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XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais
Uniões conjugais informais e escolaridade no Brasil: uma comparação entre
1980 e 2010
Mariana Cunha
Ana Paula Verona
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Resumo
Nas últimas décadas, o Brasil experimentou um aumento muito expressivo das uniões
conjugais informais, ou seja, aquelas sem contrato ou certidão. Porém, há indícios de
que não só as uniões informais têm aumentado, como seu significado tem se alterado.
No modelo das uniões informais tradicionais, estas são consideradas como uma
alternativa economicamente viável ao casamento, sendo mais comuns entre as
mulheres com menor escolaridade e renda. Já no modelo das uniões informais
modernas, estas são mais comuns entre mulheres mais escolarizadas, e refletem um
contexto de mudanças ideacionais. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é examinar
a associação entre tipo de união conjugal (formal ou informal) e escolaridade entre
mulheres no Brasil, buscando também verificar se o modelo tradicional ou moderno
melhor descreve as uniões informais brasileiras atuais. A análise foi feita para
mulheres unidas entre 25 e 29 anos, utilizando-se os Censos Demográficos de 1980
e 2010. Os resultados mostram que as mulheres de maior escolaridade ainda
apresentam maior chance de escolherem a união formal, ou seja, o casamento com
certificado civil. Além disso, esta chance aumentou ao longo do tempo. Os resultados
também indicam que o modelo tradicional de união informal ainda é o mais prevalente,
apesar de não ser mais o único. Este trabalho contribui para o entendimento de
potenciais mudanças no significado das uniões conjugais informais no Brasil nas
décadas recentes, abrindo caminho para futuras pesquisas sobre o tema.
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Introdução
O Brasil, assim como o restante da América Latina, experimentou um aumento
muito expressivo das uniões conjugais informais, ou seja, sem contrato ou certidão.
Entre 1970, por exemplo, 7,2% das mulheres unidas entre 25 e 29 anos no Brasil,
estavam em uma união informal, enquanto em 2010, este percentual foi de 51%
(Covre-Sussai et al., 2015).
No passado, as uniões informais (chamadas uniões consensuais) no Brasil
eram observadas quase que exclusivamente entre grupos de baixa escolaridade e
renda. Tradicionalmente, a união consensual é considerada uma alternativa mais
barata ao casamento formal, e mais fácil de ser dissolvida (Castro-Martin, 2002). No
entanto, o crescimento recente das uniões informais no Brasil (e na América Latina)
ocorreu em diferentes grupos demográficos e socioeconômicos (Esteve et al 2012). O
aumento das uniões informais entre os grupos mais escolarizados e maior renda pode
sugerir a difusão de valores presentes na Segunda Transição Demográfica (STD)
(Lesthaeghe & Van de Kaa, 1986). Este conceito foi criado para explicar a persistência
de níveis muito baixos de fecundidade no contexto europeu desde meados do século
XX. Alguns autores argumentam que o conceito da STD também pode ser usado para
outros contextos, como, por exemplo, o latino americano (Esteve et al 2012;
Lesthaeghe 2010).
O objetivo deste trabalho é examinar a associação entre tipo de união conjugal
(formal ou informal) e escolaridade entre mulheres no Brasil. A análise será feita para
mulheres unidas entre 25 e 29 anos, em 1980 e 2010. Os resultados do trabalho
permitirão investigar se e como esta associação variou no período, e em qual grupo
de escolaridade as uniões informais cresceram mais, ao mesmo tempo que
controlando por outras variáveis também associadas ao tipo de união.
A principal contribuição deste trabalho é examinar a associação entre natureza
da união conjugal e a escolaridade entre mulheres entre 25 e 29 anos no Brasil, assim
como investigar se esta associação variou, e como, entre 1980 e 2010. Além disso,
este trabalho contribuirá para o entendimento sobre potenciais mudanças no
significado das uniões informais no Brasil nas décadas mais recentes.
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As uniões conjugais informais no Brasil
Uma característica marcante do sistema conjugal da América Latina é a
presença histórica da união informal. Na verdade, a coexistência de uniões conjugais
formais e informais pode ser datada ao período colonial, durante o qual os setores
mais pobres da população utilizavam a união informal como alternativa mais
economicamente viável ao casamento (Castro-Martin, 2002; Vieira, 2016).
