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UCAM – UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O PAPEL DO BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
Por Norma Senra
Orientador
Prof. Ms. Nilson Guedes de Freitas
Rio de Janeiro
2003
UCAM – UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O PAPEL DO BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Monografia apresentada à UCAM
como requisito parcial para a
conclusão do curso de pós-
graduação “latu sensu”,
com especialização em
Psicopedagogia.
Por Norma Senra
DÍSTICO
“A criança não brinca de viver, brincar é viver.” JOSEPH PEARCE
“ (...) a identidade de uma pessoa e de um povo começa nos rituais de infância.” ERIK ERIKSON
DEDICATÓRIA
À minha filha Carolina, minha razão de viver,
a inspiração para este trabalho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, Fonte de toda Sabedoria, sem a qual , qualquer empreendimento é inútil.
A minha família, pela compreensão e incentivo.
Aos meus amigos e colaboradores, cujas críticas e sugestões contribuíram para enriquecer este trabalho.
RESUMO
O foco deste trabalho está na atividade lúdica infantil e suas implicações no desenvolvimento do indivíduo. Nos capítulos iniciais foram abordadas as primeiras brincadeiras das etapas anterior e de aquisição da linguagem, enfatizando a importância que estas produzem nos contatos iniciais com o mundo. É feita uma análise da capacidade de comunicação e sua influência nas brincadeiras ampliando o mundo perceptivo, conceitual e o desenvolvimento das representações mentais. Em seguida, a investigação passa aos impulsos, necessidades e desejos que movem para determinadas brincadeiras, procurando analisá-los e justificá-los. Os jogos infantis são destacados em capítulo à parte, especialmente os jogos com regras. Distinguem-se os conceitos de jogo, brinquedo e brincadeira. A ludoterapia é abordada em função da importância de sua aplicabilidade em alguns casos. É discutida a ação da atividade lúdica no contexto pedagógico, enfocando a intencionalidade versus os objetivos educacionais, oferecendo propostas, desafios e sugestões aos educadores. Finalizando o trabalho, a brinquedoteca foi posta em evidência, em virtude do papel que ocupa na valorização do ato de brincar, sendo considerada sua utilização em instituições, comentando-se a teoria de Froebel sobre o brincar supervisionado.
Palavras Chaves: Ludicidade, Criança, Criatividade, Prazer.
SUMÁRIO
Introdução . ...................................................................................................... 08
1. PRIMEIRAS BRINCADEIRAS .................................................................... 11
1.1. Jogos de Exercício ............................................................................... 12
1.2. Acompanhando os primeiros passos..................................................... 13
2. O INÍCIO DA LINGUAGEM ..................................................................... 15
2.1. Linguagem e Representação Mental......................................................... 16
3. O SIGNIFICADO OCULTO DA BRINCADEIRA ......................................... 19
3.1. Motivações e Sentimentos ....................................................................... 19
3.2. O Faz-de-conta ........................................................................................ 21
3.3. Regras no brinquedo ................................................................................ 22
4. OS JOGOS ................................................................................................. 24
4.1. Jogos com Regras ................................................................................... 25
4.2. Jogo, Brinquedo e Brincadeira ................................................................. 26
4.3. Ludoterapia .............................................................................................. 28
5. A AÇÃO DO LÚDICO NO AMBIENTE PEDAGÓGICO .............................. 30
5.1. Intencionalidade x Objetivos Educacionais .............................................. 31
5.2. Construção da Inteligência Reflexiva ....................................................... 32
5.3. Desafios para a Inteligência Infantil .......................................................... 33
5.4. Sugestões Educacionais .......................................................................... 34
6. BRINQUEDOTECA ................................................................................... 36
6.1. O Brincar Supervisionado ......................................................................... 37
6.2. Jardim de Infância x Escola Maternal ....................................................... 38
6.3. Utilização dos Brinquedos ........................................................................ 39
6.4. Questões pertinentes à reflexão . ............................................................. 40
Conclusão ....................................................................................................... 42
Anexos ............................................................................................................ 44
Referências Bibliográficas .............................................................................. 46
INTRODUÇÃO
A presente monografia tem por objetivo ressaltar a importância da atividade
lúdica infantil para o desenvolvimento do indivíduo, englobando os aspectos
cognitivo, afetivo e social, visando conscientizar a todos os que lidam direta ou
indiretamente com a criança. Os procedimentos utilizados foram pesquisa
bibliográfica. Procurou-se seguir como embasamento teórico, a abordagem
Histórico-social de Vygostky, bem como argumentos da psicanálise de Freud, e
ainda conceitos piagetianos.
Na definição de Ferreira (2001:109), brincar pode ser:
- divertir-se infantilmente,
- divertir-se, entreter-se,
- dizer ou fazer algo por brincadeira,
- entreter-se, fingindo-se de.
Mas será que realmente trata-se apenas de simples entretenimento?
Porque se assim for, sugere que são comportamentos despropositados, sem
compromisso, com o objetivo único de causar diversão a quem brinca. Entretanto, a
experiência parece mostrar que através do brinquedo, do ato de brincar, a criança
está descobrindo o mundo em gestos simples, em ações aparentemente banais. Ao
brincar, está aprendendo coisas novas do mundo que a cerca. Logo, brincar também
é coisa muito séria, e mais importante do que os adultos costumam considerar.
A brincadeira está presente tanto na vida dos seres humanos, como dos
animais, sendo que, em ambos os casos permite a exploração do meio e o
reconhecimento de seu próprio corpo. No caso do ser humano, a medida que a
criança cresce, suas brincadeiras atingem maior grau de complexidade.
Principalmente quando se dá a aquisição da linguagem e o desenvolvimento da
capacidade de abstração.
O ser humano brinca desde muito cedo, sendo muito raro encontrar uma
criança que não brinca, e quando isto acontece, é sinal de alarme, alguma coisa
está errada. A brincadeira é o primeiro trabalho da criança. É através dela que ela
se desenvolve e se socializa.
Cada um de nós conserva muito da criança que fomos, as experiências
infantis geralmente estão impregnadas de lembranças com forte conteúdo
emocional, as quais passam a fazer parte de nossa história pessoal e social. Os
brinquedos e brincadeiras não fogem a essa regra. Muitas vezes, pessoas que
dizem ter dificuldades para rememorar o passado, mostram-se capazes de relatar
suas brincadeiras com muitos detalhes e de forma bem intensa, o que comprova a
intensidade da carga emocional que acompanha a atividade lúdica.
A infância é cidadã, envolvendo todos os direitos inerentes que o conceito de
cidadania abrange, e como tal, merece destaque e atenção especial, já que
desempenha papel preponderante na formação do indivíduo. Qualquer novidade que
possa surgir, que possa contribuir para uma melhor compreensão dos processos
mentais infantis, merece ser difundida entre as pessoas que lidam direta ou
indiretamente com as crianças.
Iniciando o trabalho, demonstra-se como surgem as primeiras manifestações
de comportamento lúdico no limiar da vida, no período pré-linguagem e de
indiferenciação de seu próprio ser e do ambiente ao redor, procurando-se realçar a
importância dos primeiros relacionamentos humanos e sua influência, permitindo
um esboço da vida futura do indivíduo em suas peculiaridades individuais e sociais.
A partir de então, efetua-se uma análise de como a capacidade de
comunicação, mesmo em suas etapas iniciais, influenciará essas brincadeiras
ampliando o mundo perceptivo e conceitual, considerando o desenvolvimento motor,
característico da fase, e principalmente o estabelecimento gradual das
representações mentais, frisando a importância da expansão do imaginário
proporcionada pelas experiências lúdicas ampliadas e diversificadas.
Investiga-se acerca das motivações para as brincadeiras, as possíveis
necessidades e desejos que movem para a seleção de determinado
brinquedo/brincadeira em dado momento, bem como analisar os sentimentos
presentes nesta escolha. Nesta análise destaca-se o Faz-de-conta e suas
peculiaridades, a presença de regras, inclusive em etapas anteriores aos jogos com
regras pré-estabelecidas explicitamente.
Os jogos infantis são definidos de acordo com a sua historicidade social, os
jogos com regras previamente firmadas são evidenciados e distinguem-se os
conceitos de jogo, brinquedo e brincadeira. A ludoterapia é definida e comentada.
Na seqüência discute-se a ação da ludicidade no ambiente pedagógico,
enfocando o paradoxo da intencionalidade em contrapartida com os objetivos
educacionais, levando aos docentes à permanente reflexão. São propostos desafios
para a inteligência infantil, bem como oferecidas sugestões aos educadores.
