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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR 2173 Presença de motivos chineses na arte sacra baiana: estudo do armário da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira – Bahia Maria de Fátima Hanaque Campos 1 e Roberta Bacellar Orazem 2 O presente trabalho deteve-se em um armário com motivos chineses, pertencente à Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, não datado, nem assinado, mas certamente produzido na segunda metade do século XVIII, e tradicionalmente atribuído ao jesuíta Charles de Bellevile, que permaneceu algum tempo na Bahia. Trata-se de uma peça que é alvo de atenção de vários autores, mas sobre a qual não houve uma análise mais detalhada por parte desses estudiosos. A referida peça denuncia o período caracterizado pela utilização de objetos orientais, considerados veículos de prestígio e status social. Neste estudo, desenvolveu-se uma análise na identificação do armário e análise da sua composição decorativa, essencial para a contextualização do objeto de estudo. Em seguida, foram utilizadas iconografias de motivos chineses, catalogadas e publicadas em trabalhos acadêmicos produzidos em Portugal. Como resultado, entende-se que os produtos artísticos de motivos chineses são reflexos de uma dinâmica comercial e cultural entre Portugal, China e Brasil no século XVIII. Palavras-chave: Mobiliário Setecentista, Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, Chinesice. Abstract The present work has focused on a cabinet with Chinese motifs, belonging to the Carmelite Third Order of Cachoeira city, not dated, nor signed, but certainly produced in the second half of the eighteenth century, and traditionally attributed to the Jesuit Charles de Bellevile, which remained some time in Bahia. This is a piece that is the subject of attention of several authors, but about which there was a more detailed analysis by these scholars. In this study, we developed an analysis in the identification and analysis of his cabinet decorative composition, essential to the contextualization of the object of study. Then, we used iconography of Chinese motifs, cataloged and published in academic papers Portuguese. As a result, it is understood that the artistic products of Chinese motifs are reflections of a dynamic commercial and cultural exchange between Portugal, China and Brazil in the eighteenth century. Keywords: 17th Century Furniture, Third Order of Carmo of Cachoeira, Chinese-esque. 1 Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana – Bahia. Graduada em Artes Plásticas. Doutora em Historia da Arte. [email protected] 2 Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em Artes Visuais na UFBA. Licenciada em Artes Visuais e Bacharel em Design Gráfico. [email protected].

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Presença de motivos chineses na arte sacra baiana: estudo do armário da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira – Bahia

Maria de Fátima Hanaque Campos1 e Roberta Bacellar Orazem2

O presente trabalho deteve-se em um armário com motivos chineses, pertencente à Ordem

Terceira do Carmo de Cachoeira, não datado, nem assinado, mas certamente produzido na

segunda metade do século XVIII, e tradicionalmente atribuído ao jesuíta Charles de Bellevile,

que permaneceu algum tempo na Bahia. Trata-se de uma peça que é alvo de atenção de vários

autores, mas sobre a qual não houve uma análise mais detalhada por parte desses estudiosos.

A referida peça denuncia o período caracterizado pela utilização de objetos orientais,

considerados veículos de prestígio e status social. Neste estudo, desenvolveu-se uma análise

na identificação do armário e análise da sua composição decorativa, essencial para a

contextualização do objeto de estudo. Em seguida, foram utilizadas iconografias de motivos

chineses, catalogadas e publicadas em trabalhos acadêmicos produzidos em Portugal. Como

resultado, entende-se que os produtos artísticos de motivos chineses são reflexos de uma

dinâmica comercial e cultural entre Portugal, China e Brasil no século XVIII.

Palavras-chave: Mobiliário Setecentista, Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, Chinesice.

Abstract

The present work has focused on a cabinet with Chinese motifs, belonging to the Carmelite

Third Order of Cachoeira city, not dated, nor signed, but certainly produced in the second half

of the eighteenth century, and traditionally attributed to the Jesuit Charles de Bellevile, which

remained some time in Bahia. This is a piece that is the subject of attention of several authors,

but about which there was a more detailed analysis by these scholars. In this study, we

developed an analysis in the identification and analysis of his cabinet decorative composition,

essential to the contextualization of the object of study. Then, we used iconography of

Chinese motifs, cataloged and published in academic papers Portuguese. As a result, it is

understood that the artistic products of Chinese motifs are reflections of a dynamic

commercial and cultural exchange between Portugal, China and Brazil in the eighteenth

century.