A união informal é definida neste trabalho como a união conjugal sem contrato
ou certidão. Em diferentes contextos, este tipo de união é comumente chamado na
literatura de união consensual ou coabitação. O termo “união consensual” será usado
neste trabalho para caracterizar um tipo tradicional de união informal no Brasil. Estas
uniões são frequentemente precoces e, muitas vezes, substituem o casamente formal.
Ela é amplamente aceita nos países da América Latina e é um espaço para criação
de filhos (Castro-Martin, 2002). Castro-Martin (2002), ao analisar as características
das mulheres em união informal na América Latina, discute como esse tipo de união,
aqui chamada de consensual, é prevalente entre mulheres mais jovens, menos
escolarizadas e de menor renda. Essas uniões também são consideradas menos
estáveis que uniões formais, ou com maior probabilidade de dissolução.
O segundo termo, a coabitação, é geralmente usado pela literatura sobre a
STD, que explica a união informal, e o seu grande crescimento, a partir de mudanças
ideacionais. A abordagem assume que, em um contexto secular e moderno, os
indivíduos preferem uniões com menor nível de comprometimento e maior facilidade
de dissolução. A coabitação seria uma resposta ao processo de mudanças culturais
em relação à formação da família e a fecundidade, sendo comumente considerada
como um teste para o casamento (que pode ou não acontecer no futuro) ou uma
alternativa à solteirice. Os pioneiros da STD seriam aqueles com maior escolaridade
e renda, e a união ocorreria tardiamente, e inicialmente, sem procriação.
A coabitação surge e cresce no contexto europeu em um período de revolução
das atitudes sobre sexo, relações de gênero e o papel da mulher no mercado de
trabalho (Perelli-Harris & Gassen, 2012; Perelli-Harris & Bernardi, 2015). A frequência
de coabitação em alguns países da Europa Ocidental ultrapassou o casamento formal
como forma de primeira união, sendo inclusive aceita para criação de filhos em muitos
contextos (Kiernan, 2001). Segundo a STD, a coabitação na Europa é incentivada
pela busca de auto realização, satisfação de “aspirações de ordem superior” e à maior
individualização (Lesthaeghe, 2010).
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Nas últimas décadas, a união informal tem se tornado comum em todas as
classes sociais no Brasil, podendo indicar mudanças no significado da união conjugal
no país. Autores como Castro-Martin (2002) e Covre-Sussai et al. (2015) apontam
para o surgimento de novo um tipo de coabitação, “moderna”, em contraste ao tipo
“tradicional” do passado. Uniões informais tradicionais, ainda presentes atualmente,
estariam ligadas a uma estratégia para lidar com dificuldades econômicas. As uniões
informais modernas, por outro lado, se assemelham mais ao padrão observado em
países desenvolvidos e estariam surgindo entre as mulheres mais escolarizadas, na
busca de maior autonomia e igualdade de gênero dentro do domicílio.
Em diferentes intensidades, a coabitação vem sendo identificada em países da
América Latina já há algum tempo (Parrado e Tiena, 1997; Castro-Martin, 2002;
Esteve et al.2012; Covre-Sussai et al. 2015). Trabalhos como o de Esteve et al. (2012)
e Esteve et al. (2014) argumentam que o crescimento das uniões informais na América
Latina desde a década de 1970 não indica apenas uma continuação da coabitação
tradicional, havendo um aumento de famílias nucleares com casais coabitando e com
características ligadas à coabitação moderna. Os autores afirmam que essas
mudanças no perfil das mulheres em coabitação são sinal do início da Segunda
Transição Demográfica na América Latina, porém ainda limitada por padrões
históricos de classe, raça e religião (Verona et al 2015).
Como discute Couvre-Sussai (2010), no contexto da STD é esperado observar-
se um aumento no número de divórcios, coabitações e idade à primeira união, assim
como redução da fecundidade. Esse comportamento está ligado às mudanças
valorativas e culturais que poderiam levar a uma perda da importância de instituições
como o casamento formal. Ao analisar o caso brasileiro, os autores afirmam que,
apesar das similaridades legais entre o casamento formal e a coabitação no Brasil,
ainda não é possível afirmar que esses são indistinguíveis entre si.
