NOMADISMO INVISÍVEL NA SILENCIOSA ...NOMADISMO INVISÍVEL NA SILENCIOSA PEREGRINAÇÃO PELOS...
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NOMADISMO INVISÍVEL NA SILENCIOSA PEREGRINAÇÃO PELOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS: CASO DOS CIGANOS NO BRASIL1
Gabriela Oshiro Reynaldo2
Lúcio Flávio Joichi Sunakozawa3
José Manfroi4
RESUMO: Não se sabe ao certo quando o povo cigano surgiu no mundo e no Brasil. Com suas
características culturais próprias e um estilo de vida que foge ao comum, os ciganos sempre
foram estigmatizados com muito preconceito e discriminação. A dignidade humana do cigano
não difere do não cigano e merece, igualmente, proteção do Estado, consoante os direitos
fundamentais resguardados na Carta Magna brasileira. Todavia, tais direitos, continuamente,
são desrespeitados, e geram a denominada invisibilidade sociocultural, reflexo de uma
sociedade multicultural, mas, de caráter etnocêntrico e elitista, em pleno século XXI. Em tal
contexto, no mundo contemporâneo, a dialética "inclusão" versus "exclusão" acirra
desigualdades e intensifica tensões dos processos sociais. Este tema possui importância social
relevante na defesa dos direitos humanos, por isso, a necessidade de estudos e publicações.
Entende-se, portanto, que a ausência de uma legislação específica torna invisível esse grupo
focal, sobretudo, no que diz respeito ao resguardo de direitos fundamentais, mesmo que estes
já estejam previstos na Carta Magna de 1988 ou em Tratados ou Convenções internacionais.
Fica bastante evidente, desse modo, sobre a necessidade de atenção especial e urgente por parte
do Estado, pelos poderes constituídos, para que essas minorias não fiquem esquecidas ou
ignoradas, em todos os sentidos. As iniciativas de ordem legislativa, em favor da preservação
dos direitos específicos para essa minoria etnicorracial, portanto, somente incluirá, socio-
juridicamente, a diversidade cultural e a diminuição do preconceito que é real e latente para
quem as sofre.
Palavras-Chave: 1. Ciganos; 2. Invisibilidade Social; 3. Direitos Humanos; 4. Diversidade
Cultural.
1 Este trabalho é um desdobramento do ciclo de pesquisa PIBIC-UCDB desenvolvido na Universidade Católica
Dom Bosco nos anos de 2013-2014, sob orientação do Prof. Dr. José Manfroi. 2 Mestre em Desenvolvimento Local. Graduada em Geografia (UEMS) e em Direito (UCDB). Professora e
Advogada. E-mail: [email protected] 3 Professor de Direito na UEMS. Mestre em Desenvolvimento Local. (UCDB). Doutorando em Direito (USP).
Titular da Cadeira nº 3 da Academia de Letras Jurídicas de MS. E-mail: [email protected] 4 Orientador de Trabalho. Graduado em Filosofia. Mestre em Educação pela UFMS. Doutor em Educação pela
UNESP Campus de Marília/SP. Professor pesquisador e orientador nos programas de pós-graduação stricto sensu
e lato sensu da Universidade Católica Dom Bosco e Professor no Curso de Direito da Universidade Católica Dom
Bosco; Pesquisador e orientador no PIBIC/UCDB/CNPQ. E-mail: [email protected].
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1 INTRODUÇÃO
O presente artigo visa analisar a invisibilidade social silente que permeia sobre os
membros da etnia dos ciganos5 que peregrinam o território nacional, com total ausência de uma
política pública específica para essas pessoas, em total afronta aos princípios e normas dos
Direitos Fundamentais, estabelecida na Carta Magna de 1988.
Diferentemente, por razões diversas, a Constituição Federal de 1988 não contemplou
um dispositivo em seu texto, dentre as quais por razões de preconceitos sobre a duvidosa origem
desse povo, geralmente, são grupos nômades, sem território, e sem representação política.
