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NOMADISMO INVISÍVEL NA SILENCIOSA PEREGRINAÇÃO PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: CASO DOS CIGANOS NO BRASIL 1 Gabriela Oshiro Reynaldo 2 Lúcio Flávio Joichi Sunakozawa 3 José Manfroi 4 RESUMO: Não se sabe ao certo quando o povo cigano surgiu no mundo e no Brasil. Com suas características culturais próprias e um estilo de vida que foge ao comum, os ciganos sempre foram estigmatizados com muito preconceito e discriminação. A dignidade humana do cigano não difere do não cigano e merece, igualmente, proteção do Estado, consoante os direitos fundamentais resguardados na Carta Magna brasileira. Todavia, tais direitos, continuamente, são desrespeitados, e geram a denominada invisibilidade sociocultural, reflexo de uma sociedade multicultural, mas, de caráter etnocêntrico e elitista, em pleno século XXI. Em tal contexto, no mundo contemporâneo, a dialética "inclusão" versus "exclusão" acirra desigualdades e intensifica tensões dos processos sociais. Este tema possui importância social relevante na defesa dos direitos humanos, por isso, a necessidade de estudos e publicações. Entende-se, portanto, que a ausência de uma legislação específica torna invisível esse grupo focal, sobretudo, no que diz respeito ao resguardo de direitos fundamentais, mesmo que estes já estejam previstos na Carta Magna de 1988 ou em Tratados ou Convenções internacionais. Fica bastante evidente, desse modo, sobre a necessidade de atenção especial e urgente por parte do Estado, pelos poderes constituídos, para que essas minorias não fiquem esquecidas ou ignoradas, em todos os sentidos. As iniciativas de ordem legislativa, em favor da preservação dos direitos específicos para essa minoria etnicorracial, portanto, somente incluirá, socio- juridicamente, a diversidade cultural e a diminuição do preconceito que é real e latente para quem as sofre. Palavras-Chave: 1. Ciganos; 2. Invisibilidade Social; 3. Direitos Humanos; 4. Diversidade Cultural. 1 Este trabalho é um desdobramento do ciclo de pesquisa PIBIC-UCDB desenvolvido na Universidade Católica Dom Bosco nos anos de 2013-2014, sob orientação do Prof. Dr. José Manfroi. 2 Mestre em Desenvolvimento Local. Graduada em Geografia (UEMS) e em Direito (UCDB). Professora e Advogada. E-mail: [email protected] 3 Professor de Direito na UEMS. Mestre em Desenvolvimento Local. (UCDB). Doutorando em Direito (USP). Titular da Cadeira nº 3 da Academia de Letras Jurídicas de MS. E-mail: [email protected] 4 Orientador de Trabalho. Graduado em Filosofia. Mestre em Educação pela UFMS. Doutor em Educação pela UNESP Campus de Marília/SP. Professor pesquisador e orientador nos programas de pós-graduação stricto sensu e lato sensu da Universidade Católica Dom Bosco e Professor no Curso de Direito da Universidade Católica Dom Bosco; Pesquisador e orientador no PIBIC/UCDB/CNPQ. E-mail: [email protected]. Anais do XVI Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em https://cidh.ufms.br/

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NOMADISMO INVISÍVEL NA SILENCIOSA PEREGRINAÇÃO PELOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS: CASO DOS CIGANOS NO BRASIL1

Gabriela Oshiro Reynaldo2

Lúcio Flávio Joichi Sunakozawa3

José Manfroi4

RESUMO: Não se sabe ao certo quando o povo cigano surgiu no mundo e no Brasil. Com suas

características culturais próprias e um estilo de vida que foge ao comum, os ciganos sempre

foram estigmatizados com muito preconceito e discriminação. A dignidade humana do cigano

não difere do não cigano e merece, igualmente, proteção do Estado, consoante os direitos

fundamentais resguardados na Carta Magna brasileira. Todavia, tais direitos, continuamente,

são desrespeitados, e geram a denominada invisibilidade sociocultural, reflexo de uma

sociedade multicultural, mas, de caráter etnocêntrico e elitista, em pleno século XXI. Em tal

contexto, no mundo contemporâneo, a dialética "inclusão" versus "exclusão" acirra

desigualdades e intensifica tensões dos processos sociais. Este tema possui importância social

relevante na defesa dos direitos humanos, por isso, a necessidade de estudos e publicações.

