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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR 3258 O POVO E O MILITAR NAS CHARGES DO PERIÓDICO SUÉCO- URUGUAIO MAYORIA. Luiz Fernando dos Reis Sossio. 1 Resumo: O presente artigo se propõe a trabalhar com as charges publicadas no periódico Suéco-uruguaio intitulado Mayoria, editado e produzido durante os anos de 1982-1984. Essa publicação foi, realizada por uruguaios exilados na Suécia e que tinham como ideal as denúncias feitas contra o regime ditatorial, apresentando uma opinião de oposição ao regime cívico-militar implantado no Uruguai (1973-1985). Nas charges buscaremos compreender quais são as representações que os produtores das mesmas fizeram sobre o uso de povo e sobre o próprio militar e sua instituição. Optamos por analisar as imagens partindo de discussões apresentadas por alguns historiadores acerca do uso de imagens e charges como fonte histórica. Dessa maneira, buscaremos apontar elementos que nos possibilitem entender sua própria produção e, consequentemente, as intencionalidades dos chargistas ao representar negativamente a imagem do militar. Palavras-chave: charge; Mayoria; ditadura cívico-militar. Abstract: This article proposes to work with the cartoons published in the periodical Swedish-Uruguayan titled Mayoria, edited and produced during the years 1982-1984. That publication was held by Uruguayan exiles in Sweden who had as ideal the allegations made against the dictatorial regime, presenting an opinion in opposition to civil-military regime implanted in Uruguay (1973-1985). In cartoons seek to understand what are the representations that the producers did the same on the use of the people and the military and his own institution. We chose to analyze the images starting from discussions presented by some historians about the use of images and cartoons as a historical source. In this way we point out elements that enable us to understand their 1 Pós-graduando do curso de especialização em Patrimônio e História da UEL – Universidade Estadual de Londrina. [email protected]

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07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

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O POVO E O MILITAR NAS CHARGES DO PERIÓDICO SUÉCO-URUGUAIO MAYORIA.

Luiz Fernando dos Reis Sossio.1

Resumo:

O presente artigo se propõe a trabalhar com as charges publicadas no periódico

Suéco-uruguaio intitulado Mayoria, editado e produzido durante os anos de 1982-1984.

Essa publicação foi, realizada por uruguaios exilados na Suécia e que tinham como ideal

as denúncias feitas contra o regime ditatorial, apresentando uma opinião de oposição ao

regime cívico-militar implantado no Uruguai (1973-1985). Nas charges buscaremos

compreender quais são as representações que os produtores das mesmas fizeram sobre o

uso de povo e sobre o próprio militar e sua instituição. Optamos por analisar as imagens

partindo de discussões apresentadas por alguns historiadores acerca do uso de imagens e

charges como fonte histórica. Dessa maneira, buscaremos apontar elementos que nos

possibilitem entender sua própria produção e, consequentemente, as intencionalidades

dos chargistas ao representar negativamente a imagem do militar.

Palavras-chave: charge; Mayoria; ditadura cívico-militar.

Abstract:

This article proposes to work with the cartoons published in the periodical

Swedish-Uruguayan titled Mayoria, edited and produced during the years 1982-1984.

That publication was held by Uruguayan exiles in Sweden who had as ideal the

allegations made against the dictatorial regime, presenting an opinion in opposition to

civil-military regime implanted in Uruguay (1973-1985). In cartoons seek to understand

what are the representations that the producers did the same on the use of the people and

the military and his own institution. We chose to analyze the images starting from

discussions presented by some historians about the use of images and cartoons as a

historical source. In this way we point out elements that enable us to understand their

1 Pós-graduando do curso de especialização em Patrimônio e História da UEL – Universidade Estadual de Londrina. [email protected]

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own production, and consequently, the intentions of cartoonists to represent the negative

image of the military.

Keywords: cartoons; Mayoria; civic-military dictatorship.

