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1 XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais Uniões conjugais informais e escolaridade no Brasil: uma comparação entre 1980 e 2010 Mariana Cunha Ana Paula Verona

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XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais

Uniões conjugais informais e escolaridade no Brasil: uma comparação entre

1980 e 2010

Mariana Cunha

Ana Paula Verona

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Resumo

Nas últimas décadas, o Brasil experimentou um aumento muito expressivo das uniões

conjugais informais, ou seja, aquelas sem contrato ou certidão. Porém, há indícios de

que não só as uniões informais têm aumentado, como seu significado tem se alterado.

No modelo das uniões informais tradicionais, estas são consideradas como uma

alternativa economicamente viável ao casamento, sendo mais comuns entre as

mulheres com menor escolaridade e renda. Já no modelo das uniões informais

modernas, estas são mais comuns entre mulheres mais escolarizadas, e refletem um

contexto de mudanças ideacionais. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é examinar

a associação entre tipo de união conjugal (formal ou informal) e escolaridade entre

mulheres no Brasil, buscando também verificar se o modelo tradicional ou moderno

melhor descreve as uniões informais brasileiras atuais. A análise foi feita para

mulheres unidas entre 25 e 29 anos, utilizando-se os Censos Demográficos de 1980

e 2010. Os resultados mostram que as mulheres de maior escolaridade ainda

apresentam maior chance de escolherem a união formal, ou seja, o casamento com

certificado civil. Além disso, esta chance aumentou ao longo do tempo. Os resultados

também indicam que o modelo tradicional de união informal ainda é o mais prevalente,

apesar de não ser mais o único. Este trabalho contribui para o entendimento de

potenciais mudanças no significado das uniões conjugais informais no Brasil nas

décadas recentes, abrindo caminho para futuras pesquisas sobre o tema.

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Introdução

O Brasil, assim como o restante da América Latina, experimentou um aumento

muito expressivo das uniões conjugais informais, ou seja, sem contrato ou certidão.

Entre 1970, por exemplo, 7,2% das mulheres unidas entre 25 e 29 anos no Brasil,

estavam em uma união informal, enquanto em 2010, este percentual foi de 51%

(Covre-Sussai et al., 2015).

No passado, as uniões informais (chamadas uniões consensuais) no Brasil

eram observadas quase que exclusivamente entre grupos de baixa escolaridade e

renda. Tradicionalmente, a união consensual é considerada uma alternativa mais

barata ao casamento formal, e mais fácil de ser dissolvida (Castro-Martin, 2002). No

entanto, o crescimento recente das uniões informais no Brasil (e na América Latina)

ocorreu em diferentes grupos demográficos e socioeconômicos (Esteve et al 2012). O

aumento das uniões informais entre os grupos mais escolarizados e maior renda pode

sugerir a difusão de valores presentes na Segunda Transição Demográfica (STD)

(Lesthaeghe & Van de Kaa, 1986). Este conceito foi criado para explicar a persistência

de níveis muito baixos de fecundidade no contexto europeu desde meados do século

XX. Alguns autores argumentam que o conceito da STD também pode ser usado para

outros contextos, como, por exemplo, o latino americano (Esteve et al 2012;

Lesthaeghe 2010).

O objetivo deste trabalho é examinar a associação entre tipo de união conjugal

(formal ou informal) e escolaridade entre mulheres no Brasil. A análise será feita para

mulheres unidas entre 25 e 29 anos, em 1980 e 2010. Os resultados do trabalho

permitirão investigar se e como esta associação variou no período, e em qual grupo

de escolaridade as uniões informais cresceram mais, ao mesmo tempo que

controlando por outras variáveis também associadas ao tipo de união.

A principal contribuição deste trabalho é examinar a associação entre natureza

da união conjugal e a escolaridade entre mulheres entre 25 e 29 anos no Brasil, assim

como investigar se esta associação variou, e como, entre 1980 e 2010. Além disso,

este trabalho contribuirá para o entendimento sobre potenciais mudanças no

significado das uniões informais no Brasil nas décadas mais recentes.

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As uniões conjugais informais no Brasil

Uma característica marcante do sistema conjugal da América Latina é a

presença histórica da união informal. Na verdade, a coexistência de uniões conjugais

formais e informais pode ser datada ao período colonial, durante o qual os setores

mais pobres da população utilizavam a união informal como alternativa mais

economicamente viável ao casamento (Castro-Martin, 2002; Vieira, 2016).

