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    103Revista Historiador Nmero 05. Ano 05. Dezembro de 2012Disponvel em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador

    O ORDOLIBERALISMO ALEMO EXPRESSO NO IDERIOECONMICO DE ROBERTO CAMPOS

    Caroline Rippe de Mello Klein1

    ResumoEste artigo aborda a influncia do iderio alemo conhecido como ordoliberalismo, umateoria econmica incorporada pela Alemanha no ps-guerra que suscitou o queconhecemos pelo Milagre econmico alemo na Guerra Fria, essa proposio foi pensadana Escola de Friburgo, onde um comit cientfico elaborou uma teoria que possusse

    caractersticas mais liberais e menos keynesianas, prof essando uma economia demercado livre das intervenes estatais. Essa teoria pode-se ver expressa nas obras dopoltico Roberto Campos no final dos anos 60 em diante, onde o intelectual passa por umprocesso de mudana em sua maneira de pensar o Brasil, transferindo e adaptando teoriaseconmicas e sociais para o pas, a fim de pensar o seu desenvolvimento como uma naoprspera como as de primeiro mundo, passando a confiar a iniciativa dessedesenvolvimento mais na iniciativa privada e empreendedora do que na estatal.

    Palavras-chave: Ordoliberalismo; Roberto Campos; Poltica.

    1. Definies Filosficas: O Ordoliberalismo alemo

    O liberalismo clssico no um sistema rgido, de forma que se concretiza como um

    anti-sistema2, motivo pelo qual sua consolidao como pensamento e at mesmo filosofia foi

    um potencial emulador de grandes transformaes sociais no campo poltico, econmico,

    cientfico e religioso3. O bero se deu atravs de um pensamento de vrias frentes, mas

    culminante num ponto chave, a soberania do individuo que nasceria dotado de direitos

    naturais e inalienveis, e estes seriam a origem de todos os demais. A construo disso se

    deu atravs do tempo, havendo mutaes ao longo de sua criao e discordncia entre

    intelectuais, de forma que nesse presente captulo ser abordada a corrente liberal clssicae suas modificaes ao longo dos sculos, at chegarmos sua variante definida como

    ordoliberalismo no sculo XX, aps a II Guerra Mundial.

    O Ordoliberalismo deriva do latim ordo, significado em relao ordem interna, em

    contraste com ordenado de fora, ou um imposto externamente (GROSSKETTLER, 1989:

    1Mestranda em Histria pela Unisinos Bolsista CAPES. Email: [email protected] aqui como um anti-sistema, pois o liberalismo do sculo XVII surge de forma a combater o antigoregime absolutista e o sistema feudal, que reprimia as atividades do homem e no o reconhecia como indivduo.Surgindo como uma ideologia de estratos mdios ascendentes na sociedade moderna. Onde o indivduo, acima

    de todo governo deve exercer sua soberania e dotado de direitos naturais.3A ideologia liberal responsvel por vrias mudanas nos processos histricos, como a Revoluo Francesa emodificaes no secularismo eclesistico e mais adiante no sculo XIX, o reconhecimento dos direitos civis,polticos e econmicos.

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    43). Essa teoria surge no oeste da Alemanha com as concepes poltico-econmicas

    adotadas pelo pas no ps-45. O ordoliberalismo surge na Escola de Friburgo com Walter

    Eucken como maior expoente intelectual dessa teoria, originria nos anos de 1938, em

    oposio ao nacional-socialismo e as bases das convices crists. Aps 1945, a situaoda Alemanha era catica:

    De fato, os nmeros das estruturas de proteo social alems soeloqentes. Destrudo na Segunda Grande Guerra, o pas volta a crescercom mpeto impressionante e j no incio dos anos 1950 retoma sualiderana industrial na Europa e seu papel de locomotiva do continente.Tal crescimento vem acompanhado da reestruturao de esquemas deseguro-desemprego, proteo previdenciria e assistncia sade queigualam ou superam, em pouco tempo, os programas similares de pasescomo Sucia e Frana (RAIMUNDO, 2009: 07).

    Sendo assim, no ps-guerra a Alemanha teve muitas vidas perdidas e construes

    devido aos bombardeios, avanos dos aliados e a poltica de desmonte e transferncia da

    indstria alem por parte dos soviticos no fim dos conflitos, porm mesmo com todo o caos

    instaurado, em maio de 1945, pouco mais de 20% do parque industrial da Alemanha

    estavam destrudos, mesmo no Ruhr, onde grande parte do bombardeio aliado tinha se

    concentrado, dois teros das fbricas e da maquinaria sobreviveram intactos (JUDT, 2007:

    97), portanto a Alemanha manteve algo prximo de 80% de sua estrutura industrial intacta

    ou pelo menos muito pouco avariada. Portanto para contornar a crise, a opo de um

    socialismo democrtico, nesta altura ainda muito eivada da inspirao marxista,apresentava-se como uma espcie de Terceira Via entre o capitalismo e o comunismo

    (COSTA, 1999: 14).

    Nesse contexto se v que o Estado Alemo foi fortemente abalado, pois o papel desse

    Estado sempre foi atrelado ao desenvolvimento do pas desde a unificao, pois sem a

    presena decisiva do Estado alemo, o pas certamente no teria superado a produo

    industrial de muitos dos principais pases centrais j na ltima dcada do sculo XIX

    (LANDES, 1995: 201). Portanto uma interveno era necessria para que o pas pelo menos

    se mostrasse prspero, ainda mais sendo dividido com o bloco sovitico e de certa forma, ocapitalismo americano. Sendo assim, impossvel compreender a forma que a Alemanha

    se recuperou da Guerra sem pensar em como as articulaes polticas norte-americanas e

    soviticas se deram na Guerra Fria. Pois:

    A estratgia de dominao norte-americana, no entanto, no repetia oserros do perodo ps-Primeira Guerra Mundial. A recomposio dassociedades europias deveria ser feita a partir de um princpio: o Estadodominador seria o estado norte-americano e a reestruturao dessassociedades deveria ser feita sob sua tutela e, na medida do possvel, apartir de seu modelo liberal. Antigos imprios esfacelados pela guerra, como

    a Frana, tm ainda alguns graus de liberdade para tentar opor-se aoavano norte-americano - como j previsto por Trotsky, anos antes(RAIMUNDO, 2009: 08).