No último capítulo, a brinquedoteca é definida em termos funcionais,
comenta-se a teoria de Froebel acerca do brincar supervisionado. A diferenciação
entre Jardim de Infância e Escola Maternal é estabelecida. A utilização dos
brinquedos nas instituições também participam desta discussão.
1 - PRIMEIRAS BRINCADEIRAS
Até completar dois anos a inteligência é prática. O pensamento está
relacionado às ações na realidade. A criança percebe o ambiente, e ela age sobre
ele.
Quando o bebê nasce precisa adaptar-se a um mundo novo que deverá conhecer e compreender. Sua capacidade perceptiva vai forjando uma noção deste mundo, mas a incapacidade motora limita sua possibilidade de exploração. Muitas de suas tentativas de explorar o ambiente constituirão a base de sua futura atividade lúdica. (ABERASTURY, 1992:21)
Ao nascer, a criança não possui a maturação biológica necessária para
brincadeiras mais elaboradas. Além disso, ela não é capaz de distinguir a si própria
do mundo que a cerca. Conforme ela vai adquirindo habilidades sensoriais
(ampliação de sua capacidade visual e auditiva), começa a perceber as coisas ao
seu redor. Primeiro, o seu próprio corpo: descobre suas mãos, os dedinhos, os pés,
os movimentos que ela pode fazer e diverte-se com isso. Porém não consegue
diferenciar o seu ser do ambiente que a cerca.
Nesta fase não precisa de muitos brinquedos, porém é necessário o afeto e a
presença dos pais, para que ela possa sentir-se segura e feliz.
Quanto aos brinquedos, alguns objetos simples e estimulantes como o
tradicional e barulhento chocalho chamam a sua atenção e a agradam. Os
“paninhos”, fraldinhas, bichinhos de pelúcia, brinquedos fofos e macios também são
indicados, bem como os de borracha macia, pela característica de substituição da
figura materna, pelo aconchego que trazem ao pequeno.
Alguns destes se destacam muitas vezes como objetos transicionais, sendo
requisitados constantemente e tornando-se insubstituíveis para a criança. Em
alguns casos, até mesmo o objeto desejado, depois de lavado é rejeitado, pela
mudança de cheiro e aspecto.
Em diversas culturas, uma das primeiras brincadeiras é a de “esconder”.
Jogar fora um objeto para que algum adulto o devolva também é bastante apreciada
entre os bebês. Estas brincadeiras remetem ao fato de preparar a criança a entender
que coisas e pessoas de que ela gosta desaparecem e surgem. Especialmente a
figura materna, que se ausenta e depois retorna.
A seguir começa a explorar o mundo através do contato com a boca, pega
todo e qualquer objeto e põe na boca, como forma de reconhecimento. Herança do
prazer conhecido sempre através da boca, como: a sucção, amamentação, a
chupeta, o bebê aprende que é somente por esta via que o conhecimento se produz.
Com a chegada dos dentes, a criança morde os objetos que estão ao seu alcance.
Bichinhos de borracha, em geral são os primeiros brinquedinhos e servem para essa
finalidade.
1.1. Jogos de Exercício
Aos poucos os primeiros movimentos, novas formas, cores, texturas, uso de
objetos vão enriquecendo o repertório de aprendizagem, gerando preferências e
gostos, e, conseqüentemente brincadeiras que se repetem com o objetivo de divertir.
Em todos os aspectos a estimulação motora está, nesta fase relacionada à
diversão. Durante o banho, bate as pernas, brinca com a água, diverte-se muito com
isso. Ao começar a engatinhar e a andar, amplia-se o mundo que a criança conhece
e tem acesso. Logo, as oportunidades de brincar também se expandem, e começam
a ir além do próprio corpo.
A indiferenciação do seu ser com o ambiente que o cerca ainda está bem
presente, e ela pode puxar o cabelo da mãe, assim como puxa o seu próprio, ou
bater palmas ao ver alguém batendo palmas, sem se dar conta disso, apenas para
divertir-se ou treinar novos comportamentos. Brinca e aprende o tempo todo, vendo
adultos ao seu redor, repetindo ou tentando imitar o que eles fazem, e com isso,
aprendendo coisas novas, gestos simples, caretas, expressões corporais (dança). À
medida que vai adquirindo capacidade de linguagem, repete vários fonemas, como
se estivesse “conversando”. Pega o telefone de brinquedo e fala sua linguagem
própria, imitando os adultos. Tudo isso que transcorre num clima de brincadeira e é
encarado assim por todos, sugere que a criança está de fato “aprendendo” a viver, a
ter os comportamentos adequados aos dos adultos de sua cultura.
O engatinhar, o “ficar de pé”, e posteriormente a capacidade de andar, além
da ampliação territorial descentraliza a atenção do corpo. Agora as possibilidades
são bem maiores, a criança ganha espaço para explorar e treinar suas novas
habilidades corporais. A simples capacidade de deslocamento de um lugar para
outro em si, pela sensação de potência que produz já é uma grande aquisição, sem
contar que o prazer de poder ir onde se deseja (dentro de certos limites) irá produzir
uma infinidade de novas situações, novos móveis, ambientes novos, etc. e
conseqüentemente novas brincadeiras.
Anteriormente, existia uma dependência física para se movimentar, para ir de
um lugar a outro, até para alcançar um brinquedo; agora o desejo de independência
moverá a criança a ir cada vez mais longe em suas investigações domésticas,
descobrindo, se desenvolvendo e brincando.
1.2. Acompanhando os primeiros passos
A interação com as pessoas que convivem com a criança é fundamental no
processo. A presença ou não de irmãos, a convivência com a mãe, o pai, parentes
próximos, babá, a ida precoce para creches ou escolas maternais influenciará na
evolução da trajetória do indivíduo em desenvolvimento, incluindo a forma como
brinca. Se alguém incentiva, reforça suas descobertas, auxilia suas novas
experiências, estará contribuindo para expandir seu conhecimento de mundo, ainda
que seja de maneira lúdica, contribuindo para a dinamização e enriquecimento da
aprendizagem.
Torna-se notória a diferença na qualidade de vida da criança que cresce
isolada. A companhia de outras crianças de sua faixa etária permite a aceleração da
aquisição de novos comportamentos. Bem como favorece a sociabilidade na fase
adulta. Mesmo na fase do egocentrismo, onde as crianças ainda não sabem
cooperar, brincando juntas, porém sozinhas. “Criança gosta de criança”, essa frase
do senso comum é dita com simplicidade, como uma observação sem importância,
entretanto a realidade revela ser essa sabedoria popular autêntica, facilmente
comprovada. Os seres humanos estão sempre buscando indivíduos semelhantes
para se associarem nas diversas fases da vida, a primeira infância não é exceção.
Ter adultos participantes por perto também revela ser de grande ajuda.
Brincar com a criança é tão relevante quanto estar por perto para prestar-lhe
cuidados quando ela necessitar. Este ato, de estar junto, participando do ato lúdico,
além de satisfazer as necessidades afetivas, por criar clima de confiança,
companheirismo, traz consigo uma bagagem de novos conteúdos a cada
brincadeira. Apesar da repetição que ocorre na maior parte dessas brincadeiras,
sem perceber um novo detalhe é adicionado, uma nova palavra, uma nova situação
é apresentada, diversificando, enriquecendo o repertório de conhecimentos, assim
estas novas aquisições vão se incorporando ao cotidiano do pequeno indivíduo,
ampliando seu mundo.
2. O INÍCIO DA LINGUAGEM
Se o desenvolvimento da motricidade amplia a quantidade e qualidade das
brincadeiras pela ampliação do mundo que envolve, o surgimento da linguagem vai
alavancar este processo, já que agora a capacidade de comunicação emergente
será capaz de expandir o mundo infantil com uma velocidade espantosa.
Novas habilidades começam a surgir. A criança começa a perceber a relação
causa-efeito, ou seja, ao fazer determinadas coisas, recebe aprovação ou não. Esta
relação simbólica está entrelaçada com o entendimento precoce da linguagem, a
qual é ainda, muito prematura, mas que traz pouco a pouco um repertório de coisas
novas e brincadeiras para atender a energia da criança e sua necessidade de
atividade constante.
Os horizontes então começam a se alargar, envolvendo inúmeras novas
atividades, as quais agora envolvem o mundo externo e a interação com as pessoas
de seu convívio. Os brinquedos e atividades lúdicas que antes se resumiam ao
corpo do pequeno e seu universo interior se expandem diariamente com um oceano
de novas descobertas, incrementada pela linguagem que começa a surgir, no início
muito discretamente, posteriormente como um turbilhão.
A fase de balbucio prolonga-se até o início da linguagem propriamente dita,
das primeiras palavras, a qual varia de criança para criança, mas que em geral
começa pelos três ou quatro meses indo até mais ou menos 18 meses, quando o
repertório de palavras começa a aumentar.
Esta “linguagem infantil”, onde palavras são criadas e substituem as
convencionais, também carrega um forte aspecto lúdico, já que a criança, em toda
sua postura, dá a entender que apesar do sentimento presente da percepção de que
muito do que ela está “falando” se perde à compreensão do adulto, também envolve
um entendimento muito intuitivo, muito vinculado à profunda intimidade que as
pessoas que lidam com ela possuem, e se tornam portanto aptas a “decifrar”, ou
pelo menos entrar no jogo, na brincadeira de que realmente está havendo um
entendimento. Assim, se a criança está “conversando” no telefone, este bate-papo
que na verdade, não tem o significado que o idioma oficial traz, porém, já inclui além
do prazer da imitação dos adultos, o treino para o desenvolvimento de sua
linguagem, sendo que aos olhos do observador distraído, ela está apenas
“brincando”.
Obviamente, como nada acontece de uma hora para outra, havendo vários
fatores que influenciam esta transição, como o amadurecimento das estruturas, a
estimulação do ambiente e das pessoas com quem a criança convive, cada criança
irá formando aos poucos a noção da simbolização das palavras e sua devida ligação
com os objetos/pessoas concretos. Entretanto, tudo ocorre entremeado em meio às
brincadeiras, que fazem com que este processo se torne mais fácil, mais natural.
Cada nova palavra adicionada ao pequeno vocabulário traz muita alegria a
toda família. Este clima de festa está diretamente ligado com o divertimento que as
brincadeiras trazem reforçando mais e mais o comportamento lúdico e o surgimento
de mais e mais palavras. Assim, sem notar, o brinquedo está sempre presente nesta
fase tão importante, da interiorização da linguagem.
Crianças procedentes de famílias mais desfavorecidas, as quais possuem
poucos brinquedos, ou pelo menos seus familiares, babás, ou os responsáveis pelos
cuidados com elas, dispõe de um tempo menor para tais atividades lúdicas, tem o
referido processo prejudicado.
2.1. Linguagem e Representação Mental
Os signos foram criados para representarem os objetos concretos, reais.
Através dos signos surgem abstrações que ganham uma conotação concreta e
ajudam a memória a buscar o que a pessoa deseja.
É através da internalização dos signos, especialmente da palavra, que
podemos representar mentalmente objetos e situações reais. Como afirma Oliveira:
essa capacidade de lidar com representações que substituem o próprio real é que possibilita ao homem libertar-se do espaço e do tempo presentes, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, imaginar, fazer planos e ter intenções. (1993:35)
Essas representações mentais estão na origem da imaginação, a qual é
exclusiva do ser humano.
Permeando a história da humanidade, essas representações mentais tem
sido responsáveis pelo êxito da comunicação entre os povos, como o surgimento de
vários e diferentes idiomas. Assim, um único objeto pode ser nomeado de várias
formas, dependendo do idioma em questão, sem qualquer alteração de suas
características. A palavra (significante) constituiu-se no abstrato da essência das
coisas, e por meio dela a linguagem passa a ter a função de intercâmbio social e de
pensamento generalizante.
No intercâmbio social, a linguagem propicia a comunicação entre as pessoas.
O pensamento generalizante é responsável pela inclusão da palavra em
classes, de objetos, situações. Por exemplo, a palavra que corresponde ao objeto
pão, pode ser agrupada com outros elementos da categoria alimento, assim como a
palavra rosa pode ser relacionada com outros elementos da categoria flores,
contudo preservando suas características originais.
Com o desabrochar da linguagem, a capacidade de representação mental,
ocorre a expansão do imaginário e da abstração .“O brinquedo amplia-se e
complica-se nesta época; a intensidade do brincar e a riqueza da fantasia permitem
a avaliação da harmonia mental”. (ABERASTURY, 1992:59)
A substituição de elementos/objetos concretos por elementos abstratos
(signo, palavra) favorece as condições necessárias às situações imaginárias.
Ao evocar um dado objeto, através de uma palavra, vem à tona todas as
possíveis relações deste objeto com outros objetos, coisas e pessoas, e assim a
criança constrói o conceito referente àquele objeto. Mentalmente, estará expandindo
os elementos fundamentais para a imaginação, através da substituição do concreto
pelo abstrato (significante pelo significado), colocando-os numa condição de
movimentação espacial e temporal mais amplos.
O grande aliado na expansão do imaginário é o brinquedo. É ele o
instrumento utilizado na construção e implementação dessas relações objetais e
conceituais ricas variadas que vão aos poucos sendo incorporadas pela criança,
passando a fazer parte de seu desenvolvimento cognitivo, estimulando as funções
do intelecto, gerando uma rede de complexas estruturas abstratas vinculadas a
objetos reais e concretos. Todo este processo ocorre em meio a interiorização
paralela dos aspectos emocionais que essas novas relações estão produzindo, ou
seja, não somente o cognitivo está sendo enriquecido, mas a carga afetiva que
acompanha cada brincadeira também está envolvida, podendo-se experimentar
alegria, dor, prazer, medo, ou várias emoções ao mesmo tempo, durante cada
experiência lúdica que nas suas variações se torna única.
Enfim, a imaginação propiciada pela aquisição paulatina da linguagem tem
função imprescindível no desenvolvimento de diversos aspectos interligados que
favorecem o crescimento global do indivíduo.
3. O SIGNIFICADO OCULTO DA BRINCADEIRA
De acordo com Vygotsky (1989), o brinquedo, no sentido mais amplo da
atividade de brincar, as situações lúdicas e o imaginário infantil, não pode ser
definido apenas como algo que seja fonte de prazer, visto que a observação mostra
que muitas brincadeiras e jogos evocam muitas vezes resultados sentidos como
desagradáveis, especialmente aqueles mais competitivos, onde se pode ganhar ou
perder.
Segundo o mesmo autor, apesar de não considerar o brinquedo como
atividade preponderante na vida infantil, ele ressalta a devida importância do
mesmo.
A definição mais adequada seria então, aquela que o considera como algo
que preenche as necessidades da criança, gerando motivos para a ação, ou seja, a
ação na brincadeira acontece, através da imaginação, buscando a satisfação das
necessidades infantis no momento.
3.1. Motivações e Sentimentos
Como em cada fase do desenvolvimento existem necessidades próprias,
peculiares, as quais vão evoluindo, se modificando, assim também ocorre com as
motivações que impelem às situações de brinquedo, essas também vão se
adequando ao período no qual a criança se encontra. Exemplificando, crianças
muito pequenas buscam satisfação imediata de seus desejos. Por volta dos sete
anos, mesmo possuindo muitos desejos, a criança não pode satisfazê-los todos
prontamente. Logo, ela busca o brincar. “Para resolver essa tensão, a criança em
idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário, onde os desejos não
realizáveis podem ser realizados, e esse mundo é o que chamamos de brinquedo”.
(Idem, 1989:106)
Através da expansão e generalização de conceitos aprendidos através da
realidade, o ato de brincar exercita e desenvolve novas aptidões, levando a criança
a agir e se comportar além da fase na qual se encontra, como se fosse maior ou
mais velha do que é em dado momento. Vale a pena citar mais uma vez Vygotsky,
“Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências
do desenvolvimento de forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de
desenvolvimento.” (1989:117)
Se o brincar implica na realização de desejos que não podem ser satisfeitos
de imediato, a situação imaginária tem estreita ligação com a carga emocional
envolvida no brincar.
Desta forma, a criança representa o que deseja que fosse real, substituindo,
corrigindo, compensando experiências desagradáveis e frustrantes. Os meninos
buscam super-heróis, identificando-se com sua força e poder, para compensar sua
fraqueza e dependência, preferindo jogos de aventura e mistério. As meninas, sendo
princesas cercadas de súditos demonstram seus desejos de poder e narcisismo, e
através da identificação materna buscam atividades femininas como brincar de
casinha, de boneca. “O brinquedo com bonecas e animais satisfaz suas
necessidades de paternidade e maternidade”. (ABERASTURY, 1992:57)
Descarregar a raiva e tensão no jogo alivia os sentimentos reais, ajudando a
obter mais controle. Sublimar as emoções no decorrer da atividade lúdica é natural e
desejável, desde que não extrapole passamos a comportamentos freqüentes e
agressivos. As figuras de autoridade são distorcidas, deformadas, pais e professores
surgem como severos, perseguidores. As meninas brincando de mães, ralham,
gritam, batem nas bonecas (filhas), as colocam de castigo. Brincar de professor é
exigir silêncio, proibir, punir os alunos, aplicar-lhes baixos conceitos. Esses
conteúdos revelam como é sentida a disciplina imposta pelos adultos, as ansiedades
e temores surgem dramatizadas de forma caricatural.
A experiência parece ser “digerida”, quando algo que provocou sentimentos
desfavoráveis ao ser repetido, reduz o impacto, o medo. Por exemplo, brincar de
dentista pode amenizar a realidade de ter que ir de fato ao dentista.
No caso da brincadeira, parece que percebemos que as crianças repetem experiências desagradáveis pela razão adicional de poderem dominar uma impressão poderosa, muito mais completamente de modo ativo do que poderiam fazê-lo simplesmente experimentando-a de modo passivo. (FREUD, 1920-22:52- Vol. XVIII)
Assim, pode-se recomeçar, fazer a mesma coisa várias vezes, efetuando
pequenas diferenças até se contentar, “matar” alguém, para em seguida “ressuscitá-
lo” novamente, corrigir o que pensa ou sente que está errado. Crianças se portando
como más na brincadeira podem estar revelando seu ressentimento contra injustiças
das quais se sentem vítimas. Como exemplificou Piaget,
..., pois é claro que se o jogo tende por vezes à repetição de estados de consciência penosos, não é para conservá-los na qualidade de dolorosos, mas sim para torná-los suportáveis e mesmo quase agradáveis, assimilando-os à atividade de conjunto do eu. (1978:191)
Em contrapartida, a ambivalência afetiva também surge pelo comportamento
oposto, no carinho e cuidado maternais com as bonecas, imitando a forma como são
tratados pela mãe ou como gostariam que fossem. Essas necessidades de afeto
também são reveladas na situação lúdica.
Além de toda essa gama de sentimentos, está sempre presente o desejo de
treinar para aprender a viver, de crescer, de ser adulto.
O brincar da criança é determinado por desejos: de fato, por um único desejo – que auxilia o seu desenvolvimento – o desejo de ser grande e adulto. A criança está sempre brincando “de adulto”, imitando em seus jogos aquilo que conhece da vida dos mais velhos. Ela não tem motivos para ocultar esse desejo. (FREUD, 1920-22:151- Vol. IX)
3.2. O Faz-de-conta
A ação e o significado também estão relacionados à imaginação e ao
brinquedo. Vygotsky (1989) afirma que a imaginação , “como todas as funções da
consciência, surge originalmente da ação”.
A ação da criança muito pequena, até aproximadamente três anos está
vinculada à percepção, dos objetos, da situação imediata. O pensamento está
direcionado às ações desenvolvidas. Quando se solicita a uma criança desta idade,
que diga diante de um objeto grande que ele é pequeno, muito provavelmente ela irá
se confundir, e dirá o que está vendo. Existe uma fusão entre a percepção e o
significado, ela ainda não distingue os mesmos.
Esta distinção é alcançada na idade pré-escolar. Assim, a criança consegue
agir independentemente do que vê. Agora, a ação não é regida apenas pela
situação imediata, mas também pelo significado que a imaginação sugere. Um cabo
de vassoura pode assumir o papel de cavalo, uma caixa de sapato pode ser um
cachorro. Nasce a brincadeira de faz-de-conta, a ação surge das idéias (significado)
e não das coisas, possibilitando que um objeto represente outro; a simulação de
uma situação possa ser interpretada como outra, como exemplo a criança faz um
movimento de pinça com as mãos, brincando de comer e alimentando as bonecas.
O faz-de-conta tem um sentido muito profundo e repleto de significados em
nossa vida, principalmente na vida infantil. Não se faz-de-conta que se faz-de-conta,
e brincar não é uma mentira, é um ato no qual a pessoa se coloca por inteiro, se
revela a si mesmo.
A suposta falta de seriedade da brincadeira se deve à postura de alegria, de
comicidade e riso que geralmente acompanha o ato lúdico. Entretanto, as crianças
levam muito a sério suas brincadeiras, não permitindo a quebra de regras e/ou
punindo-as com severidade. É muito comum ouvi-las exclamando, “não pode”,”não é
assim”, “isso não é permitido”, “não valeu”; defendendo vigorosamente a estrutura da
brincadeira.
3.3. Regras no brinquedo
Além da importância que o significado possui, outro aspecto de relevância na
definição da situação imaginária é o fato de ocultar regras sociais devidamente
estruturadas.
Mesmo a criança pré-escolar, quando envolvida em brincadeiras de faz-de-
conta obedece determinadas regras, sem as quais, o brinquedo perde seu
significado. Uma brincadeira de casinha tem suas regras: quem faz o papel de mãe,
exibe comportamento materno, o médico tem que examinar o paciente, prescrever
remédios, a professora ensina, o telefone serve para falar, o copo para beber, para
brincar de comer é preciso fazer a mímica apropriada.
As regras são implícitas e relacionadas aos papéis sociais e aos personagens
da brincadeira. Nesta fase, as crianças não conseguem ainda acompanhar
brincadeiras com regras determinadas previamente, ainda que sejam organizadas
pelos próprios participantes.
Futuramente, por volta de seis anos aproximadamente, as crianças estarão
prontas para participarem de jogos com regras pré-estabelecidas de forma explícita,
como uma partida de futebol ou um jogo de cartas.
A partir de então, além de respeitarem essas regras, buscam superar limites,
estudando várias possibilidades de ação a fim de tornarem a brincadeira mais
interessante, e levar à vitória.
A imaginação, através de uma abstração mais elaborada, leva o sujeito a
estudar novas possibilidades de ação em busca de melhores resultados.
4. OS JOGOS
O jogo acompanha o homem desde o começo de sua história. A intensidade
do poder do jogo é tão grande que nenhuma ciência consegue explicar a fascinação
que ele exerce sobre as pessoas.
A criança aprende e desenvolve seu potencial através de brincadeiras (muitas
vezes elas imitam as atividades dos adultos). Os jogos possibilitam a
espontaneidade, a competição lúdica, e a aceitação de limites (ao entrar em um jogo
é preciso aceitar suas regras).
As brincadeiras de roda refletem os costumes dos povos antigos que
formavam círculos e falavam sobre as suas expectativas e emoções. Todos ficavam
no mesmo plano, e se viam mutuamente. Por isso, todos eram considerados iguais e
não havia disputa de liderança.
Através dos jogos exercitamos habilidades necessárias ao nosso
desenvolvimento integral, como: a autodisciplina, a sociabilidade, a afetividade,
valores, espírito de equipe e bom senso.
O jogo é como um exercício que prepara o indivíduo para a vida.
O brincar é uma atividade universal. De acordo com o historiador Johan
Huizinga, o jogo está presente em todas as formas de organização social, das mais
primitivas às mais sofisticadas: “a existência do jogo não está ligada a qualquer grau
de civilização ou a qualquer concepção de universo. (...) a existência do jogo é
inegável”. (HUIZINGA, J. apud SANTA ROSA, E. 1993:24-25)
O termo jogar é extensivo tanto às definições de brincar quanto às várias
outras atividades, sendo, contudo, mais freqüentemente empregado para definir os
passatempos e divertimentos sujeitos a regras.
Segundo o dicionário de Psicologia de Henri Pierón,
O jogo constitui atividade subordinada a regras convencionais, compreendendo com freqüência uma parcela mais ou menos importante de sorte, ou seja, de elementos do acaso, sem rendimento real, e na qual cada jogador procura ganhar, qualquer que seja a natureza do ganho. O jogo para criança: atividade agradável que se opõe ao trabalho.(PIÉRON, 1978:243)
O jogo é o meio natural de auto-expressão da criança.
A essência do lúdico não é fazer como se, mas sempre fazer de novo. É
nesse momento que há a aquisição de um saber fazer, capaz de transformar a
experiência em hábito.
O jogar é uma forma de comportamento característica da infância. Sob um
aspecto puramente formal a extensão das modalidades de jogo é infinita, contudo,
alguns autores distinguem estruturas diversas, de acordo com critérios
classificatórios: de exercício, simples, de azar, de regras.
4.1. Jogos com regras
Ao se tornar capaz de aceitar e respeitar jogos e brincadeiras com regras
explícitas, a criança está apta a competir. A competição põe em ação muitos
processos mentais, como o planejamento, a elaboração de estratégias, reflexão,
ensaio e erro, pois o desejo de vencer leva o indivíduo a buscar novas soluções,
resultados mais rápidos e eficientes que os dos adversários, bem como a superação
dos próprios limites.
O prazer de vencer é o objetivo, mas a frustração de perder exerce um
importante papel, já que prepara a criança para suportar as futuras derrotas que irá
enfrentar.
Na sociedade competitiva em que vivemos é justificável enfatizar a
importância desses jogos.
Favorece a sociabilidade, uma vez que agora a brincadeira é conjunta,
preparando para o trabalho em equipe. Enfim, os jogos infantis visam tornar o
indivíduo mais apto a encarar a “seriedade” da vida adulta. Como já alertava Freud:
Quando a criança cresce e pára de brincar, após esforçar-se por algumas décadas para encarar as realidades da vida com a devida seriedade, pode colocar-se certo dia numa situação mental em que mais uma vez desaparece essa oposição entre o brincar e a realidade. Como adulto, pode refletir sobre a intensa seriedade com que realizava seus jogos na infância; equiparando suas ocupações do presente, aparentemente tão sérias, aos seus jogos de criança, pode livrar-se da pesada carga imposta pela vida e conquistar o intenso prazer proporcionado pelo humor.(Volume IX, 1920-22:151)
Ao conseguir traçar esse paralelo entre os jogos da infância e a ocupação
atual da vida adulta, pode-se resgatar a alegria e o prazer dos primeiros,
transportando-os para a situação atual.
4.2. Jogo, Brinquedo e Brincadeira
O brinquedo pressupõe uma relação íntima com a criança, uma maior
liberdade em relação à subordinação às regras. Subentende a dimensão material,
cultural ou técnica. O conceito de brinquedo está vinculado ao de objeto
representativo da realidade, (como a boneca, o carrinho), sendo uma de suas
principais funções o de fornecer a criança um substituto dos objetos reais, que pode
ser por ela manipulado, servindo como suporte para a brincadeira. Além desta
dimensão material, o brinquedo pode incluir ainda, desenhos animados, séries da
televisão com seus heróis, o imaginário da ficção científica, com seus personagens
robotizados, o mundo da estórias de fadas, faz-de-conta, contos de piratas, índios,
mocinhos e bandidos. É o brinquedo que favorece o fluxo da imaginação, com suas
múltiplas facetas, estando relacionado intimamente ao nível de desenvolvimento da
criança.
A brincadeira confunde-se com o lúdico em si, com a ação de estar brincando,
seguindo as regras determinadas. A brincadeira é às vezes encarada como ação
livre, e outras como atividade supervisionada por adulto. Essa divergência está
ligada ao paradoxo entre a visão da brincadeira como um fim em si mesma, ou
visando a aquisição de conteúdos específicos.
A palavra jogo tem origem latina, derivada de iocus, significando diversão,
brincadeira. É definida por alguns dicionários como sendo “a atividade lúdica que
comporta um fim em si mesma, com independência de que em certas ocasiões se
realize por algum motivo extrínseco”. Assim, o jogo, teria uma definição mais
complexa, incluindo aspectos peculiares como: intencionalidade por parte do jogador
e a característica de não-literalidade (a boneca não é filha, mas é como se fosse),
produz efeito positivo de alegria, prazer, trabalha a flexibilidade, levando à reflexão
através do ensaio de novas idéias e combinações. O processo torna-se então mais
importante, por privilegiar o fato de estar jogando acima dos resultados ou objetivos
do jogo. A adesão à participação é livre, e as regras são estabelecidas pelos
próprios participantes.
A diferença entre os termos jogar e brincar em alguns idiomas não é tão
marcada como em nosso idioma, a exemplo da língua inglesa play, que é utilizada
indistintamente com ambos os significados, sem prejuízo conceitual, ao contrário
tirando proveito disto.
Acima de tudo, ressaltamos as finalidades comuns que o brincar/jogar
assumem como: domínio das angústias e ansiedades, controle de impulsos,
estabelecimento de contatos sociais, exploração do meio, satisfação de desejos não
realizáveis imediatamente, desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e
criatividade. A participação em brinquedos e brincadeiras tradicionais reportam ao
sentimento de continuidade, de permanência, de estar inserido em sua cultura e
vinculado à História e sua ligação com seus antepassados. Através da brincadeira e
dos jogos abre-se o espaço para reflexão, estimulando o raciocínio, e
conseqüentemente o pensamento. E, ainda, por meio da ação lúdica surge a
cooperação, a articulação de opiniões, a operatividade, minimizando o egocentrismo
por meio de interações sociais que surgem, desenvolvendo a solidariedade, o
espírito de equipe, a empatia, trazendo novos sentidos para a posse e o consumo, a
partir do compartilhamento de brinquedos.
4.3. Ludoterapia
O jogo sempre foi valorizado na prática pedagógica como um elemento
essencial para a aprendizagem, porém a introdução do jogo com finalidade
terapêutica foi descoberta por S. Freud. A psicoterapia infantil tem suas origens
vinculada à história da psicanálise. Freud, através de seus postulados relacionado a
etiologia das neuroses à vida infantil, dá início a este tipo de tratamento,
especialmente a partir do caso do pequeno Hans.
Posteriormente Anna Freud, utilizando desenhos e interpretação de sonhos, e
M. Klein, entre outros, formaram escolas e desenvolveram teorias e técnicas
próprias para a psicoterapia infantil, as quais contribuíram inclusive para a análise de
adultos.
Atualmente existem várias abordagens que resultam em uma ampla prática
da psicoterapia infantil ou ludoterapia. Definindo então, a ludoterapia é uma
psicoterapia que, como tal, é qualquer método de tratamento das desordens
psíquicas ou corporais que utiliza como meio atividades lúdicas, possibilitando às
crianças explorarem seus conflitos, elaborando-os através de vivências reais.
Os materiais, bem como as técnicas utilizadas no processo ludoterápico
poderão variar de acordo com a abordagem utilizada pelo terapeuta, mas, em geral,
existem referências básica como: a sala deve ter paredes à prova de som, grades
nas janelas, um lavabo com pia e um espaço com areia. Os brinquedos são
pequenos bonecos e/ou fantoches de homens, mulheres e filhos, constituindo assim
uma família; carroças, carrinhos, trens, aviões, animais, cubos, casas, mobílias. O
material de desenho, como lápis, papel, tesoura, cola, pincéis e guaches, tintas a
dedo, revistas para fazer colagens. O material primitivo: água, argila, areia e
massinha. O material poderá ficar exposto em prateleiras ou dentro de um baú, mas
desde que fique ao alcance da criança, de forma que não haja inibição ou
impedimento para que ela possa buscá-los, sempre que desejar.
A família deve acompanhar ativamente todo o processo, ajudando no que for
possível. Muitas vezes constata-se que a própria família exerce papel significativo no
desajuste infantil, exigindo uma investigação acerca das interações entre os
membros da mesma, uma análise sistêmica familiar, ou seja, dos papéis que cada
membro ocupa na constelação familiar, realçando ou até reforçando
inconscientemente os sintomas da criança.
A alta está vinculada ao alcance dos objetivos propostos inicialmente e
através da percepção de que a criança está bem, evidenciada pelas verbalizações e
pelo próprio brincar. “A criança que brinca bem, tranqüila, com imaginação, dá uma
prova de saúde mental, ainda que apresente muitos pequenos sintomas que
angustiam os pais.” (ABERASTURY, 1992:59)
5. AÇÃO DO LÚDICO NO AMBIENTE PEDAGÓGICO
O brincar estimula o espírito inventivo, criativo, exploratório de que o faz-de-
conta necessita, o que chamamos de lúdico. Brincando se pode redescobrir o que já
se conhece, pois a cada brincadeira, se renova um conhecimento, se revive, se
reaprende de formas novas e originais.
A palavra lúdico tem origem latina, que deriva de ludere, que de acordo com
Huizinga (1993:41), possui o significado de “ilusão” e de “simulação”. Pode ser,
ainda, a capacidade humana de adaptar uma situação, uma ação ou um objeto,
dando-lhe um outro sentido, uma outra significação, como ocorre nas brincadeiras
de faz-de-conta, onde um objeto assume as características de outro.