Assim, analisar as características das mulheres segundo tipo de união ao longo
do tempo no Brasil pode nos ajudar a entender se o significado das uniões informais
tem mudado e se estamos observando um novo perfil de mulheres em coabitação no
Brasil nas décadas mais recentes. Este trabalho utiliza a escolaridade das mulheres
como principal variável para explicar as decisões sobre tipo de união conjugal no
Brasil.
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Dados e Métodos
Os censos demográficos brasileiros de 1980 e 2010 foram selecionados como
base de dados para essa pesquisa. Os dados foram retirados do IPUMS International,
que harmonizam as variáveis originalmente coletadas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
A comparação dos censos de 1980 e 2010 permite verificar como diferentes
características demográficas e socioeconômicas das mulheres em união formal e
informal se alterou ao longo do tempo no Bbrasil. A coabitação no país passa a crescer
a partir das décadas de 1970-80, sendo também quando começam a surgir as
principais mudanças legais em relação à união e ao casamento (Castro-Martin, 2002;
Marcondes, 2011; Esteve et al., 2012). Dessa forma, o censo de 1980 foi escolhido
como ponto inicial da pesquisa.
O grupo de análise é composto por mulheres de 25 a 29 anos unidas formal e
informalmente, o que representa cerca de 72% das mulheres de 25-29 anos em 1980
e 60% em 2010. Esse corte foi feito, pois o grupo de 15-24 anos representa um
período em que um número muito expressivo de mulheres ainda não se uniu no Brasil
e o grupo acima dos 29 anos tem maiores chances de conter mulheres que estejam
em uniões de segunda ou maior ordem, o que compromete a interpretação do
resultados.
Este trabalho utiliza a regressão logística para estimar a chance da mulher
unida estar em união formal ou informal. Desta forma, a variável dependente se refere
ao tipo de união: estar em uma união formal (categoria de referência) versus estar em
uma união informal. Com relação às variáveis independentes, essas mulheres foram
analisadas com relação à idade, escolaridade, raça/cor, religião, local de residência
(rural/urbano), grande região e classe socioeconômica.
A variável idade foi analisada por idade simples. A variável escolaridade foi
subdividida em 4 categorias: 1) menos que fundamental completo; 2) fundamental
completo; 3) ensino médio completo; 4) ensino superior completo. A variável raça/cor
foi subdividida em 1) branca; 2) preta; 3) parda; 4) outra. A variável religião: 1) católica;
2) protestante/evangélica; 3) outra; 4) sem religião. As grandes regiões: 1) sul; 2)
sudeste; 3) centro-oeste; 4) nordeste; 5) norte. A variável de setor de residência: 1)
urbano; 2) rural. Por último, a variável de classe socioeconômica: 1) classe A; 2) classe
B; 3) classe C; 4) classe D-E.
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A variável classe foi construída baseada no Critério Brasil (Associação
Brasileira de Empresa de Pesquisas, ABEP, 2016), mas com algumas modificações,
levando em conta a posse de bens, nível de escolaridade e acesso a serviços
públicos:
Tabela 1 – Construção do critério de classes
Grupo Variáveis Pontuação
Posse de bens
Rádio, Televisão, Telefone
1 ponto por possuir no mínimo um exemplar de cada artigo
Geladeira 2 pontos por possuir no mínimo 1 geladeira
Automóvel 3 pontos por possuir no mínimo 1 automóvel
Acesso a serviços públicos
Água Potável
8 pontos por possuir água encanada
4 pontos por possuir água potável de poço ou do sistema geral sem encanamento
Saneamento Básico
8 pontos por possuir sistema geral de esgoto
4 pontos por possuir fossa séptica
Eletricidade 2 pontos por possuir energia elétrica
Nível de Instrução do chefe do domicílio
Menos que Fundamental 0 pontos
Fundamental completo 2 pontos
Ensino Médio completo 4 pontos
Ensino Superior completo
8 pontos
Fonte: elaboração própria com base no modelo do Critério Brasil (2016)
Tabela 2 – Divisão dos pontos por classe
Classe Pontos
A 34-30
B 29-23
C 22-13
D-E 12-0 Fonte: elaboração própria com base no modelo do Critério Brasil (2016)
Com relação às limitações metodológicas, é importante mencionar que o uso
de uma base de dados transversal como o censo demográfico não permite inferir a
direção da causalidade dos eventos ou saber qual é a trajetória conjugal dessas
mulheres. Dessa forma, não é possível saber se uma mulher atualmente casada
formalmente já esteve em uma união informal no passado, por exemplo. Há também
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o problema, ao se utilizar as variáveis de escolaridade e classe, de que essas mudam
ao longo do ciclo de vida e a escolaridade/classe atual da mulher pode não refletir sua
escolaridade/classe no momento da formação da união. A variável classe, da forma
como foi construída nessa pesquisa, é também limitada, sendo apenas uma proxy
para o verdadeiro status socioeconômico dessas mulheres.
