O Computador Quˆantico da IBM e o IBM Quantum Experience · Assim como o conceito de teleporte...

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Revista Brasileira de Ensino de F´ ısica, vol. 39, nº 1, e1301 (2017) www.scielo.br/rbef DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0155 Artigos Gerais cb Licenc ¸a Creative Commons O Computador Quˆ antico da IBM e o IBM Quantum Experience The IBM Quantum Computer and the IBM Quantum Experience Alan C. Santos *1 1 Instituto de F´ ısica, Universidade Federal Fluminense, Niter´ oi, Rio de Janeiro, Brasil Recebido em 13 de julho, 2016. Revisado em 28 de julho, 2016. Aceito em 1 de agosto, 2016 O an´ uncio de um computador quˆ antico que pode ser acessado de forma remota por qualquer pessoa a partir de seu laptop ´ e um acontecimento de grande importˆancia para os cientistas da computa¸c˜ao quˆ antica. Neste trabalho n´ os apresentamos o computador quˆ antico da International Business Machines (IBM) e sua plataforma IBM Quantum Experience (IBM-QE) como uma proposta did´ atica em estudos de computa¸ ao e informa¸ ao quˆ antica e, n˜ ao menos importante, como divulga¸ ao cient´ ıfica de tal an´ uncio feito pela equipe da IBM. Apresentamos as principais ferramentas (portas quˆanticas) dispon´ ıveis no IBM-QE e, por meio de uma simples estrat´ egia, discutimos acerca de uma das fontes de decoerˆ encia nos chips de 5 q-bits da IBM. Como exemplo de aplica¸ ao do nosso estudo, n´ os mostramos como implementar o teleporte quˆ antico usando o IBM-QE. Palavras-chave: IBM, Computador Quˆ antico, Quantum Experience, Teleporte quˆ antico The announcement of a quantum computer that can be accessed remotely by anyone from its laptop is a big event for the quantum computation scientist. In this work we present the International Business Machines (IBM) quantum computer and its platform IBM Quantum Experience (IBM-QE) as a didactic proposal in quantum computation and information. In addition we also consider this paper as scientific divulgation of the IMB advertisement. In this paper we show the main tool (quantum gates) present in the IBM-QE and, through a simple strategy, we discuss about a possible decoherence source in the IBM 5 q-bit chips. As an example of application of our study, we show how to implement the quantum teleportation using the IBM-QE. Keywords: IBM, Quantum computer, Quantum Experience, Quantum teleportation. 1. Introdu¸ ao Assim como o conceito de teleporte quˆ antico, tecno- logias quˆ anticas hoje n˜ ao s˜ ao mais apenas elementos principais de filmes de fic¸c˜ao cient´ ıfica. Devido ao grande avan¸co de estudos em mecˆanica quˆantica e a tentativa de entender a natureza quˆantica do universo e como us´a-la em algo ´ util, hoje vivemos um cen´ario que antes eram apenas poss´ ıveis na imagina¸c˜ao. Na primeira metade da d´ ecada de 80 iniciava-se a elabora¸c˜ao dos fundamentos que sus- tentam a pesquisa em computa¸c˜ao quˆantica (CQ), gra¸ cas aos trabalhos de Paul Benioff [1,2], Richard Feymman [3] e David Deutsch [4]. A partir desses * Endere¸ co de correspondˆ encia: [email protected]ff.br. trabalhos, o sonho do computador quˆ antico tem sido buscado devido a sua capacidade te´ orica de resolver certas classes de problemas muito mais r´apido que um computador cl´ assico. No dia de 04 de maio de 2016, a IBM e seus cientis- tas da computa¸ ao quˆ antica anunciaram aquela que provavelmente foi a mais motivadora not´ ıcia para muitos que fazem pesquisas nessa ´ area. O primeiro computador quˆantico de acesso remoto e publico foi disponibilizado pela equipe da IBM. A ideia ´ e que qualquer pessoa (n˜ao necessariamente pesqui- sadores da ´area) possam ter acesso remoto a uma plataforma conhecida como IBM Quantum Experi- ence (IBM-QE) [5]. A proposta da IBM ´ e que com essa plataforma qualquer pessoa possa simular e Copyright by Sociedade Brasileira de F´ ısica. Printed in Brazil.

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Revista Brasileira de Ensino de Fısica, vol. 39, nº 1, e1301 (2017)www.scielo.br/rbefDOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0155

Artigos Geraiscb

Licenca Creative Commons

O Computador Quantico da IBM e o IBM QuantumExperience

The IBM Quantum Computer and the IBM Quantum Experience

Alan C. Santos∗1

1Instituto de Fısica, Universidade Federal Fluminense, Niteroi, Rio de Janeiro, Brasil

Recebido em 13 de julho, 2016. Revisado em 28 de julho, 2016. Aceito em 1 de agosto, 2016

O anuncio de um computador quantico que pode ser acessado de forma remota por qualquer pessoaa partir de seu laptop e um acontecimento de grande importancia para os cientistas da computacaoquantica. Neste trabalho nos apresentamos o computador quantico da International Business Machines(IBM) e sua plataforma IBM Quantum Experience (IBM-QE) como uma proposta didatica em estudosde computacao e informacao quantica e, nao menos importante, como divulgacao cientıfica de tal anunciofeito pela equipe da IBM. Apresentamos as principais ferramentas (portas quanticas) disponıveis noIBM-QE e, por meio de uma simples estrategia, discutimos acerca de uma das fontes de decoerencia noschips de 5 q-bits da IBM. Como exemplo de aplicacao do nosso estudo, nos mostramos como implementaro teleporte quantico usando o IBM-QE.Palavras-chave: IBM, Computador Quantico, Quantum Experience, Teleporte quantico

The announcement of a quantum computer that can be accessed remotely by anyone from its laptopis a big event for the quantum computation scientist. In this work we present the International BusinessMachines (IBM) quantum computer and its platform IBM Quantum Experience (IBM-QE) as a didacticproposal in quantum computation and information. In addition we also consider this paper as scientificdivulgation of the IMB advertisement. In this paper we show the main tool (quantum gates) presentin the IBM-QE and, through a simple strategy, we discuss about a possible decoherence source in theIBM 5 q-bit chips. As an example of application of our study, we show how to implement the quantumteleportation using the IBM-QE.Keywords: IBM, Quantum computer, Quantum Experience, Quantum teleportation.

1. Introducao

Assim como o conceito de teleporte quantico, tecno-logias quanticas hoje nao sao mais apenas elementosprincipais de filmes de ficcao cientıfica. Devido aogrande avanco de estudos em mecanica quanticae a tentativa de entender a natureza quantica douniverso e como usa-la em algo util, hoje vivemosum cenario que antes eram apenas possıveis naimaginacao. Na primeira metade da decada de 80iniciava-se a elaboracao dos fundamentos que sus-tentam a pesquisa em computacao quantica (CQ),gracas aos trabalhos de Paul Benioff [1, 2], RichardFeymman [3] e David Deutsch [4]. A partir desses

∗Endereco de correspondencia: [email protected].

trabalhos, o sonho do computador quantico tem sidobuscado devido a sua capacidade teorica de resolvercertas classes de problemas muito mais rapido queum computador classico.

No dia de 04 de maio de 2016, a IBM e seus cientis-tas da computacao quantica anunciaram aquela queprovavelmente foi a mais motivadora notıcia paramuitos que fazem pesquisas nessa area. O primeirocomputador quantico de acesso remoto e publicofoi disponibilizado pela equipe da IBM. A ideia eque qualquer pessoa (nao necessariamente pesqui-sadores da area) possam ter acesso remoto a umaplataforma conhecida como IBM Quantum Experi-ence (IBM-QE) [5]. A proposta da IBM e que comessa plataforma qualquer pessoa possa simular e

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ate mesmo executar uma computacao em um com-putador quantico de 5 q-bits. E claro que nao sepode fazer muito com apenas 5 q-bits, mas a ideiae que possamos testar o IBM-QE para determinarse realmente estamos lidando com um computa-dor quantico de fato. Nesse intuito, o IBM-QE temsido usado recentemente em diversos protocolos deCQ [6–9]. Essa determinacao e o atual problemaque cientistas da CQ estao tentando resolver emprototipos como os chips quanticos da IBM, ditosquanticos. Neste paper nos apresentamos a comuni-dade as caracterısticas e sutilezas do IBM-QE, quetem duas propostas basicas. A primeira delas e a di-vulgacao cientıfica de tal aparato, a segunda e umaproposta didatica de que o IBM-QE possa ser umaferramenta com certo valor ao introduzirmos certosconceitos em computacao e informacao quantica. Opaper esta estruturado da seguite forma.

Na secao 2 nos faremos uma breve introducaoa CQ, mas sempre focando em discutir algumasdefinicoes que serao uteis para o nosso desenvolvi-mento. No entanto, quando necessario deixaremosreferencias de livros-texto da area onde informacoesadicionais podem ser encontradas. Na subsecao 2.3nos apresentaremos o modelo de teleporte quanticoe como podemos implementa-la em um computadorquantico. Na secao 3 nos apresentaremos o computa-dor quantico da IBM e o IBM-QE, discutindo suascapacidades e caracterısticas, onde mostramos umprotocolo que pode ser usado para analisar os efei-tos de decoerencia no computador quantico da IBM,que sera discutido na Secao 3.3. Como exemplo, nasubsecao 3.4, nos implementamos o protocolo de te-leporte e discutimos como interpretar os resultadosfornecidos pela plataforma IBM-QE.

2. Elementos de computacao quantica

Antes de discutir as propriedades e servicos dis-ponıveis no computador quantico da IBM, bemcomo na sua plataforma IBM-QE, deixe-nos dedi-car essa secao a discutir os fundamentos da com-putacao quantica. Para uma abordagem mais de-talhada, recomendamos uma boa referencia comosendo a Ref. [10]

2.1. Bits quaticos (q-bits) eEmaranhamento

Em computadores classicos, a menor unidade deinformacao e definida como bit e, a partir deste,

podemos definir outras quantidades como o byte (8bits), megabyte (106 bytes), e assim por diante. Deforma analoga, tambem temos uma unidade funda-mental de informacao em computacao quantica e,nao por coincidencia, chamamos de q-bit, que e atraducao para portugues da definicao qu-bit que, porsua vez, e uma forma compacta para nos referirmosa um quantum bit (bit quantico). Mas nos pergunta-mos: O que ganhamos de interessante (novo) nessahistoria toda?

Em geral, os q-bits sao representados fisicamentepor estados ortogonais associados a qualquer sistemaquantico de dois nıveis de energia (estados de pola-rizacao vertical e horizontal de fotons, estados despin do eletron, etc.) e denotados pelos vetores de es-tado abstratos |0〉 e |1〉, que sao os chamados estadosda base computacional (em analogia ao 0 e 1 de com-putadores classicos). O que ganhamos na transicaodo bit para o q-bit e que existem peculiaridades damecanica quantica que nos permite combinar essesestados a fim de obter alguma vantagem com relacaoaos bits. De fato, considere o estado de superposicao|ψ〉 = a|0〉 + b|1〉, onde |a|2 + |b|2 = 1 (condicaode normalizacao do estado |ψ〉), que e um tipo deconfiguracao muito comum em mecanica quantica.Podemos perceber que o estado |ψ〉 representa umasuperposicao de estados da base computacional, aomesmo tempo que nos precisamos apenas de umaunica partıcula para ”escrever”esse estado, o que naoe possıvel em computadores classicos. A vantagemdo computador quantico aparece quando conside-ramos mais de um q-bit. Deixe-nos considerar umexemplo muito simples de um estado particular deum sistema composto por dois sistemas de dois nıveis|ψ2〉 = 1

2(|00〉+ |01〉+ |10〉+ |11〉), que carrega todasas combinacoes possıveis para dois bits. Podemosperceber que com apenas dois q-bits nos podemosarmazenar uma quantidade de informacao que re-quer 8 bits (1 byte) em computadores classicos, issonos da uma nocao de que podemos ganhar uma eco-nomia muito boa em espaco fısico com tecnologiasquanticas.

Outro recurso fundamental em computadores quan-ticos, bem como em toda a teoria da informacaoquantica, e o chamado emaranhamento. De formasimples, podemos definir o emaranhamento comouma quantidade fısica (pode ser mensurada) associ-ada a duas partıculas que nos impossibilita de ca-racterizar completamente o estado de uma partıculaindependente da segunda. Existe tambem uma visao

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matematica que e mais simples de caracterizar oemaranhamento, que e a nocao de separabilidade.Para exemplificar, considere o seguinte estados dedois q-bits A e B como

|ψ2〉AB = a|00〉AB + b|01〉AB + c|10〉AB + d|11〉AB ,(1)

entao dizemos que este estado e separavel (naoemaranhado) se, e somente se existem coeficientesα, β, γ, δ tais que podemos escrever o estado acimacomo

|ψ2〉AB = (α|0〉+ β|1〉)A(γ|0〉+ δ|1〉)B . (2)

Embora essa forma como definimos acima o emara-nhamento como consequencia da nao separabilidadeseja independente de qual sistema estamos interes-sados, existem situacoes onde o emaranhamento naoe tao simples de perceber. Em geral, quando temosestados mistos a situacao pode ser mais drasticae assim recomendamos a Ref. [10] para um estudomais aprofundado sobre o tema. Para os exemplosque vamos tratar nesse material, o metodo acima eo mais indicado, dado sua simplicidade.

O emaranhamento desempenha um papel essen-cial em teoria da informacao e computacao quantica,pois quando combinado com a propriedade de su-perposicao, este nos fornece protocolos que ilustramgrande eficiencia de um computador quantico comrelacao a um computador classico. Uma esmaga-dora parte dos pesquisadores em computacao e in-formacao quantica destacam o algoritmo de Shor [11]como sendo o exemplo mais claro da vantagem de umcomputador quantico com relacao a um computadorclassico. O algoritmo de Shor e usado para fatorareficientemente numeros primos com muitos dıgitosque sao intrataveis em computadores classicos. Alemdesse, podemos mencionar o algoritmo de Deusch-Josza [12] (diferenciar funcoes constantes de funcoesbalanceadas) e algoritmo de Grover [13, 14] (algo-ritmo de busca em uma lista desordenada) comoalgoritmos que ilustram o teorico potencial esperadopor um computador classico. Essa discussao feita emuito introdutoria, uma vez que o nosso foco naoe falar da distincao entre computadores classicos equanticos, mas deixamos como uma fonte de leitura(uma boa leitura, por sinal) a Ref. [15], onde o autordestaca de forma clara o surgimento da computacaoquantica e do seu impacto no desenvolvimento tec-nologico.

2.2. Portas e circuitos quanticos

O modelo padrao de CQ e chamado de Modelode Circuitos [16]. Nos propomos a discutir sobreesse modelo pelo fato de que e esse modelo decomputacao que esta disponıvel para o usuario noIBM-QE. A ideia do modelo de circuitos em com-putacao quantica e equivalente ao que e usado emcomputacao classica, onde representamos o processode computacao atraves de uma sequencia de por-tas logicas quanticas (transformacoes unitarias emmecanica quantica) que sao aplicadas a uma confi-guracao de entrada (input) e nos fornece uma con-figuracao de saıda com o resultado da computacao(output). A motivacao desse modelo repousa sobreo fato de que existem manipulacoes que podemosfazer sobre o estado quantico de uma partıcula quenos faz lembrar da acao de portas em computadoresclassicos. Por esse motivo nos definimos as portasquanticas de um circuito quantico, que juntos saoos analogos quanticos das portas que compoe umcircuito em um computador classico.

Um exemplo de porta quantica que tem um analogoem computacao classica e a porta NOT, cuja acaoinverte o bit de entrada de 0 → 1 ou 1 → 0, quetem como analogo quantico a porta quantica repre-sentada pelo operador de Pauli σx, que ao atuar emum estado de spin−1

2 na direcao z inverte o estadode |+ 1

2〉 → | −12〉 e de | − 1

2〉 → |+12〉. Por outro

lado, existem portas exclusivas da CQ, como a portaHadamard, onde sua atuacao leva estados da basecomputacional em superposicoes desses estados evice-versa. Uma caracterıstica comum entre CQ ecomputacao classica sao os chamados conjuntos deportas universais para computacao [16]. Esses con-juntos sao assim chamados devido ao fato de seuselementos poderem ser combinados para realizarqualquer porta logica de um circuito.

Assim como em computacao classica, nos temosum conjunto de portas elementares em CQ [10]. Den-tro desse conjunto de portas elementares, nos pode-mos identificar subconjuntos de portas que podemser usados para construir os chamados conjuntosuniversais de portas quanticas. Por definicao essesconjuntos sao compostos por portas elementares quepodem ser combinadas de tal maneira que nos per-mite simular o funcionamento de qualquer porta deum circuito quantico. Exemplos desses conjuntos saoos conjuntos {CNOT + Rotacoes de 1 q-bit} [16] eo conjunto {Toffoli, Hadamard} [17,18]. Alem disso,existem conjuntos de portas que permitem univer-

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salidade aproximada, como o conjunto {CNOT +Hadamard + porta π

8 } [19]. Quando necessario, vol-taremos a discutir sobre algumas portas quanticasque serao de interesse para nosso desenvolvimento,mas novamente voltamos a recomendar uma leituraaprofundada em livros-texto da area para maioresdetalhes.

2.3. Exemplo: Circuito para oteletransporte quantico

O teleporte quantico (TQ) foi proposto em 1993 porBennett et al. [20]. Este constitui um canal paraenviar informacao codificada em um estado quanticodesconhecido de uma parte (chamada Alice) paraoutra (chamada Bob) separadas espacialmente. Oprincipal resultado do TQ e que, alem de nao sernecessario conhecer o estado a ser teleportado, naoha qualquer limite para a distancia entre os agentes(exceto pelo canal classico que deve ser estabelecidoentre eles). Por exemplo, experimentos recentes paraimplementacao de TQ atigiram a marca dos 100km com fibras opticas [21] e 143 km no espacolivre [22]. Um dos recursos necessarios para quepossamos implementar o TQ e que Alice e Bobdevem compartilhar de qualquer um dos estadosemaranhados abaixo

|βnm〉 = |0n〉+ (−1)m |1n〉√2

, (3)

que sao conhecidos na literatura como estados deBell, onde n,m assumem valores 0 e 1 e onde defini-mos n = 1− n. O sistema que compoe o protocolode teleporte e composto essencialmente por 3 q-bits,onde dois deles estao em posse da Alice e um terceiroem posse do Bob. O sistema da Alice e composto poruma partıcula do par emaranhado dado na Eq. (3),onde a outra esta em posse do Bob, e uma partıculaonde deve estar codificada a informacao a ser en-viada por Alice. Considerando que o estado a sereviada pela Alice e escrito como |ψ〉 = a|0〉+ b|1〉,entao o estado inicial do sistema fica escrito como

|φ〉 = |ψ〉A|β11〉AB = (a|0〉+ b|1〉)A( |01〉 − |10〉√

2

)AB

(4)onde em particular adotamos o canal quantico entreAlice e Bob (par emaranhado) como sendo o estadodado na Eq. (3) com (n,m) = (1, 1).

Devido a separacao entre Alice e Bob, Alice naopode realizar nenhum tipo de medida na partıculado Bob, mas existe uma medida especial que Alice

pode fazer em suas partıculas que possibilita o TQdo estado |ψ〉 para Bob. Em suas particulas Alicedeve realizar uma medida na base de Bell, um dosestados (3). Assim, e conveniente escrever o estadodo sistema numa base onde as partıculas da Aliceestejam escritas na base de Bell. Fazendo isso nosencontramos

|φ〉 = 12 [|β11〉A (−a|0〉 − b|1〉)B + |β10〉A

(−a|0〉+ b|1〉)B] + 12 [|β01〉A (a|1〉+ b|0〉)B

+ |β00〉A (a|1〉 − b|0〉)B] , (5)

onde fica claro os possıveis resultados da Alice quandoela realizar uma medida na base |βnm〉. Tambem eobvio que o estado, para o qual a partıcula do Bobira colapsar depois da medida realizada pela Alice,depende exclusivamente do resultado da medida daAlice. Exceto no caso onde o resultado da Alicefornece o estado |β11〉 em suas partıculas, qualqueroutro resultado nao pode caracterizar o TQ, pois ospossıveis estados de colapso sao diferentes do estadooriginal |ψ〉.

Eis agora que surge a necessidade e a importanciade possibilitar a troca de informacao entre Alicee Bob por meio de um canal classico. Quando fa-lamos aqui canal classico, estamos nos referindo aalgum canal que possibilite a troca de bits de in-formacao entre Alice e Bob, isto e, qualquer meiode comunicacao no qual a velocidade de propagacaoda informacao por esse canal esteja vinculada a ve-locidade da luz. Note que, para o Bob, depois deuma medida da Alice o estado nao esta bem defi-nido e pode, ou nao, ser o estado que Alice desejavateleportar. Mas se a Alice informar o resultado desua medida para o Bob, este sempre podera agirsobre sua partıcula e ”recuperar”a informacao queficou embaralhada com o TQ. A Tabela 1 mostraas correcoes que devem ser feitas por Bob em suapartıcula.

Em particular, nosso interesse no protocolo do TQe que nos podemos construir um circuito quantico

Tabela 1: Correcoes do Bob para o TQ de um estadodesconhecido

Resultado da Alice Correcao do Bob|β00〉 σzσx|β10〉 σz|β01〉 σx|β11〉 1

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capaz de implementa-lo, como mostrado por GillesBrassard, Samuel L. Braunstein e Richard Cleveem 1996 [23] (depois estudado e aprimorado porDaniel Gottesman e Isaac Chuang [24]). No proto-colo Brassard-Braunstein-Cleve (BBC) o circuitoque implementa o teleporte deve levar em conta queo estado inicial do sistema deve estar inicialmenteno estado |000〉 e assim devemos implementar oseguinte circuito ilustrado na Fig. 1.