Há versões variadas, mas alguns relatam que os ciganos tem origem na Índia, no Egito
e daí teriam se espalhados pela África, foram vistos já no século XIV na Ilha de Creta, e segundo
uma estimativa do ano de 2012, eles já somavam entre 12 a 14 milhões de pessoas, espalhadas
por todas as partes do mundo (ARRUDA, 2018, p.57).
Os ciganos não tiveram melhor destino na ordem constitucional brasileira, pois ficaram
sem um destaque específico como, reconhecidamente, foram outorgadas para outras
comunidades, a exemplo dos negros e indígenas, apesar de já serem constata o pioneirismo das
suas presenças vindas de Portugal, logo após a vinda dos primeiros portugueses ao Brasil, com
ausência ou pouca visibilidade social e política desde então, pois foram expulsos da Europa,
assim descrita por Teixeira (2008, p. 05):
[...] a complexa definição da identidade cigana, a documentação conhecida
indica que sua história no Brasil iniciou em 1574, quando o cigano João
Torres, sua mulher e filhos foram degregados para o Brasil. Em Minas Gerais,
a presença cigana é nitidamente notada a partir de 1718, quando chegam
ciganos vindos da Bahia, para onde haviam sido deportados de Portugal.
É de se notar, que o direito evoluiu bastante desde o descobrimento do Brasil, mas,
ainda é preciso avançar mais, por meio dos direitos fundamentais, no pleno e intenso exercício
da igualdade contemporânea, em todas suas dimensões, como está expresso no voto do ministro
Luis Roberto Barroso (2019, p. 02), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 845.779, assim
se posicionou:
5 “.. .a origem do vocábulo “cigano”, pois passaram a ser chamados de “egípcios” ou “egitanos”, ou gypsy (em
inglês), gitano (em espanhol), grecianos (no espanhol antigo), gitan (francês), egyptier (holandês antigo) e ciganos
em português (MOO- NEN, 2013, p. 9). O termo “ciganos” em português aparece registrado pela primeira vez na
peça teatral “A farsa das ciganas” de Gil Vicente em 1521 (TEIXEIRA, 2009).” (Ibidem, p. 55)
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No mundo contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente em três
dimensões: a igualdade formal, que funciona como proteção contra a
existência de privilégios e tratamentos discriminatórios; a igualdade material,
que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem estar
social; e a igualdade como reconhecimento, significando o respeito devido às
minorias, sua identidade e suas diferenças, sejam raciais, religiosas, sexuais
ou quaisquer outras.
Portanto, em que pese a Constituição estar no topo da hierarquia das normas, as
produção de normas infraconstitucionais, especificadas por leis ordinárias, por exemplo, não as
impedem de assegurar a eficácia dos direitos fundamentais, mas, ao contrário, somente
confirmam, ratificam, de modo dialógico, a necessidade de afirmar a garantir a concretização
direta de tais direitos, através de edição de lei que “também possui atribuição para lidar com a
fundamentalidade por meio de atuação complementária” (SILVEIRA, 2017, p. 298), como
necessária se faz diante de casos tais, como nesta constatação de invisibilidade dos ciganos.
2 COMPARATIVO LEGAL: LEGISLAÇÃO NACIONAL X ESTATUTO DO CIGANO
Tendo em vista a carência de normas infraconstitucionais que visem resguardar
direitos do povo cigano, o presente capítulo objetiva discorrer, de um modo geral, sobre os
direitos comum a todo brasileiro, previstos na Constituição Federal de 1988, especificamente
no artigo 5º e em um último momento confrontar o sistema jurídico nacional com a proposta
do Estatuto do Cigano.
O Estatuto do Cigano é um Projeto de Lei do Senado, de nº 248, de 2015, de autoria
do senador Paulo Paim, e atualmente encontra-se em tramitação sob a relatoria do senador
Telmário Mota, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (Secretaria de
Apoio à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa).
Primeiramente, se faz necessário determinar quem são os ciganos para que o texto
deste Estatuto possa proteger e garantir direitos ao cidadão de tal etnia. Assim, em termos de
efeito da legislação, tem-se que cigano é aquele que se autodeclara deste modo, a partir de
entendimentos singulares da sua cultura.