Apesar dessas limitações (e na ausência de dados longitudinais), os resultados
encontrados nesse artigo ainda são de grande relevância para demonstrar como o
perfil das mulheres em união formal e informal tem mudado no Brasil nas últimas
décadas.
Resultados
A tabela 3 abaixo apresenta a distribuição percentual das variáveis
independentes para os anos de 1980 e 2010, para mulheres de 25 a 29 anos unidas
formal ou informalmente. Através dessa breve análise já é possível notar uma grande
transformação do grupo de mulheres em união informal.
Primeiramente, a tabela mostra que a porcentagem de mulheres de 25 a 29
anos em união informal, dentre as mulheres unidas, passa de 13% em 1980 para 51%
em 2010, ultrapassando o número de mulheres em união formal. Esse crescimento
da proporção de mulheres em coabitação foi acompanhado por uma maior
heterogeneidade desse grupo, que se torna mais comum para todos os subgrupos de
idade, escolaridade, classe, raça, religião, e região geográfica.
Destaca-se o crescimento do nível geral de escolaridade e o aumento da
proporção de mulheres em união informal em todos os grupos educacionais entre
1980 e 2010. Entretanto, apesar do aumento da proporção de mulheres em união
informal com ensino superior completo (passando de 4,5% para 27,8%), as mulheres
de mais alta escolaridade ainda parecem preferir a união formal. A variável classe
segue o mesmo padrão: cresce a proporção de mulheres nas classes mais altas para
ambos os grupos, mas as classes mais ricas ainda são majoritariamente compostas
por mulheres em união formal (apenas 29,7% e 47,6% das mulheres unidas nas
classes A e B, respectivamente, estão em união informal).
Em 2010 as mulheres brancas ainda têm maior proporção em união formal
(55,9%) e as pretas em união informal (60%), porém os diferenciais por tipo de união
são bem menores que em 1980. Com relação à religião, não só cresceu o grupo das
evangélicas entre os anos (passando de 6,7% para 26,9%), como também essas
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mulheres continuam como o grupo que mais prefere a união formal em comparação
com as outras religiões (92,5% em 1980 e 64% em 2010).
Tabela 3 – Distribuição percentual das variáveis independentes para mulheres de 25 a 29 anos em união formal e informal, Brasil, 1980 e 2010
Variáveis Independentes
1980 2010
% da Amostra
União Informal
União Formal
% da Amostra
União Informal
União Formal
Idade 25 20,74 14,11 85,89 17,84 56,03 43,97
26 20,03 12,90 87,10 18,49 53,67 46,33
27 19,92 12,90 87,10 20,45 51,01 48,99
28 20,34 12,92 87,08 21,70 49,15 50,85
29 18,97 12,05 87,95 21,52 46,84 53,16
Raça/Cor Branca 59,62 8,97 91,03 46,07 44,09 55,91
Preta 4,89 26,13 73,87 7,31 60,06 39,94
Parda 35,04 17,87 82,13 44,85 56,62 43,38
Outra 0,45 4,85 95,15 1,76 56,46 43,54
Escolaridade Menos Fund.