Entende-se, portanto, que a ausência de uma legislação específica torna invisível esse grupo

focal, sobretudo, no que diz respeito ao resguardo de direitos fundamentais, mesmo que estes

já estejam previstos na Carta Magna de 1988 ou em Tratados ou Convenções internacionais.

Fica bastante evidente, desse modo, sobre a necessidade de atenção especial e urgente por parte

do Estado, pelos poderes constituídos, para que essas minorias não fiquem esquecidas ou

ignoradas, em todos os sentidos. As iniciativas de ordem legislativa, em favor da preservação

dos direitos específicos para essa minoria etnicorracial, portanto, somente incluirá, socio-

juridicamente, a diversidade cultural e a diminuição do preconceito que é real e latente para

quem as sofre.

Palavras-Chave: 1. Ciganos; 2. Invisibilidade Social; 3. Direitos Humanos; 4. Diversidade

Cultural.

1 Este trabalho é um desdobramento do ciclo de pesquisa PIBIC-UCDB desenvolvido na Universidade Católica

Dom Bosco nos anos de 2013-2014, sob orientação do Prof. Dr. José Manfroi. 2 Mestre em Desenvolvimento Local. Graduada em Geografia (UEMS) e em Direito (UCDB). Professora e

Advogada. E-mail: [email protected] 3 Professor de Direito na UEMS. Mestre em Desenvolvimento Local. (UCDB). Doutorando em Direito (USP).

Titular da Cadeira nº 3 da Academia de Letras Jurídicas de MS. E-mail: [email protected] 4 Orientador de Trabalho. Graduado em Filosofia. Mestre em Educação pela UFMS. Doutor em Educação pela

UNESP Campus de Marília/SP. Professor pesquisador e orientador nos programas de pós-graduação stricto sensu

e lato sensu da Universidade Católica Dom Bosco e Professor no Curso de Direito da Universidade Católica Dom

Bosco; Pesquisador e orientador no PIBIC/UCDB/CNPQ. E-mail: [email protected].

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1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar a invisibilidade social silente que permeia sobre os

membros da etnia dos ciganos5 que peregrinam o território nacional, com total ausência de uma

política pública específica para essas pessoas, em total afronta aos princípios e normas dos

Direitos Fundamentais, estabelecida na Carta Magna de 1988.

Diferentemente, por razões diversas, a Constituição Federal de 1988 não contemplou

um dispositivo em seu texto, dentre as quais por razões de preconceitos sobre a duvidosa origem

desse povo, geralmente, são grupos nômades, sem território, e sem representação política.

Há versões variadas, mas alguns relatam que os ciganos tem origem na Índia, no Egito

e daí teriam se espalhados pela África, foram vistos já no século XIV na Ilha de Creta, e segundo

uma estimativa do ano de 2012, eles já somavam entre 12 a 14 milhões de pessoas, espalhadas

por todas as partes do mundo (ARRUDA, 2018, p.57).

Os ciganos não tiveram melhor destino na ordem constitucional brasileira, pois ficaram

sem um destaque específico como, reconhecidamente, foram outorgadas para outras

comunidades, a exemplo dos negros e indígenas, apesar de já serem constata o pioneirismo das

suas presenças vindas de Portugal, logo após a vinda dos primeiros portugueses ao Brasil, com

ausência ou pouca visibilidade social e política desde então, pois foram expulsos da Europa,

assim descrita por Teixeira (2008, p. 05):

[...] a complexa definição da identidade cigana, a documentação conhecida

indica que sua história no Brasil iniciou em 1574, quando o cigano João

Torres, sua mulher e filhos foram degregados para o Brasil. Em Minas Gerais,

a presença cigana é nitidamente notada a partir de 1718, quando chegam

ciganos vindos da Bahia, para onde haviam sido deportados de Portugal.

