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RDS VIII (2016), 2, 385-426 Organismos de investimento colectivo sob forma societária – Um novo tipo societário? DR.ª ANA ISABEL VIEIRA Sumário: I. Introdução: a) Excurso legislativo; b) Organismos de Investimento Colectivo; c) Organismos de Investimento Colectivo sob forma societária. II. Sociedades de Investi- mento Colectivo entre dois mundos: regime(s) jurídico(s). III. Aproximação: caracterização societária: a) Duração; b) Objecto social; c) Registo; d) Accionistas; e) Acções; f) Capital social; g) Gestão; h) Administração e fiscalização: i) Entidades autogeridas; ii) Entidades heterogeridas; i) Deliberações e direito de voto; j) Dissolução e liquidação. IV. Rejeição: incompatibilidades com o regime jurídico das sociedades comerciais: a) Composição, aumento, redução e intangibilidade do capital social e amortização de acções: i) A problemática do capi- tal social; ii) A composição do capital social; iii) Aumento do capital social; iv) Redução do capital social; v) Intangibilidade do capital social; vi) Amortização de acções; b) Constituição de reservas; c) Limitação da distribuição de bens aos accionistas; d) Regras de elaboração e prestação de contas; e) Regime de fusão, cisão e transformação de sociedades; f) Regime da aquisição tendente ao domínio total; g) Incompatibilidades por natureza e objecto específico. V. Natureza: um novo tipo societário? I. Introdução O objecto do presente estudo são os organismos de investimento colectivo sob forma societária 1 - 2 . 1 A actualidade do tema decorre, em primeira linha, da recente publicação do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro (o «RGOIC») que, transpondo diversas directivas europeias e unificando os regimes dispersos dos organismos de investimento colectivo mobiliários e imobiliários, procedeu a uma ordenação global destes organismos e consubstanciou a introdução de um verdadeiro regime geral do investimento colectivo. Os organismos de investimento colectivo (ou «OIC») assumem a forma contratual de fundo Book Revista de Direito das Sociedades 2 (2016).indb 385 Book Revista de Direito das Sociedades 2 (2016).indb 385 18/10/16 11:29 18/10/16 11:29

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Organismos de investimento colectivo sob forma societária – Um novo tipo societário?

DR.ª ANA ISABEL VIEIRA

Sumário: I. Introdução: a) Excurso legislativo; b) Organismos de Investimento Colectivo; c) Organismos de Investimento Colectivo sob forma societária. II. Sociedades de Investi-mento Colectivo entre dois mundos: regime(s) jurídico(s). III. Aproximação: caracterização societária: a) Duração; b) Objecto social; c) Registo; d) Accionistas; e) Acções; f) Capital social; g) Gestão; h) Administração e fi scalização: i) Entidades autogeridas; ii) Entidades heterogeridas; i) Deliberações e direito de voto; j) Dissolução e liquidação. IV. Rejeição: incompatibilidades com o regime jurídico das sociedades comerciais: a) Composição, aumento, redução e intangibilidade do capital social e amortização de acções: i) A problemática do capi-tal social; ii) A composição do capital social; iii) Aumento do capital social; iv) Redução do capital social; v) Intangibilidade do capital social; vi) Amortização de acções; b) Constituição de reservas; c) Limitação da distribuição de bens aos accionistas; d) Regras de elaboração e prestação de contas; e) Regime de fusão, cisão e transformação de sociedades; f) Regime da aquisição tendente ao domínio total; g) Incompatibilidades por natureza e objecto específi co. V. Natureza: um novo tipo societário?

I. Introdução

O objecto do presente estudo são os organismos de investimento colectivo sob forma societária1-2.

1 A actualidade do tema decorre, em primeira linha, da recente publicação do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro (o «RGOIC») que, transpondo diversas directivas europeias e unifi cando os regimes dispersos dos organismos de investimento colectivo mobiliários e imobiliários, procedeu a uma ordenação global destes organismos e consubstanciou a introdução de um verdadeiro regime geral do investimento colectivo. Os organismos de investimento colectivo (ou «OIC») assumem a forma contratual de fundo

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2 Os organismos de investimento colectivo («OIC») sob forma societária, apesar de previstos no ordenamento jurídico português desde 20033, fi caram a aguardar legislação especial4, permanecendo uma «possibilidade desejável»5 enquanto noutros países a fi gura já encontrava ampla aplicação. Só com a publicação do Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho, veio a ser possível a constituição de OIC sob forma societária: as sociedades de investimento mobi-liário e sociedades de investimento imobiliário. Não são, ainda hoje, a prefe-rência quando se constituem novos OIC, prevalecendo, com grande destaque, a opção pelos fundos de investimento6. Não obstante, a recente publicação do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei

de investimento ou a forma societária de sociedades de investimento (mobiliário ou imobiliário) as quais, por imposição do artigo 5.º do RGOIC, são sociedades anónimas. O presente trabalho, com as limitações que lhe são inerentes, constitui apenas uma primeira abordagem aos organismos de investimento colectivo sob forma societária, com a qual desejamos poder contribuir para o res-pectivo enquadramento dogmático.2 O investimento colectivo é um mecanismo de concatenação tendencialmente massifi cada de poupanças recolhidas junto de aforradores que, alocadas ao investimento em determinados acti-vos e sob gestão profi ssionalizada, visa rentabilizar os montantes investidos, retirando benefício da conglobação. A intervenção dos investidores limita-se essencialmente à entrega das poupan-ças; um conjunto de entidades externas independentes envolvidas no mecanismo de investimento assegura não só uma gestão especializada e altamente informada, como um conjunto de contra-pesos destinados à vigilância e fi scalização, que se justifi cam pela capacidade de acumulação de riqueza deste esquema colectivo. Os benefícios para os investidores são evidentes e alargam a base de angariação de capitais: não se exigem especiais conhecimentos de mercados ou investimento, não são chamados a participar de modo particularmente activo na direcção do veículo de investi-mento, as potenciais perdas fi cam exclusivamente limitadas ao montante investido e permitem a diversifi cação da aplicação de poupanças. Para uma caracterização mais desenvolvida do investi-mento colectivo confi ra-se, v.g., entre nós, Veiga, Alexandre Brandão da, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário – Regime Jurídico, Coimbra, Almedina, 1999, pp. 19 e ss. e passim, Câmara, Paulo, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 829 e ss. e Tomé, Maria João Romão Carreiro Vaz, Fundos de Investimento Mobiliário Abertos, Coimbra, Livraria Almedina, 1997, pp. 11 e ss.3 Quando foi publicado o Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro (o «RJOIC»). Cfr. o artigo 4.º/1 do RJOIC, determinando que os «OIC assumem a forma de fundo de investimento ou de sociedade de inves-timento mobiliário».4 Artigo 4.º/3 do RJOIC, remetendo as sociedades de investimento mobiliário para legislação especial.5 Câmara, Paulo, Manual…, cit., p. 838.6 De acordo com os dados disponibilizados pela CMVM com referência a Setembro de 2016, existe apenas um OIC sob forma societária, denominado NEXPONOR SICAFI S.A., cujo Relatório de Gestão relativo ao primeiro semestre de 2013 o apresenta como «o primeiro fundo de direito português sob forma societária», tendo sido autorizado pela CMVM a 28 de Fevereiro de 2013.

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n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro (o «RGOIC»), ao sistematizar e aprofundar a regulação destas sociedades, permite supor a constituição de novos OIC sob forma societária num futuro próximo, a julgar pelo interesse que o mercado tem mostrado pela fi gura.

Os OIC sob forma societária adoptam obrigatoriamente o tipo de socieda-des anónimas, por imposição do artigo 5.º/3 do RGOIC, pelo que à denomi-nação que identifi ca a espécie e tipo de OIC7 se adiciona a expressão «sociedade anónima» ou «S.A.», tal como resulta do artigo 275.º/1 do Código das Socie-dades Comerciais («CSC»).

Acresce que o artigo 11.º/1 do RGOIC determina expressamente a aplica-ção do regime do CSC aos OIC sob forma societária, salvo quando as normas do regime jurídico das sociedades comerciais se mostrem incompatíveis com a «natureza e o objecto específi cos» dos OIC, fi cando além disso excluída a aplicação aos OIC sob forma societária do regime das sociedades abertas consa-grado no Código dos Valores Mobiliários8 («CVM»).

Atenta a confi guração enunciada, procuramos com este estudo analisar e determinar se os OIC sob forma societária são verdadeiramente reconduzíveis ao tipo de sociedade comercial anónima, como o impõe o RGOIC, ou se, pelo contrário, a especifi cidade permitiria ir mais além. Desde logo, e como hipótese, podemos questionar se os OIC sob forma societária se poderiam con-fi gurar como um novo sub-tipo de sociedade anónima. Indo ainda mais longe, poderíamos até questionar se não faria sentido a criação de um novo tipo socie-tário. Essa fi gura poderíamos justamente apelidar apenas de sociedade de investi-mento colectivo9.

Para testar estas possibilidades, propomos analisar o regime dos OIC sob forma societária entre os dois regimes jurídicos que presentemente lhe dão forma: o regime das sociedades comerciais e o regime do investimento colec-tivo. Assim, e após breve enquadramento da evolução legislativa dos OIC em Portugal, que consideramos fundamental para perceber o regime actual, fare-mos uma aproximação às características societárias do objecto de estudo, aten-tando depois nos traços incompatíveis ditados pela natureza do investimento colectivo.

7 Artigo 6.º/3/4 do RGOIC.8 Artigo 11.º/7 do RGOIC.9 Apesar de o RGOIC distinguir entre sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, poderíamos designá-las conjunta e genericamente apenas por sociedades de investimento. No entanto, tal iria criar uma sobreposição com as sociedades de investimento enquanto tipo de sociedades fi nanceiras, pre-vistas no artigo 6.º/1 b) ii) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, publicado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro («RGICSF»). Assim sendo, propomos designá-las conjuntamente por sociedades de investimento colectivo.

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a) Excurso legislativo

A regulação jurídica dos OIC em Portugal conta já com uma experiência acumulada de mais de 50 anos.

Na origem temos o Decreto-Lei n.º 46 342, de 20 de Maio de 196510, que consagra, pela primeira vez entre nós, um quadro jurídico especifi camente aplicável aos fundos de investimentos e respectivas sociedades gestoras. Trata--se de um diploma relativamente pormenorizado que, ao longo de 17 artigos, estabelece os princípios e regras básicas aplicáveis a estes organismos, com o propósito, logo enunciado no seu artigo inicial, de «fomentar e promover a aplicação de capitais, sobretudo das pequenas e médias poupanças». Muitas das regras e princípios consagrados neste diploma pioneiro perduraram até aos dias de hoje e continuam refl ectidas actualmente no RGOIC.

A experiência portuguesa relativa aos fundos de investimento começou, todavia, no ano anterior: por despacho do Ministro das Finanças de 11 de Junho de 196411, foi autorizada a constituição da Sociedade de Administração e Gestão de Bens Imobiliários Atlântico, S.A.R.L., tendo por objecto exclu-sivo a administração, por conta dos participantes, do Fundo de Investimentos Atlântico («FIA»). Estava, assim, criado o primeiro fundo de investimento por-tuguês12, secundado, meses mais tarde, pelo Fundo de Investimentos para o Desenvolvimento Económico e Social («FIDES»)13. Com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 46 342 estes dois fundos passaram a reger-se por ele14.

10 Publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 112. Este diploma surge no contexto da publi-cação do Decreto-Lei n.º 46 302, de 27 de Abril de 1965, que estabeleceu normas gerais básicas para o exercício da actividade das instituições parabancárias não compreendidas no Decreto-Lei n.º 41 403, de 27 de Novembro de 1957 (que havia reorganizado todo o sistema de crédito e da estrutura bancária), onde incluía (e qualifi cava como «instituições parabancárias») as «sociedades gestoras de fundos de investimentos mobiliários ou imobiliários» (cfr. o respectivo artigo 1.º/1).11 Publicado no Diário do Governo, III Série, n.º 145, de 22 de Junho de 1964.12 Passeiro, José Manuel, «A Sociedade Moçambicana de Administração e Gestão de Bens», in Boletim Trimestral dos Serviços de Estudos Económicos do B.N.U., 70-71, 1967, pp. 43-135 (53). O Autor nota, a este respeito, que «como todas as fi guras novas, criadas pelas necessidades sociais, os fundos de investimento também em Portugal se anteciparam ao direito, não só do ponto de vista da sua regulamentação genérica como da defi nição da sua natureza jurídica». Nesse sentido, o despacho do Ministro das Finanças de 11 de Junho de 1964 «teve de defi nir algumas condições básicas que fl uíam do respectivo regulamento de gestão integrado na aprovação específi ca con-cedida» (ob. cit., p. 53).13 Em 9 de Abril de 1965, por despacho do Ministro das Finanças, publicado no Diário do Governo, III Série, n.º 94, de 21 de Abril de 2964, foi efectivamente autorizada a constituição da sociedade anónima denominada SOGESTIL, Sociedade de Gestão de Títulos, S.A.R.L, com o objecto exclusivo de administração, por conta dos participantes, do FIDES. Também neste caso, inexis-

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14 Entretanto, as alterações radicais provocadas no tecido económico-fi nan-ceiro pela revolução de 25 de Abril de 1974 atingiram inevitavelmente o uni-verso dos fundos de investimento: o FIA e o FIDES foram nacionalizados em 197615 e, com isso, o ainda incipiente mercado português de fundos de inves-timento eclipsou-se e entrou em hibernação nos anos que se lhe seguiram.

