O Âmbito Da Jurisdição Administrativa No Atual Estatuto Dos Tribunais Administrativos e Fiscais e...

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 O âmbito da jurisdição administrati va no atual Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e na respetiva Proposta de Lei de revisão O pon to de partida é, como não podia dei xar de ser, a regulação constitucional desta matéria. O artigo 212.º n.º3 da Constituição da República or tug uesa !do ra"ante #CR $% con sa gra com o cri tério de delimi taç ão da  &urisdição administrati"a o c'amado critério da #relação &ur(dica administrati"a$, critério )ue é também adotado também pelo artigo 1.º n.º1 do *statuto dos +rib unais dministrati"os e -iscais !dora"ante # *+ -$%.   re erida nor ma constitucion al pa rece / pri meira "ista con sa gra r uma reser"a de compet0ncia absoluta dos +ribunais dministrati"os e -iscais. o entanto é 'o&e ponto assente na doutrina e na &urisprud0ncia )ue se trata de uma reser"a relati"a, não cabendo aos +ribunais dministrati"os e -iscais uma exclusi"idade nesta matéria, nem estando os seus poderes &urisdicionais limitados a estes conlitos. e inido o cr it ér io ge ral e com o co nt eúdo do ar ti go 1.º n. º1 *+ - & explanado, sendo coincidente com o do artigo 212.º n.º3 CR, importa agora expor o artigo 4.º do *+- e clariicar )ual a relação )ue se estabelece entre este o artigo 1.º e )uais as conse)u0ncias dessa articulação para o deinição da &urisdição administrati"a. O artigo 4.º do *+- contém uma delimitação positi"a no seu n.º1 e pre"0 nos seus dois restantes números uma delimitação negati"a da &urisdição administrati"a, atra "és de uma en umer ão de "rias situ5es exempliicati"as. a grande maioria das suas al(neas do artigo 4.º *+ - limitou6se o legislador a pre"er situaç5es )ue & estariam compreendidas ou exclu(das do 7mbito da  &urisdição administrati"a por "ia do critério geral do artigo 1.º *+ -, independentemente da sua pre"isão no artigo 4.º *+-. estes casos não é necessria )ual)uer articulação entre os artigos. elo contrrio, nas al(neas em )ue #não ' con"erg0ncia de conteúdo$ 819 com o critério deinido pelo artigo 1.º *+-, deende o roessor :rio roso de lmeida )ue estamos perante normas especiais )ue derrogam o reerido critério ger al, tal como se a; usualment e atra"és de legisl açã o a"u lsa, posi çã o )u e pa rece corre ta. e a cto é impr oc edente o ar gu mento de inconstitucionalidade por ser ponto assente )ue o artigo 212.º n.º3 CR consagra uma reser"a relati"a, #pelo )ue comporta derrogaç5es pontuais, desde )ue não "ão ao ponto de descarateri;ar, no seu conteúdo essencial, o modelo t(pico de dualidade de &urisdiç5es$ 829. *xposta de um mo do geral a delimitaçã o do 7mbito da &u risdição administrati"a no atual *+-, importa a;er por im uma bre"e anlise /s modiicaç5es pretendidas pelo ro&eto de roposta de lei de re"isão do *+- e as suas conse)u0ncias para a deinição da reerida &urisdição. Com a re"isão do *+- o artigo 1.º passa a ter carter meramente remissi"o no )ue ao 7mbito de &urisdição di; respeito, remissão essa )ue opera para o artigo 4.º *+- )ue com a no"a redação c'ama a si tudo o )ue a matéria de deinição de &urisdição administrati"a di; respeito. ese embora a sua enumeração passe a ser taxati"a, não se pode alar num elenco ec'ado, por causa do n.º1 al(nea )% )ue "em pre"er o critério geral da 1

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Contencioso Administrativo

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O mbito da jurisdio administrativa no atual Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e na respetiva Proposta de Lei de reviso