Keywords: 17th Century Furniture, Third Order of Carmo of Cachoeira, Chinese-esque.

1 Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana – Bahia. Graduada em Artes Plásticas. Doutora em Historia da Arte. [email protected] 2 Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em Artes Visuais na UFBA. Licenciada em Artes Visuais e Bacharel em Design Gráfico. [email protected].

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Contextualização histórica

Na Idade Moderna, houve um papel pioneiro da corte portuguesa de difusão na

Europa do gosto por artigos orientais e Chineses. O comércio marítimo promoveu um

intercaâmbio de bens e serviços entre Oriente e Ocidente, e possibilitou o conhecimento de

teécnicas e materiais e o surgimento de novos produtos decorrentes da adoção de gostos e de

miscigenação artística.

Vale ressaltar, a participação de várias ordens religiosas com o estado português

na expansão e dominação dos territórios estrangeiros de forma a implantar templos religiosos

e mosteiros. Para a construção desses templos no Oriente, o recurso à mão-de-obra local foi

utilizada na produção de obras sacras que resultaram em formas artísticas miscigenadas com

elementos decorativos europeus, hindus ou chineses.

O comércio marítimo avança do século XVI para os XVII e XVIII, assiste-se a

um gosto crescente dos objetos orientais. O artesanato português e europeu foi influenciado

não só pelas novas matérias primas, mas também por novos padrões decorativos religiosos,

por inerência do seu percurso eclesiástico, daqueles que viveram na China e posteriormente

no Brasil (como o jesuíta Charles Beville, em 1708, em Salvador).

Sobre o surgimento de novos padrões decorativos, Eusebio (2000) considera que

se desenvolveu nas obras de arte sacra um tratamento formal particular e a proliferação de

motivos indianos: geométricos; naturalistas, como a flor de lótus, ou outra flora orientalizante;

ou ainda a introdução de figuras do panteão pagão, dando ênfase ao exotismo.

Para Lourido (2008, p.355) a designação de Chinoiserie, tradicionalmente

utilizada para referir somente as imitações e os trabalhos sob influência oriental produzidos

por artistas e artesãos Ocidentais dos séculos XVII-XVIIII apresenta-se limitada diante de

uma periodização adotada por vários estudiosos:

Um primeiro período (1650/1715) seria caracterizado pela adopção directa de elementos chineses, sem os modificar. Predomínio das lacas e das porcelanas. Um segundo período (1715/30) caracterizado pelo abandono do modelo original e aplicação criativa para dar um cunho oriental à obra de arte. Mais expressivo na Alemanha e mais insípido em França. Um terceiro período (1730/50) aumenta a distância entre o modelo original chinês e o produto exótico agora recriado. São a alma desta Chinoiserie as artes decorativas e a pintura de Watteau e de Fragonard. Na Europa os desenhos de Daniel Marot (1661-1752), encomendados pela fábrica de Delft, tiveram uma rápida difusão. O quarto período (1750/1800) influenciaria especialmente espaços livres, como os jardins, agora de características mais “naturalistas”, evitando as linhas geométricas.

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O autor considera essa periodização limitada e incompleta, pois não engloba o

período inicial de interinfluência com a participação dos portugueses no Oriente e, sobretudo

na China, desde finais do século XV.

Dessa forma, o comércio marítimo possibilitou aos portugueses contato direto

com uma cultura rica e exótica e que foi difundida por toda a Europa através da

comercialização dos produtos orientais. Esse comércio permitiu adoção de novos gostos da

elite aristocrática, comerciantes nos vários campos de atuação.

Monteiro (2006) ressalta que a produção de obras sacras, principalmente no

século XVIII, era um dos recursos mais utilizados para impressionar e afirmar o estatuto das

elites portuguesas. O adorno e a pompa eclesiásticos constituíam em valor que se atribuíam à

ostentação da riqueza como forma natural de comover multidões e de proclamar a crença na

Sede Romana.