É de se notar, que o direito evoluiu bastante desde o descobrimento do Brasil, mas,

ainda é preciso avançar mais, por meio dos direitos fundamentais, no pleno e intenso exercício

da igualdade contemporânea, em todas suas dimensões, como está expresso no voto do ministro

Luis Roberto Barroso (2019, p. 02), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 845.779, assim

se posicionou:

5 “.. .a origem do vocábulo “cigano”, pois passaram a ser chamados de “egípcios” ou “egitanos”, ou gypsy (em

inglês), gitano (em espanhol), grecianos (no espanhol antigo), gitan (francês), egyptier (holandês antigo) e ciganos

em português (MOO- NEN, 2013, p. 9). O termo “ciganos” em português aparece registrado pela primeira vez na

peça teatral “A farsa das ciganas” de Gil Vicente em 1521 (TEIXEIRA, 2009).” (Ibidem, p. 55)

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No mundo contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente em três

dimensões: a igualdade formal, que funciona como proteção contra a

existência de privilégios e tratamentos discriminatórios; a igualdade material,

que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem estar

social; e a igualdade como reconhecimento, significando o respeito devido às

minorias, sua identidade e suas diferenças, sejam raciais, religiosas, sexuais

ou quaisquer outras.

Portanto, em que pese a Constituição estar no topo da hierarquia das normas, as

produção de normas infraconstitucionais, especificadas por leis ordinárias, por exemplo, não as

impedem de assegurar a eficácia dos direitos fundamentais, mas, ao contrário, somente

confirmam, ratificam, de modo dialógico, a necessidade de afirmar a garantir a concretização

direta de tais direitos, através de edição de lei que “também possui atribuição para lidar com a

fundamentalidade por meio de atuação complementária” (SILVEIRA, 2017, p. 298), como

necessária se faz diante de casos tais, como nesta constatação de invisibilidade dos ciganos.

2 COMPARATIVO LEGAL: LEGISLAÇÃO NACIONAL X ESTATUTO DO CIGANO

Tendo em vista a carência de normas infraconstitucionais que visem resguardar

direitos do povo cigano, o presente capítulo objetiva discorrer, de um modo geral, sobre os

direitos comum a todo brasileiro, previstos na Constituição Federal de 1988, especificamente

no artigo 5º e em um último momento confrontar o sistema jurídico nacional com a proposta

do Estatuto do Cigano.

O Estatuto do Cigano é um Projeto de Lei do Senado, de nº 248, de 2015, de autoria

do senador Paulo Paim, e atualmente encontra-se em tramitação sob a relatoria do senador

Telmário Mota, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (Secretaria de

Apoio à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa).

Primeiramente, se faz necessário determinar quem são os ciganos para que o texto

deste Estatuto possa proteger e garantir direitos ao cidadão de tal etnia. Assim, em termos de

efeito da legislação, tem-se que cigano é aquele que se autodeclara deste modo, a partir de

entendimentos singulares da sua cultura.

Assim, a proposta do Estatuto vem para obrigar o Estado a garantir a igualdade do

povo cigano ao não cigano respeitando suas crenças, costumes e peculiaridades e resguardando

a eles as mesmas oportunidades oferecidas ao indivíduo que não é desta etnia. Fica garantido o

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direito à participação na comunidade e suas variadas atividades sem deixar de preservar os

valores particulares do povo cigano. De um modo geral,

O projeto do Estatuto visa assegurar oportunidades nos diversos setores da

vida social, no acesso à saúde, à terra e ao trabalho e nas políticas de promoção

da igualdade social. Incentiva a educação básica da população cigana, sem

distinção de gênero, estabelecendo o direito à transferência de matrícula e

consequente garantia de vaga nas escolas públicas para as crianças e

adolescentes das etnias. O texto também determina a criação de espaços para

a disseminação da cultura dessa população. Assegura ainda o atendimento na

rede pública de saúde mesmo ao cigano que não for civilmente identificado.

Outra inovação da proposta é a caracterização das línguas ciganas como bem

cultural de natureza imaterial, e o direito à preservação do patrimônio histórico

e cultural, material e imaterial, e sua continuação como povo formador da

história do Brasil. Na área trabalhista, segundo o projeto em análise, o governo

deverá adotar ações para vedar a discriminação no emprego e na profissão.

Caberá ao poder público promover oficinas de profissionalização e incentivar

empresas e organizações privadas a contratar ciganos recém-formados.

