NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação...

578

Transcript of NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação...

Page 1: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 2: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 3: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

TítuloNAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL

CoordenaçãoFernando de SousaIsmênia de Lima MartinsIzilda Matos

Capa: Maria Adão

EdiçãoEdições Afrontamento / Rua Costa Cabral, 859 / 4200-225 Portowww.edicoesafrontamento.pt / [email protected]

CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e SociedadeRua do Campo Alegre, 1055 4169-004 PortoTelef.: 22 609 53 47 / 22 600 15 13Fax: 22 543 23 68E-mail: [email protected]

Colecção: Diversos, 24N.º de edição: 1231ISBN: 978-972-36-1028-4Depósito legal: 298069/09Impressão e acabamento: Rainho & Neves, Lda. / Santa Maria da Feira

[email protected]

Impresso em 2009

Page 4: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

NAS DUAS MARGENS.OS PORTUGUESES NO BRASIL

Coordenadores

Fernando de SousaIsmênia de Lima Matos

Izilda Matos

Page 5: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 6: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

INTRODUÇÃO

Pelo impacto económico, social, político e demográfico que teve, num e nou-tro lado do Oceano, o movimento emigratório de Portugal para o Brasil assume--se como um campo de investigação alargado e multidisciplinar de grande rele-vância, que, sobretudo ao longo dos últimos anos, tem merecido a atenção dosinvestigadores portugueses e brasileiros. Nesse âmbito têm sido desenvolvidosdiversos projectos de investigação que, individual ou colectivamente, se têmdebruçado sobre as várias vertentes dessa emigração, desde a identificação equantificação dos fluxos migratórios, do âmbito sociodemográfico dos emigran-tes e das suas regiões de origem, da comparação dos ritmos migratórios com aevolução económica, até ao seu impacto sociodemográfico e reflexo migratório,passando pelo associativismo como forma de integração nos países de destino.

Realidade transversal a todo o continente europeu, e em especial da Europado Sul, o fenómeno migratório marca uma herança comum com reflexos nasociedade contemporânea, quer ao nível social, quer económico e cultural. Seé inegável a influência que os emigrantes europeus exerceram no desenvolvi-mento e na transformação dos países latino-americanos em cujas sociedades seintegraram com maior ou menor facilidade, não é menos verdadeira a asserçãode que, para a modernização da Europa do Sul, foi determinante o contributodas remessas e dos investimentos realizados por aqueles que retornaram à suaterra natal. Nessa perspectiva, a problemática da emigração/imigração impõe--se, também, como uma profícua área de investigação que, apesar dos projec-tos realizados e dos trabalhos produzidos, continua ainda em aberto, sentindo--se a necessidade de, a par das especificidades locais, traçar as linhas de umaevolução comum ao nível da Europa Mediterrânica.

O Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade – CEPESEdesenvolveu, desde 2005, o Projecto Emigração do Norte de Portugal para oBrasil, com o apoio de uma vasta equipa de investigação. Aprovado e finan-ciado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT, este Projecto cuja pri-meira fase terminou em Junho de 2008, foi avaliado em 2007 por uma Comis-são Internacional de Avaliação, tendo obtido a classificação de Excelente. Arelevância do Projecto em questão justificou, ainda, o apoio financeiro porparte do Gabinete de Relações Internacionais da Ciência e do Ensino Superior– GRICES, em Portugal, e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pes-quisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ.

Tendo como ponto de partida o conhecimento exaustivo da tipologia e daspotencialidades das várias fontes históricas para o estudo da emigração, exis-

5

Page 7: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tentes nos arquivos portugueses e brasileiros, o referido Projecto apresentoucomo objectivo central o levantamento e sistematização da informação relativaaos emigrantes que saíram da região nortenha do território nacional com des-tino ao Brasil. Ao fazer a identificação individualizada e o mais completa pos-sível, de cada um dos emigrantes que, nos séculos XIX e XX, legalmente, par-tiram para o Brasil, tornou-se possível conhecer, de uma forma mais abrangentee concreta, o volume dos efectivos migratórios dos portugueses para esse paísa partir do norte do território nacional, o âmbito sociodemográfico dos emi-grantes portugueses, a relação entre os ritmos migratórios e a evolução econó-mica nacional e internacional, bem como o impacto sociodemográfico da emi-gração portuguesa no país receptor, o reflexo migratório e a importância daemigração portuguesa para a construção do Brasil contemporâneo.

O levantamento da informação feito, sobretudo, a partir dos livros deregisto de passaportes pertencentes aos Governos Civis (1835-1960), centra-ram-se, nesta primeira fase, nos distritos nortenhos de Viana do Castelo, Braga,Porto, Aveiro, Vila Real, Viseu e Bragança, distritos onde o referido Projectodispôs de equipas de inventariação e levantamento de informação. Informaçãoessa que se procurou, ainda, complementar com a consulta de documentaçãobrasileira existente em bibliotecas e arquivos do Rio de Janeiro, Santos e SãoPaulo, principais portos de chegada dos portugueses emigrados.

Com a criação de uma Base de Dados na Internet (http://cepese.up.pt), queconta já com a identificação de 300 mil emigrantes, e que está em permanenteactualização e enriquecimento pelo CEPESE, pretendeu-se criar uma ferra-menta de consulta e pesquisa alargada sobre a emigração legal portuguesa parao Brasil, com vista à identificação de todos os indivíduos que participaram nes-ses movimentos. Uma informação que interessará quer aos investigadores, querao público em geral, interessado em conhecer as suas origens, e muito espe-cialmente aos brasileiros interessados em adquirir a cidadania portuguesa,desde que provem ser descendentes de emigrantes portugueses.

No âmbito deste Projecto têm vindo a ser estabelecidos, desde o primeiromomento, diversos protocolos de cooperação com instituições de investigaçãobrasileiras, de forma a estabelecer uma dinâmica de investigação e de coopera-ção entre os dois países. Dessa forma, pretende-se promover o levantamentodas fontes documentais relativas à questão da imigração, no país destino, ouseja no Brasil, envolvendo os investigadores brasileiros com o objectivo não sóde potenciar o intercâmbio de conhecimentos e de visões sobre a referida temá-tica, mas também o de possibilitar o cruzamento de dados e de informaçõesestatísticas acerca desses movimentos migratórios, com origem no territórioportuguês. Para isso, foram já estabelecidos protocolos com a Secretaria daCiência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro, através da Fun-dação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro– FAPERJ; com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, e,mais recentemente, com a Universidade Federal do Pará e a Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ.

INTRODUÇÃO

6

Page 8: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

No âmbito desta cooperação, realizaram-se, desde 2005, seminários anuaisonde investigadores portugueses, brasileiros e espanhóis têm participado, par-tilhando experiências e conhecimentos e debatendo as conclusões que resultamdos seus trabalhos investigativos. Desde o I Seminário Internacional sobre aEmigração Portuguesa para o Brasil Portugueses no Brasil: Migrantes emdois atos (Rio de Janeiro: Muiraquitã, 2006) realizado em Novembro de 2005,no Rio Janeiro, e em que se estabeleceram as linhas orientadoras da investiga-ção a desenvolver em ambos os países e as bases da cooperação bilateral, atéao IV Seminário Internacional Nas duas margens: os Portugueses no Brasil,efectuado em 21 a 25 Julho de 2008, tem sido percorrido um longo e frutuosocaminho. Em Julho de 2006, teve lugar, no Porto, o II Seminário Internacionalde que resultou a publicação de A Emigração Portuguesa para o Brasil (Porto:CEPESE, Edições Afrontamento, 2007) e em Setembro de 2007, o III Seminá-rio Internacional, realizado em São Paulo, de que se publicou Deslocamentos& Histórias: os Portugueses (S. Paulo: Edusc, CEPESE, 2008).

Gostaríamos, ainda, de chamar a atenção para os trabalhos académicos deinvestigação já concluídos ou em curso, no âmbito de mestrados ou doutora-mentos, a saber: Sílvia Braga – A Emigração do Norte de Portugal para o Bra-sil nas vésperas da II Guerra Mundial (1935-1939) (já concluído); Paulo Amo-rim – A Emigração do Norte de Portugal para o Brasil durante a II GuerraMundial (1939-1945) (já concluído); Bruno Rodrigues – As relações sociopo-líticas Portugal-Brasil (1933-1934); Maria José Ferraria – A Emigração Por-tuguesa para o Brasil (1880-1910) vista através dos livros de registo de pas-saportes do Governo Civil do Porto; Ricardo Rocha – A emigração do Nortede Portugal para o Brasil. Da implantação da República ao final da I GuerraMundial (1910-1918); Diogo Ferreira – A Emigração do Norte de Portugalpara o Brasil. Do final da I Guerra Mundial à Grande Crise Capitalista (1918--1931); Maria Adelina Piloto – A Emigração do concelho de Vila do Condepara o Brasil (1834-1949). Problemáticas e Realidade e Conceição Salgado –O contributo do emigrante do Nordeste Trasmontano nas relações Portugal--Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da Costa Monteiro o projectode investigação A emigração portuguesa para o Brasil e o retorno – Vila Realno século XIX e na primeira metade do século XX.

Por último, queremos manifestar o nosso agradecimento às instituições quenos têm apoiado no desenvolvimento do Projecto e que contribuíram para apublicação que agora se edita: a FAPERJ – Fundação de Amparo à Pesquisa noEstado do Rio de Janeiro, a Universidade Lusíada do Porto e o Governo Civildo Porto. Agradecemos também às instituições que patrocinaram este Seminá-rio: FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia; Programa FACC – Fundo deApoio à Comunidade Científica; Programa Operacional Ciência e Inovação2010, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional; Universidade do Porto;Escola Superior de Educação da Guarda, GRICES – Gabinete de RelaçõesInternacionais da Ciência e do Ensino Superior; Câmara Municipal do Porto,

INTRODUÇÃO

7

Page 9: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Câmara Municipal de Matosinhos; Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia,Fundação Eng.º António de Almeida, Fundação Dr. António Cupertino deMiranda; Carnady – Comércio Internacional, lda; ISLA – Instituto Superior deLínguas e Administração; Banco Espírito Santo; Moat-Engil; Vicaima; Agên-cia Abreu; Real Companhia Velha; Jornal de Notícias e PUC – Pontíficia Uni-versidade Católica de S. Paulo.

Finalmente, uma palavra de reconhecimento a todos os investigadores doCEPESE que colaboraram no Projecto Emigração do Norte de Portugal parao Brasil e que contribuíram para o sucesso da sua execução.

Fernando de Sousa(Presidente do CEPESE)

INTRODUÇÃO

8

Page 10: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

INTRODUCTION

Due to the economic, social, political and demographic impact that had inboth sides of the Atlantic, the migratory movement from Portugal to Brazil is aresearch field of great importance and multidisciplinary relevance that hasrecently obtained the attention of Portuguese and Brazilian researchers. Thusseveral research projects are being developed, based on different aspects ofemigration, such as the identification and quantification of migration, thesociodemographic context of emigrants and their origin regions, the compari-son between migratory patterns and economic development, the sociodemo-graphic impact, the migratory reflex, and even the role of associations as amean of integration in the destination countries.

The migratory phenomenon that crosses the entire European continent,particularly southern Europe, marks a common heritage with consequences onthe contemporary society, at social, economic and cultural levels. If it is unde-niable that European emigrants influenced the development and transforma-tion of Latin American countries, in which societies they were integrated withmore or less facility, it is also true that, for the modernization of southernEurope, it was decisive the contribution of the remittances and investmentsby those who returned to their homeland. Accordingly, the issue of immigra-tion/emigration is also an important area of research that, despite the projectsand the work already produced, is still open, with the need, in addition to thespecific local conditions, to trace the lines of a common development in theMediterranean Europe.

CEPESE – Center for the Study of Population, Economy and Society, isdeveloping, since 2005, a research Project on the Emigration from the North ofPortugal to Brazil, with the support of a large team of researchers. Approvedand funded by the Foundation for Science and Technology – FCT, this projectwhose first phase ended in June 2008, was evaluated in 2007 by an Internatio-nal Commission of Evaluation and obtained a classification of Excellent. Therelevance of the project in question justified the financial support by the Inter-national Relations Office of Science and Higher Education – GRICES, Portu-gal, and by Carlos Chagas Filho Foundation for the Support of Research of theState of Rio de Janeiro – FAPERJ, Brazil.

Based on the thorough knowledge of the typology and the potential ofvarious historical sources for the study of migration, between the Brazilianand Portuguese archives, the project has as its main objective the survey andsystematization of information about emigrants who left the Portuguese nor-

9

Page 11: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

thern territory to Brazil. The individual identification, as complete as possi-ble, of each emigrant who, during the 19th and 20th century, legally left toBrazil, allowed the knowledge, in a more comprehensive and concrete way,of the volume of the migration from Portugal to this country, the sociodemo-graphic scope of Portuguese emigrants, the relationship between migrationpatterns and national and international economic developments, the socio-demographic impact of Portuguese emigration in Brazil, and the influenceand the importance of Portuguese emigration in the construction of contem-porary Brazil.

The survey of the information, especially from the books of registration ofpassports belonging to Civil Governments (1835-1960), focused on, in thisfirst phase of the project, the Northern districts of Viana do Castelo, Braga,Porto, Aveiro, Vila Real, Viseu and Bragança, districts where different resear-chers are working in the inventory and survey of the information. All these dataare meant to be enriched with the documentation held by Brazilian libraries andarchives in Rio de Janeiro, Santos and São Paulo, the major ports of arrival forPortuguese emigrants.

With the creation of an electronic database (cepese.up.pt), which holdsthe identification of 300 000 emigrants and in permanent update and enrich-ment by CEPESE’s research team, we expect to create a tool for consultingand extending the research on the Portuguese legal emigration to Brazil, inorder to identify all individuals who participated in these movements, infor-mation of interest to researchers and the general public interested in knowingtheir origins, and especially to Brazilians interested in acquiring Portuguesecitizenship.

Under this project, we have been establishing several protocols of coope-ration with research institutions in Brazil, to reinforce a dynamic research andcooperation between the two countries. Thus, it is our intention to promote thesurvey of documentary sources relating to the issue of immigration in the des-tination country, involving Brazilian researchers, aiming not only at enhancingthe exchange of knowledge and views on this subject, but also to enable the lin-king of data and statistical information about the migratory movements fromthe Portuguese territory. With this purpose, protocols have been establishedwith the Secretariat of Science, Technology and Innovation of the State of Riode Janeiro by means of Carlos Chagas Filho Foundation for the Support ofResearch of the State of Rio de Janeiro – FAPERJ, with the Catholic Univer-sity of São Paulo – PUC-SP, and, more recently, the Federal University of Paráand the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro – PUC-RJ.

CEPESE is also carrying out, since 2005, annual meetings where Portu-guese, Brazilian and Spanish researchers have been participating, sharing theirknowledge and experiences and discussing their research work. Since the FirstInternational Seminar on Portuguese emigration to Brazil, Portuguese in Bra-zil: Migrants in two acts (Rio de Janeiro: Muiraquitã, 2006) in November 2005in Rio Janeiro, which established the guidelines of the research developed in

INTRODUCTION

10

Page 12: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

both countries and the basis of bilateral cooperation, to the IV InternationalSeminar, On both sides: the Portuguese in Brazil, carried out in 21 to 25 July2008, a long way of fruitful cooperation has been achieved. In July 2006, tookplace in Porto the II International Seminar resulting in the publication of ThePortuguese emigration to Brazil (Porto: CEPESE, Afrontamento Editions,2007) and in September 2007, the III International Seminar, held in São Paulo,motivated the edition of Displacements & Stories: the Portuguese (S. Paulo:EDUSC, CEPESE, 2008).

We would also like to draw the attention to the academic research worksalready completed or in progress, for the achievement of master or PhDdegrees, namely: Sílvia Braga – The Emigration from Northern Portugal toBrazil on the eve of World War II (1935-1939) (already presented with success);Paulo Amorim – The Emigration from Northern Portugal to Brazil duringWorld War II (1939-1945) (already presented with success); Bruno Rodrigues– The Emigration from the North of Portugal to Brazil (1932-1935); Maria JoséFerraria – The Portuguese emigration to Brazil (1880-1910) seen through thebooks of registration of passports of the Civil Government of Porto; RicardoRocha – Emigration from Northern Portugal to Brazil. From the establishmentof the Republic to the end of World War I (1910-1918); Diogo Ferreira – TheEmigration from Northern Portugal to Brazil. From the end of World War I tothe Great Capitalist Crisis (1918-1931); Maria Adelina Piloto – The Emi-gration of the municipality of Vila do Conde to Brazil (1834-1949), Issues and Reality; and Conceição Salgado – The contribution of emigrants from Northeast Trás-os-Montes in the Portugal-Brazil relations. Under the Programfor Employment of PhDs/Science 2007 of the FCT it is also being conductedby Isilda Braga da Costa Monteiro the research project The Portuguese emi-gration to Brazil and return – Vila Real in the 19th century and the first half ofthe 20th century.

Finally, we would like to express our gratitude to the institutions that havesupported us in the development of the project and contributed to the publica-tion of On both sides: the Portuguese in Brazil: FAPERJ – Foundation for theSupport of Research in the State of Rio de Janeiro, Lusíada University of Portoand the Civil Government of Porto. We would also like to thank to the institu-tions that sponsored this seminar: FCT – Foundation for Science and Techno-logy, FACC Program – Fund for the Support of the Scientific Community;Operational Program Science and Innovation 2010; European Regional Deve-lopment Fund; University of Porto; School of Higher Education of Guarda;GRICES – International Relations Office of Science and Higher Education;Municipality of Porto; Municipality of Matosinhos; Municipality of Vila Novade Gaia; Eng.º António de Almeida Foundation; Dr. António Cupertino deMiranda Foundation; Carnady – International Trade, Lda; ISLA – InstitutoSuperior de Línguas e Administração; Banco Espírito Santo; Mota-Engil;Vicaima; Abreu Travel Agency; Real Companhia Velha; Jornal de Notícias andPUC – Pontifical Catholic University of S. Paulo.

INTRODUCTION

11

Page 13: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Finally, a word of recognition to all researchers who have been cooperatingwithin CEPESE’s Project Emigration from the North of Portugal to Brazil,contributing to its success.

Fernando de Sousa(Chairman of CEPESE)

INTRODUCTION

12

Page 14: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

13

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESAPARA O BRASIL E AS ORIGENS

DA AGÊNCIA ABREU (1840)

Fernando de Sousa Maria José Ferraria

INTRODUÇÃO

A emigração portuguesa para o Brasil, no século XIX, só pode ser enten-dida como a continuação de um processo multissecular iniciado no século XVIe que, ao longo do tempo, com altos e baixos, se prolongou até praticamenteaos nossos dias.

Quer sob a forma de colonização/emigração durante o Império Português(1500-1822), quer sob a forma de emigração propriamente dita a partir da inde-pendência do Brasil (1822), exigindo sempre, de 1709 em diante, a emissão deum passaporte para quem pretendesse ausentar-se de Portugal para aquele ter-ritório, esta longa emigração iludiu as leis da proibição ou restrição de cá e delá, e ignorou as mudanças dos regimes políticos que ocorreram em cada um dospaíses nos últimos dois séculos, uma corrente contínua que uma vezes se sub-merge tão profundamente que parece não existir e outras vezes irrompe comuma pujança que tudo avassala e contra a qual não há nada a fazer.

As recorrentes perseguições aos portugueses no Brasil oitocentista nuncapuseram em causa a sua continuidade e permanência naquele país, como asretóricas denúncias políticas em Portugal da miséria, exploração e servidão queafectava numerosos portugueses no Brasil, nunca foram susceptíveis de evita-rem tal emigração.

Renunciemos às multiplicas explicações e interpretações deste fenómeno,constante estrutural da história portuguesa e matriz inquestionável da naçãobrasileira. O que importa, agora, sublinhar é que, se os portugueses partiam,cultos ou analfabetos, ontem como hoje, era porque a aventura era mais forteque o enraizamento, o sonho mais irresistível que a realidade, o futuro maisprenhe de esperança ou abundância que o presente vivido. E sempre que talacontece, homens e mulheres pura e simplesmente embarcam, respondendo aosapelos da história comum, da mesma língua, de familiares já instalados, dosvendedores de quimeras, de contratos sedutores, de negócios prometidos,enfim, das mais diversas razões, justificações e decisões, que fazem de cadaemigrante um caso irredutível. Se o passaporte, o meio de transporte e o local

Page 15: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

FERNANDO DE SOUSA /MARIA JOSÉ FERRARIA

14

de destino os uniformizam, as motivações que impelem os portugueses a emi-grar para o Brasil são tão plurais e complexas como a sua idade, naturalidade,estado civil, formação, nível social, etc.

Estas breves considerações vêm a propósito do percurso de um portuguêsque cedo emigrou para o Brasil e regressou a Portugal como outros tantos bra-sileiros para fundar, no Porto, em 1840, a Agência Abreu, a mais antigaempresa de viagens portuguesa, uma das mais antigas do mundo, e que, nasmãos da mesma família, veio até aos nossos dias.

Importa, assim, caracterizar a emigração portuguesa para o Brasil entre1836-1843, traçar o perfil do seu fundador Bernardo Luís Vieira de Abreu eexplicar as razões que estão na origem da Agência Abreu, a qual, durante lar-gas décadas, teve na emigração transoceânica a sua principal actividade.

1. QUEM EMIGRA?

A guerra civil em Portugal, que se desenvolveu entre absolutistas e liberaisnos anos de 1832-1834, limitou drasticamente a emigração do Norte de Portu-gal para o Brasil. Mas, restabelecida a paz e instaurado o regime liberal em Por-tugal, a corrente migratória, predominantemente oriunda do Norte de Portugalvai intensificar-se, levando a que o governador civil do Porto, em 1836, chamea atenção para esta realidade, segundo ele, a exigir “séria atenção” por parte doGoverno.

Entre 1827 e 1836, a título de exemplo, o consulado português da Baíaregistou a entrada de 1430 portugueses, 74% dos quais provenientes da pro-víncia do Minho. Só da região do Porto e Braga registaram-se 787 portugueses,enquanto que de Lisboa, apenas se registaram 1271.

A emigração do Norte de Portugal para o Brasil entre 1836-1843 atravésdos livros de registo de passaportes do Governo Civil do Porto, segundo oestudo de Jorge Alves, é caracterizada por ser predominantemente masculina,jovem, solteira, destinada predominantemente ao comércio e significativa-mente alfabetizada2.

Uma emigração sobretudo alimentada por homens. Com efeito, mais de95% dos que saíram pela barra do Porto, no período considerado, pertenciam aosexo masculino. O número de mulheres emigrantes, anualmente, oscilava entreos 3% e os 5% do número total dos titulares de passaportes e acompanhantes.

Jorge Alves considera que esta emigração avassaladoramente masculina,que ultrapassa largamente os anos por nós estudados, uma vez que se espraiaaté 1881, não se insere “no modelo de emigração tradicional”, mas não adiantagrandes explicações quanto a tal facto.

1 REIS, 1991.2 REIS, 1991.

Page 16: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Se tivermos em atenção os valores encontrados por nós para 1805-1832,através da amostragem construída a partir das fontes da Real Companhia Velha,verificamos que, a percentagem de mulheres na época anterior chega aos 42 %,a demonstrar, quiçá, que a emigração do Norte de Portugal para o Brasil, após aindependência, por força da instabilidade política reforçou o padrão masculino.

Vários factores ajudam a explicar o carácter francamente masculino destaemigração entre 1836-1843.

Em primeiro lugar, como já dissemos, trata-se de um universo de gente sol-teira, já que a percentagem de casados, nestes anos, nunca ultrapassou os 8%.Ora entre 1805-1832, o número de casados/casadas, no âmbito da distribuiçãodo estado civil que nos foi possível apurar no trabalho referido, atinge os 67%do total. Ainda que considerássemos como solteiros aqueles cujo estado civilnão é referido, mesmo assim, a percentagem de mulheres naqueles que reque-reram passaporte para abandonarem o País, seria muito superior à registada apartir de 1836.

Assim sendo, porque será então que a emigração do Norte de Portugal parao Brasil passa a ser, entre 1836-1843, praticamente masculina e solteira?

Pensamos que esta realidade tem a ver fundamentalmente com duas ordensde factores, uma que diz respeito a Portugal, a outra tem a ver com o Brasil.

No primeiro caso, como esclarece um texto publicado no Diário doGoverno, em 1846, a emigração portuense, até 1840, dedicou-se quase exclu-sivamente ao comércio.

Poucas eram as casas de qualquer negócio no Rio de Janeiro, que não tinhamum ou mais caixeiros portugueses, havendo até alguns destes que eram “chefesde casas de comércio e proprietários de estabelecimentos naquele país”3.

No mesmo sentido, aliás, vão as fontes do consulado português na Baía,para o período imediatamente anterior, 1827-1836, registando que, os 1430portugueses entrados nesta cidade,”empregavam-se principalmente como cai-xeiros, comerciantes e marítimos4.

Robert Rowland escreve que os comerciantes portugueses, ou seja aqueles“que continuaram a fazer depender a sua actividade económica da manutençãodas relações estreitas com Portugal” só recrutaram “para as suas lojas jovenscaixeiros vindos directamente de Portugal”5.

Por outro lado, a instabilidade política, as revoltas militares e o cíclicorecrutamento de jovens para o exército, também contribuíram para a sua saídapara o Brasil, onde sempre existiam parentes e amigos para os acolher, numprocesso de continuidade de relações sociais e cumplicidades que vinham já doperíodo colonial e que a independência do Brasil, e neste particular, de modoalgum extinguiu.