A matéria só voltou a ser retomada em 1985, com a publicação do Decre-to-Lei n.º 134/85, de 2 de Maio, que veio estabelecer um novo regime jurídico aplicável à constituição e funcionamento dos fundos de investimento mobi-liário e das respectivas sociedades gestoras. Tratou-se, no essencial, de uma actualização (e revogação) do Decreto-Lei n.º 46 342, e não propriamente de uma ruptura ou densa reforma face ao quadro jurídico oriundo dos anos 196016. O intuito era, pois, o relançamento do mercado de fundos de investimento em Portugal17. Nesse quadro é ainda publicado o Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de Julho, que se ocupou especifi camente dos fundos de investimento imobiliário18.

Em 1988, com a publicação do Decreto-Lei n.º 229-C/88, de 4 de Julho, deu-se um novo passo, de tendência liberalizadora19: unifi cou-se o regime apli-

tindo ainda o regime jurídico introduzido pelo Decreto-Lei n.º 46 342, de 20 de Maio de 1965, o referido despacho do Ministro das Finanças teve de defi nir, à partida, um conjunto de regras aplicáveis ao FIDES e à respectiva entidade gestora. Sobre a matéria cfr. Passeiro, José Manuel, «A Sociedade Moçambicana…», cit., p. 53.14 O artigo 21.º do diploma prevê, com efeito, que os fundos e as sociedades gestoras já em fun-cionamento à data da sua publicação dispõem de um prazo de seis meses para se adaptarem às disposições nele contidas.15 Cfr. o Decreto-Lei n.º 539/76, de 9 de Julho, que procede à nacionalização dos direitos dos titulares de participações no FIA e no FIDES (artigo 1.º), aos quais foram atribuídos, como indem-nização, títulos de dívida pública (artigo 2.º). No respectivo preâmbulo reconhece-se a natureza «especialmente sensível» da nacionalização, atendendo ao facto de os titulares de participações nos dois fundos «representarem, em larga escala, pequenos e médios investidores, com destaque para os emigrantes». A este tipo de investidores é, por isso, conferido tratamento diferenciado, «privilegiando-os relativamente aos grandes aforradores».16 A nova lei estrutura-se em torno de 36 artigos, face aos já referidos 17 artigos do Decreto-Lei n.º 46 342.17 No preâmbulo do diploma reconhece-se só então (1985) estarem reunidas as «necessárias con-dições de estabilidade político-social e de clarifi cação dos mecanismos fi nanceiros da economia» que permitissem o relançamento do mercado de fundos de investimento em Portugal.18 Tal como reconhecido no próprio preâmbulo, este diploma «segue de muito perto» a disciplina contida no Decreto-Lei n.º 134/85, «com as especialidades que derivam dos diferentes valores que irão compor os fundos» (in casu, no essencial, activos imobiliários).19 Cfr. Veiga, Alexandre Brandão da, Fundos de Investimento…, cit., p. 29.

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cável aos fundos de investimento mobiliário e imobiliário20, criou-se a fi gura dos fundos de investimento fechados e passou a permitir-se que uma sociedade gestora pudesse gerir mais do que um fundo.

Entretanto havia já sido inaugurado um importante movimento de unifor-mização dos fundos de investimento mobiliário a nível europeu, materializado na Directiva 85/611/CEE do Conselho de 20 de Dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respei-tantes a alguns organismos de investimento colectivo em valores mobiliários («OICVM»)21 e desde então internacionalmente (re)conhecida como «Direc-tiva UCITS». Trata-se de um regime denso, com 59 artigos, que vem acres-centar um nível muito pormenorizado de regulação dos OICVM, organismos necessariamente abertos e cuja carteira é essencialmente composta por valores mobiliários. Além da uniformização visava-se a respectiva circulação no espaço europeu numa lógica de passaporte e comercialização transfronteiriça.

A Directiva UCITS apenas foi transposta para o ordenamento jurídico por-tuguês em 1994 por intermédio do Decreto-Lei n.º 276/94, de 2 de Novem-bro22. Estava, assim, inaugurada a fase europeia da regulamentação dos OIC em território português, num passo irreversível até aos dias de hoje. Fruto desta transposição, o legislador português tomou a opção de voltar a cindir o regime dos fundos de investimento mobiliário e dos fundos de investimento imobiliá-rio, optando ainda por manter, num nível não harmonizado, o tipo de fundos fechados.

Para o nosso trabalho importa ainda sublinhar um aspecto nuclear, logo anunciado no próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 276/94: usando as prer-rogativas oferecidas pela Directiva, optou-se por não acolher no espaço portu-guês a fi gura, prevista na própria Directiva, dos OICVM sob forma societária.

No plano imobiliário, a opção de cisão de regimes operada pelo Decre-to-Lei n.º 276/94, e que viria a perdurar nas duas décadas seguintes, impli-cou a publicação de um novo regime especifi camente aplicável aos fundos de

20 Assim se revogando os então ainda relativamente recentes Decreto-Lei n.º 134/85 e Decreto--Lei n.º 246/85.21 Publicada no Jornal Ofi cial n.º L 375 de 31/12/1985.22 Sucessivamente alterado, v.g., pelo Decreto-Lei n.º 308/95, de 20 de Novembro, pelo Decre-to-Lei n.º 323/97, de 26 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 323/99, de 13 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 62/2002, de 20 de Março. Particular relevo merecem as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 323/99, que procedeu a uma ampla alteração do regime então vigente com o intuito de o modernizar e de, conforme declarado no respectivo preâmbulo, «assegurar as con-dições no plano normativo para a preservação e o incremento do dinamismo da gestão, da inova-ção e da competitividade internacional dos fundos de investimento mobiliário, através da redução possível dos custos de supervisão e das restrições à liberdade de gestores e fundos».

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investimento imobiliário: o Decreto-Lei n.º 294/95, de 17 de Novembro23, posteriormente substituído pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de Março, que aprovou o Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário («RJFII»)24 e que vigorou, ainda que com várias alterações25, até à entrada em vigor do RGOIC, em 2015.

Regressando ao terreno, mais acidentado, dos organismos de investimento mobiliário, o destaque seguinte vai para a publicação, em 2003, do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo («RJOIC»), pelo Decre-to-Lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro26. A necessidade de reforma resultou essencialmente da própria revisão do regime de Direito europeu introduzido pela Directiva UCITS27. Estamos já perante um diploma com 83 artigos e ele-vada especialização.

Na viragem da anterior para a actual década assistiu-se, a nível europeu, a um amplo movimento reformista e uniformizador, que culminou na aprovação de dois instrumentos jurídicos de incontornável importância: (i) a Directiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Julho de 2009, que reforma o regime dos OICVM (Directiva UCITS 4)28; e (ii) a Direc-

23 Posteriormente alterado, v.g., pelo Decreto-Lei n.º 323/97, de 26 de Novembro.24 Situando-se num plano de continuidade face ao regime de 1995, o RJFII visava, no entanto – em linha com a reforma do regime dos fundos de investimento mobiliário operada pelo Decre-to-Lei n.º 323/99 –, desenvolver «com base na experiência adquirida, a evolução então iniciada, bem como, na sequência dos objectivos subjacentes à aprovação do Código dos Valores Mobiliá-rios, em 1999, dotar o regime jurídico de acrescida simplicidade e fl exibilidade, sem prejuízo de medidas de rigor e inovação» (cfr. o respectivo preâmbulo).25 Entre elas as introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 13/2005, de 7 de Janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, pelo Decre-to-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de Novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho.26 Sucessivamente alterado, v.g., pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, pelo Decreto--Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 148/2009, de 25 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho.27 O diploma procede, efectivamente, à transposição das Directivas n.os 2001/107/CE e 2001/108/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, ambas de 21 de Janeiro de 2002 que, alterando a Directiva UCITS, introduziram signifi cativas modifi cações no quadro europeu aplicável aos OICVM e às respectivas entidades gestoras. Conforme refere o próprio preâmbulo do decreto-lei que aprova o RJOIC, as alterações que as novas directivas vieram impor podem ser sintetizadas em três grandes áreas: (i) a do operador, designada por sociedade gestora; (ii) a do produto, ou seja, o próprio OICVM; e (iii) a da informação a prestar aos investidores.28 Publicada no Jornal Ofi cial n.º L 302 de 17/11/2009. Esta directiva revoga a originária Directiva UCITS (1), de 1985, e respectivas directivas de reforma (Directivas UCITS 2 e UCITS 3). Em implementação da Directiva UCITS 4 foram ainda publicadas duas outras directivas: (i) a Direc-tiva n.º 2010/42/UE da Comissão de 1 de Julho de 2010 (que aplica a Directiva UCITS no que respeita a certas disposições relativas a fusões de fundos, estruturas de tipo principal/de alimen-

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tiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de Junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativo (Directiva AIFMD)29.

Ao lado da Directiva UCITS, que regula o produto (OICVM) e os gesto-res, passa assim a coexistir a Directiva AIFMD que regula, no essencial, apenas os gestores de todos os organismos de investimento colectivo que não sejam OICVM: ditos, portanto, organismos de investimento alternativo. São dois pilares que abrangem praticamente toda a indústria relevante do investimento colectivo no espaço europeu e que, além dos correspondentes diplomas nacio-nais de transposição, contam ainda com inúmeros regulamentos europeus dele-gados e de execução30.

tação e procedimentos de notifi cação) ( Jornal Ofi cial n.º L 176 de 10/07/2010); e (ii) a Directiva n.º 2010/43/UE da Comissão de 1 de Julho de 2010 (que aplica a Directiva UCITS no que diz respeito aos requisitos organizativos, aos confl itos de interesse, ao exercício da actividade, à ges-tão de riscos e ao conteúdo do acordo celebrado entre o depositário e a sociedade gestora) ( Jor-nal Ofi cial n.º L 176 de 10/07/2010). Entretanto, a própria Directiva UCITS 4 foi já objecto de alteração pela Directiva n.º 2014/91/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Julho de 2014 (Directiva UCITS 5), publicada no Jornal Ofi cial n.º L 257 de 28/08/2014 e em curso de transposição em Portugal.29 Publicada no Jornal Ofi cial n.º L 174 de 01/07/2011.30 Assim, no universo UCITS temos: (i) o Regulamento (UE) n.º 583/2010 da Comissão de 1 de Julho de 2010 (relativo às informações fundamentais destinadas aos investidores e às condi-ções a respeitar no fornecimento das informações fundamentais destinadas aos investidores ou do prospecto num suporte duradouro diferente do papel ou através de um sítio web) ( Jornal Ofi cial n.º L176 de 10/07/2010); (ii) o Regulamento (UE) n.º 584/2010 da Comissão de 1 de Julho de 2010 (relativo à forma e conteúdo da minuta de carta de notifi cação e da certidão dos OICVM, à utilização de comunicações electrónicas entre autoridades competentes para efeitos de notifi ca-ção e aos procedimentos a seguir para as verifi cações no local, para as investigações e para a troca de informações entre autoridades competentes) ( Jornal Ofi cial n.º L176 de 10/07/2010); e (iii) o Regulamento Delegado (UE) n.º 2016/438 da Comissão de 17 de Dezembro de 2015 (relativo às obrigações dos depositários) ( Jornal Ofi cial n.º L 78 de 24/03/2016).Por seu turno, no universo AIFMD temos: (i) o Regulamento Delegado (UE) n.º 231/2013 da Comissão de 19 de Dezembro de 2012 (relativo às isenções, condições gerais de funciona-mento, depositários, efeito de alavanca, transparência e supervisão) ( Jornal Ofi cial n.º L 83 de 22/03/2013); (ii) o Regulamento de Execução (UE) n.º 447/2013 da Comissão de 15 de Maio de 2013 (que estabelece os procedimentos para os gestores de fundos de investimento alternativo que optem por ser abrangidos pela Directiva AIFMD) (Jornal Ofi cial n.º L 132 de 16/05/2013); (iii) o Regulamento de Execução (UE) n.º 448/2013 da Comissão de 15 de Maio de 2013 (que estabelece um procedimento para determinar o Estado-Membro de referência de um gestor de fundos de investimento alternativo extra-UE) (Jornal Ofi cial n.º L 132 de 16/05/2013); e (iv) o Regulamento Delegado (UE) n.º 694/2014 da Comissão de 17 de Dezembro de 2013 (relativo às normas técnicas de regulamentação que determinam os tipos de gestores de fundos de inves-timento alternativo) ( Jornal Ofi cial n.º L 183 de 24/06/2014).

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Neste novo quadro europeu surge, em Portugal, primeiramente, o Novo Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo («NRJOIC»), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63-A/2013, de 10 de Maio, que vem substituir o RJOIC e transpor totalmente a Directiva UCITS 4 e parcialmente a Direc-tiva AIFMD31.

O movimento estava, no entanto, incompleto: perante a nova categoria dos organismos de investimento alternativo (basicamente: todos os organismos que não fossem OICVM) introduzida pela Directiva AIFMD, tornou-se ine-vitável abranger também o investimento imobiliário. Estavam, assim, reunidas as condições para reunifi car os dois universos separados quase vinte anos antes e, mais do que isso, avançar para a criação de um verdadeiro regime geral dos organismos de investimento colectivo: o RGOIC, entrado em vigor em 26 de Março de 2015.

Dos 17 artigos do diploma inicial de 1965 passámos para uns impressio-nantes 278 artigos do RGOIC, complementados, como supra referido, por diversos regulamentos europeus, além da própria regulamentação aprovada pela CMVM32. Quando a matéria estiver mais estabilizada e maturada poderá eventualmente avançar-se um passo mais e elaborar um verdadeiro código do investimento colectivo33. Veremos o que o futuro nos reserva para os próximos anos.