O circuito do protocolo BBC e composta de tressubcircuitos que realizam operacoes diferentes, masque para realizar o teleporte eles sao importantes.

• Subcircuito I (vermelho): Nessa parte do cir-cuito, nos preparamos o estado emaranhado|β00〉 entre os q-bits 2 e 3. Embora o estadoemaranhado seja preparado nesses q-bits, issonao e uma regra e devemos levar em contaque nesse caso o estado a ser teleportado deveestar codificada no q-bit 1.

• Subcircuito II (verde): Em computadores classicosnos podemos apenas ler ”0”ou ”1”, mas issonao e verdade em computadores quanticosonde nos podemos ler desde ”0”ou ”1”bemcomo superposicoes deles. No entanto, experi-mentalmente e mais conveniente fazermos lei-turas de ”0”ou ”1”em computadores quanticos,o que equivale a fazer medidas na base compu-tacional |0〉 e |1〉. O segundo trecho do circuitonos permite simular uma medida de Bell (feitaoriginalmente no primeiro protocolo de TQ),mas efetivamente a medida e feita na base |0〉e |1〉. Assim, desde que esse trecho do circuitoseja implementado, nao precisamos fazer umamedida na base de Bell e fazemos a medidana base |0〉 e |1〉.

• Subcircuito III (azul): Assim como no modelooriginal do TQ, apos a acao dos circuitos I eII o estado do sistema tera colapsado (apos amedida) para um estado tal que o TQ nao, ne-

Figura 1: Circuito quantico para a implementacao do tele-porte quantico.

cessariamente, esta configurado. Assim, nova-mente precisamos de correcoes que dependemdo resultado da medida na base computacio-nal. Adotando que o reultado da medida seja(m,n) = {(0, 0), (0, 1), (1, 0), (1, 1)}, entao te-mos uma correcao associada a cada par (m,n).Isso e devido ao fato de que antes da medidao sistema estara no estado computado |φC〉dado por

|φC〉 = 12 [|00〉A (a|0〉+ b|1〉)B + |01〉A

(a|1〉+ b|0〉)B] + 12 [|10〉A (a|0〉 − b|1〉)B

+|11〉A (a|1〉 − b|0〉)B] . (6)

As correcoes necessarias para os respectivos re-sultados da medida sao mostradas na Tabela 2.Anteriormente usamos um outro estado ema-ranhado para implementar o teleporte, mos-trando assim que o teleporte acontece indepen-dente do estado escolhido para implementaro teleporte. No entanto, como pode ser vistonas Tabelas 2 e 1, as correcoes mudam quandomudamos o estado emaranhado usado como re-curso, isso nos permite uma certa seguranca aousar o TQ para troca de informacao sigilosa.

E importante mencionar que essa exigencia feitano protocolo BBC leva em conta que todos os q-bitsdevem estar proximos um dos outros, e isso nao econveniente se desejamos enviar informacao de umlugar a outro. Isso e evidente, uma vez que nao preci-samos de um telefone para falar com alguem sentadoao nosso lado. No entanto, a proposta do protocoloBBC e que nos podemos usar o TQ para nos auxiliarem uma computacao em computadores quanticos,e nesse cenario o protocolo BBC e conveniente. Sedesejamos usar o protocolo BBC para enviar comu-nicacao entre duas partes espacialmente separadas,nos podemos considerar o caso onde o estado inicialdo sistema nao e |000〉, mas sim, como dado na Eq.(4). Dessa forma nos reduzimos nosso circuito de

Tabela 2: Correcoes para o TQ via circuitosResultado da medida Correcao

|00〉 1

|01〉 σx|10〉 σz|11〉 σzσx

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modo que usamos um circuito como no protocoloBBC, mas apenas a partir da linha pontilhada.

3. O IBM Quantum Experience(IBM-QE)

Nesta secao nos pretendemos apresentar a plata-forma IBM-QE e discutir sobre algumas proprie-dades e limitacoes de tal plataforma. Vamos nosrestringir a detalhar apenas aqueles componentesque serao de utilidade para nosso desenvolvimento eimplementacao do protocolo de teleporte, deixandoque o leitor interessado em mais detalhes da plata-forma IBM-QE possa usufruir de tal servico pelolink da Ref. [5].

3.1. O Computador Quantico da IBM

O computador quantico da IBM e um aparato ex-perimental que baseia-se no modelo de computacaoquantica via fluxo magnetico em q-bits supercon-dutores [25]. O grupo IBM nos fornece, em suaplataforma [5], a possibilidade de trabalharmos comum chip contendo 5 q-bits onde podemos manipula-los a nosso criterio com a finalidade de obtermos oresultado de uma dada computacao. Na Fig. 2 nos

Figura 2: (2a) Visualizacao de um chip de 5-qbtis daIBM que pode ser encontrado em [26]. (2b) Esquema dadisposicao dos q-bits em um chip da IBM, onde a numeracaoesta de acordo com (2c) interface digital da plataforma IBM-QE para um processador real

podemos ver um esquema de como os q-bits estaodispostos em um chip da IBM e da plataforma doIBM-QE. A Fig. 2c apresenta basicamente a areade trabalho do IBM-QE, onde seus componentes esuas propriedades serao o foco de nossa discussaoagora.

Na area de trabalho as informacoes sobre comotrabalhar com o IBM-QE, bem como algumas re-visoes de elementos de computacao quantica, po-dem ser obtidos na aba User Guide. A aba MyScores e onde estarao armazenados todas os circui-tos construıdos pelo usuario, de modo que estes naonecessariamente precisam ter sido implementadosexperimentalmente, alem disso, podemos ter acessoaos resultados de todos os experimentos feitos queestarao dispostos de acordo com o circuito imple-mentado. A aba Composer e essencialmente ondetodo o protocolo deve ser inserido e implementado.Ao selecionar essa aba, uma janela sera mostradaonde sera solicitado ao usuario uma forma de acessoao Composer que basicamente nos permite aces-sar uma area onde poderemos usar um processadorideal ou real. Enquanto o processador real simulaexatamente o que se e esperado no experimento queimplementa o circuito onde a computacao estara sobo efeito do fenomeno decoerencias, o processadorideal nao leva isso em conta. Mais a frente discu-tiremos sobre tais efeitos. A direita da plataformasao encontrados (quando acessamos o processadorreal) os seguintes ”botoes”que, agora, passamos adescrever suas respectivas funcionalidades.

• Simulate: Ao construir o circuito nos podemostestar para ver se ha algum erro de projetono circuito. Tais erros possıveis sao operacoesque nao podem ser realizadas pelo IBM-QE. Erecomendavel sempre simular o circuito antesde implementa-lo experimentalmente.

• Run: Uma vez que o circuito passou pelo testedo Simulate sem nenhum erro, podemos usar oRun para implementar o circuito remotamenteem um chip da IBM. Nessa etapa o projetosera submetido ao time da IBM e possivel-mente entrara em uma fila de espera ate serimplementado.

• New: Nesta opcao um novo circuito pode sercriado.

• Save ou Save as: Esta opcao e destinada aoarquivamento do projeto em qualquer etapade sua construcao.

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• Results: Dado a execucao de um protocolo,pode-se verificar os resultados nesta opcao.

• Help: Fornece informacoes sobre duvidas so-bre como cada um dos componentes (portas emedidas) podem ser usados e suas formas deatuar sobre os q-bits.

Para completar a caracterizacao da plataforma,precisamos falar do conjunto de portas que podemser implementadas pelo IBM-QE, uma vez que saoesses os elementos fundamentais da plataforma. NaFig. 2c nos podemos ver o conjunto de portas dis-ponıveis na plataforma logo abaixo do circuito. Esseconjunto de porta, composto por portas de Clif-ford [27] e duas portas nao-Clifford que sao adicio-nadas afim de conseguirmos um conjunto compledode portas universais para computacao quantica [10].As portas disponıveis sao as portas de Pauli X,Y, Z,a porta Hadamard (H) a porta de fase (S e S†), quesao portas que podem ser simuladas eficientementeem um computador classico [28], mas que quandoadicionada das portas nao-Clifford (T e T †) formamum conjunto de portas nos permite fazer operacoesnao simuladas eficientemente em um computadorclassico [16].

3.2. Medidas e resultados de umacomputacao

Os unicos constituintes do IBM-QE que ainda naomencionamos e que julgamos ser um ponto que deveser discutido em detalhes e o processo de medidano IBM-QE. A medicao e um ponto importanteem CQ, principalmente em modelos de CQ baseadaem medida, onde todo o processo de computacao efeito por meio de uma sequencia de medidas sobreos q-bits do sistema [24, 29–32]. O IBM-QE tema disposicao do usuario duas maneiras distintasde fazer medidas ao final de um protocolo, cujossımbolos estao dispostos logo abaixo do circuito naFig. 2c.

O primeiro sımbolo (logo em seguida da palavrameasure) e o sımbolo de medida na base compu-tacional. Em CQ nos temos a opcao de recuperartodos os resultados de uma computacao possıvelem um computador classico, que por sua vez sofaz leituras de 0 e 1 que sao usados para codificaralguma informacao, onde podemos fazer medidasem CQ que sao analogas a essas leituras feitas emum computador classico. Isso gracas a possibilidadede fazer medidas na base computacional |0〉 e |1〉. A

explicacao do Z no sımbolo da medida na base com-putacional e que, historicamente, temos primeirousado de manipulacao de spins por meio de camposmagneticos orientados na direcao Z, onde os esta-dos ortogonais nessa direcao foram rotulados como| ↑〉 e | ↓〉 associados a estados de spin +1

2 e −12 ,

respectivamente. Na linguagem de CQ esses rotulospodem ser trocados por | ↑〉 → |0〉 e | ↓〉 → |1〉.Assim, se estamos simulando computacao quanticacom spins, como em Ressonancia Magnetica Nu-clear [33, 34], uma medida na base computacionalcorresponde a verificarmos se os spins dos consti-tuintes do sistema estao orientados como o campomagnetico (orientado na direcao Z) ou no sentidooposto.

Como resultado, a medida na base computaci-onal nos informara a probabilidade de obter umdado estado como resultado da computacao. Porexemplo, considerando um estado como na Eq. (1),uma medida na base computacional nos dara o va-lor numerico das quantidades |a|2, |b|2, |c|2 e |d|2.Essa e uma limitacao desse tipo de medida, poisnao somos capazes de distinguir entre estados como|±〉 = (|0〉±|1〉)/

√2, pois o sinal e indiferente para a

probabilidade de medir |0〉 ou |1〉. No entanto, parasituacoes onde precisamos caracterizar um estadoa fim de saber exatamente qual o estado de saıdade uma computacao, podemos usar uma medida deBloch, que e representada pelo sımbolo ao lado dosımbolo de medida na base computacional.

Para entender a medida de Bloch, precisamos pri-meiro de recurso para visualizar um estado de umq-bit na esfera de Bloch que pode ser vista na Fig. 3.

Figura 3: Visualizacao do estado de um q-bit na esfera deBloch, onde a caracterizacao do estado se da por meio doconhecimento das quantidades (θ, φ) ou das coordenadas(x, y, z) do vetor |ψ〉.

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e1301-8 O Computador Quantico da IBM e o IBM Quantum Experience

Diferentemente da medida na base computacional,uma medida de Bloch nos fornece o valor das coor-denadas (x, y, z) de um dado estado, que por suavez podem ser usados para determinar (θ, φ) pormeio da transformacao

x = sin(θ) cos(φ) , y = sin(θ) sin(φ) ,z = cos(θ) . (7)

Assim, podemos distinguir com facilidade entreos estados |±〉 ou quaisquer outros. Devido a se-melhanca desse tipo de medida com o conceito detomografia, em termos especıficos da area nos di-zemos que essa medida de Bloch e uma tomografiade estados [10]. No entanto, existem situacoes ondeessa medida fracassa, que e quando tentamos fazera tomografia do estado de dois q-bits emaranhados.O emaranhamento carrega a problematica de que eimpossıvel caracterizar totalmente o estado de umdos q-bits independente do outro, e como o IMB-QEnos fornece estados na esfera de Bloch de um unicoq-bit, entao nao temos como usar o processo detomografia para determinar o estado emaranhadode 2 q-bits. Nesse caso, e mais viavel usarmos amedida na base computacional ja levando em contaalguma perda de informacao sobre quaisquer fasesque existam nos estados.

3.3. Processador Ideal X Processador Real

Ao iniciarmos a elaboracao de um protocolo (circuitoquantico) nos devemos informar para a plataformado IBM-QE se desejamos simular nosso circuitoem um processador ideal ou se optamos por umprocessador real. Esta escolha ira nos direcionarpara cenarios distintos de mecanica quantica. Noprocessador ideal nos realizaremos necessariamenteevolucoes no sistema sem nenhuma influencia deperturbacoes indesejadas, enquanto que no proces-sador real essas perturbacoes nao sao ignoradas, nosdeixando assim mais proximos de um cenario realde um computador quantico.

Os efeitos indesejados em computacao quantica,bem como em qualquer aparato experimental emmecanica quantica, sao efeitos de decoerencia queestao presentes no processador real do IBM-QE. Es-ses efeitos dependem apenas da forma como nossosistema interage com o ambiente que o cerca. Naopodemos, a partir da aba User Guide, obter in-formacoes sobre o tipo de decoerencia que age sobreo chip de 5 q-bits, mas algumas informacoes sao

fornecidas na aba Composer quando escolhemos aopcao de processador real. Uma delas, e no momentomais relevante, e que cada q-bit do chip interage deforma diferente com o ambiente, alguns interagindomais e outros intragindo menos. Uma das contri-buicoes desse artigo e justamente estudar o tipo dedecoerencia que age sobre os q-bits e passaremos adiscutir isso nesse momento.

Para estudar os efeitos da decoerencia sobre ochip de 5 q-bits do IBM-QE, nos usamos o seguinteprotocolo. A primeira parte do circuito e prepararum estado de superposicao da forma |+〉 = 1√

2(|0〉+|1〉), que pode ser preparado apenas atuando a portaHadamard no estado de entrada |0〉. O segundopasso e deixar agora o sistema evoluir apenas sobre aacao dos efeitos de decoerencia, onde podemos fazerisso apenas utilizando as portas Identidade (primeiraporta de cor laranja na Fig. 2c abaixo do circuito)e ao final do processo fazemos uma medida na basecomputacional (o circuito usado e mostrado na Fig.4a). Nos utilizamos esse processo e acompanhamoscomo as amplitudes de probabilidade de obter comoresultado o estado |0〉 e |1〉, onde o resultado emostrado no grafico da Fig. 4b.

A partir dos resultados esbocados no grafico daFig. 4b nos podemos ver que o efeito do ambientee intensificar a probabilidade de obter o estado deentrada |0〉, sendo esse um efeito muito parecido como efeito de emissao espontanea para uma evolucaoonde |0〉 e o estado fundamental do sistema. Umexemplo de evolucoes desse tipo e por meio de umHamiltoniano H = −~ωσz, que e o Hamiltoniano deinteracao de um spin com um campo magnetico nadirecao Z, por exemplo. No entanto, esse e apenasum exemplo de evolucao que nos permite explicaro que esta acontecendo. O que podemos dizer deforma generica, ja que nao sabemos explicitamentequais campos atuam sobre os q-bits, e que o efeitodo ambiente sobre os q-bits do chip da IBM e o deforcar o sistema para o estado |0〉.

3.4. Exemplo: Simulando o circuito doteletransporte

Agora vamos fazer uma aplicacao do que temos de-senvolvido ate agora usando o circuito do teleportequantico presente na Fig. 1. Aqui nos ilustraremosnossa aplicacao estudando a implementacao do te-leporte dos estados |ψ1〉 = |1〉 e |ψ1〉 = |+〉. Oscircuitos que implementam o teleporte desses esta-dos sao mostrados na Fig. 5.

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Figura 4: (4a) Circuito do passo n = 14 do grafico presentena Fig. 4b. (4b) Grafico da probabilidade de obter o estado|0〉 (curva preta) ou |1〉 (curva vermelha), onde n e o numerode portas Identidade (portas que nao mudam a computacaoquando atuam, e um analogo do numero 1 no processode multiplicacao de numeros) utilizadas no circuito e t eo total de evolucao com τ sendo o tempo necessario paraimplementar cada porta Identidade. Nos usamos o q-bit3 pois e o menos robusto a efeitos de decoerencia, isto e,sofre mais o efeito do ambiente.