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL E AS ORIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)

15

3 DIÁRIO do Governo, n.º 105, de 6 de Maio de 1846.4 REIS, 1991: 35 e nota 19 do capítulo 1.5 OCEANOS, 2000: 12.

Page 17: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

FERNANDO DE SOUSA /MARIA JOSÉ FERRARIA

16

No segundo caso, a conjuntura sociopolítica que o Brasil conheceu após aindependência do Brasil, fortemente marcada pelo antilusitanismo, tambémajuda a explicar esta emigração masculina do Norte de Portugal até meados doséculo XIX.

A época da Regência, posterior à abdicação do imperador Pedro I, e quedecorreu até à subida ao trono de seu filho Pedro II (1831-1840), constituiu umdos períodos mais agitados da história política do Brasil.

Após o Acto Adicional de 1834 à Constituição de 1824, ocorreram revoltasno Norte e Nordeste, a Cabanagem no Pará (1835-1840), a Sabinada na Baía(1837-1838), a Balaiada no Maranhão (1838-1840), sem esquecermos o vio-lento antilusitanismo que se viveu em Pernambuco até 1848, a guerra dos far-rapos ou Farroupilha, no Rio Grande do Sul (1836-1845) e a revolução Praieirade 1848, no Recife, que ultrapassam já largamente os limites cronológicos daRegência.

A Baía, que desde a independência tinha sido palco de várias revoltas, entreas quais rebeliões de escravos, com a Sabinada em 1837-1838, conheceu umnovo surto de violência, agrupando “pessoas de classe média e do comércio deSalvador em torno de ideias federalistas e republicanas”. As forças governa-mentais acabaram por recuperar a cidade “através de uma luta corpo a corpoque resultou em cerca de 1800 mortos”.

Estas revoltas e movimentos deram origem a numerosas perseguições emortes de portugueses radicados no Brasil, “sempre aqueles que são mais sacri-ficados”, porque responsabilizados pelas dificuldades da mais diversa natureza,e que vão ter eco na Câmara dos Deputados, em Portugal, nomeadamente em1835 e 1839 quanto ao Pará, em 1838 quanto à Baía e em 1839 no que diz res-peito ao Maranhão, para só nos referirmos ao período da Regência no Brasil.

Não existiam, pois, condições favoráveis para uma emigração de famíliasou feminina. Só a partir de meados do século XIX é que, estabilizada a situa-ção política em Portugal e atenuada a hostilidade aos portugueses no Brasil,para além de outros factores bem conhecidos e já razoavelmente estudados, éque a percentagem da população portuguesa emigrante feminina para o Brasil,irá registar valores mais elevados, os quais, a partir de então, não mais deixa-rão de aumentar.

Uma emigração que, por ser relativamente limitada, assumir predominân-cia masculina e dizer respeito sobretudo a caixeiros e negociantes, e não a tra-balhadores rurais, leva-nos a sugerir que o número de analfabetos seria poucosignificativo, muito possivelmente inferior a 30 % do número total dos que saí-ram. Embora dificilmente se poderá chegar algum dia a valores seguros, sabe-mos contudo que o número de analfabetos irá crescer para valores bem maiselevados, mas só na segunda metade do século XIX, quando a emigração por-tuguesa para o Brasil engrossar, alargando-se ao mundo rural e à populaçãofeminina, a qual, como se sabe, era bem mais afectada pelo analfabetismo.

Page 18: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL E AS ORIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)

17

2. O ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA EMIGRAÇÃO (1834-1843)

Com a instauração definitiva do liberalismo em Portugal (1834), de acordocom a Carta Constitucional de 1826, passou a vigorar o princípio do plenoexercício da liberdade, nomeadamente das liberdades políticas ou públicas, noâmbito das quais se integra o direito de o cidadão poder abandonar o país e sairpara o estrangeiro munido do respectivo passaporte.

Entre 1836-1843, a emigração portuguesa foi regulada por uma complexae múltipla legislação avulsa, decretos, portarias circulares e resoluções, que,não raras vezes, justificava a arbitrariedade das autoridades que a referiam ouinterpretavam de modo diverso ou a seu favor.

Mais do que legislação da emigração, poderíamos falar de legislação que seprendia com a concessão de passaportes, uma vez que a grande maioria dosdiplomas visava sobretudo as formalidades indispensáveis à emissão destes.

Com efeito, só em 1855, por carta de lei de 20 de Julho, é que a emigraçãoclandestina conheceu, pela primeira vez, um diploma bem estruturado e desti-nado apenas a tal objectivo. E só em 1863, por decreto de 7 de Abril, na sequên-cia da lei de 31 de Janeiro do mesmo ano, que aboliu os passaportes no interiordo Reino e ilhas adjacentes, é que surge o primeiro regulamento de políciaexclusivamente dedicado à entrada em Portugal de viajantes procedentes deoutros países, e à saída de portugueses para o estrangeiro, agrupando e inte-grando preceitos constantes dos decretos e portarias regulamentares publicadasdesde 1810.

Sob este aspecto, podermos dizer que o Antigo Regime terminou na décadade 1855-1865, ou seja na fase da Regeneração ou do Fontismo.

Assim sendo, durante o período em estudo, de 1836 a 1843, a saída dosemigrantes obedeceu a um conjunto de diplomas que vinham já do primeiroquartel do século XIX (com especial relevância para os decretos de 25 e 30 deMaio de 1825, circular de 24 de Junho de 1826 e decreto de 28 de Setembro de1826), ou que, de forma avulsa, foram sendo produzidos após 1834, como aestrutura do passaporte se manteve basicamente igual ao modelo estabelecidodesde finais do século XVIII, e tipificado em 1825.

Importa assim saber que autoridades tinham competência para emitir pas-saportes e que legislação regulou a emigração entre 1836-1843.

2.1. Quem emitia passaportes?

A competência para a concessão de passaportes para o exterior do Reinofoi, no período imediatamente anterior a 1834, sucessivamente, das Secretariasde Estado – que não devem ser confundidas com a Secretaria Geral de Passa-portes, criada pelo decreto de 4 de Junho de 1825, a qual apenas se pronunciavapela certificação dos passaportes –, mais concretamente da Secretaria de Estadodos Negócios Eclesiásticos e Justiça (portarias de 22 de Dezembro de 1832) e,

Page 19: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

por alvará e portaria de 3 de Agosto de 1833, da responsabilidade da Secreta-ria de Estado dos Negócios Estrangeiros, tendo os interessados de apresenta-rem a devida justificação da Intendência Geral da Polícia, referendada pelogovernador das armas de Lisboa.

O decreto de 15 de Janeiro de 1835, além de reiterar que competia às secre-tarias de Estado em exclusivo, a competência de emitir passaportes para forado Reino aos portugueses (os prefeitos gerais só o podiam fazer quanto aosestrangeiros, uma vez que, para os nacionais, apenas emitiam certificados paraestes solicitarem os passaportes), procurou reforçar a autentificação dos passa-portes, afim de evitar as falsificações, regulamentando a sua obtenção, actuali-zando deste modo a legislação de 1825 e uniformizando os passaportes quedeviam ser impressos na Imprensa Nacional, de acordo, aliás com os modelosque faziam parte do decreto, e em obediência à exigência já estabelecida pordecreto de 17 de Março de 1833.

Na sequência da criação dos distritos por carta de lei de 25 de Abril de 1835e decreto de 18 de Julho do mesmo ano, a concessão de passaportes para oestrangeiro passou a ser dos governadores civis, competindo a estes magistra-dos, “dar passaportes para fora do Reino pelos portos de mar”.

Pela primeira vez, desde a criação da Junta do Comércio em 1756 (o orga-nismo do Estado com competência para emitir passaportes para os portuguesesemigrarem para o Brasil, até 1810), o Estado delegou a emissão de passaportespara o estrangeiro nos agentes da organização administrativa local, descentra-lizando assim, a sua emissão.

Esta prerrogativa dos governadores civis foi reafirmada pelo Código Admi-nistrativo de 31 de Dezembro de 1836, cujas bases eram justamente a carta delei de 25 de Abril e o decreto de 18 de Julho de 1835, e que definia, no artigo109, que competia aos administradores gerais (designação dada pelo Setem-brismo aos governadores civis) conceder passaportes para fora do Reino pelosportos de mar, a nacionais e estrangeiros, em conformidade com os regula-mentos da polícia.

A portaria de 2 de Junho de 1838 veio declarar que os passaportes conce-didos a nacionais e estrangeiros, que quisessem sair do Reino, pelos portos demar ou pela raia seca, nos termos dos artigos 109 e 124 do Código Adminis-trativo, eram expedidos pelas administrações gerais do distrito. Mas, logo aseguir, nova portaria, de 1 de Setembro de 1838, veio alterar a sua situação,remetendo os passaportes concedidos a nacionais e estrangeiros, para o exteriordo Reino, pelos portos de mar, aos administradores gerais (governadores civis)e os passaportes a conceder a nacionais e estrangeiros para o exterior do Reino,pela raia seca, aos administradores dos concelhos.

O Código Administrativo de 1842 confirmou esta atribuição dos governado-res civis, quanto aos passaportes para fora do Reino, pelos portos de mar, a qualse irá manter intacta daí em diante, a revelar a perenidade e estabilidade de umprocedimento que se manteve salvo uma ou outra excepção, já no século XX, nasmãos do mesmo órgão de representação do Governo até aos nossos dias.

FERNANDO DE SOUSA /MARIA JOSÉ FERRARIA

18

Page 20: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL E AS ORIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)

19

2.2. A legislação da emigração (1836-1843)

Importa agora chamar a atenção para a legislação que regulou a emigraçãoentre 1836-1843.

A circular de 10 de Outubro de 1836, na sequência de uma portaria de 14 deJaneiro de 1833, vai alertar que, nas justificações para a concessão de passapor-tes, devia-se declarar se os indivíduos que os solicitavam estavam ou não sujei-tos ao recrutamento do exército, a demonstrar, assim, que, desde os inícios doregime liberal constitucional, continuava a colocar-se a questão de a emigraçãomasculina jovem revestir a modalidade mais utilizada de fuga ao serviço militar.

Com efeito, nenhum jovem português podia sair do Reino sem provar comdocumento autêntico, quando o recrutamento estava em curso, que se achavaisento do serviço militar, disposição regulamentar de polícia já em vigor peloregimento de concessão de passaportes de 1825 e numerosas portarias doGoverno emitidas entre 1836-1843.

O decreto de 17 de Janeiro de 1837, da exportação da urzela, em consonân-cia com a crónica utopia de substituir a emigração para o Brasil pela emigraçãopara África, no seu artigo 8.º , estipulava que todos os oficiais mecânicos que dequaisquer portos portugueses quisessem rumar às províncias africanas e dispu-sessem de três atestações “que os abonem como homens laboriosos e de bonscostumes”, teriam passaporte gratuito para si e as sua famílias, reservando-se oGoverno conceder “outros auxílios que forem possíveis para a passagem dosditos oficiais e seu estabelecimento nas nossas províncias africanas”.

Ainda no mesmo ano, pela circular de 27 de Setembro, o Governo vai cha-mar novamente a atenção dos administradores gerais para o cumprimento dalegislação da polícia quanto à emissão de passaportes. E por portaria de 15 deJulho de 1839 voltar-se-á a insistir na necessidade de se uniformizarem emtodo o Reino os passaportes, a fim de evitar a falsificação “e as terríveis con-sequências que dela resultam contra a tranquilidade pública”.

O decreto de 17 de Março de 1838 destinou-se a garantir a execução dodecreto de 15 de Janeiro de 1835, reafirmando a exigência da impressão dospassaportes na Imprensa Nacional, segundo o modelo deste último diploma, daselagem com as respectivas taxas pela Junta de Crédito Público e da sua distri-buição pelas administrações gerais dos distritos.

Por portaria de 6 de Novembro de 1838, o Governo, considerando que mui-tos portugueses emigrantes no Brasil se encontravam “em estado de extremamiséria”, mandou abonar a passagem para Angola a todos aqueles que quises-sem instalar-se naquela província de África, devendo o seu governador-geralconceder-lhes terrenos agrícolas e facultar-lhes, no primeiro ano, sementes eutensílios agrícolas.

Em portaria de 25 de Junho de 1839, o Governo alerta as autoridades com-petentes para não concederem passaporte sem “de um modo indubitável” severificar a identidade dos requerentes e a legitimidade da sua abonação, práticaque manda cumprir por portaria de 20 de Julho do mesmo ano.

Page 21: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

No seguimento destas medidas, o Governo, tendo em atenção o aumento donúmero de emigrantes no Brasil em situação miserável, remete 166 deles, doRio de Janeiro para Angola, no brigue Valeroso e na corveta Isabel Maria.

Ainda no mesmo ano, por circular de 2 de Setembro, o Governo, conside-rando que se mantinha “a emigração de um prodigioso número de habitantesdas ilhas do arquipélago dos Açores para o Brasil” empregando-se nessa “ver-gonhosa especulação”, três navios portugueses, dá instruções ao administradorgeral do Distrito de Angra do Heroísmo para que proceda com o maior rigorcontra os”aliciadores e mais cúmplices na referida emigração”6.

O decreto de 22 de Novembro de 1839, para facilitar a execução do decretode 17 de Março de 1838 e esclarecer aspectos relativos à impressão, distribui-ção e selos de passaportes, publica um regulamento sobre tal matéria, do qualrealçamos os seguintes aspectos:

• a impressão dos passaportes era da responsabilidade da Imprensa Nacio-nal, a qual remetia os mesmos às administrações gerais dos distritos(governos civis);

• os passaportes eram impressos de acordo com o modelo que fazia partedo decreto;

• os passaportes para o estrangeiro, concedido aos portugueses que saíssempor via marítima eram selados com o “selo de verba de 2 000 réis”, pelopagamento de emolumentos às administrações gerais, pela emissão decada passaporte pelos portos de mar 1600 réis, o dobro do que pagavamos estrangeiros.

Eram isentos de imposto de selo os passaportes expedidos pelo Ministériodos Negócios Estrangeiros, os passaportes diplomáticos estrangeiros e os“expressos” que saíssem pelo porto de Lisboa.

A portaria de 15 de Outubro de 1840 vai chamar a atenção para o problemada emissão de passaportes colectivos, prática que vinha já, pelo menos, definais de Setecentos, mas que era iludida por algumas autoridades. Esta porta-ria vai declarar abusivo o hábito do administrador geral do distrito do Funchalde obrigar os membros da mesma família, homem, mulher, filhos e criados alevantarem cada um o seu passaporte, quando era suficiente um só para todos.Os membros da mesma família só eram obrigados a passaportes individuaisquando, por algum motivo, viviam ou estabeleciam-se “à parte”.

Por portaria de 19 de Agosto de 1842, o Governo, aproveitando os artigosque faziam parte de um projecto de lei apresentado às Cortes em anterioreslegislaturas, em resposta às preocupações expressas pelo projecto de lei do vis-conde de Sá da Bandeira apresentado na Câmara dos Pares três dias antes, vaiestabelecer uma série de medidas destinadas a “restringir pelo modo possível o

FERNANDO DE SOUSA /MARIA JOSÉ FERRARIA

20

6 DIÁRIO do Governo, n.º 210

Page 22: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tráfico de escravatura branca, que sob o plausível nome de emigrados ou pas-sageiros, vai despovoando não somente as ilhas adjacentes mas também oReino de Portugal no Continente”.

Este diploma, regulamentando pormenorizadamente os passaportes, esta-belecendo obrigações gravosas para os capitães dos navios, definindo uma rela-ção mais restrita de passageiros/tonelagem, levantou numerosos protestos,nomeadamente da Associação Comercial do Porto, levando a que o Governo oalterasse, suspendendo os artigos mais contestados, aumentando a relação pas-sageiros/tonelagem, de 24 para 30 e suspendendo a obrigação de fiança de qua-tro contos de réis para os capitães dos navios, o que veio a acontecer por por-taria de 9 de Dezembro de 1842. A portaria de 3 de Agosto de 1843 vai tam-bém isentar um barco a vapor que fazia as rotas da Madeira e Brasil de cum-prir a portaria de 19 de Agosto de 1842, tendo em consideração o alto preço daspassagens, já suficientemente desincentivadoras para os emigrantes.

Por portaria de 7 de Julho de 1843, na sequência do requerimento do viscondede Sá da Bandeira, aprovado na Câmara dos Pares em 28 de Junho do mesmo ano,o Governo solicita aos governadores civis do Reino e ilhas adjacentes:

• quais as causas explicativas da emigração em cada distrito;• quais as causas que impedem o aproveitamento dos baldios;• que medidas legislativas são necessárias para se aproveitarem agricola-

mente esses terrenos,• qual o modo mais adequado para substituir a mão-de-obra estrangeira uti-

lizada nos trabalhos agrícolas por mão-de-obra portuguesa.

No mesmo dia, mês e ano foi enviada aos governadores civis outra porta-ria, determinando que não fossem concedidos passaportes aos indivíduos quepudessem estar compreendidos “como sorteados no recrutamento militar queentão se procedia7.

Legislação portuguesa aplicável à emigração (1825-1843)Decreto de 25 de Maio de 1825Regulamento de 30 de Maio de 1830Circular de 24 de Junho de 1826Decreto de 23 de Setembro de 1826Decreto de 16 de Maio de 1832Portaria de 22 de Dezembro de 1833Portaria de 14 de Janeiro de 1833Alvará e portaria de 3 de Agosto de 1833

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL E AS ORIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)

21

7 Toda a legislação referida neste trabalho, boa parte da qual não referenciada pelos investigadoresque se debruçaram sobre a legislação da emigração deste período, foi recolhida a partir do Diá-rio do Governo e de colecções de legislação da época.

Page 23: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Decreto de 17 de Março de 1833Decreto de 15 de Janeiro de 1835Portaria de 16 de Maio de 1835Decreto de 18 de Julho de 1835Decreto de 17 de Junho de 1836Circular de 10 de Outubro de 1836Decreto de 17 de Janeiro de 1837Circular de 27 de Setembro de 1837Portaria de 2 de Junho de 1838Decreto de 17 de Março de 1838Portaria de 1 de Setembro de 1838Portaria de 6 de Novembro de 1838Resolução régia de 5 de Dezembro de 1838Portaria de 15 de Julho de 1839Portarias de 22 de Junho de 1839Resolução régia de 28 de Julho de 1839Portaria de 25 de Junho de 1839Portaria de 20 de Julho de 1839Circular de 2 de Setembro de 1839Circular de 22 de Novembro de 1839Portaria de 15 de Outubro de 1840Decreto de 13 de Agosto de 1841Portaria de 19 de Agosto de 1842Portaria de 9 de Dezembro de 1842Portaria de 3 de Fevereiro de 1843

3. O DISCURSO POLÍTICO DA EMIGRAÇÃO (1836-1843)

A emigração portuguesa para o Brasil entre 1836-1843, enquanto problemapolítico, foi já tratada por Fernanda Maia.

Diga-se desde já, que as inquietações políticas com esta emigração, sãoescassas, uma vez que tal fenómeno, apesar de Alexandre Herculano afirmarque nos anos anteriores a 1838 era “espantosa”, esteve longe de ser preocu-pante, até meados do século XIX, pelo menos no que diz respeito ao Conti-nente, assumindo números relativamente modestos.

Foi justamente em 1835-1836 que o poder político, após a instauração defi-nitiva do liberalismo em Portugal, dedicou alguma atenção à emigração portu-guesa, devido a dois factos que passamos a analisar.

O primeiro tem a ver com a corrente migratória açoriana e madeirense parao continente americano, nomeadamente para o Brasil, mão-de-obra barata quese destinou, afinal, a efectuar o trabalho de escravos, e que o Governo preten-dia, senão estancar, pelo menos reduzir.

FERNANDO DE SOUSA /MARIA JOSÉ FERRARIA

22

Page 24: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Entre 1835-1837, várias medidas tomadas pelo Governo vão surgir com talobjectivo.

Assim, por portarias de 16 de Maio e 7 de Outubro de 1835, reforçadas pornova portaria de 17 de Junho de 1836, o Governo, atendendo aos “gravíssimosdanos que resultam à agricultura e indústria das ilhas da Madeira e dos Açoresde se passarem para a América um grande número de seus habitantes e natu-rais”, seduzidos por “homens mal intencionados e com fins ambiciosos e inte-ressados”, transportados com “inaudita desumanidade”, para o Brasil e vendi-dos “nos portos daquele império como se fossem escravos da costa de África”determina:

• que se não conceda passaporte aos mancebos das ilhas que estivessemsujeitos ao recrutamento;

• que os governadores civis visitem os navios de transporte para verem seestão aptos a acolher os passageiros comodamente;

• que o capitão do navio preste fiança idónea pela qual se obrigue a deixarsair livremente os passageiros nos portos de destino e a avisar os agentesconsulares portugueses aí residentes para assistirem aos contratos de pres-tação de serviços dos emigrantes.

O segundo facto tem a ver com a legislação proibitiva do comércio daescravatura que, ao contrário do que tem sido escrito, não se limitou apenas aodecreto de 10 de Dezembro de 1836, de Sá da Bandeira.

Com efeito, por circular de 22 de Outubro de 1835, o Governo, através doduque de Palmela, reconhecendo “ em contravenção das leis existentes”, quenavios de outras nacionalidades nos portos dos domínios portugueses e naviosportugueses em portos estrangeiros continuavam a “ocupar-se no bárbaro edetestável tráfico da escravatura”, já restringido pelos alvarás de 14 de Outu-bro de 1751 e 7 de Setembro de 1761, e considerando ilícito por alvará de 26de Janeiro de 1818 “com algumas excepções, as quais já não têm lugar desdeque o Brasil deixou de formar parte da Monarquia Portuguesa”, em ordem aassegurar a sua total extinção, autoriza os cônsules de Portugal a tomar asmedidas necessárias a fim de os contraventores sofrerem o castigo “que a leiimpõe ao seu atroz delito”.

Idêntico texto, sob a forma de portaria de 26 de Outubro do mesmo ano foienviado por José da Silva Carvalho a todas as repartições do seu Ministério,exigindo uma “escrupulosa vigilância” e a prevenção de “atentados” à legisla-ção de 1818, podendo tomar, quanto ao Brasil as medidas indispensáveis con-tra o comércio de escravos.

O decreto de 10 de Setembro de 1836, “de exportação e importação deescravos”, que determinou “a inteira e completa abolição do tráfico de escra-vatura nos domínios portugueses sem excepção”, mas não a escravatura, deveser visto, assim, como o corolário da política do Estado Português que tinha emconsideração os seguintes factores:

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL E AS ORIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)

23

Page 25: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

• a pressão inglesa no sentido da abolição do tráfico negreiro, baseada naimoralidade de tal prática, denunciada por políticos, sábios e filantropos;

• a valorização das colónias africanas, para as quais devíamos promover acolonização dos europeus.

Sabemos que a lei de 1836 de modo algum impediu, nos anos seguintes, ocomércio de escravos. Que Portugal não tinha quaisquer condições para aplicara lei com rigor. Que a burguesia ligada a este tráfico ignorou praticamente, atémeados do século XIX, a legislação proibitiva da mesma. Mas em 1835-1836,o poder político procurou definir uma estratégia de desenvolvimento das coló-nias africanas, as quais seriam mesmo susceptíveis de concorrerem vantajosa-mente para o Brasil.

As preocupações do Governo tiveram eco, logicamente, no Parlamentoportuguês, como Fernanda Maia já demonstrou.

Em 1836-1837, Passos Manuel e Costa Cabral vão denunciar a sordidezdos contratos que moldavam a emigração dos açorianos, o “tráfico da escrava-tura dos brancos” quando se preocupava acabar com o “tráfico da escravaturados negros” – se bem que o deputado Santos Cruz lembrasse que os açorianosemigravam devido ao “feudalismo das ilhas”.

Alexandre Herculano, em Janeiro de 1838, ao jeito de comentário à inicia-tiva legislativa do Brasil de 11 de Outubro de 1837 – que pretendia dar protec-ção aos colonos assalariados, demonstrando assim que até então “eram grandesos vexames que a estes se faziam” – vai denunciar a existência de “espantososabusos”, as “violências da parte dos brasileiros” que se faziam sentir no recru-tamento da emigração portuguesa, seduzida por um Brasil comparado a umnovo “El Dorado”, e nas condições de vida que lhe eram proporcionados noBrasil, mas recusa a retórica política de que “se está fazendo comércio de escra-vatura branca”. Com os Açores como cenário, defendendo que a emigraçãoportuguesa para o Brasil “tem sido espantosa”, Herculano vai defender a uto-pia da colonização interna dos nossos “imensos baldios” em oposição à emi-gração para o Brasil – tese que irá perseguir toda a literatura oitocentista por-tuguesa –, mas também alerta, numa posição que irá manter coerentemente atéà sua morte, que de nada vale procurar travar a saída dos portugueses, com oargumento de se arriscarem “a ser miseráveis” na emigração se estes apenasvirem “na sua Pátria um prospecto de miséria”, já que lá sempre restava a espe-rança de “ser felizes” quando cá, tinham a certeza de nunca o ser.