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    Dessa forma, o liberalismo peculiar alemo se d entre 1948 e 1960 de forma mais

    atuante. O ordoliberalismo se mostra liberal em suas bases, porm faz uma crtica ao

    aspecto do laissez faire liberal econmico, dizendo que a competio e mercados livres

    foram artificialmente formados historicamente com o suporte, articulao e acumulao depoder em pequenos nichos das esferas pblicas e privadas, distorcendo as economias de

    troca, por serem construdas historicamente de forma parcial, por isso que para o mercado

    ser vivel ao longo dos anos, necessrio que o Estado imponha regras e intervenha na

    economia. Para o liberal Wilhelm Rpke:

    Uma economia de mercado e o nosso programa econmico pressupem oseguinte tipo de Estado: um Estado que sabe exatamente onde traar alinha entre o que faz e o que no lhe diz respeito, o que prevalece naesfera que lhe atribudo, com toda a fora de sua autoridade, mas abstm-

    se de toda interferncia externa de sua esfera - um rbitro energtico cujatarefa no nem de tomar parte no jogo, nem para prescrever os seusmovimentos para os jogadores, que melhor totalmente imparciale incorruptvel e cuida para que as regras de o jogo e de desporto sejamestritamente cumpridas. Esse o estado sem a qual uma verdadeira e realeconomia de mercado no pode existir (RPKE, 1950: 192).

    Dentre os expoentes do chamado ordoliberalimo pode-se listar Ludwig Erhard,

    Walter Eucken, Hans Grossmann Doerth, Franz Bhm, Willhielm Rpke e Alfred Mller-

    Armack e Konrad Adenauer, todos voltados para a Escola de Friburgo. A teoria dessa

    escola prev uma espcie de fuso entre o socialismo alemo do oeste e o liberalismo, que

    programou o chamado Milagre Econmico Alemo na dcada de 1950. Essa teoria prevque o mercado deve ser controlado, e no ser livre totalmente como previsto pelo

    liberalismo clssico, mas sim, o Estado deveria ser o seu provedor de forma a garantir a

    concorrncia e a estabilidade monetria. Dessa forma, essa teoria ordoliberal tambm pode

    ser conhecida como Economia Social de Mercado, pois combina termos do liberalismo

    clssico com a economia planejada no estilo sovitico. Dentre as polticas do

    ordoliberalismo, esto: Uma poltica monetria independente; o controle de cartis e

    monoplios; o abandono do protecionismo; uma poltica econmica estvel e previsvel; uma

    imposio redistributiva; a correo das reaes anormais dos mercados por parte doEstado, de forma que o mesmo venha a intervir, responsabilizando-se por suavizar as

    flutuaes conjunturais e facilitar as adaptaes estruturais da economia de mercado; o

    Estado no deve planificar ou dirigir o processo econmico, tal como na economia sovitica.

    No que diz respeito poltica econmica, por prxima que a concepo ordoliberal

    quanto ao papel do Estado aparentemente esteja das concepes keynesianas, h aqui

    uma armadilha que deve ser destacada: o imperativo da poltica monetria traz um vis

    deflacionista poltica econmica (MEDEIROS, 2004, p. 164). A ideia de que cabe ao

    Estado eliminar as falhas de mercado est mais prxima a uma concepo

    neokeynesianismo, diretamente derivada do monetarismo, do que de uma concepo

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    originalmente proveniente de Keynes, para o qual o Estado deveria ter a liberdade para

    utilizar-se das polticas necessrias no momento exigido, sem que se impusesse qualquer

    tipo de dominncia monetria (COSTA, 1999).

    1.2 O Milagre Econmico Alemo Wirtschaftswunder

    O perodo do ps-guerra conhecido como o II Milagre Econmico Alemo, pois foi

    quando logo aps o desastre provocado pela II Guerra a Alemanha estabelece uma moeda

    forte o Deustche Mark, e estabelece novas diretrizes poltico-econmicas para o pas, a

    fim de sair da crise em todos os setores provocados pela guerra. Porm importante frisar

    que a Alemanha, segundo a historiografia teve dois milagres, um marcado ainda no

    governo de Hitler (1933-1945), e o posterior que criou teorias e hipteses provenientes da

    academia de Friburgo como o ordoliberalismo.Dessa forma, o I Milagre Alemo seria o que estava em processo desde a chegada de

    Hitler ao poder at o final da II Guerra, que em longo prazo no se sustentou, pois o pas

    injuriado pela II Guerra vem a cair em outra crise. Na tese de Overy (1996) e Abelshauser

    (2000), ambos defendem que o NSDAP foi o primeiro grande partido que tomou parte de

    idias Keynesianas4, dessa maneira a economia caminhava na direo de um grau maior

    de planificao centralizada (FEIJ, 2009: 248). A reforma foi feita baseadas nas seguintes

    diretrizes:

    Algumas medidas de natureza tributria e fiscal foram tomadas. O crditoao consumo desempenhou um papel importante no perodo. A convico deque a sada da depresso econmica, que se prolongava desde 1928,passava por polticas de estilo keynesiano de expanso da demandaagregada via gastos pblicos era compartilhada entre os membros domovimento nazista. Os radicais de direita alemes nutriam certa simpatiapelas idias de John Maynard Keynes. O pensador ingls se popularizaraentre eles desde que publicou o livro As conseqncias econmicas da paz(Keynes, 1991) que denunciava o Tratado de Versalhes, odiado pelo povo eque servia com frequncia de mote da mensagem nazista, obcecada emconden-lo como uma traio ptria (FEIJ, 2009: 247).