Assim, a proposta do Estatuto vem para obrigar o Estado a garantir a igualdade do
povo cigano ao não cigano respeitando suas crenças, costumes e peculiaridades e resguardando
a eles as mesmas oportunidades oferecidas ao indivíduo que não é desta etnia. Fica garantido o
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direito à participação na comunidade e suas variadas atividades sem deixar de preservar os
valores particulares do povo cigano. De um modo geral,
O projeto do Estatuto visa assegurar oportunidades nos diversos setores da
vida social, no acesso à saúde, à terra e ao trabalho e nas políticas de promoção
da igualdade social. Incentiva a educação básica da população cigana, sem
distinção de gênero, estabelecendo o direito à transferência de matrícula e
consequente garantia de vaga nas escolas públicas para as crianças e
adolescentes das etnias. O texto também determina a criação de espaços para
a disseminação da cultura dessa população. Assegura ainda o atendimento na
rede pública de saúde mesmo ao cigano que não for civilmente identificado.
Outra inovação da proposta é a caracterização das línguas ciganas como bem
cultural de natureza imaterial, e o direito à preservação do patrimônio histórico
e cultural, material e imaterial, e sua continuação como povo formador da
história do Brasil. Na área trabalhista, segundo o projeto em análise, o governo
deverá adotar ações para vedar a discriminação no emprego e na profissão.
Caberá ao poder público promover oficinas de profissionalização e incentivar
empresas e organizações privadas a contratar ciganos recém-formados.
Deverá haver incentivo e orientação à população cigana quanto ao crédito para
a pequena e média produção, nos meios rural e urbano (SENADO, 2019, s.p.).
O projeto tem por objetivo a criação de políticas públicas que assegurem aos ciganos
moradia digna sem deixar de respeitar seus valores culturais e religiosos. Tem-se que moram
em acampamentos e isso também faz parte da sua cultura e tradição, dessa maneira, a ação é
protetiva no sentido de considerar esses ranchos e acampamentos asilos invioláveis, como as
casas onde residem os não ciganos.
Outro ponto importante é que o Estatuto acrescenta a realização de uma espécie de
censo demográfico com coleta de dados periódica e para ouvir esse povo e saber deles quais
são suas maiores necessidades, afinal, esses dados jamais poderiam ser estipulados por não
ciganos por não serem adeptos da mesma cultura e por não conhecerem de perto a realidade e
necessidades enfrentadas por esse povo.
2.1 OS CIGANOS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988 quase teve um artigo específico dedicado ao povo
cigano. Todavia, o mesmo foi retirado. Nesse período, o deputado Antônio Mariz chegou a
propor uma emenda à constituição buscando salvaguardar as minorias proibindo a
discriminação por conta etnia ou do nomadismo, porém o projeto não foi aprovado.
A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Ministério Público Federal a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos; e a defesa judicial dos direitos e interesses das
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populações indígenas. Um dos resultados práticos foi a criação, na
Procuradoria da República, da Coordenadoria de Defesa dos Direitos e
Interesses das Populações Indígenas/CDDIPI. A Lei Complementar 75, de
20.05.1993, ampliou ainda mais a ação do MPF ao atribuí-lo também a
proteção dos interesses relativos às comunidades indígenas e minorias étnicas
(Art. 6, VII, "c"). Diante disto, em abril de 1994, a CDDIPI foi substituída
pela Câmara de Coordenação e Revisão dos Direitos das Comunidades
Indígenas e Minorias (conhecida como 6a Câmara), incluindo-se nestas
também as comunidades negras isoladas (antigos quilombos) e os ciganos
(MAIA, s.d., s.p.).
De toda sorte, hoje, o artigo 215 da Constituição Federal, com seus parágrafos e
incisos, suscita relevante que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais
e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.” (BRASIL, 1988). Nesta senda, ainda se tem o artigo 216 do mesmo
dispositivo legal que especifica o que constitui o patrimônio cultural brasileiro e entre elas as
formas de expressão, modos de criar, fazer e viver. Observa-se os dispositivos destacados:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais.
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas
e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório brasileiro.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas.
§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens
e valores culturais (BRASIL, 1988).