Figura 5: Circuitos usados para implementar o teleportedo estado |ψ1〉 = |1〉 (circulado em azul) e |ψ2〉 = |+〉(circulado em vermelho). Os estados a serem teleportadossao preparados no q-bit 0 e o recurso e preparado nos q-bits1 e 2, onde o q-bit 2 esta com a Alice e o q-bit 1 estacom o Bob. A porta X (Hadamard) no circuito circuladoem azul (vermelho) e usado para preparar o estado a serteleportado.

Nos simulamos os circuitos da Fig. 5 com o pro-cessador real, onde um detalhe deve ser levado emconsideracao. As portas CNOT que sao implemen-tadas no circuito usando um processador real naopodem ter qualquer q-bit como o alvo, apenas oq-bit 2. Como o aparato experimental e baseadono fluxo magnetico em q-bits supercondutores, essae uma restricao do modelo que precisa ser levadoem consideracao na hora de construir um circuitodevido o aparato fısico usado.

Quanto ao resultado da implementacao do cir-cuito, podemos usar diretamente a Eq. (6) paramostrar que o estado do sistema antes da medidapara o teleporte do estado |ψ1〉 deve ser dado por

|φC1〉 = 12 [|001〉AB + |010〉AB − |101〉AB − |110〉AB] ,

onde o estado e teleportado sem necessidade decorrecao para os resultados 00 ou 10, enquanto queeste e teleportado a menos de uma correcao pelaporta X quando os resultados forem 11 ou 01. A Fig.6b mostra os resultados fornecidos pelo IBM-QEquando simulamos o circuito em um processadorideal e real. Nele podemos ver que o estado e tele-portado com certeza em, pelo menos, metade dasvezes que simulamos o protocolo, com 00 e 10 con-tribuindo com 25% de acerto cada um.

Para o estado |ψ2〉 = |+〉 nos temos o seguinteestado final

|φC2〉 = 12 [|00+〉AB + |01+〉AB + |10−〉AB

−|11−〉AB] ,

onde claramente vemos que a probabilidade de su-cesso e, novamente sem necessidade de correcao, de50% correspondente aos resultados 00 ou 10. Umaforma equivalente de escrever o estado acima e como

|φC2〉 = 12 [|000〉AB + |001〉AB + |010〉AB

+ |011〉AB] + 12 [|100〉AB − |101〉AB

− |110〉AB + |111〉AB] ,

onde fica claro a distribuicao de probabilidades ob-tidas na Fig. 6b no caso onde simulamos o circuitocom um processador ideal. Como mencionamos, noteque o estado |φC2〉 e uma superposicao de estadosda base computacional onde temos explicitamentefases (sinais diferentes) entre os estados, mas nosresultados fornecido pelo IBM-QE presentes na Fig.6b nos nao temos essa informacao.

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e1301-10 O Computador Quantico da IBM e o IBM Quantum Experience

Figura 6: Resultados (distribuicao de probabilidade) parao teleporte (6a) do estado |ψ1〉 = |1〉 e (6b) do estado|ψ2〉 = |+〉. O grafico superior em (6a) e (6b) corres-pondem ao protocolo realizado em um processador ideal,enquanto que o grafico inferior corresponde a distribuicaodas probabilidades usando um processador real

4. Conclusoes

Neste paper nos apresentamos algumas caracterısticase funcionalidades do computador quantico da IBM,bem como da plataforma IBM-QE. Ressaltamos suassutilezas, mostrando que ainda existem limitacoesno IBM-QE que sao intrınsecas do aparato experi-mental e do modelo de computacao utilizado paradesenvolve-lo. Mesmo sem termos conhecimento dosdetalhes tecnicos acerca dos efeitos da decoerenciasobre o chip de 5 q-bits da IBM, nos pudemos iden-tificar um tipo de decoerencia existente no sistemaanalisando um caso particular de evolucao. Nossaproposta de estudar fontes de decoerencia no IBM-QE pode ser reanalisada para outros estados po-dem ser construıdos, de modo que tambem outrasevolucoes podem ser pensadas para tentarmos iden-tificar a existencia de outras formas de decoerenciano IBM-QE.

Devido ao fato de nao termos uma ferramentadidatica eficiente para apresentar conceitos comoteleporte, robustez de circuitos quanticos contra de-coerencia, dentre outros conceitos, acreditamos quea plataforma da IBM-QE e uma proposta didaticapara ser aplicada em disciplinas especıficas da areade computacao e informacao quantica. O teleporte

e apenas um exemplo que pode ser discutido, masexiste uma gama de outros protocolos que podem sertrabalhado no intuito de introduzir certos conceitose problemas em CQ de uma forma mais didatica eludica.

Agradecimentos

Gostarıamos de agradecer a equipe da IBM e aosmembros do projeto IBM Quantum Experience que,sem duvidas, tem contribuıdo nao somente parao desenvolvimento desse trabalho mas com toda acomunidade de computacao e informacao quantica.Em particular, agradeco a Damaris Costa Frutuoso,da Universidade Regional do Cariri, por ler o ma-terial e sugerir mudancas no mesmo. Agradecemostambem ao Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientıfico e Tecnologico (CNPq) e ao Instituto Naci-onal de Ciencia e Tecnologia de Informacao Quantica(INCT-IQ) pelo suporte financeiro a esse projeto.

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