A curiosidade e atração pela China e por Macau alastrou a novos setores da

sociedade, como a elite no Brasil. Nos setecentos, na pintura de estilo barroco, haverá a

utilização de novas técnicas e de novos materiais: como o uso da laca, da cor de ouro, o

vermelho e o azul marinho, bem como a inspiração em motivos chineses, para retratar

paisagens, nomeadamente com flores, pássaros, figuras humanas e pagodes. Essa técnica

denominada chinoiserie influenciou a divulgação de motivos profanos na arte sacra, passando

a identificar os ambientes com decorações de origem chinesa. A grande distância e o elevado

custo dos produtos chineses, juntamente com o seu grande prestígio, cria um mercado europeu

e colonial para a criação de mobiliário e com a decoração de interiores e exteriores das

habitações com cópias de motivos chineses, cuja produção é adaptada ao gosto europeu.

Monteiro (2006, p.237), ao analisar a execução do órgão da Capela da

Universidade de Coimbra, destaca os aspectos decorativos e interessa ressaltar pintura,

douramento e charão da caixa, executadas em 1737:

As superficies superiores e inferiores da caixa são ornadas de pintura dourada e acharoada sobre um fundo vermelho, com representação de figuras e cenas integradas em paisagens inspiradas na arte chinesa. Esta decoração foi comum em Portugal desde os finais de XVII e durante o século XVIII. Neste século, logo na primeira metade, a pintura acharoada derramada nas caixas dos órgãos, no mobiliário litúrgico, estantes de bibliotecas, cadeirais de conventos, caixas de relógios, molduras de espelhos etc., ostenta os motivos fantasistas e miniaturais de chinoiserie.

Segundo Bastos (2004, p.41) lacar, acharoar é uma técnica que consiste em cobrir

e decorar objetos com várias camadas de laca (seiva retirada de determinadas árvores que

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crescem na China, no Japão, na Coreia, no Vietname, na Birmânia e na Tailândia), através de

um processo complexo, resultando no final uma superfície brilhante. Às imitações da laca

conseguidas por aplicação de outro tipo de vernizes, dá-se o nome de pintura acharoada.

Dessa forma, observa-se o uso da técnica de pintura acharoada como similar a laca e que foi

amplamente utilizada na produção de objetos artísticos por artesãos europeus.

Entre os exemplos de arte sacra encontrados no Nordeste brasileiro, com clara

influência chinesa, destacam-se imaginária e pintura na igreja da Ordem Terceira do Carmo

de Cachoeira na Bahia. Interessa estudar o armário com motivos chineses, produzido na

primeira metade do século XVIII, e tradicionalmente atribuído ao jesuíta Charles de Bellevile,

que permaneceu algum tempo na Bahia.

Neste estudo, desenvolveu-se uma análise na identificação do armário e análise da

sua composição decorativa, essencial para a contextualização do objeto de estudo. Em

seguida, foram utilizadas iconografias de motivos chineses, catalogadas e publicadas em

trabalhos acadêmicos produzidos em Portugal.

Analise iconográfica do armário do consistório

O armário foco do estudo encontra-se no consistório da Igreja da Ordem Terceira

do Carmo de Cachoeira/BA (ver fig. 1). O móvel enquadra-se no conceito de armário, que,

de acordo com Bastos (2004, p.91), é o seguinte:

Móvel de conter, desenvolvendo-se geralmente em altura, constituído por um ou mais corpos fechados, acessíveis por portas, painéis deslizantes ou extensíveis. É por vezes rematado superiormente por cimalha e frontão. Pode ainda apresentar gavetas de acesso exterior, colocadas a dividir o corpo superior do inferior, ou só na parte inferior (guarda fatos/biblioteca). O seu interior é composto por elementos para suspensão, prateleiras, e/ou gavetas. Assenta em pés fixos, soltos, ou em rodapé.

O armário é um objeto provavelmente encomendado, idealizado e implementado

no período colonial, por volta da segunda metade do século XVIII. O mobiliário parece que

foi feito para se integrar não somente ao espaço, mas também à parede do local (ver fig. 2).

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Figura 1: Armário do Consistório Fonte: Fatima Hanaque, 2012.

Figura 2: Parte superior do Armário do Consistório integrado à decoração do ambiente

Fonte: Fatima Hanaque, 2012.

Classifica-se o mobiliário como sendo de cunho religioso, um armário para

guardar pertences da Irmandade, denominado “dos Mesários”, este, segundo Bastos (2004,

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p.131), era um “armário total ou parcialmente preenchido por gavetas destinadas a guardar

documentação de uma confraria, nomeadamente dos irmãos mesários”. No período colonial,

o consistório era um ambiente de reunião dos membros da Ordem Terceira do Carmo em

Cachoeira, local onde aconteciam as todas as reuniões, onde também guardava-se o cofre do

dinheiro das festas religiosas realizadas pela Irmandade como a Procissão da Semana Santa e

a festa à Santa Teresa D’Ávila.