Completo 71,04 15,01 84,99 18,34 66,22 33,78 Fundamental
Completo 14,83 10,70 89,30 31,13 59,29 40,71
Médio Completo 10,80 5,42 94,58 39,64 44,05 55,95
Superior Completo 3,22 4,51 95,49 10,90 27,84 72,16
Classe A 5,37 5,26 94,74 12,28 29,72 70,28
B 15,01 8,03 91,97 37,24 47,64 52,36
C 33,51 11,82 88,18 38,55 57,24 42,76
D-E 46,11 16,37 83,63 11,92 64,04 35,96
Religião Católica 89,24 13,04 86,96 60,63 55,57 44,43
Evangélica 6,74 7,41 92,59 26,98 35,92 64,08
Outra 2,50 15,24 84,76 4,26 44,40 55,60
Sem religião 1,33 27,84 72,16 7,69 72,98 27,02
Zona Rural 29,11 11,11 88,89 15,48 53,55 46,45
Urbana 70,89 13,77 86,23 84,52 50,65 49,35
Grande Região Sul 17,65 7,61 92,39 15,01 51,24 48,76
Sudeste 46,45 12,31 87,69 39,66 44,06 55,94
Centro-Oeste* 6,70 13,76 86,24 8,90 51,16 48,84
Nordeste 24,52 16,57 83,43 28,02 56,26 43,74
Norte 4,68 20,28 79,72 8,41 66,74 33,26
Porcentagem Total 100% 13% 87% 100% 51,09% 48,91%
Nº 3.423.070 444.860 2.978.210 5.233.805 2.674.212 2.559.593 * Tocantins é contabilizado como parte de Goiás Fonte: Construída a partir de dados do Censo Demográfico Brasileiro de 1980 e 2010 retirados do
IPUMS.
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A tabela 4 abaixo apresenta o resultado das regressões, com a razão de
chance de uma mulher de 25 a 29 anos estar em união formal, comparado a estar em
uma união informal, para 1980 e 2010:
Tabela 4 – Razão de chance de estar em uma união formal versus união informal, mulheres de 25 a 29 anos, 1980 e 2010, Brasil
Variável Razão de Chance
1980 2010
Idade
25 1,00 1,00
26 1,08 1,08
27 1,09 1,18
28 1,09 1,28
29 1,16 1,40
Religião Católica 1,00 1,00
Protestante 1,84 2,35
Sem Religião 0,36 0,47
Outras 0,68 1,22
Raça/Cor Branca 1,00 1,00
Preta 0,38 0,61
Parda 1,71 0,70
Outras 0,61 0,77
Escolaridade Menos Fund. Completo 1,00 1,00
Fundamental Completo 1,35 1,26
Ensino Médio Completo 2,51 2,26
Ensino Superior Completo 2,84 3,82
Classe Classe A 1,00 1,00
Classe B 1,01* 0,73
Classe C 0,85 0,64
Classe D-E 0,57 0,51
Setor Urbano 1,00 1,00
Rural 0,47 0,54
Grande Região Sudeste 1,00 1,00
Sul 1,47 0,69
Centro-oeste 0,97* 0,75
Nordeste 0,87 0,80
Norte 0,63 0,45
* não significativa a 5% Fonte: Construída a partir de dados do Censo Demográfico Brasileiro de 1980 retirados do
IPUMS.
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Os resultados mostram que mulheres mais velhas têm maior chance de
estarem em uniões formais se comparadas às mulheres de 25 anos, e esse diferencial
aumenta entre 1980 e 2010. Com relação à religião, em 1980 as protestantes
apresentam uma chance 1,84 vezes maior de estarem em união formal se
comparadas às católicas. Em 2010, essa chance aumenta para 2,35. Isso é explicado
tanto pela maior preferência das evangélicas à união formal quanto pelo aumento da
heterogeneidade do grupo das católicas. Mulheres sem religião parecem preferir a
união informal se comparadas às católicas, apesar de que o diferencial diminui entre
1980 e 2010.
Com relação à raça/cor, chama a atenção a reversão para o grupo das pardas.
Em 1980, a chance de mulheres pardas estarem em uma união formal era maior que
para mulheres brancas, porém, em 2010, as pardas têm uma chance menor. Esses
resultados podem estar ligados ao aumento da proporção de mulheres no grupo das
pardas e redução no grupo das brancas, como visto na tabela 3, indicando que os
grupos de raça estão se tornando mais heterogêneos, mas também podem estar
ligados à maior aceitação da união informal para todos os grupos raciais.