Deverá haver incentivo e orientação à população cigana quanto ao crédito para

a pequena e média produção, nos meios rural e urbano (SENADO, 2019, s.p.).

O projeto tem por objetivo a criação de políticas públicas que assegurem aos ciganos

moradia digna sem deixar de respeitar seus valores culturais e religiosos. Tem-se que moram

em acampamentos e isso também faz parte da sua cultura e tradição, dessa maneira, a ação é

protetiva no sentido de considerar esses ranchos e acampamentos asilos invioláveis, como as

casas onde residem os não ciganos.

Outro ponto importante é que o Estatuto acrescenta a realização de uma espécie de

censo demográfico com coleta de dados periódica e para ouvir esse povo e saber deles quais

são suas maiores necessidades, afinal, esses dados jamais poderiam ser estipulados por não

ciganos por não serem adeptos da mesma cultura e por não conhecerem de perto a realidade e

necessidades enfrentadas por esse povo.

2.1 OS CIGANOS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988 quase teve um artigo específico dedicado ao povo

cigano. Todavia, o mesmo foi retirado. Nesse período, o deputado Antônio Mariz chegou a

propor uma emenda à constituição buscando salvaguardar as minorias proibindo a

discriminação por conta etnia ou do nomadismo, porém o projeto não foi aprovado.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Ministério Público Federal a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos; e a defesa judicial dos direitos e interesses das

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populações indígenas. Um dos resultados práticos foi a criação, na

Procuradoria da República, da Coordenadoria de Defesa dos Direitos e

Interesses das Populações Indígenas/CDDIPI. A Lei Complementar 75, de

20.05.1993, ampliou ainda mais a ação do MPF ao atribuí-lo também a

proteção dos interesses relativos às comunidades indígenas e minorias étnicas

(Art. 6, VII, "c"). Diante disto, em abril de 1994, a CDDIPI foi substituída

pela Câmara de Coordenação e Revisão dos Direitos das Comunidades

Indígenas e Minorias (conhecida como 6a Câmara), incluindo-se nestas

também as comunidades negras isoladas (antigos quilombos) e os ciganos

(MAIA, s.d., s.p.).

De toda sorte, hoje, o artigo 215 da Constituição Federal, com seus parágrafos e

incisos, suscita relevante que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais

e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das

manifestações culturais.” (BRASIL, 1988). Nesta senda, ainda se tem o artigo 216 do mesmo

dispositivo legal que especifica o que constitui o patrimônio cultural brasileiro e entre elas as

formas de expressão, modos de criar, fazer e viver. Observa-se os dispositivos destacados:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e

acesso às fontes da cultura nacional, apoiará e incentivará a valorização e a

difusão das manifestações culturais.

§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas

e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo

civilizatório brasileiro.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de

referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores

da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas.

§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens

e valores culturais (BRASIL, 1988).

Diante disso, entende-se que implicitamente, não só o patrimônio cultural bem como

aquilo que deu origem à cultura do povo brasileiro está protegido pela constituição inclusive

costumes introduzidos pelas minorias como os ciganos, através do artigo 5º6 da Carta Magna

Brasileira

A Constituição Federal em seu art. 5º garante aos ciganos aqui residentes,

nascidos ou não no Brasil, os mesmos direitos dos outros cidadãos brasileiros.

Na prática, todavia, muitos destes direitos são constantemente violados, o que

se manifesta na existência de estenótipos negativos, preconceitos e várias

formas de discriminação das minorias ciganas pela população majoritária

6 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade...”.

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nacional. Porém, além disto, os ciganos, por constituírem minorias étnicas,

têm também direitos especiais, citados em vários documentos internacionais,

e aprovados e promulgados também pelo governo brasileiro. Desnecessário

dizer que também estes direitos especiais são constantemente ignorados e

violados (MAIA, s.d., s.p.).

Como dito, os ciganos são minorias étnicas, mas, possuem direitos fundamentais tais

como o direito de não ser objeto de discriminação que ocorre no momento em que recebem

tratamentos desiguais seja por pessoas não ciganas seja pelo poder público quando lhe é negado

atendimento em postos de saúde por exemplo. Outra forma de discriminar é impor tratamento

igualitário7 aos ciganos ignorando seus costumes e crenças como se não ciganos fossem. A

discriminação existe até quando nos referimos à língua falada pela comunidade cigana que é

vista como “um mero dialeto aplicado para despistar a polícia.”