O armário tem um grande porte, denominado armário alto por ter mais de 1,70

metros de altura. O objeto contém, acima, um frontão trabalhado com curvas e contracurvas e

pintado com imagens decorativas. Tem dezesseis gavetas retangulares, ao redor do seu corpo,

sendo quatro gavetas nos cantos de posição vertical e outras dez gavetas em posição

horizontal, todas as gavetas têm elementos decorativos. Ao centro, encontramos duas portas

com quatro almofadas em cada uma, ambas as almofadas têm elementos decorativos. No

total, o armário tem vinte e quatro pinturas decorativas (ver fig.3).

Figura 3: Esquema do Armário do Consistório

Fonte: Roberta Orazem e Fátima Hanaque, 2013

Ele é uma peça totalmente decorada, com cores predominantes marrom e branco,

fazendo o jogo de contraste de figura fundo. Além disso, imita a técnica de pintura charoada,

típica de decorações em estilo oriental aplicada em móveis antigos. Assim sendo, os

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elementos decorativos do armário da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira traz a presença

de estilo oriental, denominado chinoiserie, que é a evocação dos motivos chineses na arte ou

arquitetura ocidental. É uma imitação porque provavelmente não foi algo trazido no século

XVIII da China, mas sim algo encomendado pela Irmandade, talvez por um artista local, para

fazer parte do Consistório. Ou seja, um mobiliário ao gosto da moda da elite da época.

Para a análise, descreve-se, primeiramente e a grosso modo, cada uma das vinte e

quatro pinturas. Salienta-se que as cenas de 1 a 16 são mais complexas, envolvem mais

elementos figurativos e tem um teor mais amplo da tela da imagem, já as cenas menores de 17

a 24 tem menos elementos, são mais focadas, destacando geralmente um elemento no centro

da imagem, ocupando, por vezes, quase a tela toda.

Sendo assim, diante das vinte e quatro composições, descreve-se: 1 – Paisagem de

natureza com árvores, folhas e quatro pássaros, sendo um pássaro grande; 2 – Paisagem de

natureza com duas árvores, pássaros e folhas, com um homem segurando uma espada e

estacas de madeiras e um machado; 3 - Paisagem de natureza com uma árvore, pássaros e

folhas, com dois homens segurando uma espada e um terceiro homem segurando uma corda

pendurada na árvore; 4 – Paisagem de natureza com uma árvore, folhas e pássaros, com um

homem segurando uma corda pendurada à arvore e ao seu lado duas estacas verticais enfiadas

na terra e com nove estacas penduradas em horizontal; 5 – Paisagem de natureza com uma

árvore, folhas e pássaros pequenos, com um homem apontando um arco e flecha na direção de

outro homem que está parcialmente à amostra, escondido atrás da árvore, e um cachorro ou

um gato no fundo; 6 – Paisagem de natureza com uma árvore, folhas, pássaros, sendo um

pássaro grande próximo à árvore; 7 – Paisagem de natureza com dois arbustos cheios de

folhas e pássaros pequeninos; 8 – Paisagem de natureza com duas árvores e folhas, com dois

homens usando chapeu e segurando uma estaca no chão; 9 – Paisagem de natureza com duas

árvores, um pássaro grande, um cão e um homem com chapéu, segurando algo pendurado por

uma corda; 10 – Paisagem de natureza com uma árvore, folhas, pássaros, sendo um pássaro

grande, com um home usando chapéu e segurando uma vareta tipo bengala, um cão e uma

casinha de madeira com uma bandeira pendurada no topo; 11 - Paisagem de natureza com

duas árvores, folhas, pássaros, com um homem segurando pela coleira um cachorro e um

outro cão menor ao lado, e um outro homem de chapéu puxando a árvore da esquerda; 12 -

Paisagem de natureza com duas árvores, folhas, flores, pássaros e um homem de chapéu

sentado à beira da árvore da direita com os braços abertos olhando para o céu; 13 - Paisagem

de natureza com uma árvore com um dos seus galhos cortados, folhas, arbustos, pássaros e