Apesar das palavras avisadas de Alexandre Herculano, o estereótipo da“escravatura branca” vai fazer doutrina no Parlamento. Almeida Garrett, em 1839,então deputado pelos Açores, vai denunciar novamente o “comércio de escrava-tura branca”, alerta reforçado, em 1810, por Sá Nogueira, que fala da escravaturade cidadãos portugueses” no Brasil, um e outro no contexto da nomeação de umacomissão parlamentar destinada a propor medidas tendentes a extinguir ou pelomenos moderar a emigração portuguesa para o Brasil e de cujo labor, como acon-teceu com muitas outras comissões parlamentares, nada resultou!...

FERNANDO DE SOUSA /MARIA JOSÉ FERRARIA

24

Page 26: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O visconde de Sá da Bandeira, na Câmara dos Pares, na sessão de 16 deAgosto de 1842, apresentou um projecto de lei para pôr termo “à emigração etráfico vergonhoso que com escândalo das leis e da moral se estava fazendo noReino e províncias insulares”.

Costa Cabral, três dias depois, sendo ministro do Reino, em portaria de 19de Agosto de 1842, tendo em mente o projecto de Sá da Bandeira, vai procurardificultar a “escravatura branca” a que, segundo ele, se reduzia a emigraçãoportuguesa para o Brasil. Mas os protestos levantados contra a mesma, nomea-damente pela Associação Comercial do Porto, levaram a que, ainda no mesmoano, por portaria de 9 de Dezembro, as restrições e exigências mais penaliza-doras fossem anuladas.

Refira-se ainda que a retórica política, durante o período considerado,levantou a hipótese de desviar a nível externo, a emigração brasileira paraAngola, como aconteceu com as iniciativas legislativas de Sá da Bandeira de1839 e 1842 e com a proposta de lei do deputado do Algarve, Silva Lopes, em1842; e a nível interno explorando a sugestão de Herculano, de colonizar oAlentejo com os potenciais emigrantes para o Brasil, a fim de acabar com o“tráfico de escravatura branca”.

No primeiro caso, a experiência de Moçâmedes redundou num fracasso eno segundo caso, como se sabe, nunca se concretizou, continuando, porventura,na memória da classe política a desastrosa experiência da colonização do Alen-tejo por famílias vindas dos Açores em finais do século XVIII.

Aliás, em 1843, um triste episódio da emigração açoriana para o Brasil, vaidesencadear uma nova iniciativa legislativa que mais uma vez redundou eminsucesso.

Numa carta de Pernambuco, subscrita por Manuel José Coelho de Freitas,datada de 15 de Dezembro de 1842, dirigida ao governador civil do distrito deAngra do Heroísmo, mas só publicada no Diário do Governo em 15 de Abril de1843, dava conta de dois navios entretanto chegados ao Recife, provenientes doAçores, carregados de emigrantes, os quais teriam sido vendidos “como aí sevende o gado, e aqui os escravos”, dando até os exemplos de cinco portuguesescomprados por um senhor de engenho a 160 000 réis cada homem e de moçosvendidos a 200 000 réis “para satisfazerem os apetites brutais e lascivos dos seusinfames compadres”, tendo sido posta à venda uma moça virgem por 300 000réis, que acabou por não ser vendida uma vez que não houve comprador paraela. Criticava ainda o cônsul por só pensar em emolumentos e nada ver.

Na sessão da Câmara dos Pares de 26 de Abril de 1843, fazendo eco dacarta publicada no Diário, o conde do Lavradio invectivou o ministro dosNegócios Estrangeiros para dar explicações “a respeito do tráfico de escravosbrancos”, que aumentava todos os dias e que se estava fazendo nas ilhas, espe-cialmente nos Açores.

Daqui a pouco – continuou – “as nossas mulheres, os nossos filhos, mesmono continente do Reino, são levados como escravos, para servir os brasileiros.”

O ministro, em resposta, observa não entender muito bem a expressão

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL E AS ORIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)

25

Page 27: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

escravos brancos; denuncia o exagero que havia na carta publicada; e esclareceque o Governo já tomara “certas disposições preventivas acerca da emigraçãodos Açores”. Contudo, entendia que a “emigração era inevitável”, nomeada-mente no Minho, onde muitos dos seus habitantes tinham parentes no Brasil,mandando para lá os filhos que não destinavam à lavoura, e por consequência,travar a emigração dessa província era “um mal”.

As medidas para atenuar a emigração deveriam ser “indirectas” por ser asque davam melhor resultado – conclui o membro do Governo.

Lavradio replica que o que estava em causa não era a emigração mas o “trá-fico de escravatura” que existia nas ilhas. O visconde Sá interveio no mesmosentido. Mas Ornelas defendeu a saída dos varões da Madeira, ilha com maisde 120 000 habitantes, muitos dos quais não tendo do que viver, ou emigravamou tornavam-se salteadores. Seria uma “tirania” na sua terra, impedir a saídadas pessoas.

O conde de Linhares sugeriu que os que pretendiam emigrar fossem orien-tados para o Alentejo, mas o ministro lembrou que por tal era preciso que oscolonos quisessem ir e encontrar os meios de financiamento para os transpor-tar para lá. Mas não se opunha, contudo, a qualquer medida que viesse a sertomada pelas Cortes para remediar tal situação.

A Comissão do Ultramar da Câmara dos Pares, de que o visconde Sá daBandeira era relator, na sessão de 22 de Junho de 1843, vai apresentar um pro-jecto de lei, baseado no parecer desenvolvido em 1838 por uma comissão espe-cial das Cortes Constituintes, introduzindo-lhe as modificações que achavanecessárias – uma vez que, nos anos anteriores, tinham saído da Madeira “mui-tos milhares de camponeses para um país mortífero”, embarcando os emigran-tes sem passaporte e sem que as autoridades locais tentassem impedi-los; eassente ainda num acto do parlamento britânico, de Setembro de 1842, quemelhorou muito a legislação inglesa sobre a emigração.

A comissão entendia que o Governo devia garantir o transporte gratuito aosmadeirenses e açorianos para Portugal, onde podiam trabalhar nas vinhas doAlto Douro e cidades de Lisboa e Porto e também para as províncias de África.

O projecto de lei era extenso, restritivo da saída dos jovens sujeitos a recru-tamento militar, exigente quanto às condições a que os navios deviam obede-cer para o transporte de passageiros, quanto aos contratos de serviços, quantoàs obrigações dos cônsules e quanto aos capitães dos navios, que eram obriga-dos a prestar uma fiança elevada antes de saírem dos portos nacionais. Referiaainda o modo como a lei seria executada nas províncias ultramarinas e eraacompanhado dos modelos a preencher quanto aos capitães dos navios, à rela-ção nominal de passageiros, formas de contrato dos mesmos e declarações doscônsules a eles referentes.

Esta iniciativa legislativa começou a ser discutida na sessão de 22 deNovembro de 1843, com a presença do ministro do Reino, esclarecendo o vis-conde de Sá da Bandeira que a mesma sessão não se destinava a impedir a emi-gração, mas a dar “uma espécie de garantia aos indivíduos que emigram, prin-

FERNANDO DE SOUSA /MARIA JOSÉ FERRARIA

26

Page 28: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cipalmente das ilhas” para colónias britânicas e para o Brasil, onde os vendiamcomo escravos, trabalhando nas roças e nos engenhos como os negros.

Na sessão seguinte, de 24 de Novembro de 1843, o visconde de Laborim,porém, quando ainda se discutia o artigo 2.º do projecto de lei, propôs o seuadiamento por tempo indefinido. O projecto – continuou – era contrário à CartaConstitucional e ocupar-se dele era “legislar para a lua”.

Sá da Bandeira replicou, lembrando que as mulheres dos Açores eram ven-didas para se prostituírem e que a humanidade pedia que se tomassem medidas.

Porém, o marquês de Ponte de Lima corroborou a tese de Laborim de queo projecto era anticonstitucional, que a emigração em vez de ser uma doençaera um remédio, e que “moléstia seria impedir os homens que vão ganhar a suavida”. O vice-presidente da Câmara dos Pares, conde de Vila Real, que presi-dia à sessão, pronunciou-se também pelo adiamento o qual foi imediatamenteaprovado, assim terminando definitivamente as iniciativas legislativas que Sáda Bandeira apresentara às Cortes desde 1837.

Hipóteses condenadas ao fracasso, como Costa Cabral virá a reconhecerem Janeiro de 1843, ao assumir na Câmara dos Deputados que toda a legisla-ção e regulamentação do fenómeno migratório produzida pelo Estado liberalrevelara-se impotente para evitar a saída dos portugueses, insistindo na neces-sidade de endurecer a legislação quanto a essa matéria.

Não iludamos a questão. A preocupação do Governo era meramente formal,manifestando-se apenas na sequência de casos escandalosos que, por vezes,eram publicitados ou de iniciativas parlamentares a que se convinha dar algumajustificação.

Na verdade, nem o Governo nem a sociedade portuguesa estavam interes-sados em travar a emigração ou reorientá-la para as colónias africanas.

O Estado liberal, após 1834, até meados do século XIX, revelou uma inca-pacidade total para resolver a agitação sociopolítica que recorrentemente dege-nerou em guerras civis, os graves problemas económicos com que Portugal sedebatia e a crise financeira, para a qual os sucessivos Governos não encontra-vam solução, de tal modo que as receitas estavam longe de cobrir as despesas,o tempo não mais deixou de agravar.

Não tinha, pois, quaisquer condições económicas para traduzir, na prática, autopia parlamentar de canalizar os fluxos migratórios das Ilhas Adjacentes parao Alto Douro, Alentejo ou para África – soluções aliás, que nunca vingaram.

Por outro lado, a sociedade portuguesa também não estava interessada emdificultar a emigração. Nos Açores e na Madeira não havia trabalho para a suapopulação activa, funcionando deste modo, como válvula de escape da pressãosocial, a ampla emigração que se fazia sentir, atenuando a conflitualidade numespaço caracterizado por uma economia bloqueada e uma sociedade profunda-mente fechada, hierarquizada e desigual, tipicamente de Antigo Regime.

No Norte de Portugal também ninguém desejava bloquear a emigração parao Brasil, como demonstra a representação da Associação Comercial do Porto,em 1842, publicada por Jorge Alves. No Norte litoral, com profundas ligações

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL E AS ORIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)

27

Page 29: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ao Brasil, não existia, uma só família sem parentes no Brasil, uma freguesia quenão beneficiasse das remessas em dinheiro dos portugueses aí radicados, umalégua de território sem uma casa de um brasileiro que angariara fortunanaquele País e regressara a Portugal.

Por outro lado, a navegação do Porto era alimentada basicamente pela par-tida e regresso de emigrantes, não chegando um navio vindo do Brasil que nãotrouxesse brasileiros e instruções dos portugueses que aí se encontravam, paraembarcarem, com destino àquele País, novos emigrantes, amigos seus e parentes.

Finalmente, a praça do Porto, na qual se encontravam numerosos nego-ciantes brasileiros – que em 1838, atingiam o número de 163 –, era alimentadapelo dinheiro vindo do Brasil.

Impedir a emigração para o Brasil – concluía a representação que estamosa seguir – era aumentar a indigência e a mendicidade no Norte de Portugal8.

4. NAS ORIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)

A Agência Abreu, a mais antiga agência de viagens de Portugal e uma dasmais antigas do Mundo, uma vez que as suas origens remontam a 1840, foi fun-dada por iniciativa de Bernardo Luís Vieira de Abreu, um brasileiro, isto é, umportuguês de torna-viagem.

Quem era Bernardo Luís Vieira de Abreu, fundador da Agência com o seunome?

Não é fácil responder a esta questão, uma vez que, quando iniciamos estainvestigação nada tinha sido escrito sobre ele, ou sobre as origens desta agên-cia, e a própria família desconhecia tudo quanto diz respeito à sua vida.

Bernardo Luís Vieira de Abreu era natural da freguesia de São Salvador deRossas, concelho de Vieira do Minho. Nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1801,filho de José Luís Gonçalves Vieira e de Teresa de Abreu, neto paterno de ManuelLuís e Felicidade Vieira do mesmo lugar e materno de Bernardo José de Abreu esua mulher Antónia Vieira do lugar de Celeiro, todos da mesma freguesia.

Sabemos que muito jovem emigrou para o Brasil, mais concretamente paraa Baía, por volta da segunda década de Oitocentos, uma vez que, segundo a tra-dição, teria 18 anos quando saiu de Portugal. Contudo, ainda não nos foi pos-sível apurar quando é que solicitou passaporte ou quando embarcou, apesar dainvestigação já feita em Portugal e na Baía.

Nesta cidade, terá trabalhado no comércio, ou com algum seu familiar queaí já se encontrava ou em casa comercial de alguém que fosse das relações deseus pais.

FERNANDO DE SOUSA /MARIA JOSÉ FERRARIA

28

8 As fontes relativas a esta parte do nosso trabalho foram recolhidas a partir dos Diários do Governo,Diários da Câmara dos Deputados, Diários da Câmara dos Pares do Reino e dos Diários das Cor-tes Gerais da Nação Portuguesa, de 1837-1838. Há que referir ainda, os trabalhos da professoradoutora Fernanda Paula Maia (MAIA, 2002; 2007), que já tratou desta problemática.

Page 30: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

No Brasil permaneceu durante longos anos, amealhando o dinheiro indis-pensável para se vir a instalar por conta própria. Aí se manteve após a indepen-dência da antiga colónia portuguesa em 1822, dedicando-se à actividade comer-cial que, tudo leva a crer, se desenvolvia em estreita ligação com Portugal.

No atribulado processo que se seguiu à independência do Brasil, os negocian-tes portugueses, aqueles que mais ligados se encontravam ao comércio com Por-tugal, acabaram por ser objecto de fortes e contínuas manifestações de hostilidadee violência, que extravasou, não raras vezes, em incidentes e levantamentos popu-lares que levaram à sua perseguição e assassínio. Assim aconteceu no Pará (1835-1839), no Maranhão com a Balaiada (1838-1839), em Pernambuco, etc.

Na Baía, onde Bernardo Vieira de Abreu se encontrava, abalada após aindependência por uma forte instabilidade sociopolítica, eclodiu em Novembrode 1837, um novo surto de violência, com a Sabinada, que se arrogava à inde-pendência da região, e que levou ao êxodo de milhares de pessoas da cidade.

Apesar das proclamações dos revoltosos, declarando que as pessoas e osbens seriam respeitados e protegidos, tal “não bastou para tranquilizar os âni-mos dos habitantes portugueses que na Baía são numerosos e que fornecem ogrosso dos negociantes e lojistas daquela cidade… Todos eles trataram imedia-tamente de fechar as suas lojas, e de se embarcarem. Temiam-se novos motinse o envolvimento dos ‘escravos pretos’ nos mesmos, o que traria as mais desas-trosas consequências9”.

Muito provavelmente, Bernardo Luís Vieira de Abreu foi um dos queembarcaram de regresso a Portugal, arrastado pela onda de pânico que varreua cidade e sobretudo, a comunidade portuguesa. Com efeito, pela primeira vez,no Directorio civil, politico e commercial da antiga, muito nobre, sempre leale invicta cidade do Porto e Villa Nova de Gaya, editado em 1838, BernardoLuís Vieira de Abreu surge-nos como um dos “negociantes” nacionais da praçado Porto, a residir na Rua das Hortas, n.º 182, rua do centro da cidade, na qualviviam e exerciam a sua actividade muitos outros negociantes portuenses e até,um ou outro dos negociantes brasileiros a viver no Porto.

Importa assim saber o que entendemos por “negociante” do Porto em 1838--1840 e ainda, de que forma é que Bernardo de Abreu nos aparece registadocom tal designação na Praça do Porto.

Negociante – esclarece José Ferreira Borges no Código Comercial Portu-guês, de 1833 – era sinónimo de comerciante. Mas – acrescenta –, em sentidorestrito designava o indivíduo “que professa comércio externo”, ou seja, era um“comissário mercantil”. Ora, o Código Comercial esclarece que só podia sercomissário mercantil, uma sociedade com firma, ou um comerciante, nestecaso, uma pessoa habilitada para contratar, inscrita na matrícula do comércio eque fazia da “mercancia” profissão habitual.

Toda a pessoa solteira, maior de 18 anos, podia exercer a actividade comer-

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL E AS ORIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)

29

9 DIÁRIO do Governo, n.º 8, de 9 de Janeiro de 1838.

Page 31: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cial desde que fosse emancipada, dispusesse de pecúlio próprio e estivessehabilitada para administrar os seus bens de acordo com a lei.

Na designação de comerciante, genericamente compreendiam-se os ban-queiros, seguradores, negociantes de comissão ou comissários, ou que seempregavam em especulações no estrangeiro, mercadores de grosso e a retalhoe os fabricantes ou empresários de fábricas.

Os negociantes e mercadores que tinham a qualidade de comerciantessegundo a lei, estavam sujeitos à jurisdição, regulamentos e legislação comercial.

Os comerciantes, capitães e mestres de navios, corretores e mais pessoasempregadas no comércio, de uma determinada cidade, constituíam uma praçade comércio ou bolsa.

Assim, Bernardo Vieira de Abreu, enquanto negociante da Praça do Porto,podia dedicar-se aos mais variados negócios, quer no mercado interno, quer noestrangeiro. Sabemos que, aproveitando o profundo conhecimento que tinha daactividade económica da Baía, passou a dedicar-se ao comércio com essacidade brasileira e provavelmente com o Rio de Janeiro.

Como é que Bernardo de Abreu nos aparece inscrito como negociante daPraça do Porto?

Em observância do artigo 1045 do Código Comercial, de forma a proceder--se à eleição dos juízes jurados comerciais (12) e seus substitutos (6), o juizpresidente do Tribunal de Comércio de Primeira Instância do Porto, em 5 deAgosto de 1834, publicou a lista nominal de todos os comerciantes, matricula-dos e não matriculados da Praça do Porto, em número de 510.

Com efeito, os comerciantes da praça do Porto “afim de os seus actos eobrigações activas e passivas serem regulados e protegidos pela lei comerciale poderem gozar dos benefícios e prerrogativas que aquelas lhes concede”tinham de se inscrever na matrícula no referido tribunal que fora instalado nacidade a 2 de Agosto de 1834.

A matrícula fazia-se apresentando o candidato uma petição na qual cons-tasse:

• nome e sobrenome; no caso de uma sociedade, os nomes e sobrenomesdos indivíduos que a compunham e a firma adoptada;

• designação da qualidade do tráfico ou negócio;• lugar ou domicílio do estabelecimento ou escritório;• nome do feitor ou empregado que dirigia o estabelecimento.

A inscrição na matrícula seria ordenada pelo Tribunal de Comércio, sememolumentos “ achando por informação sumária que o suplicante goza do cré-dito, probidade e ciência que caracterizam um comerciante da sua classe”. OTribunal faria publicar o seu nome na lista dos matriculados na Praça do Porto,a qual era remetida ao “supremo magistrado de comércio”, isto é, ao presidentedo Tribunal Superior de Comércio, e por este comunicada a todos os mais tri-bunais comerciais do Reino.

FERNANDO DE SOUSA /MARIA JOSÉ FERRARIA

30

Page 32: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Ao registo público do Tribunal de Comércio do Porto pertenciam:

• as escrituras ou cartas de dote celebradas com negociantes;• as escrituras de companhias, sociedades e parcerias comerciais;• as autorizações, promoções ou poderes dados aos responsáveis pela direc-

ção e administração dos negócios dos comerciantes;• as escrituras ou escritos de comerciantes ou com comerciantes de hipote-

cas, incluindo as “letras de risco” quando o empréstimo tivesse lugar parase equiparem os navios antes de seguirem viagem.

Bernardo de Abreu não nos surge em 1838 como negociante matriculado,mas sim como comerciante registado no Tribunal do Comércio do Porto, assimse explicando que os almanaques da época reproduzissem os negociantes daPraça do Porto, cujo nome, aliás, constava das listas que anualmente aquele tri-bunal mandava imprimir. É, pois, um comerciante da Praça do Porto que desen-volve os seus negócios com o Brasil.

Não sabemos qual a natureza de tais negócios, mas sabemos que Bernardode Abreu manteve estreitas ligações com o Brasil, aparecendo como abonadorde emigrantes para a concessão de passaportes, tratando da documentação rela-tiva aos passaportes; como vendedor dos bilhetes de passagem para o Brasil; eprovavelmente desenvolvendo outras actividades comerciais.

Nessa actividade irá continuar até 1878, ano em que morre no Porto, envol-vendo pelo menos três dos seus filhos, afim de desenvolver os seus negóciosalém Atlântico. Com efeito, em 1858, seu filho Domingos Luís Vieira de Abreuembarca para a Baía, onde morre um ano mais tarde. Temos notícia em 1862,de um dos seus filhos, José Luís Pinto de Abreu, negociante e representante dosnegócios de Bernardo de Abreu no Rio de Janeiro. E ainda, de outro seu filho,António Luís Vieira de Abreu, que morre no Porto com 44 anos, em 1873, e quetinha sido negociante no Império do Brasil.

Bernardo de Abreu irá morrer em 1878, no Porto, dispondo já de uma con-siderável fortuna uma vez que, como reza o seu testamento, efectuado em 1875,não tinha quaisquer dívidas, era proprietário das instalações em que se encon-trava a sua casa comercial – ainda não designada como agência de viagens – epossuía ainda 16 contos de réis em inscrições do tesouro.

Irá suceder-lhe nos seus negócios, ou seja, na Casa Abreu, Daniel LuísVieira de Abreu, nascido em 1842, que irá dar um novo impulso à AgênciaAbreu, a qual vai crescer e expandir-se justamente com o desenvolvimento quea emigração portuguesa para o Brasil regista a partir de 188010.

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL E AS ORIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)

31

10 Para a biografia da Abreu, foram desenvolvidas investigações no Arquivo Nacional da Torre doTombo, no Arquivo Histórico Ultramarino, no Arquivo Distrital do Porto, no Arquivo Distrital deBraga, no Arquivo Histórico da Cidade do Porto, Casa do Infante, na Biblioteca Pública Munici-pal do Porto, no Arquivo do Tribunal do Comércio do Porto (Palácio da Justiça) e no Arquivo daConservatória do Registo Comercial do Porto.

Page 33: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

CONCLUSÃO

A Agência Abreu encontra-se indissoluvelmente ligada à emigração portu-guesa para o Brasil. Sabemos já, ainda que de modo superficial, a importânciaque o brasileiro, ou seja, o português regressado do Brasil, teve na economiado Norte de Portugal na segunda metade do século XIX.

Nesta época, numerosas empresas tiveram a sua origem nas remessas pro-venientes do Brasil. Sabemos também que não é possível explicar a origem daBanca portuense e do Norte de Portugal oitocentista, sem recorrermos àsremessas dos emigrantes e ao capital dos brasileiros. E estamos convencidosque, quanto mais se desenvolver a investigação sobre o tecido empresarial doNorte de Portugal no passado, mais iremos detectar a presença de capitais vin-dos do outro lado do Atlântico, e de que a Agência Abreu constitui um exem-plo paradigmático.

BIBLIOGRAFIA

MAIA, Fernanda Paula Sousa, 2002 – O Discurso Parlamentar Português e as Relações Portu-gal-Brasil. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

MAIA, Fernanda Paula Sousa, 2007 – “A Emigração para o Brasil no Discurso ParlamentarOitocentista”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia Lima (coord) – A EmigraçãoPortuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE; Edições Afrontamento, p. 51-68.

OCEANOS, 2000 – Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses,n.º 44.

REIS, João José, 1991 – A morte é uma festa – ritos fúnebres e revolta popular no Brasil doséculo XIX. São Paulo: Companhia das Letras.

FERNANDO DE SOUSA /MARIA JOSÉ FERRARIA

32

Page 34: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

33

MOVIMENTAÇÃO DE PORTUGUESES NO BRASIL: 1808 A 1842

A BASE LUSA DO ARQUIVO NACIONAL

Ismênia de Lima Martins

O período entre 1808 e 1842 é particularmente significativo para a históriabrasileira. A transmigração da Família Real e a instalação da Corte no Rio deJaneiro constituem-se no seu marco político inicial, mas outros se destacamcomo a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, a reunião das Cortes emLisboa, a abdicação de D. Pedro e o conturbado período regencial até a maio-ridade de D. Pedro II.

Foi de fundamental importância a intensa movimentação de portugueses nopaís naqueles anos, na ocupação das terras, na expansão dos negócios e nosconflitos que cercaram o processo de Independência, onde uma “facção” por-tuguesa reunia altas patentes militares, burocratas e comerciantes e apresen-tava-se como antagonista do “partido brasileiro” que também incluía portu-gueses enraizados na colônia e favoráveis à separação de Portugal. Além dosaspectos propriamente políticos, a imigração portuguesa nesse período exerceuuma forte influência sobre a formação cultural e social brasileira e no que viriaser a identidade forjada pelo Império

A segunda especificidade refere-se ao que Sergio Buarque de Hollandachamou de “novo descobrimento do Brasil” pois “nunca o nosso país pareceratão atraente aos geógrafos, aos naturalistas, aos economistas, aos simples via-jantes, como naqueles anos que imediatamente se seguem à instalação da corteportuguesa no Rio e à abertura dos portos ao comércio internacional”.

Não somente os comerciantes, mas, também os cientistas, e viajantes eramestimulados a descobrir ao mundo o país, suas riquezas e potencialidades.

Os representantes das nações estrangeiras, instalaram-se oficialmente noRio de Janeiro, dando lustre e suntuosidade à antiga capital da colônia.

O inglês John Mawe foi o primeiro de uma série de estrangeiros que inte-grariam missões sistematicamente organizadas como a austríaca, a bávara, arussa e a francesa. Todos os que se distinguiam por seus conhecimentos úteisem quaisquer das artes liberais e mecânicas, eram recebidos com afabilidadesem preferência de nação ou de religião, concedendo-se liberalmente sesmariasaos que se propunham exercer a lavoura.

O crescimento da população foi considerável no período. No arrolamentopopulacional mandando realizar em 1799 pelo conde de Resende a população

Page 35: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

do Rio de janeiro, restringindo-se às paróquias que compunham a área urbanaapresentaria o total de 43. 376 habitantes1.

Outra iniciativa do gênero ocorreu já no reinado de D. João VI, em 1821.A pesquisa compreendeu as áreas urbanas e suburbanas ou rurais, ele-

vando-se o número para 112. 695. De qualquer maneira as quatro paróquiascomputadas em 1799 apresentavam um total de 79. 321 habitantes, ou seja,apresentavam um crescimento em torno de 90%2.

A administração joanina cuidou de criar os equipamentos políticos e admi-nistrativos necessários para o funcionamento do governo e o bem-estar daCorte. Entre os problemas existentes a ordenação do espaço público e o con-trole da população eram matérias relevantes.

Pelo alvará de 10 de maio de 1808 foi instituído o lugar de Intendente Geralda Polícia da Corte e do Estado do Brasil reproduzindo o modelo adotado emPortugal.

O decreto n.º 15, de 22 de junho de 1808, criou os oficiais da polícia,fixando sua competência: divertimentos públicos, mendicidade, concessão delicença para casas de jogos e botequins, mapas de população, iluminação e cui-dado das ruas da corte, expediente dos passaportes, legitimação de estrangei-ros, registro e expediente da Casa de Correção, dos escravos e calabouço.

A Intendência Geral de Polícia subordinada, inicialmente, ao Ministério eSecretaria do Estado do Brasil, passou em 1821 à Secretaria do Estado dosNegócios da Justiça.

A documentação foi recolhida pela Secretaria de Polícia do Distrito Fede-ral em 1871, 1886, 1926, 1929 e pela Brigada Policial do Distrito Federal em1912, constituindo-se, atualmente, em importante acervo integrante da docu-mentação textual do Poder Executivo do Arquivo Nacional.

A HISTÓRIA DA BASE LUSO

O acervo, no que se refere aos portugueses, foi objeto de três projetos imple-mentados em ocasiões diferentes pelo Arquivo Nacional. O primeiro data de1965, ano do quarto centenário do Rio de Janeiro evento que motivou as entida-des portuguesas da cidade, na época, ainda capital federal. As Associações lusobrasileiras, como eram então conhecidas, patrocinaram uma série de ações eeventos muitos deles contando, inclusive, com o apoio do governo português. Talfoi o caso, por exemplo, da estatua equestre monumental de D. João VI, colocadana Praça XV, iniciativa que deu grande visibilidade ao grupo através da imprensa.

Outro exemplo foi, justamente, o mencionado projeto decorrente de enten-dimentos entre a Diretoria de Projetos Internacionais da Fundação Calouste Gul-benkian e o Diretor-Geral do Arquivo Nacional, para publicação da relação dos

ISMÊNIA DE LIMA MARTINS

34

1 LOBO, 1979: 121,122.2 ABREU, 2006: 39.

Page 36: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

portugueses entrados no Brasil entre 1808 e 1842. Não se dispõe de dados preci-sos sobre as atividades então realizadas, mas o Diretor-Geral do Arquivo Nacio-nal, em 1970, avaliava que o acordo interinstitucional inicial já interrompidolegara um material que carecia de melhor sistematização e revisão minuciosa.

Em 1970, teve lugar o segundo projeto correspondendo a uma retomada dotrabalho original, ainda com auxílio da Fundação Calouste Gulbenkian. Tinhapor objetivo a indexação de nomes de portugueses entrados no Brasil noperíodo 1808-1842. Conforme observado no relatório do Serviço de PesquisaHistórica do Arquivo Nacional, referente às atividades institucionais desenvol-vidas no exercício de 1971, a partir do momento em que foi verificada a des-continuidade dos registros relativos exclusivamente à entrada dos portugueses,optou-se pela ampliação do levantamento, incluindo-se também os registrosreferentes à movimentação interna e para o exterior dos mesmos, assumindo oprojeto, à época, o “título genérico” de Portugueses no Brasil. O citado relató-rio informa que o universo de trabalho compreendeu 26 códices, equivalente aum total de 96 volumes.

Um novo projeto teve inicio em 1996, quando foi firmado convênio entreo Arquivo Nacional e o Instituto Luso-Brasileiro de História do Liceu LiterárioPortuguês, o projeto Movimentação de portugueses no Brasil (1808-1842), queconsistia basicamente na constituição de base de dados factuais coletados dedocumentos do fundo Polícia da Corte, custodiado pelo Arquivo Nacional, quetratavam da entrada, saída e movimentação interna de portugueses no Brasil naprimeira metade do século XIX.

Até então, as informações levantadas entre as décadas de 1960 e 1970encontravam-se disponíveis em fichas, compondo quatro fichários distintos,embora sob a mesma temática. O projeto, então implementado, procurou con-solidar os dados informatizados, tendo em vista permitir a consulta on-line comdiferentes recursos de cruzamento de informações, constituindo-se assim numinstrumento de referência para estudos no campo da imigração.

A Base Luso é integrada por 64.116 registros e sua estrutura foi montadapara comportar os dados originalmente extraídos dos documentos, permitindoa recuperação de informações variadas como: idade, estado civil, profissão,acompanhantes, locais de residência e moradia, destinos e características físi-cas, possibilitando, a partir dos indivíduos registrados, inúmeras pesquisas aca-dêmicas ou probatórias.

Em 2007, graças ao intercambio de pesquisadores portugueses lideradospelo CEPESE e brasileiros representados pela FAPERJ, conveniaram-se asentidades com o Arquivo Nacional e foram obtidos recursos para a transferên-cia da Base Luso do programa MicroIsis, que já se revelava obsoleto para umsoftware eficiente, eliminando o risco de perda total dos dados e possibilitandomaior agilidade na recuperação das informações via web.

É importante ressaltar que ao longo desse período, de quatro décadas, semprehouve uma iniciativa mobilizadora por parte da comunidade portuguesa local,através de seu movimento associativo, na captação ou na promoção de recursos

MOVIMENTAÇÃO DE PORTUGUESES NO BRASIL: 1808 A 1842. A BASE LUSA DO ARQUIVO NACIONAL

35

Page 37: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

necessários ao desenvolvimento dos projetos que resultaram, finalmente, na BaseLuso. E, para surpresa dos pesquisadores, sua maior motivação não era a pesquisaprobatória e sim impedir que aqueles nomes fossem esquecidos, não pudessem serrecuperados, e com eles se perdesse um patrimônio, uma parte de sua historia.

OBSERVAÇÕES INICIAIS SOBRE A BASE LUSO

• É importante observar inicialmente que o mesmo indivíduo pode aparecerem mais de um registro, considerando o número de entradas que praticouassim como deslocamentos internos. O cruzamento destas informaçõespermitirá verificar seu grau de circulação entre Portugal e Brasil e vice--versa assim como no território brasileiro.

• A ficha compreende as seguintes informações: nome e sobrenome, natu-ralidade, idade, características físicas (estatura, rosto, olhos, nariz, boca,cabelos, sobrancelhas, barba, bigode, compleição, pele e sinais particula-res), estado civil ocupação/profissão, moradia (endereço), trabalho (ende-reço), data de chegada, procedência, tipo de embarcação, nacionalidadeda embarcação, nome da embarcação, comandante, razão da vinda, des-tino, data do registro, observações e notação (códice, volume, folha enúmero de registro no livro).

• Nem sempre todos os campos acham-se preenchidos. As lacunas devem--se, em alguns poucos casos, a problemas materiais da documentação,mas em sua maioria são devidas a falta da informação no registro efe-tuado pela Polícia à época.

• Quanto aos aspectos físicos e qualificações a mostra que se segue evi-dencia a falta de critério dos mesmos e a amplitude e preconceito dasdefinições, quando se pensa, por exemplo, numa estatura ordinária ounuma cor natural!

Estatura ordinária; pequena; baixa; mediana; alta.Cor natural; morena; trigueira; clara; corada; branca.Rosto comprido; redondo.Olhos pardos; azuis; pequenos; grandes; pretos.Nariz pequeno; regular.Boca regular; pequena; grandes lábios; fina.Cabelos pretos; castanhos; ruivos; escuros; castanhos claros;Sobrancelhas delgadas; finas; curadas; castanhas; regulares.Bigode buço; bastante.Barba bastante; bastante e branca; pouca; ausente; regularCompleição grosso de corpo; gordo; cheio de corpo; magro.Sinais particulares bexigoso; sem dentes; aleijado de uma perna; cica-

triz do lado esquerdo, usa óculos; espinhas no rosto;cego do olho esquerdo.

ISMÊNIA DE LIMA MARTINS

36

Page 38: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

• No que diz respeito ao estado civil menos de 50% dos registros examina-dos contemplam essa informação num total de 30 873 conforme o quadroque se segue, destacando-se a identificação de mais de 80% dos declara-dos como homens solteiros, confirmando-se nesta fonte o que vem sendodemonstrado em estudos anteriores3.

MOVIMENTAÇÃO DE PORTUGUESES NO BRASIL: 1808 A 1842. A BASE LUSA DO ARQUIVO NACIONAL

37

3 SOUSA; MARTINS, 2007.

Quadro n.º 1 – Estados Civis Declarados

Homens Mulheres

Solteiros 25264 18Casados 5053 12Viúvos 400 126

Quadro n.º 2 – Naturalidade

Locais Total Locais Total Locais Total

Ilha do Faial 843 Lisboa 4294 Coimbra 525Porto 13283 Minho 474 Ilha São Miguel 704Braga 4520 Viana 1070 Guimarães 1514Bastos 771 Faial 970 São Miguel 704Aveiro 530 Gaia 229 Terceira 1216

Quadro n.º 3 – Locais de procedência

Locais Total Locais Total Locais Total

Angola 511 Ilha de São Miguel 1199 Madeira 221Porto 20569 Ilha Faial 1343 Viana 645Lisboa 3686 Campos 1075 Rio Grande 802Paranaguá 173 Cabo Frio 389 Benguela 160Ilha de São Miguel 1035 Bahia 243 Montevidéu 628

• A questão da naturalidade, de grande interesse para os estudos sociode-mográficos apresenta-se com muita complexidade na fonte devido a pro-blemas de grafia ou imprecisão. Existe na documentação 936 diferentesnomenclaturas para naturalidade e 39 113 declarantes. Também nestecaso confirma-se a tendência da historiografia dominante, que atribui aoNorte de Portugal os maiores contingentes de imigrantes, como se evi-dencia na amostra que se segue.

• As procedências são declaradas em 39 046 registros e os locais nomina-dos referem-se ao exterior ou ao próprio Brasil. Destaca-se a cidade doPorto com mais de 50% dos registros como se evidencia na amostra quese segue. Se relacionarmos o número apontado neste quadro para aquelacidade com o referido no quadro anterior relativo a naturalidade dos imi-grantes, veremos que de lá partiam não apenas os seus naturais mas, também,a maioria dos imigrantes de toda a região.

Page 39: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

• É particularmente instigante a variedade de ocupações relacionadas pelos33 361 declarantes, atingindo um número de 542 diferentes nomenclaturas.

O exame da listagem produzida por este campo da Base satisfaz a curiosi-dade pelo esclarecimento de tão elevado número, que não corresponde, na ver-dade, a ofícios diferenciados e marcados, por exemplo: existe a denominaçãojuiz, mas também, separadamente, as de juiz de direito, juiz de fora, juiz dealfândega, juiz de paz. Os caixeiros apresentam-se em dez categorias e existeuma extensa lista de “ex”: ex-feitor, ex-guarda, ex-mascate, ex-padeiro, ex--militar etc. Da mesma forma uma variedade de aprendizes de diversos ofícios.

O detalhamento poderia se atribuir ao zelo do funcionário ou ao desejo dodeclarante para marcar o seu lugar na hierarquia do ofício ou na sociedade.

Na amostra que se segue os caixeiros são em torno de 40% e somado aosnegociantes correspondem a 60% dos declarantes. Por outro lado registram-seapenas 3% de agricultores e lavradores, reafirmando o caráter urbano da imi-gração portuguesa no Brasil desde esta época. Os ofícios ocupam lugar de des-taque que se explica pela evolução urbana do período. As mulheres constituem--se em torno de 1% do número de declarantes e se dedicam aos oficios de cos-tureira e criada.

ISMÊNIA DE LIMA MARTINS

38

Pode concluir-se que, os registros da movimentação de portugueses no Brasilproduzidos conforme o sistema de controle e registro da Polícia da Corte, ilu-minam as mais variadas características desse grupo e de cada indivíduo, iden-tificando seus deslocamentos pelo Império e para o exterior. A disponibilizaçãoonline desse instrumento garantirá a recuperação rápida de informações funda-mentais para a história da emigração portuguesa para o Brasil e da inclusãosocial desse imenso contingente de mão-de-obra estrangeira nas primeirasdécadas do então recentemente formado Estado Nacional Brasileiro.

BIBLIOGRAFIA

ABREU, Mauricio de A, 2006 – Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP.LOBO, Eulália Maria Lahmeyer, 1978 – História do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IBMEC.

vol. 1.

Quadro n.º 4 – Profissão

Ocupação Total Ocupação Total Ocupação Total Ocupação Total

Caixeiro 12472 Criado 352 Religioso 203 Cirurgião 103Capitão 131 Negociante 8659 Feitor 467 Agricultor 13Costureira 141 Vive de negócios 113 Sapateiro 482 Ferreiro 153Criada 151 Lavrador 926 Pedreiro 390 Carroceiro 111Costureiro 1 Carpinteiro 1316 Sem ocupação 314 Volante 406

Page 40: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARTINS, Ismênia de Lima; Sousa; Fernando de (org.), 2006 – Portugueses no Brasil: Migran-tes em Dois Atos. Niterói, Rio de Janeiro: Muiraquitã.

Matos, Maria Izilda; Sousa, Fernando; Hecker, Alexandre (org.), 2008 – Deslocamentos & His-torias: os portugueses. Bauru, São Paulo: Edusc.

SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia, 2007 – A Imigração Portuguesa para o Brasil.Porto: CEPESE, FAPERJ.

MOVIMENTAÇÃO DE PORTUGUESES NO BRASIL: 1808 A 1842. A BASE LUSA DO ARQUIVO NACIONAL

39

Page 41: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 42: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

41

EMIGRANTES E IRMANDADES DE ORIGEM PORTUGUESA NO BRASIL: AS SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA

Jorge Carvalho Arroteia

INTRODUÇÃO

Este texto pretende ser um contributo para o conhecimento das irmandadesde origem portuguesa no Brasil e da sua criação relacionada com os processosde colonização e de emigração para este país. Mais do que a enumeração exaus-tiva destas instituições, da época em que foram criadas ou mesmo da sua cro-nologia, importa ter em consideração a sua expansão no território, relacio-nando-a com o desenvolvimento da emigração nacional para terras de VeraCruz e, sobretudo, com a progressão da colonização portuguesa do territóriobrasileiro.

Da mesma forma importa assinalar como a criação das irmandades daMisericórdia, com a sua acção assistencial, médica e social em prol dos caren-ciados, acompanhou a fixação de colónias de portugueses nesse território,sendo um exemplo de difusão de uma das instituições religiosas mais antigas,orientadas para o cumprimento das setes obras de misericórdia, de naturezaespiritual e de outras tantas, de natureza corporal. São elas, de natureza corpo-ral: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir osnus, dar pousada aos peregrinos, assistir aos enfermos, visitar os presos, enter-rar os mortos; de natureza espiritual: dar bom conselho, ensinar os ignorantes,corrigir os que erram, consolar os tristes, perdoar as injúrias, sofrer com paciên-cia as fraquezas do próximo, rogar a Deus pelos vivos e defuntos.

Com este texto pretende-se, ainda, saudar os “Irmãos” que ao longo destesúltimos cinco séculos, desde 1539 à actualidade, permitiram o desenvolvi-mento e a expansão das 110 Santas Casas de Misericórdia existentes no Brasil.Em simultâneo, sugerir o desenvolvimento de outras investigações relaciona-das com a importância destas Irmandades na sua relação com o desenvolvi-mento da emigração portuguesa e o povoamento do Brasil.

A criação das Santas Casas de Misericórdia em território brasileiro tevelugar durante a primeira metade de Quinhentos, poucos anos após a criação daConfraria de Nossa Senhora da Misericórdia, em Lisboa, no ano de 1498, poriniciativa da Rainha Leonor de Lencastre e com o apoio espiritual de FreiMiguel de Contreiras, seu confessor. De acordo com a doutrina cristã, estas

Page 43: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

procuravam acorrer aos doentes e enfermos, na fome, nas pestes, nas guerras,bem como no enterro dos confrades e desamparados e noutras situações denecessidade, através de práticas caritativas assumidas pelos irmãos da mesmaconfraria, de acordo com os compromissos estipulados pela Irmandade.

O interesse destas instituições, tais como de outras que se espalharam após osDescobrimentos pelo mundo conhecido dos portugueses, é considerável uma vezque as Santas Casas foram responsáveis pela criação de numerosas albergarias,hospitais e de igrejas, onde se cuidava do corpo e da alma dos mais necessitados.Ainda hoje nas diversas cidades brasileiras onde existe esta irmandade, umnúmero significativo de serviços clínicos, de enfermagem e de saúde, são geridospor estas instituições. Assim o refere Khoury: “na maioria dos continentes e paí-ses onde foram fundadas Santas Casas, elas se anteciparam às atividades estataisde assistência social e à saúde, e o que é ainda mais extraordinário, em algunspaíses e, notadamente no Brasil, foram elas as criadoras dos cursos de Medicinae Enfermagem, como é o caso daqueles fundados em São Paulo, Rio de Janeiro,Vitória e muitos outros mais”1. Mais ainda, no dizer da mesma autora, recente-mente representavam “cerca de 62% da oferta-leito no País, e 80-90% na assis-tência social, sendo que, na maioria dos Municípios Brasileiros, elas constituemo único bastião de assistência social e à saúde da população”2.

A nota que elaborámos tem presente o levantamento coordenado pela prof.doutora Yara Aun Khoury, da Pontifícia Universidade de São Paulo, publicadoem 2004. Esta fonte documental reúne a história, a distribuição e os recursos des-tas instituições no território brasileiro. Entendemos que o trabalho conduzido poresta investigadora e docente universitária, constitui um valioso contributo para oconhecimento da história e da evolução destas irmandades, sendo um importantetestemunho do processo de povoamento e da evolução da emigração portuguesaneste país, que se pode aprofundar através da análise da evolução da comunidadeluso-descendente que aí tem crescido e continuado a manifestar os sentimentosde solidariedade que estiveram na origem da difusão destas instituições sociais.

IRMANDADES

A análise da emigração portuguesa para o Brasil, cuja evolução e volumetem sido marcado por um interesse constante por parte da população portu-guesa e de outras nacionalidades, em função do processo de colonização e,sobretudo, depois que o estado do Brasil deixou de ser colónia portuguesa, temsido objecto de diferentes estudos de natureza histórica, geográfica, sociológicae cultural3. Não importa aqui referenciá-los. Apenas ter presente que os colo-nizadores e emigrantes, os religiosos e militares, os degredados e os escravos,

JORGE CARVALHO ARROTEIA

42

1 KHOURY, 2004: 10.2 KHOURY, 2004: 10.3 ROCHA-TRINDADE; ARROTEIA, 1984.

Page 44: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

transportaram consigo modelos culturais das sociedades de origem, afeiçoadoslocalmente pelo contacto com a população autóctone e com novos habitantesoriundos de diferentes continentes, que contribuíram para a colonização destevasto território. Daqui terá resultado uma mescla civilizacional, cultural eétnica, dominada por elites religiosas, militares, políticas, ou já administrativase comerciais, que alimentaram presença contínua de portugueses nesse territó-rio, durante os últimos cinco séculos.

Além dos homens, das leis e dos modelos de administração e da economialocal, foram igualmente transportadas as instituições, que por meio de iniciati-vas próprias conseguiram implantar estruturas de natureza religiosa, cultural,económica e outras, que vieram a desempenhar uma acção aglutinadora dapopulação autóctone e imigrante, sobretudo de origem portuguesa.

Dos exemplos que poderíamos citar relacionadas com o modelo de organi-zação administrativa local e municipal, com a criação de diversos tipos de esco-las, algumas precursoras de universidades, interessou-nos o exemplo das San-tas Casas, que se desenvolveram em Portugal por acção da Igreja e de ordensreligiosas em locais de maior convergência de peregrinos, de afluência denecessitados ou respondendo a necessidades surgidas em momentos críticos4

de epidemias, tais como a varíola, a febre amarela, a cólera ou a gripe espa-nhola. Fundadas em 1498, rapidamente se espalharam pelas principais cidadese vilas do Reino e pelos locais visitados pelos navegadores e religiosos portu-gueses. Como assinala Khoury a sua criação durante o período colonial “dizmuito a respeito das formas de organização política do governo português e dasrelações por meio das quais esse processo colonizador foi sendo gestado”. Maisainda, “constituídas de maneira articulada à criação das primeiras cidades colo-niais, como as de São Vicente, Salvador e São Sebastião serviram como supor-tes da administração da Coroa distante”5.

Contudo, afirma também a referida autora, nos continentes e países ondeforam fundadas as Santas Casas, anteciparam-se “as actividades estatais deassistência social e à saúde” e em alguns países, “notadamente no Brasil, foramelas as criadoras dos cursos de Medicina e Enfermagem, como é o caso daque-les fundados em São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e muitos outros mais”6.

Data de 15397, a criação da Santa Casa da Misericórdia da vila de Olinda,“com a finalidade de cuidar dos pobres e enfermos, socorrer as viúvas, órfãose necessitados, além de defender as causas dos encarcerados, enterrar os mor-tos e exercitar outras obras de misericórdia”. Segundo o levantamento coorde-nado por aquela autora8, até à independência deste país e à publicação da Cons-tituição Imperial de 25 de Março, de 1824, tinham sido criadas as seguintes

EMIGRANTES E IRMANDADES DE ORIGEM PORTUGUESA NO BRASIL: AS SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA

43

4 KHOURY, 2004: I, 26.5 KHOURY, 2004: I, 26.6 KHOURY, 2004: 10.7 KHOURY, 2004: 187.8 KHOURY, 2004: 10.

Page 45: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Santas Casas, no seu início, regidas pelo Compromisso da Santa Casa de Mise-ricórdia de Lisboa:

– Olinda PE (1539)– Santos SP (1543)– Salvador BA (1549)– Rio de Janeiro RJ (1567)– Vitória ES (1551-1606)– São Paulo SP (1599-1603)– João Pessoa PB (1602-1618)– Belém PA (1619-1687)– São Luís MA (1567)– Campos RJ (1792).

A criação destas instituições, em locais próximos da costa assinala a fixa-ção dos primeiros colonos portugueses nestas paragens, ao qual se seguiu aexploração do território interior, conforme o estabelecido pelo regime de capi-tanias, delineadas por paralelos e a sua ocupação por donatários, escravos eemigrantes. O roteiro do povoamento brasileiro pode ser seguido através dosregistos locais destas Irmandades, os quais reúnem informação abundante ediversificada sobre a vida das comunidades locais e a construção da sociedadebrasileira. Sendo um processo longo e extenso, com interesse para várias ciên-cias, há oportunidade de referir, a título exemplificativo, alguns actores.

Assim, a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, deve-se aofidalgo português, Braz Cubas, “líder do povoado do Porto de São Vicente”9,que encetou as obras de construção de um Hospital, inaugurado no dia deTodos os Santos de 1543. Refere a mesma autora que, antes ainda da chegadados jesuítas a esta região, em 1553, este mantivera a sua importância, antes dofinal desse século quando a vila de Santos caiu em decadência, por via da que-bra do movimento marítimo causado pela migração das plantações e dos ope-rários do litoral para o planalto interior, “em busca de melhores oportunidadesnas Fazendas, bem como nas chamadas Entradas e Bandeiras. Outro motivo eraa fuga de doenças infecciosas, que assolavam as terras húmidas do litoral”.

Já a Santa Casa de Salvador, terá tido a sua origem no Hospital da Cidade,criado pelo Governador Tomé de Souza10 e anos mais tarde, em 1816, terá aco-lhido as aulas da Academia Médico-Cirúrgica da Bahía, primeira do Brasil,fundada por D. João VI, em 1808.

Pelo seu interesse transcrevemos desta obra11, a seguinte notícia relativa àcriação da Santa Casa de Rio de Janeiro. Em 1582, o “Padre José da Anchietaencontrava-se no Rio de Janeiro e, com a ajuda de alguns Irmãos da Miseri-

JORGE CARVALHO ARROTEIA

44

9 KHOURY, 2004: II, 641.10 KHOURY, 2004: I, 110.11 KHOURY, 2004: II, 467.

Page 46: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

córdia, levantou um barracão coberto de palha, para socorrer os marinheiros”da esquadra do almirante espanhol Diogo Flores Valdez que então procurava oEstreito de Magalhães.

Preocupações relacionadas com o “amparo dos doentes pobres e desvali-dos”12, terá estado na origem da criação da Santa Casa de Vitória (EspíritoSanto), de São Paulo, de João Pessoa, de Campos e de S. Luís. Neste caso,aponta a referida autora13 que o “Padre António Vieira e os jesuítas, enviadosem missão evangélica à cidade de São Luís, não mediram esforços para a cria-ção do Hospital da Caridade e da Irmandade”.

