a adotar em qualquer outro lugar do País.

Contudo, nada obstante a esse fato prático da unificação do cadastro de adoção, a modernização da legisla-ção e procedimentos vigentes, unida a toda estrutura das equipes multidis-ciplinares (psicólogos e assistentes sociais) disponíveis nas Varas de Infância e Juventude, ainda não foram fortes o suficiente para modifi-car alguns tabus da realidade social brasileira:

Estes três tabus se explicam por si só. Infelizmente, por mais que a legislação e o sistema judiciário estejam caminhando na mão correta da evolução teórica e práti-ca para facilitar a adoção, existe um grande trabalho conceitual a ser feito na nossa sociedade, pois por mais liberal que nosso País possa parecer, na prática, o quê se vê é a discriminação e o bloqueio das uniões familia-res adversas ao tradicional, pai, mãe e filho(s).

Não vale nem destacar outras disposições familiares da nossa atualidade, cuja "normalidade" extrapola em muito nossas tradições sociais, tais como exemplo das multifamílias formadas por mais de um pai e/ou mãe, vivendo em união estável, dentre outras formações possíveis.

www.bbadv.adv.br

NEWSLETTER MENSAL - 10/2015

Para saber mais sobre o CNA, acesse esse link: http://www.cnj.jus.br/sistemas/infancia-e-juventude/20530-cadastro-nacional-de-adocao-cna.

A

1 2 3A restrição à adoção internacional, seja pelo

lado das famílias estrangeiras que buscam crianças no Brasil, como das famílias brasileiras interessadas em adotar crianças estrangeiras;

O reduzido provimento de adoção por casais

homoafetivos ou por homens solteiros.

No grande interesse de famílias idôneas

estrangeiras que desejam adotar no Brasil, assim como, no também crescente número de famílias brasileiras interessadas em adotar crianças estrangeiras;

Na real disponibilidade dos abrigos, onde a

maioria das crianças para adoção estariam “fora do padrão" (criança branca com até 3 anos), ou seja, 77% de crianças e adolescentes pardos, indígenas ou negras; 73% têm irmãos; 20% têm problemas de saúde;

vidente que todo tabu é um preconceito. E, todo precon-ceito se origina de algum

lugar, fundamentado em razões coerentes históricas de um tempo passado específico. Razão pela qual arriscamos concluir que, consideran-do o texto atual do ECA sobre o conceito de família (Artigo 25, Pará-grafo Único e Artigo 39, § 1), ainda existe um elo restritivo muito grande para que os tabus acima indicados sejam efetivamente superados, não sendo mais tratados como exceções ou sobras no âmbito da adoção.

Por outro lado, não nos cabe julgar um casal que imponha restrições para adotar uma criança, uma vez que cerca de 80% dos pretendentes não têm filhos biológicos, sendo uma livre escolha, o que não há nada de errado.

Daí decorre o maior desafio atual do CNJ e das entidades voltadas para a adoção: educar passando conheci-mento de causa. É através da educa-

ção que se diminuirão os tabus em torno da família e da criança ideal. Esse trabalho requer mexer e ampliar os alicerces da sociedade brasileira tradicional, de maneira a desmistificar que o "padrão" é melhor ao não convencional.

Na realidade, são os laços do convívio e do afeto que efetivamente permitem formar uma família. Todo esse esforço tem uma justificativa: uma vez que a maioria dos lares de adoção, as crianças e os adolescen-tes entre 9 e 17 anos (são 75% dos abrigados) tentam superar o senti-mento do abandono, das suas famí-lias originárias e da rejeição dos candidatos à adotá-los. Isso acarreta consequências emocionais relevan-tes, que influenciam todo o futuro destes jovens, os quais acabam algu-mas vezes por ficar nos abrigos após a idade permitida.

Diante desta realidade, o trabalho do nosso escritório é voltado para colaborar na ampliação do contato e

na quebra destes tabus, seja pela capacitação na recepção de casos e de clientes adversos, pela interface internacional com entidades de boa reputação ou com os órgãos estatais relacionados ao tema, sempre objeti-vando a formação de laços familiares pautados no real contato afetivo que transcenda o quadro acima descrito. Sempre existirá alguém não "tradicio-nal" interessado em adotar, e, uma criança “fora do padrão" desejosa de ser adotada, cujas características peculiares não se tornem impedimen-tos para unir estas partes em um lar repleto de felicidade fundado em sólidos laços de família.

André [email protected]

www.bbadv.adv.br

1

E

A

2 3 No crescente número formal de casais

homoafetivos cuja união vem sendo chancelada pelo Poder Judiciário, e da modificação da postura social de homens solteiros independentes e desejosos de adotar para formar uma família sem a tradicional figura da "esposa".

lém do convencional, temos focado também em trabalhar para igualar as condições processuais das partes que enfrentam esses tabus às famílias tradicionais, dentro de uma realidade possível, uma vez que esses grupos adversos, atualmente representam uma parcela significativa da sociedade. Assim, temos pautado nossos trabalhos no seguinte: