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ATIVIDADE DO BRINCAR, EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E PROTAGONISMO INFANTIL: A COMPLEXIDADE DA ROTINA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Daniela Gomes de Moura Melo (SEEDF) Débora Cristina Sales da Cruz Vieira (SEEDF) Genilce Sousa Cardoso (SEEDF) Andréia dos Santos Gomes Vieira (SEEDF) Este painel pretende colaborar com a discussão sobre a complexidade da rotina pedagógica da Educação Infantil, enfocando diferentes olhares e ações pedagógicas. Nesse sentido, assumimos a rotina pedagógica na Educação Infantil como organização espaço-temporal oposta ao caráter exclusivamente normativo composto por práticas ritualísticas do cotidiano escolar. A presente proposta apresenta três pesquisas concluídas realizadas por professoras pesquisadoras da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal no curso de Especialização em Docência na Educação Infantil da Universidade de Brasília que se alinham na compreensão de que as rotinas pedagógicas são organizações espaço-temporais que interferem na constituição do sujeito como mediadora da cultura escolar; são recortes de uma realidade social e cultural na qual a instituição está inserida; trazem concepções pedagógicas embutidas na sua própria constituição. O primeiro trabalho “Brincadeiras de criança: a atividade do brincar na rotina da Educação Infantil” analisa situações da atividade do brincar presentes na rotina pedagógica de uma turma de 1º período da Educação Infantil, enfocando a brincadeira como atividade-guia no desenvolvimento das crianças. O segundo trabalho “Sutilezas de criança: a experiência estética de crianças com literatura na rotina da Educação Infantil” analisa a experiência estética expressa nas narrativas e registros gráficos de crianças sobre o projeto de leitura “Senta que lá vem história” de uma instituição pública de Educação Infantil do Distrito Federal, apontando uma proposta de organização do trabalho pedagógico com enfoque na literatura infantil. O terceiro trabalho “As crianças falam: a rotina pedagógica da sala de aula na perspectiva de crianças” analisa percepções de crianças de uma instituição pública de Educação Infantil acerca da rotina pedagógica em que estão inclusas durante o período escolar, apontando a necessidade de que os docentes considerem o protagonismo infantil na elaboração e implementação de rotinas pedagógicas. Palavras-chave: Educação Infantil. Rotinas Pedagógicas. Prática docente. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 776 ISSN 2177-336X

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ATIVIDADE DO BRINCAR, EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E PROTAGONISMO

INFANTIL: A COMPLEXIDADE DA ROTINA PEDAGÓGICA NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Daniela Gomes de Moura Melo (SEEDF)

Débora Cristina Sales da Cruz Vieira (SEEDF)

Genilce Sousa Cardoso (SEEDF)

Andréia dos Santos Gomes Vieira (SEEDF)

Este painel pretende colaborar com a discussão sobre a complexidade da rotina

pedagógica da Educação Infantil, enfocando diferentes olhares e ações pedagógicas.

Nesse sentido, assumimos a rotina pedagógica na Educação Infantil como organização

espaço-temporal oposta ao caráter exclusivamente normativo composto por práticas

ritualísticas do cotidiano escolar. A presente proposta apresenta três pesquisas

concluídas realizadas por professoras pesquisadoras da Secretaria de Estado de

Educação do Distrito Federal no curso de Especialização em Docência na Educação

Infantil da Universidade de Brasília que se alinham na compreensão de que as rotinas

pedagógicas são organizações espaço-temporais que interferem na constituição do

sujeito como mediadora da cultura escolar; são recortes de uma realidade social e

cultural na qual a instituição está inserida; trazem concepções pedagógicas embutidas na

sua própria constituição. O primeiro trabalho “Brincadeiras de criança: a atividade do

brincar na rotina da Educação Infantil” analisa situações da atividade do brincar

presentes na rotina pedagógica de uma turma de 1º período da Educação Infantil,

enfocando a brincadeira como atividade-guia no desenvolvimento das crianças. O

segundo trabalho “Sutilezas de criança: a experiência estética de crianças com literatura

na rotina da Educação Infantil” analisa a experiência estética expressa nas narrativas e

registros gráficos de crianças sobre o projeto de leitura “Senta que lá vem história” de

uma instituição pública de Educação Infantil do Distrito Federal, apontando uma

proposta de organização do trabalho pedagógico com enfoque na literatura infantil. O

terceiro trabalho “As crianças falam: a rotina pedagógica da sala de aula na perspectiva

de crianças” analisa percepções de crianças de uma instituição pública de Educação

Infantil acerca da rotina pedagógica em que estão inclusas durante o período escolar,

apontando a necessidade de que os docentes considerem o protagonismo infantil na

elaboração e implementação de rotinas pedagógicas.

Palavras-chave: Educação Infantil. Rotinas Pedagógicas. Prática docente.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

776ISSN 2177-336X

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BRINCADEIRAS DE CRIANÇA: A ATIVIDADE DO BRINCAR NA ROTINA

DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Daniela Gomes de Moura Melo – Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal

(SEEDF)

Débora Cristina Sales da Cruz Vieira - Secretaria de Estado de Educação do Distrito

Federal (SEEDF)

A prática pedagógica na Educação Infantil privilegia a organização do ambiente escolar

por meio de rotinas pedagógicas, sendo defendida por uns e repudiada por outros. As

rotinas pedagógicas são constituídas por concepções, crenças, questões ideológicas e de

personalidade próprias de cada educador. Porém, é inegável a presença da atividade do

brincar na rotina pedagógica da Educação Infantil. A brincadeira se constitui atividade-

guia no desenvolvimento das crianças pequenas e é o objeto de estudo do presente

artigo. O aporte teórico sobre a atividade do brincar está fundamentado na psicologia

histórico-cultural (ARCE 2006, ELKONIN 2006, PRESTES 2010, TUNES 2001,

VIGOTSKI 2008) e em (BARBOSA 2006) sobre as rotinas pedagógicas. O presente

artigo trata-se de uma pesquisa qualitativa de abordagem etnográfica e caráter

interpretativista (BORTONI-RICARDO 2008) cujo objetivo é analisar situações da

atividade do brincar presentes na rotina pedagógica de uma turma da Educação Infantil.

A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de Educação Infantil do Distrito

Federal localizada numa cidade satélite na região periférica do Distrito Federal. Os

sujeitos participantes da pesquisa foram uma turma de 1º período, composta por 21

crianças com a faixa etária entre 4 e 5 anos de idade e a professora regente. Os

instrumentos utilizados foram: observação participante com gravação de áudio e vídeo e

registros do diário de campo. Observamos que na organização da rotina pedagógica da

instituição de Educação Infantil pesquisada foram promovidas atividades diversificadas,

pois na diversidade de espaços que as crianças interagiram foram oportunizadas a

brincadeira, a aprendizagem e o de desenvolvimento das crianças. Ressaltamos ainda

que a atividade do brincar constitui-se atividade-guia na infância, por promover as

“revoluções” no desenvolvimento infantil, de acordo com a psicologia histórico-

cultural. A atividade do brincar, enquanto produção simbólica, promove a interação

social das crianças por meio da aquisição de ferramentas culturais via linguagem oral na

rotina da Educação Infantil.

Palavras-chave: Educação Infantil. Rotina pedagógica. Atividade do brincas

Introdução

A prática pedagógica na Educação Infantil privilegia a organização do ambiente

escolar por meio de rotinas pedagógicas, sendo defendida por uns e repudiada por

outros. As rotinas pedagógicas são constituídas por concepções, crenças, questões

ideológicas e de personalidade próprias de cada educador. Porém, é inegável a presença

da atividade do brincar na rotina pedagógica da Educação Infantil. A brincadeira se

constitui atividade-guia no desenvolvimento das crianças pequenas e é o objeto de

estudo do presente artigo.

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As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010)

preconizam que as práticas pedagógicas devem ter como eixos norteadores as interações

e a brincadeira. Sendo que estas farão parte das experiências vivenciadas de maneira

integrada pelas crianças segundo a proposta curricular da instituição. Segundo o mesmo

documento, a proposta pedagógica da Educação Infantil deve se constituir em três

princípios: éticos, políticos e estéticos. A observação da rotina pedagógica de uma

instituição de Educação Infantil nos permite perceber se estes princípios fazem parte da

organização da proposta pedagógica.

O presente artigo trata-se de uma pesquisa qualitativa de abordagem etnográfica

e caráter interpretativista (BORTONI-RICARDO 2008) cujo objetivo é analisar

situações da atividade do brincar presentes na rotina pedagógica de uma turma da

Educação Infantil. A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de Educação

Infantil do Distrito Federal localizada numa cidade satélite na região periférica do

Distrito Federal.

Os sujeitos participantes da pesquisa foram uma turma de 1º período, composta

por 21 crianças com a faixa etária entre 4 e 5 anos de idade e a professora regente. Os

instrumentos utilizados foram: observação participante com gravação de áudio e vídeo e

registros do diário de campo.

Rotinas pedagógicas na Educação Infantil

Rotina é uma categoria pedagógica que os responsáveis pela Educação Infantil

estruturam para, a partir dela, desenvolver o trabalho cotidiano nas instituições de

Educação Infantil. (BARBOSA, 2006 p.35). Contudo, a rotina apresenta a possibilidade

de constituir uma identidade da instituição de Educação Infantil, explicitando o

atendimento da educação e do cuidado. De certo modo, a rotina sintetiza o projeto

pedagógico e a proposta de ação docente, funcionando muitas vezes como cartão de

visitas da escola, Barbosa (2006). Segundo essa autora, com a rotina o professor

organiza essencialmente o tempo para atendimento dos alunos, elencando as atividades

mais significativas e atendendo as necessidades dos alunos. As rotinas podem ser vistas

como produtos culturais criados, produzidos e reproduzidos no dia a dia, tendo como

objetivo a organização da cotidianeidade, Barbosa (2006).

Sendo cultural, a rotina de uma escola é também um recorte de uma realidade

social e cultural na qual a instituição está inserida. As rotinas trazem concepções

pedagógicas embutidas na sua própria constituição. Portanto, a observação da sua

construção e do comprometimento dos atores envolvidos no seu cumprimento se tornam

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fundamentais para organização, tendo em vista o risco de se tornarem uma prática

alienante. As críticas ao trabalho com rotina, tratando-a como prática ritualística,

reforçam como prática alienante. Além disso, a rotina apresenta relações com outras

manifestações humanas tais como rituais, aos hábitos e às tradições e a ideia de

repetição, com caráter normatizador. Estes aspectos, sobretudo a repetição e

normatização recuam em relação ao novo e nem sempre deixam espaço para a reflexão.

As rotinas podem tornar-se uma tecnologia de alienação quando não

consideram o ritmo, a participação, a relação com o mundo, a realização, a

fruição, a liberdade, a consciência, a imaginação e as diversas formas de

sociabilidade dos sujeitos nela envolvidos; quando se tornam apenas uma

sucessão de eventos e pequenas ações, prescritas de maneira precisa, levando

as pessoas a agir e a repetir gestos e atos em uma sequência de procedimentos

que não lhes pertence nem está sob seu domínio. (BARBOSA, 2006 p.39)

Por outro lado, o valor estruturante da rotina confere uma ordem para a

experiência confusa da criança, ajuda-a a orientar-se, quando transforma a experiência

de viver em um mundo que é, ao menos em parte previsível e, consequentemente, mais

tranquilo e seguro, Barbosa (2006). A criança inserida em uma rotina com essa

qualidade apresenta estabilidade emocional e favorece a interação com o ambiente

escolar.

Na palavra rotina, está embutida uma noção de espaço e de tempo, pois a rotina

trata de uma rota de deslocamentos espaciais conhecidos previamente e de uma

sequência que ocorre com determinada frequência temporal, afirma Barbosa (2006).

Dessa forma podemos observar que a rotina pedagógica é “um elemento estruturante da

organização institucional e de normatização da subjetividade das crianças e dos adultos

que frequentam os espaços coletivos de cuidados e educação” (BARBOSA, 2006, p.

45).

Barbosa (2006) aponta os elementos constitutivos da rotina como: o uso do

tempo, a organização do ambiente, a seleção e as propostas de atividades; a seleção e a

oferta de materiais. Estes definem o modo de pensar e de prescrever uma rotina,

apresentando sua função padronizadora. Os usos do tempo sempre se fizeram presentes

no universo da educação. Escolano (apud Barbosa, 2006) afirma que a subdivisão dos

tempos escolares, apresenta um conjunto de valores culturais e sociais que define e

institui um discurso pedagógico determinado, ou seja, não é uma decisão neutra. Este,

relata que a escola, infantil ou não com suas repetições, com seus ritmos e durações

ensinam a “aprendizagem da ordem do tempo.”. O conceito de construção do tempo, se

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configura como um conceito que necessita de muito “tempo” para ser desenvolvido,

com uma série de vivências para ser apropriado pela criança.

A duração das atividades aparece na rotina sempre relacionadas à hora do

relógio, sobretudo as atividades que envolvem espaços coletivos. Seria este o melhor

modo de organizar o ambiente escolar? Um recurso utilizado pelos educadores da

Educação Infantil para marcar a transição de uma atividade para outra é o uso de

canções, acompanhadas de gestos ou não, Barbosa (2006). “O espaço físico é o lugar do

desenvolvimento de múltiplas habilidades e sensações e, a partir da riqueza e

diversidade, ele desafia permanentemente aqueles que o ocupam” (BARBOSA, 2006, p.

120). A autora afirma que a organização do ambiente é fundamental na constituição do

sujeito por seu caráter mediador cultural. Para as crianças pequenas, sua importância é

ampliada, devido ao tempo de permanência das mesmas nas instituições.

Contudo, é necessário explorar o outro lado da rotina, que a cada dia oferece a

oportunidade de novas aprendizagens, de fazer as mesmas coisas de modo diferenciado,

de estabelecer vínculos com os pares adultos e crianças, nesta jornada do saber, relata

Barbosa (2006).

É possível pensar a rotina sob a forma de um cotidiano, prestando atenção às

práticas, os motivos pelos quais se fazem as coisas de um jeito ou de outro,

criar contrapoderes, mudar a vida. Para isso é preciso sair da visão

adultocêntrica, que “sabe o que é melhor para as crianças”, e estabelecer novas

relações entre adultos e crianças, não pautadas por visões essencialistas, mas

sim pela ideia de que se está permanentemente reconstruindo com as práticas

de vida. (BARBOSA, 2006, p.205)

Na organização da rotina de Educação Infantil, o professor necessita promover

atividades para o desenvolvimento da oralidade, incentivando sempre que possível a

interação verbal em sua turma. A oralidade permeia toda a rotina, se tornando um

elemento de expressão dos sujeitos envolvidos na prática pedagógica, estabelecendo

vínculos entre os mesmos. Um dos momentos do cotidiano das turmas de Educação

Infantil, onde a oralidade se manifesta livremente é na hora de brincar.

Brincando e aprendendo na Educação Infantil

A brincadeira é uma recordação real, ou seja, ela é mais uma memória do que a

criança vive, do que a imaginação por si só. (Vigotski, 2008) A brincadeira de faz de

conta ocupa um lugar privilegiado no universo infantil. Vigotski (2008) afirma que a

brincadeira não deve ser relacionada ao princípio do prazer, pois existem situações que

proporcionam mais satisfação à criança, como sugar uma chupeta e alguns jogos

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esportivos trazem insatisfação às crianças quando perdem, ficando frustradas, situações

como estas trazem descontentamento.

Um aspecto importante da discussão sobre a atividade do brincar, pois é

indiscutível como a criança satisfaz seus desejos com a brincadeira e como há

especificidades de interesses para cada faixa etária, o que atrai um bebê não atrai uma

criança maior e vice-versa.

A criança brinca sem estabelecer um plano de desenvolvimento das ações. E é

ao longo da brincadeira que, combinando situações vividas ou histórias

ouvidas, a criança começa a compreender (tomar consciência) as relações que

existem entre os mais diferentes fenômenos. Isso reflete-se diretamente em sua

capacidade de criar e tem uma importância fundamental para o

desenvolvimento mental. (PRESTES, 2010, p. 7).

Na dinâmica da brincadeira, surgem as regras implícitas, pertinentes aos papéis

estabelecidos, as ações e diálogos que fazem parte deste momento de criação da criança

e tem uma forte importância para o desenvolvimento mental. O caráter simbólico da

brincadeira, se desfaz por não ser abstrato, ou seja, a brincadeira se utiliza de elementos

da realidade, situações vividas, para ampliar para as situações imaginárias.

Segundo Prestes (2010), a brincadeira não tem tempo nem espaço determinado

para acontecer, pois a invenção e a regulação é de autoria da criança, ou seja, ela decide

como, quando e onde vai acontecer a brincadeira. É um espaço de liberdade, mesmo que

ilusória, mas é um espaço de construção de identidade, pois se apoia em elementos da

vida real e do cotidiano da criança. A brincadeira é uma atividade livre e a regulação

nas ações devem ocorrer por meio das outras crianças brincantes.

O papel do adulto na brincadeira se revela de suma importância. Tunes (2001)

afirma que o interesse da criança por determinado objeto, passa pelo interesse que ela

percebe que o adulto tem por este objeto. O adulto “inicia” a criança na brincadeira de

faz de conta, quando brinca com ela, atribuindo significado a determinados objetos. A

atividade de brincar de faz de conta é um microcosmo da cultura na qual a criança está

inserida.

O significado do brincar para o desenvolvimento mental da criança nessa idade

tem muitos aspectos. O mais importante encontra-se no fato de que, no brincar, a

criança assume o papel do adulto, o trabalho e as funções do adulto na sociedade.

(ELKONIN 2009). A criança ao brincar representa o mundo que a cerca, assumindo os

papéis que ainda pertencem somente ao adulto e neste movimento, se desenvolve

mentalmente, criando e recriando com sua imaginação. Tunes (2001) afirma que a

criança brinca por necessidade.

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Os mamíferos são seres sociais, devido à necessidade dos filhotes ficarem mais

tempo sob cuidados maternos, tendo necessidade de toque, carícias e contato físico com

outras pessoas. O bebê tem interesse pelos objetos à sua volta e pelo adulto, que tem

papel primordial na transição da atenção da criança da pessoa para o objeto, o interesse

da criança pelos objetos é socialmente constituído. Ao envolver-se com os objetos, a

criança tenta repetir o que os demais fazem, Tunes (2001). Apenas quando a criança

inaugura a fase do faz-de-conta, consegue atribuir valor a brinquedos que imitam

objetos da vida real, no período anterior a este, tais brinquedos não despertam seu

interesse, pois somente os objetos reais utilizados pelos adultos o fazem.

O importante papel do adulto como promotor da aquisição de novas formas

culturais de uso dos objetos. Ao inaugurar novas possibilidades de atenção da

parte da criança, o adulto acaba por desencadear novos processos

motivacionais na criança, outros movimentos dela em direção ao mundo ao seu

redor. (TUNES, 2001, p.7)

Procedimentos metodológicos

A pesquisa qualitativa procura entender e interpretar os fenômenos sociais

inseridos num contexto, sem buscar possíveis causas ou consequências para os

acontecimentos, nem ter generalizações sobre os fatos. Esta pesquisa qualitativa de

abordagem etnográfica e caráter interpretativista (BORTONI-RICARDO 2008) tem

como objetivo analisar situações vividas da atividade do brincar presentes na rotina de

uma turma da Educação Infantil.

A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de Educação Infantil do

Distrito Federal localizada numa cidade satélite na região periférica do Distrito Federal.

Os sujeitos participantes da pesquisa foram uma turma de 1º período, composta

por 21 crianças (onze meninos e dez meninas) com a faixa etária entre 4 e 5 anos de

idade e a professora regente. Os nomes das crianças e da professora são fictícios para

preservar a identidade dos sujeitos.

O processo empírico teve duração de seis semanas, período em que foram

construídos os dados dessa pesquisa. Os instrumentos utilizados foram as observações

participantes com gravação de áudio e vídeo, diário de campo, entrevista

semiestruturada realizada com a professora e também dinâmica conversacional.

E as crianças? Fazem o quê? Elas brincam!

Na observação do cotidiano da de Educação Infantil, a brincadeira se constituiu

parte essencial da rotina das crianças, pois a principal forma de expressão das crianças é

o brincar. E quando as crianças brincam? Basicamente o tempo todo, pois todo e

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qualquer tempo livre é o utilizado por elas para brincar e elas criam as mais diversas

brincadeiras: jogos musicais, brincadeiras com o corpo, com as mãos, com os pés,

jogos imaginários e até mesmo com amigos imaginários. Observar as crianças

brincando é observar a maneira como elas veem e compreendem o mundo, o brincar é

uma atividade-guia da criança. Descreveremos algumas situações da atividade do

brincar observadas na rotina da turma pesquisada.

Parque: espaço-tempo de liberdade do movimento e da imaginação

Quando as crianças foram brincar no parque de areia, a professora relembrou os

combinados da turma sobre como utilizar os brinquedos do parque e as crianças

escolhiam como brincar nesse espaço. Percebemos que elas não só brincaram com a

areia, mas também brincavam de mamãe e filhinha, faziam de conta que eram cachorros

e iam passear com seus donos, faziam de conta que a areia era dinheiro ou comidinha,

enfim, elas aproveitavam o tempo e brincavam com o material que tinham disponíveis

(baldes, pás, peneiras, rastelos e forminhas) e também ressignificavam os brinquedos ao

utilizá-los para outras funções como panela e prato para fazer comida.

A brincadeira caracteriza-se por uma atividade espontânea, livre, na qual a

criança trabalha, estabiliza e ressignifica o que já conhece, interiorizando de

forma criativa e elaborando de forma particular o mundo a sua volta, suas

emoções, ou seja, construindo o seu “eu” na relação com o outro. (ARCE,

2006, p. 103)

No diálogo abaixo podemos perceber como a imaginação permeia toda a

situação da brincadeira. Desde a separação de papéis até ao material utilizado na

atividade do brincar.

1. Gabriela - Vamos brincam de mamãe e filhinha?

2. Amanda - Vamos!

3. Janaína - Eu posso brincar também?

4. Gabriela - Pode sim. Pega aqui esse dinheiro para ir ao mercado!

(Responde a pergunta entregando areia para Janaína.)

5. Janaína - E é prá comprar o quê?

6. Gabriela - Bolo.

Pudemos observar as crianças brincando de mamãe e de filhinha, onde a criança

assume o papel de mãe e recria situações que vive em casa, o modo que a mãe cuida

dela, que cuida da comida e de todas as coisas da casa. Isso acontece também quando

elas brincam de escola onde uma criança é a professora e as outras crianças são os

alunos e que acabamos por nos rever nas atitudes das crianças ao brincar. Quando as

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crianças estão brincando de escola, elas imitam até os gestos que a professora faz, usam

as mesmas palavras para dar aula e fazer as atividades com os colegas, o que nos mostra

claramente como as crianças enxergam os adultos.

É importante ressaltar que a brincadeira não é uma atividade instintiva da

criança, mas objetiva, enquanto atividade na qual a criança se apropria do mundo real

dos seres humanos (ARCE 2006). A autora explica que na psicologia histórico-cultural,

a brincadeira é compreendida por ações reais e sociais e por meio delas apreende a

realidade.

A fantasia, a imaginação, que é um componente indispensável à brincadeira

infantil, não tem a função de criar para a criança um mundo diferente do

mundo dos adultos, mas sim de possibilitar à criança apropriar-se do mundo

dos adultos a despeito da impossibilidade de a criança desempenhar as mesmas

tarefas que são desempenhadas pelo adulto. (ARCE, 2006, P. 108)

Outra situação observada no parque retrata Mateus sentado na areia e parecia

estar digitando alguma coisa, pois executava o mesmo gesto de uma pessoa que está

sentada à mesa utilizando um computador. Segue o breve diálogo entre a criança e a

pesquisadora:

1. Pesquisadora - O que você tá fazendo aí?

2. Mateus - Trabalhando tia!

3. Pesquisadora - Trabalhando de quê?

4.Mateus - No computador né...(

5.Pesquisadora - Então tá, vou deixar você trabalhar.

É interessante que durante as observações pude perceber que as crianças se

interessavam mais por essas brincadeiras de faz de conta, de representar papéis do que

brincar propriamente com os brinquedos disponibilizados. Na realidade, os brinquedos

eram acessórios da brincadeira do que a brincadeira propriamente dita e que as crianças

inventavam e reinventavam brincadeiras.

Amigos para sempre: a criação coletiva de uma brincadeira

Outro episódio observado retratou a capacidade das crianças da turma em

inventarem e reinventarem brincadeiras durante períodos aparentemente ociosos na

rotina da Educação Infantil.

Geralmente, após terminar o lanche, a professora Margarida saía com sua

turma para que as crianças pudessem ir ao banheiro e também beber água. Ela

pedia para as crianças esperarem sentadas enquanto os colegas iam ao banheiro

e bebiam água. Nesse momento, as crianças ficavam sentadas como foi pedido,

mas os pequenos grupos se formavam: algumas meninas brincam de Adoleta,

outras cantam música e um grupo maior, formado de meninos e meninas

brincam de “Amigos para sempre”. A brincadeira “Amigos para sempre”

consistia em colocar uma parte do corpo no centro da roda e levantar a parte do

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corpo falando “Amigos para sempre”. Nos primeiros dias das observações, as

crianças brincavam revezando mão e pé no centro da roda. Nos últimos

encontros, elas já inovavam falando para colocarem a cabeça no centro da roda

e depois foi o ombro. As crianças aproveitaram o tempo livre para criar e

recriar uma brincadeira inventada por elas e que ajudava as crianças a

perceberem as partes do seu corpo. (NOTAS DO DIÁRIO DE CAMPO, maio

de 2015)

As crianças criaram a brincadeira e as regras que constituíam a atividade, sendo

que essas regras poderiam ser flexibilizadas ou mudadas pelo próprio grupo. Elkonin

(2009, p.243) explica que durante a brincadeira “surgem regras internas não escritas,

mas obrigatórias para os que jogam, provenientes do papel e da situação lúdica” ou seja,

quanto mais desenvolvido for o jogo, maior é o número de regras internas.

Além das brincadeiras espontâneas e das atividades realizadas nos diferentes

espaços da escola, as crianças brincavam em atividades dirigidas com a professora

como: as cantigas de roda como a 'Linda Rosa Juvenil' e também brincavam com o jogo

da memória gigante. O objetivo desses jogos gigantes é proporcionar que as crianças

conheçam as regras do jogo e como brincar, para depois jogarem nos pequenos grupos,

dando a oportunidade para as crianças ensinarem umas às outras.

Considerações finais

Observamos que na organização da rotina pedagógica da instituição de

Educação Infantil pesquisada foram promovidas atividades diversificadas, pois na

diversidade de espaços que as crianças interagiram foram oportunizadas a brincadeira, a

aprendizagem e o de desenvolvimento das crianças.

Ressaltamos ainda que a atividade do brincar constitui-se atividade-guia na

infância, por promover as “revoluções” no desenvolvimento infantil, de acordo com a

psicologia histórico-cultural. A atividade do brincar, enquanto produção simbólica,

promove a interação social das crianças por meio da aquisição de ferramentas culturais

via linguagem oral na rotina da Educação Infantil.

Referências bibliográficas

ARCE, Alessandra. A brincadeira de papéis sociais como produtora de alienação no

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. IN: ARCE, Alessandra e

DUARTE, Newton (orgs.). Brincadeira de papéis sociais na educação infantil:

contribuições de Vigotski, Leontiev e Elkonin. São Paulo: Xamã, 2006.

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Secretária de Educação Básica-

Brasília, DF: MEC, 2010.

ELKONIN, Daniil B. Psicologia do jogo. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo:

Editora WMF Martins Fontes, 2009.

TUNES, Elizabeth e TUNES, Gabriela. A brincadeira, o adulto e a criança. In:

Revista Em Aberto, v.18, nº 73, p. 78-88, jul. 2001

PRESTES, Zoia Ribeiro. A escolarização da brincadeira de faz-de-conta. 2010,

mimeo.

VIGOTSKI, Lev Semionovitch. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento

psíquico da criança. Tradução do russo e prefácio de Zoia Ribeiro Prestes. Revista

Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais. COOPE/UFRJ, junho/2008.

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SUTILEZAS DE CRIANÇA: A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA DE CRIANÇAS

COM LITERATURA NA ROTINA DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Genilce Sousa Cardoso – Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal

(SEEDF)

O contato com a literatura infantil pode promover ricos encontros, momentos de

interação, despertar o gosto pela leitura e contribuir significativamente para

desenvolvimento integral das crianças. Quando pensamos em uma proposta pedagógica

ancorada na literatura infantil como eixo organizador não podemos deixar de destacar o

valor das experiências vividas e construídas no decorrer dos menus oferecidos e

saboreados nos espaços escolares da Educação Infantil. Assim, proporcionar

experiências em que a arte literária seja de fato saboreada pelas crianças na Educação

Infantil, contribui para o desenvolvimento integral das crianças. Esta pesquisa pretende

analisar a experiência estética expressa nas narrativas e registros gráficos de crianças

sobre o projeto de leitura “Senta que lá vem história”. O aporte teórico deste trabalho

está fundamentado em (ABRAMOVICH 1991, MACHADO E ROCHA 2011,

VIGOTSKI 2003) sobre literatura infantil e experiência estética. É uma pesquisa

qualitativa de abordagem etnográfica e caráter interpretativista (BORTONI-RICARDO

2008), foi realizada em uma instituição pública de Educação Infantil do Distrito Federal.

Os sujeitos participantes da pesquisa foram um grupo de nove crianças com faixa etária

entre 5 e 7 anos de idade. Os instrumentos utilizados para a construção das informações

foram as rodas de conversa e os registros pictóricos realizados pelas crianças nas rodas

de conversa. Os registros pictóricos revelaram a experiências estética que cada história

proporcionou às crianças. Destacamos que uma rotina com o trabalho pedagógico

desenvolvido a partir da literatura infantil possibilita a vivência de uma diversidade de

experiências que despertam sentidos e significados distintos para cada sujeito.

Experiências essas que tenham a missão de nos paralisarem e ao mesmo tempo nos

mobilizarem, que nos ofereçam a oportunidade de parar para olhar e olhar de novo,

proporcionando uma aprendizagem significativa.

Palavras-chave: Educação Infantil. Rotina pedagógica. Experiência estética.

Introdução

A literatura infantil pode provocar uma descoberta do mundo, ela tem a magia

de contribuir significativamente, desvendando horizontes de possibilidades através da

literatura oral ou da literatura escrita, podemos conhecer a história das culturas, o modo

como elas foram sendo repassadas de geração para geração. Segundo Coelho (2000,

p.15) “É ao livro, à palavra escrita, que atribuímos a maior responsabilidade na

formação da consciência de mundo das crianças e dos jovens.”

Este artigo é um recorte da monografia “Senta que lá vem história”: narrativas

da experiência estética de adultos e crianças apresentada como trabalho de conclusão

de curso da Especialização em Docência na Educação Infantil pela Universidade de

Brasília. É uma pesquisa qualitativa de abordagem etnográfica e caráter interpretativista

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(BORTONI-RICARDO 2008), tem como objetivo analisar a experiência estética

expressa nas narrativas e registros gráficos de crianças sobre o projeto de leitura “Senta

que lá vem história”.

A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de Educação Infantil do

Distrito Federal localizada em região periférica do Distrito Federal. Os instrumentos

utilizados para a construção das informações foram as rodas de conversa e os registros

pictóricos realizados pelas crianças. Os sujeitos participantes da pesquisa foram um

grupo de nove crianças com faixa etária entre 5 e 7 anos de idade.

Sabores da escola

A escola é um lugar que precisa ser preparado pelo professor de forma a

incentivar, aguçar, provocar e estimular as crianças a embarcarem na viagem ao mundo

encantado e divertido que as histórias podem oferecer. Como nos coloca Abramovich

(2004, p.18) “[...] contar uma história é uma arte... é tão linda! É ela que equilibra o que

é ouvido com o que é sentido. As histórias podem nos oferecer uma infinidade de

riquezas entre as principais; ler por prazer e ainda inúmeras aprendizagens. Assim, antes

de apresentarmos para as crianças, devemos conhecer a história, perceber que tipo de

emoção ela nos proporcionou e permitir que as crianças deixem exalar suas emoções ao

ouvir as histórias.

É importante que o educador seja um leitor ativo, que conheça as histórias que

serão contadas, assim poderá envolver, encantar, ter brilho no olhar, provocar a

imaginação, se emocionar. Enfim, tem que fazer com que seja um momento de

encantamento e gostosura. O professor poderá fazer uso das diversas técnicas para

contar as histórias, apenas com livro nas mãos, ou de forma espontânea, dramatizar,

memorizar, usar dedoches, fantoches, filmes, etc. É fundamental e enriquecedor que o

professor diversifique as estratégias para aguçar o interesse e fascinar o leitor/ouvinte

para ele se torne um leitor ativo.

A esse respeito as autoras afirmam:

É fundamental que a escola seja um ambiente propício a uma

sensibilização para a leitura, a uma intimidade maior com bons

textos, a uma leitura de qualidade. E isso é muito difícil porque tal

prática não faz parte da formação do professor. Então como o

professor vai sozinho conseguir fazer isso se, ao longo de seus anos

de estudo, ele mesmo não foi estimulado para a leitura como

deveria? (MACHADO E ROCHA, 2011, p.38)

Hoje as instituições de ensino são espaços privilegiados para promover uma boa

leitura, porém é necessário organizar o trabalho pedagógico, garantindo aos estudantes

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o acesso às leituras que façam sentido. A esse respeito Machado e Rocha (2011, p.34)

nos convidam a refletir “[...] Em vez lerem algo que alimente o espírito, ficar lendo

“chiclete’: mastigam, mastigam , mastigam e não recebem alimento algum.” E para

alimentar cada vez mais o universo de leitores, é necessário incentivar desde muito

pequeno e depois com a Educação Infantil que é um momento fértil, rico em

curiosidades, onde explosões de descobertas surgem, momento onde a criança se forma,

se conhece melhor.

A literatura dada para essas crianças pequenas seja bem rica- no sentido de

fazer referência a muitas coisas, de sair dos assuntos mais comuns, mais

piegas e mais óbvios para assuntos diferentes, ou que explore m assuntos

inusitados do trivial. (MACHADO E ROCHA, 2011, p.39)

É relevante que a literatura infantil disponibilize elementos que contribuam e

sejam importantes para formação dos pequenos. As histórias podem estimular a criança

a ter coragem, a defender e lutar pelos seus direitos, a reclamar, fazer suas escolhas,

provocar uma aproximação com a situação narrativa.

Ela acaba propiciando a todos nós como bagagem para levar pela vida, numa

busca pelo sentido da vida, além de todo o aprofundamento que permite, é

essa formação de repertório de experiências variadas de outras pessoas em

outras situações, que são os personagens.” (MACHADO E ROCHA, 2011, p.

43)

Apesar desse caminho tão rico que a literatura infantil pode proporcionar temos

um caminho a percorrer e garantir que as crianças experimentem cada vez mais as

gostosuras que as histórias podem oferecer. Gostosuras essas, onde a fantasia, a

imaginação, o faz-de-conta, o fantástico, o mágico, o maravilhoso, o poético poderão

nos levar por lindas viagens, valiosas aprendizagens e doces descobertas.

As rotinas que convidam a ficar

Quando pensamos nas rotinas para as crianças pequenas como espaços e

ambientes aconchegantes e acolhedores, estamos convidando os pequenos a ficarem e

experimentarem as gostosuras e bobices que cada espaço e cada ambiente pode

proporcionar dentro propostas pedagógicas. A rotina é uma ação utilizada pelos

responsáveis da Educação Infantil para organizar o trabalho diário nas instituições da

Educação Infantil. Os espaços e ambientes que acolherão e promoverão as

aprendizagens das crianças são ações pedagógicas essenciais e evidenciam as

concepções de educação e cuidados, a rotina demonstra como são concebidos dentro do

espaço pedagógico. A esse respeito Barbosa (2006, p. 35) nos diz que, “É possível

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afirmar que elas sintetizam o projeto pedagógico das instituições e apresentam a

proposta de ação educativa dos profissionais.”

A organização da rotina foi um ponto relevante para estruturação do projeto

“Senta que lá vem história”, as contribuições dessa organização são essenciais para as

conquistas que se alcançam com o projeto. As rotinas são organizações espaço-

temporais que interferem na constituição do sujeito, por ser um mediador da cultura

escolar. O planejamento para cada espaço-tempo requerer cuidados especiais, pois

apresentam diversos significados e provocações que são percebidas pelas crianças

pequenas de diferentes maneiras. Segundo Oliveira (2011, p. 196). “[...] as pesquisas

são claras em demonstrar a importância da significação que a criança pequena empresta

ao ambiente físico, que pode lhe provocar medo ou curiosidade, irritabilidade ou calma,

atividade ou apatia.”

Assim, nenhum espaço é neutro no que diz respeito ao comportamento humano,

especialmente os sujeitos que nele estão envolvidos. A esse respeito Oliveira (2001, p.

196) nos propõe a refletir “Indivíduos que habitam o mesmo ambiente diferem em seus

atributos e assumem comportamentos que também são diferentes”. Cada sujeito é

tocado de uma maneira única e isso poderá refletir no seu desenvolvimento. Para isso,

faz necessário pensarmos e planejarmos uma proposta pedagógica que contribua

significativamente para que se possibilite o movimento e a interação nos espaços e

ambientes.

A organização da rotina acaba por revelar como se estruturam a proposta

pedagógica da instituição, como nós educadores entendemos a infância. Barbosa (2006,

p. 122) acrescenta “A organização do ambiente traduz uma maneira de compreender a

infância, de entender seu desenvolvimento e o papel da educação e do educador.”

Tecer experiências, memórias e narrativas

Quando pensamos em uma proposta pedagógica ancorada com a literatura

infantil como eixo organizador. Não podemos deixar de destacar o valor das

experiências vividas e construídas no decorrer dos espaços escolares da Educação

Infantil.

Experiências que façam sentido e sejam despidas dos excessos. As experiências

tecidas com o projeto “Senta que lá vem história” revelam por meio das narrativas que

literatura infantil tem elementos que enriquecem as experiências e as memórias, nos

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possibilitando entender o mundo, as relações, as diferentes culturas, a reorganizar

nossos sentimentos e emoções.

Segundo Bondía (2002):

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer

um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que

ocorrem: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar

mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar, parar para sentir,

sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender

o juízo, suspendera vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a

atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos

acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro,

calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (BONDÍA, 2002, p.24)

Experiência acolhida e vivida de maneira significativa, paralisante e ao mesmo

tempo pulsante, que o sujeito da experiência tenha disponibilidade para se deixar

conduzir apreciando cada momento que as experiências podem provocar. Segundo

Bondía (2002, p. 25) “É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem

nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o

afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre.”

O sujeito da experiência se arrisca, traz os medos na bagagem, mas também

muita coragem e uma variedade de possibilidades que poderão conduzi-lo por caminhos

diversos. Segundo Bondía (2002, p.25) “O sujeito da experiência tem algo desse ser

fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo-se

nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião.”

As memórias são preciosidades que enriquecem e eternizam o que foi

experienciado, elas podem contribuir para que sejamos mais criativos, mais ousados,

possibilitam que compartilhemos as experiências através das narrativas. A respeito da

memória Benjamin (2012, p.227) nos diz, “A memória é a faculdade épica por

excelência. Somente uma memória abrangente permite à poesia épica apropriar-se do

curso das coisas [...]”.

Vivenciar uma variedade de experiências significativas poderá contribuir para

que a memória também abarque uma diversidade de possibilidades que permita o

sujeito tecer novas conquistas. Segundo Bruner (2014, p.103) “Por meio da narrativa

nós construímos, reconstruímos, e de alguma forma reinventamos o ontem e o amanhã.

Memória e imaginação amalgamam-se nesse processo.”

As narrativas são expressões de cultura carregadas de significados que nos

constituem. Vamos alinhavando gestos, movimentos, falas, ações, sonhos, enfim, vamos

entrelaçando histórias. Tecendo narrativas que podem nos levar por lugares

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desconhecidos, a trocar experiências, edificar laços de coletividade, manter tradições e

também atribuir novos significados.

De acordo com Girardello (2003):

Durante a narração, a troca não ocorre apenas no plano da linguagem, mas

também através do ar: pelo sopro compartilhado em que vibra a voz de quem

fala no ouvido, de quem escuta, pelo calor físico gerado pelos gestos de quem

conta e de quem reage, pela vibração motriz involuntária- arrepios, suspiros,

sustos. (GIRARDELLO, 2003, p. 2)

As narrativas possibilitam que as experiências sejam partilhadas e continuem

vivas na memória, possibilitando que novos caminhos sejam trilhados com novas cores

e significados.

Procedimentos metodológicos

A pesquisa qualitativa foi a abordagem metodológica selecionada como

percurso, uma vez que, a proposta da pesquisa qualitativa busca construir sentidos e

significados sobre o tema. Logo, este trabalho é uma pesquisa qualitativa de abordagem

etnográfica e caráter interpretativista (BORTONI-RICARDO 2008), na qual o

pesquisador está inserido no espaço de pesquisa e produz suas interpretações sobre as

informações geradas no processo empírico.

A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de Educação Infantil do

Distrito Federal localizada em região periférica do Distrito Federal. A escola funciona

em sistema de rodízio de espaços externos, com atividades em dois tempos fora e dentro

de sala, sendo duas horas e meia em cada tempo, assim outros espaços foram criados

para atender esse diferencial.

Os instrumentos utilizados para a construção das informações foram as rodas de

conversa que foram gravadas e posteriormente foram transcritas, selecionadas e

analisadas, e os registros pictóricos realizados pelas crianças durante a realização das

rodas de conversa. Os sujeitos participantes da pesquisa foram um grupo de nove

crianças com faixa etária entre 5 e 7 anos de idade. Os nomes das crianças são fictícios e

foram escolhidos pelas próprias crianças pela questão ética do processo empírico.

Assim, optamos por analisar quatro registros pictóricos produzidos pelas

crianças durante as rodas de conversa com intuito de analisar através dos registros as

experiências estéticas que foram vividas por elas de maneira mais significativa.

Durante as rodas de conversa com as crianças foram oferecidos elementos que

pudesse avivar as memórias tais como: vídeos, fotografias, fantasias e livros que

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fizeram parte das histórias contadas durante o projeto “Senta que lá vem história” em

2014.

Sutilezas de crianças

As experiências que são expressas pelas crianças, trazem memórias diferentes

das que são observadas nos adultos. A esse respeito,

Sabemos que a experiência da criança é bem mais pobre do que a do adulto.

Sabemos, ainda, que seus interesses são mais simples, mais elementares, não

possuem a complexidade, a sutileza e a multiplicidade que distinguem o

comportamento do homem adulto e que são fatores importantíssimos na

definição da atividade da imaginação. (VIGOTSKI, 2009, p.44)

Porém, não podemos deixar de considerar a criança como um sujeito único, que

tem maneira singular de lidar com a aprendizagem e necessita ser respeitado dentro de

suas potencialidades e particularidades.

A pouca experiência vivida pelas crianças não pode ser vista como barreira para

as nossas observações e ações para as crianças que estão em processo constante e

dinâmico de desenvolvimento. Segundo o autor,

Toda a experiência da criança ainda tem um caráter instável, não-acabado e

não-elaborado e, portanto, toda nova recordação será, até certo ponto,

deformada e inexata. Apesar de toda a sua boa intenção e desejo, a criança

não está em condições de reproduzir exatamente todos os detalhes de sua

experiência real. Sempre ocorrerá uma involuntária tergiversação dos

detalhes, porque a criança não se percebeu ou porque os inventou sob a

influência do sentimento. (VIGOTSKI, 2003, p.156)

As rodas de conversa das crianças foram permeadas de valiosas experiências,

mas destacamos a musicalidade, a imaginação e criatividade que foram expressas pelas

crianças nas narrativas, gestos, expressões e os registros pictóricos feitos pelas crianças

durante as rodas de conversa.

As crianças no momento que reviviam as histórias através dos elementos que

foram oferecidos pareciam voltarem naqueles dias de contação. A cada história, uma

melodia embalava os lábios, cada um com seu canto possibilitou que as narrativas e os

registros das experiências fossem compartilhados.

A musicalidade propiciou que as histórias fossem cantadas. Na contação de

histórias, a presença da musicalidade contribuiu para o despertar das memórias, frescor

às lembranças e embalou os lábios e fez o corpo todo reviver as experiências vividas

com o projeto. Segundo Bergmann e Torres (2009, p.197), unir “[...] histórias e

músicas, possibilita ao aluno explorar sua autonomia, desenvolvendo e exercitando sua

memória, seu raciocínio, sua capacidade de percepção e sua criatividade”.

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Sempre que uma imagem de alguma história surgia, Capitão América, sempre

com brilho no olhar cantarolava uma música que embalou a história. E todos

começavam a cantar juntos, foi impossível não se arrepiar e reviver tantas emoções

sentidas. “Camaleão foi se casar com uma calça sem botão chegando lá na igrejinha a

calça dele caiu no chão, segura meu bem segura, segura o seu calção.” (Música

brinquedo cantado para a história “Bom dia todas as cores” da autora Ruth Rocha).

Segundo Pederiva (2013, p.185) “[...] que a música, em seu estágio primário, elementar

é igualmente o veículo comunicativo de expressão das emoções.”

A musicalidade presente nas contações de história se revelou extremamente

enriquecedora e contribuiu para que as memórias fossem recordadas. Ela serviu de fio

condutor aproximando as crianças das imagens, transformando e enriquecendo as

experiências já vividas pelas crianças.

A musicalidade expressa pelas crianças durante as rodas de conversa contribuiu

significativamente para o despertar das memórias, estabeleceu interações entre os

sujeitos propiciou prazer em relembrar experiências vividas com projeto “Senta que lá

vem história!” A imaginação e criatividade caminharam lado a lado e através dos

registros podemos observar e refletir sobre a beleza desenhada e revelada em cada traço.

Os registros pictóricos possibilitam que criança reorganize suas vivências,

supere desafios e conquiste novas possibilidades de aprendizagens.

O desenho infantil sempre é um fato educativamente prazeroso, ainda que às

vezes também seja esteticamente feio. Ele sempre ensina a criança a dominar

o sistema de suas vivências, a vencê-las e superá-las e, segundo uma

excelente expressão, ensina a psique a se elevar. (VIGOTSKI, 2003, p. 236).

Os momentos dos registros realizados pelas crianças foram instantes

enriquecedores durante toda pesquisa, pois elas interagiam entre si com uma

cumplicidade que só poderia ser experimentada por quem de fato participou ativamente

dos momentos das contações de histórias com o projeto “Senta que lá vem história”.

As experiências estéticas vividas pelas crianças foram registradas em forma de

arte com os registros pictóricos, cada um à sua maneira escolheu a história/contação que

mais se identificou. O registro pictórico da Juju apresenta elementos da história

'Charalina'.

Figura 1 - Registro pictórico de Juju ( 7 anos)

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Fonte: material empírico

Com muitas cores e delicadeza da criança durante seu registro recontava a

história nomeando os elementos presentes na história. Sua imaginação deu asas a sua

criatividade, expressões dos olhos e bocas representados em cada utensílio revelaram

que fantasia e imaginação têm papel de destaque nos registros das crianças. “A chaleira

ficou velha, a velhinha jogou ela no quintal, ai entrou um sapo, choveu muito e entrou

muita terra nela, ai nasceu flores”(Juju, na roda de conversa).

As crianças, apesar da sua pouca experiência com a imaginação, utilizam o que

foi vivido com mais confiança e ousadia. A esse respeito Vigotski (2009. p. 46), “A

criança é capaz de imaginar bem menos do que um adulto, mas ela confia mais nos

produtos de sua imaginação e os controla menos” Sendo assim, a criança se lança e dá

asas à sua imaginação vivendo o irreal e o inventado de maneira muito intensa.

A Tetê em seu registro trouxe uma brincadeira cantada “Quando eu era nenê”,

dramatizada durante as contações por professores e alunos.

Figura 2 - Registro pictórico de Tetê (7 anos)

Fonte: material empírico

Uma brincadeira cantada carregada de significados possibilitou a criança a

passar por todas as fases da vida sem deixar de ser uma criança. O real e o imaginário se

entrelaçaram o tempo todo. Enquanto registrava, Tetê e o Capitão América

cantarolavam, gargalhavam e fazia gestos representando os personagens registrados:

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“Quando era nenê eu era assim, quando era criança eu era assim...”, e assim cuidaram

para que nenhum personagem fosse esquecido. Segundo Smolka, 2009, p.106 “[...] um

movimento da criança se torna gesto significativo e como esse gesto, passível de ser

uma escrita no ar, pode se fixar no papel.” Um bailar feito no ar e registrado no papel.

Em meio a muitas gargalhadas das crianças colaboradoras da pesquisa, o

Homem Aranha teceu seu registro, por entre os galhos a sua imaginação e criatividade

foram brotando, nos possibilitando vivenciar em sua companhia as traquinagens daquele

macaco sapeca que roubava e comia as bananas da pobre velha, mas depois de um belo

castigo aprendeu lição.

Figura 3 - Registro pictórico do Homem Aranha (5 anos e 7 meses)

Fonte: material empírico

Fonte: material empírico

A explicação do desenho: "Tia Nice, foi a história mais engraçada que ouvi, por

isso escolhi. Quando a velhinha caiu no poço foi legal”. “O macaco está no meio das

árvores olhando a velha”. (Capitão América, roda de conversa)

Os registros e as narrativas das crianças nos possibilitaram ver através dos olhos

delas, a cada detalhe que elas registraram nos oportunizaram perceber os momentos

mais significativos vividos por elas. A Lelê optou pela história “Menina bonita do laço

de fita” da autora Ana Maria Machado.

Figura 4 - Registro pictórico de Lelê (5 anos e 5 meses)

Fonte: material empírico

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O registro traz momentos únicos e impregnado de significado, podemos observar

pela expressão dos dois personagens, o Coelhinho e a Menina Bonita. A criatividade e a

imaginação estampada na cena do registro revela as observações carregadas de

sentimentos e emoções feitas pela criança, aqui representadas tão nitidamente nas

expressões faciais dos personagens. As experiências que foram vividas pelas crianças a

cada contação contribui para nutrir a memória com criatividade e imaginação.

O instante em que a Lelê revelou sua escolha pela história foi imediato a

presença musicalidade novamente e todos em coro embalaram seus lábios com a

melodia “Menina bonita do laço de fita qual é seu segredo pra ser tão pretinha?”.

Todos começaram a cantarolar e representavam com gestos momentos

significativos da história, “Ah! Quando eu era pequena comia muita jabuticaba, o

coelho foi lá e comeu jabuticaba, não ficou pretinho, fez cocozinho de cabrito.” Eles

imitavam o coelho como se estivessem fazendo os cocozinhos, a presença marcante do

faz de conta, são elementos imprescindíveis para que as crianças re-criem suas

vivências cotidianas.

Diante das experiências estéticas vividas pelos sujeitos colaboradores da

pesquisa no projeto “Senta que lá vem história”, podemos destacar as preciosidades que

cada história traz consigo. Quando temos a oportunidade de conviver diariamente com

as contações de histórias, percebemos que não somos mais os mesmos de antes, somos

atravessados e tocados e provavelmente vivenciaremos uma diversidade de experiências

estéticas que poderão nos formar e nos transformar de maneira significativa.

Considerações finais

Com a realização da pesquisa podemos destacar as possibilidades

proporcionadas pela literatura infantil. O contato com a literatura poderá proporcionar

ricos encontros, momentos de interação, despertar o gosto pela leitura e contribuir

significativamente para desenvolvimento e aprendizagens mais prazerosas.

A literatura infantil pode ser apreciada dentro do contexto familiar onde a

criança poderá ter seu primeiro contato com as gostosuras oferecidas pela literatura

infantil e a escola lugar que precisa ser preparado pelo professor de forma a incentivar,

aguçar, provocar e estimular as crianças a embalarem no mundo encantado e divertido

que as histórias podem oferecer.

Destacamos que uma rotina com o trabalho pedagógico desenvolvido a partir da

literatura infantil possibilita a vivência de uma diversidade de experiências que

despertam sentidos e significados distintos para cada sujeito. Experiências essas que

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tenham a missão de nos paralisarem e ao mesmo tempo nos mobilizarem, que nos

ofereçam a oportunidade de parar para olhar e olhar de novo, proporcionando uma

aprendizagem significativa.

Referências bibliográficas

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BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Por amor e por força: rotinas na Educação

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BONDÍA, Larossa Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista

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_______________. Apresentação e comentários SMOLKA, Ana Luiza. Tradução

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AS CRIANÇAS FALAM: A ROTINA PEDAGÓGICA DA SALA DE AULA NA

PERSPECTIVA DE CRIANÇAS

Andréia dos Santos Gomes Vieira – Secretaria de Estado de Educação do Distrito

Federal (SEEDF)

Este artigo é parte de uma pesquisa sobre rotinas pedagógicas realizada como trabalho

de conclusão do curso de Especialização em Docência na Educação Infantil pela

Universidade de Brasília. Considerando as rotinas pedagógicas como categoria central

na Educação Infantil, como produtos e produtoras de conhecimentos, ideias, princípios,

condutas, compartilhados em um contexto específico, organizando e orientando práticas

docentes. O presente trabalho tem como objetivo compreender as percepções das

crianças acerca da rotina pedagógica em que estão inclusas durante o período escolar.

Temos como aporte teórico em rotinas pedagógicas (ALMEIDA 2011, BARBOSA

2006, BATISTA 2003). Este estudo utilizou a abordagem qualitativa de base

exploratória, por considerar mais apropriada as particularidades da pesquisa. Os sujeitos

participantes deste estudo foram 10 crianças com faixa etária entre 5 e 6 anos,

estudantes da turma na qual a pesquisadora é regente, em uma instituição pública de

Educação Infantil do Distrito Federal. O instrumento utilizado foi um roteiro de

entrevista semiestruturada aplicado às crianças e gravado em áudio. A análise dos dados

foi realizada com base na análise do conteúdo Bardin (2004). Diante das informações,

inferimos que as crianças participantes perceberam a rotina escolar como uma sequência

de atividades, elaboradas pela professora, e pontuaram que todos os dias algumas

atividades são fixas e poucas são as mudanças, porém, também identificam

diversificação nas atividades. Para as crianças, a brincadeira está muito presente na

rotina pedagógica, como a atividade mais apreciada. Essa importância dada ao brincar é

ressaltada quando a brincadeira emerge como atividade principal na efetivação da rotina

pedagógica, indicando ainda evidências de como a aprendizagem pode se desenvolver

na escola ao indicar que se aprende brincando.

Palavras-chave: Educação Infantil. Rotina pedagógica. Protagonismo infantil.

Introdução

A organização do trabalho pedagógico é norteada por uma série de fatores que

guiam as propostas educativas, entretanto são as escolhas dos professores, alimentadas

pelas próprias ideias e por suas concepções, a base para o trabalho desenvolvido

diretamente com as crianças. Entre os elementos fundantes da organização do trabalho

pedagógico na Educação Infantil, destacamos as rotinas pedagógicas, objeto de estudo

desta pesquisa e questão central na Educação Infantil.

Embora ainda restritas as pesquisas sobre o tema, o aporte teórico de Barbosa

(2006), Batista (2003) e Almeida (2011), contribuem para o debate acerca das rotinas

pedagógicas, apresentando a necessidade de analisar e refletir as rotinas pedagógicas

das quais vivenciam cotidianamente adultos e crianças em instituições educacionais de

Educação Infantil.

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799ISSN 2177-336X

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As rotinas pedagógicas na Educação Infantil têm se mostrado cada vez mais

presentes na organização do trabalho pedagógico, não apenas como organizadoras da

práxis educativa, mas também como produtora e produto de conhecimentos, ideias e

comportamentos que são disseminados e reproduzidos entre os envolvidos com a

educação das crianças pequenas.

Como categoria pedagógica na Educação Infantil, tendo em vista sua significativa

presença no trabalho pedagógico, sistematizando o trabalho das instituições, as rotinas

engendram pensamentos, ações e práticas, produzem e reproduzem a cultura de um

grupo escolar específico, tornando-se referência dentro da unidade educativa.

No processo organizacional do trabalho pedagógico, o professor tem papel crucial

na articulação dos elementos constitutivos da organização pedagógica. É por meio de

suas ações e consequentemente da sua intencionalidade pedagógica, que podem ser

favorecidas ou não, as aprendizagem das crianças e seus processos de interação.

Compreendendo que são as crianças conjuntamente como seus professores que

vivenciam a rotina pedagógica diariamente em seu cotidiano escolar, ouvir as

percepções das mesmas durante o processo de pesquisa, tornou-se crucial.

Barbosa (2006) define as rotinas pedagógicas como: “produtos culturais criados,

produzidos e reproduzidos no dia a dia, tendo como objetivo a organização da

cotidianeidade.” (p.37). Diante desse conceito, optamos por nortear nosso estudo a

partir do seguinte questionamento: Quais são as percepções das crianças acerca das

rotinas pedagógicas em que estão inclusas?

Na busca por responder essa questão de pesquisa, estabelecemos como objetivo

compreender as percepções das crianças acerca das rotinas pedagógicas em que estão

inclusas durante o período escolar.

Para o alcance do objetivo, este estudo foi realizado na perspectiva da abordagem

qualitativa de base exploratória. O instrumento utilizado foi uma entrevista

semiestruturada, registrada em áudio, onde as crianças puderam colocar suas impressões

acerca da rotina pedagógica vivenciada. A análise dos dados foi realizada com base nos

princípios da análise do conteúdo de Bardin (2004), cuja enfoque permitem ao

pesquisador utilizar o tratamento das mensagens inferindo conhecimentos sobre o

emissor e elaborando suas interpretações acerca da codificação dos dados gerados.

Foram sujeitos participantes da pesquisa um grupo composto por dez crianças

com a faixa etária entre de 5 e 6 anos, estudantes da turma na qual a pesquisadora é

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regente, em uma instituição pública de Educação Infantil do Distrito Federal localizada

em uma Região Administrativa situada na região periférica do Distrito Federal.

As Rotinas Pedagógicas no campo da Educação Infantil

A Educação Infantil foi marcada em sua trajetória por diferentes concepções, e

as práticas pedagógicas recorrentes ao atendimento das crianças pequenas estiveram, ao

longo dos anos, atreladas a compreensão de criança e infância da sociedade e ainda,

vinculadas ao lugar que a criança ocupava dentro desta em seus diferentes momentos

históricos.

No campo educacional por anos as rotinas pedagógicas permearam o campo da

Educação Infantil, embora não exatamente com o termo rotina pedagógica mas,

utilizando-se de outras denominações como: horário, sequência de ações, entre outros,

cujo sentido se indica para o modo pelo qual se organizava o tempo pedagógico e o

trabalho cotidiano a ser realizado com as crianças.

Embora pareça um tema relativamente recente, mais visível em propostas

contemporâneas e apontado por alguns autores como uma categoria com poucas

pesquisas teóricas e necessária ascensão acadêmica, os estudos de Barbosa (2006)

indicam que em textos de Rousseau (1712-1778), Pestalozzi (1746 - 1827), Froebel

(1782-1852) e Montessori (1870 -1952), embora não se apresentassem a nomenclatura

rotinas pedagógicas, essas se faziam presentes nas propostas idealizadas de

moralização, hábitos, atividades de vida diária e socialização, conceitos que ainda estão

presentes nas propostas escolares contemporâneas da Educação Infantil.

Para Barbosa (2006) algumas práticas surgidas nas escolas foram incorporadas

pelas creches e pré-escolas e podem auxiliar na compreensão da organização do

trabalho nestas instituições. São exemplos delas:

"[...] as classificações das crianças por grupos etários, a separação ou a

classificação das crianças por critérios de bons e maus, inteligentes e

deficientes, a ideia de que a cada grupo etário corresponde uma parte do

conteúdo; a repetição como estratégia de aprendizagem; a tutela e a

infantilização das crianças; a normatização dos alunos; o saber escolar como

algo desconectado da realidade social e política; o monopólio do professor no

planejamento e na organização dos cursos; a ideia de neutralidade e de

objetividade dos conhecimentos escolares; a organização do espaço

(rigidamente ordenado e regulamentado) e do tempo (com recortes) como

modos de disciplinarização e a educação moral, como falar baixo, sentar-se

corretamente, ficar imóvel por longos períodos de tempo ,etc." (BARBOSA,

2006, p. 67)

Do exposto podemos perceber que ao longo de sua trajetória as rotinas foram se

constituindo em diferentes momentos históricos e em diferentes campos da sociedade

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até chegar ao âmbito educacional, e embora as creches e pré-escolas não fizessem parte

do sistema educacional a priori, foram influências pela concepção social dominante.

No contexto brasileiro ainda são poucos os estudos e pesquisas relacionados a

prática pedagógica das rotinas, tendo em vista a centralidades dessas nos contextos das

instituições educativas da infância. Entretanto buscamos em Barbosa (2006), Almeida

(2011) e Batista (2003) pressupostos teóricos que pudessem subsidiar nosso trabalho.

Almeida (2011) relata que as culturas infantis são múltiplas que devida a

diversidade de suas experiências e vivências, as rotinas pedagógicas não podem se

centrar em um único modelo de rotinas, indicando que essas devem variar entre de

acordo como contexto sócio histórico de atuação e as crianças da qual se trabalha.

Para tanto, há de se desenvolver uma postura que implique em:

Conhecer os espaços de ação, as crianças com as quais trabalhamos, a

realidade social em que a Instituição está inserida, os recursos que estão

disponíveis e aqueles que podem ser adquiridos para trabalhar. Além disso, é

preciso criar alternativas que viabilizem a participação das famílias, para que

o coletivo da Instituição possa – de fato – organizar as rotinas de trabalho,

sempre lembrando que elas podem ser alteradas, à medida que são vividas no

dia a dia da Instituição. (ALMEIDA, 2011, p. 188)

A autora enfatiza a importância dos profissionais que trabalham com as crianças

colocarem suas ações pedagógicas em uma relação dialógica entre a teoria e a prática,

onde as rotinas se estabeleçam a partir própria reflexão do professor em consonância

com seus alunos e o contexto vivido.

Batista (2003) reflete com base em suas pesquisas, que a ideia de rotina

pedagógica nas creches, tem sido concebida como uma estrutura pré-definida,

hierárquica, onde o tempo linear se sobrepõe ao tempo subjetivo dos sujeitos envolvidos

no ato educativo, sejam os adultos, sejam as crianças. Ou seja, a rotina está para além

dos indivíduos que fazem parte do contexto onde é exercida.

Deste modo acredita-se que as rotinas ideais sejam as organizadas em função das

possibilidades criadas para as crianças fazerem e viverem juntamente com os adultos

nas instituições de Educação Infantil.

As rotinas pedagógicas que referem-se a Educação Infantil são múltiplas assim

como as concepções de rotinas, sugerindo rotinas diferenciadas mas também com

alguns pontos de comuns, cujas bases estão nas concepções que os educadores e

profissionais da educação tem ao que concerne a criança, a infância, a educação, a

sociedade e os conhecimentos adquiridos na trajetória em que se constituíram

professores de Educação Infantil.

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As crianças falam

A infância, ou melhor, as infâncias, são uma construção social da qual se referem

a fase na qual a criança vive um momento especifico de sua vida, onde existem

experiências provenientes das infâncias diversificadas com vivências particulares em

contextos distintos, mesmo com a mesma idade cronológica, que vão se encontrar e

conviver dentro de um espaço coletivo que é a escola e isso deve ser considerado pelo

professor.

Sujeito de direito com peculiaridades e saberes distintos, inerentes a seu

conhecimento de mundo, a criança é um ser humano completo, que está em uma fase de

desenvolvimento singular e que possui vivências e experiências diversificadas e

diferenciadas.

A Educação Infantil, no contexto brasileiro, ainda não se tornou uma prática que

vislumbre de fato a emancipação das crianças. Embora haja momentos de interação, de

construção de conhecimento em atividades de colaboração e cooperação, a Educação

Infantil ainda tem traços na tradição escolar centrada no professor.

Refletindo sobre a minha própria prática pedagógica, observo que o professor é o

parceiro mais experiente, principal organizador do tempo e do espaço pedagógicos para

que a aprendizagem e o desenvolvimento possam ser favorecidos (VIGOTSKI 2010),

entretanto, enfatizamos que o protagonista das rotinas ainda é o professor quanto

deveria ser a criança.

Há uma real necessidade de escuta as crianças, de modo que possam elas

conjuntamente com o professor, opinar sobre as rotinas pedagógicas e todas as

atividades que são submetidas. Neste sentido, escutar as crianças possibilitando que

opinem e expressem aquilo que pensam, o que sentem, faz-se necessário para fortalecer

os laços entre as crianças, seus pares, os adultos e a instituição.

Cerqueira e Sousa (2011) afirmam:

A escuta é um processo fundamental nas relações interpessoais. Ela propicia

uma maior aproximação destes sujeitos que se relacionam. A escuta

proporciona o reconhecimento do outro, a aceitação, a confiança mútua entre

quem fala e quem escuta. A escuta é uma das pontes que permitem a

aproximação dos sujeitos, que estabelece a confiança para as relações

interpessoais entre quem fala para ser escutado e quem se permite escutar.

(CERQUEIRA, SOUSA, 2011, p.20)

Entendendo a importância de escutar o que as crianças, como discorrem as

autoras, como um elo de aproximação entre os sujeitos, no processo pedagógico de

elaboração das rotinas, torna-se imprescindível escutar as crianças porque são as

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crianças os principais atores afetados pela experiência escolar de rotina pedagógica nas

instituições de Educação Infantil.

Procedimentos metodológicos

Essa pesquisa qualitativa caracteriza-se um estudo exploratório. Os sujeitos

participantes da pesquisa foram um grupo de 10 crianças de 5 anos estudantes da turma

na qual a pesquisadora é regente em uma instituição pública de Educação Infantil do

Distrito Federal, em uma Região Administrativa localizada na região periférica do

Distrito Federal.

A pesquisadora utilizou o gravador do smartphone para a gravação dos diálogos

com as crianças norteado pelo roteiro de entrevista semiestruturada, na qual as crianças

responderam livremente as questões abordadas.

Após o término dos diálogos, as gravações foram transcritas e organizadas em

blocos para a análise: 1. Descrição das atividades da rotina pedagógica diária e 2.

Estruturação de uma rotina pedagógica. Entendemos que ambos tópicos refletem o

objetivo proposto neste artigo.

Analisando as rotinas pedagógicas pelo olhar das crianças

Abordado as percepções produzidas pelas crianças acerca da rotina pedagógica da

instituição pesquisada, buscamos verificar as impressões e os sentidos produzidos pelas

crianças acerca de atividades realizadas em sala de aula.

Quanto a roda de conversa as crianças colocaram:

"Tem um monte de rodinha que você fala." (M, informação em áudio)

"Conta uma história." (I, informação em áudio)

"A gente dança de musiquinha." (EV, informação em áudio)

"Na rodinha a gente conversa sobre tudo, sobre o dia, você lê o Bebê

Maluquinho" (ME, informação em áudio)

"Na rodinha, fala, fala com os amigo, fala com nós mesmo, canta, brinca" (LU,

informação em áudio)

As crianças entendem a roda de conversa como um espaço para relatar

experiências vividas, contar histórias, brincadeiras, cantar, dançar entre outros. Observa-

se que as atividades referem-se aos usos da linguagem oral prioritariamente.

Em relação ao parquinho registraram:

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"A gente brinca com a brincadeira.. Toma cuidado com o corpo e não se

machucar e nem empurrar o coleguinha" (EM, informação em áudio)

A gente brinca de pega pega, pique alto, de pular (LE, informação em áudio)

"Eu brinco de carro, fingindo que aquilo o é um carro ... é um balanço... é sério

"( P, informação em áudio)

"A gente brinca. A gente brinca do jeito que a gente que." (M, informação em

áudio)

"A gente brinca nos brinquedo, tia a gente brinca de toro. A ME fica atrás da

gente e dá chifrada. Se ela te dá uma chifrada depende de tu se o toro, dá uma

chifrada. É porque todo dia é assim... Todo dia ela é o toro, se ela dá uma

chifrada em cada um, cada um vai se o toro. E ela vira humana como a gente."

(EM, informação em áudio)

Na fala das crianças percebe-se que o espaço do parque é gerenciado pelas

crianças e a brincadeira é a principal atividade. Percebe-se também a negociação

proposta por Vigostki (2008) onde afirma que na brincadeira da criança a liberdade é

ilusória, pois as crianças se deparam situações imaginárias que contém em si regras de

comportamento, proveniente de vivências reais que a crianças têm em seu cotidiano e

negociam esses comportamentos durante as brincadeiras.

Quanto às atividades coletivas as crianças apontaram:

"Tem que fazer com os colegas, tem que fazer com os colegas mesmo." (LU,

informação em áudio)

"Ah! Tem que ajudar. A gente fez com tudo mundo, juntinhos com os

amigos"(EM, informação em áudio)

"É... Tem vezes que o outro não presta atenção e pergunta pro outro. E a gente

ensina." (M, informação em áudio)

"A gente vai fazer a atividade em grupo. Tem também uma coleguinha que

quando não entendeu a gente pergunta pra ela. (EV, informação em áudio)

Almeida (2011) afirma que para uma atividade ser coletiva sua realização tem que

envolver todo o grupo, onde a produção do todo é consequência das sugestões ou ideias

que vão se complementando na troca ou na interação dos envolvidos. Segundo a autora,

quando estão realizando atividades em grupo as crianças estabelecem relações de

reciprocidade e de trocas que "suscitam a construção de pontos de vista próprios e

possibilitam que elas aprendam a aceitar o ponto de vista dos colegas e dos adultos

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envolvidos na situação, mesmo que, para isso, seja necessário superar alguns conflitos."

(ALMEIDA, 2011, p. 192)

Observa-se que as crianças percebem que a atividade em grupo como um

momento de partilhar, de ensinar e aprender com os colegas, entendendo que para essa

atividade o critério é o trabalho coletivo.

Sobre as atividades de lanche e higiene, indicaram:

"A gente lava as mãos, bebe água e lanchar." (EM, informação em áudio)

"Pra lancha faz a higiene. É lavar a mão." (M, informação em áudio)

"A gente também escova os dente." (VG, informação em áudio)

"Tem pouco tempo pra lanchar e pra higiene" (EV, informação em áudio)

Observa-se que nessas atividades as crianças indicam que dentro da rotinas há

espaços para as atividades relativas ao cuidado como corpo, derivadas tanto das

necessidades fisiológicas de se alimentar, beber água, quanto de natureza cultural como

lavar as mãos, escovar os dentes.

O que nos chama atenção é a fala do EV ao mensurar que o tempo destinado para

a alimentação e a higiene é pouco. Isso pode ser visto na regulamentação da rotina

institucional que prevê horários fixos para o lanche, para o tempo destinado em

refeitórios e para o recolhimento dos utensílios utilizados no lanche, caso específico da

escola pesquisada.

Sobre os brinquedos utilizados em sala com as crianças pontuaram:

"A gente brinca de muitas coisas." (EM, informação em áudio)

"A gente brinca de, todos os dias, de Nicolândia. Depois de história, bonecos"

(LU, informação em áudio)

"A gente brinca de bonequinha. Tem de boneca, de menino, que é de carro, a

gente brinca de mamãe e filhinha." (JU, informação em áudio)

"Tem muitos brinquedos. Eles ficam na caixa, no armário da tia. Não pode ir lá

pega, depois na hora de brincar tem muitos. (EV, informação em áudio)

"Eu gosto muito, muito de brinquedo. Eu escolho, eu brinco que do que eu

quiser. (I, informação em áudio)

Os brinquedos constituem-se objetos privilegiados da educação das crianças, por

dar suporte as brincadeiras infantis e ainda por se configurarem em ferramentas

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culturais na brincadeira. Dada a importância do brinquedo e da brincadeira no processo

pedagógico e na construção simbólica da criança, sua organização e acessibilidade

deve ser um ponto a ser observado pelos professores responsáveis na organização do

espaço pedagógico na efetivação do brincar nas rotinas pedagógicas.

A falta de acesso ao local onde estão acondicionados os brinquedos restringe a

autonomia da escolha e o conhecimento dos materiais que as crianças tem

disponibilizados na sala para o enriquecimento do enredo das brincadeiras. EV informa

que os brinquedos ficam dentro do armário da professora, isso não impede as crianças

de brincarem, como é evidenciado nas falas de outras crianças, entretanto o acesso, a

disposição e o tempo para o uso do brinquedo fica condicionado à professora, e não às

crianças.

Quanto à avaliação as crianças se posicionaram da seguinte maneira:

"É assim: sim... sim.. sim... se tá triste ou feliz (JU, informação em áudio)

"Tem a carinha feliz e a mais ou menos." (LU informação em áudio)

"Avalia se gosta ou não, se quebrou os brinquedos. Aí é que avalia tia, porque se

tiver quebrado tá mais ou menos, se não tivé quebrado os brinquedos tá muito bem. Aí

sem quebrar é carinha feliz." (EM, informação em áudio)

"Avalia que... que... se você fez coisa errada ou se ficou quieto." (I, informação em

áudio)

“Não. Avalia os colegas, as rotinas... As rotinas também." (LU, informação em

áudio)

A avaliação é uma ferramenta indispensável no processo educativo, e pelo que

pudemos observar nas falas das crianças a participação no processo de avaliação em

sala e indicam uma das ferramentas utilizadas "carinha feliz e a mais ou menos".

Destacamos que as falas nos levam a compreender que o processo avaliativo no qual as

crianças participam não visam apenas comportamentos, mas outros aspectos que fazem

parte do cotidiano da sala de aula, como afirma LU ao indicar a rotinas como um dos

aspectos a serem avaliados.

Tradicionalmente as avaliações têm como protagonista o professor e sua visão

acerca das crianças, um dos pontos fortes dentro da tradição escolar são as avaliações de

comportamento, que diante do que as crianças descrevem ainda estão presentes. O

diferencial nesta situação pesquisada pode se dar ao fato de que as crianças tem a

oportunidade de vivenciarem o processo de forma participativa.

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Os registros ainda revelam que as questões de comportamento ainda mostram-se

marcantes para a turma, citada por 4 das 5 falas, mostrando que essas podem ser as que

mais mobilizam as crianças, o que pode ser interpretado por estarem diretamente

vinculadas ao próprio sujeito, demandas internas, própria da sua atuação e não da de

outrem, ou ainda por estarem as questões de comportamento arraigadas a cultura escolar

difundida socialmente.

Se eu fosse o professor...

Esse bloco de falas retrata as rotinas pedagógicas que as crianças elaboraram

quando proposto a elas que se colocassem no lugar do professor e descrevessem as

atividades que realizariam.

"Quando eles chegassem a gente ia dá o dever, aí depois do dever era, era o

lanche, depois do lanche, escova os dentes e depois de escovar os dentes, brincar e

depois de brinca é, é... Fazer outra tarefa individual. Hum... e depois a história e depois

ir embora e ir pro parquinho que eu esqueci. Mais tempo pro parquinho e pra o

brinquedo. Mais pouco tempo pra... pra rodinha." (EM, informação em áudio)

"É... ia chegar aí, aí a gente ia fazer ... A gente ia pro parquinho, aí a gente quando

voltar, ia brincar, contar história, ir pra rodinha, escovar os dentes e também ir pro

parquinho. Mais tempo pro parquinho, lanche e brinquedo." (EV, informação em

áudio)

"Eu ia... ia mudar... pro parque, muito pouco. Ia fazer história, vai, vai... uma

tarefa, hum... a gente ia fazer outras tarefas, escovar os dentes, brincar. (M,

informação em áudio)

"Atividade no quadro, ir embora pra chegar em casa (...) ia dar brinquedo e

pronto." (LU, informação em áudio)

Nas propostas de rotinas pedagógicas das crianças a brincadeira aparece como um

elemento importante do qual circula boa parte da rotina. As atividades escolares

também são contempladas, porém, o que se sobressai é a atividade do brincar.

Essa é uma questão a ser refletida enquanto professora regente e pesquisadora.

Embora na rotina da sala de aula as atividades tenham buscado contemplar as

necessidades da faixa etária das crianças. Observa-se que a necessidade quanto à

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brincadeira e ao tempo destinado a ela são questões levantadas pelas crianças,

demonstrando que os desejos das crianças ouvidas é que os espaços e os tempos

pedagógicos privilegiem a atividade do brincar.

Quanto a relação entre rotinas pedagógicas e a brincadeira Almeida (2011) sugere

que "o dia não deveria ser tão rigidamente estruturado a ponto de ser essencialmente

caracterizado como uma longa situação de brincadeira livre do tipo recreativo."

(ALMEIDA, 2011, p. 191).

Se as rotinas pedagógicas oferecem segurança e estabilidade ao estruturar o tempo

didático, elas também têm que oferecer situações educativas significativas, de modo

que as crianças possam compreender as rotinas como espaços de experimentação e

brincadeira, e consequentemente a escola como um local onde se aprende brincando.

Considerações Finais

O objetivo deste trabalho foi compreender as percepções de crianças acerca da

rotina pedagógica em que estão inclusas durante o período escolar. Percebemos que as

crianças apresentaram diferentes vivências e diferentes interpretações sobre a

instituição educacional, as rotinas das quais participam e sobre as atividades que

realizam. Entretanto, suas opiniões pouco são consideradas na elaboração e efetivação

das ações pedagógicas, uma vez que prevalece a interpretação adultocêntrica do

professor sobre essas questões.

Neste sentido, cabe ao professor tornar-se um pesquisador, ouvir as crianças, seus

relatos, suas vivências, suas histórias com a família, as formas de brincar e de

interpretar o mundo. No entanto, não basta apenas viabilizar espaços para que as

crianças falem, mas também é preciso valorizar essa participação, entendendo a

educação como um processo democrático, dialógico, formada por sujeitos participantes

e ativos.

Partindo-se do princípio de que as rotinas pedagógicas são produtos culturais

criados, produzidos e reproduzidos, é necessário que haja maior aproximação das

crianças e de professores na elaboração, gerência e compartilhamento das rotinas

pedagógicas. Ter as crianças como parceiras e colaboradoras dos processos educativos

viabilizarão um trabalho muito mais concreto no atendimento de suas reais

necessidades.

Deste modo, enfatizamos que o protagonismo das crianças nas rotinas

pedagógicas ainda se constitui um desafio, ao mesmo tempo em que apontamos que é

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uma necessidade para a prática educativa na Educação Infantil e para a emancipação das

crianças. Ouvir as crianças foi importante não somente para que a consistência da

pesquisa acadêmica, mas principalmente para que essa pesquisadora e professora

pudesse refletir sua prática pedagógica a partir da escuta sensível das crianças.

Observou também que as crianças participantes percebem a rotina como uma

sequência de atividades elaboradas pela professora, e pontuam que todos os dias

algumas atividades são fixas e que são poucas as mudanças, ao mesmo tempo em que

identificam a diversificação nas atividades.

Nas vozes das crianças, a atividade do brincar e a brincadeira estão muito

presentes, constituindo a atividade mais apreciada na rotina pedagógica. Todos os

participantes destacaram a brincadeira como atividade principal para a efetivação da

rotina pedagógica, indicando ainda, evidências de como a aprendizagem deve se

desenvolver na escola, ao indicar que se aprende brincando.

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