Os exemplos anteriores, sugerem como a criação destas primeiras Irman-dades estiveram ligadas ao esforço de povoadores (capitães e outros donatá-rios) e de clérigos, muitos deles da Ordem de Jesus, que se esforçaram porimplantar no Brasil as instituições de assistência que seguiam o modelo daSanta Casa da Misericórdia de Lisboa, a qual servia de exemplo na sua organi-zação e privilégios. Há medida, porém, que a Irmandade se foi generalizando,estas foram sendo criadas por iniciativa de particulares, comerciantes, médicos,militares, magistrados e outros, e as suas doações destinadas à criação de hos-pitais de caridade, de asilos para recolha de doentes e de indigentes, de idosose de crianças desprotegidas.

A este respeito, cada uma destas instituições tem uma história diferente,sendo que, na vida destas instituições, momentos houve que coincidiram comépocas de crise, tal como a que coincidiu com a ocupação holandesa ou comoutros acidentes militares, internos ou internacionais. Daqui resultou a perda dedocumentação, a extinção de irmandades, a transferência da sede ou até odesenvolvimento de outras actividades que permitem o seu funcionamentoactual e a recolha de fundos a sua subsistência. É o que nos relata levantamentode Yara Khoury, o qual permite ainda destacar:

• o impulso registado nas primeiras décadas após a fundação da Irmandade,em Lisboa, que levou à criação de oito instituições no Brasil, entre 1539e 1585;

• a redução desse movimento durante o domínio Filipino, uma vez que,apenas entre 1622 e 1650, foram criadas duas Irmandades no Brasil;

• a lenta progressão deste processo de criação após a Restauração, dado queentre 1650 e 1730 não há referência à criação de qualquer Irmandade, oque só acontece entre 1730 e 1822, com a fundação de dez novas SantasCasas.

Só após a independência do Brasil é que o movimento de criação de novasIrmandades ganha um extraordinário incremento, registando-se, durante oséculo XIX:

EMIGRANTES E IRMANDADES DE ORIGEM PORTUGUESA NO BRASIL: AS SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA

45

12 KHOURY, 2004: I, 260.13 KHOURY, 2004: I, 167.

Page 47: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

• entre 1825 e 1850, a criação de dezasseis Irmandades; • entre 1852 e 1900, a criação de setenta e cinco novas instituições.

Este movimento progride durante o século XX, tendo-se verificado:

• entre 1901 e 1924, a criação de quase nove dezenas de Irmandades, valorquase idêntico ao registado entre 1926 e 1950;

• entre 1951 e 1974, a criação de mais de uma centena de Irmandades;• depois de 1975 e entre esta data e 1998, foram ainda criadas 31 Irmandades.

Primeiramente fundadas ao longo da costa e do litoral, estas Irmandadesforam-se expandindo para o interior à medida que progrediu o povoamento do pla-nalto e do sertão, espalhando-se ao longo dos cursos de água e dos entrepostoscomerciais aí criados. Finalmente difundiram-se por entre o tecido urbano brasi-leiro constituído pelas vilas e cidades de maiores dimensões, acompanhando aevolução das colónias de portugueses e dos seus descendentes, em locais caren-ciados de cuidados de saúde e de assistência física e moral das populações.

O desempenho destas Irmandades, dentro e fora do Reino, pode ser apreciadanum discurso de Almeida Garrett: “Temos em Portugal uma instituição que noshonra (…), que nasceu com a monarchia (…), que a acompanhou por todas as par-tes do mundo, que a seguiu aos mais remotos confins do globo, onde ella foi levara cruz e a civilização, o evangelho e o commercio, a liberdade e as suas colónias.Em nenhum paiz da terra há instituição philantrópica superior nem egual!”14.

EMIGRANTES

As referências anteriores ganham algum significado se atendermos aosdados da emigração portuguesa registados para este país. Assim se tivermos emconta os valores apontados por V. M. Godinho15 relacionados com as perdas dapopulação portuguesa, associada às preferências da população portuguesa peloBrasil, temos o panorama seguinte:

• desde o século XVI, que o Brasil atraía colonos de origem portuguesa,que durante o século seguinte, até à Restauração, se repartiam igualmentepor Castela e pelo império espanhol;

• depois da Restauração e antes do ‘rush’ mineiro do século XVIII, estemovimento de saída é particularmente registado nos portos de Viana doCastelo, Porto e Lisboa, com destino a Pernambuco, Baía e Rio deJaneiro, com cerca de dois milhares de emigrantes anuais.

JORGE CARVALHO ARROTEIA

46

14 Discurso proferido na Câmara dos Pares em 10 de Fevereiro de 1854. Diário n.º 86. Discursos, p.220 (MARTINS, 1998).

15 GODINHO, 1978: 8-9.

Page 48: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Este registo permitiu a este autor16, estimar as seguintes perdas da popula-ção portuguesa:

• de 1500 a 1580, cerca de 280 000 indivíduos;• entre 1580 e 1640, entre 300 000 e 360 000;• entre 1640 e 1700, cerca de 150 000;• entre 1700 e 1760, esse valor aumenta para mais de meio milhão, talvez

600 000.

Estes últimos valores estão associados à cultura da cana do açúcar, à explo-ração mineira e durante o século XIX, à cultura do café e à progressiva dificul-dade de recrutamento da população negra, a partir de meados de Oitocentos, aque sucedeu a supressão da escravatura. Estas razões associadas ao incrementoda navegação a vapor e dos transportes oceânicos, dos finais desse século, per-mitiram um aumento de saídas, da ordem das três centenas de milhar entre 1820e 1890 e de cerca de duas centenas de milhar, na década de 1891 a 1900.

Já durante o século XX, quase meio milhão de portugueses saíram para oBrasil desde o início do século até ao início da I Guerra Mundial, representandoquase 90% da emigração portuguesa durante esse período; mais de 200 000voltaram a fazê-lo após o termo desse conflito armado e até ao início da criseeconómica dos anos trinta; quase 90 000, entre 1931 e 1940, valor que voltoua aumentar durante os primeiros anos da segunda metade de Novecentos, até1963, data em que as saídas para o Brasil foram definitivamente ultrapassadaspela emigração transoceânica, em queda desde então.

Com as reservas inerentes a este tipo de estimativa, bem como tendo pre-sente a diversidade de destinos desta população, importa salientar que a dimen-são de saídas e a sua preferência por aqueles portos justifica a criação das pri-meiras Irmandades nesses Estados e nos que atraíram maior número de portu-gueses nas plantações, na exploração do sertão, na exploração mineira, nocomércio ou já na administração.

Importa ainda salientar que aos valores relacionados com as saídas de portu-gueses, uns a partir dos portos do reino de Portugal, outros do reino de Castela,se devem juntar os dados relacionados com o tráfego negreiro, a partir das cos-tas de África, garantindo uma mão de obra escrava necessária à expansão das cul-turas do algodão, do açúcar e do café, conforme os ciclos da economia brasileira.

Temos presente a situação registada depois da fuga da família real para oBrasil (1808), da independência deste país (1822) ou da abolição da escrava-tura (1888), que conduziu a uma intensificação das saídas de portugueses paraeste país, fenómeno que perdurou até meados da segunda década do século XX.Posteriormente regista-se um novo ciclo, com o decréscimo destas saídas a par-tir de meados desse século, quando a grande corrente emigratória, de carácter

EMIGRANTES E IRMANDADES DE ORIGEM PORTUGUESA NO BRASIL: AS SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA

47

16 GODINHO, 1978: 8-9.

Page 49: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

transoceânico, foi substituída, a partir do início dos anos sessenta, pela emi-gração intra-europeia.

No que respeita a emigração transoceânica, esta reduz-se às áreas mais den-samente povoadas do norte e do centro do país, as que então apresentavammaior densidade demográfica, ou mesmo nas ilhas dos Açores e da Madeira, etestemunham a tradição deste movimento no Minho e em Trás-os-Montes, nasBeiras ou mesmo no Algarve, à data os primeiros centros de recrutamento destapopulação emigrante. Esta tendência foi igualmente sentida em relação ao totalde saídas uma vez que, entre 1950 e 1988, quase metade das saídas oficiaisregistadas no continente português foram provenientes dos distritos de: Porto,Aveiro, Viseu, Braga e Viana do Castelo e ainda dos Açores e da Madeira.

Não sendo necessário reter outros aspectos desse movimento é bom consi-derar o contributo desta população emigrante, senão como impulsionadores dacriação das Santas Casas, pelo menos como beneficiários das mesmas. Defacto, se é certo que o Brasil foi o ”Eldorado, onde para achar ouro não há maisdo que tocar naquelas praias abençoadas”, como escreveu Alexandre Hercu-lano, referindo-se aos muitos emigrantes portugueses que aí desembarcaram,temos igualmente conhecimento dos que lá viveram pobres e mendigos, sepul-tados por acção destas obras de caridade, a expensas destas Irmandades ou deoutras instituições de solidariedade.

Essa a face negra da emigração portuguesa para o Brasil, que importavaigualmente conhecer.

NOTA FINAL

Como estudo exploratório, o texto anterior pretende realçar a criação dasSantas Casas de Misericórdia no Brasil, sugerindo a sua relação com o fenó-meno da emigração portuguesa para aquele país, antes e depois da sua inde-pendência. Para tanto será necessário conhecer a história do povoamento geraldeste território, bem como dos seus diversos Estados, bem como a evolução dapopulação de origem portuguesa em diversas épocas da história deste país.

Se é certo que a criação destas Irmandades deveu-se primeiramente à acçãoda Igreja ou a outras iniciativas pessoais promovidas por capitães e donatários,num passado próximo, foram as elites locais, sustentadas pelo comércio, pelosserviços ao já por outras actividades económicas, que desempenharam umafunção de realce na sua criação e expansão por todo o território brasileiro.Mais, ainda, elas terão influenciado diversos aspectos da vida e da sociedadebrasileira, nomeadamente “o traçado urbano das cidades”17, devido à imposi-ção da legislação eclesiástica, aos instrumentos do direito canónico e às exi-gências da própria confraria ou Irmandade.

JORGE CARVALHO ARROTEIA

48

17 KHOURY, 2004: 32.

Page 50: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Estas são algumas conclusões que se podem retirar do levantamento, emboa hora realizado pela professora Khoury, que se constitui como um excelenteinstrumento de trabalho para todos os que se vierem a interessar por esta temá-tica e mesmo para os que se venham a debruçar sobre a origem e difusão dealgumas instituições de origem portuguesa, tais como os municípios, as esco-las, as associações e outras, neste país.

BIBLIOGRAFIA

ARROTEIA, J. C., 1983 – A emigração portuguesa, suas origens e distribuição. Lisboa: I.C.L.P.ARROTEIA, Jorge, 1988 – “Aspects regionaux de l’émigration portugaise vers le Brésil au

XIXème siècle”, in Portugal-Brésil-France: Histoire et Culture. Paris: Fondation CalousteGulbenkian, Centre Culturel Portugais, p. 41-55.

ARROTEIA, Jorge Carvalho, 2007 – A população portuguesa: memória e contexto para a acçãoeducativa. Aveiro: Universidade de Aveiro.

ARROTEIA, Jorge; TRINDADE, Maria Beatriz Rocha, 1984 – Bibliografia da emigração por-tuguesa. Lisboa: Instituto Português de Ensino à Distância.

GODINHO, Vitorino M., 1978 – “Lémigration portugaise (XVe-XXe siècles). Une constantestructurale et les réponses aux changements du mondee”. Cadernos da Revista de HistóriaEconómica e Social. Lisboa, 1-2, p. 5-32.

KHOURY, Yara Aun, 2004 – Guia dos arquivos das Santas Casas de Misericórdia do Brasil. SãoPaulo: EDIC, PUC, SP, Imprensa Oficial. 2 vols.

LADAME, Paul, 1958 – Le role des migrations dans le monde libre. Genève: Librairie E.Droz/Paris, Librairie Minard.

MARTINS, Oliveira, 1956 – Fomento rural e emigração. Lisboa: Guimarães Editores.MARTINS, José V. P., 1998 – A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Lisboa, Academia das

Ciências.SERRÃO, J., 1976 – Testemunhos da emigração portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte.

EMIGRANTES E IRMANDADES DE ORIGEM PORTUGUESA NO BRASIL: AS SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA

49

Page 51: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ANEXO

Cronologia da fundação de Santas Casas da Misericórdia no Brasil(KHOURY, 2004)

Antes da Independência Depois da Independência

Período Estado Período Estado

1539-1585 PE – 1 1826-1850 BA – 2 SP – 2 MG – 3 ES – 1 PR – 1BA – 2 RJ – 4 RJ – 1 RS – 3 PB – 1 SP – 3

1622-1650 MA – 1 1852-1900 MG – 19PA – 1 PR – 1MG – 1 RJ – 5SC – 1 SP – 32AL – 1 RS – 5BA – 1 SC – 1MG – 1 AL – 1RG – 1 PE – 1

1803-1824 SP – 1 BA – 3MG – 1 CE – 1RS – 1 AM – 1RJ – 1 MT – 1PI – 1ES – 1

Século XX

1921-1924 SP – 46 1926-1950 SP – 52MG – 26 MG – 22RS – 3 AL – 1MS – 2 PR – 7PR – 2 RJ – 1BA – 5 ES – 2RG – 1 BA – 3AL – 2 MA – 1PA – 1 RS – 1CE – 1 GO – 3

1951-1974 SP – 64 1975-1998 BA – 2ES – 3 SP – 17MG – 14 MG – 6RS – 1 MS – 2BA – 6 PR – 2MS – 3 GO – 1PR – 13 CE – 1MT – 1

JORGE CARVALHO ARROTEIA

50

Page 52: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

51

MIGRAÇÕES SOCIAIS, TRANSMIGRAÇÕES POLÍTICAS

E RECEPTIVIDADE IMIGRACIONAL

José Jobson de Andrade Arruda

Os deslocamentos populacionais massivos tem sido, ao longo da história dahumanidade, uma de suas principais driving forces. Por isso mesmo, o fenô-meno migratório preenche integralmente os requisitos de um fato social total, naconceituação dos sociólogos, que o historiador François Hartog, invocandoPierre Nora, denomina evento monstro1, acontecimento de grande significado,cuja compreensão exige um referencial muito mais complexo do que aquelesprovidos por uma confraria de especialistas. Naturalmente, os motivos queembasam esses movimentos populacionais são historicamente referenciados eas possibilidades dessas transmigrações são tributárias do desenvolvimento dastecnologias de comunicações e de transportes, que oferecem os meios para a rea-lização das viagens, viabilizando o conhecimento de outras terras, alimentandoo sonho de se construir um novo destino. Em termos gerais, é possível admitirque os fluxos migratórios tendem a descontrair as tensões sociais nos países deorigem, na medida em que se exportam contingentes ponderáveis de indivíduosincapazes de garantir seus meios de sobrevivência, e tendem, por outro lado, aacentuar as tensões nas sociedades receptoras ao entrarem em competição diretacom as populações autóctones por espaço no mercado de trabalho.

Desde as grandes travessias oceânicas, pelo menos, a reaglutinação offshorede amplos contingentes populacionais provocou impactos de forte intensidadenas diversas sociedades envolvidas, mormente nas receptoras que são impelidasa conviver com culturas diversas e equacionar os problemas advindos da proxi-midade imposta pela presença estrangeira. Se a condição de estrangeiro é espe-cialmente dolorosa, para os nacionais, a aceitação do estranho impõe desafiosponderáveis. As volumosas movimentações de pessoas entre continentes passama ser a regra com o advento da Época Moderna, como condição mesma doempreendimento colonizador. A partir do século 19, dirigiram-se, normalmente,para países politicamente autônomos e economicamente dinâmicos; do lado dosmigrantes, o impulso de mudança tinha como companhia o desejo de se cons-truir uma vida mais digna em outras plagas e a crença na sua exequibilidade, atal ponto que não hesitaram em romper com as suas raízes.

A profundidade desses processos sociais, tanto objetivos quanto subjetivos,construiu todo um novo campo de estudos voltados para o entendimento desse

Page 53: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

52

1 HARTOG, 2003: 217.2 Cf. verbete INTEGRAÇÃO, THINES et al, 1974: 92.3 Cf. verbete ASSIMILAÇÃO, THINES et al, 1974.4 PIERSON, s.d.: 206.5 Sobre a escola de Chicago e outros estudos de integração, cf. EUFRÁSIO, 1999.

fenômeno de massas, levando à criação de noções que pudessem conter as par-ticularidades de que se revestia. As categorias de assimilação e de integraçãosocial são noções especificamente orientadas para a compreensão do encontroentre populações e culturas diferentes postas em relação, para o qual o fenômenomigratório é exemplar. A despeito do caráter correlato entre as duas categoriasanalíticas, elas acentuam faces diversas do fenômeno. A noção de integraçãosocial volta-se para o entendimento das formas de participação dos imigrados,particularmente nas esferas econômicas e políticas da sociedade de acolhimento,pressupondo a aceitação da diversidade cultural dos recém-chegados, e a conse-quente extensão aos egressos dos direitos de cidadania, designando a forma pelaqual elementos sociais dissemelhantes constituem unidades estanques no âmbitode um conjunto social mais amplo.2 A de assimilação, por seu turno, privilegiaas modalidades de inserção cultural, processo pelo qual um grupo social ouétnico limitado e posicionado em situação de inferioridade, numérica ou econô-mica – ou ambas – assume o sistema de valores e modelos comportamentais dasociedade em que busca se inserir3, geralmente precedido por um estágio preli-minar de acomodação, facilitadora da assimilação “na medida em que o imi-grante aceita os símbolos exteriores da nova cultura4, pois, caso contrário,poderá haver recusa da assimilação em favor da preservação de valores identi-tários originais. A primeira visa à funcionalidade das partes heterogêneas emcontato; a segunda pressupõe considerar a participação ativa do estrangeiro, desua contribuição na modelagem das novas formas de convívio e da cultura.

Para além do problema a ser considerado, a maneira pela qual os intelectuaisdos países que abrigaram correntes migratórias trataram do fenômeno, expõe aparticularidade da recepção dos recém-chegados em cada sociedade de acolhi-mento. No Brasil, desde a obra clássica, Casa Grande e Senzala, de GilbertoFreyre, publicada em 1933, a importância das culturas africanas na formação doBrasil ficou assentada e, a partir de então, não se pode mais desconsiderar a pre-sença indelével dos escravos na construção da nossa cultura. Por isso, o autor uti-liza-se do conceito de assimilação para revelar a participação ativa dos africanosno tecido cultural. Já nos Estados Unidos, o mesmo problema foi enfocado a par-tir da categoria de integração social, a exemplo das pesquisas desenvolvidas pelachamada Escola de Chicago5, voltadas para o tratamento dos modos de ajusta-mento do estrangeiro no novo meio. Não por casualidade, Freyre havia se for-mado no ambiente acadêmico norte-americano, e tinha sido aluno do culturalistaFranz Boas. Quando nos inícios dos anos 1960, o sociólogo Florestan Fernandescriticou as teses freyrianas, em A integração do negro na sociedade de classes,utilizou-se da categoria de integração social, em evidente inspiração nos estudos

Page 54: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MIGRAÇÕES SOCIAIS, TRANSMIGRAÇÕES POLÍTICAS E RECEPTIVIDADE IMIGRACIONAL

53

6 O número de imigrantes portugueses entre 1885 e 1889 somou 267 470, não havendo estatísticasestabelecidas para o período 1808-1855.

norte-americanos, para revelar a marginalização a que os egressos da escravidãoforam relegados após a abolição, cujos efeitos se aprofundaram no curso damodernização brasileira, sendo capaz, inclusive, de comprometê-la.

De forma geral, os estudos sobre os movimentos populacionais tenderam atratar ou de processos gerais, ou de fenômenos particulares deles advindos. Nãotem sido comum sua análise a partir de situações históricas particulares, comoa ocorrida por ocasião da viagem da Família Real portuguesa para o Brasil.Pari passu ao caráter inusitado do acontecimento, a monarquia portuguesa foiobrigada a enfrentar grandes desafios, como o de reconstituir as instituições doEstado e organizar o exercício do poder em um contexto que, não obstante ori-ginário dos mesmos princípios doutrinários e culturais, discrepava da própriamatriz por sua ambientação colonial.

Uma terceira via de considerações remete às condições prodigalizadas pelarecepção política, isto é, das condições geradas por conjunturas históricas espe-cíficas capazes de criar um clima extremamente propício aos desejosos de imi-grar. Se os ambientes históricos convulsionados por situações extremas, a exem-plo dos regimes adversos ou autoritários, produzem forte estimulo ao elã imi-gracionista, a existência de regimes acolhedores, apaziguados, funcionam comoelementos de atração, mormente se tais regimes instalados no ultramar perten-cem à própria tradição política e histórica com os quais os imigrantes estão fami-liarizados e guardam, portanto, uma acolhedora relação de confiança.

É exatamente este tipo de reflexão que a transmigração da Corte portuguesapara o Brasil propicia aos estudiosos da imigração, evento histórico de alta sig-nificação simbólica, cujo bicentenário repõe problemáticas naturalizadas pelatradição historiográfica. Em que medida a existência de um governo de legítimaextração portuguesa deve ser considerado relevante no fluxo migratório lusopara o Brasil, imediatamente após a instalação da Corte no Rio de Janeiro e suaconsequente transformação em sede efetiva do transcontinental império portu-guês? E, complementarmente, qual o significado dessa presença na intensifica-ção desse movimento no transcorrer do século 19, pelo menos até a queda doImpério em 1889, e os possíveis reflexos do encerramento da era bragantina nopaís com a instalação do regime republicano sobre o caudal migratório para oBrasil? Em suma, trata-se de aquilatar o papel desempenhado pelos fatores estri-tamente políticos nos contextos migratórios, uma face do processo secundari-zada pela longa hegemonia semissecular das motivações econômico-sociais.

A prova ruidosa, mais consistente, seria estabelecer uma relação direta entrea vinda da Família Real e o crescimento da chegada de portugueses num ritmopersistente ao longo do século 19, fácil de ser comprovada pelos indicadores quedemonstram ser o Brasil o destino de eleição dos portugueses imigrados, entre1808 e 18896, argumento que pode ser retificado em parte pela necessária inclu-

Page 55: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

são de uma miríade de fatores outros que, obrigatoriamente, devem ser agrega-dos à explicação geral, a exemplo da atração exercida pela dinamização das ati-vidades econômicas conectadas à expansão cafeeira. Prova indireta, aparente-mente menos consistente, mas específica para a natureza política da explicação,é o cotejo entre as experiências históricas das monarquias ibéricas, no espaçoamericano, por envolver um exercício de história comparativa balizada numadelimitação espacial e temporal apropriada, um recurso cada vez mais utilizadopelos especialistas, dada a multiplicidade dos recortes historiográficos.

É por via destes enquadramentos da conjuntura política e econômica mun-dial que se pode entrever a cadeia de eventos que conformam um dos aconte-cimentos da mais alta significação histórica, ocorrido neste período em quepraticamente não há fatos de baixa significação. A transmigração da Corte por-tuguesa para um dos extremos de seu Império é um fato marcante na históriada civilização ocidental: único em sua densidade específica.

Neste senso, impõe-se a retomada das razões objetivas a partir das quaisbusca-se explicar a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, mudançaforçada, tanto quanto foi compulsória a transposição de cinco milhões de afri-canos para a terra brasilis. Independentemente do número de indivíduos quecompuseram o séquito cortesão, se foram dez ou 15 mil, trata-se de evento semparalelo na história da humanidade: a totalidade do aparato burocrático e admi-nistrativo de um Estado transladar-se através do oceano para outro continente,levando consigo todo o arsenal necessário ao exercício do poder, que nem delonge se pode comparar a todos os deslocamentos provocados pela avalanchenapoleônica. Basta relembrar o que Oliveira Lima, de maneira precursora, cha-mou de cortes em fuga:

“extraordinário espetáculo: o rei da Hespanha mendigando em solo francês aproteção de Napoleão; o rei da Prússia foragido da sua capital ocupada pelossoldados franceses; o Stathouder, quase rei da Holanda, refugiado em Londres;o rei das Duas Sicílias exilado na sua linda Nápoles; as dinastias da Toscana eParma, errantes; o rei do Piemonte reduzido à mesquinha corte de Cagliari, queo gênio de publicista do seu embaixador na Rússia, Joseph de Maistre, bastavaentretanto para tornar famosa; o Doge e os X enxotados do tablado político; oczar celebrando entrevistas e jurando amizade para se segurar em Petersburgo;a Escandinávia prestes a implorar um herdeiro dentre os marechais de Bona-parte; o imperador do Sacro Império e o próprio Pontífice Romano obrigado dequando em vez a desamparar seus tronos que se diziam eternos e intangíveis”7.

Todas estas evasões tem em comum o fato de serem historicamente depres-sivas. Nenhuma foi capaz de arregimentar uma nação; fundar um Estado; pre-servar o regime monárquico; lastrear um Império em terras tropicais, fustiga-das pelos ventos do republicanismo que exercia enorme fascínio sobre as elites

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

54

7 LIMA, 1996: 149.

Page 56: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

intelectualizadas nos espaços recentemente descolonizados. Também aos espa-nhois ocorreu a mesma alternativa à submissão inglória a Napoleão, ao aven-tarem a hipótese de se transladar ao México, mas cujo projeto ficou apenas nasintenções, nos sonhos, sem condições de se viabilizar8.