No presente artigo pretenderemos trabalhar com charges publicadas no periódico

Suéco-uruguaio Mayoria. A publicação do periódico acompanhou os anos finais da

ditadura cívico-militar do Uruguai (1973 - 1985) sendo produzida durante os anos de

1982 até 1984, por uruguaios exilados na Suécia. Pretendemos pensar a publicação do

periódico entendendo os motivos de sua publicação, quais foram seu publico alvo a ser

atingido assim como o conteúdo inserido nesse periódico. Buscamos refletir

especificamente sobre as charges produzidas buscando analisar principalmente a

imagem criada dos militares e de uma representação de povo.

No ano de 1973 Juan Maria Bordaberry (presidente do Uruguai desde 1972),

junto com os militares das três forças armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha)

instaurou uma ditadura cívico-militar que perdurará até o ano de 1985. Esse golpe

ocorrido no Uruguai ficou conhecido como pacto de Boiso Lanza – pois a negociação

entre os militares e Bordaberry aconteceu em uma base militar com o mesmo nome

(DEMASI, 2009, p.32). Com a consolidação da ditadura cívico-militar no Uruguai no

ano de 1973, a censura se tornou ação presente em todo o país. Podemos pensar que um

dos meios mais atingidos foi o da mídia impressa. Jornais, revistas e periódicos em

geral foram fechados e alguns casos – como do El popular – tiveram suas sedes

completamente destruídas. Integrantes desses jornais foram presos e posteriormente

exilados. Dentre os diversos países de exílio, a Suécia foi escolhida por alguns

uruguaios, como no caso de Rodolfo Porley – editor-chefe do Mayoria durante todo o

processo de publicação do periódico. A consolidação dessa mídia só foi capaz com a

ajuda de outros uruguaios exilados na Suécia, assim como com parte da imprensa sueca.

Nesse periódico se pretendia publicar noticias que contribuíssem tanto para

informações do Uruguai direcionadas a uruguaios exilados em outros países, assim

como funcionar como meio de denúncia dos atos que acorriam no Uruguai ditatorial.

Suas publicações somente terminaram em 1984, pois foi neste mesmo ano que se

encerrou o período de ditadura neste país – portanto, sem um governo para ser criticado

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e denunciado, não havia mais porque continuar fazendo um periódico com esse

objetivo. Mas, para além dessas publicações associadas às denuncias, Mayoria não

queria perder a característica de um periódico que atendesse uma diversidade de

público, deste modo eram publicadas colunas abordando temas sobre esporte e também

colunas de humor – eram publicadas charges e textos com tons humorísticos e críticos,

principalmente sobre os militares e sua forma de governar o país sobre esta última

questão podemos pensar sobre o uso da imagem para dar legitimidade à fala de uma

população.

Analisaremos portanto no Mayoria, somente algumas poucas charges que podem

nos oferecer questionamentos sobre seu uso e suas funções no momento de sua

publicação. Optamos então em trabalhar com a representação do povo e do militar –

assim como do próprio presidente Gregorio Álvarez (único militar de fato que ocupou a

presidência durante o regime ditatorial².) – pelos produtores das charges. À partir delas

buscamos entender o qual a intenção de se utilizar essa imagem de povo – que não

poderia fugir da própria questão do que seria o povo pra quem produz essas imagens – e

consequentemente a de criticar e constantemente ironizar a imagem do militar.

Entendemos que a charge, neste caso, está vinculada a crítica das ideias da

oposição. Também partimos do pressuposto que tais charges não têm como

característica principal o ato de fazer o leitor rir somente. Tentamos entender que as

charges se tornam arma importante na luta política pelo fato de expor determinados

atores políticos por meio de uma linguagem mais acessível, que é a imagem. Por outro

lado, podemos pensar que as charges também foram utilizadas para legitimar um

determinado discurso a partir de representações de grupos sociais específicos como, por

exemplo, o próprio povo.

Acreditamos que o uso de imagens como fonte histórica pode proporcionar ao

historiador outros tipos de análises que vão além do texto escrito somente. A produção

de imagens é, antes de tudo, parte de uma construção do próprio idealizador da mesma.

Vemos que quando diversos chargistas representam um mesmo tema, suas

representações são completamente distintas umas das outras – exemplo disso são as

produções cinematográficas, que produzidas em tempos diferentes dificilmente se

parecerão, tendo em vista o tempo de quem produz, qual sua intencionalidade, qual seu

público alvo, etc. O mesmo acontece com as charges, pois não são produzidas de forma

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neutra. O fato de estar vinculada à um periódico de oposição ao regime cívico-militar

como Mayoria, já nos diz acerca das charges publicadas. A maneira de enxergar a

sociedade e as suas produções se alteram com o tempo, e tendo em vista esta ideia,

podemos nos questionar sobre tais produções estarem sendo feitas pelos exilados

uruguaios, o que se pretendeu passar como mensagem para quem visualizou as imagens.

As charges que iremos analisar são reflexões do momento em que foram

produzidas e foram utilizadas pessoas e situações reais para tal produção. Além deste

fato, as imagens não se apresentam por si somente, mas tem sempre em seu conjunto as

mãos do homem que direciona o olhar do receptor sempre para onde o produtor ou

criador quer mostrar. Neste sentido, Peter Burke aponta que “[...] deve-se aconselhar

alguém que planeje utilizar o testemunho de imagens para que se inicie estudando os

diferentes propósitos dos realizadores dessas imagens.” (BURKE, 2004, p.24).

A utilização das charges tem aparecido com frequência nos estudos

historiográficos e podemos perceber que o seu uso em periódicos ou revistas está

associado muitas vezes à momentos de conflitos políticos ou sociais. Sempre que

vislumbramos este recurso – seja ele de ordem política ou não – podemos destacar que

existe sempre um “alvo” a ser atingido, seja ele para ser criticado ou exaltado. Na

maioria das vezes esse alvo é uma instituição, uma pessoa e até mesmo um grupo social

que irá representar um todo a ser criticado Sendo assim, quem se destaca como

personagem para ser caricaturado é sempre o líder que está atuante no poder ou algum

objeto que consiga representar um todo maior. Por conta de sua característica imagética,

a charge acabou tornando-se uma forma muito utilizada de veicular posicionamento e

opiniões no tocante às experiências políticas ditatoriais. Podemos entender a charge

como ferramenta com duas funções, quais sejam: apresentar uma imagem negativa de

seu oposto como forma de desvalorizá-lo e/ou utilizá-la para transformar algo

considerado sério e formal em algo risível e passível de informalidade e aproximação

com o receptor que a observa.

Algumas características em relação a esta tipologia de imagem devem ser

ressaltadas antes de entrarmos na análise propriamente dita. Podemos entendê-la como

linguagem e assumindo tal significação percebemos que estas usam de certos artifícios

em suas representações, como por exemplo, a forma irônica e/ou depreciativa de como

ela representa determinados atores políticos e sociais. As metáforas se encontram

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presentes em quase todas as charges, já que apresentam algumas ideias pautadas em

figuras que estão mais próximas do público leitor³.

Os usos dessas formas de linguagem se pautam muito a respeito de como a

imagem deve chegar ao público receptor, pensando que deve chegar de maneira clara e

de fácil compreensão por qualquer pessoa, atingindo assim um número maior de

pessoas, que a própria notícia escrita dificilmente atinge. Dessa maneira, outra

característica constante nas charges é o aparente estereótipo criado sobre as personagens

apresentadas ao receptor. O gorila, foi o que ficou mais claro nas personificações feitas

do militar durante os diversos regimes surgidos em alguns países da América Latina.

Porém essa imagem sobre os militares não foi criada exclusivamente durante os regimes

ditatoriais, mas sim como nos conta Rodrigo Patto Sá Motta, durante o governo

peronista, alguns setores da sociedade já estavam insatisfeitos, o que direcionava para

um iminente golpe militar na Argentina. Diz o autor:

A expressão teria sido criada por um humorista para se referir ao esperado golpe militar que deporia Juan Perón. “Os gorilas estão chegando”, teria dito ele em sketch que parodiava filme hollywoodiano então em cartaz, estrelado por Clarke Gable e Ava Gardner. O filme (Mogambo) é ambientado na selva africana e um dos personagens, pesquisador e cientista, ao ouvir qualquer barulho proveniente das matas, dizia, atemorizado: “devem ser os gorilas, devem ser”. (MOTTA, 2007, p.199)

Essa imagem acabou ficando fortemente associada ao militar, estendendo-se ao

longo do período dos regimes ditatoriais e utilizado por outros países, como é o caso das

próprias charges publicadas no Mayoria. É justamente nesses momentos de conflitos

que se cria a necessidade de diferenciar-se do outro a ser combatido, pois a partir do

momento em que a imagem do opositor é posta em situação de ultraje, automaticamente

se exalta a de quem está criticando; como diz GOODWIN, essa “é uma maneira de

menosprezar ‘eles’ de modo que ‘nós’ sejamos valorizados.” (GOODWIN, 2011,

p.541). E sendo o outro menosprezado, depreciado há uma possibilidade de que isso se

concretize. Como nos lembra Rui Zink:

[...] durante a guerra, o estereótipo do adversário tende a calcificar-se, a cristalizar-se, com a bênção dos poderes político, econômico, religioso. Em tempo de guerra, há uma espécie de militarização da sociedade, a ética militar estende-se a todos os domínios. Tornamo-nos todos, quase sem nos darmos conta, militantes e soldados de uma guerra, em que é fundamental manter a visão “simples e clara”, para não baixar o moral das tropas. (ZINK,2010, p.53)

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Vemos que a própria produção das charges do periódico Mayoria esteve

relacionada aos períodos de conflitos sociais e políticos. Apesar do fato de o periódico

ter sido produzido fora do território uruguaio, suas publicações estavam totalmente

ligadas às informações do Uruguai, e assim foram também as produções das charges.

Ao longo das charges veremos que em algumas imagens, o militar está associado

à personalidade do gorila, ao ponto mesmo do militar ser propriamente o animal gorila

enquanto que em outros momentos a imagem do militar está intimamente ligada à sua

derrota como governante. Derrota essa, que só será possível, pois é o povo –

representado a partir da imagem da panela – que conseguirá derrotá-lo.

Como vemos na imagem 1, não somente a imagem do general é associada à

figura do gorila, mas o seu próprio nome já nos indica a intencionalidade do chargista.

Percebemos que na charge é bastante ressaltada a possível falta de discernimento do

General Gorilón em relação ao entendimento do que seria necessário ao povo uruguaio,

ao ponto mesmo de uma pequena garota ironizá-lo, pois para a menina, a fala do

General foge totalmente da pergunta feita por ela, ressaltando que os militares apenas

falam sem chegar à alguma conclusão. A fala final da garota nos dá uma ideia de que

ela, enquanto cidadã uruguaia, saberia mais que o General, afirmando que o que ele fala

Imagem 1: Mayoria (17 de maio de 1984) p.3

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não era coerente com a situação colocada por ela, ou então que ele estaria supostamente

surdo e não quisesse ouvir os questionamentos da menina.

Nesta outra charge (imagem 2) o protagonista também é um militar – notamos

isto pelo fato de que as vestimentas deixadas em cima da cadeira são trajes utilizados

pelos militares, como por exemplo, o quepe e o próprio paletó. Porém, esta charge não

se remete somente à figura do militar em geral, mas sim a de um militar específico, o

próprio General Gregorio Álvarez – então presidente do Uruguai. Na charge vemos que

a moça que está acompanhando o presidente o chama de “Goyo” – maneira como este

era chamado popularmente. Há também o aspecto da fisionomia do personagem, seu

bigode era bastante característico e esse será uma característica que acompanhará a

imagem do presidente em outras produções. Outro aspecto que podemos analisar sobre

a fala da moça, se trata da próprio maneira como Gregorio Álvarez é questionado, sobre

não ser mais autoritário e rígido quanto antes, fazendo portanto uma analogia a forma

que o governo estava se posicionando politicamente, mudando sua postura,

principalmente no final do governo ditatorial.

Tanto Gregorio Álvarez quanto os militares em geral são retratados de forma

que suas imagens fiquem caracterizadas negativamente. Nas próximas três charges

iremos observar que a figura do militar é associada ao gorila mas, para além disto,

veremos que também estará atribuída à derrota.

Imagem 2: Mayoria (08 de março de 1984) p.15

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Imagem 3: Mayoria

O mesmo militar apresentado anteriormente (General

retratado em outra charge (imagem 3), dessa vez porém ele não está

uma menina, mas sim estaria mandando prender três pessoas que possivelmente seriam

consideradas subversivas, pelo fato de estarem carregando consigo

panelas – pensando que e

produz barulho, mas também remete à ideia de sobrevivência

aparece com esse mesmo objetivo

capaz de diferenciar subversivos com suas panelas, de pessoas

fazendo um carregamento de mudanças o

de atacarem os militares.

chargista remetendo aos três reis magos, que levaram presentes

– para Jesus Cristo recém nascido, mas que neste caso específico podemos refletir que

esses outros presentes – agora são panelas

um grupo grande de pessoas que iriam realizar algum tipo de ato contra os militares, e

por isso a acusação do general.

acompanham não compreendem a ordem dada pelo General entendendo assim que ele

não teria um critério para autuar ou acusar as pessoas que estavam na oposição ao

regime ditatorial.

Voltando a imagem associada diretamente ao General Gregorio Álvarez,

percebemos que nas duas charges q

a mesma, ou seja, o militar no fim, estará completamente acabado e derrotado. Em uma

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Mayoria (26 de janeiro de 1984) p.16

O mesmo militar apresentado anteriormente (General Gorilón

retratado em outra charge (imagem 3), dessa vez porém ele não está conversando com

uma menina, mas sim estaria mandando prender três pessoas que possivelmente seriam

consideradas subversivas, pelo fato de estarem carregando consigo, em seus camelos,

pensando que essa poderia ser usada como arma, como instrument

produz barulho, mas também remete à ideia de sobrevivência – e que em outras charges

aparece com esse mesmo objetivo. Novamente vimos a ideia de que o militar não seria

capaz de diferenciar subversivos com suas panelas, de pessoas que poderiam estar

fazendo um carregamento de mudanças ou utilizando panelas para outros fins que não o

Do mesmo modo percebemos a referência utilizada pelo

chargista remetendo aos três reis magos, que levaram presentes – incenso, ouro e mirra

a Jesus Cristo recém nascido, mas que neste caso específico podemos refletir que

agora são panelas – estariam sendo levadas possivelmente pra

um grupo grande de pessoas que iriam realizar algum tipo de ato contra os militares, e

r isso a acusação do general. Vemos no canto direito da charge que os soldados que

acompanham não compreendem a ordem dada pelo General entendendo assim que ele

não teria um critério para autuar ou acusar as pessoas que estavam na oposição ao

Voltando a imagem associada diretamente ao General Gregorio Álvarez,

percebemos que nas duas charges que veremos a seguir a mensagem a ser transmitida é

militar no fim, estará completamente acabado e derrotado. Em uma

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Gorilón) volta a ser

conversando com

uma menina, mas sim estaria mandando prender três pessoas que possivelmente seriam

em seus camelos,

como instrumento que

e que em outras charges

. Novamente vimos a ideia de que o militar não seria

que poderiam estar

utilizando panelas para outros fins que não o

Do mesmo modo percebemos a referência utilizada pelo

incenso, ouro e mirra

a Jesus Cristo recém nascido, mas que neste caso específico podemos refletir que

estariam sendo levadas possivelmente pra

um grupo grande de pessoas que iriam realizar algum tipo de ato contra os militares, e

da charge que os soldados que

acompanham não compreendem a ordem dada pelo General entendendo assim que ele

não teria um critério para autuar ou acusar as pessoas que estavam na oposição ao

Voltando a imagem associada diretamente ao General Gregorio Álvarez,

agem a ser transmitida é

militar no fim, estará completamente acabado e derrotado. Em uma

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das imagens (imagem 4) é representado o processo do regime ditatorial dividido em três

modelos de governo principais; percebe-se que esta divisão é apresentada tanto pelo

“chapéu” de Gregorio Álvarez como também pela legenda que segue cada quadro da

charge. Tanto um quanto o outro seriam indicadores do momento específico do regime e

ao mesmo tempo o momento que estava vivendo Gregorio Álvarez, sendo que o último

fica denominado como uruguayazo e no lugar de seu quepe de militar está uma panela,

indicando que Gregorio Álvarez teria apanhado da população e consequentemente seria

ela mesma vencedora do possível conflito existente no Uruguai.

Imagem 4: Mayoria (12 de janeiro de 1984) p.16

Em outra charge vemos praticamente a mesma situação da imagem anterior, a

diferença é que a charge já não está mais divida em quadros. Esta imagem 5 mostra

novamente o General completamente derrotado, indicando cansaço e portanto não sendo

mais possível lutar. Junto com o militar esta um médico, possivelmente avaliando o

ferido e dando um diagnóstico, qual seja, o de que dificilmente chegará longe no

exercício de seu poder. Assim, podemos entender que o fim do presidente estaria

próximo, e junto com ele iria também o regime embora. Outra característica que volta a

aparecer na charge é a panela, ela se torna quase que um símbolo da oposição e do seu

desejo de um desfecho para o regime.

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Imagem

E assim como o quepe militar e a bota representam o militar no geral e o grande

bigode nos remete ao Gregorio Álvarez

citado – é a própria panela.

que é o próprio povo uruguaio,

existentes – e somente ele representaria a vitória, devendo ser exposto a

monumento de memória em plena praça pública, como nesta última

podemos ver na seguinte charge

interagir a ponto de machucá

Neste caso específico, o diá

no ano 2000 para lembrar sobre

muito mais um grupo maior de pessoas envolvidas

se identificam.

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Imagem 5: Mayoria (12 de janeiro de 1984) p.16

E assim como o quepe militar e a bota representam o militar no geral e o grande

bigode nos remete ao Gregorio Álvarez, outro objeto presente em algumas

é a própria panela. Notamos que a representação da panela se iguala em dize

que é o próprio povo uruguaio, – tanto que é este objeto o definidor dos conflitos

e somente ele representaria a vitória, devendo ser exposto a

monumento de memória em plena praça pública, como nesta última imagem

podemos ver na seguinte charge, não há outro personagem com que a panela possa

interagir a ponto de machucá-lo, ela não exerce função de ação contra outro indivíduo.

, o diálogo se dá entre a panela enquanto monumento

no ano 2000 para lembrar sobre aqueles que seriam vitoriosos. A panela aqui representa

muito mais um grupo maior de pessoas envolvidas –, e as pessoas que passam por ela

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E assim como o quepe militar e a bota representam o militar no geral e o grande

to presente em algumas charges – já

se iguala em dizer

inidor dos conflitos

e somente ele representaria a vitória, devendo ser exposto até como

imagem. Mas como

não há outro personagem com que a panela possa

nção de ação contra outro indivíduo.

logo se dá entre a panela enquanto monumento – construído

panela aqui representa

as pessoas que passam por ela e

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Essa última charge não nos mostra o que aconteceu com o Uruguai pós ditadura

cívico-militar, e muito menos nos diz quem são os vitoriosos.

dela que esse são os anseios que o chargista deseja

que a panela representasse

“Mayoria”. Quem seria essa maioria? O nome do periódico

específico que ocorreu no Uruguai

1982 aconteceram eleições internas e 80 % dos votos foram destinados aos partidos da

oposição. A panela é um utensílio doméstico,

possível é que comer e matar a fome são para todos, assim como deveria ser o exercício

e as ações políticas.