Diante disso, entende-se que implicitamente, não só o patrimônio cultural bem como
aquilo que deu origem à cultura do povo brasileiro está protegido pela constituição inclusive
costumes introduzidos pelas minorias como os ciganos, através do artigo 5º6 da Carta Magna
Brasileira
A Constituição Federal em seu art. 5º garante aos ciganos aqui residentes,
nascidos ou não no Brasil, os mesmos direitos dos outros cidadãos brasileiros.
Na prática, todavia, muitos destes direitos são constantemente violados, o que
se manifesta na existência de estenótipos negativos, preconceitos e várias
formas de discriminação das minorias ciganas pela população majoritária
6 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade...”.
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nacional. Porém, além disto, os ciganos, por constituírem minorias étnicas,
têm também direitos especiais, citados em vários documentos internacionais,
e aprovados e promulgados também pelo governo brasileiro. Desnecessário
dizer que também estes direitos especiais são constantemente ignorados e
violados (MAIA, s.d., s.p.).
Como dito, os ciganos são minorias étnicas, mas, possuem direitos fundamentais tais
como o direito de não ser objeto de discriminação que ocorre no momento em que recebem
tratamentos desiguais seja por pessoas não ciganas seja pelo poder público quando lhe é negado
atendimento em postos de saúde por exemplo. Outra forma de discriminar é impor tratamento
igualitário7 aos ciganos ignorando seus costumes e crenças como se não ciganos fossem. A
discriminação existe até quando nos referimos à língua falada pela comunidade cigana que é
vista como “um mero dialeto aplicado para despistar a polícia.”
Em países europeus, há experiências de sucesso em educação especial para os
ciganos, do mesmo modo que há, no Brasil, experiências de sucesso em
educação especial para os índios. Nesses exemplos, é sempre prioritário
mencionar a necessidade de produção de material didático-pedagógico, tanto
para os alunos quanto para os professores, em razão da especificidade cultural
dos ciganos, e objetivando utilização do mesmo como instrumento de
superação dos preconceitos existentes, os quais são geradores de
discriminação social, bem como levar em conta os modos tradicionais de
transmissão das experiências e do saber, e métodos e técnicas pedagógicas
(tanto ensinando os ofícios, quanto a língua e a reprodução dos usos e
costumes sociais e grupais) (MAIA, s.d., s.p.).
Nesse sentido, seria ideal que houvesse a capacitação de professores para que
primeiramente pudessem entender as características do povo cigano e havendo possibilidade,
seria de grande valia que houvesse professores bilíngues para que alunos ciganos possam
receber instruções tanto em português quanto em Romani. São medidas de inclusão social
preservadoras da dignidade da pessoa humana e Direitos Humanos.
Ademais, eficaz também seria realizar congressos, palestras, seminários de cunho
educativo para desmistificar a cultura cigana e retirar essa impressão errada que muito possuem
sobre eles. Assim, aumenta-se a inclusão desse povo, o respeito aos seus costumes e crenças e
até mesmo as oportunidades de inclusão no mercado de trabalho e chances de se manterem
dentro da sociedade com respeito.
7 O desrespeito com a cultura das minorias, causa injustiça. Assim, “no caso da igualdade como reconhecimento,
a injustiça a ser combatida não tem natureza legal ou econômica, mas cultural ou simbólica. Ela decorre de modelos
sociais que excluem o diferente, rejeitam os “outros”, produzindo a dominação cultural, o não reconhecimento ou
mesmo o desprezo. Determinados grupos são marginalizados em razão da sua identidade, suas origens, religião,
aparência física ou opção sexual como os negros, judeus, povos indígenas, ciganos, deficientes, mulheres,
homossexuais e transgêneros.” (BARROSO, 2019, p. 02).
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3.2 COMUNIDADE CIGANA A LUZ DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Para iniciar este debate, devemos adotar a premissa já dita anteriormente de que todo
aquele que é adepto da cultura cigana e tenha nascido no Brasil é cidadão brasileiro e deve ser
tratado como tal. Liberdade, justiça e solidariedade são as bandeiras levantadas pela
Constituição Federal.
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
[...]
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).
“Todos são iguais perante a lei” já dizia o artigo 5º da Constituição Federal, mas, o
questionamento que se sobrepõe é: isso é de fato praticado? Em muitos momentos não.
Observa-se:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei (BRASIL, 1988). (Grifou-se).
O legislador foi atento em resguardar os direitos dos cidadãos na Constituição Federal
e ainda mais em um dispositivo de tamanha importância. O direito a não discriminação
criminaliza a pratica do racismo da qual as minorias étnicas, incluindo povo cigano é vítima.
Muitas vezes se veem obrigados a deixar de frequentar determinados lugares, deixar de usar
suas vestimentas, ou seja, deixar de exercer sua liberdade para se privar do racismo que em
muitos casos é uma pratica desmedida, descontrolada e pode, inclusive, fazer vítimas de eventos
agressivos.
Seguindo esse raciocínio, vemos cerceado o direito de ir e vir do cigano por medo de
ser vitimizado através dessas práticas de crueldade. O direito de ir e vir está instalado no
seguinte dispositivo legal: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza. XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (BRASIL, 1988).
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Também cerceia o direito de ir e vir do cigano aquele que impede que esse povo
transite livremente por lugares públicos por associar erroneamente a presença de ciganos a
furtos.
Deve ser dado destaque ainda aos chamados direito sociais. Dessa maneira deve ser
garantido ao povo cigano o direito a saúde nos termos do seguinte artigo da Carta Magna:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de
outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, grifou-se).
Como visto, a Constituição Federal garante ao cidadão brasileiro acesso universal à
saúde. Em outras palavras é garantido ao cidadão brasileiro atendimento em postos de saúde,
hospitais públicos e Unidades de Pronto Atendimento (UPA) não podendo ser negado
atendimento em decorrência de crença, cor, sexo, religião, etnia, idade ou classe social. Assim,
esse direito também se estende ao povo cigano e a ele deve ser garantido e resguardado, embora
em muitos casos o atendimento seja negado por preconceito dos agentes de saúde que prestam
atendimento. Nesse caso, adentra-se a esfera penal tratando o preconceito como crime que deve
ser punido.
A comunidade cigana também tem direito à educação e cultura que faz parte do rol
dos direitos sociais. Observa-se:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).
Como também já foi comentado anteriormente, a educação cria condições de
desenvolvimento para o cidadão incutindo na pessoa o conhecimento necessário para que se
viva em sociedade e dentro do contexto em tela tem grande papel no que tange a inclusão social,
pois hoje a escola possui papel muito maior do que apenas ensinar, hoje a escola é responsável
também por humanizar crianças, jovens e adultos.
Dessa maneira, políticas de inclusão social da comunidade cigana junto com a não
cigana seriam de grande eficácia para que em um futuro próximo não mais exista o ultrapassado
preconceito com esse povo e cultura, vez que o
[...] remédio contra a discriminação e o preconceito envolve uma
transformação cultural capaz de criar um mundo aberto à diferença (“a
difference-friendly world”), onde a assimilação aos padrões culturais
dominantes ou majoritários não seja o preço a ser pago pelo mútuo respeito
(BARROSO, 2019, p. 03).
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Vale destacar o artigo XXVII, parágrafo primeiro, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1947, que orienta cogentemente: “Toda a pessoa tem direito de participar
livremente da vida cultural da comunidade de fruir das artes e de participar do progresso
científico e de seus benefícios”.
Também devem ser garantidos ao cigano os benefícios previdenciários àqueles que
contribuírem nas mesmas condições dos cidadãos não ciganos. Ainda devem receber o
benefício da prestação continuada aos idosos e deficientes incapacitados ao trabalho.
Devem ser garantidos ainda o direito ao registro civil nos termos da Lei nº 9.534, de
10 de dezembro de 1997, que estabelece inclusive gratuidade no registro civil de nascimento.
Traz-se à baila um caso que aconteceu no município de Souza – PB onde o Ministério
Público Federal, no ano de 2013, visitou ranchos ciganos e lá realizou audiência pública
ouvindo cerca de 250 famílias em busca de ver de perto a realidade no qual estão inseridos e
quais as maiores dificuldades enfrentadas por este povo.