É de vital importância, portanto, que sejamos capazes de inquirir motiva-ções mais profundas da epopéia portuguesa, até aqui atrelada de modo quaseabsoluto ao torvelinho político gerado pelo furacão napoleônico, uma naturali-zação das explicações históricas assumidas sem crítica pela quase totalidadedos numerosos textos produzidos por ocasião das celebrações do bicentenário,com raras exceções, sob o império da modalidade do fazer histórico dominante,o privilegiamento do como, da descrição, da narração, em desfavor do porquê,da busca dos nexos causais, das razões mais profundas que alicerçam a moda-lidade histórica compreensiva9.

Quando afirmamos que houve naturalização das interpretações, é porqueem nenhum momento a explicação francesa foi questionada, o papel desempe-nhado pelo corso posto em xeque, numa evidente mitificação do fenômenoNapoleão. Isto talvez se explique pelas novas faturas da história colocadasdiante da argúcia do historiador. A disposição para investigar aquilo que pareceefetivamente promissor em matéria de construção histórica, ou seja, a históriaartefato produzida pela artesania da nova história cultural: usos, costumes, ges-tos, práticas, cotidianos, vestuário, mobiliário, habitação, alimentação, arte,música, teatro, imprensa, recepção cultural, imaginários. Mas uma razão nãomenos importante deve ser debitada na conta do interesse midiático, a sujeiçãotemática ao cardápio de suas preferências, sobretudo imagens facilmente apro-priáveis e plenamente receptivas à massa de consumidores, em sua formafalada, escrita ou televisiva. Nem mesmo a comemoração dos 500 anos do des-cobrimento do Brasil mereceu cobertura tão intensa e diversificada. A tal pontoque historiadores do porte de Evaldo Cabral de Mello atacaram a importânciado evento, considerando-o uma “armação de carioca”10, mas que efetivamenteacabou por produzir, em nossa opinião, um excelente trabalho de mobilizaçãoda pesquisa histórica, destinada a mover o interesse de milhões de brasileirospara este evento histórico singular.

Um verdadeiro frenesi de lançamentos apossou-se das editoras, o querevela a alta receptividade por parte do mercado e a consequente elevação dostemas históricos, sobretudo aqueles enredados nas comemorações, à categoriade temas preferidos pela indústria cultural. Somente assim se pode explicar porque o livro de um jornalista, que jamais havia escrito um livro de história, quenão é historiador de profissão, tenha conseguido o prodígio de vender mais de

MIGRAÇÕES SOCIAIS, TRANSMIGRAÇÕES POLÍTICAS E RECEPTIVIDADE IMIGRACIONAL

55

8 Projeto inconcluso elaborado por Carlos IV e seu herdeiro, futuro Fernando VII, que pretendiamtransferir-se ao México.

9 ARRUDA, 1998.10 “Essa história de comemoração da vinda da corte ao Brasil é armação de carioca para promover o

Rio de Janeiro” (“O primeiro ano do resto de nossas vidas”. FOLHA de S. Paulo, 25 nov. 2007, p. 4).

Page 57: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

200 mil exemplares da obra 1808, com o subtítulo altamente apelativo – Comouma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaramNapoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil –, evidente arremedode verdade histórica11.

Autores e livros de oportunidades que, como toda regra, têm sua exceção,e que pode ser exemplificada pelo também jornalista, nascido na Austrália,ambientado no Brasil, que elegeu a epopéia portuguesa para escrever seu pri-meiro livro, mas que o fez com propriedade, alicerçando suas reflexões comreferências documentais consistentes, fruto de pesquisa nas bibliotecas e nosarquivos nacionais e estrangeiros. Deve-se a seu tino a localização do docu-mento mais instigante entre tantos outros que foram revelados nessa cruzadaem favor da História brasileira em seu nascedouro. Referimo-nos ao docu-mento localizado na British Library Manuscripts Room, que trata do projetoinglês de ocupar militarmente o Rio de Janeiro, elaborado entre 1805 e 1806,portanto, antes do agravamento das tensões que levaram D. João a se decidirpor deixar Portugal12.

Se o descobrimento do Brasil foi intensamente comemorado pelos portu-gueses, traduzido em farta publicação de títulos absolutamente relevantes queressignificaram a compreensão da expansão portuguesa nos séculos 15 e 16,resultado do programa estratégico para as comemorações elaborado pelaComissão especialmente criada para este fim13, as publicações sobre a vinda daFamília Real foram, compreensivelmente, parcas, pois se trata da história deuma perda irreparável, de uma efetiva mutilação do Império. Isto explica por-que, no que diz respeito à conexão Brasil, os lançamentos de maior relevoforam as biografias de D. João VI e D. Pedro IV (D. Pedro I do Brasil)14. Ofoco privilegiado de atenção continua sendo as guerras peninsulares, estas, sim,objeto de uma pletora de lançamentos editoriais em Portugal15, imersa numminucioso detalhamento da grande guerra, finalmente vencida por Portugalcontra os exércitos napoleônicos considerados imbatíveis, mesmo que paratanto a contribuição dos ingleses tenha sido essencial, fruto também do encap-sulamento intelectual e cultural que, durante séculos, a cultura francesa exer-ceu sobre Portugal.

Em nossa perspectiva, a transferência da sede do Império português para oRio de Janeiro, na forma do deslocamento da Corte e todo seu aparato institu-cional, foi um projeto longamente acalentado pela inteligência britânica, encas-telada no Foreign Office, com a finalidade de estabelecer uma ligação direta

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

56

11 GOMES, 2007.12 WILCKEN, 2005.13 Sobre a comparação entre o projeto português vis-à-vis o projeto brasileiro sobre a comemoração

do descobrimento do Brasil, ver ARRUDA, 1999. 14 PEDREIRA et al, 2008; SANTOS, 2006; MARROCOS, 2008; MARTINS, 2007.15 VICENTE, 2006; VENTURA et al, 2007; SOUSA, 2007; GUERRA Peninsular, 2005; CEN-

TENO, 2008: vol. I.

Page 58: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

com a rica colônia portuguesa, eliminando o papel de intermediário exercidopelos portos portugueses. A consciência dessa necessidade foi lentamente se for-mando a partir de um momento simbólico, o ano de 1776, que marca, ao mesmotempo, a perda da riquíssima colônia norte-americana e a primeira vez em quea Balança Comercial britânica se torna deficitária em relação a Portugal, exi-gindo, para reequilibrá-la, a remessa de moedas de ouro, durante todo o quin-quênio que medeia entre 1776 e 1780. Era o sinal de que a política de fomentomanufatureiro pombalina dava seus primeiros resultados, o que levou os ingle-ses a solicitar dos portugueses uma compensação na forma de concessão doporto de Santa Catarina, na costa brasileira, como porto aberto aos ingleses. Osingleses acusaram o golpe, mas o consideraram passageiro, sobretudo porquesuas necessidades financeiras não tinham a gravidade de que viriam a se reves-tir anos mais tarde. Mas a inversão da Balança Comercial voltou a se repetir noquinquênio 1791-1795, conforme se depreende da tabela elaborada por SandroSideri16. Dessa feita, o golpe foi expressivamente registrado por Robert Walpoleque, em carta dirigida a lorde Greenville, em 12 de outubro de 1791, diz que ofato deveria ser olhado como “a kind of phenomenon”, ou seja, algo que, apa-rentemente, não tinha explicação natural. Depois de um reequilíbrio momentâ-neo, a Balança voltou a registrar deficits brutais entre 1801-1805, e considerá-veis entre 1805 e 1810. Nesses momentos, as moedas portuguesas cunhadascom ouro do Brasil, e trazendo a efígie de D. João IV, passaram a retornar aoscofres portugueses, peças de ouro que as minas brasileiras produziram, e o novoproduto rei na pauta de exportação, trazia de volta a Portugal: o algodão.

Quais eram as razões estruturais de tal inversão? Sem dúvida, o fenômenoconstatado pelos ingleses estava no Brasil. No novo padrão de acumulaçãoresultante das reformas pombalinas, que estimulara a diversificação da produ-ção agrícola e pastoril da colônia, fornecedora de alimentos, matérias-primas,além dos tradicionais produtos tropicais de reexportação. As matérias-primasproduzidas na colônia passaram a ter um lugar de destaque no concerto inter-nacional em tempos de revolução industrial. O algodão, especialmente, ali-mentava as nascentes manufaturas têxteis portuguesas, supria a necessidade daemergente indústria francesa, bem como da indústria inglesa, cujos fornecedo-res norte-americanos estavam temporariamente bloqueados pelas guerras deindependência.

Era a colônia brasileira que criava as condições para o superavit da balançacomercial portuguesa em relação à Inglaterra. Nestes termos, assumir o con-trole direto desta colônia anularia os superavits comerciais portugueses,ampliaria sua fonte de suprimento de algodão, abriria o mercado brasileiro paraas manufaturas têxteis inglesas, entorpeceria o desenvolvimento das manufatu-ras portuguesas, aniquilaria a indústria francesa, razões mais do que suficientespara a adoção de medidas agressivas, rompendo a secular aliança com os por-

MIGRAÇÕES SOCIAIS, TRANSMIGRAÇÕES POLÍTICAS E RECEPTIVIDADE IMIGRACIONAL

57

16 SIDERI, 1970: 332.

Page 59: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tugueses. A primeira manifestação da nova política imperialista assumida pelosbritânicos, enquadrada nos ditames do imperialismo do comércio livre, quebuscava o domínio informal das economias periféricas, foi o estímulo desa-brido ao contrabando, uma forma de guerra comercial bem conhecida, prati-cada sistematicamente nos quadros do mercantilismo quando, não tendo colô-nias produtoras de riquezas significativas, sobretudo metais preciosos, os ingle-ses formalizaram a pirataria corsária, uma maneira de se apropriar das riquezascoloniais que cruzavam os oceanos. A agressividade do comércio de contra-bando cresce a partir de 1791 – ano da segunda inversão da balança comercial–, quando a presença registrada de navios estrangeiros ampliam-se na barra doRio de Janeiro, chegando ao ápice em 1800, quando 70 navios são registradosno porto, exatamente o mesmo número de navios aí estacionados em 1808,quando foram declarados abertos os portos brasileiros. Isto significa que, defato, a partir de 1800, os portos brasileiros estão de fato abertos pela agressivaação inglesa, facilitada pela conivência das autoridades coloniais. Mercadoriasinglesas eram trocadas por ouro em pó, em barra, e até mesmo mercadoriascoloniais, a exemplo do cacau17.

A pressão via contrabando era, contudo, uma medida paliativa. Era a formaindireta de agir sem romper abertamente com o tradicional aliado. A formadireta, a tomada militar da colônia, não estava fora da cogitação dos governan-tes ingleses. Entre 1805 e 1806, um plano secreto de ocupação militar do Rio deJaneiro foi urdido pelas autoridades britânicas. Na hipótese de Portugal cair sobdominação napoleônica, uma esquadra com dez mil infantes deveria dirigir-seao Rio de Janeiro e tomar posse do lugar de surpresa. Em caso de resistência, oalvo seria Salvador, na Bahia e, alternativamente, Santa Catarina, cidades queteriam o mesmo destino reservado a Goa, Macau e Madeira. Planos que nãoforam postos em execução por conta da política procrastinadora de D. João, quelevou os ingleses a adiarem sua execução até que, no final de 1807, quando apressão napoleônica se avolumava sobre Portugal, os ingleses assinaram com osportugueses a Convenção Secreta de Londres, de 22 de outubro de 1807, por-tanto, apenas 38 dias antes do embarque da Família Real. Essa Convenção, assi-nada pelo plenipotenciário português, Domingos de Sousa Coutinho, e peloSecretário de Estado inglês, George Canning, pré-escreve a história futura dePortugal e Brasil: o deslocamento da Corte; a abertura dos portos e os TratadosComerciais de 1810. Concessões de tal ordem foram feitas que atentavam con-tra a soberania do Império, pois, no fundo, os ingleses se comprometiam com apreservação da dinastia dos Braganças no trono português, recebendo comomoeda de troca a supremacia sobre a desejada colônia brasileira.

Com a abertura dos portos, a Inglaterra assegurava direitos preferenciaissobre o Brasil. Passava a ser seu principal parceiro comercial em substituiçãoa Portugal, alcançando superavits constantes havidos enquanto colônia de Por-

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

58

17 PIJNING, 1997: 82.

Page 60: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tugal. Sequiosa pelo algodão brasileiro, a matéria-prima representava 60,7% detodas as exportações brasileiras para a Inglaterra, ao mesmo tempo em que pas-sava o Brasil a importar 66,3% em manufaturas têxteis de algodão, no conjuntode todas as importações que realizava da Inglaterra. A partir de 1800, as manu-faturas provenientes das fábricas portuguesas, que tinham mercado cativo noBrasil, passaram por drástica redução, demonstrando que a ação via contra-bando tinha atingido sua finalidade, abrindo o mercado colonial para as manu-faturas inglesas. O impacto sobre as novas indústrias francesas criadas sob estí-mulo napoleônico foi devastador. A França não tinha a matéria-prima funda-mental: o algodão. Dependia do algodão brasileiro que entrava na França atra-vés de Portugal. A participação francesa na recepção de produtos coloniais bra-sileiros cresceu exponencialmente a partir de 1801, chegando ao clímax em1807-1808, quando 77,87% de todos os produtos brasileiros exportados eramconsumidos pela França, dos quais 50% eram algodão e outros 19,2% couros.O estancamento do fluxo de algodão em rama provoca o colapso das indústriasfrancesas, havendo cidades industriais, como Troyes, onde o número de desem-pregados ultrapassava a casa dos dez mil, crise esta que levou Napoleão alamentar o fato de ter investido indústrias para as quais não produzia, em seupróprio território, a matéria-prima fundamental.

O projeto urdido pelo Foreign Office alcançou plenamente seus objetivos.A colônia brasileira tornou-se efetivamente uma colônia inglesa, donde con-cluiu-se que os motivos estruturais da transferência da Corte estão assentes nosseus interesses e que, portanto, os franceses tiveram um papel circunstancial eaté autodestrutivo, pois, se a pressão sobre Portugal decidiu os portugueses emfavor dos ingleses, o resultado foi o asfixiamento da indústria francesa pelacarência de matéria-prima. D. João diligenciou para que as perdas fossem asmenores possíveis. Se enfrentasse Napoleão, perderia o Reino; se aderisse aocorso, perderia a colônia. Sua opção garantiu-lhe a preservação do Reino e,acima de tudo, a continuidade dinástica dos Braganças, tanto em Portugalquanto na colônia, ao se tornar um Estado independente. Para os ingleses, tantose lhes dava se a colônia adquirisse sua emancipação sob regime monárquicoou liberal republicano, pois, de qualquer forma, seu interesse era a exploraçãoindireta das novas nações independentes, livrando-se do ônus do domíniodireto, preservando-se as vantagens da dominação econômica e financeira indi-reta, ainda mais se uma certa formalidade fosse possível, através de tratadoscomerciais vantajosos, como de fato se fez no Brasil.

Estamos diante, portanto, de uma situação absolutamente original. É o pró-prio Estado português que patrocina a transição do estatuto colonial rumo àcondição de nação independente, responsabilizando-se, em larga medida, pelacoesão interna que daria origem a um Estado de vastas proporções territoriais.São os próprios portugueses que emprestam aos brasileiros sua centenária tra-dição dinástica, que perdura até o final do século 19. Tal configuração políticabrasileira, nesse período, nada tem a ver com a intensificação da imigração por-tuguesa, sobretudo na segunda metade do século? Onde os novos chegados

MIGRAÇÕES SOCIAIS, TRANSMIGRAÇÕES POLÍTICAS E RECEPTIVIDADE IMIGRACIONAL

59

Page 61: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

identificavam o governo brasileiro como de legítima extração portuguesa? Tal-vez mesmo mais legítimo do que o regime dinástico bragantino retornado aPortugal, crispado por dissensões internas que culminaram em disputas fratri-cidas, cujo embate contribuiu para eclipsar a mística da monarquia, sua dimen-são sobrenatural, e sobre quem pesava o fardo oneroso de ter perdido o Brasil.

Quando imigrantes portugueses conjeturavam sobre a possibilidade de seinstalar no Brasil; quando as empresas de imigração organizavam seus pacotesde viagem; quando seus funcionários argumentavam com seus clientes, implí-cita ou explicitamente, o fato de o governo brasileiro ter raízes lusitanas deveriajogar um papel relevante. Se razões de vária natureza, sobejamente conhecidas,eram essenciais18, a existência de um legítimo governo português no exílio nãoera despiciendo. D. Pedro II, que tinha todos os motivos para se considerar umautêntico soberano brasileiro, pois nascera e fora criado no Brasil, jamais fezoposição sistemática a Portugal. Se no Instituto Histórico e Geográfico, do qualera patrono, arquitetava-se a identidade nacional, buscando uma aproximaçãocom a cultura francesa e o conseqüente distanciamento da influência portu-guesa19, tratava-se de uma fratura de circulação restrita, tangenciando as cama-das sociais superiores e, sobretudo, os circuitos eruditos, sem penetração nascamadas populares.

Um esforço comparativo em relação aos eventos concomitantes havidos naAmérica espanhola pode dar solidez aos argumentos. Ao romper com a metró-pole espanhola em batalhas sangrentas, romperam também a sensibilidade polí-tica, a solidariedade ao regime monárquico e aos próprios espanhóis, tomadoscomo referência negativa no afã de construção da identidade nacional, umacesura irreversível da noção de pertencimento ao mundo que os espanhóishaviam criado na América. Sentimento que não feneceu na centúria seguinte, eque refloresceu na oportunidade de comemoração do descobrimento da Amé-rica em 1992, quando, em vários lugares, Cristóvão Colombo foi julgado e con-denado à morte em efígie responsabilizado pelo genocídio dos ameríndios;congressos foram organizados para serem a antítese das comemorações, comsugestivos títulos: Hacia los no descubrimientos; recusas nem sempre polidasforam feitas por Estados latinos às solicitações espanholas para que participas-sem da grande EXPO-SEVILHA, caso dos mexicanos que pensaram na cons-trução de um pavilhão em ferro, desmontável, para que nada ficasse no solo daex-metrópole.

Exatamente o oposto do que se verificou nas comemorações relativas aos500 anos do descobrimento do Brasil. As comemorações foram tranquilas, asresistências mínimas, considerando-se que os momentos de celebração fazemaflorar com mais intensidade as sensibilidades identitárias; Portugal e os portu-gueses não foram considerados inimigos, a comemoração foi apaziguada, quase

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

60

18 Sobre os motivos gerais do movimento de imigração no século 19, ARRUDA, 2007: 13-50.19 GUIMARÃES, 1988.

Page 62: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

naturalizada, sensação que teve Eduardo Lourenço quando se deparou com umarevista em quadrinhos em que um carioca típico observa a chegada da esquadrado descobrimento com sua tripulação engalanada e, simplesmente, observa:“Ah, é o Cabral”20, como quem diz, é de casa, é da colônia! Este estado de espí-rito deve, e muito, à figura de D. João, que conduziu a transição política bem aogosto da sociedade de acomodação, pensada por Gilberto Freyre. Criou condi-ções para que o regime instituído por seu filho e seu neto pendesse mais para oliberal do que para o absoluto, em meio à maioria avassaladora de regimes libe-rais e republicanos dominantes na América Latina, uma sabedoria política quelhe permitiu esgueirar-se entre ingleses e franceses e, ao se decidir corretamentepela retirada rumo à colônia, preservou a mística da realeza, sem dúvida, um doselementos estratégicos na explicação da longevidade do regime: 81 anos, se odemarcarmos a partir da instalação da Corte no Brasil.

Seria temerário pensar que a hostilidade aos espanhóis generalizada emtoda a América Latina teria sido um fator limitativo para as emigrações rumoaos novos países do continente? Não teria sido esta uma das razões pelas quaisos espanhóis tornaram-se o segundo contingente de emigrantes para o Brasil,superando mesmo os portugueses, considerando-se a periodicidade secularentre 1820 e 1920?21 Simples conjecturas, que a pesquisa empírica se incum-birá de reavaliar.

A transmigração da Família Real portuguesa para o Brasil diferencia o pro-cesso migratório em relação ao momento imediatamente anterior, quando osdeslocamentos populacionais enquadravam-se nos ditames da colonizaçãoregida pelo sistema colonial moderno, que dava aos portugueses privilégiosexclusivos, bem como em relação aos processos coetâneos, na América e nomundo. A diferenciação, contudo, não ocorreu apenas em função de regramen-tos jurídicos em que tais deslocamentos estavam inseridos. Diferenciavam-se,também, em relação aos níveis sociais dos contingentes deslocados, figuras daelite metropolitana, não apenas despossuídos ou perseguidos, mas componen-tes de estratos sociais mais elevados, tanto do ponto de vista de sua formaçãoeducacional, quanto de suas posses materiais.

Pensando-se no significado mais amplo dessa presença, é possível dizerque o processo de acomodação social se acomodou, pois a instalação da Cortena colônia contribuiu de modo decisivo para arrefecer as tensões sociais inter-nas, amenizando atritos e conflitos potenciais, típicos da presença em massa deestrangeiros em espaços forâneos, funcionando como uma espécie de amorte-cedor para os espasmos sociais provocados normalmente pelos fluxos migrató-rios nos pontos de chegada. Talvez seja esta a explicação para a existência de

MIGRAÇÕES SOCIAIS, TRANSMIGRAÇÕES POLÍTICAS E RECEPTIVIDADE IMIGRACIONAL

61

20 Conferência de Eduardo Lourenço na abertura do Colóquio Internacional 200.º Aniversário daChegada da Família Real portuguesa ao Brasil, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian,26 maio 2008.

21 PEREIRA, 2002: 30, em que os espanhóis perfazem 1 388 881 imigrantes contra 1 055 254 por-tugueses.

Page 63: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

um certo sentimento de naturalização, transmitido pela presença lusitana entrenós brasileiros, mesmo após a independência. Quem sabe esteja aí a razão pelaqual a intelectualidade que enfrentou o problema de nossa formação social, aexemplo de Gilberto Freyre e Florestan Fernandes tenham, com diferentes pro-pósitos, partido da mesma premissa.

Gilberto Freyre, ao enfatizar em suas interpretações da cultura brasileira oconceito de assimilação, pensa o acentuado traço de miscibilidade inerente aosportugueses, responsável pela sua vasta capacidade de aglutinação étnica que,ao mesmo tempo, produz o que ele chamou de “nossa sociedade de acomoda-ção”, nossa especial capacidade de harmonizar antagonismos. Daí derivamsuas posições contrárias às correntes imigratórias oriundas de fora da penínsulaIbérica. No livro Interpretação do Brasil, começa por afirmar “o Brasil neces-sita de imigrantes”, ponderando a seguir:

“mas, quer do ponto de vista político, quer do econômica e cultural, o maisacertado para o Brasil é admitir o maior número possível de imigrantes agrí-colas procedentes de Portugal; estes e os espanhóis são o tipo de imigrantes deque o país necessita para base ou lastro de uma nova camada de imigraçãoeuropéia”22.

Já em Florestan Fernandes, a leitura de nosso processo de formação social,numa chave interpretativa mais propriamente sociológica do que antropoló-gica, parte, paradoxalmente, da mesma vertente, ou seja, da naturalização dapresença dos portugueses no Brasil, a despeito de trabalhar com a categoria deintegração social, como fazia boa parte da intelectualidade norte-americanacom que convivera, enfatizando a questão dos direitos, da criação da cidadania,que não se realizaria sem a inserção no mercado capitalista, caminho através doqual a integração dos negros em nossa sociedade, como nos Estados Unidos,seria possível e desejável. Florestan diz, explicitamente, que, no período emque as famílias dos fazendeiros começam a fixar residência em São Paulo e seacentuar a diferenciação do sistema econômico, o “liberto defrontou-se com acompetição do imigrante europeu, que não temia a degradação pelo confrontocom o negro e absorveu, assim, as melhores oportunidades de trabalho livre eindependente”. E mais, que

“quando se acelera o crescimento econômico nos fins do século XIX, todas asposições estratégicas da economia artesanal e do pequeno comércio urbanos,eram monopolizadas pelos brancos e serviram como trampolim para asmudanças bruscas de fortuna, que abrilhantam a crônica de muitas famíliasestrangeiras. Eliminado para os setores residuais daquele sistema, o negroficou à margem do processo, retirando dele proveitos personalizados, secun-dários e ocasionais”23.

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

62

22 FREYRE, 1947: 256.23 FERNANDES, 1965: I, 4.

Page 64: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Mas, enquanto Gilberto pensa o Brasil a partir do Nordeste ou, no máximo,a partir do Rio de Janeiro, lugares onde a presença portuguesa sempre foi majo-ritária e emblemática, Florestan o faz a partir da experiência histórica de SãoPaulo, lugar onde a presença portuguesa estava diluída pelo arranque exponen-cial das migrações de outras extrações, especialmente de italianos, espanhois,árabes e tantos outros, a quem ele atribuiu papel de importância fundamentalno deslocamento dos negros e mulatos no mercado de trabalho em fase acele-rada de expansão. A marginalidade social dos ex-escravos e seus descendentesaprofundam as tensões sociais no processo de criação da moderna sociedadebrasileira. O viés interpretativo de Florestan, construído a partir de uma reali-dade moldada por levas de imigrantes não ibéricos, também é tributário de umaconcepção forjada a partir do ponto de vista dos portugueses.