No início da presente década deu-se ainda em Portugal uma outra reforma de suprema importância dogmática e prática: a revisão do RJOIC e do RJFII no sentido de se permitir a constituição de OIC sob forma societária34. O legis-lador nacional abandonou, assim, fi nalmente, o dogma enunciado na reforma de 1994 quanto à inviabilidade desse tipo de organismos no espaço português e alinhou-se com a prática generalizada no estrangeiro35. A partir de 2010 passou,

31 Na parte respeitante ao universo mobiliário, ou seja, no essencial, aos organismos de investi-mento alternativo em valores mobiliários.32 O diploma central é, actualmente, o Regulamento da CMVM n.º 2/2015, também ele bastante extenso: 108 artigos e 14 anexos.33 Como, de resto, já se sucedeu na Alemanha, em 2013, com a publicação do Kapitalanlagege-setzbuch (KAGB).34 Reforma materializada no Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho. Conforme já referido, a possibilidade de constituição de OICVM sob forma societária estava, de resto, já prevista no RJOIC de 2003 (artigo 4.º), mas fi cou a aguardar a competente regulamentação. Até 2010.35 O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 71/2010 reconhece-o sem subterfúgios: «esta fi gura benefi cia, desde há longa data, tanto de reconhecimento pelo direito comunitário como de forte implan-tação em diversos Estados membros da União Europeia. A adopção da forma societária para a constituição de OICVM e de FII tem em vista possibilitar aos agentes económicos nacionais a competição em regime de plena igualdade, designadamente com as sociedades de investimento

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assim, a ser possível constituir, em Portugal, sociedades de investimento mobi-liário e de investimento imobiliário. Em 2015 o RGOIC retomou a matéria, aprofundando-a. Estão, assim, lançadas as bases para a generalização deste tipo de organismos, em plena concorrência com os fundos de investimento e com os OIC de base societária estrangeiros.

b) Organismos de Investimento Colectivo

Defi nem-se como organismos de investimento colectivo «as instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fi m o investimento colectivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes»36.

Estes organismos podem ser abertos ou fechados, distinção com conse-quências essenciais nos OIC sob forma societária. Assim, os organismos abertos, por permitirem a todo o tempo a entrada (e saída) de participantes, mantêm um número variável de unidades de participação, pelo que o seu capital varia em função das subscrições e dos resgates de unidades de participação. Inversa-mente, os organismos fechados não permitem a entrada (e saída) contínua de participantes37 mantendo, por isso, um nível fi xo de capital, excepto nas situa-ções de aumento ou de redução.

Os OIC dividem-se ainda, no que respeita ao objecto e às regras de inves-timento, em: (i) organismos de investimento colectivo em valores mobiliá-rios, ou «OICVM», que são sempre abertos; e (ii) organismos de investimento alternativo, ou «OIA», que tanto podem ser abertos como fechados, e que constituem um conjunto heterogéneo que congrega todos os organismos de investimento que não sejam OICVM38.

Entre os OIA, enquanto categoria residual, podemos encontrar, v.g.: (i) os organismos de investimento em capital de risco («OICR»), os fundos de empreendedorismo social («FES») e os organismos de investimento alterna-tivo especializado («OIAE»)39, regidos por legislação especial; (ii) os organis-

mobiliários de capital variável estrangeiras, que de forma cada vez mais intensa têm vindo a ser comercializadas em Portugal».36 Artigo 2.º/1 aa) do RGOIC.37 Ressalva-se, naturalmente, a possibilidade de transmissão de unidades de participação em mer-cado secundário.38 Artigo 2.º/1 aa) do RGOIC.39 Artigo 1.º/2 ex vi do artigo 2.º/1 aa) ii) do RGOIC.

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mos de investimento alternativo em valores mobiliários («OIAVM»), enquanto organismos (abertos ou fechados) cujo objecto é o investimento colectivo em valores mobiliários ou outros activos fi nanceiros; (iii) os organismos de inves-timento imobiliário («OII»), organismos abertos ou fechados cujo objecto é o investimento em activos imobiliários; e (iv) os organismos de investimento em activos não fi nanceiros («OIAnF»), organismos necessariamente fechados cujo objecto inclui o investimento em activos não fi nanceiros que sejam bens dura-douros e tenham valor determinável40.

Por imposição legal41, a denominação individual de cada OIC identifi ca inequivocamente a espécie – fundo ou sociedade – e o tipo – mobiliário ou imobiliário –, a que se reconduz.

Nota-se ainda que os OIC estão sujeitos a um princípio de tipicidade, o que signifi ca que só podem ser constituídos os OIC previstos no RGOIC ou em legislação especial42.

c) Organismos de Investimento Colectivo sob forma societária

Os OIC sob forma societária dividem-se, por sua vez, como já referido, em Sociedades de Investimento Mobiliário («SIM») e em Sociedades de Inves-timento Imobiliário («SII»)43.

Os OICVM, OIAVM e OIAnF adquirem expressão societária nas SIM, enquanto as SII expressam a forma societária dos OII.

Os OIC abertos, quando assumam forma societária, correspondem a socie-dades de investimento de capital variável, signifi cando que o seu capital social varia em função de subscrições e resgates contínuos, i.e., da emissão ou resgate das acções representativas do seu capital social.

Do mesmo modo, os OIC sob forma societária fechados são sociedades cujo capital é defi nido no momento da sua constituição, e apenas alterado mediante operações de aumento ou de redução do capital social44; designam-se, assim, por sociedades de investimento colectivo de capital fi xo.

As SIM de capital variável que correspondam à categoria dos OICVM assumem a designação de «SICAV», à qual é acrescentado o vocábulo «inves-

40 Artigo 2.º/1 aa) do RGOIC.41 Artigo 6.º/1 do RGOIC.42 Artigo 4.º/1 do RGOIC.43 Artigo 5.º/2 do RGOIC.44 Artigo 50.º/4 do RGOIC.

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timento alternativo» no caso dos OIAVM45. Por seu turno, às SII de capital variável é reservada a expressão «SICAVI – investimento alternativo»46.

Da mesma forma, as SIM de capital fi xo assumem a designação de «SICAF – investimento alternativo», quer correspondam a OIAVM quer a OIAnF47. Congruentemente, às SII de capital fi xo fi ca reservada a designação «SICAFI – investimento alternativo»48.

Uma outra classifi cação, desta feita apenas aplicável aos OIC sob forma societária, corresponde à distinção entre sociedades de investimento colectivo autogeridas e heterogeridas49. No primeiro caso, similarmente aos fundos de investimento, é designada uma entidade gestora (externa) cuja função será assu-mir a gestão da sociedade50; no segundo caso, as sociedades de investimento colectivo assumem a sua própria gestão, como qualquer sociedade comercial, o que nunca sucede com os fundos de investimento, justamente por não terem personalidade jurídica.

Fora do âmbito do RGOIC fi cam as formas societárias de investimento em capital de risco e empreendedorismo social, cuja regulação consta do Regime Jurídico do Capital de Risco, do Empreendedorismo Social e do Investimento Especializado, aprovado pela Lei n.º 18/2015, de 4 de Março.

Organizámos no quadro abaixo a correspondência entre as categorias gerais dos OIC e as equivalentes formas societárias, para melhor compreensão.

45 Os OIAnF são sempre organismos fechados, não podendo, portanto, assumir a forma de SIM de capital variável.46 De jure condendo poderá reavaliar-se esta imposição de fi rma. De facto, a parcela «investimento alternativo» fará sentido para distinguir as SICAV que sejam OICVM das SICAV que sejam OIAVM. Mas o vocábulo «investimento alternativo» aplicável às SII tem escassa utilidade na medida em que estas são sempre organismos de investimento alternativo.47 Os OICVM são sempre organismos abertos, não podendo, portanto, assumir a forma de SIM de capital fi xo.48 De jure condendo, como já referido, defende-se a eliminação neste caso do vocábulo «investi-mento alternativo».49 Artigo 11.º/3 do RGOIC.50 A relação entre o OIC e a entidade gestora formaliza-se mediante celebração de um contrato de gestão, tal como previsto no artigo 55.º/1 do RGOIC.

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correspondência entre categorias gerais de oic e formas societárias equivalentes

OIC (categorização geral) OIC sob forma societária

OICVM abertos SICAV

SIM

OIA

OIAVM

abertosSICAV – investimento

alternativo

fechadosSICAF – investimento

alternativo

OIAnF fechadosSICAF – investimento

alternativo

OII

abertosSICAVI – investimento

alternativoSII

fechadosSICAFI – investimento

alternativo

II. Sociedades de Investimento Colectivo entre dois mundos: regi-me(s) jurídico(s)

Levanta algumas difi culdades ao intérprete a redacção do artigo 11.º/1 do RGOIC, quando determina que os OIC sob forma societária se regem pelo RGOIC «e ainda pelo disposto no Código das Sociedades Comerciais», salvo quando as normas do regime societário se mostrem incompatíveis com a natu-reza e objecto específi cos dos OIC sob forma societária e com o RGOIC.

Deixando para já temporariamente de lado as questões de incompatibilidade entre o RGOIC e o CSC, cumpre perguntar se na regulação das sociedades de investimento colectivo, a legislação societária deve ser considerada parale-lamente ao RGOIC, ou apenas como recurso em casos de omissão normativa.

Recordando o artigo 2.º do CSC, com a epígrafe direito subsidiário, consta-ta-se que o legislador determinou que os casos não previstos fossem regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos e, (apenas) «na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade»51 [sublinhado nosso].

51 Furtado, Jorge Henrique Pinto, Curso de Direito das Sociedades, 5.ª edição, Coimbra, Alme-dina, 2004, p. 52, caracteriza-a como uma «devolução sucessiva em dois graus».

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Os casos omissos são primeiro disciplinados por recurso à integração das restan-tes normas do CSC e só depois por recurso ao Código Civil.

O legislador do RGOIC não recorreu a expressão equivalente que torne inequívoco que a aplicação do CSC é (meramente) subsidiária; antes indica uma paridade, a ser afastada em casos de incompatibilidade52.

Essas incompatibilidades encontram-se enunciadas no artigo 11.º/2 do RGOIC e, sem prejuízo de normas particularizando outros aspectos incom-patíveis com a «natureza e objecto específi cos» dos OIC sob forma societária, dizem respeito: a) à composição, aumento, redução e intangibilidade do capital social e amortização de acções; b) à constituição de reservas; c) à limitação de distribuição de bens aos accionistas; d) às regras relativas à elaboração e presta-ção de contas; e) ao regime de fusão, cisão e transformação de sociedades; e f) ao regime da aquisição tendente ao domínio total53.

III. Aproximação: caracterização societária

Ainda que só concretizada em Portugal em 2010, a possibilidade de os OIC poderem assumir forma societária (prevista desde a publicação do RJOIC em 2003) já era bem acolhida pela escassa doutrina nacional que se havia pronun-ciado sobre a matéria54.

A introdução em Portugal de «OIC personalizados», por oposição aos fun-dos de investimento enquanto «OIC não personalizados»55 vinha, de resto, na linha de práticas já fi rmadas noutros Estados-Membros da União Europeia

52 Em termos gramaticais estamos perante uma conjunção, cuja função é relacionar duas noções ou dois termos semelhantes de uma mesma oração.53 Vide, de modo mais desenvolvido, o Cap. IV infra.54 Cfr., v.g., Veiga, Alexandre Brandão da, «Três Problemas Dogmáticos dos Fundos de Inves-timento», in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 8, 2000, pp. 1-7; Gonçalves, Renato, «Breves notas justifi cativas da introdução de Sociedades de Investimento de Capital Variável no Ordenamento Jurídico Português», in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 17, 2003, pp. 169-176; e Câmara, Paulo, Manual…, cit., p. 839.55 Gonçalves, Renato, «Breves notas…», cit., p. 169. A questão da personalidade jurídica dos fundos de investimento (ou a falta dela) tem consequências jurídicas essenciais, que levaram parte da doutrina a defender a introdução dos trusts como forma de conferir maior «elasticidade» aos esquemas de investimento. Alexandre Brandão da Veiga já tinha defendido que «é mais con-sistente e tem menos implicações sistémicas reformular as modalidades de organização da pessoa colectiva que importar fi guras como o trust ou a propriedade fi duciária. As alterações sistémicas exigidas são apesar de tudo muito menores e produzem portanto menores choques no sistema jurídico, tendo assim menores riscos de gerar lacunas, sobreposições ou inconsistências» (cfr. Veiga, Alexandre Brandão da, «Três Problemas Dogmáticos …», cit., p. 7).

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onde tinham adquirido expressão relevante, designadamente o Luxemburgo, a França e a Itália, sob a forma de sociedades anónimas e com a designação comum de sociedades de investimento de capital variável, ou «SICAV»56.

Por comparação com os fundos de investimento duas diferenças essenciais defi nem todo o regime dos OIC sob forma societária: a titularidade e a gestão do património57.

A titularidade do património dos OIC sob forma societária, e ao contrário dos fundos – patrimónios autónomos e sem personalidade jurídica onde os activos pertencem aos participantes no regime geral de comunhão58 –, encon-tra-se na esfera das sociedades, «visto que os activos por estas captados junto do público vão integrar o património social, o qual se encontra afecto ao investi-mento numa carteira (…), que pertence à sociedade»59_60.

A gestão do património das sociedades de investimento colectivo pode também caber à entidade que é sua titular uma vez que nos termos do artigo 11.º do RGOIC «os organismos de investimento colectivo sob forma societária podem ser heterogeridos ou autogeridos consoante designem ou não uma ter-ceira entidade para o exercício da respectiva gestão». A opção pela autogestão não é dada aos fundos de investimento.