    A economia nazista, conhecida como zwangswirtschaft (economia coercitiva) eramantida de forma centralizada, e continuou tomando as decises sobre preos, produo e

    prerrogativas, alm da infra-estrutura de (re) construo. O que causou um colapso

    monetrio no sistema, motivando a proliferao de atividades no mercado negro

    (RITTERSHAUSEN, 2007:20) aps a II Guerra, por isso, que com as medidas do governo

    nacional-socialista o pas no pde se sustentar em longo prazo.

    Em 1948 o povo alemo tinha vivido sob o controle de preos por doze anos

    e racionamento durante nove. Adolf Hitler imps controle de preos sobre o povo alemo em

    4Llewellyn H. Rockwell Junior (2003) sustenta a mesma posio quando afirma que Os economistasde Hitler rejeitavam o laissez-faire e admiravam Keynes; at mesmo se anteciparam a ele emdiversos sentidos.

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    1936 para que seu governo pudesse montar a armaria de guerra a preos artificialmente

    baixos. Mais tarde, em 1939, um dos principais deputados de Hitler nazista, Hermann

    Goering, imps um racionamento, assim como Roosevelt e Churchill, que

    tambm impuseram controles de preos e racionamento. Durante a guerra, os nazistasfizeram flagrantes violaes dos controles de preos sujeitos. Em novembro de 1945 a

    Autoridade de Controle dos Aliados , formada pelos governos dos Estados Unidos, Gr-

    Bretanha, Frana e Unio Sovitica, concordaram em manter de o controle de preos e

    racionamento.

    Muitas transaes que as empresas realizavam e contratavam era compensatria,

    ou seja, trocar a sada de sua empresa por insumos necessrios para a sobrevivncia, de

    forma burocrtica. Em setembro de 1947 especialistas militares dos EUA estimam que cerca

    de um tero metade de todas as transaes comerciais nas reas dos EUA ebritnicas foram na forma de "comrcio de compensao" (uma espcie de permuta).

    Escambo era muito ineficiente em comparao com a compra direto de bens e servios por

    dinheiro. O economista alemo Walter Eucken escreveu que permuta e auto-

    suficincia eram incompatveis com uma extensa diviso do trabalho, e que o sistema

    econmico tinha sido reduzido a uma condio primitiva (HAZLETT, 1978: 34). Em maro

    de 1948 a produo foi de apenas 51% de seu nvel em 1936, e aps a guerra, a produo

    industrial da Alemanha ficou restrita a 30% do volume alcanado antes de 1939, as dvidas

    pressionavam e havia um excesso de dinheiro em circulao, o que acabou minando a

    autoridade da moeda como indicador de poder aquisitivo (EFE, 2008). Sendo assim, aps a

    II Guerra, o perodo de 1945-1957 marcado pelo II Milagre Alemo, responsvel pela

    criao da economia social de mercado, que possui o mesmo significado de

    ordoliberalismo.

    A mudana mais punjante que se viu nesse II Milagre Alemo foi em 20 de junho de

    1948, quando foi implantada uma radical reforma monetria. O Deutsche Mark

    (DM).substituiu o Reichsmark (RM) com uma converso proporcional de acordo com o

    carter das dvidas do pas, a partir de zero (dvida pblica); 6,5% (depsitos bancrios e

    reservas); 10% (hipotecas e dvidas privadas). A taxa de cmbio foi de 1:1 per capitapara

    os primeiros 40DM (HARDARCH, 1980: 107). Portanto, a cada indivduo foi

    concedido 40DM de crdito e s empresas foram concedidos 60DM por empregado. As

    autoridades pblicas recolheram o equivalente a receita de um ms (GIERSCH et all, 1994:

    36). No total, 93,5% das aes monetria foram retiradas de circulao, com mais de

    400 bilhes em RM de crditos e responsabilidades anuladas (BRAUN, 1990: 155).

    Juntamente com a reforma monetria real e liberalizaes mais de 400 itens foram

    imediatamente removidos da lista de produtos controlados. Em julho de 1948, 90% do

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    controle de preos previamente existentes foram abolidos, terminando formalmente o

    congelamento de preos de 1936 (STOLPER et all, 1967: 228).

    Porm, ainda havia muito ceticismo de que com uma liberalizao maior da economia

    a Alemanha fosse se reestruturar, como declara sobre esse perodo John KennedyGalbraith:

    Durante os ltimos dois anos, tem sido afirmado com frequncia cada vezmaior que se, de alguma forma, a economia alem pode ser libertada demateriais e regulaes dos recursos humanos, controle de preos e outrasparafernlias burocrticas, a recuperao seria acelerada. No entanto,nunca se teve a menor possibilidade de obter a recuperao alem por estarevogao, e bem possvel que a sua reiterao adiou arecuperao alem. A questo no se deve ou no haver planejamento, aatribuio de prioridades para a sua reconstruo e reabilitao, aalocao de materiais e mo de obra, o fornecimento de bens de incentivo e

    todo o resto, mas no que o planejamento tem sido franco e eficaz(GALBRAITH, 1948: 94).

    Dessa maneira, com essas reformas entre junho e dezembro de 1948, a produo

    industrial no oeste nas trs zonas aumentou 50%. Em maio de 1949 as trs zonas foram

    fundidas para formar a Repblica Federal da Alemanha, comumente chamado de a

    Alemanha Ocidental, enquanto a Alemanha Oriental permaneceu sob o domnio

    sovitico como a Repblica Democrtica Alem. Em 1958, o PIB per capita da

    Alemanha subiu trs vezes. O pas superou a Frana e o Reino Unido, apesar de

    receber muito menos auxlio do Plano Marshall.