A união informal é definida neste trabalho como a união conjugal sem contrato

ou certidão. Em diferentes contextos, este tipo de união é comumente chamado na

literatura de união consensual ou coabitação. O termo “união consensual” será usado

neste trabalho para caracterizar um tipo tradicional de união informal no Brasil. Estas

uniões são frequentemente precoces e, muitas vezes, substituem o casamente formal.

Ela é amplamente aceita nos países da América Latina e é um espaço para criação

de filhos (Castro-Martin, 2002). Castro-Martin (2002), ao analisar as características

das mulheres em união informal na América Latina, discute como esse tipo de união,

aqui chamada de consensual, é prevalente entre mulheres mais jovens, menos

escolarizadas e de menor renda. Essas uniões também são consideradas menos

estáveis que uniões formais, ou com maior probabilidade de dissolução.

O segundo termo, a coabitação, é geralmente usado pela literatura sobre a

STD, que explica a união informal, e o seu grande crescimento, a partir de mudanças

ideacionais. A abordagem assume que, em um contexto secular e moderno, os

indivíduos preferem uniões com menor nível de comprometimento e maior facilidade

de dissolução. A coabitação seria uma resposta ao processo de mudanças culturais

em relação à formação da família e a fecundidade, sendo comumente considerada

como um teste para o casamento (que pode ou não acontecer no futuro) ou uma

alternativa à solteirice. Os pioneiros da STD seriam aqueles com maior escolaridade

e renda, e a união ocorreria tardiamente, e inicialmente, sem procriação.

A coabitação surge e cresce no contexto europeu em um período de revolução

das atitudes sobre sexo, relações de gênero e o papel da mulher no mercado de

trabalho (Perelli-Harris & Gassen, 2012; Perelli-Harris & Bernardi, 2015). A frequência

de coabitação em alguns países da Europa Ocidental ultrapassou o casamento formal

como forma de primeira união, sendo inclusive aceita para criação de filhos em muitos

contextos (Kiernan, 2001). Segundo a STD, a coabitação na Europa é incentivada

pela busca de auto realização, satisfação de “aspirações de ordem superior” e à maior

individualização (Lesthaeghe, 2010).

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Nas últimas décadas, a união informal tem se tornado comum em todas as

classes sociais no Brasil, podendo indicar mudanças no significado da união conjugal

no país. Autores como Castro-Martin (2002) e Covre-Sussai et al. (2015) apontam

para o surgimento de novo um tipo de coabitação, “moderna”, em contraste ao tipo

“tradicional” do passado. Uniões informais tradicionais, ainda presentes atualmente,

estariam ligadas a uma estratégia para lidar com dificuldades econômicas. As uniões

informais modernas, por outro lado, se assemelham mais ao padrão observado em

países desenvolvidos e estariam surgindo entre as mulheres mais escolarizadas, na

busca de maior autonomia e igualdade de gênero dentro do domicílio.

Em diferentes intensidades, a coabitação vem sendo identificada em países da

América Latina já há algum tempo (Parrado e Tiena, 1997; Castro-Martin, 2002;

Esteve et al.2012; Covre-Sussai et al. 2015). Trabalhos como o de Esteve et al. (2012)

e Esteve et al. (2014) argumentam que o crescimento das uniões informais na América

Latina desde a década de 1970 não indica apenas uma continuação da coabitação

tradicional, havendo um aumento de famílias nucleares com casais coabitando e com

características ligadas à coabitação moderna. Os autores afirmam que essas

mudanças no perfil das mulheres em coabitação são sinal do início da Segunda

Transição Demográfica na América Latina, porém ainda limitada por padrões

históricos de classe, raça e religião (Verona et al 2015).

Como discute Couvre-Sussai (2010), no contexto da STD é esperado observar-

se um aumento no número de divórcios, coabitações e idade à primeira união, assim

como redução da fecundidade. Esse comportamento está ligado às mudanças

valorativas e culturais que poderiam levar a uma perda da importância de instituições

como o casamento formal. Ao analisar o caso brasileiro, os autores afirmam que,

apesar das similaridades legais entre o casamento formal e a coabitação no Brasil,

ainda não é possível afirmar que esses são indistinguíveis entre si.

