O Plano Integrado de Almada

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O Plano Integrado de Almada mais conhecido por ser um somatorio de bairros de vrias cres, branco, rosa... mas acima de tudo...amarelo , "Picapau- Amarelo"...as caracteristicas e problemas so os mesmos de outros bairros sociais da Grande Lisboa , a seu tempo serviram para a "erradicao de barracas" para conquistar votos em vsperas de eleies, para construir e abrir manchas urbanas onde se deveria eternizar e proteger o verde. Do ponto de vista social, foram pura demagogia integradora, socializante, equalitria. Nunca na verdade assim foi, nunca esses objectivos foram atingidos , sobre o Bairro da Bela Vista em Setubal escrevia-se em Agosto de 2000 no Expresso "Os taxistas no querem l ir e h habitantes que no querem que se saiba que moram l. um espelho da baixa estima e da revolta da populao: os ptios esto cobertos de lixo e as paredes pajadas de grafittis.Num descampado, algum trabalha um carro cujo pra-brisas tem dois buracos de bala.O caso dos assaltos a bombas de gasolina em Junho (2ooo) envolvendo jovens do bairro, tornou toda esta vida ainda mais difcil.Chama-se Bela Vista e o bairro mais temido e esquecido de Setbal"

Em 7 de Julho de 2000 escrevia Fernanda Cacho: "Construdos na dcada de 70/80, os bairros de habitao social, ou custos controlados, ganharam fama na Margem Sul. Aglomerados gigantescos de pessoas, das mais variadas provenincias, de baixo poder econmico, cujos filhos, as segundas geraes, desde cedo aprendem o valor do grupo, da cr da pele e do b a b da delinquncia porque no h muito mais para fazer" E tambm sobre o Pica Pau Amarelo Bairro da imagem onde moram 15000 pessoas ; " A noite comea assim: furtam um veculo, abastecem-no, vo para uma festa em Lisboa ou Sesimbra. No regresso cometem invarivelmente, um crime de furto e abandonam o veculo (...) A ligao destes jovens, a maioria com menos de 20 anos, baseia-se na amizade e no conhecimento. 'Por exemplo o bairro do Pica Pau Amarelo interage muito com a Quinta da Princesa e Vale da Amoreira, muitos j se conheciam antes do realojamento e porque mais fcil dominar a rea onde se movem, nomeadamente para fugir Policia (...) Nesse trabalho jornalistico aqui citado dizia o presidente da Junta de freguesia de So Sebastio em Setbal ; "O cenrio de violncia era fomentado pela contingncia urbanistica, sem privacidade nenhuma, onde os conflitos entre etnias e raas eram frequentes ... (o problema agora depois de instalada no local a PSP, so as segundas e terceiras geraes ali nascidas e criadas) ... A primeira gerao de africanos assumia-se como imigrante, vivendo em funo da sua cultura, mas os filhos j no tm nada a ver com isso e pouco com Portugal (...) tudo isto comeou quando um governo deu dinheiro s Cmaras para acabarem com as barracas e tambm um prazo. No era possivel fazer tudo. Mudaram-se as pessoas de casa, mais nada..."

De 2000 para agora nada mudou e passou mais um mandato CDU naquelas autarquias onde se situam estes problemas estudados, identificados... continua a degradao, a misria e a criminalidade, nem a tinta nas fachadas posta a espaos temporais como determina a lei que as autarquias tutelam cumprida, os bairros foram construidos, mas no so mantidos, nem nalguns casos as ruas , no Pica-Pau foram construidos centenas de lugares de estacionamento em locais surreais , longe de toda e qualquer habitao, nos passeios largos e longe tambm eles de qualquer zona habitada crescem ervas que s a custo deixam perceber que de uma zona de lazer se trata. Mas em casos como no Seixal continua-se a querer cometer os mesmos erros e embora a autarquia no mantenha os bairros j construidos,pretende criar novos locais, novos bairros,

realojando por exemplo na Flor da Mata, numa zona verde protegida no PDM, a populao de Vale de Xixaros, no Seixal as pessoas at pensam que esse um problema resolvido, que o DN de h vrios meses atrs em artigo de Cristiana Vargas anunciava "Bairro Jamaica comea a ser demolido esta semana - A autarquia do Seixal reconhece que no local existe uma mobilidade incontrolvel e que as 150 familias recenseadas no correspondem realidade"(Pura mentira este anuncio, o Bairro no foi demolido, veja foto actual)- O projecto apresentado pela Cmara do Seixal para a Flor da Mata / Pinhal dos Frades tem 190 fogos num Bairro no meio de um Pinhal protegido com 16 prdios de 4 pisos. Historiando agora sobre esta chaga social e urbana de Vale de Xixaros escrevia a Jornalista : "Problema que remonta aos anos 70 - A Jamaica, designao pela qual conhecida a zona de Vale de Xixaros, situa-se a poucos metros da EN 10.Apenas uma fileira de edificios oculta este bairro degradado, onde no existem esgotos , a gua e a luz elctricas so puxadas ilegalmente da rede e os moradores so por vezes protagonistas de noticias relacionadas com detenes ou trfico de droga. a situao mais complicada do concelho do seixal, que remonta aos anos 70, deriva do embargo construo, falncia do promotor e luta complicada nos tribunais" Ou seja, est-se a repetir hoje , num tempo em que o dinheiro dos contribuintes (OS NOSSOS IMPOSTOS) deve ainda ser melhor gerido e aplicado e no para repetir os mesmos erros que j se viu no terem dado bom resultado. Choca ao visitar hoje o PicaPau - Amarelo tambm ver a quantidade de automveis Topo de Gama estacionados junto queles prdios para "gente sem posses", na imagem um Mercedes, mas Audis, BMW's Hondas Civic - Tunning e outros que falha a memria, so bastantes. Claro que entrada do Bairro continua a haver Barracas... tal como no Seixal junto ao n do Fogueteiro (Bairro Rio Judeu) ser para justificar as parcerias e mais construo "social" mesmo em zonas ambientalmente protegidas para o bem estar de todos e das futuras geraes? Lembrava o Presidente da Republica aos autarcas a proposito do "Dia de Portugal" que "urgente efectuar uma avaliao global de forma sria do funcionamento do Poder Local" apelando para " que os autarcas apliquem melhor os designios da transparncia politica e financeira e sobre a participao popular e a mobilizao da sociedade cvil a nvel autarquico elevando os nveis de qualificao dos funcionrios autrquicos e que os municipios no podero pactuar com falta de rigor e de credibilidade tcnica"

Justino Morais

Virtual earth (plantas)

As escalas simblicas do territrio: mudana residencial e reconfigurao de redesAna Sofia CostaCentro de Estudos de Etnologia Portuguesa/Faculdade de Cinc

Abstract

A comunicao parte da investigao (conduzida no decurso da tese de Mestrado) sobre consumos, apropriaes espaciais e fronteiras culturais num bairro de construo em altura, resultante de uma forma de urbanismo, o Plano Integrado, no Concelho Almada. A partir das memrias da transio, dos diferentes grupos para o bairro, analisa-se de que forma a ruptura social provocada pelo afastamento territorial e cultural das redes sociais anteriores constrange ou propicia a reconstruo da rede social no novo espao habitacional. Assumemse duas categorias centrais para as representaes sociais diferenciadas dos seus habitantes, actuantes na reconfigurao da rede social no bairro: o seu espao fsico, elemento com correspondncias divergentes ao nvel de significados e palco para diferentes formas de espacializao. Por outro, a heterogeneidade cultural do bairro, no s ao nvel da socializao, mas tambm da no correspondncia entre a memria individual e a memria colectiva dos grupos que o integram. At que ponto podemos assumir o conflito como nica linguagem partilhada face inexistncia de consenso ao nvel das representaes sociais colectivas? Gradativamente, passamos para a macro escala que aproxima a cidade do bairro. Observamos de que modo a chegada recente de novos moradores (para as urbanizaes cooperativas, construdas na rea) se constitui para os habitantes do bairro como uma nova

ruptura, ao mesmo nvel da mudana residencial. Este acontecimento vem alterar a estrutura relacional do prprio bairro, provocando a exacerbao de novas formas de territorialidade que, ao exigirem um reposicionamento hegemnico, condicionam potenciais relaes que se poderiam efectivar e contribuem para aumentar o encerramento da estrutura social do bairro.

As Escalas Simblicas do Territrio: Mudana Residencial e Reorganizao de Redes Ana Sofia Costa | Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa, FCSH-UNL Na presente comunicao iremos abordar o processo de reestruturao das redes sociais dos grupos de moradores pioneiros de um bairro de construo em altura no Concelho de Almada. A partir de uma forma de urbanismo datada, o Plano Integrado (PIA), preconizava-se para uma rea de 1300 hectares, a edificao de uma nova cidade satlite capital e s reas industrializadas da margem sul (Costa:2006). Dos bairros pioneiros projectados e construdos (entre 1971 e 1984) centrmo-nos no primeiro a ser concludo, o Bairro Amarelo que, pela sua dimenso e densidade habitacional, representa a maior construo em altura da rea do PIA e um dos microcosmos sociais mais influentes, ao nvel espacial da vizinhana e ao nvel sociocultural, na cidade de Almada, responsvel por uma imagem simblica que se consegue sobrepor a outras dimenses da dinmica desse territrio concelhio. Privilegimos o papel do espao na abordagem numa tentativa de percepcionar at que ponto a reorganizao das redes sociais no Bairro foi constrangida ou incentivada pela heterogeneidade cultural e social dos habitantes, em aco nesse espao limitado, do ponto de vista urbanstico, pr organizado para propiciar novas relaes sociais e de vizinhana, e virgem de anteriores relaes sociais. Por um lado, como nos demonstram os trabalhos de Gupta e Ferguson [2006(1992)], Appadurai (1996) ou Hannerz (1992), o conceito de espao, numa perspectiva analtica em terrenos deslocalizados, permite evidenciar as descontinuidades e fluxos onde esto inscritas as diferenas culturais (modos de pensamento, formas de externalizao, distribuio e reproduo cultural), memrias histricas e diferentes tipos de organizao social. Por outro lado, o espao opera como a categoria comum aos habitantes, transformada na diversidade das suas representaes, base da organizao da sua rede social. Desde 1971 que o Estado promovia o Plano Integrado como uma inovao em matria de habitao e de poltica social assentando num princpio, a que Gupta e Ferguson (2006[1992]:612) designam de naturalizao, de expectativa poltica

apoiado numa construo artificial do espao, qual os indivduos podem contrapor as suas prticas culturais porque essa lgica funcional lhes alheia. O objectivo primeiro do Plano seria o agrupamento de classes solventes, mdia e mdia alta, e, em simultneo, populao at ento arredada do mercado habitacional legal. Segundo, os bairros do PIA funcionariam como complementares dinmica da cidade de Almada: espaos amplos, equipamentos distribudos pelos bairros, estao ferroviria, hospital, escolas, mercados, novos postos de trabalho. O nvel poltico de propaganda que influenciou a expectativa nos habitantes da rea da Grande Lisboa, que foram efectivamente alojados, aps inscrio, no Bairro, incentivou o processo de deslocalizao, mais estudado entre as populaes imigrantes (Bordonaro; Pussetti,2006:125-153), atravs do qual os indivduos constrem uma imagem supra positiva dos lugares (enquanto espaos conceptuais apenas). Mesmo grande parte das populaes, habitantes de zonas clandestinas do Concelho, que at ento tomavam a sua situao habitacional como garantida, puderam sonhar com algo to distante como uma nova casa. O Plano sofreu conjunturas de trs perodos diferenciados de gesto estatal e municipal que, entre 1971 e 1983, se referiram queda do Estado Novo, administrao temporria das Comisses Administrativas e s primeiras eleies democrticas. A construo do PIA foi contempornea de ideais sociais a que a sua essncia, ainda que do ponto de vista institucional sofrendo o estigma de constituir uma herana do perodo anterior, se adequou: o Bairro significava a possibilidade de, na prtica, esbater as diferenas sociais da separao classista e, em matria de habitao, contribuir para uma nova sociedade de igualdade e participao cvica. Passada a euforia revolucionria do PREC, os atrasos sucessivos construo dos bairros, a objectividade do processo de alojamento (que passou a incluir famlias, portuguesas e africanas, provenientes das antigas colnias), a ausncia dos equipamentos e infra-estruturas planeados, aliado ao facto das populaes alojadas no terem sido acompanhadas na transio residencial, foram factores decisivos para a criao de uma imagem negativa assente na diversidade scio-cultural, tanto nas representaes dos recm alojados, como para os habitantes urbanos. Duas dcadas passadas sobre a construo do Bairro Amarelo (lido sempre no conjunto dos seus outros dois bairros contemporneos) observmos que a mudana social da ps- revoluo foi interpretada, em Almada, a partir desse territrio. Elementos em transformao acelerada na sociedade portuguesa no foram pensados como transversais s grandes metrpoles, antes foram assimilados como produtos culturais transportados para a cidade de Almada por aqueles que foram habitar estes bairros. A partir do seu interior, o Bairro projectou-se como um

microcosmos activo e dinmico onde se construiu no tempo uma identidade assente na diferena. Os primeiros moradores: memrias da transio A ruptura espacial provocada pelo realojamento das famlias, inscritas e das expropriadas para implantao do PIA, imps-se como um momento de transio em que se encontravam abertas possibilidades e expectativas de tipo comunitrio (o sentimento de unio por um destino comum) transversais maioria dos grupos a alojados. O desenraizamento do territrio social conhecido obrigou inevitavelmente a uma reconstruo do mapa mental e os atributos que foram sendo atribudos ao bairro foram, sem outra categoria de apoio, construdos pela experincia nesse prprio espao. Neste processo foram as relaes sociais a encetadas que moldaram as representaes do novo territrio. Atravs da reconstruo desse processo podemos apreender a intensidade dos sistemas sociais de aco anteriores e o modo como determinaram a construo de novas redes. A transio imps-se como um denominador comum a todos os grupos de residentes no Bairro: todos a experimentaram e essa experincia uniformizou, a certa altura do processo, o grupo enquanto categoria liminar (Turner,1969). Essa ruptura, constituda enquanto um momento no tempo extraordinrio a fenmenos de diferenciao cultural e social que influenciaram, por si s, a reorganizao posterior das dimenses de socializao, evidenciou, como nenhum outro acontecimento colectivo, a heterogeneidade cultural que at hoje continua a inferir uma recusa construo consensual de representaes sociais colectivas. Esse momento da transio, caracterizado por uma justaposio entre o lugar, como a representao imaginada e idealizada da sua casa num bairro novo atravs de um sistema legal de aluguer, e o espao vivido, o confronto com as caractersticas fsicas grande escala do edificado e a constatao do outro, tornou evidente a no correspondncia entre o idealizado e a realidade, no sentido em que s experincias anteriores de alojamento e vizinhana no existia correspondncia no novo contexto social. Os indivduos que no conseguiram gerir a questo da alteridade (enquanto afirmao individual no interior da heterogeneidade cultural) viram reduzidas as possibilidades, quer de reproduo da memria, quer de reorganizao/afirmao da mesma no colectivo mais vasto dos grupos do Bairro. Em certa medida esta imposio, estava presente na maioria dos grupos alojados no Bairro: aos outros era esperada uma naturalizao de representaes aps o perodo de transio, aguardando a reproduo de formas de habitao e convvio anteriores. O estabelecimento de novas relaes com o espao, mediadas a partir da reorganizao das redes sociais, mesmo para os indivduos inscritos

voluntariamente, acarretou uma ruptura social profunda, na medida em que exigiu uma reorganizao das vivncias, quotidianos e redes sociais estabelecidas nos locais de origem. Por isso, o realojamento ao no tomar em considerao a vizinhana anterior provocou custos elevados a estes grupos, com a mudana residencial a traduzir uma reorganizao total das dimenses cultural, profissional, pblica e privada da vida quotidiana. O processo de reorganizao social reflecte-se hoje no afastamento fsico de ncleos de parentesco e vizinhana anteriores, recolocados aleatoriamente no Bairro. Os casos de familiares e vizinhos separados por blocos de prdios esbateram anteriores relaes sociais baseadas na vizinhana e na reciprocidade que tornavam os grupos autos suficientes e lhes imprimiam uma identidade comum: No passo noutros bairros porque no tenho necessidade. E o meu marido no quer. Ele no anda pelo bairro nem diz que mora c. Ele tambm no tem amigos c. E tem c pessoas de famlia a morar no bairro, tios, uns da parte do pai, outros da parte da me e nem vai saber deles. (Antnia, 36 anos, Bairro Amarelo). A esta anterior situao de vizinhana, sentida como uma famlia, sobreps-se a confuso, ps mudana, em relao ao papel social de cada um no interior de um espao partilhado, o Bairro. Uns optaram pelo encerramento no interior do espao domstico, fomentando laos de sociabilidade com grupos exteriores ao Bairro, como o caso da famlia de Antnia. Outros indivduos, pertencentes a faixas etrias superiores tambm no conseguiram ultrapassar a angstia da mudana. A inadaptao ao novo local fechou-os no interior do espao privado da casa com a agravante de no possurem recursos para uma integrao assente na partilha de valores e normas com carcter absoluto para o seu antigo grupo de vizinhana. Constituem um grupo conservador no no sentido de que antagonizam a mudana, mas na sua incapacidade e predisposio para a gerir: Oh! uma diferena muito grande! Todo o sistema de vida era diferente... Na convivncia. Na Ramalha ns ramos uma famlia. Aqui j no . Se no tivemos sorte na vida?! C havemos de ficar velhotes, tivemos azar. Isto mais aqueles rapazes de 20, 21, 22, 23... So as misturas. A gente sabe l quem so ou o que eles fazem por a, essas coisas de droga (Alfredo, 66 anos, Bairro Amarelo). Para outros as sociabilidades que construram no Bairro foram tecidas na identificao com indivduos cuja histria de vida se assemelha sua, cujos hbitos e rotinas so geridos pela mesma norma. Estes indivduos procuram reproduzir em outros, a sua rede social anterior e, por isso, conseguiram transcender o espao privado e semi privado, recrutando para a sua esfera de aco residentes dispersos

pelo bairro. Os cafs, mercearias, muros e varadins da Rua do Moinho constituem espaos privilegiados para a produo de um novo sentido no espao do Bairro. A organizao interna dos prdios reflectiu essa desorganizao caracterstica dos processos de reintegrao, onde a partir de interaces experimentais se foram reconstruindo rotinas e negociadas prticas e normas, numa apreenso mtua, que alargou o fundo comum em matria de conhecimentos, formalizao de rotinas e socializaes que permitem aos indivduos territorializarem as suas relaes e se organizarem no espao. Ainda que este processo seja condicionado pela resistncia ou imposies de afirmao identitria (muitas vezes com recurso a manifestaes culturais) dos diferentes grupos, existe sempre uma margem para a construo de pequenas comunidades de pertena. As diferenas culturais e os conflitos que estas originaram no decurso do tempo, assim como as representaes que os sistemas culturais que se impuseram geraram, reflectem uma dualidade entre a categoria de vizinho e o modo como esta posta em prtica e intuda pelos indivduos. Nota-se uma prevalncia do individualismo dos grupos domsticos face a responsabilidades de ordem colectiva (um exemplo, a inexistncia de consenso para organizao de condomnios). A capacidade de mobilizao s possui sentido no universo abrangente do Bairro, em que existe necessidade de resistncia a mudanas ou rupturas que possam ameaar no imediato o sistema social dos indivduos. As rusgas policiais, o conflito seguido de episdios de violncia fsica entre mulheres de grupos distintos ou a reaco a estranhos ao Bairro so episdios que conseguem mobilizar para a aco, ainda que a sua desarticulao, inerente ao reduzido conjunto de estratgias disponveis, provoque a secundarizao do clculo de vantagens e custos para o grupo. A aco, sob a forma de resposta imediata semelhante turba, directa quando o incentivo objectivo (Tarrow,1994). Assim, nos grupos do bairro assistimos a uma fraca colectivizao em torno de outras necessidades que no a gesto da ordem informal, organizada no espao, por diferentes sociabilidades, existindo a objectivao daquilo que no colectivizvel (porque no h legitimidade de sentido) por parte dos residentes. Face exigncia de racionalizao da vivncia social, o tempo apagou da memria dos vrios grupos aspectos negativos sobre a vivncia nos antigos bairros, produzindo consenso em torno de uma memria colectiva positiva desse passado que uniformiza discursos semelhantes, sobre aspectos desse tempo em que se era como uma famlia por contraponto situao actual, exemplificada pelo discurso de Ins: Morava no Valdeo, nas barracas do Valdeo. Depois fizemos pedidos para nos darem casa e viemos para aqui. Eu l no Valdeo, fui para l em pequena e

fiquei l 22 anos. L nunca houve assim nada de zangas, fomos sempre amigos uns dos outros. L no Valdeo nunca ningum me roubou nada! A gente deixava a roupa no estendal, no olival, de noite, toda a noite, roupas boas e nunca ningum roubou nada. Eu sentia-me l bem porque aquilo era uma famlia e nunca ningum nos fez mal, a gente ia para todos os lados, prs bailes, e vnhamos a p de madrugada e amos... (Ins, 64 anos, Bairro Amarelo). Quase como se a memria se pautasse por uma tica (Namer,1987:10), aquilo que subsiste, no tempo, para os grupos de moradores pioneiros, como uma memria colectiva a reorganizao de episdios com significado global, a nvel individual, que so marcantes porque perfazem o imaginrio positivo, por contraponto situao actual, e por isso so reconstitudos com um significado maior que ultrapassa o prprio acontecimento. Nesta tica da memria o denominador comum nova estrutura social reconstruda no Bairro reside precisamente no silncio quanto ao momento da transio. O perodo imediatamente seguinte ao realojamento foi to traumtico que, ainda hoje, se constatam situaes em que a conversa abruptamente desviada para o passado anterior mudana e em que sobressai uma negao sobre a situao actual. Assumimos como traumtica, a experincia da transio porque foi a inexistncia de uma partilha colectiva, que poderia ter inferido consenso e jogado um papel activo numa reorganizao mais linear, transversal a todos os grupos, que estilhaou sociabilidades e actua como resistncia reconstruo linear de redes a partir desse perodo, no sentido de dificultar a efectivao de novas relaes sociais, traduzida depois por constrangimentos de usos e consumos de espaos e sociabilidades como Paul Connerton delineia: em todas as formas de conhecimento [fundamentamos] sempre as nossas experincias particulares num contexto anterior para garantirmos que so de todo intelegveis, e que, antes de qualquer experincia isolada, a nossa mente se encontra j predisposta com uma estrutura de contornos, de formas conhecidas de objectos j experimentados. Compreender um objecto ou agir sobre ele localiz-lo nesse sistema de expectativas. (1999:7). . Esta desorganizao vivencial provocada pela ruptura no est resolvida nas populaes mais idosas cujos laos sociais e familiares continuam a ser estranhos ao Bairro. Avilta-se o espao e aviltam-se os indivduos do colectivo. O grupo de pertena no aquele e os indivduos gerem essa distncia social, isolando-se. Esta situao no encontra paralelo em sociabilidades exteriores ao Bairro: muitos destes indivduos esto fisicamente doentes, no possuem mobilidade e inserem-se

num ciclo de memrias que permanentemente se referem ao passado. Nas trs histrias de vida que recolhemos esta memria do passado, partilhada entre o casal, surge to ou mais forte do que qualquer motivao. Numa posio, em termos de socializaes de Bairro, no mesmo nvel de individuao, encontramos grupos de indivduos que conseguiram adequar o afastamento fsico da rede social de origem, incentivando a sua continuidade atravs da auto excluso ao encetar de novas relaes sociais, equiparadas em termos de pertena e de referncia, no Bairro. Nesta situao encontram-se Alice, 38 anos, cuja mudana de residncia ocorreu na adolescncia, num perodo em que estavam estabelecidas fortes relaes de amizade e vizinhana (o marido faz parte dessa rede) e os pais de Pedro, 25 anos, estudante de arquitectura. A manuteno da rede social no espao de origem foi responsvel pelo afastamento social do Bairro, consensual entre o casal, e fortalecido pela insegurana que nutrem em relao situao dos filhos nesse sistema. No universo do Bairro, os resultados da transio apontam para custos sociais profundos ao nvel das relaes, no s entre antigos vizinhos, mas sobretudo com os outros, aqueles que permaneceram espacialmente na cidade. A desorganizao social provocada pelo alojamento no Bairro mostrou actuar tambm na construo de uma relao ambgua com a cidade onde se inserem que, por um lado, lhes aplica um estigma relacionado com a sua situao territorial e por outro, os torna dela dependentes, j que na cidade que esto concentradas as oportunidades de emprego e os principais equipamentos e servios administrativos e institucionais. O sentimento de expulso, diferente do estudo de caso de Amlia Signorelli (1999) sobre os habitantes de Pietralata, no reside no processo de transio habitacional, mas afirmamos, no perodo imediatamente seguinte (finais de 1980) quando a reorganizao social no espao revelou o conflito e a produo de subculturas em confronto, projectando-o do interior para o exterior do bairro. A reorganizao das redes sociais no Bairro foi sendo construda a partir das diferentes tipologias de apropriao dos espaos pblicos no seu interior e fortemente condicionada pelo olhar dos outros. A arquitectura do edificado serviu como categoria privilegiada na reconstruo da noo de vizinhana. Os vizinhos so aqueles que moram no bairro, desde os moradores no mesmo prdio aos moradores da ltima torre. Tal remete aqueles que habitam prximo, mas noutro Bairro, para o exterior do reconhecimento dessa rede, assente na identificao cromtica do ncleo. Para os moradores, a organizao social encontra na massa edificada uma representao social centrpeta que actua, reunindo residentes longnquos do bairro, mesmo aqueles cujo contacto depende do automvel ou

autocarro, e que expulsa outros mais prximos fisicamente, mas residentes noutro bairro. Na prtica entre grupos de residentes de bairros diferentes e vizinhos do mesmo bairro, mas separados por centenas de metros, o contacto mnimo, mesmo entre famlias que entrecruzam laos de parentesco. Tal como os outros bairros, as urbanizaes recentes prximas e a prpria cidade de Almada so, na representao destes indivduos, colocadas no exterior do seu mapa mental. Contudo, existem alteraes gradativas a este encerramento territorial dos habitantes pioneiros, influenciadas pelas alteraes profundas no contexto nacional sofridas ao longo dos ltimos 30 anos, desde o aumento da frequncia escolar obrigatria, s exigncias de mobilidade e contactos com realidades exteriores ao bairro, fomentadas por imperativos profissionais e pelo desenvolvimento do Plo universitrio do Monte de Caparica, que alargou alternativas de acessibilidade. Tambm a democratizao das novas tecnologias (a televiso tem um papel importante) actuou no sentido de uniformizar comportamentos e prticas, fomentando nos indivduos, principalmente nos mais jovens, esse sentimento de pertena a uma espcie de aldeia global de que fala Rocha-Trindade (1993:869) referindo-se ao papel dos media. A maior resistncia ao convvio pacfico entre culturas presentes no reside na prpria multiculturalidade, seja qual for o modelo aplicado ao conceito, mas antes na tendncia que os indivduos demonstram para excluir outros que no pertenam ao seu grupo. No seguimento desta linha verificamos que, as maiores tenses que estiveram na origem dos primeiros conflitos no Bairro, foram sendo atenuadas, tendo-se operado, com o tempo, uma certa reflexividade nos grupos que, silenciosamente, imps alguns limites para a manifestao das diferenas culturais que colidem dramaticamente com os outros e que de incio pareciam incontornveis. Esta modificao ocorreu no tanto ao nvel de concesses de normas ou valores, mas ao nvel das prticas e comportamentos, esfera intimamente relacionada com a partilha espacial nos diferentes modos de apropriao. Embora a consciencializao dos indivduos sobre a diversidade seja lenta e elaborada por comparao com a cultura de onde parte a formulao, o tempo de convivncia permitiu compreender alguns comportamentos (e erradamente pressupor outros) dotando-os de sentido na lgica particular da outra cultura, o que tambm no significa a interculturalidade, apenas a constatao da diversidade. O conflito no no Bairro um objectivo traducente da multiculturalidade. Os grupos pretendem uma convivncia pacfica, o que no significa que esta seja almejada pela partilha, convvio ou sociabilidade. No Bairro Amarelo, e este facto aplica-se transversalmente a todos os grupos presentes, foi na imbricao de diversos elementos culturais, alguns apropriados e outros

alterados que se edificou a dinmica das redes, onde consecutivamente so usadas fronteiras tnicas (sem etnias) e se verificam, com maior intensidade, trocas de fluxos entre grupos africanos e grupos pobres do bairro, deixando os ciganos e a populao mdia no exterior desta rede de reciprocidade e negociao de elementos culturais. A essa instrumentalizao da cultura que alguns grupos presentes no Bairro executam contrape-se a auto-excluso do colectivo mdio do Bairro, o grupo de indivduos cujas aspiraes socioeconmicas repelem contactos sociais mais profundos, simultaneamente para com o espao onde habitam e para os habitantes deste espao. Nestes indivduos encontramos a maior resistncia aceitao do universo sociocultural do Bairro. A diversidade no concebida nem admitida como um elemento passvel de ser interiorizado. Em Portugal, a ausncia de polticas interculturais e sociais consistentes, reflecte-se na micro-escala do Bairro: para alm da actividade conduzida por 4 IPPS na rea do PIA e alguns projectos sociais autrquicos articulados entre as escolas bsicas e os centros comunitrios do Bairro Amarelo, o nico projecto social regular para a zona foi o Projecto de Interveno Social Articulada do Concelho de Almada (PISACA), aquando da inaugurao do Bairro. Com fixao de vigncia por 5 anos integrou a Autarquia, populao organizada e servios locais, organizados por Grupos de Interveno em diferentes reas, desenvolvendo a sua aco, ao nvel de diagnstico, elaborao e execuo de programas e projectos, em duas zonas consideradas prioritrias, Laranjeiro e Caparica (Bairro Amarelo). Em 1985, apesar de terminada a vigncia, a adeso da populao alvo e a consolidao de um dos ncleos urbanos receptores, a rea do PIA, continuaram a ser desenvolvidos os Programas e Projectos estabelecidos at 1988. A Interveno social no PIA contou ainda no seguimento do PISACA com um novo Projecto de Luta Contra a Pobreza denominado Razes para um Futuro de Sucesso, entre 1990 e 1994, assente na mesma lgica de partenariado com interveno multidimensional a partir de trs reas de interveno: educao/formao; formao profissional e emprego, habitat e animao sociocultural. Se tomarmos em considerao que, grande parte dos grupos do Bairro no recorrem a estas instituies e que estes projectos no abrangem todos os grupos de residentes, o conflito foi, com o tempo, interiorizado como o mecanismo de ruptura mais eficaz para a tomada de conscincia da diferena cultural no Bairro. S podemos considerar como multicultural este universo se nos centrarmos nas ltimas geraes de moradores (13/25 anos) responsveis pela construo partilhada de uma etnicidade sem etnias (Contador,2001:22/23) que est na base do que designmos como subgrupo juvenil.

Ao tomarmos o espao de referncia do Bairro, verificmos que, para a maioria dos grupos de residentes, este se encontra disseminado pela rua principal, onde se concentra a oferta comercial, e se relaciona com outros prdios onde residem familiares ou antigos vizinhos da rede social anterior ao realojamento. Por outro lado, o espao domstico emerge como a base social que gere a aco individual e colectiva dos seus membros, como o espao privilegiado de pertena. Os grupos de jovens conseguem assimilar ambas as noes na representao que efectuam do bairro e conjugar as normas e contedos para a aco em grupo. Para os grupos de jovens, o bairro surge personificado como uma entidade fsica delimitada que no faz fronteira com outros bairros, antes se estende pelos espaos anteriores semelhantes ao seu (os 3 Bairros do antigo IGAPHE). Um bem social que no se troca, no se negoceia e no admite estranhos no seu interior (personificados pelos novos moradores das urbanizaes e por habitantes exteriores ao PIA). O espao fsico da rua o palco onde se conjugam prticas e representaes e onde estas so impostas aos outros. Tomado neste sentido, por um grupo, como um espao de referncia em termos de significao, , em primeira instncia um espao de pertena. O bairro emerge como um bem indivisvel porque seu por direito. A perda desse territrio social acarreta o enfraquecimento dos laos sociais que s a partir do bairro tm significado, remetendo o grupo para um no lugar e privando-o de sentido na rede social ampla, no sentido de espao impraticado, desenvolvido por Marc Aug (1998:83/84) enquanto espaos que em si mesmos no constituem lugares antropolgicos e que (...) no integram os lugares antigos porque no possuem capacidade para se concretizarem. A escola est na gnese da interaco entre jovens residentes de todo o PIA e implica formativamente o Bairro Amarelo nessa construo (o nico a concentrar as escolas bsicas e as principais instituies privadas de solidariedade social). No Bairro, a escola criou mais do que uma rede de relaes transculturais e transespaciais, edificou um sistema de alianas entre indivduos, assentes em estratgias de sobrevivncia no meio. A anttese entre a rua e a escola fundamenta-se nessa oposio to clara para os moradores entre categorias de ordem. De um lado, as representaes de uma ordem social legtima assente na esfera do espao da rua, espao de fruio multicultural para as camadas mais jovens (designada por alguns residentes jovens como a escola do bairro ou a escola da rua), estruturante do seu quotidiano como o lugar onde se conduzem actividades de lazer rotineiras, que marcam os tempos infantis e juvenis, e se fortalece o sentimento de referncia comum. De outro lado, uma ordem normativa exterior e formal a que no reconhecem validade. A escola usada principalmente

como fortalecimento da rede social j existente, a alargada a outros indivduos a ele exteriores. Enquanto extenso do espao da rua, no consegue inferir, nestes jovens, uma consensualizao sobre o valor social da educao, gerando uma rede de insatisfao crescente que conduz cedo ao abandono desse espao. A reinveno identitria do territrio A dcada de 1990 testemunhou a chegada massiva de novos residentes ao espao dos bairros e a rea do PIA viveu o seu perodo de maior alterao scioespacial aps a concluso da construo das 9 urbanizaes cooperativas hoje presentes. A chegada regular de novos indivduos e grupos de residentes para a vizinhana prxima contribuiu para o desenvolvimento da competitividade territorial de alguns grupos, por referncia ao alargamento da estrutura social que passou a comportar novas unidades socioculturais mais homogneas, justapostas ao espao comum dos Bairros anteriores. Quando nos referimos categoria do novo morador apontamos para indivduos residentes no Concelho, mas fora do PIA, portadores de um imaginrio estigmatizante sobre a rea. Dentro deste grupo, os nossos interlocutores referiram-se rea como Picapau Amarelo, no conseguindo estabelecer limites geogrficos ou sociais com referncia a cada bairro pioneiro, mas antes, excluindo apenas a sua urbanizao. Contudo, distinguem-se dois grupos de novos moradores: 1) Os grupos realojados no mbito do Programa Especial de Realojamento, no espao contguo ao Bairro Amarelo. Famlias em situao de dependncia econmica, expropriados e realojados neste territrio por escolha da autarquia. Um grupo semelhante em termos culturais e econmicos a outros residentes no Bairro Amarelo, mas observado, por estes, como uma ameaa ordem colectiva, manifestada no espao pblico, nomeadamente pelos grupos mais jovens do Bairro. Nesta situao, o espao do Bairro alargado, passando a comportar todos os moradores e a representao do espao fsico contra-se para expulsar as novas construes vizinhas. Nestas situaes, para a subcultura juvenil, o Bairro passa a ser o PIA. No existe entre os outros grupos de moradores, do PER e do Bairro Amarelo contguo nenhuma interaco, excepo dos jovens, portadores de significados simblicos e um fundo cultural de prticas e representaes semelhantes aos dos seus pares realojados. A integrao entre os dois grupos foi progressiva, denotando-se hoje uma homogeneidade em termos discursivos e objectivos. Estes jovens conseguiram elevar o seu Bairro anterior, intruso de incio, a uma posio hierrquica paralela aos trs bairros mais antigos; integram a rede social transespacial ao PIA e, pela proximidade espacial ao Bairro Amarelo,

reproduzem reciprocidades e ajudam o grupo na sua auto-gesto, contrapondo uma identidade de bairro aos moradores das novas urbanizaes cooperativas, alguns residentes mais antigos neste espao do que eles prprios; 2) O segundo grupo de novos moradores, solventes em matria de habitao, trouxe para o espao outras dimenses sociais: modos e estilos de vida dissemelhantes, cujas influncias e redes anteriores se centram no espao urbano da cidade, detentores de graus mais elevados de mobilidade social e nveis reduzidos de integrao no ambiente urbano e social dos bairros pioneiros. Este grupo escolheu o territrio do PIA para morar unicamente pelo preo reduzido dos imveis que adquiriram. A reserva ao espao privado foi agudizada pelo imaginrio estigmatizante sobre a rea, num processo de auto-excluso semelhante ao do grupo de moradores pioneiros do Bairro. Em termos de territorialidade, o espraiar das sociabilidades dos residentes pioneiros oprime qualquer tentativa de outros reclamarem direitos ou exigncias em espao pblico. Estes novos moradores so aceites, na medida em que a sua aco no ameace directamente nem se imponha. O espao pblico da sua urbanizao, apropriado por grupos de moradores antigos, remete-os para o interior da massa edificada. A ausncia de acompanhamento por parte das Cooperativas deixa tambm desamparado o grupo em termos de estratgias e recursos para a manuteno de espaos semipblicos imediatos s urbanizaes e, em grande nmero, apropriados por jovens e populaes ciganas para festas. O reconhecimento de uma identidade territorial torna-se possvel porque o corpo social que constitui um colectivo encontra a sua identidade na interiorizao das suas aces sobre o territrio mais abrangente. Ao relacionarem assim a identidade do territrio com a regio onde este se integra (Namer,1997) tornam possvel a reconstituio de um conjunto de lugares e de outros grupos atravs da aplicao diferenciada de esquemas de assimilao construdos na representao do territrio local, prprio a cada colectivo, como um espao de pertena entre outros. Neste assumir do espao como um factor de identidade, os indivduos procedem tambm a uma reconceptualizao da noo do que se constitu como a sua comunidade, tomando em considerao a acepo de Gupta e Ferguson [2006(1992):610] de que estas categorias emergem, pontualmente acrescentamos, de interseces elaboradas num sistema hierrquico de diferentes espaos com sentido de comunidade, pela solidariedade e identidade comum imaginada que projectam para um espao fsico e para alguns grupos. Assim, sendo a base para uniformizar grupos desterritorializados entre si, esta apropriao espacial encontra-se partida contaminada: os indivduos passam a representar os outros atravs das suas prprias propriedades. Este processo tem tambm como

base de apoio um conjunto de imagens exteriores que veiculam a anomia estabelecendo uma analogia com o Bairro. As imagens dos lugares assim construdas tm uma natureza induzida, formadas e moldadas pelos media, instituies pblicas, sociais e econmicas e por acontecimentos extraordinrios veiculados pela comunicao social. O carcter biunvoco destas mediascapes (Appadurai,1996) serve ento representaes socioespaciais de grupos distintos, jovens do Bairro Amarelo ou das urbanizaes do PER, que a utilizam consoante a sua localizao no espao e no mundo social e em tipos de interaco diferenciados: Os meus amigos so da Margem sul toda. (L., 17 anos, Bairro Amarelo, reportando-se a uma comunidade de brothers de rua), ou Ah, isto parte, parte. Isto no tem nada a ver com Almada, o Monte de Caparica. (C., 15 anos, Bairro PER, sobre a relao entre o seu bairro e o concelho de Almada) ou, ainda, O respeito tu dizeres: Olha, sou daquela zona. E ningum te faz nada. (J., 21 anos, Bairro Branco, numa conversa sobre sadas nocturnas do seu grupo de amigos). Neste sentido, o Bairro reflecte esta dinmica tambm para grupos que esto dele desterritorializados social e espacialmente, ajudando na construo de uma imagem do espao anmica e insegura, e inflecte-as para aqueles que nele habitam, trabalham ou estudam, deixando em aberto a margem de escolha que Silvano (1997) refere para uma base de identificao/integrao (o caso do subgrupo juvenil) ou para a excluso (o caso dos grupos de moradores que negam o espao onde habitam espacialmente). Concluses O espao possibilita leituras e interpretaes culturais sobre o outro, o que no significa o entendimento, o consenso ou a efectivao de uma comunidade, apenas a constatao da diferena e, na medida em que da sua assuno depende a harmonia quotidiana, fragmentou-se o espao numa perspectiva simblica de procura da ordem necessria sua partilha. Nos modos de apropriao, na forma e nos contedos dos diferentes modos de espacialidade, grupos socioculturais diferentes encontraram formas de dar sentido e organizar a diferena. Neste sentido, o bairro Amarelo subverte o imaginrio que o rotula e que assenta num pressuposto de extremo conservadorismo e resistncia mudana: como em nenhum outro espao, os indivduos que a habitam foram forados a aceitar a rpida transformao social para encontrarem o seu espao no espao dos outros. O conflito, revelado na partilha espacial, fragmentou assim o processo de reorganizao social, pervertendo, em simultneo, o paradigma do espao que dominou e animou os projectistas do PIA e, em particular os dos seus bairros. Nesse sentido e numa micro escala comunitria de anlise, o Bairro Amarelo foi bem sucedido: os grupos de habitantes que se formaram conseguiram gerir a

diversidade sociocultural e encontrar espaos de significao, mesmo que, para alguns grupos, esses estejam localizados no exterior do Bairro. Este trabalho foi pautado por uma linha condutora da investigao baseada no tratamento holstico da diversidade que anima o Bairro Amarelo. Por isso no nos remetemos na prossecuo da anlise a um grupo especfico e, por isso tambm, o nosso terreno foi estendido a todas as construes contguas ao Bairro central. Seguindo as dinmicas do terreno, na investigao de campo tentmos ir to longe e percorrer os mesmos espaos fsicos e sociais que os grupos de habitantes quotidianamente utilizam, preterindo dimenses e nveis de espacialidades que, na representao dos nossos interlocutores, mostravam ser residuais ou menos estruturantes na construo das redes sociais no Bairro. Bibliografia Appadurai, Arjun, 1996, Modernity at Large: Cultural Dimensions of Globalization, Minneapolis, University of Minnesota Press. Aug, Marc, 1998, No-Lugares: Introduo a uma Antropologia da Sobremodernidade, Venda Nova, Bertrand Editora. Bordonaro, Ibrahim e Pussetti, Gemma, 2006, Da utopia da migrao nostalgia dos migrantes:percursos migratrios entre Bubaque (Guin) e Lisboa, in Terrenos Metropolitanos: Ensaios Sobre Produo Etnogrfica, Lisboa, Imprensa de Cincias Sociais,125-153. Connerton, Paul, 1999, Como as Sociedades Recordam, Oeiras, Celta. Contador, Antnio Concorda, 2001, Cultura Juvenil Negra em Portugal, Oeiras, Celta. Costa, Ana Sofia, 2006, O Espao dos Outros: representaes sociais e fronteiras num bairro do Plano Integrado de Almada in Revista da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, Lisboa, Edies Colibri, 18, 37-57. Gupta, Akhil; Ferguson, James, 2006 [1992], Beyond Culture: Space, Identity and The Politics of Difference, in Anthropology in the Theory: Issues in Epistemology, Oxford, Backwell Publishing, 608-617. Hannerz, Ulf, 1992, Cultural Complexity: Studies in the Social Organization of Meaning, New York, Columbia University Press. Namer, Grard, 1997, Prefcio , in La Mmoire Collective, Paris, Albin Michel.

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