Na ocasião, o procurador regional dos Direitos do Cidadão na Paraíba, José
Guilherme Ferraz da Costa, argumentou que vários dos problemas podem
ser solucionados com medidas simples e com diálogo. Como exemplo,
destacou a demanda do registro civil e não entrega de alguns documentos, a
falta de médico no posto de saúde da família dos ciganos, a questão das
cestas básicas e o problema da regularização da área. José Guilherme Ferraz
sugeriu que o legislativo municipal cobre e fiscalize a execução de políticas
públicas para os ciganos, bem como que reflita e pondere sobre a
possibilidade de criar uma comissão de vereadores, apartidária, para
tratamento específico sobre questões envolvendo os direitos dos ciganos.
[...]. Na audiência pública, os líderes ciganos falaram por suas comunidades
e explicaram porque sentem falta de políticas públicas que resgatem os
direitos deles e implementem na prática. O cigano Eládio, líder do Rancho
Manoel Valério Correia, entregou uma carta ao MPF no qual um trecho dizia
"vivemos sem moradia, sem emprego, sem saneamento básico e sem saúde,
pedimos através dos governos municipal, estadual e federal que nos ajudem.
Nós ciganos vivemos há muitos anos em Sousa, muito discriminados há anos
e negros, índios e quilombolas não são tanto quanto nós somos”. [...]. Para
Maninho, líder do rancho Otávio Maia, foi um prazer imenso receber o
subprocurador-geral Luciano Maia demais representantes do MPF. Já o
cigano Nestor, representante da comunidade Pedro Maia, afirmou que é
preciso que as políticas públicas saiam do papel, pois o povo cigano anda
descrente com as promessas políticas e que acredita na instituição do MPF
para que sejam realizadas ações concretas (PROCURADORIA DA
REPÚBLICA NA PARAÍBA, 2019, s.p).
Fica bastante evidente, diante da realidade nua e crua, a necessidade de atenção
especial por parte do poder público para com essas minorias que vem seguidamente sendo
esquecidas e ignoradas. Uma lei voltada para reafirmar os direitos fundamentais de natureza
constitucional são necessárias e sempre bem-vindas, cumprindo seu papel sócio-juridico na
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prevenção e combate às discriminações e violações. Mas, de outro gume, a lei deve conter os
limites de acordo com o Texto Maior, pois “a liberdade de conformação do legislador tem que
equacionar-se tomando em conta as várias situações que é possível descortinar na complexidade
das relações entre a lei e os direitos fundamentais” (CANOTILHO, 2001, p. 199).
As ações públicas devem ser tão enfáticas, como as propostas para a inclusão de
negros e índios, que também foram, histórica e demasiadamente, marginalizados e
discriminados. Todavia, a edição de lei específica, traduz a conformação dos ditames da
Constituição e, sobretudo, porque “[...] nem mesmo as Constituições mais liberais ou
fortemente protetoras da dignidade da pessoa humana são eficientes a ponto de dispensar o
concurso complementar da legislação ordinária” (SILVEIRA, 2017, p. 309), além da
necessidade de movimentos sociais, acadêmicos e governamentais em prol dessas causas, para
obter a conscientização progressiva e efetiva da sociedade e consequente diminuição do alto
preconceito humano que ainda persiste, em relação às minorias, em pleno terceiro milênio.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tão claro é o processo de invisibilidade social sofrido pelos ciganos ao longo dos anos.
Não há que se falar em exclusão social, neste trabalho, uma vez que os ciganos nunca foram
incluídos de forma justa as diversas sociedades por onde passaram. São simplesmente seres
invisíveis ao olhar da maioria. Porém, via Constituição são sujeitos de direitos, não são
estrangeiros, são brasileiros que buscam a efetivação de direitos fundamentais.
Não existe igualdade no trato de um cigano e um não cigano, além disso, o preconceito
é fator preponderante para que existe uma ocultação de suas origens, crenças e ritualística. O
destrato e até descaso vai desde um civil comum não cigano até um operador do serviço público
como um atendente de posto de saúde da família que se recusa a atender um cigano necessitado
pelo simples fato de ser cigano. Chega a ser inacreditável que esse tipo de situação ainda
aconteça em pleno século XXI e com todos os avanços que a humanidade, de modo geral, vem
tendo no sentido de inclusão de minorias.