Assim, analisar as características das mulheres segundo tipo de união ao longo

do tempo no Brasil pode nos ajudar a entender se o significado das uniões informais

tem mudado e se estamos observando um novo perfil de mulheres em coabitação no

Brasil nas décadas mais recentes. Este trabalho utiliza a escolaridade das mulheres

como principal variável para explicar as decisões sobre tipo de união conjugal no

Brasil.

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Dados e Métodos

Os censos demográficos brasileiros de 1980 e 2010 foram selecionados como

base de dados para essa pesquisa. Os dados foram retirados do IPUMS International,

que harmonizam as variáveis originalmente coletadas pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE).

A comparação dos censos de 1980 e 2010 permite verificar como diferentes

características demográficas e socioeconômicas das mulheres em união formal e

informal se alterou ao longo do tempo no Bbrasil. A coabitação no país passa a crescer

a partir das décadas de 1970-80, sendo também quando começam a surgir as

principais mudanças legais em relação à união e ao casamento (Castro-Martin, 2002;

Marcondes, 2011; Esteve et al., 2012). Dessa forma, o censo de 1980 foi escolhido

como ponto inicial da pesquisa.

O grupo de análise é composto por mulheres de 25 a 29 anos unidas formal e

informalmente, o que representa cerca de 72% das mulheres de 25-29 anos em 1980

e 60% em 2010. Esse corte foi feito, pois o grupo de 15-24 anos representa um

período em que um número muito expressivo de mulheres ainda não se uniu no Brasil

e o grupo acima dos 29 anos tem maiores chances de conter mulheres que estejam

em uniões de segunda ou maior ordem, o que compromete a interpretação do

resultados.

Este trabalho utiliza a regressão logística para estimar a chance da mulher

unida estar em união formal ou informal. Desta forma, a variável dependente se refere

ao tipo de união: estar em uma união formal (categoria de referência) versus estar em

uma união informal. Com relação às variáveis independentes, essas mulheres foram

analisadas com relação à idade, escolaridade, raça/cor, religião, local de residência

(rural/urbano), grande região e classe socioeconômica.

A variável idade foi analisada por idade simples. A variável escolaridade foi

subdividida em 4 categorias: 1) menos que fundamental completo; 2) fundamental

completo; 3) ensino médio completo; 4) ensino superior completo. A variável raça/cor

foi subdividida em 1) branca; 2) preta; 3) parda; 4) outra. A variável religião: 1) católica;

2) protestante/evangélica; 3) outra; 4) sem religião. As grandes regiões: 1) sul; 2)

sudeste; 3) centro-oeste; 4) nordeste; 5) norte. A variável de setor de residência: 1)

urbano; 2) rural. Por último, a variável de classe socioeconômica: 1) classe A; 2) classe

B; 3) classe C; 4) classe D-E.

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A variável classe foi construída baseada no Critério Brasil (Associação

Brasileira de Empresa de Pesquisas, ABEP, 2016), mas com algumas modificações,

levando em conta a posse de bens, nível de escolaridade e acesso a serviços

públicos:

Tabela 1 – Construção do critério de classes

Grupo Variáveis Pontuação

Posse de bens

Rádio, Televisão, Telefone

1 ponto por possuir no mínimo um exemplar de cada artigo

Geladeira 2 pontos por possuir no mínimo 1 geladeira

Automóvel 3 pontos por possuir no mínimo 1 automóvel

Acesso a serviços públicos

Água Potável

8 pontos por possuir água encanada

4 pontos por possuir água potável de poço ou do sistema geral sem encanamento

Saneamento Básico

8 pontos por possuir sistema geral de esgoto

4 pontos por possuir fossa séptica

Eletricidade 2 pontos por possuir energia elétrica

Nível de Instrução do chefe do domicílio

Menos que Fundamental 0 pontos

Fundamental completo 2 pontos

Ensino Médio completo 4 pontos

Ensino Superior completo

8 pontos

Fonte: elaboração própria com base no modelo do Critério Brasil (2016)

Tabela 2 – Divisão dos pontos por classe

Classe Pontos

A 34-30

B 29-23

C 22-13

D-E 12-0 Fonte: elaboração própria com base no modelo do Critério Brasil (2016)