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uma casa grande feita de estacas de madeira; 14 - Paisagem de natureza com uma árvore,

folhas, pássaros, arbustos, três estacas em vertical e horizontal parecendo cerca e um pássaro

pendurado na cerca do meio, um homem de chapéu e botas, sentado a beira de um rio, com

uma vareta de pesca; 15 - Paisagem de natureza com duas árvores, folhas, pássaros dois

conjuntos de estacas verticais e horizontais parecendo uma cerca, duas mulheres que lembram

gueixas chinesas, a do lado esquerdo está em pés egurando um novelho e um a corda com

uma pipa e a outra está sentada; 16 – Paisagem de natureza com um pássaro grande e umas

cercas bem trabalhadas de madeira com decorativos de flores nas extremidades, e uma

bandeira pendurada; 17 – Cena de natureza com dois montes de areia, algumas folhas e uma

flor ao centro grande; 18 – Cena de um pássaro grande e uma casa de madeira; 19 – Cena de

natureza com um monte, uma árvore com muitas folhas e alguns arbustos pequenos; 20 –

Cena destacando um vaso com flores e flores ao redor do vaso dispostas de forma

homogênea, decorando a paisagem; 21 – Cena de natureza com alguns pássaros ao fundo e

um arbusto destacado ao centro; 22 – Cena de natureza destacando algumas árvores com

folhas; 23 – Cena de natureza com arbustos e flores, e uma mulher com as vestimentas de

gueixa em pé com os braços abertos e, ao seu redor, flores decorativas grandes; 24 – Cena de

natureza com alguns arbustos e ao lado direito uma cabana de madeira.

Como nota-se, todas as cenas remetem a uma paisagem de campo, de natureza,

geralmente com árvores, folhas, arbustos e pássaros. Estes elementos figurativos são

temáticas recorrentes nas cenas chinesas.

Há algumas gravuras de chinoisserie que foram estudadas, principalmente nos

estudos de Mota (1997), produzidas em grande maioria pelo artista J. Pillement em Paris na

segunda metade do século XVIII. Percebe-se, naquelas gravuras, que as temáticas são

geralmente de cenas bucólicas: com paisagens campestres, com elementos naturais como

pássaros, principalmente a representação da fênix, remetendo a algo lendário ou antigo,

plantas (flores e árvores); ainda com pessoas praticando ações cotidianas como comer, pescar,

caçar, contemplar a natureza, entre outros; com animais domésticos como o cachorro, mas

também destaca-se o dragão como um outro animal lendário, geralmente com homens

caçando-o; com imagens de arquitetura simples feita de madeira e cordas como os pagodes

chineses; além disso, tem a representação de personagens como as mulheres gueixas e

homens com vestes de guerreiros samurais, além de servos auxiliando seus senhores.

Diante do exposto, busca-se analisar algumas imagens do armário do consistório,

as quais encontra-se referências nas gravuras de chinoiserie de gosto Europeu, principalmente

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nas gravuras de J.Pillement expostas no trabalho de Mota (1997). Em nenhuma das gravuras,

encontra-se cenas idênticas a qualquer cena do armário. Entretanto, sabe-se que a inspiração é

de fato chinesa, pois, não somente a técnica com que foram feitas e o estilo peculiar oriental

como foi comentado indicam essa hipótese, mas localizou-se elementos específicos do estilo

chinoiserie nas gravuras que apontam certas semelhanças.

Na figura 3 do Armário, tem-se um elemento temático que encontrado na gravura

de nº119 de J. Pillement produzida no ano de 1771 trata-se de um homem segurando uma

espada, talvez um guerreiro samurai (ver figs. 4 e 5). Na gravura 3, o homem, junto a outros

dois, parece estar em ato de cortar a árvore, já na gravura 119, o homem está de costas

atacando um dragão. A silhueta das roupas de ambas as imagens também são parecidas,

principalmente na parte da calça e da bota. Todavia, a espada da gravura 119 é muito maior e

mais arredondada que a espada da cena 3 do armário, a qual se encontra reta e curta.