Em todo brinquedo existe um campo no tempo e espaço que diferem da
esfera da realidade, na qual vivemos, entretanto não se pode supor que brincar não
faz parte da vida, pelo contrário. Neste espaço mágico também reinam os mesmos
sentimentos que permeiam nossa vida.
As diversas áreas do conhecimento humano tem pesquisado o assunto,
gerando importantes contribuições que ajudam a esclarecer como acontecem as
situações do brincar. Obviamente cada uma dessa áreas analisa sob diferentes
ângulos, havendo portanto, vários modos de interpretação. A psicologia se preocupa
com os significados que a brincadeira tem na formação da pessoa, observando cada
gesto e palavra, os quais trazem informações sobre o brincante. Assim, a brincadeira
reflete o modo como a criança vê o mundo e como ela pensa que poderia ser,
repetindo e reorganizando uma possível realidade que lhe pareça mais interessante.
A antropologia e a sociologia voltam seu interesse aos conteúdos da brincadeira que
mostram uma organização cultural, incluindo os mitos, os ritos, as relações de
autoridade, dentre outros. Nas artes, o brincar se aproxima do fazer artístico, já que
a arte propriamente dita (um quadro, um conto, uma música) se constrói a partir do
ato lúdico. Em todos os campos de saber, o brincar tem seu lugar de destaque.
Também na educação, o brincar tem sido estudado, especialmente como
instrumento pedagógico.
5.1. Intencionalidade X Objetivos Educacionais
Tendo em mente que o importante na situação lúdica é a intenção, a
motivação, e não atingir um objetivo determinado, surge a questão: como se pode
inserir atividades lúdicas visando atingir um resultado previamente determinado?
Se é fato que o brincar estimula a criança a desenvolver suas potencialidades
criativas e imaginativas, isto não significa que deva ser unicamente uma atividade
espontânea e não possa haver uma intervenção necessária por parte do educador,
no caso o orientador da atividade. Uma proposta que , inicialmente nada tenha de
lúdico, pode vir a ser transformada em brincadeira, dependendo da motivação dos
alunos, e uma considerável dose de criatividade e sensibilidade por parte do
educador. Assim, pode-se aprender brincando. “Educar é um ato de coragem e de
ousadia”. Só poderemos reconhecer uma criança se, nela, reconhecermos um pouco
da criança que fomos e que, de certa forma, ainda existe em nós”.(PEREIRA, E.T.
Prof.Música – Rev.Criança – 2002)
Vale lembrar, portanto, que a empatia é importante no processo. Ao educador
é interessante redescobrir e reconstruir o prazer no fazer lúdico, relembrando a
criança que foi, as brincadeiras do passado, ampliando o repertório de brincadeiras,
pode ser útil, mas sempre atento aos objetivos que se deseja alcançar, bem como
dos momentos adequados de pô-los em prática. Enfim, criatividade e sensibilidade
são atributos desejáveis para estabelecer essa necessária conexão entre
brincadeiras e aprendizagens escolares tradicionais.
Como já foi dito muito das experiências vividas são repetidas nas
brincadeiras, as quais refletem o modo peculiar das crianças lidarem com as
situações cotidianas. Grande parte da aprendizagem também se deve à imitação
dos adultos, se o adulto conserva o brincar no seu comportamento, provavelmente
isto servirá para aproximar os educadores das crianças, estreitando o vínculo e o
contato entre eles. Para possibilitar essa prática não é necessário radicalizar,
tornando-se os educadores demasiado infantis, nem cometer excessos nas
brincadeiras.
Deve-se estar atento para o fato de que o jogo só é jogo, quando leva em
conta a motivação da criança para o brincar, sendo o aprender decorrência do
processo. Muitas vezes o jogo educativo desvirtua a prioridade da brincadeira
direcionando-a ao produto final que é a aprendizagem de noções e habilidades
específicas.
O brincar deve então estar sempre presente na prática nos ambientes
escolares, principalmente, as que lidam com educação infantil, já que não somente
se apreende os conteúdos escolares, de forma mais espontânea e autêntica, mas
também lhes proporciona um melhor preparo para a vida.
5.2. Construção da Inteligência Reflexiva
Ao brincar a criança explora e expande o real. A partir daí pode desenvolver
capacidade de adaptação a novas situações. Isto pode ser entendido como
desenvolvimento da inteligência. No brinquedo geralmente a criança se porta como
se estivesse num nível acima do qual se encontra. “Como no foco de uma lente de
aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento de forma
condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento”
(VYGOSTKY, 1989:117). Logo o brinquedo funciona como semente para a criação
humana.
As atividades escolares não são consideradas interessantes. Entretanto,
quando se tornam um desafio, quando adequadas com seu nível de
desenvolvimento, induzem a criança a efetuar suas descobertas baseadas em suas
próprias hipóteses, e, certamente tornam-se bem mais gratificantes.
Quando o educador se propõe a levantar essas hipóteses, está
proporcionando oportunidades de reflexão. A intervenção é então necessária, ao se
criar um ambiente, onde a criança possa ser ativa, desenvolvendo suas próprias
atividades. Muitas vezes, a educação tradicional dificulta esse trabalho, entretanto, o
educador ciente destes benefícios encontra através de sua criatividade meios de
colocar estas idéias em prática, apesar de contar com poucos recursos disponíveis.
O brincar nos espaços educativos deve estar em constante reflexão dos
educadores, visando os objetivos educacionais. Se o objetivo da escola é formar
cidadãos autônomos, seguros de suas convicções, não conformistas e passivos,
logo deve-se criar um contexto apropriado para fazer florescer estes indivíduos
inteligentes, possuidores de senso crítico.
Este objetivo, portanto, deve estar inserido no cotidiano do professor, para
que ele possa atuar criativamente, levando em consideração os interesses e
motivações infantis.
É no brinquedo que encontramos este campo motivacional para a construção
da inteligência reflexiva e do conhecimento da criança.
Com base nestes princípios, a educação deve se voltar a formar pessoas com
espírito crítico, capazes de inovar, de transformar e elaborar, e não apenas de
reproduzir o que já foi feito pelas gerações anteriores.
5.3. Desafios para a inteligência infantil
São muitas as oportunidades oferecidas pelo espaço do brincar no ambiente pedagógico como:
- desenvolver a curiosidade e iniciativa de buscar novidades;
- buscar a novidade e situações onde se formem relações entre os objetos e
pessoas;
- desenvolver a confiança para imaginar coisas e situações (criatividade);
- desenvolver a confiança para expressar-se com segurança;
- inventar problemas e formular questões;
- desenvolver o respeito pelos sentimentos dos outros e o ponto de vista do outro;
- desenvolver a capacidade de elaboração de conceitos.
“Criar desafios para a inteligência da criança, levando em consideração seus
interesses e suas necessidades é importante para a construção do seu
conhecimento”. (MARANHÃO, 2001:54)
5.4. Sugestões Educacionais
Seguindo os princípios do desenvolvimento infantil, os educadores devem
estar atentos com relação ao brincar: - O brinquedo deve ser encarado como necessidade da criança; - A ação da criança está no princípio da expansão do imaginário; - O significado das palavras assume função primordial nas brincadeiras de faz-de-
conta; - A atividade da criança deve ser estimulada, não somente com informações mas
permitindo que ela busque o conhecimento; - Criação de uma atmosfera que favoreça a atividade da criança; - Deve-se oferecer tempo para uso de materiais, permitindo que se completem
atividades iniciadas espontaneamente; - O erro da criança deve ser respeitado, com sugestões de outros caminhos de
ação. - No conhecimento de objetos, as crianças devem ser encorajadas a encontrarem
respostas diretamente a partir da atividade com os objetos. - No conhecimento das relações dos objetos, evitar fornecer as respostas às
crianças (as respostas dadas pelas crianças devem ser aproveitadas, para formular novas questões);
- No conhecimento social, promover o debate sobre o tema abordado; - Privilegiar qualquer atividade individual ou em grupo; - Encorajar a construção de objetos ou representações; - Estimular o desenvolvimento das atividades artísticas; - Considerar a criança um ser integral (afetivo, social e cognitivo).
O papel do professor é fundamental para desmistificar a idéia de que ser criativo é um dom divino. Ele, o professor, exerce o papel de mediador privilegiado no processo ensino-aprendizagem, no crescimento do seu aluno e no desenvolvimento das suas habilidades criativas. (MARANHÃO, 2001:39)
Pode-se perceber então a riqueza e variedade dos benefícios gerados pela
utilização pedagógica dos jogos e situações lúdicas em sala de aula tanto para o
aprendente estimulando diversos aspectos desejáveis em sua conduta e
facilitadores da aprendizagem, e também aos docentes na forma de instrumento
valioso para auxiliar na transmissão e compreensão de novos conteúdos.