    Os acadmicos responsveis pela criao do modelo ordoliberal escreveram vrias

    obras sobre os problemas econmicos e, principalmente sociais que a Alemanha enfrentava

    no ps II Guerra. Um desses acadmicos foi Rpke, que em seu livro A questo alem em

    1945, examinou a Histria recente da Alemanha totalitria e quais os fatores que levaram

    Alemanha ao mais profundo desastre, ele escreveu: "nacional-socialismo no um drago

    a espreita nas florestas virgens da Alemanha, mas uma variedade nacional de uma espcie

    maior de zoolgico chamado totalitarismo, que, pela primeira vez em nossa era moderna,

    tinha sido criado na Rssia em 1917 (RPKE, 1946: 513). Assim, ele identificou ocoletivismo econmico como verdadeiro mal-estar alemo, condenando os fracos,

    desonestos ou estpidos na profisso acadmica que tinha concordado para a

    coletivizao em 1933.

    Rpke sempre atacava os burocratas do Estado, que continuaram a afirmar que o

    planejamento econmico centralizado era a melhor soluo aps a Guerra. Uma vez que

    seus argumentos eram reforados por Eucken, que escreveu vrias crticas sobre o controle

    central da economia, ao mesmo tempo em que criticava o mercado totalmente livre. Em

    1947, ele publicou um livro intitulado A competio como tarefa, onde reiterou os princpios

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    do Ordoliberalismo, ao mesmo tempo em que denunciava os detalhes sobre as ameaas da

    plena concorrncia.

    2. O pensamento ordoliberal de Roberto Campos na poltica brasileira

    Para entender o pensamento poltico e econmico de Roberto Campos, deve-se

    primeiramente compreender sua formao intelectual. Teve sua educao voltada para o

    seminrio e o catolicismo, veio a graduar-se em Filosofia em 1934 e Teologia em 1937, e

    posteriormente vem a formar-se em economia nos Estados Unidos em 1942. Nos Estados

    Unidos ainda, atuou como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico

    em 1952, e Embaixador do Brasil entre 1961 e 1963. Tambm foi o idealizador e um dos

    criadores do Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS) em 1966 juntamente com

    Castello Branco e Octvio Bulhes5e o Banco Nacional de Habitao (BNH) em 19646. nesses rgos pblicos e medidas estatais que nota-se a orientao de uma economia

    social de mercado presente na funo dessas instituies, visto que, ampliam e auxiliam a

    populao atravs da concesso de crdito e outros auxlios.

    Campos vivenciou o contexto da Guerra Fria, o antagonismo entre duas potncias

    mundiais, quando Estados Unidos e Unio Sovitica, ao mesmo tempo, divulgavam xito

    total, e taxavam uns aos outros como fracassos cambaleantes. Em outras palavras, a

    Guerra Fria significou a oposio entre dois modelos de sociedade a capitalista e a

    socialista, em que as duas superpotncias aceitaram a distribuio global de foras no fim

    da Segunda Guerra Mundial, que equivalia a um equilbrio de poder desigual, mas no

    contestado em sua essncia (HOBSBAWN, 2003: 224). A Unio Sovitica controlava uma

    parte do globo, que o exrcito vermelho e tropas de fora militar estavam ocupando desde a

    II Guerra Mundial, j os Estados Unidos, por outro lado, controlava a outra parte - o

    Ocidente, atravs do consumo, impulsionado pelas polticas econmicas americanas, em

    vista de deixar sua balana comercial sempre favorvel. Ao mesmo tempo, as duas

    potncias evitavam um confronto direto de foras, para no provocar uma III Guerra

    Mundial.

    Roberto Campos foi um intelectual que teve dois grandes momentos: o primeiro de

    1964-67, onde permanece no Brasil, antes de assumir a embaixada em Londres onde, ainda

    muito influenciado pelas idias ordoliberais e desenvolvimentistas, que fizeram parte de sua

    formao, Campos acredita que a razo econmica est no Estado, sendo apoiador do

    mesmo como uma instncia que deve gerir e intervir na economia, sem o uso do laissez-

    fairepara o mercado no Brasil desta poca.

    5

    Lei no

    5.107, de 13 de setembro de 1966. Disponvel em: Acesso em: 17 ago. 2010.6Lei n 4.380, DE 21 de agosto de 1964. Disponvel em:Acesso em: 17 jun.2010.

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    Em termos de pensamento econmico, o antagonismo oferecido pela economia liberal

    - livre mercado, em relao socialista planejamento em todos os setores - parece ter

    encontrado a resposta numa terceira via mais conhecida como economia social de

    mercado. Essa teoria conhecida tambm por economia mista, expondo que o Estadodesempenharia um papel crucial no planejamento e intervenes criando mecanismos para

    o controle de oferta e demanda inclusive, sendo uma verso embasada nos escritos de John

    Maynard Keynes sobre teoria macroeconmica.7Inicialmente Campos, adere a essa teoria

    nos anos 50 e ao longo dos anos 60, apesar desta teoria mutilar o potencial de poupana e

    [...] perpetrar a inflao e o subdesenvolvimento [...], pois a teraputica keynesianaaplica-se

    muito bem a economias desenvolvidas em depresso, mas nunca a naes

    subdesenvolvidas com inflao, como foi dito por um dos intelectuais responsvel por sua

    formao, Mario Simonsen.Por isso, Roberto Campos declarou que na primeira parte dos anos 60 o Brasil

    perdeu seu mpeto desenvolvimentista que tinha nos anos 50, por desastres polticos

    (SIMONSEN, 1974: 25). Neste sentido, apoiou as polticas do presidente militar Castello

    Branco, pois sua funo era reafirmar a autoridade para salvar a liberdade (CAMPOS,

    1968: 354), alm de conceber Castello Branco como: o antidemagogo, reformador de

    costumes, modernizador de instituies e administrador racional (CAMPOS, 1968: 353).

    A imprensa sempre colocou Roberto Campos como um entreguista8, esse apelido

    anedtico surgiu por causa da ampla relao amistosa que Roberto Campos9 tinha com o

    mundo internacional, principalmente os Estados Unidos e o economista Milton Friedman. O

    que com a nomeao de Campos ao cargo de Ministro Extraordinrio do Planejamento e

    Coordenao Econmica no regime militar, ocasionou certa polmica em alguns setores

    mais a esquerda do pas, e seus opositores como Delfim Netto. Campos sempre atuou na

    participao dos planos de estabilizao econmica do pas, inclusive no governo de Joo

    Goulart, quando na ocasio era embaixador em Washington. Campos participou de dois

    7A teoria macroeconmica est expressa na obra: A teoria geral do emprego, do juro e da moeda,sob autoria de John Maynard Keynes, publicada em 1936, que previa um maior controle do mercadopelo Estado, no qual a poupana, investimentos e renda devem ter um equilbrio estvel entre si.Sendo somente possvel a realizao desse planejamento atravs do controle sob a taxa de juros edemanda por moeda.8 O jornal Folha de So Paulo e Carlos Lacerda argia que o ministrio era composto deconservadores e entreguistas. Os entreguistas ao qual Roberto Campos se encaixa, seria aquelegrupo voltado ao mercado externo e menos s questes internas do pas, sendo por conseqnciamenos protecionista. J outros ministros e intelectuais como Jorge Mello Flores, coordenador do IPESdizia que Campos j havia sido chamado at de comunista.9

    Roberto Campos conhecido tambm como Bob Fields, pois era como Friedman o chamava emsuas conversaes com o poltico brasileiro, sendo Bob um diminutivo de Roberto, e Fields Camposem ingls. Esse pseudnimo foi tornado motivo de chacota por parte de opositores a Campos athoje.

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    planos econmicos diretamente o plano de metas10 e o programa de estabilizao dos

    preos no governo de Juscelino Kubistchek, juntamente com o ministro Lucas Lopes, o que

    ocasionou o rompimento de JK para com o FMI em 17 de junho de 1959.

    Cabe acrescentar que Campos atuou efetivamente na economia brasileira no governode Castelo Branco at 1967, sendo sucedido por Delfim Neto no governo de Costa e Silva

    (1967-1969). No primeiro governo militar ocorreu o milagre econmico gerenciado por

    Campos, em que a inflao fora reduzida de 92% em 1964 para 28% em 1967, abrindo

    espao ao boom, com uma mdia de expanso de 10,9%, possibilitando a oferta de crdito

    e crescimento no setor industrial posteriormente, tal como ocorreu, porm em maior escala

    na Alemanha do ps II Guerra.

    2.1 Planejamento, Desenvolvimento e NacionalismoCabe esclarecer que a teoria do planejamento algo menos concreto do que o

    projeto, possuindo suas diferenas entre os pases de economia capitalista ou socialista, de

    cunho marxista ou moderado. Em pases considerados subdesenvolvidos a teoria do

    planejamento segue uma linha distinta das outras duas citadas anteriormente, devido s

    particularidades que seus setores apresentam. H argumentos a favor da teoria do

    planejamento e contra tambm, em que:

    Um dos vrios argumentos de que se lana mo para demonstrar ainevitabilidade do planejamento, e o mais frequente usado, o de que astransformaes tcnicas tornaram impossvel a concorrncia em caposcada vez mais numerosos e s nos resta escolher duas alternativas: ou ocontrole da produo por monoplios privados, atravs de trustes e cartis[grifo meu], ou direo pelo governo (HAYEK, 1984: 78).

    A teoria de planejamento adotada por Campos a de Carl Landauer 11, que se

    definiria como uma orientao das atividades econmicas por um rgo comunal, mediante

    um esquema que descreve, em termos quantitativos assim como qualitativos, os processos

    produtivos que devam ser empreendidos durante um perodo de futuro prefixado

    (CAMPOS, 1963: 10). Tanto o planejamento quanto a interveno estatal so positivos aospases subdesenvolvidos, visto que um dos principais problemas do planejamento reside no

    setor empresarial, principalmente entre a empresa estatal e estrangeira: a estatal exige

    concentrao de capital contra a alta tecnologia das estrangeiras, logo para corrigir essa

    debilidade do empresariado nacional, o Estado deve estimul-lo atravs de auxlios, pois

    10Segundo nas prprias palavras de Roberto Campos: O plano , portanto, algo mais concreto queuma declarao de poltica, ou mesmo um programa de ao.11Carl Landauer (1891-1983) foi um professor emrito alemo que atuou na rea de economia em

    diversos pases, vindo a falecer nos Estados Unidos, ltimo pas que atuou. Em 1912 se tornoumembro do Partido Social Democrata alemo, foi quando comeou a escrever sobre economia. Noperodo da Segunda Guerra, lutou pela democracia e contra a ascenso do nazismo. Faleceu aos 92anos, dois dias depois de publicar seu ltimo livro.

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    112Revista Historiador Nmero 05. Ano 05. Dezembro de 2012Disponvel em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador

    essa debilidade fruto de uma m distribuio de renda associada inexperincia dos

    profissionais da rea. Inclusive devido a isso h rgos de crdito internacionais voltados

    pequena e mdia empresa, tal como o FUNDECE, FINAME e FIPEME12, constituindo assim

    uma nacionalizao do crdito externo.A teoria de Roberto Campos, num segundo momento, j no regime militar, sofreu uma

    influncia da Escola de Friburgo. Para esta escola econmica alem, no mbito de suas

    deliberaes, ela tem por premissa o providencialismo em que as aes econmicas dos

    indivduos promovem sua prosperidade e o automatismo do mercado, composta por foras

    imanentes, que regulam os setores econmicos. Cabe acrescentar que a teoria de Roberto

    campos tambm foi influenciada pelo pensamento econmico de Mario Simonsen, o qual

    fora um dos fundadores do conhecido desenvolvimentismo em 1944, poca onde o

    planejamento e a industrializao emergiram no Brasil, portanto como questesextremamente politizadas (SOLA, 1998: 75).

    Dentre as teorias desenvolvimentistas, os aspectos mais destacados eram: o

    crescimento de salrios e indstrias, expanso do mercado interno e as medidas de base na

    educao e sade, medidas essas necessrias para que os pases subdesenvolvidos

    pudessem obter alguma ascenso no cenrio interestatal. Esse discurso ser reavaliado e

    incorporado pela prpria CEPAL posteriormente, chegando at 1952 com a criao do

    BNDE, com ativa participao de Roberto Campos na rea tcnica, onde o to preterido

    investimento de capitais externos e ampliao do mercado interno foram as principais

    medidas realizadas por esse rgo de fomento ao empresariado industrial.

    Cabe afirmar que a ideologia do desenvolvimento toma forma com o governo de

    Juscelino Kubitschek, tornando-se uma preocupao frequente a partir da dcada de 1950

    no Brasil, e inclusive nos pases onde a taxa de crescimento vinha sendo mais elevada. O

    capital estrangeiro nessa dcada visto como necessrio para acelerar o aumento da

    renda, dessa forma atravs dos investimentos desse capital, se pensava que a taxa de

    crescimento se elevaria, porm:

    12FINAME: Agncia Especial de Financiamento Industrial um rgo subsidirio ao BNDES (BancoNacional de Desenvolvimento Econmico e Social), criado em setembro de 1964. Oferecefinanciamentos, sem limite de valor, para aquisio de mquinas e equipamentos novos, defabricao nacional, atravs de instituies financeiras credenciadas.

    FIPEME: Programa de Financiamento Pequena e Mdia Empresa. Criado em 1964, e vinculado aoBanco Nacional de Desenvolvimento Econmico (BNDE), o FIPEME torna-se uma unidadeoperacional com a reestruturao do banco, um sistema de apoio gerencial s micro e pequenasempresas.

    FUNDECE: Fundo de Desenvolvimento da Educao e Capacitao Empreendedoras das micro-

    empresas. Tendo como objetivo, a gerao de recursos financeiros exclusivamente paradesenvolvimento de programas e projetos de formao e capacitao nas reas deempreendedorismo, gesto, informao, tecnologia e inovao, objetivando a profissionalizao emelhoria da competitividade das micro e pequenas empresas brasileiras.

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    O principal problema a dependncia to forte das relaes de intercmbio,em que todo este processo pousou, e a influncia muito pequena que umaeconomia como a brasileira capaz de exercer para control-las a seu favor(BNDE, 1955).

    Dos principais argumentos a favor da insero do capital estrangeiro no governo deJuscelino era que ele no se pautava num debate emocional, mas numa necessidade

    tcnica, a fim de fortalecer a economia. Esse capital foi amplamente empregado na

    industrializao, para que o pas se tornasse soberano e prspero. Para Juscelino, esse

    investimento na indstria terminaria com pensamento colonialista brasileiro. Na concepo

    de JK, o nacionalismo se define pelo desenvolvimento, de cunho anticomunista, pois se

    baseia na defesa da Nao e repdio a subverso, onde:

    Num pas como o Brasil, o que colonizador a ausncia de investimentos,

    ausncia de empregos e capitais. No somos mais nao colonizvel.Acreditar na possibilidade de sermos escravizados por influncias dodinheiro estrangeiro o mesmo que concluir pela nossa personalidadenacional e ao nosso carter de povo formado (CARDOSO, 1977: 140).

    No caso da presidncia de Juscelino, essa ideologia do desenvolvimentismo toma

    forma e clareza em seus objetivos, pois havia uma maior preocupao com os pases em

    crescimento como o Brasil na poca. Por isso deviam-se lanar no mercado os produtos

    brasileiros, pois a partir do capital nacional seria gerada a exportao, porque essas

    relaes com o mercado externo prejudicavam os pases mais fracos economicamente.

    Por sua vez, Campos se apresenta como um antinacionalista, em suas obras, o autoracredita que o nacionalismo mais se preocupa em distribuir riquezas do que em produzi-las,

    alm de em outras instncias ser at mesmo xenfobo e, consequentemente excludente.

    Redistribui riqueza para os pobres, discrimina a agricultura e enaltece a indstria

    atendendo aos interesses da classe mdia; tende a favorecer a propriedade coletiva e

    estatal para a socializao de empregos para a classe mdia emergente, dificultando em

    assegurar carreiras. Essa opinio de Campos um contra-argumento ao nacionalismo

    moderado do governo Vargas, relacionado com a poltica de massas e com o estilo

    populista [...], em resposta ao processo de redistribuio de recursos polticos associado concorrncia eleitoral e crescente integrao das massas urbanas vida poltica (SOLA,

    1998: 94).

    2.2 Teorias deturpadas e aes controversas

    (...) as deformaes de mentalidade so nossos verdadeiros inimigos. Hmuito luto contra trs deles: o pseudonacionalismo, o pseudoigualitarismoeo pseudoliberalismo(CAMPOS, 1987: 05).