Entretanto, o resultado que mais chama atenção é com relação à escolaridade:
em ambos os anos a chance de estar em união formal cresce com o nível educacional.
Não só isso, mas os diferenciais parecem ter aumentado entre os anos para as
mulheres com ensino superior completo. Em 1980, quando controlando pelas outras
variáveis, a chance de estar em união formal era 2,84 vezes maior para as mulheres
com ensino superior completo em comparação às mulheres com menos que ensino
fundamental completo. Em 2010, essa razão de chances cresce para 3,82. Ou seja,
apesar de análise descritiva mostrar que cresceu a porcentagem de mulheres em
união informal para todos os níveis de escolaridade, as mulheres mais escolarizadas
parecem ainda preferir a união formal se comparadas às mulheres menos
escolarizadas.
Um padrão similar é observado para as diferentes classes: as mulheres das
classes mais baixas, mesmo em 2010, têm menores chances de estarem em uma
união formal se comparadas às mulheres de classe A. Com relação à setor de
residência, mulheres no setor rural têm menores chances de estarem em união formal
que mulheres no setor urbano em ambos os anos.
A análise das grandes regiões é mais complicada devido à grande
heterogeneidade inter-regional, mas chama a atenção a reversão da região Sul entre
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1980 e 2010. Além disso, a região norte se mantem em ambos os anos como a região
com menor chance de as mulheres estarem em união formal se comparadas às
mulheres da região sudeste.
Discussão dos resultados
A principal contribuição deste trabalho foi examinar a associação entre natureza
da união conjugal e a escolaridade entre mulheres entre 25 e 29 anos no Brasil, assim
como investigar se esta associação variou, e como, entre 1980 e 2010.
Primeiramente, os resultados mostram que, apesar de a união informal estar
se tornando mais comum para todos os segmentos sociais, as mulheres de maior
escolaridade e classe social ainda apresentam maior chance de optarem pela união
formal, ou seja, o casamento com certificado civil. Além disso, os diferenciais por
escolaridade aumentaram entre 1980 e 2010, indicando que essa preferência se
tornou mais forte ao longo do tempo no país.
Da mesma forma, os resultados também reafirmam a ideia de que a união
informal no Brasil está ligada a uma estratégia de proteção às dificuldades
econômicas das mulheres mais pobres, como uma alternativa mais economicamente
viável ao casamento formal (Castro-Martin, 2002; Fussell & Palloni, 2004; Covre-
Sussai et al., 2015), pois esse ainda é o tipo de união preferido pelas mulheres de
baixa classe social.
Esses resultados contradizem a ideia de que o crescimento da união informal
no Brasil seria um indício da STD. De acordo com essa teoria, seria esperado que a
união informal se tornasse uma alternativa ao casamento formal no sentido de ser
uma união mais igualitária e desinstitucionalizada. Apesar de os resultados apontarem
para uma expansão a união informal no Brasil, elas ainda parecem ser
majoritariamente do tipo tradicional.
Ao mesmo tempo, os resultados também mostram que não é mais possível
dizer que a coabitação tradicional é o único tipo de união informal no país. Com as
mudanças culturais e legais pelas quais o país tem passado nas últimas décadas, a
união informal tem se tornado cada vez mais aceita como alternativa ao casamento
formal. O grupo de mulheres em união informal está mais heterogêneo, indicando
maior diversidade nas motivações para escolher esse tipo de união.
Assim, mesmo que não majoritário, existe um grupo de mulheres mais
escolarizadas que prefere a união informal. Dessa forma, surge a pergunta: quem são
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essas mulheres? É possível que elas representem um grupo pioneiro para esse início
da uma segunda transição demográfica no Brasil como sugerem Esteve et al. (2012).
Porém, é também possível que a escolha por esse tipo de união esteja ligada não à
realização de aspirações de ordem maior como sugerem as teorias da segunda
transição, mas sim à institucionalização da união informal no Brasil, que se aproxima
cada vez mais de uma união formal, como sugerem Castro-Martin (2002) e Vieira
(2016). Assim, para um trabalho futuro, espera-se analisar quais as características
dessas mulheres de alta escolaridade em união informal, para tentar identificar suas
motivações para a escolha desse tipo de união.
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Referências
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