Em países europeus, há experiências de sucesso em educação especial para os

ciganos, do mesmo modo que há, no Brasil, experiências de sucesso em

educação especial para os índios. Nesses exemplos, é sempre prioritário

mencionar a necessidade de produção de material didático-pedagógico, tanto

para os alunos quanto para os professores, em razão da especificidade cultural

dos ciganos, e objetivando utilização do mesmo como instrumento de

superação dos preconceitos existentes, os quais são geradores de

discriminação social, bem como levar em conta os modos tradicionais de

transmissão das experiências e do saber, e métodos e técnicas pedagógicas

(tanto ensinando os ofícios, quanto a língua e a reprodução dos usos e

costumes sociais e grupais) (MAIA, s.d., s.p.).

Nesse sentido, seria ideal que houvesse a capacitação de professores para que

primeiramente pudessem entender as características do povo cigano e havendo possibilidade,

seria de grande valia que houvesse professores bilíngues para que alunos ciganos possam

receber instruções tanto em português quanto em Romani. São medidas de inclusão social

preservadoras da dignidade da pessoa humana e Direitos Humanos.

Ademais, eficaz também seria realizar congressos, palestras, seminários de cunho

educativo para desmistificar a cultura cigana e retirar essa impressão errada que muito possuem

sobre eles. Assim, aumenta-se a inclusão desse povo, o respeito aos seus costumes e crenças e

até mesmo as oportunidades de inclusão no mercado de trabalho e chances de se manterem

dentro da sociedade com respeito.

7 O desrespeito com a cultura das minorias, causa injustiça. Assim, “no caso da igualdade como reconhecimento,

a injustiça a ser combatida não tem natureza legal ou econômica, mas cultural ou simbólica. Ela decorre de modelos

sociais que excluem o diferente, rejeitam os “outros”, produzindo a dominação cultural, o não reconhecimento ou

mesmo o desprezo. Determinados grupos são marginalizados em razão da sua identidade, suas origens, religião,

aparência física ou opção sexual como os negros, judeus, povos indígenas, ciganos, deficientes, mulheres,

homossexuais e transgêneros.” (BARROSO, 2019, p. 02).

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3.2 COMUNIDADE CIGANA A LUZ DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Para iniciar este debate, devemos adotar a premissa já dita anteriormente de que todo

aquele que é adepto da cultura cigana e tenha nascido no Brasil é cidadão brasileiro e deve ser

tratado como tal. Liberdade, justiça e solidariedade são as bandeiras levantadas pela

Constituição Federal.

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

[...]

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).

“Todos são iguais perante a lei” já dizia o artigo 5º da Constituição Federal, mas, o

questionamento que se sobrepõe é: isso é de fato praticado? Em muitos momentos não.

Observa-se:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade.

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,

sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei (BRASIL, 1988). (Grifou-se).

O legislador foi atento em resguardar os direitos dos cidadãos na Constituição Federal

e ainda mais em um dispositivo de tamanha importância. O direito a não discriminação

criminaliza a pratica do racismo da qual as minorias étnicas, incluindo povo cigano é vítima.

Muitas vezes se veem obrigados a deixar de frequentar determinados lugares, deixar de usar

suas vestimentas, ou seja, deixar de exercer sua liberdade para se privar do racismo que em

muitos casos é uma pratica desmedida, descontrolada e pode, inclusive, fazer vítimas de eventos

agressivos.

Seguindo esse raciocínio, vemos cerceado o direito de ir e vir do cigano por medo de

ser vitimizado através dessas práticas de crueldade. O direito de ir e vir está instalado no

seguinte dispositivo legal: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza. XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer

pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (BRASIL, 1988).

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Também cerceia o direito de ir e vir do cigano aquele que impede que esse povo

transite livremente por lugares públicos por associar erroneamente a presença de ciganos a

furtos.

Deve ser dado destaque ainda aos chamados direito sociais. Dessa maneira deve ser

garantido ao povo cigano o direito a saúde nos termos do seguinte artigo da Carta Magna:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de

outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para

sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, grifou-se).