    O pseudonacionalismo, segundo Roberto Campos se caracteriza pela retrica

    agressiva em detrimento de uma opo pela soluo mais eficaz. Suas barreiras, quasexenofbicas, rejeitam o que no podem substituir, ou seja, os resultados so substitudos

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    pelo discurso agressivo e antiliberdade. O nacionalismo vivenciado por Campos em sua

    poca concentrava os poderes econmicos e de mercado no Estado, declarando-se at

    mesmo antinacionalista, pois:

    [...] se alguma coisa a histria nos ensina que a concentrao do podereconmico no Estado acaba afirmando mais cedo ou mais tarde opluralismo poltico, pois o poder nacional uma categoria intuitiva comosendo, o poder de coero que uma nao pode exercer sbre as outras,quer por mtodos pacficos, quer por mtodos militares (CAMPOS, 1964:37).

    O pseudoigualitarismo, advindo pelo que Lord Action se refere como fatal posio

    pela igualdade, promete assegurar o sucesso de todos, enquanto se mostra possvel ao

    estado na melhor das hipteses, facilitar o acesso a tal como adubo da demagogia feita

    liberdade e oprime a competio, fomentadora da renovao e do progresso. Porm

    baseado na teoria de Friedman, o liberalismo econmico antecessor ao poltico, e uma

    possvel igualdade viria a posteriori, tal como Friedman afirma no trecho a seguir:

    [...] De um lado, a liberdade econmica parte da liberdade entendida numsentido mais amplo e, portanto, um fim em si prprio. Em segundo lugar, aliberdade econmica tambm instrumento indispensvel para a obtenoda liberdade poltica (FRIEDMAN, 1985: 17).

    O pseudoliberalismo uma crena para que a liberdade tnica e econmica seja

    distinta. Por isso, no concebvel cogitar que existam pases liberais sem que a esfera

    social e econmica no seja coerente entre si, ou seja, livres. Fundamentalmente s h dois

    meios de coordenar as atividades econmicas, uma a direo central utilizando a coero

    a tcnica do Exrcito ou Estado totalitrio. O outro a cooperao voluntria dos

    indivduos a tcnica do mercado. Portanto, se culturalmente a ojeriza entre os indivduos

    continua a prevalecer, mesmo num pas liberal para com sua economia, logo esse mesmo

    pas no liberal, mas sim um pseudoliberal, segundo a perspectiva de Roberto Campos.

    No caso do Brasil, muitos governos mostraram tentativas e aplicao de uma poltica

    parcialmente liberal e intervencionista na economia. No caso do segundo governo Vargas,

    mesmo sendo um Estado de Stio, algumas dessas polticas liberais foram realizadas, talcomo a criao, em seu governo, da Comisso Mista13 de estudos tcnicos voltados

    economia, contando no apenas com profissionais brasileiros, mas americanos tambm.

    Ainda no governo Vargas, foram selecionados tcnicos nacionalistas da Assessoria

    Econmica14, mobilizados juntamente com os considerados cosmopolitas, o qual Roberto

    Campos fazia parte, sendo a maioria em nmero. Desse modo, os tcnicos de um dos

    grupos puderam participar ativamente do processo decisrio, embora articulados em arenas

    bastante distintas (SOLA, 1998: 96).

    13Faziam parte desta Comisso: Eugnio Gudin, Otvio Gouveia de Bulhes e Valder Lima Sarmanh.14Faziam parte da Assessoria Econmica os economistas: Cleanto Paiva Leite, Incio Rangel, Roberto Campose como informal Celso Furtado.

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    115Revista Historiador Nmero 05. Ano 05. Dezembro de 2012Disponvel em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador

    Nessa comisso mista bom reiterar que, considerado da ala cosmopolita, existiu um

    terico de idias desenvolvimentistas de destaque Eugnio Gudin, que em 1944, redigiu

    o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil. Ao longo de 100 anos

    de vida, esteve presente no cenrio econmico nacional, atuando como delegado brasileirona Conferncia Monetria Internacional, realizada em Bretton Woods (EUA), governador

    brasileiro junto ao Fundo Monetrio Internacional de 1951 a 1956 e Ministro da Fazenda no

    governo Caf Filho, onde discutiu de forma qualificada os principais problemas econmicos

    brasileiros e procurou adaptar a teoria desenvolvimentista dos pases desenvolvidos

    realidade dos subdesenvolvidos (TELEGINSKI, 2010: 01). Outro terico de destaque

    tambm foi Mario Simonsen, que defendia a planificao da economia estatal, interveno e

    restries ao capital externo, ao contrrio de Gudin.

    As disputas tericasentre nacionalistas e liberais tiveram seu pice no debate entreGudin e Simonsen. Gudin era interessado no comrcio agroexportador e tambm no setor

    agrcola, j Simonsen, era mais preocupado em relao indstria nascente. Simonsen

    desejava uma participao estatal mais efetiva na economia, como planejador, produtor e

    protetor. Gudin via o intervencionismo estatal prejudicial economia, sua oposio ao

    planejamento consiste basicamente na questo do liberalismo econmico, pois considerava

    perigosa a interveno do Estado na economia de forma a permitir concesses ao

    socialismo (TELEGINSKI, 2010: 02). Inclusive em 1944, quando Vargas tinha dificuldades

    em manter o aparato do Estado Novo, Simonsen no questionou o excesso de autoridade

    presidencial, nem o planejamento e a democracia. Porm Gudin proporcionou subsdios

    oposio ao governo, associando habilmente intervencionismo econmico, ou sua

    possibilidade, o autoritarismo poltico15.

    Segundo Robert Dahl, a anterioridade histrica do estado em relao a grupos

    econmicos privados fortes levou excluso do Brasil do modelo polirquico16. Enfim, o

    sistema brasileiro definido como modelo de capitalismo dirigido pelo estado, pois a

    mquina estatal visa o entendimento aos clamores privados, dando curso no que foi

    chamado de poltica de clientela (PEREZ, 1999: 57).