Importa, por isso, começar por caracterizar sumariamente os OIC sob forma societária enquanto formas societárias de organização, atentando nos seus elementos nucleares.

a) Duração

No geral os OIC sob forma societária podem ter duração indeterminada. Mas importa reter uma importante excepção: as sociedades de investimento

56 Gonçalves, Renato, «Breves notas…», cit., p. 170. 57 Gonçalves, Renato, «Breves notas…», cit., p. 170. É elucidativo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 71/2010: «os fundos sob forma contratual pressupõem um maior afastamento dos participantes em relação às decisões de gestão relacionadas com o fundo, uma vez que a ausência de personali-dade jurídica implica uma necessária dissociação entre a propriedade do património (dos investi-dores) e a respectiva gestão económica (a cargo de uma entidade gestora)».58 Artigo 2.º/1 u) do RGOIC.59 Gonçalves, Renato, em «Breves notas…», cit., p. 171, a propósito de SICAV mas cuja funda-mentação é plenamente aplicável à generalidade das sociedades de investimento colectivo.60 Alexandre Brandão da Veiga, num trabalho ainda publicado em 2000 e defendendo a exis-tência de «fundos com forma societária», encara positivamente a solução em que o «titular dos activos do fundo seria assim o próprio fundo». Vide Veiga, Alexandre Brandão da, «Três Pro-blemas Dogmáticos…», cit., p. 6.

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colectivo de capital fi xo têm uma duração máxima de 10 anos, ainda que pror-rogável por períodos não superiores ao inicial; só assim não será se tiverem sido admitidas à negociação em mercado regulamentado61.

b) Objecto social

Sendo OIC, o objecto das sociedades de investimento colectivo consiste unicamente na captação de capital recebido junto do público para o investir, no exclusivo interesse dos participantes, em valores mobiliários, activos imo-biliários e activos não fi nanceiros, dependendo da categoria de investimento62.

c) Registo

De forma idêntica às sociedades comerciais que «existem como tais a partir da data do registo defi nitivo» do contrato de sociedade63, os OIC sob forma societária consideram-se «constituídos na data do registo comercial do respec-tivo contrato de sociedade»64. Todavia, é condição prévia à constituição a auto-rização da CMVM65_66.

d) Accionistas

Os titulares de unidades de participação de OIC denominam-se participan-tes. No RGOIC as referências feitas a participantes e a unidades de participação abrangem também os accionistas e as acções das sociedades de investimento colectivo67. O estado de accionista «adquire-se no momento da subscrição das

61 Artigo 62.º/7 do RGOIC.62 Artigo 1.º/2 aa) do RGOIC.63 Artigo 5.º do CSC.64 Artigo 19.º/4 a) do RGOIC.65 Artigo 19.º/1 do RGOIC.66 É legítimo perguntar se a confi guração do regime legal implica sempre a constituição ex novo de uma sociedade, ou se uma sociedade anónima previamente constituída se pode convolar em sociedade de investimento colectivo. Somos da opinião de que, apesar de o regime legal ser cons-truído com base no paradigma de constituição ex novo da sociedade, não será incompatível com aquele o aproveitamento de uma sociedade anónima pré-existente para o efeito de constituir um OIC sob forma societária, até porque essa constituição será sempre sujeita a autorização da CMVM.67 Salvo quando o contrário resultar da própria disposição. Cfr. o artigo 7.º/3 do RGOIC.

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unidades de participação com o pagamento do respectivo valor, ou da respec-tiva aquisição em mercado, e cessa no momento da extinção das unidades de participação no âmbito de operação de resgate, reembolso, liquidação ou fusão do organismo de investimento colectivo, ou da alienação em mercado» 68.

O artigo 14.º do RGOIC confere aos accionistas os direitos fundamentais de: (i) receber as acções tituladas ou, quando estas sejam escriturais, de cons-tarem inscritos como seus titulares na conta de registo; (ii) informação; e (iii) receber o montante, ou activo correspondente ao valor do resgate, do reem-bolso ou do produto da liquidação das suas acções.

O direito a receber as acções ou a constarem inscritos como seus titulares é a con-sequência do pagamento integral do preço de subscrição da participação do accionista nas sociedades de investimento colectivo. Sendo as acções dos OIC sob forma societária nominativas, é ainda essencial que o nome do accionista conste do título ou, no caso das acções escriturais, no respectivo registo em conta69.

O direito de informação dos accionistas começa, na verdade, antes de adqui-rido esse estatuto: na qualidade de interessado na aquisição de acções de uma sociedade de investimento colectivo tem de lhe ser facultado gratuitamente um documento contendo as informações fundamentais sobre o investimento70. Adquirida a qualidade de accionista, o direito de informação individualizado71 tem como correlativo os deveres de informação da entidade gestora relativa-mente aos participantes72. Este direito surge com especial relevo nas situações em que se verifi cam modifi cações na estrutura do OIC73.

O direito ao reembolso é consequência das situações de desinvestimento e liquidação do OIC, a fi nal, a razão da própria existência do investimento colectivo74.

68 Artigo 9.º/2 do RGOIC.69 Quanto a nós será uma questão de legitimação, quer passiva, quer activa, nos termos dos arti-gos 55.º e 56.º do CVM.70 Artigo 14.º/1 do RGOIC. Excepto quanto a OIA de subscrição particular ou dirigidos exclusi-vamente a investidores qualifi cados, caso em que não existe documento com informações funda-mentais destinados aos investidores (cfr. artigo 153.º/8 do RGOIC); no caso dos OIA de subscrição particular terá de ser facultado apenas o regulamento de gestão, ao passo que nos OIA destinados exclusivamente a investidores qualifi cados existirá ainda o documento informativo, previsto no artigo 221.º do RGOIC.71 Na terminologia de Veiga, Alexandre Brandão da, Fundos de Investimento…, cit., p. 369.72 Cfr., v.g., os artigos 26.º, 57.º/1 b), 80.º/5 e 81.º do RGOIC.73 Cfr., a título meramente exemplifi cativo, os artigos 36.º e 37.º para situações de fusão e os artigos 25.º e 26.º para alterações dos documentos constitutivos, todos do RGOIC.74 Cfr., v.g., os artigos 9.º/3, 18.º, 45.º/4 e 62.º/2 do RGOIC.

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O exclusivo interesse dos participantes norteia a criação dos OIC e preside a toda a sua actividade75, como várias vezes o legislador evidencia76, e só esse interesse poderá justifi car medidas excepcionais, como a suspensão de opera-ções de subscrição ou resgate77 e a recusa ou revogação de autorização para a constituição de OIC78.

Tão importante quanto este interesse, só o interesse «público» ou da «inte-gridade e regular funcionamento do mercado», estes a serem protegidos pelas entidades supervisoras, maxime a CMVM79.

e) Acções

O capital social dos OIC sob forma societária é dividido em acções nomi-nativas sem valor nominal80, pelo que o valor das acções81 se determina divi-dindo o valor líquido global82 do OIC pelo número de acções em circulação83.

As acções podem ser representadas por certifi cados ou assumir a forma escritural, podendo ser fraccionadas «para efeitos de subscrição e de resgate ou reembolso»84.

A emissão das acções depende da integração efectiva do preço de subscrição no património societário85. O afastamento da possibilidade de diferimento das entradas é de resto compreensível na medida em que a participação constitui, em primeira análise, o objecto do investimento e, pelo menos numa primeira fase, única fonte de património societário.

Podem ser emitidas diferentes categorias de acções, situação a ser prevista nos documentos constitutivos86, devendo ser assegurada a consistência com o

75 Artigo 2.º/1 aa) do RGOIC.76 Cfr. os artigos 15.º, 73.º, 89.º, 123.º/2 e 256.º m) do RGOIC.77 Artigo 18.º do RGOIC.78 Artigos 23.º e 24.º do RGOIC.79 Cfr., v.g., os artigos 18.º/9, 22.º/5, 73.º/4, 74.º, 77.º/1 do RGOIC.80 Artigo 7.º/2 do RGOIC.81 Artigo 7.º/3 do RGOIC.82 Montante correspondente ao valor total dos activos menos o valor total dos passivos (cfr. o artigo 2.º/1 nn) do RGOIC).83 Artigo 8.º/1 do RGOIC.84 Artigo 8.º/2 do RGOIC.85 Logicamente este condicionalismo da emissão não é aplicável em situações de desdobramento de acções ou quando a distribuição é gratuita (cfr. o artigo 8.º/3 do RGOIC).86 São documentos constitutivos dos OIC sob forma societária: (i) o documento com informações fundamentais destinadas aos investidores; (ii) o prospecto; (iii) o regulamento de gestão; e (iv) o contrato de sociedade (cfr. o artigo 2.º/1 f ) ii) do RGOIC). Os primeiros dois tipos de documen-

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perfi l de risco e a política de investimento87. As acções de conteúdo idêntico e que asseguram aos seus titulares direitos iguais formam uma categoria88.

Ainda no que respeita às acções dos OIC sob forma societária, parece resul-tar do RGOIC que apenas é admitida a criação de uma única categoria especial de acções especiais: as acções representativas do património constituído pelos bens necessários ao exercício da actividade da sociedade89. Estas representam uma parte do capital exclusivamente afecto ao exercício da actividade da socie-dade e não são objecto de resgate ou reembolso.

f) Capital social

Genericamente, as sociedades de investimento colectivo podem ter dois tipos de capital social: capital social fi xo ou capital social variável. Os OIC sob forma societária com capital variável vêem o seu capital alterar-se a todo o momento em função das subscrições e dos resgates que os accionistas pos-sam fazer, enquanto as sociedades de investimento colectivo com capital fi xo manterão o capital desde o momento da sua constituição até que os accionistas eventualmente venham a aprovar aumentos ou reduções do capital. A recon-dução a cada um destes tem relevantes consequências de regime.

Os OIC autogeridos, independentemente de se constituírem com capi-tal fi xo ou variável, têm um capital (inicial) mínimo igual ou superior a €300.000,0090.

Para as sociedades de investimento colectivo heterogeridas não existe regra expressa no RGOIC. Pode, assim, questionar-se se inexiste um capital social mínimo, tal como acontece com os fundos de investimento, ou se, pelo contrário, deverá assumir-se a aplicação genérica do CSC por força do artigo 11.º/1 do RGOIC e considerar-se que existe a imposição do valor mínimo de €50.000,00 exigido às sociedades anónimas pelo artigo 276.º/5 do CSC.

Quanto a nós, a solução mais consistente passa por assumir a natureza socie-tária deste tipo de veículo de investimento e considerar a aplicação genérica do

tos são dispensados nos OIA de subscrição particular ou exclusivamente dirigidos a investidores qualifi cados (cfr. os artigos 153.º/8 e 157.º/2 do RGOIC). Quanto a esta referência no conteúdo do regulamento de gestão, cfr. o artigo 159.º/2 m) do RGOIC.87 Artigo 8.º/4 do RGOIC.88 Artigo 8.º/5 do RGOIC. Sobre as categorias de acções cfr. ainda o artigo 12.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2015.89 Artigo 12.º/4 ex vi do artigo 50.º/2 do RGOIC.90 Artigo 50.º/1 do RGOIC.

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CSC, vigorando assim uma imposição de capital social mínimo de €50.000,00 para as sociedades de investimento colectivo heterogeridas91.

g) Gestão

Os OIC sob forma societária podem ser heterogeridos ou autogeridos, consoante designem, ou não, uma terceira entidade para o exercício das fun-ções de gestão. Recordamos, a este propósito, que os OIC têm as suas raízes nos fundos de investimento, cuja vantagem reside numa forma de «economia de escala com gestão profi ssionalizada»92.

A possibilidade de uma sociedade entregar a outra a gestão da sua actividade não é totalmente inédita. Recordamos o regime do contrato de subordinação, regulado nos artigos 493.º e seguintes do CSC, mediante o qual «uma socie-dade, pode, por contrato, subordinar a gestão da sua própria actividade à direc-ção de uma outra sociedade, quer seja sua dominante, quer não»93.

De resto, a estrutura de gestão que se estabelece entre as sociedades de investimento colectivo heterogeridas e a sua entidade gestora acaba por se iden-tifi car em grande medida com a relação que se estabelece entre os fundos de investimento e a respectiva entidade gestora94. Não pode deixar de se assinalar, contudo, que a possibilidade de as sociedades de investimento colectivo (auto-geridas) poderem exercer directamente a sua gestão é totalmente negada aos

91 Poderia, todavia, questionar-se se a remissão expressa para o CSC prevista no artigo 50.º/4 do RGOIC («o capital dos OIC sob forma societária de capital fi xo é defi nido no momento da sua constituição nos termos do Código das Sociedades Comerciais») não seria circunscrita às socie-dades de investimento colectivo com capital fi xo, cujo capital seria estabelecido nos termos do CSC quanto à forma, montante e momento da sua determinação. Ficaria, contudo, por resolver a solução a dar às sociedades de investimento colectivo com capital variável. Entendemos, todavia, que o artigo 50.º/4 do RGOIC pretende apenas acentuar as diferenças das sociedades de investi-mento colectivo de capital fi xo face às de capital variável, vincando justamente que o capital das primeiras é fi xado no momento da constituição e só varia nos termos gerais previstos no CSC, ou seja, mediante aumentos e reduções de capital, e não remeter para a cifra do capital social mínimo inicial das sociedades anónimas.92 Vide, v.g., Almeida, António Pereira de, «O governo dos fundos de investimento», in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. VIII, pp. 9-37.93 Artigo 493.º/1 do CSC. Não queremos, com esta referência, signifi car que o regime do con-trato de subordinação se aplica às sociedades de investimento colectivo, mas somente assinalar a semelhança do princípio.94 No mesmo sentido, Gonçalves, Renato «Breves notas…», cit., p. 174.

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fundos de investimento95, nisto se confi gurando como elemento distintivo e inovador no panorama dos OIC.