Com relação às limitações metodológicas, é importante mencionar que o uso

de uma base de dados transversal como o censo demográfico não permite inferir a

direção da causalidade dos eventos ou saber qual é a trajetória conjugal dessas

mulheres. Dessa forma, não é possível saber se uma mulher atualmente casada

formalmente já esteve em uma união informal no passado, por exemplo. Há também

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o problema, ao se utilizar as variáveis de escolaridade e classe, de que essas mudam

ao longo do ciclo de vida e a escolaridade/classe atual da mulher pode não refletir sua

escolaridade/classe no momento da formação da união. A variável classe, da forma

como foi construída nessa pesquisa, é também limitada, sendo apenas uma proxy

para o verdadeiro status socioeconômico dessas mulheres.

Apesar dessas limitações (e na ausência de dados longitudinais), os resultados

encontrados nesse artigo ainda são de grande relevância para demonstrar como o

perfil das mulheres em união formal e informal tem mudado no Brasil nas últimas

décadas.

Resultados

A tabela 3 abaixo apresenta a distribuição percentual das variáveis

independentes para os anos de 1980 e 2010, para mulheres de 25 a 29 anos unidas

formal ou informalmente. Através dessa breve análise já é possível notar uma grande

transformação do grupo de mulheres em união informal.

Primeiramente, a tabela mostra que a porcentagem de mulheres de 25 a 29

anos em união informal, dentre as mulheres unidas, passa de 13% em 1980 para 51%

em 2010, ultrapassando o número de mulheres em união formal. Esse crescimento

da proporção de mulheres em coabitação foi acompanhado por uma maior

heterogeneidade desse grupo, que se torna mais comum para todos os subgrupos de

idade, escolaridade, classe, raça, religião, e região geográfica.

Destaca-se o crescimento do nível geral de escolaridade e o aumento da

proporção de mulheres em união informal em todos os grupos educacionais entre

1980 e 2010. Entretanto, apesar do aumento da proporção de mulheres em união

informal com ensino superior completo (passando de 4,5% para 27,8%), as mulheres

de mais alta escolaridade ainda parecem preferir a união formal. A variável classe

segue o mesmo padrão: cresce a proporção de mulheres nas classes mais altas para

ambos os grupos, mas as classes mais ricas ainda são majoritariamente compostas

por mulheres em união formal (apenas 29,7% e 47,6% das mulheres unidas nas

classes A e B, respectivamente, estão em união informal).

Em 2010 as mulheres brancas ainda têm maior proporção em união formal

(55,9%) e as pretas em união informal (60%), porém os diferenciais por tipo de união

são bem menores que em 1980. Com relação à religião, não só cresceu o grupo das

evangélicas entre os anos (passando de 6,7% para 26,9%), como também essas

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mulheres continuam como o grupo que mais prefere a união formal em comparação

com as outras religiões (92,5% em 1980 e 64% em 2010).

Tabela 3 – Distribuição percentual das variáveis independentes para mulheres de 25 a 29 anos em união formal e informal, Brasil, 1980 e 2010

Variáveis Independentes

1980 2010

% da Amostra

União Informal

União Formal

% da Amostra

União Informal

União Formal

Idade 25 20,74 14,11 85,89 17,84 56,03 43,97

26 20,03 12,90 87,10 18,49 53,67 46,33

27 19,92 12,90 87,10 20,45 51,01 48,99

28 20,34 12,92 87,08 21,70 49,15 50,85

29 18,97 12,05 87,95 21,52 46,84 53,16

Raça/Cor Branca 59,62 8,97 91,03 46,07 44,09 55,91

Preta 4,89 26,13 73,87 7,31 60,06 39,94

Parda 35,04 17,87 82,13 44,85 56,62 43,38

Outra 0,45 4,85 95,15 1,76 56,46 43,54

Escolaridade Menos Fund.

Completo 71,04 15,01 84,99 18,34 66,22 33,78 Fundamental

Completo 14,83 10,70 89,30 31,13 59,29 40,71

Médio Completo 10,80 5,42 94,58 39,64 44,05 55,95

Superior Completo 3,22 4,51 95,49 10,90 27,84 72,16

Classe A 5,37 5,26 94,74 12,28 29,72 70,28

B 15,01 8,03 91,97 37,24 47,64 52,36

C 33,51 11,82 88,18 38,55 57,24 42,76

D-E 46,11 16,37 83,63 11,92 64,04 35,96

Religião Católica 89,24 13,04 86,96 60,63 55,57 44,43

Evangélica 6,74 7,41 92,59 26,98 35,92 64,08

Outra 2,50 15,24 84,76 4,26 44,40 55,60

Sem religião 1,33 27,84 72,16 7,69 72,98 27,02

Zona Rural 29,11 11,11 88,89 15,48 53,55 46,45

Urbana 70,89 13,77 86,23 84,52 50,65 49,35

Grande Região Sul 17,65 7,61 92,39 15,01 51,24 48,76

Sudeste 46,45 12,31 87,69 39,66 44,06 55,94

Centro-Oeste* 6,70 13,76 86,24 8,90 51,16 48,84

Nordeste 24,52 16,57 83,43 28,02 56,26 43,74

Norte 4,68 20,28 79,72 8,41 66,74 33,26

Porcentagem Total 100% 13% 87% 100% 51,09% 48,91%

Nº 3.423.070 444.860 2.978.210 5.233.805 2.674.212 2.559.593 * Tocantins é contabilizado como parte de Goiás Fonte: Construída a partir de dados do Censo Demográfico Brasileiro de 1980 e 2010 retirados do

IPUMS.

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A tabela 4 abaixo apresenta o resultado das regressões, com a razão de

chance de uma mulher de 25 a 29 anos estar em união formal, comparado a estar em

uma união informal, para 1980 e 2010:

Tabela 4 – Razão de chance de estar em uma união formal versus união informal, mulheres de 25 a 29 anos, 1980 e 2010, Brasil

Variável Razão de Chance

1980 2010

Idade

25 1,00 1,00

26 1,08 1,08

27 1,09 1,18

28 1,09 1,28

29 1,16 1,40

Religião Católica 1,00 1,00

Protestante 1,84 2,35

Sem Religião 0,36 0,47

Outras 0,68 1,22

Raça/Cor Branca 1,00 1,00

Preta 0,38 0,61

Parda 1,71 0,70

Outras 0,61 0,77

Escolaridade Menos Fund. Completo 1,00 1,00

Fundamental Completo 1,35 1,26

Ensino Médio Completo 2,51 2,26

Ensino Superior Completo 2,84 3,82

Classe Classe A 1,00 1,00

Classe B 1,01* 0,73

Classe C 0,85 0,64

Classe D-E 0,57 0,51

Setor Urbano 1,00 1,00

Rural 0,47 0,54

Grande Região Sudeste 1,00 1,00

Sul 1,47 0,69

Centro-oeste 0,97* 0,75

Nordeste 0,87 0,80

Norte 0,63 0,45

* não significativa a 5% Fonte: Construída a partir de dados do Censo Demográfico Brasileiro de 1980 retirados do

IPUMS.

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Os resultados mostram que mulheres mais velhas têm maior chance de

estarem em uniões formais se comparadas às mulheres de 25 anos, e esse diferencial

aumenta entre 1980 e 2010. Com relação à religião, em 1980 as protestantes

apresentam uma chance 1,84 vezes maior de estarem em união formal se

comparadas às católicas. Em 2010, essa chance aumenta para 2,35. Isso é explicado

tanto pela maior preferência das evangélicas à união formal quanto pelo aumento da

heterogeneidade do grupo das católicas. Mulheres sem religião parecem preferir a

união informal se comparadas às católicas, apesar de que o diferencial diminui entre

1980 e 2010.

Com relação à raça/cor, chama a atenção a reversão para o grupo das pardas.

Em 1980, a chance de mulheres pardas estarem em uma união formal era maior que

para mulheres brancas, porém, em 2010, as pardas têm uma chance menor. Esses

resultados podem estar ligados ao aumento da proporção de mulheres no grupo das

pardas e redução no grupo das brancas, como visto na tabela 3, indicando que os

grupos de raça estão se tornando mais heterogêneos, mas também podem estar

ligados à maior aceitação da união informal para todos os grupos raciais.

Entretanto, o resultado que mais chama atenção é com relação à escolaridade:

em ambos os anos a chance de estar em união formal cresce com o nível educacional.

Não só isso, mas os diferenciais parecem ter aumentado entre os anos para as

mulheres com ensino superior completo. Em 1980, quando controlando pelas outras

variáveis, a chance de estar em união formal era 2,84 vezes maior para as mulheres

com ensino superior completo em comparação às mulheres com menos que ensino

fundamental completo. Em 2010, essa razão de chances cresce para 3,82. Ou seja,

apesar de análise descritiva mostrar que cresceu a porcentagem de mulheres em

união informal para todos os níveis de escolaridade, as mulheres mais escolarizadas

parecem ainda preferir a união formal se comparadas às mulheres menos

escolarizadas.

Um padrão similar é observado para as diferentes classes: as mulheres das

classes mais baixas, mesmo em 2010, têm menores chances de estarem em uma

união formal se comparadas às mulheres de classe A. Com relação à setor de

residência, mulheres no setor rural têm menores chances de estarem em união formal

que mulheres no setor urbano em ambos os anos.

A análise das grandes regiões é mais complicada devido à grande

heterogeneidade inter-regional, mas chama a atenção a reversão da região Sul entre

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1980 e 2010. Além disso, a região norte se mantem em ambos os anos como a região

com menor chance de as mulheres estarem em união formal se comparadas às

mulheres da região sudeste.

Discussão dos resultados

A principal contribuição deste trabalho foi examinar a associação entre natureza

da união conjugal e a escolaridade entre mulheres entre 25 e 29 anos no Brasil, assim

como investigar se esta associação variou, e como, entre 1980 e 2010.

Primeiramente, os resultados mostram que, apesar de a união informal estar

se tornando mais comum para todos os segmentos sociais, as mulheres de maior

escolaridade e classe social ainda apresentam maior chance de optarem pela união

formal, ou seja, o casamento com certificado civil. Além disso, os diferenciais por

escolaridade aumentaram entre 1980 e 2010, indicando que essa preferência se

tornou mais forte ao longo do tempo no país.

Da mesma forma, os resultados também reafirmam a ideia de que a união

informal no Brasil está ligada a uma estratégia de proteção às dificuldades

econômicas das mulheres mais pobres, como uma alternativa mais economicamente

viável ao casamento formal (Castro-Martin, 2002; Fussell & Palloni, 2004; Covre-

Sussai et al., 2015), pois esse ainda é o tipo de união preferido pelas mulheres de

baixa classe social.

Esses resultados contradizem a ideia de que o crescimento da união informal

no Brasil seria um indício da STD. De acordo com essa teoria, seria esperado que a

união informal se tornasse uma alternativa ao casamento formal no sentido de ser

uma união mais igualitária e desinstitucionalizada. Apesar de os resultados apontarem

para uma expansão a união informal no Brasil, elas ainda parecem ser

majoritariamente do tipo tradicional.

Ao mesmo tempo, os resultados também mostram que não é mais possível

dizer que a coabitação tradicional é o único tipo de união informal no país. Com as

mudanças culturais e legais pelas quais o país tem passado nas últimas décadas, a

união informal tem se tornado cada vez mais aceita como alternativa ao casamento

formal. O grupo de mulheres em união informal está mais heterogêneo, indicando

maior diversidade nas motivações para escolher esse tipo de união.

Assim, mesmo que não majoritário, existe um grupo de mulheres mais

escolarizadas que prefere a união informal. Dessa forma, surge a pergunta: quem são

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essas mulheres? É possível que elas representem um grupo pioneiro para esse início

da uma segunda transição demográfica no Brasil como sugerem Esteve et al. (2012).

Porém, é também possível que a escolha por esse tipo de união esteja ligada não à

realização de aspirações de ordem maior como sugerem as teorias da segunda

transição, mas sim à institucionalização da união informal no Brasil, que se aproxima

cada vez mais de uma união formal, como sugerem Castro-Martin (2002) e Vieira

(2016). Assim, para um trabalho futuro, espera-se analisar quais as características

dessas mulheres de alta escolaridade em união informal, para tentar identificar suas

motivações para a escolha desse tipo de união.

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Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE PESQUISA - ABEP (2016). Alterações na Aplicação do Critério Brasil, válidas a partir de 01/01/2015. Acesso em <www.abep.org/critério-brasil>, acesso em dezembro de 2016.

CASTRO-MARTIN, T. Consensual Unions in Latin America: Persistence of a Dual Nuptiality System. Journal of Comparative Family Studies, v. 33, n. 1, p. 35-55, 2002.

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