Como visto, a Constituição Federal garante ao cidadão brasileiro acesso universal à

saúde. Em outras palavras é garantido ao cidadão brasileiro atendimento em postos de saúde,

hospitais públicos e Unidades de Pronto Atendimento (UPA) não podendo ser negado

atendimento em decorrência de crença, cor, sexo, religião, etnia, idade ou classe social. Assim,

esse direito também se estende ao povo cigano e a ele deve ser garantido e resguardado, embora

em muitos casos o atendimento seja negado por preconceito dos agentes de saúde que prestam

atendimento. Nesse caso, adentra-se a esfera penal tratando o preconceito como crime que deve

ser punido.

A comunidade cigana também tem direito à educação e cultura que faz parte do rol

dos direitos sociais. Observa-se:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

Como também já foi comentado anteriormente, a educação cria condições de

desenvolvimento para o cidadão incutindo na pessoa o conhecimento necessário para que se

viva em sociedade e dentro do contexto em tela tem grande papel no que tange a inclusão social,

pois hoje a escola possui papel muito maior do que apenas ensinar, hoje a escola é responsável

também por humanizar crianças, jovens e adultos.

Dessa maneira, políticas de inclusão social da comunidade cigana junto com a não

cigana seriam de grande eficácia para que em um futuro próximo não mais exista o ultrapassado

preconceito com esse povo e cultura, vez que o

[...] remédio contra a discriminação e o preconceito envolve uma

transformação cultural capaz de criar um mundo aberto à diferença (“a

difference-friendly world”), onde a assimilação aos padrões culturais

dominantes ou majoritários não seja o preço a ser pago pelo mútuo respeito

(BARROSO, 2019, p. 03).

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Vale destacar o artigo XXVII, parágrafo primeiro, da Declaração Universal dos

Direitos Humanos de 1947, que orienta cogentemente: “Toda a pessoa tem direito de participar

livremente da vida cultural da comunidade de fruir das artes e de participar do progresso

científico e de seus benefícios”.

Também devem ser garantidos ao cigano os benefícios previdenciários àqueles que

contribuírem nas mesmas condições dos cidadãos não ciganos. Ainda devem receber o

benefício da prestação continuada aos idosos e deficientes incapacitados ao trabalho.

Devem ser garantidos ainda o direito ao registro civil nos termos da Lei nº 9.534, de

10 de dezembro de 1997, que estabelece inclusive gratuidade no registro civil de nascimento.

Traz-se à baila um caso que aconteceu no município de Souza – PB onde o Ministério

Público Federal, no ano de 2013, visitou ranchos ciganos e lá realizou audiência pública

ouvindo cerca de 250 famílias em busca de ver de perto a realidade no qual estão inseridos e

quais as maiores dificuldades enfrentadas por este povo.

Na ocasião, o procurador regional dos Direitos do Cidadão na Paraíba, José

Guilherme Ferraz da Costa, argumentou que vários dos problemas podem

ser solucionados com medidas simples e com diálogo. Como exemplo,

destacou a demanda do registro civil e não entrega de alguns documentos, a

falta de médico no posto de saúde da família dos ciganos, a questão das

cestas básicas e o problema da regularização da área. José Guilherme Ferraz

sugeriu que o legislativo municipal cobre e fiscalize a execução de políticas

públicas para os ciganos, bem como que reflita e pondere sobre a

possibilidade de criar uma comissão de vereadores, apartidária, para

tratamento específico sobre questões envolvendo os direitos dos ciganos.

[...]. Na audiência pública, os líderes ciganos falaram por suas comunidades

e explicaram porque sentem falta de políticas públicas que resgatem os

direitos deles e implementem na prática. O cigano Eládio, líder do Rancho

Manoel Valério Correia, entregou uma carta ao MPF no qual um trecho dizia

"vivemos sem moradia, sem emprego, sem saneamento básico e sem saúde,

pedimos através dos governos municipal, estadual e federal que nos ajudem.