O processo ensino-aprendizagem está intimamente ligado às motivações do
educando. Logo suas necessidades e interesses devem ser levados em conta,
sendo de importância fundamental que as atividades propostas favoreçam as suas
capacidades de construção do conhecimento, de formação de idéias próprias e
originais sobre os fatos, expressão e criação de forma convicta.
É necessário ter em mente o objetivo prioritário da Escola o qual reside na
formação integral da personalidade tornando as pessoas cidadãos autônomos,
críticos, responsáveis e solidários.
6. BRINQUEDOTECA
A valorização do brinquedo gerou a brinquedoteca como instituição que
empresta brinquedos e oferece novos espaços para exploração lúdica. Surge na
Europa, por volta dos anos 60, penetrando no Brasil, na década de 80, voltando a
atenção para o brincar infantil. Como definição pode-se dizer que as mesmas tem
por função oferecer um espaço adequado para a criança poder brincar livremente,
bem como oferecer uma interação educacional, já que as crianças permanecem no
local por algumas horas.
A nível nacional, a brinquedoteca surgiu com peculiaridades específicas para
atender a demanda das crianças e famílias brasileiras. Conseqüentemente, ela hoje
é um agente de mudança dentro do campo da educação, por provocar reflexões, em
relação à forma de encarar a atividade infantil.
A própria essência da brinquedoteca se resume na valorização da atividade
lúdica infantil, que tem por conseqüência o respeito às necessidades afetivas da
criança. Resgata o direito à infância, salvaguardando a criatividade e
espontaneidade da criança, nestes tempos em que a tecnologia educacional de
massa monopoliza as atenções, senão massacra essas habilidades tão naturais ao
desenvolvimento sadio do indivíduo.
Fornecendo o espaço adequado para as brincadeiras, preservando espaço
para a criatividade, para a afetividade, cultivando a sensibilidade, nutrindo a alma
infantil por exercitar o respeito à condição de ser em formação, surge a
brinquedoteca para ressaltar, para valorizar a ação de brincar, transcendendo a
experiência visível para enxergar além, e poder reconhecer a grandeza do fenômeno
que é o brincar.
A criança de hoje é o adulto de amanhã, e como tal, toda a atenção, todo
investimento feito na área de educação influenciará a postura do novo cidadão, do
novo homem. Se impomos um passado, passando velhas teorias ultrapassadas,
não estaremos incentivando o olhar para o futuro que poderá moldar essa nova
personalidade desejada. Este futuro melhor, com menos injustiça social está
atrelado ao estabelecimento de novos valores, da formação de um bom conceito de
mundo pelas crianças, onde a afetividade/sensibilidade é considerada relevante, a
criatividade é estimulada e os direitos são respeitados. Cabe à brinquedoteca criar
espaços plenos desta forma, férteis para que se possa plantar e colher essa nova
geração muito mais humana.
6.1. Brincar Supervisionado
O filósofo Froebel introduziu os brinquedos e brincadeiras no jardim de
infância, bem como o brincar supervisionado, por acreditar que a criança necessita
de orientação para seu desenvolvimento, apesar de conceber o brincar como
atividade livre e espontânea. Este parece ser o paradoxo do uso de brinquedos com
finalidade pedagógica. Desta forma, os programas que seguem orientação
froebeliana permitem o uso concomitante de atividades orientadas e livres. Para
oferecer suporte à essas atividades passou-se a utilizar vários objetos geométricos
como blocos, cubos, bolas, anéis, esferas, cilindros, bem como outros utilizados em
tarefas criativas: argila, desenho, dobraduras, utensílios como papéis, tesouras,
pincéis, com o objetivo de treinar a destreza manual, entretanto as brincadeiras
simbólicas ficavam em segundo plano, nas quais predominava o livre brincar.
Segundo a literatura norte-americana, esses programas sugeriam ter a função
de introduzir a aprendizagem pré-escolar entre as classes mais desfavorecidas da
zona urbana. Assim, o jardim de infância surge para atender essa demanda de
crianças pobres, as quais aprendiam com maior facilidade através do brincar,
entretanto somente era considerado educação o brincar supervisionado, o qual
começa a surgir nas creches ainda no século XIX, na época da Guerra Civil, com
estímulo do Movimento de Assentamento das Famílias, pelo crescente aumento de
pobres urbanos, gerados por intensa imigração e deslocamentos sociais causados
pela industrialização.
Os paradigmas de então consideravam esse brincar “organizado” como o
método mais eficiente de produzir união ideológica e social em diferentes grupos
étnicos e classes sociais.
A expansão da metodologia dos dons e ocupações froebeliana, justificada
pela homogeinização da filosofia americana dos ideais da classe média e da elite
pelas classes populares teve como conseqüência deixar de lado o livre brincar,
porque havia uma crença de que os pobres necessitavam de orientação, direção,
controle e disciplina. Nesse caso, a pobreza justificaria o brincar desprovido de
quaisquer materiais, bem como a brincadeira supervisionada.
Diferentemente do que ocorreu na América do Norte, no Brasil do início da
República, uma vez que as concepções democráticas não estavam ainda bem
estabelecidas, os métodos froebelianos ficaram restritos à educação dos filhos da
elite. Aos filhos de operários resta a escola maternal com uma função assistencial.
Assim o brincar controlado tem estreita ligação com a classe econômica de seus
usuários, no início da industrialização em São Paulo.
6.2. Jardim de Infância x Escola Maternal
A palavra Kindergarten (jardim de infância) foi adotada por Froebel, no século passado, para designar instituições correspondentes ao tipo francês da escola maternal, abrangendo a educação e a assistência e destinando-se de preferência, à criança pobre. Os americanos distinguem geralmente a escola maternal do jardim de infância, entregando àquela as crianças de 2 a 3 anos e a este as de 4 a 6 anos. A terminologia do Código de Educação adotou esse exemplo. Contudo, o uso nosso é denominar jardim de infância a instituição que se preocupa exclusivamente com a educação froebeliana, reservando-se o nome de escola maternal à que educa e presta assistência. (SANTOS, S.M.P apud KISHIMOTO, 1988:39)
Entretanto, basicamente a classe social parece ser a referência de maior
distinção entre essas instituições. Como já foi mencionado filhos de operários
recebiam cuidados assistenciais nas escolas maternais, geralmente em período
integral, sem direito às atividades orientadas; os filhos da elite eram educados com
essas atividades nos jardins de infância, por meio período recebendo orientação
froebeliana.
6.3. Utilização dos brinquedos
A partir de novos estudos sobre os brinquedos, surgiram críticas sobre os
materiais froebelianos. Chegou-se a conclusão de que os dons e atividades
froebelianas propiciavam atividades sedentárias, sem desenvolver os grandes
músculos, os quais precedem a manipulação. Passou-se a utilizar blocos de
construção maiores e leves, acessórios para brincadeiras de faz-de-conta e animais
como novas formas de suporte para brincadeiras. Essa mudança no uso dos
materiais gerou a necessidade de adequar os materiais aos espaços reservados à
brincadeira para contribuírem com o desenvolvimento físico, emocional, social e
moral, sem perder de vista a peculiaridade do livre brincar. No Brasil essa
preocupação entre a associação dos materiais e espaços não se fez sentir de forma
significativa.
Logo, a proposta do livre brincar como opção voltada às classes populares
recebe o apoio governamental nos programas de educação. Conseqüentemente
acontece a adoção do brincar livre desvinculado de materiais e espaços específicos
adequados às crianças.
Entretanto, o brincar livremente , embora desejável torna-se utópico, uma vez
que não há alternativas que substituam esses mesmos materiais e espaços. Ocorre
a pretensão de que a criança se desenvolva a partir do que existe na instituição,
muitas vezes quase nada. Grandes salões, espaços vazios internos e externos
destinados a tais brincadeiras livres acabam favorecendo correrias e empurrões
desestruturados. Os brinquedos existentes, muitas vezes, frutos de doações não
possibilitam a elaboração de diversas brincadeiras. Quando há a aquisição de
brinquedos, em geral são inadequados ao tipo e uso dos mesmos. (Vide quadro
anexo) Observa-se predomínio de brinquedos destinados ao desenvolvimento
cognitivo como blocos lógicos, encaixe e classificação em detrimento daqueles
destinados ao desenvolvimento cognitivo e à representação simbólica. Nas creches,
onde existem berçários, percebe-se a falta de brinquedos para a primeira infância.