Figura 4: Cena 3 do Armário do Consistório

Fonte: Fátima Hanaque e Roberta Orazem, 2013

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Figura 5: Gravura nº119 de J. Pillement (ano 1771)

Fonte: Mota (1997, p.130)

Na cena 7 do Armário, tem-se um homem pescando em um rio, pode-se remeter a

duas gravuras de J.Pillement a de nº118 e a de nº137. Em ambas as gravuras, há uma cena de

um homem pescando, mas a gravura 137 lembra muito mais o ambiente da cena 7 do Armário

(ver figs. 6 e 7). Além disso, existem outros elementos semelhantes como a árvore que lembra

as palmeiras das gravuras e a cerca de madeira na gravura 137.

Figura 6: Cena 3 do Armário do Consistório

Fonte: Fátima Hanaque e Roberta Orazem, 2013

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Figura 7: Gravuras nº118 (ano 1771) e nº 137 (ano 1773) de J. Pillement

Fonte: Mota (1997, p. 118 e 137)

Na cena 20 do Armário, há um elemento decorativo principal denominado vaso de

flores que aparece nas gravuras nº 235 e nº 236 de J.Pillement (ver figs. 8 e 9). Além disso, na

gravura 236, há uma variedade de guirlandas e ramalhetes que são semelhantes à decoração

de todo o Armário, tanto das cenas, quanto dos espaços entre as gavetas e as portas, como

também no frontão.

Figura 8: Cena 20 do Armário do Consistório

Fonte: Fátima Hanaque e Roberta Orazem, 2013

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Figura 9: Gravuras nº 235 e nº 236 de J. Pillement (ano 1776)

Fonte: Mota (1997, p.235-236)

Alguns outros elementos identificados nas cenas do Armário, tão comuns à

temática chinesa, tais como a gueixa e o chinês de chapéu estão retratados em cenas avulsas,

mas, principalmente, em cenas coletivas dos estudos de gravuras de J. Pillement. Na gravura

nº 260 de J. Pillement, localizamos uma prancha com aqueles dois personagens que são

identificáveis principalmente pela sua roupa. Esses estão representados, por exemplo, nas

cenas 6 e 12 do Armário (ver figs. 10 e 11).

Figura 10: Cenas 6 e 12 do Armário do Consistório

Fonte: Fátima Hanaque e Roberta Orazem, 2013

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Figura 11: Gravura nº 260 de J. Pillement (ano 1762) Fonte: Mota (1997, p.260)

Entende-se, portanto, que as cenas do Armário, no geral, remetem a cenas

bucólicas, campestres, com uma temática bem peculiar que é o homem explorando a natureza

em diversos aspectos, utilizando a madeira para cortar e construir edificações, aproveitando o

espaço para brincar de pipas ou passear, como também pescando o seu alimento ou

utilizando-se de animais domésticos. Esses temas do Armário, além dos elementos específicos

como vestimentas, traços e decorativos como flores plantas e pássaros, atestam,

principalmente depois do estudo comparativo com as gravuras de J. Pillement, a sua forte

influência chinesa.

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Considerações finais

Como resultado, entende-se que os produtos artísticos de motivos chineses são

reflexos de uma dinâmica comercial e cultural entre Portugal, China e Brasil no século XVIII.

Através da análise iconográfica do armário de influência chinesa da Ordem Terceira do

Carmo de Cachoeira – Bahia, observou-se que essa peça se integra a outras peças de

influência chinesa encontradas nessa ordem, a exemplo das esculturas de Cristo com feições

orientalizantes utilizadas nas procissões comemorativas da Paixão de Cristo. Para além

dessas, encontram-se também elementos decorativos pictóricos no interior da igreja dessa

ordem. Essas obras de arte sacra denotam um gosto da elite baiana pelos produtos orientais de

caráter exótico e que se apresentavam nas práticas religiosas e sociais nas quais essa elite

patrocinava.

Os elementos decorativos de inspiração chinesa como cenas bucólicas, elementos

decorativos da fauna e flora, assim como a presença da figura masculina e feminina chinesa

denota que essa elite comercial baiana buscava novos valores simbólicos. Pode-se pensar que

a expansão portuguesa nas colônias promoveu uma aculturação e hibridização das formas no

sentido de estabelecer maior cooperação para os propósitos comerciais e ideológicos. Nesse

sentido, cabe reconhecer uma diversidade cultural que foi construída nas colônias, tendo as

elites detentoras de poder econômico e político definindo padrões e gostos condizentes com

seus interesses principalmente advindos do comércio com a China que permaneceu durante os

séculos XVII, XVIII e XIX.

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