Efetivamente, os portugueses não podem ser excluídos da responsabilidadegeral, outorgada aos imigrantes, pelo alijamento dos descendentes de escravosafricanos do mercado de trabalho em expansão frenética no Estado de são Paulo,conforme se depreende do texto de Maria Izilda Santos de Matos, Cotidiano ecultura, que faz uma verdadeira crônica das inúmeras atividades às quais sededicaram os imigrantes portugueses, especialmente na cidade de Santos, tantohomens quanto mulheres, atividades estas, em sua imensa maioria, que teriamsido canais naturais de penetração dos negros excluídos no mundo do trabalho24.Os portugueses açambarcaram o setor de serviços urbanos (motorneiros, cobra-dores, vigilantes, coletores, varredores, bombeiros, destacando-se na construçãocivil, imobiliária, ferroviária ou portuária, distinguindo-se como pedreiros, aju-dantes, pintores, serralheiros, marceneiros, marmoristas, calceteiros, bem comono setor industrial nascente, caracterizando-se como mão-de-obra adequada àsfiações, tecelagens e malharias, isto para não falar de sua presença no comércioambulante e inúmeras outras atividades, praticamente dominando os transportescarreteiros e carroceiros, além do trabalho nos portos, como ensacadores e esti-vadores. O trabalho feminino, sobretudo, contou com a presença marcante dasportuguesas costureiras, bordadeiras, tricotadeiras, lavadeiras e engomadeiras,trabalho que as aproximava das funções domésticas, que iam da condição deamas a governantas25, realidade esta que, por certo, não era desconhecida domestre Florestan Fernandes, mas que foi por ele incluída no rol das atividadesdesenvolvidas por brasileiros ou, no máximo, por luso-brasileiros.

A questão fulcral que sobreleva as condições até aqui referidas, remete aosignificado profundo da presença estabilizadora exercida pela monarquia por-tuguesa entre nós, um evento de natureza singular, unívoco, conjunturalmentedefinido, delimitado na média duração dos 13 anos – isto se pensarmos unica-mente nos eventos que envolvem a temporalidade mudança/retorno, quemedeia entre os anos 1808-1821 –, mas que produz impactos de longa duração

MIGRAÇÕES SOCIAIS, TRANSMIGRAÇÕES POLÍTICAS E RECEPTIVIDADE IMIGRACIONAL

63

24 MATOS, 2002: 74 e seguintes.25 SOUZA et al, 2008: 19-22.

Page 65: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ao criar um regime político estável, seguro, confiável para os residentes e paraaqueles que aqui se dispusessem a viver, em larga medida o oposto das oscila-ções constantes dos regimes políticos latino-americanos, com suas conhecidasexperiências caudilhescas, típicas de regimes políticos mal assentados, preca-riamente institucionalizados. Daqui resulta, possivelmente, a naturalização daimigração portuguesa, comumente desconsiderada como presença estrangeira,mesmo no contexto da nação constituída a partir dessa presença e que somentese poderia efetivas em oposição a ela.

Em suma, a questão que originalmente se pôs foi a de refletir sobre o pesoda dimensão política em contextos migratórios, mobilizando-se a experiênciabrasileira vis-à-vis ao mundo americano criado pelos espanhois, num contextoabsolutamente único, mas que tem o poder de atrair luzes para um problemacrucial, o da recepção imigracional em sua face política.

Inquestionavelmente, a continuidade política luso-brasileira no século 19foi fator decisivo no estímulo à imigração portuguesa para o Brasil, contra-riando os próprios desígnios do governo português que preferia ver seus cida-dãos deslocando-se para os territórios coloniais africanos. Continuidadeexpressa em sua face monárquica, dinástica e imperial. Prioridade invertida,pois, em termos simbólicos, foi a tradição do Império que, por séculos, preen-cheu o imaginário político de gerações de portugueses, por todas as glóriasalcançadas. Vasto império marítimo, de escala transcontinental, que semprealumbrou os lusitanos com as promessas ilimitadas dos paraísos terreais e osfez sentirem-se, como bem lembrou Eduardo Lourenço, insulares em relação àEuropa. A face monárquica, que precedeu ao Império, é propriamente a cate-goria chave no amplo espectro do universo imperial, mas que se transforma, notranscorrer do tempo, numa categoria subordinada, dada a densidade crescenteda expressão imperial, mais elástica e inclusiva, sobretudo nos espaços da con-quista que foram acrescentados ao arcabouço imperial. Tato que, se em Portu-gal a cúpula do poder é identificada ao monarca, ao Rei, no Brasil, está rela-cionada ao Império. D. Pedro e D. Pedro II são imperadores, não são vistoscomo reis. O Brasil se apresenta perante as demais nações – e assim é visto porelas – como Império do Brasil, e não como reino. E isto não se deveu ao fatode que o ato de ruptura simbólica que funda o Estado ter se revestido da mís-tica de um ato de força, um ato militar às margens do Ipiranga, próprio da natu-reza política imperial, desde suas origens no poder excepcional concedido aoscônsules romanos em momentos extremos.

A tradição dinástica vem em segundo lugar e, no caso brasileiro, encerrauma contradição flagrante. De um lado, reforça o sentido de continuidade queadensa a legitimação do poder. Por outro, rememora as raízes lusitanas que sepretende nublar na invenção de uma nascente arquitetura política, o Estado bra-sileiro. Isto se a análise for encerrada na ótica da brasilidade, em construção,porque na perspectiva portuguesa, os Braganças que reinavam em Portugalimperavam também no Brasil. O Império que sempre incandescera o imaginá-rio português sobrevivia no Brasil, forte e promissor, um verdadeiro Eldorado

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

64

Page 66: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

para os açorianos, permanentemente atraídos pelo “Império do Brasil”, onde,“desde inícios da centúria, com a partida da Corte para o Brasil, esta colóniatornou-se um foco de atracção para inúmeros emigrantes continentais e insula-res”, como apropriadamente observou Susana Serpa Silva26.

A presença da dinastia bragantina entre nós foi, indiscutivelmente, um ele-mento central na determinação da preferência dos imigrantes portugueses peloBrasil no transcorrer do século 19. Eles representariam um porcentual que osci-laria entre 80 e 90% da totalidade das saídas lusas rumo ao estrangeiro, índicesconfirmados para o período posterior a 1855, quando tem início a era propria-mente estatística da imigração portuguesa27. Os números relativos ao períodoprotoestatístico, entre 1808 e 1855, estão em processo de elaboração a partir doescrutínio sistemático dos passaportes expedidos, ambicioso projeto de pes-quisa que vem sendo conduzido, a partir do CEPESE, pelo professor Fernandode Sousa e sua equipe, cujos porcentuais, entretanto, não seriam inferiores aosindicados para o período estatístico.

Se as provas quantitativas não desmentem a interpretação avançada nestareflexão, os eventos históricos de alta significação ocorridos no final da centú-ria apontam na mesma direção. A massiva corrida imigracional portuguesa emdireção ao Brasil atinge o pico em 1891, quando 32.349 portugueses entraramno país, recuando quase 50% no ano seguinte, firmando-se tendência descen-dente até 1900, exatamente o período em que chega ao fim a presença da dinas-tia bragantina entre nós, determinada pela proclamação da república e o exílioda família imperial28, cuja consequência imediata é a quebra de confiança porparte dos imigrantes portugueses no regime político republicano instalado nopaís e o perverso desdobramento dos atos de rejeição aos portugueses, que setraduziram em atos de violência explícita. A acusação de que os portugueseshaviam apoiado a Revolta da Armada contra o novo regime, ocorrida entre1893 e 1894, levou à ruptura das relações diplomáticas entre o Brasil e Portu-gal, de março de 1893 a março de 1894, sinalizando o fim de uma era nas rela-ções entre os dois países, configurando-se um longo período de transição quevai da chegada da Corte em 1808 ao exílio forçado de D. Pedro II, em 1889,com indiscutível repercussão sobre o movimento da imigração portuguesa emdireção ao Brasil.

Em suma, a questão que originalmente se pôs foi a de refletir sobre o pesoda dimensão política em contextos migratórios massivos, mobilizando-se aexperiência histórica brasileira, vis-à-vis ao mundo criado pelos espanhois nocontinente americano, num contexto absolutamente unívoco, mas que tem opoder de lançar algumas luzes sobre um problema crucial, o da recepção imi-gracional em sua face política.

MIGRAÇÕES SOCIAIS, TRANSMIGRAÇÕES POLÍTICAS E RECEPTIVIDADE IMIGRACIONAL

65

26 SILVA, 2004: 277. 27 LEITE, 2000: 177-178.28 LEITE, 1987: 480.

Page 67: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

BIBLIOGRAFIA

ARRUDA, José Jobson de Andrade, 2007 – “A expansão européia oitocentista: emigração ecolonização”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia (org.) – A emigração portu-guesa para o Brasil. Porto: Edições Afrontamento; CEPESE/ FAPERJ, p. 13-50.

ARRUDA, José Jobson de Andrade, 1998 – “Linhagens historiográficas contemporâneas: poruma nova síntese histórica”. População e Sociedade. Porto: CEPFAM, n.º 4, p. 29-42.

ARRUDA, José Jobson de Andrade, 1999 – O trágico 5.º centenário do Brasil. Bauru: EDUSC.CENTENO, João Torres, 2008 – O exército português na guerra peninsular. Lisboa: Prefácio.

Vol. I. EUFRÁSIO, Mário, 1999 – A estrutura urbana e a ecologia humana. A Escola Sociológica de

Chicago. São Paulo: Editora 34. FERNANDES, Florestan, 1965 – A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo:

Dominus Editora.FREYRE, Gilberto, 1947 – Interpretação do Brasil. Aspectos da formação social brasileira

como processo de amalgamento de raças e culturas. Rio de Janeiro: Livraria José OlympioEditora.

GOMES, Laurentino, 2007 – 1808. São Paulo: Planeta.GUERRA peninsular: novas interpretações, 2005. Lisboa: Tribuna da História.GUIMARÃES, Manoel L. S., 1988 – “Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional”. Estudos históricos. Rio deJaneiro: Vértice, n.º 1.

HARTOG, François, 2003 – Régimes d’historicité. Presentisme et expériences du temps. Paris:Éditions du Seuil.

LEITE, Joaquim da Costa, 1987 – “Emigração portuguesa: a lei em números (1855-1914)”. Aná-lise Social. Lisboa, n.º 97.

LEITE, Joaquim da Costa, 2000 – “O Brasil e a emigração portuguesa (1855-1814), in FAUSTO,Boris (org.) – Fazer a América. São Paulo: EDUSP.

LIMA, Manuel de Oliveira, 1996 – Dom João VI no Brasil, 3. ed. Rio de Janeiro: Topbooks (1 ed. 1908).

MARROCOS, Luis Joaquim dos Santos, 2008 – Cartas do Rio de Janeiro: 1811-1821. Lisboa:Biblioteca Nacional de Portugal.

MARTINS, Ana Canas Delgado, 2007 – Governação e Arquivos: D. João VI no Brasil. Lisboa:Ministério da Cultura; Torre do Tombo.

MATOS, Maria Izilda Santos, 2002 – Cotidiano e cultura. História, cidade e trabalho. Bauru:EDUSC.

PEDREIRA, Jorge; COSTA, Fernando Dores, 2008 – D. João VI: um Príncipe entre dois conti-nentes. Rio de Mouro: Círculo de Leitores.

PEREIRA, Miriam Halpern, 2002 – A política portuguesa de emigração (1850-1930). Bauru:EDUSC, 2002.

PIERSON, Donald, s.d. – Teoria e pesquisa em sociologia. São Paulo: Edições Melhoramentos.PIJNING, Ernst, 1997 – Controlling contraband. Baltimore.SANTOS, Eugénio dos, 2006 – D. Pedro IV. Rio de Mouro: Círculo de Leitores. SIDERI, Sandro, 1970 – Comércio e poder. Colonialismo informal nas relações anglo-portu-

guesas. Lisboa: Edições Cosmos.SILVA, Susana Serpa, 2004 – “Emigração clandestina nas ilhas do Grupo Central em meados do

século XIX”, in Actas do III Colóquio o Faial e a Periferia Açoriana nos séculos XV a XX.Horta: Núcleo Cultural da Horta.

SOUSA, Maria Leonor Machado de (coord.), 2007 – A guerra peninsular em Portugal. Relatosbritânicos. Lisboa: Caleidoscópio.

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

66

Page 68: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

SOUZA, Fernando; PEREIRA, Conceição Meireles, 2008 – “Introdução”, in Os novos desco-bridores. Catálogo da Exposição realizada no Porto. Porto: CEPESE.

THINES, G.; LEMPEREUR, Agnés, 1974 – Dicionário Geral das Ciências Humanas. Lisboa:Edições 70.

VENTURA, António; SOUSA, Maria Leonor Machado de (coord.), 2007 – Guerra peninsular:200 anos. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal.

VICENTE, António Pedro, 2006 – Guerra peninsular 1801-1814. Lisboa: QuidNovi.WILCKEN, Patrick, 2005 – Império à deriva. A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-

1821. Rio de Janeiro: Objetiva.

MIGRAÇÕES SOCIAIS, TRANSMIGRAÇÕES POLÍTICAS E RECEPTIVIDADE IMIGRACIONAL

67

Page 69: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 70: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

69

PORTUGUESES E A LUTAPELO ALARGAMENTO DE DIREITOS

E PELA CIDADANIA NO FINALDO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX

Gladys Sabina Ribeiro

A constituição da cidadania no Brasil não pode ser identificada à constru-ção da identidade nacional nem da nacionalidade e insere-se em um longo pro-cesso de construção do Estado nacional. O estudo seminal de Maria Odila for-neceu-nos nova dimensão desse processo inicial, mostrando o quanto a histo-riografia estava equivocada ao situar o constitucionalismo e suas demandas emcontexto que se remetia à luta entre a Metrópole e a Colônia, enfoque muitomais apropriado à Independência dos EUA1. Contudo, foi Emília Viotti daCosta, que ao abordar o mesmo processo de Independência do Brasil, fez umaprimeira reflexão sobre a participação ativa das camadas populares no espaçopúblico, com projetos políticos específicos2.

José Murilo de Carvalho afirmou ser a distinção entre cidadania e naçãomeramente heurística, pois a primeira pode ser vista como identidade coletiva,“produção de um sentimento comunitário entre indivíduos naturais de umacidade ou de um estado3”, dentro da tradição ocidental marcada por Aristótelese pelas contribuições de Rousseau e de August Comte. Nesse sentido, propôsque estudemos a formação de identidades coletivas, entre elas a identidadenacional e étnica, mas que igualmente atentemos para cidadania como distintade identidade nacional e concebida de forma a incluirmos as relações dos cida-dãos com o governo e com as instituições do Estado, bem como estejamos aten-tos aos valores e às práticas sociais definidoras da esfera pública4.

Partindo dessas premissas colocadas por José Murilo, analisaremos a parti-cipação do imigrante português em busca de uma igualdade democrática atra-vés da sua inserção na sociedade brasileira, em finais do século XIX e nos iní-cios do XX. Tomaremos como boa advertência aquela que faz Manuel Villa-verde Cabral ao afirmar que cidadania é vista com “excessivo grau de ‘forma-lismo’” quando subordinamos os seus indicadores a “caracteres processuais do

1 DIAS, 1972: 160-184; DIAS, 1998.2 COSTA, 1977: 64-125; RIBEIRO et al, 2000: 103-123. 3 CARVALHO, 2003.4 CARVALHO, 2003.

Page 71: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

regime representativo, tais como os procedimentos eleitorais”5 e deixamos dever outras concepções que privilegiam o respeito pelos direitos humanos e, emalternativa ou em combinação, pelos direitos sociais dos cidadãos6. Ao criticara visão evolutiva de Marshall e de Rawls, sendo que este último concebe obinômio liberdade-igualdade em três etapas (a liberdade natural – que seria osdireitos civis de Marshall –; a igualdade liberal – direitos políticos formais – ea igualdade democrática – equidade social que confere substância à igualdadeformal), Villaverde chama atenção para a necessidade da especificidade de tra-tamento da cidadania política. Ressalta que se todos os direitos foram obtidoscom luta sociais, nem todos foram e são usufruidos da mesma forma.

Vislumbramos, portanto, a cidadania como um conceito histórico7, fruto delutas, que supõe uma aprendizagem e que deve ser observada em duas dimen-sões. Primeiramente, no uso que as autoridades e os indivíduos fizeram dosdiplomas legais tais como as Constituições de 1824 e de 1891, dos CódigosCriminais e de Processo do Império e da Republica, do Código Civil de 1916.Em segundo lugar, devemos levar em consideração como as pessoas se desco-briram possuidoras de direitos desde as práticas políticas e das revoluções doséculo XVIII, e exigiram-nos, tanto usando o poder judiciário como instru-mento de suas lides e demandas, como através da mobilização popular em atosde rebeldia cotidianos e rotineiros e através das paredes e greves8.

Dessa forma, concordamos com Cabral quando ressalta que a cidadaniapolítica não é “exercida de forma igual e plena por todos os seus membros”,pois os direitos políticos, tais como a liberdade de expressão e de associação, odireito de eleger e de ser eleito para cargos representativos, nunca são automá-ticos e devem ser exercidos de forma ativa porque as liberdades devem serexercidas, não apenas garantidas9. Entretanto, discordamos da sua assertivareproduzida abaixo:

nos Estados onde os direitos civis e sociais vigoram constitucionalmente, oscidadãos não podem exercê-los de forma activa e, caso sejam discriminados,têm o direito suplementar de recorrer às instâncias judiciais nacionais e, emalguns casos, até supranacionais encarregadas de velar pela sua aplicação.

Ora, o recurso à justiça, como veremos a seguir, constitui-se uma formaativa e política importante de fazer com que a Constituição e as leis fossemgarantidas. Mais do que isso, os que se reconheciam cidadãos reivindicaramdireitos pretéritos e tentaram que o Estado os reconhecesse, parcialmente ou notodo, ao apresentarem provas e testemunhas diante do poder judiciário, dando

GLADYS SABINA RIBEIRO

70

5 CABRAL, 2003: 1-18n.51.6 CABRAL, 2003: 2.7 PINSKY; PINSKY, 2003.8 THOMPSON, 1987; THOMPSON, 1982.9 CABRAL, 2003: 3.

Page 72: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

conta de uma visão alargada e diferenciada do que seriam os direitos dos cida-dãos. Ao realizarem esses movimentos em prol da defesa e da garantia de direi-tos, distanciaram-se na noção de uma cidadania política vinculada estritamenteao local de nascimento, à nacionalidade strictu sensu. Reportaram-na à naçãoconstruída pelo conjunto da sociedade e representada pelo e nos diferentespoderes, sendo o legislativo e o judiciário as grandes novidades desde final doséculo XVIII. Aproximavam-se, em contrapartida, da concepção de direitos docidadão como direitos da pessoa, que como tal deveriam ser garantidos peloEstado constitucional.

O USO DO PODER JUDICIÁRIO PELOS PORTUGUESES COMVISTAS AO ALARGAMENTO DE DIREITOS

No Brasil, a cidadania foi um conceito vivenciado na prática como direitosque não se restringiam apenas aos direitos políticos, mas que traziam consigodimensões que eram constitutivas dos chamados direitos sociais e direitoshumanos ao se travar lutas pela equidade social em espaço marcado pelas hie-rarquias e pelo escravismo. Essas lutas remeteram-se à questão básica que foiposta desde final do século XVIII: a hierarquização dos direitos a liberdade, aigualdade e a propriedade. Nesse sentido, as liberdades, como as de ir e vir, ade associação, a de livre exercício profissional e de expressão, assumiram sen-tido específico nesse momento porque tiveram no poder judiciário um impor-tante canal de expressão.

Tal como os direitos foram se constituindo depois do setecentos em civis,políticos e sociais, da mesma forma os diferentes campos do Direito foram seformando e se separando em um longo processo histórico. Segundo José Rei-naldo de Lima Lopes, na visão de alguns juristas do Brasil do século XIX, odireito público incluía um direito político (o direito constitucional) e um direitoadministrativo. O direito penal dividia-se um pouco entre o direito privado e odireito público. O direito civil, na mesma ordem de idéias, era o do direito do“comércio” da vida ordinária10.

Dito isso, o autor citado analisou a jurisdição de conflitos “políticos”, “dis-tributivos” ou “plurilaterais”, inserindo-a no desenvolvimento da separação dospoderes nos Estados constitucionais liberais. Afirmou ainda que “tirar dos tri-bunais judiciários as matérias políticas era uma das formas de permitir que asreformas fossem realizadas, já que os tribunais costumavam respeitar a tradi-ção e os privilégios”11. Assim, no Brasil Império, a jurisdição contenciosa foiapartada de toda outra em nome da separação dos poderes prevista na Carta de182412. Em 1828, as câmaras municipais foram reformadas por lei, de modo

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

71

10 LOPES, 2004: 231-232.11 LOPES, 2004: 232.12 LOPES, 2004.

Page 73: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

que fossem apenas órgãos de adminstração, não de justiça. Reservou-se toda ajurisdição contenciosa ao judiciário (juri, juízes de direito e juízes municipais)e toda a representação política à Assembléia Geral do Império.

O bem comum foi levado para a alçada do direito público, já que na distri-buição “o direito administrativo tornou-se o campo por excelência dos proble-mas distributivos”13, mas esses passaram a ser discutidos de acordo com anoção de interesse geral, representada no Estado ou em alguns órgão do Estado,como o poder executivo, e, no caso do Brasil, como o poder moderador.

O Estado que representa o interesse geral é o Governo, a Administração(como inspeção política da Nação), é a Autoridade Política; o Estado PessoaJurídica, no entanto, é apenas um sujeito a mais, o Estado fisco, tendo inte-resses dominantes, de dono ou de parte contratante. A pessoa jurídica doEstado tem interesses próprios, não interesse geral14 (itálicos e maiúsculaspróprios do texto original).

De acordo com José Reinaldo, essa distinção entre interesses gerais (polí-tica) e direitos particulares (direito e justiça) foram importantes no momento quese separava as competências entre os poderes judiciário e executivo, ou, ter-se--ia que tratar do contencioso, o que foi feito no âmbito do Conselho de Estado,que era o órgão auxiliar do poder moderador15. Os problemas de justiça passa-ram a ser da órbita do judiciário, contudo, se os conflitos se dessem entre inte-resses ou entre interesses e direito, a questão se deslocava para o contenciosoadministrativo. O governo não se submetia ao judiciário, mas o fisco, sim16.

A distinção entre justiça e política, através da análise feita por Lima Lopes,de juristas como o visconde de Uruguai, Pimenta Bueno e Antonio JoaquimRibas17, levam-nos a pensar sobre o funcionamento do Estado e sobre a divi-são de poderes inaugurada no século XIX.

No Primeiro Reinado parece que grande embate foi entre o executivo e olegislativo, sendo que os ministros e conselheiros se colocavam no âmbito doexecutivo. Em 1828, terem as câmaras municipais se convertido em órgãosmeramente administrativos, fez com que muitos juízes municipais ou de direitoaplicassem a lei como autoridade administrativa, havendo uma confusão depoderes que somente a prática iria conseguir desfazer.

Dessa forma, faltam ainda estudos mais consubstanciados para que possamosentender a relação entre os poderes de modo a desvendarmos a própria dinâmicapolítica de funcionamento da monarquia brasileira dentro de uma experiênciaparlamentarista. Para isso, é importante perguntarmo-nos sobre a relação entre opoder moderador e o Conselho de Estado (1841) e entre o Conselho de Estado e

GLADYS SABINA RIBEIRO

72

13 LOPES, 2004: 240.14 LOPES, 2004: 240.15 LOPES, 2007. 16 LOPES, 2004: 240.

Page 74: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

o poder judiciário no que se referia às questões políticas, uma vez que muitosconselheiros transitavam entre cargos do executivo e até mesmo do legislativo.Além desses aspectos, devemos estar atentos à atuação diferenciada entre o quese decidia no Conselho e nos tribunais, para que possamos compreender como oConselho se relacionava com o Supremo Tribunal de Justiça18 e com o poderlegislativo. Lembremos que no Primeiro Reinado, por exemplo, o legislativoqueixava-se que o Imperador não o “escutava” e de quebra absorvia as suas fun-ções. E o Conselho de Estado também tinha funções legislativas!

Assim, só conseguiremos analisar as mudanças sofridas no judiciário napassagem para a República se compreendermos como os poderes foram sedesenhando ao longo do Império e qual foi o lugar que aqueles homens dogoverno republicano foram lhe atribuindo. Se no Primeiro Reinado as deman-das de todo tipo foram enviadas pela sociedade ao poder legislativo19, noSegundo Reinado o poder moderador teve um papel discricionário, exterior aosistema político, capaz de uniformizar entrechoques de interesses diversos e dedisciplinar os direitos20. Era o árbitro por excelência e um ponto de referênciapara todos os agentes políticos.