Os brinquedos aparecem mais como decoração do que como suporte ao
desenvolvimento motor dos pequenos. Móbiles pendurados no alto, nas paredes,
longe do olhar e da mão das crianças. Ou seja, são objetos puramente decorativos,
sem atender à função específica do brinquedo, que é a de dar suporte para as
brincadeiras.
Observa-se ainda, o oposto, pré-escolas particulares em sobrados, com salas
pequenas, abarrotadas de mesinhas, para receber cerca de 20 crianças, dificultam a
reorganização do espaço físico com a introdução de brinquedos e cantos para
brincadeiras. A brinquedoteca, criada em alguma sala disponível surge como opção
para sanar essas dificuldades e simultâneamente assegurar a orientação dos
conteúdos.
Entretanto, muitas escolas preparam atividades dirigidas por professores,
selecionando brinquedos educativos ou delimitando o tipo de brinquedo que pode
ser usado pela criança. O brincar, enquanto recurso para desenvolvimento da
autonomia infantil deixa de ser utilizado dessa forma.
A concepção de brincar como forma de desenvolver a autonomia das crianças requer um uso livre de brinquedos e materiais, que permita a expressão dos projetos criados pelas crianças. Só assim, o brincar estará contribuindo para a construção da autonomia. (SANTOS, 1997:35-36)
6.4. Questões pertinentes à reflexão
Algumas preocupações a serem levadas à reflexão constante por parte dos
profissionais que consideram a importância da introdução do lúdico na educação
infantil:
- Estabelecer a discussão acerca da interação criança-criança e criança-adulto
através da brincadeira.
- Pensar acerca do papel do adulto como representante da cultura, responsável
pela educação infantil.
- Analisar o significado de determinados objetos do mundo cultural para o
desenvolvimento infantil. (Ter cuidado com preconcepções)
- Estudar a real possibilidade de construção do conhecimento a partir de
brinquedos e brincadeiras.
- Refletir sobre o provável desenvolvimento da linguagem, bem como se as
brincadeiras em grupo realmente socializam as crianças, estabelecendo a
compreensão das regras.
- Perceber se a expressão da representação mental por parte das crianças
colaboram com seu desenvolvimento.
- Analisar quais tipos de brinquedos são mais adequados à cada faixa etária.
- Estudar a melhor forma de introduzir brinquedos e brincadeiras dentro de
propostas pedagógicas.
Enfim, encarar o brincar como restrito simplesmente ao play-ground, ou a
salas de brinquedotecas demonstram a fragilidade com que este importante assunto
vem sendo tratado, ou seja, o quanto o brincar ainda está dissociado de uma
proposta pedagógica que incorpore o lúdico como preponderante do trabalho infantil.
CONCLUSÃO
No decorrer deste trabalho, foi enfocada a atividade lúdica infantil presente
em todas as fases do desenvolvimento, ressaltando as características próprias de
cada etapa. Conclui-se que o papel do brincar é muitas vezes subestimado pelos
pais, pela família, por educadores e até mesmo por autoridades pedagógicas, cujos
conhecimentos deveriam levá-los a aproveitar o potencial criativo que a imaginação
e atividade do ato de brincar exerce na vida e na estruturação da personalidade do
indivíduo, bem como no aproveitamento de suas inteligências.
Através da brincadeira, a criança toma conhecimento do mundo, dos objetos
ao seu redor, de como através de ações simples e corriqueiras, porém obrigatórias
do dia a dia, desenvolve a coordenação motora, aprende a conviver em sociedade, e
ao passar às brincadeiras conjuntas, desenvolve o espírito de equipe e a
solidariedade. Ajuda a elaborar medos e tensões, além de treinar e preparar as
crianças para exercer seus futuros papéis como cidadãos, pais e trabalhadores,
influenciando ainda na formação de valores éticos e morais. O conhecimento das
motivações que geram a escolha de determinadas brincadeiras, bem como a
compreensão dos sentimentos presentes durante essas atividades podem levar a
conscientização do papel “formador” do brinquedo.
Enfim, a atividade lúdica está presente em todas as etapas da vida da
criança, anterior e posterior à inserção na escola, sofrendo modificações de acordo
com a evolução do indivíduo, reduzindo com a proximidade da puberdade, a qual
marca o início da fase adulta, onde ele aplicará muitos conhecimentos treinados e
desenvolvidos na brincadeira, e onde demonstrará ainda o humor que marcou sua
infância.
A importância do ato de brincar não se restringe somente à infância, por
influir na personalidade do indivíduo, a psicanálise considera os acontecimentos
mais remotos da vida como responsáveis pela sanidade mental da pessoa, ou seja,
criança feliz significa quase sempre adulto feliz, equilibrado, bem adaptado. Este
assunto não pode ser tratado de forma simplista, por haver inúmeras situações de
crise próprias da vida adulta, entretanto a experiência parece mostrar que, em geral,
esta regra parece ser verdadeira. Deve estar claro que a felicidade da criança está
em primeiro lugar condicionada à satisfação de suas necessidades básicas e
afetivas, para que em seguida possa ser ressaltada a conscientização da
importância do brinquedo, do ato de brincar em geral, o qual é a atividade
preponderante infantil, a qual como um espelho reflete o modo de ação e os
comportamentos que o indivíduo adotará na fase adulta.
É na infância que depositamos nossas esperanças de mudança, de
transformação social e moral. A criança de hoje é o adulto de amanhã, ou seja,
quanto mais feliz ela for, quanto mais suas necessidades forem atendidas e
respeitadas, maior será a probabilidade de ter um futuro melhor, de se tornar uma
pessoa sadia psicologicamente e realizada em todos os sentidos. Se este objetivo
for alcançado em massa, a sociedade no futuro tenderá a ser mais equilibrada,
reduzindo a violência e injustiça social.
SUGESTÕES DE BRINQUEDOS
FAIXA
ETÁRIA
ATIVIDADE PRINCIPAL BRINQUEDOS SUGERIDOS
0 A 18 meses
Manipular objetos (atividade
oral ou manual)
Explorar (apertar botões e
mover alavancas)
Encaixar objetos
Compreender situações
Chocalhos, brinquedos para
martelar e empilhar, brinquedos
flutuantes, blocos com ilustrações,
brinquedos com guizo interno.
Móbiles, brinquedos de puxar e
empurrar, quadro colorido e sonoro
de engrenagens com botões e
manivelas.
Copos e caixas que se encaixam
umas nas outras, blocos e argolas
para empilhar.
Livros de rima, ilustrações e
estribilhos, brinquedos musicais e
com guizo. Telefone de brinquedo.
18 a 36 meses
Dirigir veículos
Manipular objetos
Organizar cenários para as
brincadeiras
Imitar outros seres ou pessoas
Solucionar problemas
Cavalinho de pau, triciclos, carrinho
de mão, carrinho de boneca.
Objetos para caixa de areia
(baldes, pás, formas, etc.), blocos
de formas e tamanhos diferentes,
bolas.
Caixa de areia, água, mobiliário e
utensílios proporcionais ao
tamanho da criança.
Representar objetos
Construir objetos/relacionar
objetos semelhantes
Fantasias, animais de pelúcia,
fantoches.
Quebra-cabeças simples, jogos de
construção com peças grandes.
Argila e massa de modelar, giz-de-
cera grande, quadro-negro e giz,
tinta para pintar com os dedos,
instrumentos musicais.
Trens, carrinhos, serviços de chá,
blocos.
36 meses a 6
anos
Criar cenários para brincar e
ambientes
Movimentar-se no espaço
Compreender os meios de
comunicação
Fantasias, fantoches e teatrinhos.
Telefone e relógio de brinquedo.
Casinha de brinquedos e
brinquedos para brincar de
casinha. Homenzinhos (soldados,
heróis, etc.). Garagem, posto de
gasolina e carrinhos.
Fazendinha, autorama e ferrorama
simples. Lego.
Triciclos maiores, equipamentos de
ginástica para play-ground.
Discos e toca-discos, livros para
colorir, cadernos de desenho, livros
de história.
Fonte: Adaptação do Guia dos Brinquedos e do Brincar – Fundação Abrinq
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CRIANÇA - Revista do professor de educação infantil. Brasília – DF. Novembro
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REVISTA DO PROFESSOR Porto Alegre: Julho a Setembro de 2002 – Ano XVIII –
nº. 71