Nós ciganos vivemos há muitos anos em Sousa, muito discriminados há anos

e negros, índios e quilombolas não são tanto quanto nós somos”. [...]. Para

Maninho, líder do rancho Otávio Maia, foi um prazer imenso receber o

subprocurador-geral Luciano Maia demais representantes do MPF. Já o

cigano Nestor, representante da comunidade Pedro Maia, afirmou que é

preciso que as políticas públicas saiam do papel, pois o povo cigano anda

descrente com as promessas políticas e que acredita na instituição do MPF

para que sejam realizadas ações concretas (PROCURADORIA DA

REPÚBLICA NA PARAÍBA, 2019, s.p).

Fica bastante evidente, diante da realidade nua e crua, a necessidade de atenção

especial por parte do poder público para com essas minorias que vem seguidamente sendo

esquecidas e ignoradas. Uma lei voltada para reafirmar os direitos fundamentais de natureza

constitucional são necessárias e sempre bem-vindas, cumprindo seu papel sócio-juridico na

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prevenção e combate às discriminações e violações. Mas, de outro gume, a lei deve conter os

limites de acordo com o Texto Maior, pois “a liberdade de conformação do legislador tem que

equacionar-se tomando em conta as várias situações que é possível descortinar na complexidade

das relações entre a lei e os direitos fundamentais” (CANOTILHO, 2001, p. 199).

As ações públicas devem ser tão enfáticas, como as propostas para a inclusão de

negros e índios, que também foram, histórica e demasiadamente, marginalizados e

discriminados. Todavia, a edição de lei específica, traduz a conformação dos ditames da

Constituição e, sobretudo, porque “[...] nem mesmo as Constituições mais liberais ou

fortemente protetoras da dignidade da pessoa humana são eficientes a ponto de dispensar o

concurso complementar da legislação ordinária” (SILVEIRA, 2017, p. 309), além da

necessidade de movimentos sociais, acadêmicos e governamentais em prol dessas causas, para

obter a conscientização progressiva e efetiva da sociedade e consequente diminuição do alto

preconceito humano que ainda persiste, em relação às minorias, em pleno terceiro milênio.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tão claro é o processo de invisibilidade social sofrido pelos ciganos ao longo dos anos.

Não há que se falar em exclusão social, neste trabalho, uma vez que os ciganos nunca foram

incluídos de forma justa as diversas sociedades por onde passaram. São simplesmente seres

invisíveis ao olhar da maioria. Porém, via Constituição são sujeitos de direitos, não são

estrangeiros, são brasileiros que buscam a efetivação de direitos fundamentais.

Não existe igualdade no trato de um cigano e um não cigano, além disso, o preconceito

é fator preponderante para que existe uma ocultação de suas origens, crenças e ritualística. O

destrato e até descaso vai desde um civil comum não cigano até um operador do serviço público

como um atendente de posto de saúde da família que se recusa a atender um cigano necessitado

pelo simples fato de ser cigano. Chega a ser inacreditável que esse tipo de situação ainda

aconteça em pleno século XXI e com todos os avanços que a humanidade, de modo geral, vem

tendo no sentido de inclusão de minorias.

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Na pesquisa de campo foram encontrados alguns obstáculos, tais como: dificuldade

em localizar os ciganos, sobretudo os ciganos das chamadas “barracadas”, os nômades. Outro

obstáculo é o fato do grupo possuir uma certa “desconfiança” em relação às perguntas dos

“Gadjés” (não ciganos), justamente pelo enfrentamento de preconceito reiterado. Estão

claramente condicionados a viver afastados dos não ciganos como forma de busca de uma

liberdade que deveria existir gratuitamente. Consequentemente se afastam dos seus direitos

enquanto cidadãos.

De um modo geral, após a pesquisa de campo e de acordo com as leituras realizadas,

verifica-se que as necessidades mais urgentes dos ciganos, seria o acolhimento aos ciganos

nômades, através da possível criação de um local exclusivo para esses nas cidades brasileiras,

é preciso haver a inclusão dos ciganos no censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística), treinar melhor os profissionais da saúde e educação no atendimento aos ciganos,

uma vez que constantemente os ciganos mentem que não são ciganos visando coibir situações

de preconceito e discriminação em escolas públicas e postos de saúde.