É de realçar que da natureza societária das sociedades de investimento colectivo resulta obrigatoriamente a existência de um órgão de administração e de um órgão de fi scalização aos quais se somam, nas entidades heterogeri-das, os órgãos de administração e fi scalização das próprias entidades gestoras. Esta multiplicação de órgãos societários com funções directoras da actuação da sociedade de investimento colectivo é relevante em questões de responsa-bilidade, já que tanto os primeiros, como os primeiros e os segundos, quando aplicável, respondem solidariamente perante os accionistas e perante as pró-prias sociedades pelo «incumprimento ou cumprimento defeituoso dos deveres legais e regulamentares aplicáveis e das obrigações decorrentes dos documentos constitutivos do mesmo»96.

h) Administração e fi scalização

i) Entidades autogeridas

As sociedades de investimento colectivo autogeridas são, como vimos, a opção de governação que mais se aproxima das sociedades comerciais anónimas.

O órgão de administração das sociedades de investimento colectivo é sem-pre um órgão colegial, que conta, no mínimo, com 2 membros, com idonei-dade e experiência profi ssional comprovadas, tendo em conta, designadamente, o tipo de actividade exercida, devendo ainda integrar um número mínimo adequado de membros independentes97.

Da mesma forma, o órgão de fi scalização deverá ser um órgão colegial com uma maioria de membros independente, não existindo um número mínimo de membros98.

A independência é, em ambos os casos, aferida em relação a grupos de interesses específi cos e circunstâncias susceptíveis de afectar a isenção de aná-lise ou de decisão99. A independência é ainda reforçada quanto ao órgão de

95 Informa Gonçalves, Renato, em «Breves notas…», cit., p. 171, que, «no que tange ao exer-cício pela própria SICAV do poder de gestão, cumpre, desde já, referir que, nos nossos dias, tal característica se encontra bastante diluída, uma vez que a esmagadora maioria das SICAV exis-tentes prescindem de órgãos próprios de gestão, confi ando-a a uma entidade gestora de OIC».96 Artigo 53.º do RGOIC.97 Artigo 51.º/1 do RGOIC.98 Artigo 51.º/2 do RGOIC.99 Artigo 75.º/3 ex vi do artigo 51.º/3 do RGOIC.

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administração já que, por imposição do artigo 75.º/4 ex vi do artigo 51.º/3 do RGOIC, a prestação de serviços ou relação comercial signifi cativa, de modo directo ou indirecto, ocorrida em dois anos antecedentes com a sociedade ou com sociedade em relação de domínio ou de grupo com esta, determina o incumprimento desse requisito.

Da mesma forma, os membros dos órgãos de administração – e bem assim outros colaboradores – dos OIC sob forma societária autogeridos que exerçam funções de decisão e execução de investimentos estão proibidos de «exercer funções de decisão e execução de investimentos ou de quaisquer funções nou-tra entidade responsável pela gestão de organismo de investimento colectivo que exerça uma actividade concorrente»100_101.

Nada obsta a que os membros dos órgãos de administração sejam pessoas colectivas. De resto, nessas situações, deve ser nomeada pela pessoa colectiva a pessoa singular que irá exercer o cargo em nome próprio102.

A competência essencial do órgão de administração será a gestão do patri-mónio societário no «exclusivo interesse dos participantes», tendo necessaria-mente exclusivos e plenos poderes de representação da sociedade103.

Consequência importante da autogestão é que, em obediência ao artigo 11.º/5 do RGOIC, as sociedades de investimento colectivo que optem por este regime passam a ser intermediários fi nanceiros na acepção do CVM104. Contudo, e mercê das excepções dos números 4 e 5 do artigo 289.º do CVM, às sociedades de investimento colectivo autogeridas acabam por se aplicar, além das normas de carácter mais geral, os comandos atinentes a registo, algumas disposições quanto à actividade, com relevo para a responsabilidade civil, os requisitos gerais de organização interna, algumas disposições quanto à respon-sabilidade dos titulares dos órgãos de administração, os princípios essenciais de

100 Artigo 75.º/5 ex vi do artigo 51.º/4 do RGOIC.101 Pode questionar-se se, a contrario, tal poderá signifi car que os membros dos órgãos de adminis-tração que não exerçam funções de decisão e execução de investimentos poderão acumular funções em entidade concorrente. Nas sociedades anónimas esta possibilidade depende de autorização da assembleia geral e a sua ausência é cominada com justa causa de destituição do cargo e obrigação de indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra em função da actividade concorrencial (cfr. os artigos 398.º/3 e 254.º/5/6 ex vi do artigo 398.º/5, todos do CSC).102 Artigo 390.º/4 do CSC.103 Artigo 405.º/2 do CSC.104 Note-se que desde a entrada em vigor do RGOIC, que certamente por lapso não teve refl exo na actualização da redacção do artigo 289.º/5 do CVM, terá de se fazer uma interpretação abro-gante daquele preceito, na medida em que só as sociedades de investimento autogeridas, e não já as heterogeridas, como consta da letra daquela norma, são intermediários fi nanceiros ex vi do artigo 11.º/5 do RGOIC.

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salvaguarda de bens e clientes e disposições importantes quanto a confl itos de interesses. Renato Gonçalves enquadra estas normas num conjunto «cuja teleologia é a protecção dos investidores»105.

ii) Entidades heterogeridas

Em situações de heterogestão, as sociedades de investimento colectivo não deixam de ter órgãos de administração próprios: quando as funções de gestão propriamente ditas fi cam a cargo de uma entidade gestora (externa) cabe ao órgão de administração da sociedade a defi nição da política de gestão e a fi sca-lização da entidade gestora designada106.

Nos casos em que é designada uma entidade externa para assumir as fun-ções de gestão, com correlativo esvaziamento da função gestora do âmbito das competências do órgão de administração da sociedade de investimento colec-tivo, este deve assumir uma função de orientação geral, papel onde vislumbra-mos pontos de contacto com as funções desempenhadas pelo conselho geral e de supervisão das sociedades comerciais anónimas que adoptam o modelo de administração continental ou dualista107.

i) Deliberações e direito de voto

As assembleias de participantes dos OIC fechados têm as competências que lhes são atribuídas pelo artigo 61.º do RGOIC, extensível às assembleias de accionistas dos OIC sob forma societária de capital fi xo, as quais têm ainda as competências das assembleias gerais previstas no CSC, salvo quando estas «se mostrem incompatíveis com a natureza desses organismos de investimento» ou com o RGOIC108.

Quanto aos OIC abertos não está prevista a realização de assembleias de participantes109, o que coloca difi culdades quando tais OIC abertos assumam a forma de sociedades de capital variável110.

105 Gonçalves, Renato «Breves notas…», cit., p. 174.106 Artigo 52.º/2 do RGOIC.107 Artigo 278.º/1 c) do CSC.108 Artigo 59.º do RGOIC.109 Justamente em função da comunicação individualizada de alterações relevantes e da corres-pondente possibilidade de resgate a todo o momento.110 Cumpre, por isso, perguntar se não se poderá equacionar a existência de uma assembleia de accionistas nas sociedades de investimento colectivo de capital variável. Compreendemos que a maioria das competências elencadas no artigo 61.º/1 do RGOIC seria inaplicável; não obstante,

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Ficam sujeitas a deliberação da assembleia de accionistas das sociedades de investimento colectivo de capital fi xo as alterações com maior peso no investi-mento colectivo, como o aumento global das comissões de gestão e depósito, a alteração signifi cativa da política de investimento e da política de distribuição de rendimentos, a emissão ou extinção de ações para efeitos de subscrição ou reembolso, o aumento e redução de capital, a prorrogação da duração da socie-dade, a fusão, cisão e transformação, a substituição da entidade responsável pela gestão e a liquidação111_112. Além destas, os accionistas deverão pronunciar-se sobre outras matérias que a lei ou os documentos constitutivos façam depender de deliberação da assembleia113.

Excluindo desde logo os limites da competência da assembleia nas áreas que são expressa competência de outros órgãos, designadamente as competências de gestão, necessariamente da administração114, a amplitude desta atribuição de competências merece refl exão.

É, quanto a nós, indício da relevância da participação dos accionistas atra-vés do exercício do direito de voto a exigência de idoneidade, originalidade face às sociedades comerciais anónimas, aplicável aos titulares de participações

a remissão do artigo 59.º do RGOIC para as demais matérias previstas no CSC que não se mos-trem incompatíveis com a natureza destes organismos ou com o RGOIC permitiria atribuir aos OIC sob forma societária abertos um lastro, ainda que residual, de competências deliberativas. Defendemos, de resto, esta solução, relembrando que a natureza societária destes organismos de investimento carece de um órgão onde os accionistas possam exercer colectivamente a sua vontade.111 Abordaremos as questões relacionadas com o aumento e a redução do capital social, e a fusão, cisão e transformação em capítulo distinto, por se confi gurarem como incompatibilidades com o regime das sociedades comerciais (vide Cap. IV).112 Idênticas competências deliberativas são conferidas aos accionistas das sociedades anónimas: a prorrogação da duração de uma sociedade constituída com duração limitada é deliberada nos termos do artigo 15.º/2 do CSC; a substituição da entidade responsável pela gestão recorda a pos-sibilidade de destituição do Conselho de Administração conferida pelo artigo 403.º/1 do CSC; e a liquidação de sociedade comercial também fi ca, em determinadas situações, sujeita a deliberação da assembleia geral: artigo 141.º/1 b) do CSC.113 Artigo 61.º/1 i), ex vi do artigo 59.º do RGOIC. Cfr., v.g., o artigo 159.º/3 d) do RGOIC.114 O artigo 61.º do RGOIC determina expressamente que à assembleia de participantes não compete pronunciar-se «sobre decisões concretas de investimento ou aprovar orientações ou recomendações sobre esta matéria», de certa forma no sentido do artigo 373.º/2/3 do CSC, que ressalva que «sobre matérias de gestão da sociedade, os accionistas só podem deliberar a pedido do órgão de administração». Poderá ainda questionar-se se, a pedido da administração da sociedade de investimento colectivo, a respectiva assembleia de accionistas pode validamente pronunciar--se a propósito de matérias de gestão; e se, em caso afi rmativo, uma deliberação de gestão assim tomada poderia exonerar a administração de quaisquer responsabilidades sobre o tema decidendum. Parece-nos, neste caso, que as especifi cidades decorrentes da natureza de organismo de investi-mento se sobreporão às regras societárias.

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qualifi cadas115 em sociedades de investimento colectivo, tendo como declarado objectivo «assegurar uma gestão sã e prudente» das mesmas116. Eventualmente, porque existem matérias que, não sendo defi nitivamente de gestão do investi-mento, não deixam de ter um peso signifi cativo na direcção da sociedade.

A convocação e funcionamento das assembleias de accionistas, a menos que previstas nos documentos constitutivos de cada sociedade de investimento colectivo, regem-se pelo disposto no CSC117. Neste sentido, parece-nos que, salvo disposição legal em contrário118, as disposições do CSC sobre quóruns, maiorias, actas e forma e âmbito das deliberações são também directamente aplicáveis. O que, todavia, equivale também a dizer que uma previsão minu-ciosa nos documentos constitutivos pode alterar o regime legal societário119_120.

j) Dissolução e liquidação

O regime de liquidação dos OIC deve constar do respectivos regulamentos de gestão121. De resto, e para que a dissolução de uma sociedade de investi-mento colectivo dependa da deliberação dos seus accionistas, essa hipótese tem de estar prevista no regulamento de gestão122. À dissolução segue-se uma fase

115 Tal como defi nidas no artigo 2.º/1 ff ) do RGOIC.116 Artigo 51.º/6 do RGOIC. O próprio pedido de autorização do OIC deve desde logo ser instruído com «informação sobre a identidade e a idoneidade dos titulares de participações qualifi cadas no organismo de investimento colectivo», nos termos do artigo 20.º/3 e) do RGOIC.117 Cfr. os artigos 61.º/3 e 159.º/3 d) do RGOIC.118 O RGOIC contém várias referências a maiorias de votação. A título meramente exemplifi ca-tivo veja-se o artigo 147.º/9.119 Pense-se, por exemplo, nas formas do exercício do direito de voto, na formação de maiorias ou nos requisitos de segunda convocação. Sendo certo, todavia, que a primazia absoluta dos inte-resses dos participantes terá sempre de conformar as opções regulamentares, de certa forma como a protecção dos interesses dos accionistas das sociedades anónimas conforma a opção legislativa patente no CSC.120 Por exemplo, Maria João Tomé [cfr. Tomé, Maria João Romão Carreiro Vaz em «A pro-pósito dos fundos de investimento imobiliários fechados de subscrição particular: duas questões» in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. VIII, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 461-472 (470--471)] defende, a propósito dos fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição parti-cular, que «a exigência de unanimidade dos participantes para o aumento do capital pode válida e legitimamente ser estipulada no regulamento de gestão». Note-se, não obstante, que os estatutos das sociedades anónimas também podem alterar as disposições legais supletivas relativas à fi xação de maiorias (vide o artigo 386.º/1 do CSC).121 Artigo 159.º/2 x) do RGOIC.122 Artigo 42.º/1 c) do RGOIC. Não obstante, o artigo 61.º/1 h) do RGOIC atribui à assembleia de participantes competência para deliberar sobre a liquidação – quando este não tenha duração

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de liquidação dos activos e passivos do OIC e o encerramento da liquidação, sujeito a registo comercial, que extingue a entidade. Trata-se de matéria espe-cifi camente regulada pelo RGOIC123.

Note-se todavia que a decisão de dissolução pode ser tomada pela entidade responsável pela gestão, fundada no interesse dos participantes124, o que não acontece no regime das sociedades comerciais, onde o órgão de administração não dispõe desta competência, fi cando ainda sujeita a uma «dissolução pruden-cial», por decisão da CMVM, em casos de revogação da autorização dos OIC ou impossibilidade de a entidade gestora continuar a exercer as suas funções125.

IV. Rejeição: incompatibilidades com o regime jurídico das socieda-des comerciais

a) Composição, aumento, redução e intangibilidade do capital social e amorti-zação de acções

i) A problemática do capital social

O RGOIC usa as expressões capital, capital social, capital inicial e capital mínimo.