O ponto de partida , como no podia deixar de ser, a regulao constitucional desta matria. O artigo 212. n.3 da Constituio da Repblica Portuguesa (doravante CRP) consagra como critrio de delimitao da jurisdio administrativa o chamado critrio da relao jurdica administrativa, critrio que tambm adotado tambm pelo artigo 1. n.1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF).A referida norma constitucional parece primeira vista consagrar uma reserva de competncia absoluta dos Tribunais Administrativos e Fiscais. No entanto hoje ponto assente na doutrina e na jurisprudncia que se trata de uma reserva relativa, no cabendo aos Tribunais Administrativos e Fiscais uma exclusividade nesta matria, nem estando os seus poderes jurisdicionais limitados a estes conflitos.Definido o critrio geral e com o contedo do artigo 1. n.1 ETAF j explanado, sendo coincidente com o do artigo 212. n.3 CRP, importa agora expor o artigo 4. do ETAF e clarificar qual a relao que se estabelece entre este o artigo 1. e quais as consequncias dessa articulao para o definio da jurisdio administrativa.O artigo 4. do ETAF contm uma delimitao positiva no seu n.1 e prev nos seus dois restantes nmeros uma delimitao negativa da jurisdio administrativa, atravs de uma enumerao de vrias situaes exemplificativas.Na grande maioria das suas alneas do artigo 4. ETAF limitou-se o legislador a prever situaes que j estariam compreendidas ou excludas do mbito da jurisdio administrativa por via do critrio geral do artigo 1. ETAF, independentemente da sua previso no artigo 4. ETAF. Nestes casos no necessria qualquer articulao entre os artigos.Pelo contrrio, nas alneas em que no h convergncia de contedo[1] com o critrio definido pelo artigo 1. ETAF, defende o Professor Mrio Aroso de Almeida que estamos perante normas especiais que derrogam o referido critrio geral, tal como se faz usualmente atravs de legislao avulsa, posio que parece correta. De facto improcedente o argumento de inconstitucionalidade por ser ponto assente que o artigo 212. n.3 CRP consagra uma reserva relativa, pelo que comporta derrogaespontuais,desde que no vo ao ponto de descaraterizar, no seu contedo essencial, o modelo tpico de dualidade de jurisdies[2].Exposta de um modo geral a delimitao do mbito da jurisdio administrativa no atual ETAF, importa fazer por fim uma breve anlise s modificaes pretendidas pelo Projeto de Proposta de lei de reviso do ETAF e as suas consequncias para a definio da referida jurisdio.Com a reviso do ETAF o artigo 1. passa a ter carter meramente remissivo no que ao mbito de jurisdio diz respeito, remisso essa que opera para o artigo 4. ETAF que com a nova redao chama a si tudo o que a matria de definio de jurisdio administrativa diz respeito.Pese embora a sua enumerao passe a ser taxativa, no se pode falar num elenco fechado, por causa do n.1 alnea q) que vem prever o critrio geral da relao jurdica administrativa que consta do atual artigo 1. ETAF.Tal como adverte a Professora Ana Neves, uma questo que assume grande relevncia desde logo, perceber se esta alnea q) implica a derrogao de normas constantes de legislao avulsa que retiram da jurisdio administrativa determinados conflitos baseados em relaes jurdico-administrativas, se essa derrogao deve ser afastada ou operar em diversos moldes mediante uma confirmao ou reavaliao de tais disposies[3], ou se no deve operar essa derrogao por no haver indicao prvia. semelhana da clusula geral do atual artigo 1. ETAF tambm o artigo 4. n.1 q) do Projeto de reviso do ETAF consagra uma reserva relativa, que pode comportar derrogaes.Abstendo-me de fazer uma anlise exaustiva de todas as alteraes visadas, irei limitar-me a fazer referncia s que assumem maior relevncia.A alnea e) do Projeto inclui em si as alneas b) 2 parte, e) e f) do atual ETAF, abrangendo assim toda a matria de contratos. Esta nova alnea parece chamar jurisdio administrativa todos os litgios emergentes de contratos que sigam o regime da contratao pblica, salvo quando esteja em causa a invalidade de contratos privados celebrados por entidades pblicas por fora de vcios no processo de formao, caso em que se incluir tambm na jurisdio administrativa.A alnea j) do n.1 do artigo 4. do Projeto de reviso do ETAF acrescentada prevendo que a condenao ao pagamento de indemnizaes decorrentes da imposio de sacrifcios por razes de interesse pblico, assim como da afetao do contedo essencial de direitos se inclui no mbito de jurisdio administrativa.A alnea k) por sua vez transfere para os Tribunais Administrativos Fiscais competncia em matria de fixao de indemnizaes devidas por expropriaes, servides e outras restries de utilidade pblica.Finalmente passa a ser parte da jurisdio administrativa como refere a alnea n) do n.1 do artigo 4. do Projeto de reviso do ETAF as impugnaes judiciais de decises da Administrao Pblica que apliquem coimas, no mbito do ilcito de mera ordenao social, por violao de normas de direito administrativo em matria de ambiente, ordenamento do territrio, urbanismo, patrimnio cultural e bens do Estado.Considerando que so as referidas alteraes aquelas que assumem maior relevncia, resta concluir que, como referido no prembulo do Projeto de Proposta de lei de reviso do ETAF, visvel uma clara inteno de chamar jurisdio administrativa as matrias que envolvem relaes jurdico-administrativas.Foi no entanto emitido em Maro de 2014 um Parecer por parte do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que embora reconhea que deva ocorrer a reviso no sentido em que o projeto prev, h que ter em ateno que algumas matrias, como por exemplo as relativas a coimas no mbito do ilcito de mera ordenao social, por violao de normas de direito administrativo (...) e bens do Estado, so totalmente inovadoras para os juzes de contencioso administrativo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, matrias essas que exigiro formao em reas especficas para os magistrados.

Foi ainda defendido nesse Parecer, a par do que foi dito num Parecer da Ordem dos Advogados de 17 de Maro de 2014, que essencial o aumento do nmero de juzes para contrabalanar o previsvel aumento de processos que passaro a entrar nos Tribunais Administrativos e Fiscais por via dessas novas matrias, de forma a garantir a celeridade e a eficincia na resoluo dos litgios apresentados nos Tribunais Administrativos e Fiscais.

[1] MRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 1 edio, Coimbra, 2013, p. 156. [2] MRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 1 edio, Coimbra, 2013, p. 157.

As principais alteraes ao mbito da jurisdio administrativa previstas ao anteprojeto da reforma do ETAF

O mbito da jurisdio administrativa e fiscal relevante para determinar se est verificado o pressuposto processual da competncia do tribunal em razo da jurisdio. Aqui exige-se saber quando que se deve propor a ao perante os tribunais administrativos e fiscais e no perante os tribunais judiciais. [1]De acordo com o n. 1 do artigo 1., in fine do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF) o facto que d origem jurisdio dos referidos tribunais so as relaes jurdicas administrativas e fiscais que esto na origem dos litgios. Esta norma tem assim um paralelo com o n. 3 do artigo 212. da Constituio da Repblica Portuguesa (doravante CRP) que coloca tambm aquele facto como base estrutural da jurisdio daqueles rgos de soberania.O artigo 4. do ETAF faz uma delimitao do mbito de jurisdio (pela positiva, no seu n. 1, e pela negativa nos nmeros 2 e 3), elencando quais as situaes que devero ser resolvidas pelos tribunais de jurisdio administrativa e fiscal e quais as que esto excludas, bem como quais os sujeitos que nelas se envolvem.Quanto incidncia subjetiva dos objetos que esto na base do mbito de jurisdio dos Tribunais Administrativos e Fiscais, parece haver um alargamento. Esta afirmao tem fundamento no documento da proposta de lei que se apresenta para a Reforma do ETAF, onde se podem verificar alteraes como, v.g., a alnea b), do n. 1 do art. 4. passar a referir que os atos jurdicos fiscalizados so emanados por rgo da Administrao Pblica; a alnea d) vai alterar para quaisquer entidades independentemente da sua natureza; a alnea e) submete jurisdio administrativa as questes dos contratos pblicos e administrativos celebrados por qualquer entidade adjudicante (cfr. artigo 1., n. 2, parte final do Cdigo dos Contratos Pblicos - doravante CCP), no esquecendo que podem ser tanto entidades da Administrao tradicional (artigo 2, n. 1 CCP), como outras entidades pblicas ou privadas, nos termos do n. 2 do artigo 2. CCP e a alnea l) passa a ter a seguinte redao Relaes jurdicas entre pessoas coletivas de direito pblico ou entre rgos pblicos () . [2]Tambm a nvel material h alteraes substanciais, como no caso da atual alnea g), do n. 1 do artigo 4. ETAF que vai passar a contemplar tambm questes em que haja responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos assinalados que provenham do exerccio da funo poltica. [3] H ainda um aditamento, ao n. 1 do artigo 4. ETAF, de vrias situaes que alargam o mbito de jurisdio administrativa, tais como:[4]a) A futura alnea i) que faz com que haja sempre um ttulo legtimo de atuao da Administrao Pblica, sem o qual esta pode ser condenada remoo da situao que ela prpria criou;b) A condenao ao pagamento de indemnizaes decorrentes da imposio de sacrifcios por razes de interesse pblico, na futura alnea j), bem como a fixao da justa indemnizao devida por expropriaes e outras restries de utilidade pblica, agora ficando na alnea k) (de acordo com os artigos 62., n. 2 e 83. CRP);c) Questes relativas a valores e bens constitucionalmente protegidos, tais como a sade pblica (artigo 64. CRP), habitao, ordenamento do territrio e urbanismo (artigo 65., nmeros 1 e 4 CRP), ambiente e qualidade de vida (artigo 66. CRP), educao (artigo 73. CRP) e patrimnio cultural e bens do Estado, que passam a constar da alnea m);d) A nova alnea n) vai conseguir integrar nesta jurisdio, as impugnaes judiciais de decises da Administrao Pblica que apliquem coimas () por violao de normas de direito administrativo em matria de ambiente, ordenamento do territrio, urbanismo, patrimnio cultural e bens do Estado e a alnea p) exige que a execuo de certos atos administrativos que no possam ser impostos coercivamente seja ditada por Tribunais Administrativos e Fiscais. de notar que matrias como as das novas alneas j) e n) estavam na jurisdio comum apenas por razes meramente pragmticas no tendo qualquer fundamento histrico. [5]Apesar de este elenco parecer mais fechado e j no meramente exemplificativo, na medida em que j no se encontra na parte inicial do artigo o advrbio nomeadamente. [6] No entanto, introduz-se uma alnea q) com a seguinte redao, passando a fazer parte do mbito de jurisdio administrativa [r]elaes jurdicas administrativas e fiscais que no digam respeito s matrias previstas nas alneas anteriores. Assim, ainda que excludos do elenco do artigo, parece daqui resultar que todo e qualquer litgio emergente de uma relao jurdica administrativa pertence jurisdio dos Tribunais Administrativos e Fiscais, exceto aqueles que sofrerem desvios por alguma lei avulsa posterior.Continua a ser patente a ideia da relao jurdico-administrativa como base do preenchimento do mbito da jurisdio administrativa, apesar de esse desparecer do n. 1 do artigo 1. ETAF, ela recuperado na dita alnea q), do n. 1 do artigo 4. ETAF. Relao essa que tem como sua caracterstica poderes de autoridade por parte da entidade pblica ou poderes que so expresso do exerccio do poder administrativo. [7]Se no litgio a ser resolvido entidades pblicas e particulares, que estejam ligadas por vnculos jurdicos de solidariedade, devam ser demandadas conjuntamente, ento a jurisdio desse mesmo litgio pertence aos Tribunais Administrativos e Fiscais - regra que vai passar a constar do n. 2 do artigo 4. ETAF.Atravs da delimitao negativa de competncia tambm h um alargamento da competncia, na medida em que retira matrias do elenco das que estavam excludas, como o caso das atuais alneas b) e c), do n. 3 do artigo 4. ETAF que excluem do mbito da jurisdio administrativa a fiscalizao de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justia, pelo Conselho Superior da Magistratura e pelo seu Presidente.Assim, conclui-se que o novo ETAF pretende prever com maior delimitao e preciso quais os litgios que esto submetidos jurisdio administrativa, tendo sempre presente a ideia base a relao jurdica administrativa como origem, designadamente quando estejam presentes rgos da Administrao Pblica no exerccio das suas funes administrativas caracterizadas pelo poder de autoridade, sendo esta a regra subsidiria.

]Cfr. MRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2013, p. 153

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