Somente a Constituição Federal não é suficiente para que as minorias se incluam na

sociedade. Mais do que isso é necessário que existam ações públicas que façam valer o que na

Carta Magna foi garantido pelo legislador. Nesse contexto, há um Projeto de Lei (PL) que

objetiva criar o Estatuto do Cigano, que auxiliaria a criação de políticas públicas que assegurem

aos ciganos moradia digna sem deixar de respeitar seu valores culturais e religiosos. É

necessário que os representantes do povo deixem suas cadeiras confortáveis, pisem seus pés no

ambiente onde essas famílias vivem e respirem do mesmo ar de invisibilidade ao qual os

ciganos são submetidos diariamente. Só pode agir quem conhece a realidade de perto, só pode

entender as necessidades de um povo aquele que comunga das mesmas dificuldades, da luta

diária.

Os impasses políticos são evidentes, haja vista a bancada política brasileira ser

extremamente conservadora e etnocêntrica. Ouvir os pensamentos vindos dos bancos

acadêmicos também não é costume no Brasil, se ao contrário fosse, a Universidade contribuiria

de forma efetiva na construção de políticas púbicas. Evidente que a voz maior deve vir do povo

cigano, que apesar de divergências entre os clãs, precisam se unir em prol de um objetivo maior,

o bem comum da comunidade cigana no Brasil, o que perpassaria por uma maior fiscalização

no papel das ONG’s, por exemplo.

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Talvez possa ser difícil para quem vive dentro dos padrões sociais estereotipados pela

maioria entender e enxergar a gravidade da situação dos ciganos frente ao simples direito de ser

cidadão e poder como qualquer outra pessoa utilizar do serviço público ser sofrer investidas

negativas. É importante olhar a condição pela ótica reversa e buscar sentir na pele como seria

se fosse negado atendimento médico básico aos nossos filhos não por incapacidade do poder

público em atender, mas sim pelo simples fato de fazer parte de uma cultura diferente da

dominante, por assim dizer. Da mesma sorte, ter a matrícula escolar do filho negada pelo mesmo

motivo, ou quando, depois de muito sacrifício, conseguir fazer valer o direito a educação, este

ser interrompido pois a criança cigana não suporta mais frequentar a escola por conta de

agressões físicas, verbais e psicológicas por se vestir diferente, por se portar diferente ou

simplesmente por assumir sua cultura.

É necessário investimento dos entes públicos para que haja respeito e assim todas as

diferenças possam conviver em harmonia e possam usufruir das dos direitos básicos de todo

cidadão. Que o nomadismo seja visível aos olhos dos direitos humanos e o Estado atue

concretamente os direitos fundamentais, com reforço da edição de leis, nos estritos deveres da

Constituição Federal de 1988, tratados e convenções internacionais.

A conscientização e ação legislativa é, pois, medida mais que urgente!

4 REFERÊNCIAS

ARRUDA, Flávia Marcarine. Territorialidades ciganas na Região Metro- politana de

Vitória. 2018. Dissertação. (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Instituto de Arquitetura

e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 jul. 2019.

______. Supremo Tribunal Federal (STF). RE 845.779. Voto do ministro Luis Roberto

Barroso. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/voto-ministro-barroso-stf-

questao.pdf >. Acesso em 03.08.2019.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador:

contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra:

Coimbra Editora, 2001.

MAIA, Luciano Mariz. Ciganos: o futuro em suas mãos. Disponível em:

<http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lucianomaia/luciano100.html>. Acesso em: 27

jul. 2019.

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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NA PARAÍBA. MPF discute demandas de ciganos

de Souza (PB). Disponível em: https://pr-pb.jusbrasil.com.br/noticias/112034404/mpf-

discute-demandas-de-ciganos-de-sousa-pb. Acesso em: 27 jul. 2019.

SENADO NOTÍCIAS. Criação do Estatuto do Cigano está em análise na Comissão de

Educação. Disponível em:

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/02/01/criacao-do-estatuto-do-cigano-

esta-em-analise-na-comissao-de-educacao. Acesso em: 27 jul. 2019.

SILVEIRA, João José Custódio. Leis e direitos fundamentais: dialogo normativo. PRETTO,

Renato Siqueira de; KIM, Richard Pae; TERAOKA, Thiago Massao Cortizo. Interpretação

constitucional no Brasil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2017.

TEIXEIRA, Rodrigo Corrêa. História dos ciganos no Brasil. Recife: Núcleo de Estudos

Ciganos, 2008.

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