Parece seguro afi rmar, a partir do artigo 7.º/2 do RGOIC, que as socie-dades de investimento colectivo têm capital social, dividido e representado por acções.

A expressão capital é utilizada nos artigos 5.º, 6.º, 10.º e 50.º/3/4 do RGOIC, por referência ao carácter fi xo e variável do capital. No caso dos artigos 5.º e 50.º/4 há uma ligação expressa às sociedades (comerciais) anóni-mas, que abre a porta a uma total equivalência entre a expressão capital e capital social126.

Porque as acções das sociedades de investimento colectivo não têm valor nominal, é necessário fazer entrar na equação o conceito de «valor líquido glo-bal» do OIC, correspondente ao total dos activos subtraído o total do passivo127.

determinada ou quando se pretenda iniciar a liquidação antes do termo da duração inicialmente prevista – sem mencionar a aparentemente necessária previsão regulamentar. 123 Artigos 42.º e ss. do RGOIC.124 Artigo 42.º/1 b) do RGOIC.125 Artigo 42.º/1 f ), g) do RGOIC.126 De resto, o CSC refere-se amiúde a capital querendo signifi car capital social. Veja-se, a título de exemplo, os artigos 22.º, 29.º/1 c) e 42.º/1 b) do CSC.127 Artigo 2.º/1 nn) do RGOIC.

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É o valor líquido global que, dividido pelo número de acções subscritas, deter-mina o valor de cada uma delas128. Aqui, a ligação ao «património» – referido na epígrafe do artigo 7.º do RGOIC – parece prevalecer.

A expressão capital inicial está defi nida por remissão129 no artigo 2.º/1 b) do RGOIC como a soma dos seguintes elementos: instrumentos de fundos próprios e prémios de emissão, resultados retidos, outro rendimento integral acumulado e outras reservas.

No momento inicial de existência jurídica das sociedades de investimento colectivo todo o património societário se resume ao valor das subscrições. Nesta fase, o capital – literalmente capital inicial – corresponde ao valor do capital social. A partir do momento em que há valorização dos activos e/ou existência de passivo, o capital social deixa de corresponder ao património e ao valor líquido global da sociedade.

Em especial nas sociedades de investimento colectivo de capital variável, a variação potencialmente constante que decorre da liberdade de subscrever e resgatar acções reduz a utilidade de se fi xar um capital social mínimo.

Compreende-se todavia a exigência de um patamar mínimo de capital, tendo em conta a natureza dos OIC. Essa exigência será expressa pelo conceito de valor líquido global. De resto, o patamar mínimo de capital é estabelecido no artigo 16.º do RGOIC para cada tipo de OIC: €5.000.000,00 para os que sejam OII (no caso, SICAVIs e SICAFIs) a partir dos primeiros 12 meses de actividade e €1.250.000,00 para os que sejam OICVM, OIAVM e OIAnF (correspondem a SICAVs e SICAVs – investimento alternativo e SICAFs – investimento alternativo) a partir dos primeiros 6 meses de actividade130-131. Mais, quando estes valores não estão verifi cados, é accionado um mecanismo que pode determinar a liquidação do OIC132.

Face a estes valores, o montante do capital social é quase inexpressivo, pelo que acreditamos poder ser discutida a sua relevância, de resto como já se

128 O que tem implicações, por exemplo, no montante a receber por cada accionista em caso de resgate das respectivas acções.129 A remissão é feita para o artigo 26.º/1 a) a e) do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parla-mento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento.130 Artigo 16.º/1 do RGOIC.131 Refi ra-se que estas exigências não se aplicam às SICAF e SICAFI de subscrição particular ou exclusivamente dirigidas a investidores qualifi cados (cfr. artigo 16.º/4 do RGOIC).132 Artigo 16.º/2/3 do RGOIC. Trata-se de um mecanismo que encontra algum paralelo no artigo 35.º do CSC.

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discute, no âmbito das sociedades comercias, a pertinência da cifra do capital social133.

Quanto a nós, encontramos na exigência de patamares mínimos de valor líquido global um argumento sólido para a desnecessidade de fi xar um capi-tal social mínimo para as sociedades de investimento colectivo, substituindo-o antes por outros mecanismos que cumprem melhor a função garantística que aquele (já) não tem.

ii) A composição do capital social

O capital social dos OIC sob forma societária é representado por acções nominativas, sem valor nominal e tituladas ou escriturais e, ao que tudo indica, admitindo-se uma única categoria de «acções especiais» exclusivamente ati-nentes ao património da sociedade de investimento colectivo composto pelos bens necessários ao exercício da actividade134. Assim, a composição do capital social dos OIC sob forma societária implica a rejeição do regime jurídico da composição do capital das sociedades anónimas, designadamente no que res-peita ao regime das entradas e do seu diferimento. De resto, a imposição de um capital social mínimo para as sociedades de investimento colectivo autogeridas e a variabilidade do capital das sociedades de investimento colectivo de capital variável, afastam-nos bastante do regime societário.

133 A tese de que o capital social se tornou irrelevante utiliza como principais argumentos o facto de os níveis de capital social mínimo não terem hoje qualquer correspondência com as necessidades reais de fi nanciamento das sociedades comerciais, não oferecerem uma garantia verdadeiramente efi caz para a tutela dos credores e, na medida em que as distribuições aos accionistas dependem do resultado de uma equação em que esta cifra tem valor preponderante, impossibilitarem ou difi cultarem uma distribuição que poderia ser viável de acordo com critérios solvenciais. Cfr., entre outros, Rickford, Jonathan (ed.), «Reforming Capital. Report of Interdisciplinary Group on Capital Maintenance», in European Business Law Review, 2004, pp. 920-1027. No ambiente jurídico português, é sintomática a publicação do Decreto-Lei n.º 33/2011, de 7 de Março, que introduziu a liberdade de estipulação do capital social pelos sócios das sociedades por quotas. No seu preâmbulo lê-se: «Do ponto de vista jurídico, um capital social elevado não conduz neces-sariamente à conclusão de que uma sociedade goza de boa situação fi nanceira. Na verdade, o capital social não é igual ao património social. O capital é um valor lançado no contrato social, enquanto o património é o conjunto de bens, direitos e obrigações de uma sociedade. Actual-mente, o capital social não representa uma verdadeira garantia para os credores e, em geral, para quem se relaciona com a sociedade».Sobre o tratamento desta questão na doutrina portuguesa veja-se, a título de exemplo, Domin-gues, Paulo de Tarso, Variações sobre o Capital Social, Coimbra, Almedina, 2013, e Cruz, José Maria Braga da, «The Case to Reform the EU Capital Maintenance Rules: Where do we stand now?», in Revista de Direito das Sociedades, IV, 2012, pp. 899-934.134 Tal como resulta da conjugação dos artigos 12.º/4 e 50.º/2 do RGOIC.

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iii) Aumento do capital social

A variação do montante do capital das sociedades de investimento colectivo mediante operações de aumento de capital só faz sentido, como já enunciá-mos, quanto a sociedades de investimento colectivo de capital fi xo135, sendo que neste caso os documentos constitutivos têm de prever a possibilidade de aumento ou redução do mesmo136. Tanto as operações de aumento como de redução só podem ocorrer em prazos sucessivos mínimos de 6 meses a contar da data de constituição ou de realização do último aumento ou redução, sendo obrigatoriamente objecto de aprovação em assembleia de accionistas137, com requisitos apertados quanto ao preço de subscrição ou resgate de cada acção138. Também só para este tipo de sociedade de investimento colectivo os accionis-tas gozam de um direito de preferência na subscrição de novas acções139, que pode ser afastado pelos documentos constitutivos. Acresce que a CMVM pode deduzir oposição ao aumento ou redução do capital, excepto quanto aos OIA dirigidos exclusivamente a investidores qualifi cados ou de subscrição particular, sujeitos a mera comunicação140.

Os constrangimentos que fi cam acima elencados são ilustrativos, cremos, da distância a que fi ca o regime das sociedades anónimas, de tendência mais permissiva que restritiva. No regime do CSC os requisitos do aumento de capi-tal são sobretudo de carácter deliberativo, que pode inclusivamente não fi car dependente de voto expresso dos accionistas, além de que não estão sujeitos, salvo casos especiais, a sindicância externa141.

iv) Redução do capital social

À semelhança do aumento, a redução do capital das sociedades comerciais anónimas fi ca sujeita a escassas restrições142, sendo empregue com frequência numa lógica de fi nanciamento da sociedade ou libertação de capitais para dis-tribuição aos accionistas.

135 Nem podia ser de outra forma: recordamos que nos OIC abertos – que têm correspondência nas sociedades de investimento colectivo de capital variável –, o capital social varia a um ritmo que só depende do fl uxo de subscrições e resgates das acções e correspondentes operações de extinção e emissão de acções.136 Artigos 60.º/1 b) e 159.º/3 a) do RGOIC. 137 Artigo 61.º/1 ex vi do artigo 59.º do RGOIC.138 Artigo 60.º/ 1 do RGOIC.139 Artigo 9.º/5 do RGOIC.140 Artigo 60.º/4 do RGOIC.141 Artigos 88.º e 456.º do CSC.142 Artigos 95.º e 463.º do CSC.

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Nas sociedades de investimento colectivo de capital fi xo a redução do capi-tal fi ca, em contraponto e na letra da lei, limitada às situações de reembolso das acções dos accionistas que se tenham declarado contrários à prorrogação da duração do OIC com duração pré-determinada e em casos excepcionais devi-damente justifi cados pela entidade responsável pela gestão143. Existem ainda, todavia, as situações de oposição à reversão da liquidação144 e à transformação, cisão e fusão145 que, estando legalmente previstas como fundamento para o pedido de resgate das acções, não deverão carecer de justifi cação pela entidade gestora, assim tenham sido devidamente executados. A possibilidade de redu-ção do capital social acaba por ser apenas consequência da saída de accionistas em situações de alteração (da duração, da perspectiva de liquidação, da estrutura inicial) da sociedade de investimento colectivo. De resto, como já apontado em relação ao aumento de capital, a redução conta com um regime especial e, em regra, com a sindicância da CMVM.

v) Intangibilidade do capital social

As disposições relativas à intangibilidade do capital das sociedades anónimas encontram-se previstas nos artigos 31.º a 35.º do CSC, sob a égide da «con-servação do capital social». Para Pinto Furtado estas destinam-se a impedir que as entradas realizadas pelos accionistas revertam para os mesmos antes de satisfeitos os créditos de terceiros, ou fora dos condicionalismos da redução do capital, criados com a mesma preocupação: evitar «que o património social desça perigosamente abaixo do nível defi nido pela cifra de capital»146. Também Menezes Cordeiro encontra no princípio da intangibilidade do capital social uma forma de tutela dos credores147.

São limites que não encontram eco no RGOIC, onde prevalece, sobre todos os outros, o interesse dos participantes e do retorno do seu investimento, pelo que a ratio deste princípio tão caro às sociedades comerciais não encontra chão nas sociedades de investimento colectivo.

143 Artigo 60.º/3 do RGOIC.144 Artigo 48.º/2 do RGOIC.145 Artigos 38.º do RGOIC e 100.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2015.146 Furtado, Jorge Henrique Pinto, Curso…, cit., p. 311.147 Cordeiro, António Menezes, Manual de Direito das Sociedades, I Volume, Das Sociedades em Geral, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 610.

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vi) Amortização de acções

A amortização de acções numa sociedade anónima pode ocorrer com ou sem redução do capital social148, como processo de reembolso ao accionista do valor nominal das acções por ele subscritas. Nas sociedades de investimento colectivo existem, atenta a sua natureza de OIC, um conjunto de regras espe-cífi cas aplicáveis aos resgates e consequente extinção de acções, pelo que o regime de amortização de acções do CSC não tem aqui qualquer utilidade.

b) Constituição de reservas

A constituição de reservas nas sociedades comerciais serve o propósito de «assegurar a solvabilidade social perante certos eventos»149, sendo imposta por lei, podendo ainda ter desenvolvimento estatutário150. Quanto aos OIC sob forma societária, a imposição de patamares mínimos de valor líquido global, a que já nos referimos, cumprirá cabalmente esta função, quando aplicável151. De resto, os OIC sob forma societária, sendo puros veículos de investimento, não se coadunam com o regime societário das reservas.

c) Limitação da distribuição de bens aos accionistas

Consta obrigatoriamente dos documentos constitutivos dos OIC a política de distribuição de rendimentos aos participantes/accionistas, prevendo-se os critérios, condições e periodicidade da respectiva distribuição152, de tal forma que uma alteração desta política será considerada uma «alteração relevante» aos referidos documentos, por isso dependendo de deliberação favorável da assem-bleia de accionistas (OIC fechados)153 ou informação individualizada (OIC abertos).

148 Artigos 347.º e 346.º do CSC, respectivamente.149 Furtado, Jorge Henrique Pinto, Curso…, cit., p. 324.150 Vide, v.g., o artigo 295.º/1 do CSC.151 Tal como já referido, notamos, que o artigo 16.º/4 do RGOIC excepciona do cumprimento dos requisitos de valor líquido global os OIA de subscrição particular ou dirigidos exclusivamente a investidores qualifi cados. 152 Artigo 142.º do RGOIC.153 Artigos 25.º/1 a), 25.º/2, 26.º/1 e 61.º/1 ex vi do artigo 59.º do RGOIC.

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De novo, a natureza dos organismos de investimento colectivo, tendo por base a rentabilização do investimento dos accionistas, não se coaduna com as limitações de distribuição de bens presentes no regime societário.

d) Regras de elaboração e prestação de contas

As contas são dos elementos mais relevantes na gestão do investimento colectivo, sendo os respectivos organismos detalhadamente regulados e sujeitos a controlo prudencial por parte das entidades públicas de supervisão. O regime dos OIC não distingue aqui entre organismos sob forma contratual ou societá-ria, impondo-lhes igual e indistintamente prazos e obrigações de divulgação de conteúdo que não se encontram no regime societário do CSC.