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Na pesquisa de campo foram encontrados alguns obstáculos, tais como: dificuldade
em localizar os ciganos, sobretudo os ciganos das chamadas “barracadas”, os nômades. Outro
obstáculo é o fato do grupo possuir uma certa “desconfiança” em relação às perguntas dos
“Gadjés” (não ciganos), justamente pelo enfrentamento de preconceito reiterado. Estão
claramente condicionados a viver afastados dos não ciganos como forma de busca de uma
liberdade que deveria existir gratuitamente. Consequentemente se afastam dos seus direitos
enquanto cidadãos.
De um modo geral, após a pesquisa de campo e de acordo com as leituras realizadas,
verifica-se que as necessidades mais urgentes dos ciganos, seria o acolhimento aos ciganos
nômades, através da possível criação de um local exclusivo para esses nas cidades brasileiras,
é preciso haver a inclusão dos ciganos no censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), treinar melhor os profissionais da saúde e educação no atendimento aos ciganos,
uma vez que constantemente os ciganos mentem que não são ciganos visando coibir situações
de preconceito e discriminação em escolas públicas e postos de saúde.
Somente a Constituição Federal não é suficiente para que as minorias se incluam na
sociedade. Mais do que isso é necessário que existam ações públicas que façam valer o que na
Carta Magna foi garantido pelo legislador. Nesse contexto, há um Projeto de Lei (PL) que
objetiva criar o Estatuto do Cigano, que auxiliaria a criação de políticas públicas que assegurem
aos ciganos moradia digna sem deixar de respeitar seu valores culturais e religiosos. É
necessário que os representantes do povo deixem suas cadeiras confortáveis, pisem seus pés no
ambiente onde essas famílias vivem e respirem do mesmo ar de invisibilidade ao qual os
ciganos são submetidos diariamente. Só pode agir quem conhece a realidade de perto, só pode
entender as necessidades de um povo aquele que comunga das mesmas dificuldades, da luta
diária.
Os impasses políticos são evidentes, haja vista a bancada política brasileira ser
extremamente conservadora e etnocêntrica. Ouvir os pensamentos vindos dos bancos
acadêmicos também não é costume no Brasil, se ao contrário fosse, a Universidade contribuiria
de forma efetiva na construção de políticas púbicas. Evidente que a voz maior deve vir do povo
cigano, que apesar de divergências entre os clãs, precisam se unir em prol de um objetivo maior,
o bem comum da comunidade cigana no Brasil, o que perpassaria por uma maior fiscalização
no papel das ONG’s, por exemplo.
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Talvez possa ser difícil para quem vive dentro dos padrões sociais estereotipados pela
maioria entender e enxergar a gravidade da situação dos ciganos frente ao simples direito de ser
cidadão e poder como qualquer outra pessoa utilizar do serviço público ser sofrer investidas
negativas. É importante olhar a condição pela ótica reversa e buscar sentir na pele como seria
se fosse negado atendimento médico básico aos nossos filhos não por incapacidade do poder
público em atender, mas sim pelo simples fato de fazer parte de uma cultura diferente da
dominante, por assim dizer. Da mesma sorte, ter a matrícula escolar do filho negada pelo mesmo
motivo, ou quando, depois de muito sacrifício, conseguir fazer valer o direito a educação, este
ser interrompido pois a criança cigana não suporta mais frequentar a escola por conta de
agressões físicas, verbais e psicológicas por se vestir diferente, por se portar diferente ou
simplesmente por assumir sua cultura.
É necessário investimento dos entes públicos para que haja respeito e assim todas as
diferenças possam conviver em harmonia e possam usufruir das dos direitos básicos de todo
cidadão. Que o nomadismo seja visível aos olhos dos direitos humanos e o Estado atue
concretamente os direitos fundamentais, com reforço da edição de leis, nos estritos deveres da
Constituição Federal de 1988, tratados e convenções internacionais.
A conscientização e ação legislativa é, pois, medida mais que urgente!
4 REFERÊNCIAS
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