    Campos no seguia linhas ortodoxas fiis a Simonsen, Gudin ou at mesmo a CEPAL,

    mas uma teoria e maneira de pensar prpria e peculiar. Dentro de seu ponto de vista, o

    capital estrangeiro e a iniciativa privada tm papel fundamental, mas o pseudonacionalismo

    15 O debate entre Simonsen e Gudin est publicado em verso completa em: A controvrsia doplanejamento na economia brasileira: coletnea da polmica Simonsen x Gudin, desencadeada comas primeiras propostas formais de planejamento da economia brasileira ao final do estado novo.16

    O conceito de poliarquia tem o mrito de permitir que a cincia social efetue uma anlise maisrealstica dos regimes democrticos existentes, uma vez que, a partir desse conceito, torna-sepossvel estabelecer "graus de democratizao" e, desse modo, avaliar e comparar os regimespolticos.

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    116Revista Historiador Nmero 05. Ano 05. Dezembro de 2012Disponvel em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador

    e o pseudoigualitarismo so grandes empecilhos, porque eles se utilizam de medidas

    artificiais para deterem processos que seriam considerados naturais como o mercado, pois

    infelizmente nem o evangelho, nem Karl Marx, nem os telogos da libertao, nem o Dirio

    Oficial conseguiram revogar a lei da oferta e da procura (CAMPOS, 1986: 15).Para Campos, o pseudonacionalismo e o pseudoliberalismo somados se mostram

    como fatores primordiais do endividamento brasileiro. O monoplio estatal da Petrobrs ou

    Petrossauro, no jargo do autor, somado aos subsdios estatais ao resto do petrleo e

    derivados foram essenciais para o dbito brasileiro. De 1974 a 1980 o Brasil importa de

    petrleo e derivados 53 bilhes de dlares, sem contar a compra de bens, servios e

    equipamentos quase idnticos dvida de 54 bilhes. Em 1967, aps a guerra dos seis dias,

    o embargo rabe a preo da comoditefoi s alturas. Enquanto os pases desenvolvidos

    estabilizaram sua demanda ou a retraam, como a Inglaterra, no Brasil a mesma dobrava. Amonopolista Petrobrs se torna uma grande empresa acima do solo, e os subsdios

    garantiam a demanda para importao, sendo, portanto, importante opulncia estatal, a

    ampliao e manuteno de outros monoplios, como os de transporte e refino.

    Para Roberto Campos a expanso estatal no campo privado era uma espcie de freio

    ao desenvolvimento, e no se resumia a Petrobrs, pois, 26 das 50 maiores empresas eram

    estatais em 1982, 82% do capital era estatal. Neste sentido, Roberto Campos apresentou

    um projeto chamado Programa de Repartio do Capital, com vistas a reduzir o grau de

    concentrao no estado e da produtividade dos programas nacionais. O avano estatal na

    esfera privada no tinha como resultado ganho social. Pois, o crescimento da ao do

    estado em reas de competncias privadas tem se provado em prejuzo em relao s

    aplicaes nos setores sociais, cuja proporo do PIB declinou de 4,46% em 1979, para

    2,46% em 1981 e possivelmente 1,73% em 1982, segundo estudo da FGV. Decididamente,

    o Estado empresrio no um bom samaritano. Ficam vazios sociais; e so esvaziados

    espaos econmicos para que o estado ocupe (CAMPOS, 1986: 21).

    Por sua vez, o nacionalismo na concepo do autor deturpado, sendo apenas um

    escape para a incompetncia estatal. Frente a tudo isso, Roberto Campos quando ouvia os

    nacionalistas dizerem o petrleo nosso, em contrapartida rebatia que o petrleo era dos

    rabes. Os atos estatistas so, portanto, defendidos sobre as trs deformaes de

    mentalidade, sendo a sacralizao do problemada interveno monopolista e burocrtica e

    a nova demonologia, tendo como demnios as multinacionais e como controlador o FMI,

    contrariando assim toda anlise econmica de Roberto Campos.

    Pode-se afirmar que Roberto Campos defendia a flexibilizao do trabalho, tal como a

    salarial em 1974, que contava com reajuste alheio ao mercado, segundo ele, era causa de

    inflao e diminuio do poder de compra. Conforme o autor, as intenes foram

    excelentes, mas os resultados medocres, se no negativos. Pois os aumentos compulsrios

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    dos salrios contriburam e contribui para o desemprego de muitos, e pelo seu valor

    deixaram muitos sem emprego. O possvel aumento de renda a um extrato de trabalhadores

    custou o emprego dos demais. Faltava, para Campos, a percepo que o governo no vai

    realmente garantir melhora de condies de trabalho e vida no papel. Uma nova constituioprometendo isso no a soluo, pois o problema brasileiro nunca foi fabricar

    constituies; sempre foi de cumpri-las (CAMPOS, 1986: 38).

    Para Roberto Campos, a poltica trabalhista devia ser menos regulamentada, pois se,

    de um lado, a economia de mercado tem o desemprego e a desigualdade como efeitos

    comuns, as alternativas so muito piores. Na economia marxista o desemprego

    maquiado atravs dos cabides nas alas burocrticas, exrcitos e inteligncia, no negando

    que, muitas vezes, utiliza inclusive campos de concentrao e migrao forada.

    A exportao a soluo do dficitpblico e dvidas internas e externas, sendo quealm do ingresso de desvios gera outros benefcios como, economia de escala com sinergia

    em menor custo, dinmica de mercado e extino de oligoplios, garantindo assim a

    estabilidade mundial. Para combater a inflao que se apresenta como um empecilho ao

    desenvolvimento brasileiro deve-se cortar gastos estatais. A mudana proposta por Roberto

    Campos na constituio de 1967 trocando as emisses de moedas em ttulos nada adiantou

    sem uma poltica de conteno de gastos. Pois a perpetuao da inflao tem como

    consequncia o desemprego e paralisia de investimentos, piora na distribuio de renda aos

    assalariados, estrangulamento cambial e inviabilizao do crescimento econmico

    sustentvel.

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