Assim, e nos termos do RGOIC, as sociedades de investimento colectivo devem elaborar um relatório e contas por exercício económico anual, e um outro semestral154, ambos sujeitos a conteúdo mínimo155. Cada um destes rela-tórios é objecto de um relatório de auditoria, elaborado por auditor registado na CMVM156.

Tanto os relatórios e contas como o relatório do auditor são comunicados à CMVM157 e publicados – no prazo de dois meses ou quatro meses, respec-tivamente para os relatórios anual e semestral, a contar do termo do período a que se referem –, em suporte duradouro ou através de um sítio na Internet158.

De resto, constitui contra-ordenação grave o incumprimento do dever de emissão do relatório do auditor159 e muito grave a omissão de elaboração, a elaboração defeituosa ou a omissão de comunicação do relatório e contas160.

Nota-se, em comparação com o regime do CSC, que parece não estar pre-vista a possibilidade de deliberação dos accionistas sobre o conteúdo dos relató-rios e contas161. Não seria expectável que assim fosse; o estatuto de investidor/

154 Respectivamente, artigos 161.º/1 a) e b) do RGOIC. Este último não é aplicável a OIA sob forma societária de subscrição particular ou dirigidos exclusivamente a investidores qualifi cados (cfr. o artigo 160.º/3 do RGOIC).155 Artigo 161.º do RGOIC.156 Artigo 131.º/1 do RGOIC.157 Artigo 160.º/1 do RGOIC.158 Artigo 163.º/1 do RGOIC. Esta publicação pode ser substituída pela divulgação de um aviso com a menção de que os documentos se encontram à disposição em locais pré-defi nidos, podendo ainda ser enviados sem encargos para os accionistas que os requeiram – artigo 163.º/6 do RGOIC.159 Artigos 257.º c) do RGOIC.160 Artigo 256.º bb) do RGOIC.161 Artigo 376.º/1 a) do CSC.

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accionista poderia fazer supor a atribuição, aos accionistas dos OIC sob forma societária dos direitos conferidos aos accionistas de sociedades comerciais162. Mas a doutrina levanta a questão, quanto a nós pertinente, de que a aprovação das contas pelos accionistas das sociedades de investimento colectivo poderia ser entendida como uma «ratifi cação da gestão da entidade gestora que excluiria a responsabilidade desta pelo facto de os participantes de algum modo tomarem parte desta decisão»163.

Fica, no entanto, a questão de saber se, considerando a natureza societá-ria das sociedades de investimento colectivo, ora por via de previsão expressa nos documentos constitutivos, ora por interpretação que sustente a aplicação directa do CSC, não se poderão submeter as contas a deliberação da assembleia de accionistas.

e) Regime de fusão, cisão e transformação de sociedades

Por regra a fusão, cisão e transformação de OIC é admitida, fi cando sujeita a autorização prévia da CMVM164. O regime do RGOIC, dirigido a OICVM (e, quanto ao objecto do nosso estudo, às SICAV), é aplicável por expressa extensão do artigo 28.º/1 do RGOIC aos OIA, com as necessárias adaptações, contando ainda com a regulamentação específi ca sobre a transformação e cisão constante do Regulamento da CMVM n.º 2/2015.

O RGOIC contém a sua própria defi nição de fusão165, que pode ser nacio-nal ou transfronteiriça166, matéria detalhadamente tratada pelo regime jurídico desde a fase de instrução do pedido ao regulador, até à produção de efeitos da fusão, passando ainda pelo conteúdo do projecto de fusão167 e pela transmissão de informação aos participantes.

162 Assim o previa Gonçalves, Renato «Breves notas…», cit., p. 172: «(…) enquanto accionista, o investidor em SICAV dispõe não só de um conjunto de direitos patrimoniais e administrativos que lhe permitem retirar vantagens económicas do investimento, mas pode também intervir nas assembleias gerais, exercendo o direito de voto. É assim chamado à aprovação de contas anuais (…)».163 Veiga, Alexandre Brandão da, Fundos de Investimento…, cit., p. 353.164 Artigo 27.º/1 do RGOIC. Ficam excepcionados pelo artigo 27.º/6 a) e b) do RGOIC os OIA de subscrição particular (sujeitos a mera comunicação prévia à CMVM) e os OIA exclusivamente dirigidos a investidores qualifi cados (que se limitam a comunicação subsequente à CMVM).165 Artigo 2.º/1 w) do RGOIC.166 As regras de fusão transfronteiriça do RGOIC não são aplicadas aos OIA, por estipulação do artigo 28.º/1 do RGOIC.167 Artigo 32.º do RGOIC.

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A informação prestada aos participantes é essencial num contexto de fusão, «de forma a permitir-lhes um juízo informado sobre as repercussões da mesma nos seus investimentos»168, mas só ocorre se for concedida autorização da CMVM para a fusão, e sempre depois dela169. Isto porque a fusão confere aos participantes o direito ao resgate170, sem outros encargos além dos retidos para cobrir os custos de desinvestimento, ou, nos casos em que tal seja possível, a sua troca. Este direito pode ser exercido a partir do momento em que os par-ticipantes tenham sido informados da fusão e extingue-se cinco dias úteis antes da data fi xada para o cálculo dos termos de troca171.

A fusão tem obrigatoriamente de produzir efeitos no prazo máximo de 90 dias após a notifi cação da autorização pela CMVM, sob pena de caducidade da autorização172.

Quanto às modalidades admissíveis de cisão, é possível: a) o destaque de parte do património do OIC para com ela constituir outro OIC; b) a disso-lução e divisão do património do OIC, sendo cada uma das partes resultantes destinada a constituir um novo OIC; e c) o destaque de partes do património ou dissolução do OIC, dividindo-se o património em duas ou mais partes, para as fundir com o património ou partes do património de outro OIC173. Tanto a cisão como a transformação fi cam sujeitas a controlo por auditor174.

A extensão legislativa e regulamentar destas vicissitudes das sociedades de investimento colectivo, e muito em particular as especifi cidades que compor-tam, justifi cam plenamente o afastamento do regime do CSC.

f) Regime da aquisição tendente ao domínio total

A lógica do domínio total é adversa à natureza própria dos OIC. Como vimos logo de início, o investimento reveste uma forma colectiva, na medida em que na dispersão de participantes reside a sua fonte essencial de fi nanciamento.

A possibilidade de existir um único accionista não é, em absoluto, vedada, embora não corresponda à ideia de investimento colectivo e de dispersão de par-

168 Artigo 34.º/1 do RGOIC.169 Artigo 34.º do RGOIC.170 Artigo 38.º do RGOIC.171 Artigo 38.º/2 do RGOIC.172 Artigo 40.º do RGOIC.173 Artigo 104.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2015.174 Artigos 99.º/1/3 do Regulamento da CMVM n.º 2/2015.

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ticipantes175. Neste sentido, os mecanismos previstos no artigo 492.º do CSC, destinados a permitir que um accionista maioritário que atinja 90% do capital social possa fazer uma oferta de aquisição das participações dos restantes accio-nistas, são particularmente adversos ao objecto específi co das sociedades de investimento colectivo.

g) Incompatibilidades por natureza e objecto específi co

Além das incompatibilidades expressas nas alíneas anteriores, deverão ainda sujeitar-se a idêntica lógica de exclusão um conjunto de matérias societárias ao abrigo das «normas [que] se mostrem incompatíveis com a natureza e objecto específi cos destes organismos» ou com o disposto no RGOIC176.

Estas exclusões inominadas, reconduzíveis à cláusula geral do artigo 11.º/1 do RGOIC, justifi cam-se na existência residual de incompatibilidades entre a natureza e objecto específi co das sociedades de investimento colectivo e o regime das sociedades comerciais.

Tendo o legislador optado por manter uma verdadeira cláusula aberta de incompatibilidades, compete ao intérprete não só identifi cá-las em cada caso, como ensaiar a recondução dessa rejeição à natureza ou ao objecto das socieda-des de investimento colectivo.

Uma das matérias que nos parece poder enquadrar-se na cláusula geral de incompatibilidade de natureza e objecto específi co tem a ver com a possibili-dade de emissão de obrigações, que assume relevo, no regime das sociedades anónimas, pela possibilidade de estas fi nanciarem a sua actividade através da referida emissão177.

175 O artigo 17.º/1 do RGOIC consagra a regra de que a partir dos 6 primeiros meses de actividade do OIC, as unidades de participação devem estar dispersas por um mínimo de 30 participantes e ainda a regra de que um só participante não pode deter mais de 75% das unidades de participação. No entanto, logo apresenta várias excepções: (i) a CMVM pode autorizar que não sejam obser-vados os requisitos de dispersão sempre que a estrutura de participantes do OIC seja composta total ou parcialmente por investidores qualifi cados que assegurem o cumprimento indirecto dos requisitos de dispersão; (ii) os requisitos de dispersão podem ser incumpridos por um período até 6 meses; (iii) os requisitos de dispersão não são de todo aplicáveis aos OIA de subscrição parti-cular ou dirigidos exclusivamente a investidores qualifi cados. De resto, é entendimento comum da European Securities and Markets Authority («ESMA») que a constituição de um OIC apenas com um participante não prejudica a classifi cação daquele como OIC, desde que a entrada de novos participantes não esteja vedada pelos documentos constitutivos. Cfr. Guidelines on key concepts of the AIFMD, disponível online no sítio da ESMA.176 Artigo 11.º do RGOIC.177 Artigos 348.º e seguintes do CSC.

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Acessível às sociedades comerciais anónimas que cumpram determinados requisitos, não existe previsão expressa no RGOIC quanto a esta possibili-dade. Já vimos acima que a captação de investimento das sociedades de inves-timento colectivo se faz quase exclusivamente através da emissão de acções, de resto canalizando os montantes pagos pelas mesmas para o investimento, dando cumprimento ao seu objecto. A emissão de obrigações implicaria a entrada de capitais que, logicamente, teriam de ser usados na prossecução do objecto da sociedade de investimento colectivo, i.e., no investimento. Ora, nesse sentido, a emissão de obrigações em nada se diferenciaria da emissão de acções, tornado aquela redundante e estranha ao universo dos OIC.

Outra vertente do regime do CSC que nos parece não ter aplicação aos OIC sob forma societária é a do fi nanciamento da sociedade pelos accionistas, onde se inclui todo o regime das prestações acessórias ou suplementares e dos suprimentos178. O artigo 149.º do RGOIC veda, de facto, às entidades respon-sáveis pela gestão (onde se inclui a administração dos OIC sob forma societária autogeridos) a aceitação da prestação de garantias ou a concessão de crédito por participantes do OIC, salvo quando «estas operações se enquadrarem no exer-cício da actividade dos participantes e as condições acordadas respeitarem os termos comerciais praticados no mercado», ou, no caso dos OIA de subscrição particular ou exclusivamente dirigidos a investidores qualifi cados, quando haja acordo prévio de todos os participantes e previsão nos documentos constitu-tivos179. Esta confi guração não só não admite, em termos gerais, que os accio-nistas possam fi nanciar directamente as sociedades de investimento colectivo, como signifi ca, na prática, a rejeição do regime do CSC em matéria de presta-ções suplementares ou acessórias e de suprimentos por evidente incompatibili-dade com o RGOIC180.

Além da matéria do fi nanciamento directo pelos accionistas, o próprio heterofi nanciamento apresenta especifi cidades de monta: à autonomia geral das sociedades anónimas para obterem fi nanciamento externo (v.g. bancário) con-trapõe-se, no caso dos OIC sob forma societária, um conjunto de limitações legais ou voluntárias ao endividamento181.

178 Respectivamente, artigos 209.º, 210.º e 243.º a 245.º do CSC.179 Artigo 149.º/2 do RGOIC.180 De resto, mesmo nas situações em que é admitido que os accionistas dos OIC sob forma socie-tária concedam crédito ao OIC, tal fi nanciamento não fi cará sujeito às regras e limitações inerentes ao regime societário das prestações suplementares ou acessórias ou dos suprimentos. 181 Os OIC sob forma societária estão, de facto, sujeitos à política de endividamento constante do respectivo regulamento de gestão [cfr. o artigo 159.º/2 f ) do RGOIC]. Além disso, existem diver-sos limites legais ao endividamento em função do tipo de OIC [cfr., v.g., os artigos 174.º, 211.º/1 h), 212.º/1 d), 215.º/3 b), 218.º/3/4 do RGOIC].

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Merece ainda ponderação a possibilidade de uma sociedade de investi-mento colectivo adquirir acções próprias, possibilidade também admitida, com ressalvas, às sociedades anónimas182.

Mais uma vez, é a forma regular de fi nanciamento e a actividade específi ca das sociedades de investimento colectivo que devem ser chamados à colação. As acções de uma sociedade de investimento colectivo não têm valor nominal, representam uma fracção da totalidade do capital/ património da sociedade, numa lógica de investimento colectivo de poupanças. Neste sentido, o regime da detenção de acções próprias será, quanto a nós, incompatível com a natureza das sociedades de investimento.

Outros exemplos existirão. A experiência prática das sociedades de inves-timento colectivo será o motor essencial do desenvolvimento da fi gura e das possibilidades que a mesma abre no mercado do investimento colectivo.

V. Natureza: um novo tipo societário?

Ao longo deste trabalho foi possível ir compondo, com base no regime legal vigente, os traços característicos de uma forma jurídica que é quase novi-dade no ordenamento jurídico português. Por facilidade de referência, e para evitar sobreposições com outras fi guras já consagradas, propusemos a denomi-nação «sociedades de investimento colectivo».