Portanto devemos pensar

charges como representantes

ocorrido individualmente –

unificador de toda uma nação. Temos que lembrar que do mesmo modo que a charge,

outros tipos de imagens utilizadas como fontes, devem ser problematizadas sobre sua

produção, pois da mesma maneira que a

charges, ajudam a depreciá

vitória de um povo sobre os militares também é passível de ser refletida.

uma instituição com o intuito de destacar o “melhor” da outra. E essa outra se torna

mais destacada ainda quando se faz uso de seu símbolo, no caso a panela, em quase

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Imagem 6: Mayoria (05 de abril de 1984) p.21

Essa última charge não nos mostra o que aconteceu com o Uruguai pós ditadura

ito menos nos diz quem são os vitoriosos. Podemos pensar a partir

que esse são os anseios que o chargista desejava para seu país, a própria ideia de

sse o povo pode ser notada através do nome do periódico

”. Quem seria essa maioria? O nome do periódico surgiu à partir de um

específico que ocorreu no Uruguai no período da ditadura, quando em novembro de

eleições internas e 80 % dos votos foram destinados aos partidos da

nela é um utensílio doméstico, utilizado para cozinhar. Uma leitura

possível é que comer e matar a fome são para todos, assim como deveria ser o exercício

Portanto devemos pensar, antes de tudo, na possibilidade de analisarmos essas

ntes de ideias dos exilados uruguaios sobre um acontecimento

– as eleições internas – sendo transformado num símbolo

unificador de toda uma nação. Temos que lembrar que do mesmo modo que a charge,

de imagens utilizadas como fontes, devem ser problematizadas sobre sua

produção, pois da mesma maneira que a representação do militar,

depreciá-lo em todos os sentidos, a imagem da panela e

obre os militares também é passível de ser refletida.

ntuito de destacar o “melhor” da outra. E essa outra se torna

ainda quando se faz uso de seu símbolo, no caso a panela, em quase

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Essa última charge não nos mostra o que aconteceu com o Uruguai pós ditadura

Podemos pensar a partir

para seu país, a própria ideia de

nome do periódico –

surgiu à partir de um evento

da ditadura, quando em novembro de

eleições internas e 80 % dos votos foram destinados aos partidos da

utilizado para cozinhar. Uma leitura

possível é que comer e matar a fome são para todos, assim como deveria ser o exercício

na possibilidade de analisarmos essas

de ideias dos exilados uruguaios sobre um acontecimento

sendo transformado num símbolo

unificador de toda uma nação. Temos que lembrar que do mesmo modo que a charge,

de imagens utilizadas como fontes, devem ser problematizadas sobre sua

apresentada nas

em todos os sentidos, a imagem da panela e a ideia de

obre os militares também é passível de ser refletida. Desvaloriza-se

ntuito de destacar o “melhor” da outra. E essa outra se torna

ainda quando se faz uso de seu símbolo, no caso a panela, em quase

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todos os momentos de glória sobre o militar, personagem apresentado como estúpido e

fraco, consolidando, dessa maneira, a vitória do povo.

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NOTAS:

2. O governo da ditadura cívico-militar no Uruguai, que perdurou durante os anos de 1973 até

1985, contou com o total de quatro presidentes, sendo três deles civis e somente um militar –

justamente o General Gregorio Álvarez – que governou somente durante os anos finais do

regime ditatorial (de 1981 até 1985) (CAETANO; RILLA, 1987).

3. A denotação, conotação e metonímia fazem parte da forma como são produzidas essas

imagens: denotação é quando a mensagem é levada para o leitor de forma simples e direta,

enquanto na conotação temos que nos aprofundar na imagem e tentar entender o sentido da

crítica que esta traz. A metonímia, caracteriza-se por um tipo de linguagem que utiliza-se de um

objeto para representar toda uma instituição como por exemplo, usa-se do quepe militar ou da

bota para representar a instituição militar (MOTTA, 2006, p.28-29).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. Tradução de Vera Maria Xavier dos Santos; revisão técnica Daniel Aarão Reis Filho. Bauru: EDUSC, 2004.

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