O que apresentámos é necessariamente um desenho em traços genéricos, atribuíveis às limitações inerentes à confi guração do presente estudo, e em tra-ços ténues, que decorrem da escassa experimentação prática e tratamento dog-mático desta forma jurídica.

Das linhas que fomos desenhando resulta o edifício das normas jurídicas que dão forma às sociedades de investimento colectivo. Quando olhamos para esta arquitectura reconhecemos uma forma familiar: as sociedades anónimas.

Compreensivelmente. As sociedades de investimento colectivo estão sujei-tas a um regime híbrido, imposto pelo RGOIC quando determina que os OIC sob forma societária seguem o seu regime e ainda o regime do CSC. O RGOIC não quis impor-se ao CSC, e a ausência de hierarquização traz difi culdades.

Temos, por um lado, as sociedades de investimento colectivo que, sendo sociedades anónimas por determinação do RGOIC, adoptam a sigla S.A., assim inteirando qualquer interessado do tipo de sociedade em jogo183. Têm capital social dividido por acções sem valor nominal. Os detentores das acções, que

182 Artigos 316.º e ss. do CSC.183 Cordeiro, António Menezes, Manual…, cit. pp. 256-257.

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adquirem o status de accionistas quando as subscrevem, têm, além do dever – já cumprido – de realizar as entradas, os direitos à informação, a obter o valor cor-respondente à sua participação tal como este se contabilizar em sede de resgate ou liquidação e o direito – ainda que, em situações, mitigado – a constituir-se em assembleia. Esta assembleia será convocada e funcionará expressamente, salvo previsão contrária, nos mesmos moldes das assembleias de accionistas das sociedades anónimas.

As acções, como valores mobiliários que são, podem ser transaccionadas em mercado secundário.

O capital social, pelo menos no caso dos OIC sob forma societária de capi-tal fi xo, tem cifra defi nida no momento da constituição, e poderá ser aumen-tado ou reduzido, nos termos gerais.

As sociedades de investimento colectivo são constituídas através de um contrato de sociedade, sujeito a registo comercial, e regulam-se pelos seus pró-prios estatutos, ainda que sujeitas a autorização da CMVM.

No caso das sociedades autogeridas, uma administração e uma fi scalização, incorporadas em órgãos colegiais, tomam a actividade da sociedade a seu cargo.

As sociedades de investimento colectivo podem fundir-se ou cindir-se, e passar por operações de transformação e, no seu ocaso, dissolver-se e liquidar-se (e até reverter este processo e voltar à actividade).

Detalhando a análise, não será exactamente assim. A sigla S.A. é antecedida pela sigla específi ca que identifi ca estas sociedades como organismos de investi-mento colectivo. O capital social é um elemento que cremos ter demonstrado ter potencialmente carácter artifi cial, eventualmente até desnecessário, por ultrapassado por imposições concretas de patamares patrimoniais. Além de que uma das categorias de sociedades de investimento colectivo tem capital social mutável a todo o tempo, situação que não só não se verifi ca, como prova ser escassamente compatível com o regime das sociedades comerciais184.

Nas sociedades de investimento colectivo não existe opção às acções nomi-nativas. Os accionistas não podem diferir, nem parcialmente, as suas entradas, ou não chegariam a adquirir esse estatuto.

Mesmo a assembleia de accionistas (de resto, quando existe, o que parece não ser o caso das sociedades de capital variável) tem as suas competências

184 Veiga, Alexandre Brandão da, Fundos de Investimento…, cit., p. 555, num período em que as sociedades de investimento colectivo ainda não existiam em Portugal, a propósito das SICAV em França, refere que as mesmas «ofereceriam em Portugal especialidades de monta, na medida em que implicariam profundas infl exões no regime das sociedades anónimas, exactamente por o seu capital ser variável».

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muito bem delimitadas que não chegam, em qualquer situação, à deliberação sobre matérias de gestão.

A transmissão de acções não confere necessariamente o direito de preferên-cia aos outros accionistas, nem depende de consentimento.

O capital social que pode, como vimos, variar sem limites em alguns casos, noutros – o das sociedades de investimento de capital fi xo – fi ca sujeito a várias restrições quanto ao aumento e redução da cifra inicial.

A gestão das sociedades anónimas, não obstante as tendências actuais de autonomização, profi ssionalização e independência ganha, no caso das socie-dades de investimento colectivo heterogeridas, um distanciamento radical em relação à sociedade, consubstanciado no facto de a sociedade ser gerida por uma entidade externa.

A fi scalização das sociedades de investimento colectivo multiplica-se por um número de entidades onde se encontram os depositários e os auditores, com supervisão institucional omnipresente.

As operações de cisão, fusão e transformação não obedecem ao regime das sociedades comerciais, nem as de dissolução e liquidação, que o RGOIC igualmente assume.

Como de resto assume um vasto número de matérias, parte das quais tive-mos oportunidade de descrever.

Parece legítimo, em consequência, questionar se o contributo do regime das sociedades comerciais é materialmente relevante. As referências concretas do RGOIC ao CSC são limitadas: além adopção do tipo sociedade anónima, da forma de determinação do capital das sociedades de investimento colectivo heterogeridas de capital fi xo, da forma de convocação e funcionamento das assembleias de accionistas (de resto, apenas na medida em que os documen-tos constitutivos dos OIC não contenham regras próprias), e escassas outras referências meramente instrumentais (a defi nição de sociedades em relação de grupo e a detenção de sociedades por entidades gestoras), apenas encontramos pertinência, salvo melhor opinião, na aplicação das regras do CSC sobre o con-trato de sociedade e potencialmente das regras sobre a invalidade do mesmo. Aceitamos todavia que outras matérias possam, em concreto, ser aproveitadas.

Vemos contudo uma grande distância entre o regime das sociedades anóni-mas e o regime das sociedades de investimento colectivo.

A separação entre a titularidade das acções representativas do património societário e a gestão do mesmo185, quanto às sociedades de investimento colec-

185 Veiga, Alexandre Brandão da, Fundos de Investimento…, cit. p. 567 já tinha chamado a atenção de que «é a cesura entre a titularidade e gestão que distingue os fundos das sociedades».

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tivo heterogeridas, não encontra refl exo corrente, nem de resto utilidade, no regime das sociedades anónimas.

A confi guração dos direitos e deveres dos accionistas das sociedades de investimento colectivo é essencialmente regulada pelo RGOIC e não pelo CSC. A assembleia geral não é um órgão de cúpula, nem sequer está expres-samente previsto para todos os tipos de sociedades de investimento colectivo (ainda que possa defender-se a sua extensão a todas elas).

Mas é necessário testar se, independentemente da qualifi cação legal, as sociedades de investimento colectivo caem ou não defi nitivamente, atenta a sua natureza, no tipo das sociedades comerciais anónimas. As palavras de Mene-zes Cordeiro são lapidares: «(…) uma situação considerada, ou cai no tipo, e não há lacuna, ou cai fora dele e então, não sendo comercial, não tem de procurar solução à luz do Direito das sociedades»186. Para tanto, sugere que se identifi quem, no «universo das normas legais quais as integradoras do tipo, e quais as dispensáveis»187. Por exemplo, para o Autor, a «conformação da fi rma é decisiva». Quanto a esta entendemos, no âmbito do nosso estudo, que a fi rma das sociedades de investimento colectivo com o elemento fi nal S.A. não ajuda a delimitar o tipo de sociedade em jogo, sendo tais funções essencialmente desempenhadas pelas expressões do artigo 5.º do RGOIC.

A perspectiva com que o CSC e o RGOIC encaram os credores é também muito diversa. Nas sociedades de investimento colectivo, a prevalência do inte-resse dos accionistas é confesso e eclipsa a tutela dos credores, tal como o CSC o constrói. Nas sociedades de investimento colectivo, não existindo uma acti-vidade económica propriamente dita, nem uma particular ligação ao mercado, a presença de outros stakeholders fi ca desde logo reduzida. Já nas sociedades comerciais típicas, os interesses dos sócios não atingem tal primazia, existindo também e com relevo o interesse da própria sociedade e «os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade»188.

Nos OIC sob forma societária, o risco é assumido essencialmente pelos accionistas, pelo que perde relevância o princípio da intangibilidade do capital social – e mesmo, como tivemos já oportunidade de sublinhar, o capital social.

A diferença é, defendemos, estrutural. Os OIC são uma «forma jurídica de captação de aforro», como classifi ca Paulo Câmara189.

186 Cordeiro, António Menezes, Manual…, cit., p. 254.187 Cordeiro, António Menezes, Manual…, cit., p. 254.188 Artigo 64.º/1 b) do CSC.189 Câmara, Paulo, Manual…, cit., p. 847.

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Têm origem no trust, que «não encontra tradução jurídica exacta nos siste-mas continentais»190. A fi liação das sociedades de investimento colectivo reside nos tradicionais fundos de investimento e funda-se actualmente, em termos jurídicos a nível europeu, no pilar do investimento colectivo materializado nas Directivas UCITS e AIFMD, e não nas numerosas Directivas que moldaram o regime jurídico português das sociedades anónimas191.

Da mesma forma que os fundos de investimento têm algumas semelhanças com as sociedades comerciais192, mas não se confundem com elas193, as socie-dades de investimento colectivo devem ser encaradas, essencialmente, como veículos de investimento colectivo, para os quais a forma é meramente instru-mental, uma opção para os promotores, a par da forma contratual dos fundos194.

Neste sentido, a invocação do regime das sociedades anónimas, sobretudo em termos tão abrangentes como o pretende o artigo 5.º do RGOIC, faz apelo a conceitos com escassa utilidade prática.

As diferenças são, do nosso ponto de vista, estruturais. E, como escreve Brandão da Veiga a propósito de fundos de investimento, o regime dos OIC sob forma societária é essencialmente orientado a defender, «mais que accio-nistas de sociedades, investidores no mercado de valores mobiliários»195. De resto, como sintetiza lapidarmente o mesmo Autor, os OIC sob forma societá-ria representam, do ponto de vista dogmático «uma encruzilhada de confi gu-rações que constitui um teste à elasticidade das fi guras tradicionais do Direito. Na perspectiva do Direito Societário traduzem um fenómeno de “coisifi ca-ção”, de objectivação de pessoas colectivas, as sociedades, que se transformam praticamente em mero instrumento de investimentos. Na perspectiva da sua orgânica, pode levar mesmo (…) a um regime de heterogestão, em que o

190 Tomé, Maria João Romão Carreiro Vaz, Fundos de Investimento…, cit., p. 152.191 Sobre a matéria cfr., desenvolvidamente, Cordeiro, António Menezes, Direito Europeu das Sociedades, Coimbra, Almedina, 2005.192 Aproveitam, inclusivamente, parte do seu regime jurídico, designadamente quanto à convo-cação e funcionamento das assembleias de participantes.193 No mesmo sentido Veiga, Alexadre Brandão da, Fundos de Investimento…, cit., p. 567, fazendo notar primeiro as afi nidades entre fundos de investimento e sociedades comerciais não deixa de notar que «(…) as diferenças não podem ser escamoteadas. A sedimentação histórica de uma e outra fi gura, com refl exos no seu regime concreto e na utilização vivida destas fi guras é profundamente dissemelhante, em termos tais que nem sequer requer demonstração».194 De resto, é patente um tratamento em equiparação de regime, quanto à actividade dos fundos e dos OIC sob forma societária. Acresce que não seria de todo o modo desejável que a introdu-ção da possibilidade de se optar por um veículo de investimento colectivo com forma societária pudesse vir a canibalizar a tradicional forma contratual dos fundos de investimento, com presença no nosso país desde os anos de 1960.195 Veiga, Alexandre Brandão da, Fundos de Investimento…, cit. , p. 568.

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património da sociedade é gerido por uma entidade gestora diferente dos seus órgãos sociais (…). Na perspectiva (…) do Direito do Mercado de Valores Mobiliários, demonstra-se a elasticidade de instrumentos jurídicos usados para a criação de valores mobiliários e a objectivação também dos próprios valores mobiliários. As acções das sociedades de investimento (…) desviam-se da sua função típica para assumirem, acima de tudo, a função de uma quota na gestão de um património»196.

Competirá à doutrina no futuro lançar mais luz sobre este tema.Sem pretensões, lançamos duas possibilidades.De jure condendo considerar que o princípio da tipicidade do artigo 1.º/2

do CSC não prejudica a construção de um sub-tipo de sociedade anónima, onde cremos se poderiam melhor desenvolver as potencialidades dogmáticas das sociedades de investimento colectivo. Seriam sociedades com uma confi -guração própria, distinta das sociedades anónimas «gerais»197, para cujo regime poderiam remeter em situações concretas. Solução semelhante foi, de resto, adoptada para as sociedades unipessoais por quotas.

Outra opção, mais ousada, seria abdicar da inclusão das sociedades de inves-timento colectivo na categoria das sociedades anónimas. A fi gura poderia assim construir-se e solidifi car-se como um novo e autónomo tipo societário, regu-lado no RGOIC (as sociedades de investimento colectivo), aceitando o recurso subsidiário ao regime das sociedades anónimas em situações perfeitamente iden-tifi cadas. Esta opção tornaria ainda desnecessário elencar as incompatibilidades do regime societário: as sociedades de investimento colectivo teriam o seu pró-prio regime, tal como consta do RGOIC. Em tudo o que não especifi camente previsto poderiam reger-se pelo disposto quanto aos fundos de investimento e, só na ausência de previsão normativa específi ca no RGOIC, para o regulado pelo CSC que não se mostrasse incompatível com a natureza e objecto especí-fi cos do regime do investimento colectivo.

196 Veiga, Alexandre Brandão da, Fundos de Investimento…, cit. , p. 224.197 Furtado, Jorge Henrique Pinto, Curso…, cit., p. 45, refere as «tipicidades das sociedades de direito especial que, quando formam sociedades comerciais, se confi guram como tipicidades em função do objecto social».

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