Derrubado o Imperador, o poder judiciário tornou-se centro da República eas disputas mais intensas passaram a se dar entre ele e o executivo. SegundoAndrei Koerner,

o sistema de governo presidencialista de tipo norte-americano foi adotado naConstituição a partir da ação de Rui Barbosa, que atribuía ao Poder JudiciárioFederal, em especial ao STF, não só o papel de árbitro da federação, mas sobre-tudo o papel de defensor dos direitos e garantias individuais. Porém, o debate arespeito do Poder Judiciário em todo o processo de organização constitucionalcentrou-se no nível de um pacto político entre as unidades constitutivas da novaordem – os estados. O problema central nesse debate era a divisão do controlesobre a nova magistratura entre a União e os estados. Isso se verificou na açãode Campos Salles e outros republicanos (paulistas, gaúchos, paraenses), que pro-curaram restringir ao máximo os poderes da União em geral, e também as atri-buições do Poder Judiciário Federal e as restrinções constitucionais à organiza-ção da magistratura estadual (...) Assim, na organização constitucional da Repú-blica, o Poder Judiciário Federal não foi considerado do ponto de vista do seupapel de guardião das liberdades individuais declaradas na Constituição. Quantoao problema do Poder Judiciário estadual, foi concedida total autonomia deorganização aos estados. Nesse processo, foi deslocada a ênfase dada pelos libe-

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

73

17 LOPES, 2004: 240-252.18 CARAVANTES, s.d.: 7. O Supremo Tribunal de Justiça foi criado em 18 de setembro de 1828,

composto de 17 juízes letrados tirados das relações por suas antiguidades. O Decreto de 19 deoutubro de 1928 nomeou os primeiros ministros e o presidente do Tribunal e no dia 9 de janeirode 1929 se realizou a sua instalação. Os juízes não eram inamovíveis e podiam ser suspensospelo Imperador.

19 PEREIRA, 2008.20 KOERNER, 1998: 145.

Page 75: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

rais do Império e, mais tarde, por Rui Barbosa, ao estabelecimento de um Judi-ciário independente que servisse de garantia aos direitos individuais21.

Dessa forma, embora Koerner delimite o poder da justiça federal dizendoque a ela não foi dado o papel de guardião das liberdades individuais porque oprocesso de organização constitucional “centrou-se no nível dos pactos políti-cos entre as unidades constitutivas da nova ordem – os estados”, vemos que aConstituição de 1891 salvaguardou a harmonia entre os poderes e deu maisorganicidade ao judiciário, que foi reestruturado de acordo com as esferas fede-ral e estadual.

A justiça federal foi organizada pelo Governo Provisório através do DecretoFederal n.º 848, de 11 de outubro de 1890, que foi ampliado pelo Decreto n.º1420, de 21 de fevereiro de 1891. Já no governo constitucional, foi comple-mentado com a Lei n.º 221, de 20 de novembro de 1894. Também uma conso-lidação das disposições vigentes sobre a justiça e o processo federal foram fei-tos por José Higino Duarte Pereira, entrando em vigor pelo Decreto n.º 3084,de 5 de novembro de 189822.

Nos Estados era constituída por um juiz federal seccional e por um juizsubstituto ou juiz preparador, e ainda tinha um procurador. O Supremo Tribu-nal Federal (STF) era composto de 15 juízes nomeados pelo presidente e apro-vados pelo Senado. Ficava assegurada a independência da magistratura e a ina-movibilidade. As garantias estendiam-se à magistratura dos estados, cujasConstituições deveriam obedecer aos princípios constitucionais da União23.

Os juízes seccionais processariam e julgariam em primeira instância as cau-sas que tratassem sobre marcas de fábricas, privilégios de invenção e socieda-des literárias24. Em matéria criminal, deveriam proferir sentença de acordo comjuri que presidissem; em matéria civil julgavam causas de natureza federal,como as que corriam pelo extinto Feitos da Fazenda Nacional, tanto as conten-ciosas quanto as adminstrativas, as dependentes ou assecuratórias de direitos dafazenda.Não eram da sua competência questões de direito criminal, de direitointernacional público ou privado, nem as que versavam sobre tratados ou con-venções internacionais, tampouco as que derivassem de atos administrativos doGoverno Federal, tendo como parte a União ou o Estado. As rogatórias deveriamser cumpridas depois do exequatur do Governo federal, sendo competentes osjuízes seccionais do Estado onde fossem executadas as diligências deprecadas eas cartas estrangeiras somente seriam exeqüíveis com a prévia autorização doSTF, devendo estar presente na audiência o procurador geral da República. Seas causas referentes a esse artigo 12, da mencionada Lei n.º 221, fossem entre aUnião e os Estados, entre esses ou entre nação estrangeira e a União ou os Esta-

GLADYS SABINA RIBEIRO

74

21 KOERNER, 1998: 144.22 CARAVANTES, s.d.: 10.23 CARAVANTES, s.d.: 10.24 LEI n.º 221, 1894, título II, capítulo 1, art. 12 a 19.

Page 76: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

dos, deveria ser respeitada a competência exclusiva estabelecida pela Constitui-ção Federal, no seu artigo 59. Os crimes de responsabilidade, que eram dados aconhecer ao Senado Federal, eram regulados pelo artigo 53 da Carta de 1891. OSTF deveria julgar as pessoas que tivessem cometido crime político durante oexercício de suas funções públicas, salvo as atribuições conferidas a Câmara dosDeputados e ao Senado da República. O crime comum ou de responsabilidadeconexo, como o crime político, deveria ser processado e julgado por autoridadejudiciária competente para conhecer o crime político.

Além desses, no artigo 13 da Lei, os juízes federais também teriam compe-tência para julgar causas que lesassem direitos individuais por atos ou decisõesdas autoridades administrativas da União. Na petição inicial o autor deveria ale-gar violação de seu direito subjetivo pela autoridade administrativa e instruir oprocesso de provas documentais, podendo a ação ser excluída in limine se nãotivesse sido instruída devidamente, se a parte fosse ilegítima ou por decurso detempo (um ano) da data da publicação ou intimação, mesmo assim, nesse caso,seria passível de agravo. Caso o ato ou resolução fosse efetivamente ilegal, aautoridade judiciária poderia anular o ato no todo ou em parte. Isso se davaquando constatado que não tinha havido a aplicação da lei vigente, tendo acon-tecido ato discricionário da autoridade ou excesso de poder. Os juízes e tribunaisapreciariam a validade das leis e dos regulamentos, deixando de aplicá-los casofossem manifestadamente inconstitucionais ou incompatíveis com leis existen-tes. A violação do julgado incorreria em responsabilidade civil e criminal; nasdecisões relativas às questões constitucionais não haveria alçada. Previa aindaque todas as disposições dessa lei não alterariam o que estava vigente com rela-ção ao habeas corpus, às sessões possessórias e às causas fiscais.

O artigo 14 previa a manutenção da jurisdição da autoridade administrativa(Decreto n.º 657, de 5 de dezembro de 1849) para ordenar a prisão dos respon-sáveis pelos dinheiros e valores pertencentes à Fazenda Federal; o artigo 15estabelecia a competência para as reclamações sobre inclusão ou exclusão nalista dos jurados federais, para a fomação de culpa e atos preparatórios do jul-gamento dos crimes da competência do júri federal, estabelecendo que o juizseccional tinha atribuições expressas no Decreto n.º 848 de 1890; o artigo 16dava ao juiz seccional a competência conferida pelo artigo 5.º, § 3.º da Lei n.º3129, de 14 de outubro de 1882, ao juízo comercial do mesmo distrito para oprocesso e julgamento das nulidades de patentes de invenção ou certidão demelhoramentos, concedidas pelo Governo; o artigo 17 estabelecia que os juí-zes seccionais eram competentes para a execução de todas as sentenças eordens do STF que não tivessem sido aribuídas privativamente a outros juízes,mas somente poderiam intervir nas decisões dos juízes ou tribunais dos Esta-dos ou Distrito Federal caso esses se recusassem a cumprir sentença superior.Já os artigos 18 e 19 estabeleciam as atribuições dos substitutos dos juízes sec-cionais e dos suplentes na sede do juízo seccional.

Portanto, a gradativa reorganização do judiciário nos primeiros anos repu-blicanos, bem como a atuação dos juízes federais prevista nos diplomas legais

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

75

Page 77: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

mencionados, na prática levaram a uma clara necessidade de delimitar o poderdo Estado, que vinha sendo em parte entendido como sinônimo do poder mode-rador. Por outro lado, na nascente República era preciso se encontrar umaforma de se contrapor à centralização do período monárquico.

Andrei Koerner possui interessante análise sobre os projetos de Constitui-ção republicanos. Defende que uma das grandes questões era a do presidencia-lismo versus o parlamentarismo. Vimos acima como esse autor partiu da hipó-tese que o presidencialismo adotado foi fruto da atuação de Rui Barbosa, queatribuíu ao judiciário federal e ao STF papéis de defensores dos direitos egarantias individuais25. Com toda certeza, foi esse o entendimento que preva-leceu quanto ao papel fundamental do que competia ao judiciário federal,sobretudo no que concernia às garantias individuais do cidadão face ao poderdo Estado previstas pelo uso do remédio do habeas corpus, ao menos até areforma constitucional de 1926.

Se a constitucionalização das liberdades desde a Carta de 1824 foi funda-mental para que todos pudessem acessar à justiça para a garantia de direitos,podemos dizer que esse processo se deu de forma mais efetiva com a Repú-blica, onde o habeas corpus se destacou como remédio, instrumento de açãoprivilegiado dos cidadãos (pessoas físicas e jurídicas) para protegerem osdireitos que consideravam líquidos e certos. Portanto, o habeas corpus seconstituiu em um instrumento efetivo e poderoso de participação popular,através do qual se participava politicamente naquele Estado que se acreditavaser democrático, confundindo-se República e democracia, República e garan-tia de direitos sociais e econômicos entregues aos cidadãos. Esse foi um sonhocompartilhado por todos, tanto pelos que acoriam à Justiça em busca doamparo legal, quanto pelos que serviam de curadores ou de advogados, queacreditavam estar em outro momento político e de existência do poder judi-ciário, diferente do que era vivido no Império. Era comum a crença de se estarem outro momento político e de existência do poder judiciário, diferente doque se havia vivido no Império.

O advogado Abelardo Saraiva da Cunha Lobo terminou o seu pedido dehabeas corpus, impetrado em 1900, com os seguintes dizeres:

Nestas condições, o Suplicante cumpre um dever de piedade justaposto aum dever cívico da mais alta signifição (sic) jurídica, impetrando a favor dopaciente a garantia constitucional do habeas corpus que é, por assim dizer, a ima-gem dominante no sagrado altar onde fervorosamente cultuamos a República.

Através desse remédio jurídico, o advogado dizia-se fervoroso republicanoe fazia sinonímia entre o regime e a democracia, entre o regime e o Estado deDireito, onde poder-se-ia levar demandas inerentes à cidadania, uma vez queseriam respeitadas como em um altar. Mas, é bom que se diga que nem todos

GLADYS SABINA RIBEIRO

76

25 KOERNER, 1998: cap. 3.

Page 78: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tinham a mesma concepção sobre o habeas corpus e que nem todos os juízespensavam a sua aplicação da mesma forma.

Presente no Brasil desde o Código de Processo de 1832, se por um lado foiinfluenciado pela Common Law, o habeas corpus encontrou

suporte na ‘apelação extrajudicial’ e em outros mecanismos de tutela interdi-tal previstos nas Ordenações do Reino, conhecidas como ‘seguranças reais’ ecom as ‘cartas de seguro’ ou de ‘segurança’26.

Segundo Kátia Laranja, esse “remédio heróico” tomou uma amplitude porconta da inegável influência dos interditos na nossa tradição processual, que fezcom que no Império fosse usado no campo civil, tendo como exemplo os acórdãosque asseguraram a liberdade de “escravos que tinham carta de alforria duvidosa”.Mas, ainda para essa autora, somente em 1891 ele obteve a amplidão de uso refe-rentes a deveres de fazer ou não fazer, “ganhando status de garantia constitucional”.

Assim, com base no artigo 72 da Constituição, o habeas corpus não foiusado estritamente em casos de restrição à liberdade de locomoção e foi dila-tado. Sobre ele surgiram três correntes de interpretação:

A primeira, encabeçada por Ruy Barbosa, ficou conhecida como ‘teoriabrasileira do habeas corpus’, e o entendia como um remédio geral, que poderiaser utilizado na defesa de qualquer direito ameaçado ou afrontado por ilegali-dade ou abuso de poder, não apenas no caso de liberdade de locomoção. Estaera uma interpretação estritamente constitucional do instituto jurídico, pois aCarta Magna não estabelecia nenhuma limitação. (...) A segunda corrente ape-gava-se somente à origem histórica do habeas corpus e, portanto, restringia suautilização exclusivamente à defesa da liberdade de locomoção. Por fim, a ter-ceira vertente, sustentada pelo Ministro Pedro Lessa, do Supremo TribunalFederal, entendia que o habeas corpus poderia ser usado em todos os casos quea ofensa à liberdade de locomoção fosse meio de afronta a outro direito27.

Foi a reforma constitucional de 1926 que limitou o seu uso e restringiu-o àliberdade de locomoção, deixando vários direitos desamparados. Ainda deacordo com Kátia Laranja, esse problema só foi resolvido com a criação domandado de segurança, anos depois.

Dessa forma, no período inicial da República foram vários os indivíduos querecorreram ao expediente do habeas corpus. Ir à justiça demandar reconheci-mento de direitos civis era um ato eminentemene político. Escravos tinham feitoisso no período imperial28. Agora os imigrantes usavam fartamente essa estraté-gia: impetravam o remédio do habeas corpus na justiça federal.

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

77

26 A análise sobre o que foi o Habeas Corpus no Brasil e as suas interpretações foram baseadas em:LARANJA, 2005: 41-49.

27 LARANJA, 2005: 46.28 CHALHOUB, 1990; GRINBERG et al, 1994; LARA et al e MENDONÇA et al, 2006: 101-128;

Page 79: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A nova Constituição, no título VI, Seção I, estabelecia no artigo 69, itensde 1.º a 3.º, as qualidades do cidadão: ser nascido no Brasil. Já os itens 4.º e 5.ºdesse mesmo artigo tratavam dos estrangeiros. Seriam brasileiros os estrangei-ros que estivessem no Brasil na data da proclamação e que seis meses após apromulgação da Constituição não tivessem se declarado ter conservado anacionalidade de origem, além dos que fossem possuidores de imóveis e fos-sem casados com brasileiras ou tivessem filhos nascidos aqui, salvo se nãotivessem o desejo explícito de mudar de nacionalidade. Entretanto, tão impor-tante quanto essa Seção, era a seguinte, que estabelecia uma declaração dedireitos onde o artigo 72 assegurava a todos os “brasileiros e estrangeiros resi-dentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segu-rança individual e à propriedade”. No § 1.º dizia que ninguém podia ser obri-gado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, sendo queo parágrafo seguinte estabelecia a igualdade de todos perante essa mesma lei.

Esses dois parágrafos, acima citados, em conjunto com os de número 11 a16, garantiam o asilo inviolável ao indivíduo, a livre manifestação de opiniões,a necessidade de flagrante delito para a prisão e culpa formada para se manteralguém preso, além de estabelecer que toda sentença devia estar conforme a lei,sendo aos acusados amplamente assegurado o direito de defesa. O parágrafo 22previa que se desse habeas corpus a quem sofresse violência ou coação por ile-galidade ou abuso de poder29.

Não deixa de ser interessante que a Constituição de 1891 separasse, no itemdos “cidadãos brasileiros”, as suas “qualidades” e os seus “direitos”. Ao fazerisso, de certa maneira dissociava a cidadania da nacionalidade vinculada ao nas-cimento e a ampliava para a aquisição de direitos, estabelecendo vínculo jurídicoentre o indivíduo e o Estado30. Essa, ao menos, era a interpretação que tiveramos portugueses naturalizados e os que mantiveram a nacionalidade de origem.Ninguém, evidentemente, prescindia da nacionalidade, mas o nexo para se sentircidadão se dava na percepção de que os direitos dos cidadãos estavam vincula-dos ao pertencimento e se fazia no espaço público como espaço de igualdade31.

Ao dizer que cidadania era “a representação universal do homem emanci-pado, fazendo emergir a autonomia de cada sujeito histórico, como a luta por

GLADYS SABINA RIBEIRO

78

GRINBERG et al, 2002; CARVALHO et al, 1998: 175-256; PENA et al, 2001; MAMIGONIANet al; 2007: 163-174; MENDONÇA et al, 1999.

29 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 24 de fevereiro de 1891. Constituiçõesdo Brasil. Brasília: Senado Federal, 1986.

30 CORREA, 2002. 31 ARRUDA, 2008. J. Jobson de Andrade Arruda apontou a naturalização da presença portuguesa

e “uma situação absolutamente original”, em sete aspectos que enumera no artigo apresentadono Seminário Nas duas margens. Os portugueses no Brasil. IV Encontro Internacional sobre “A Emigração Portuguesa para o Brasil” realizado na Universidade Lusíada do Porto, Portugal,entre os dias 21 e 25 de julho de 2008. Um deles chama atenção: “Onde os novos chegados iden-tificaram o governo brasileiro como de legítima extração portuguesa”. Essa análise corrobora oque vimos dizendo.

Page 80: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

espaços políticos na sociedade a partir de cada sujeito”, Darcísio Corrêa afirmatambém que a cidadania não se confunde com os direitos humanos, mas é a lutapor esses direitos

é a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indi-víduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições desobrevivência digna32

Os imigrantes ajudavam a alargar direitos quando lutavam por direitos eco-nômicos e sociais, muitos deles estreitamente relacionados ao mercado de tra-balho, como apontou Lená Medeiros de Menezes33. Dessa forma, queriamtransformar a desigualdade em igualdades básicas que julgavam ter. Em outraspalavras, recorrer ao poder judiciário significava reconhecer e recorrer à igual-dade básica, ter plena consciência que se era sujeito de direitos e obrigações,estas últimas como elemento de mão-dupla. Legitimava-se igualmente o vín-culo jurídico de pertencimento ao Estado e à nação por via mais ampla do quea via nacional. Isso não quer dizer que não se dimensionasse o vínculo jurídico-político do ser nacional em um mundo recém-saído do século XIX, momentoque se discutia o nacionalismo versus internacionalismo34 e as primeiras orga-nizações de trabalhadores colocavam a mesma questão em relação às deman-das do mundo do trabalho. Para corroborar o nosso argumento, o que mais nosinteressa é acompanhar o que os advogados ou pacientes argumentavam aosolicitar esse remédio legal.

José Joaquim Alves, de 40 anos de idade, solteiro, de nacionalidade portu-guesa, comerciante, estabelecido e domiciliado na rua das Marrrecas n.º 4,disse “sofrer constrangimento ilegal” porque foi preso por duas vezes, dias 10e 20 de novembro, sendo solto em seguida. A sua prisão foi decretada pelochefe de Polícia da 6.ª Circunscrição Urbana sem flagrante delito, nem ordemescrita da autoridade competente

nem as formalidades garantidoras da liberdade e dos direitos consagrados noartigo 72 § 13 e 14 da Constituição. Essas prisões injustas e ilegais têm acar-retado ao impetrante graves prejuízos morais e materiais, e o que é mais, o temimpossibilitado de dirigir a sua casa pelas constantes importunações por partedos inspetores da referida circunscrição e tanto assim que ainda ontem foichamado à Delegacia, de modo abusivo e atentatório da sua liberdade, onde foi

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

79

32 CORREA, 2002: 217.33 Lená afirma que os portugueses cometiam delitos relacionados à “pobreza e à falta de oportuni-

dades no mercado de trabalho, bem como àqueles relacionados à constestação operária, marcanteem determinadas conjunturas” (MENEZES, 2006: 96). Nesse sentido, diz que as expulsõesacompanharam o processo de acirramento do movimento operário entre 1917-1921, sobretudonas greves de 1917, 1918 e no ano vermelho de 1919, bem como as explosões em padarias noano de 1920 e a “limpeza urbana” com as disposições legais de 1907, 1921, 1926 (MENEZES,2006: 97).

34 HOBSBAWM, 1996; HOBSBAWM, 1990.

Page 81: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

insultado e ameaçado de ser preso. O escrivão da delegacia é insaciável emmatéria de dinheiro e entendeu de persegui-lo para obter, como tem obtido,diversas quantias. Acresce que esse escrivão é assessor da autoridade, de modoque o impetrante será tantas vezes preso quanto o referido escrivão tiver neces-sidade de dinheiro. Chegando posteriormente ao seu conhecimento que essaameaça torna-se realidade, e como se ache por essa razão, o impetrante emiminente perigo de sofrer novas violências, da caprichosa e arbitrária autori-dade, requer a V. Exa que se digne passar em seu favor ordem de habeas cor-pus preventivo de acordo com o Decreto n.º 848 de 11 de outubro de 1890 e aConstituição Federal artigo 72 § 2235.

Foi dessa forma que os habeas corpus impetrados por estrangeiros recor-riam sempre ao artigo 72 da Constituição nos parágrafos citados, mencionandodeclaradamente que se esperava igualdade de tratamento perante a lei, uma vezque aos estrangeiros garantia-se os mesmos direitos. E, dentre os estrangeiros,levar os lusitanos em consideração na questão da reivindicação de direitos e daparticipação nos movimentos urbanos deve-se ao seu expressivo contigentepopulacional no período inicial da República36.

Dados levantados na Casa de Detenção do Rio de Janeiro por CharlestonJosé de Sousa Assis e Leila Menezes Duarte37, revelam que foram inúmeras asprisões de lusitanos pelos mais diferentes motivos, destacando-se, em um totalde 1511 registros e de acordo com amostragem controlada que fizeram, a vaga-bundagem (354), a desordem (224), a embriaguez e desordem (160), a vaga-bundagem e desordem (85), o furto (77), a vagabundagem e furto (64), aembriaguez (49), a vagabundagem e embriaguez (45), as ofensas físicas (38), ainfração do termo (23), entre outros.

Existia a preocupação com a vagabundagem e tudo que pudesse lembrar apreguiça do brasileiro desde a época imperial, revelado no projeto de repressão

GLADYS SABINA RIBEIRO

80

35 Arquivo da Justiça Federal (AJF), 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, 1894. 36 Segundo o censo de 1890, havia 106.461 lusitanos, sendo que os homens correspondiam a 50%

da população estrangeira e as mulheres a 18%. Homens e mulheres somavam um total de 68%dos estrangeiros. Este censo ainda nos revela a percentagem de portugueses que adotaram anacionalidade brasileira, 18% (14% homens; 4% mulheres) e os brasileiros de origem lusa:120.983 habitantes filhos de pai e mãe portugueses; 2.895 habitantes filhos de pai brasileiro emãe portuguesa e 37.325 habitantes filhos de mãe brasileira e pai luso. Dessa forma, em 1890 eem números brutos, os lusitanos na capital formavam 1/5 da população. Se a estas cifras acres-centarmos os filhos de portugueses, a população de origem lusitana mais direta cresce para267.664 pessoas, havendo uma verdadeira presença portuguesa na cidade. Já em 1906, o Rio deJaneiro tinha 811.443 habitantes, sendo 463.453 homens e 347.990 mulheres. O total de brasi-leiros era de 600.928 e de estrangeiros, 210.515. Dentre esses últimos, havia 133.393 lusitanos.De acordo com o RECENSEAMENTO DO BRASIL de 1920, a população do Rio de Janeiro naépoca era de 1.157.873 habitantes, sendo 598.307 homens e 559.566 mulheres. Havia 917.481(79,2%) brasileiros e 239.129 (20,8%) estrangeiros. A percentagem de estrangeiros na cidadediminuiu um pouco, em comparação com os outros censos. O número e o percentual de lusos nacidade também decresceu: 172.338, equivalente a aproximadamente 14% da população total..

37 ASSIS; DUARTE, 2007.

Page 82: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

à ociosidade”38. Nele se propunha, como circunstâncias agravantes, a embria-guez, a falta de provisão de alimentos à família, o abandono de emprego ouocupação, a dissipação dos bens próprios ou de família, a recusa de ofereci-mento de trabalho ou rompimento de contrato. As idades de 21 a 40 anos erampriorizadas nas punições porque eram tidas como “parte da vida humana emque nos achamos revestidos pela natureza de maior aptidão física para o traba-lho”39. Lembremos que o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, de 1890,punia também a mendicidade e a vadiagem40 e que entre os mendigos, peloartigo 70 § 1 item 1, não eram considerados cidadãos.

Portanto, acusar os portugueses de desordeiros, vadios ou embriagados, ou,então, simular algum tipo de desavença com ferimentos e ofensas físicas erauma forma de prendê-los, sobretudo porque os portugueses eram consideradosexemplos do bem trabalhar na cidade41.

Vamos citar alguns exemplos de habeas corpus de 1894, 1896 e 1909 ondeessas alegações eram rechaçadas pelos pacientes e por seus advogados. Em1894, temos um caso de pretensa vadiagem e outro de ofensas físicas. No pri-meiro, o mesmo delegado da 6.ª Circunscrição Urbana prendeu José PassosPereira de Castro42, de 28 anos, português, casado, tal qual José Joaquim Alves,comerciante, sem qualquer nota de culpa ou flagrante, apenas por se achardeambulando na Lapa. O segundo exemplo é o dos pacientes portugueses,lavradores, Antônio Lopes, Ricardo Malta e Estradício Fernandes, presos emIrajá e por ordem do delegado de Polícia, por terem feito ofensas físicas emAntônio Alves Lage, sem contudo apresentar provas ou corpo de delito43.

Em 1896, um austríaco e dois portugueses alegaram que se encontravampresos fazia mais de cinco dias sem nota de culpa44. Alegavam que ignoravamo crime que haviam cometido, o que infringia o Código de Processo Penal noartigo 148. Acusavam a Polícia de ser autoritária e de cometer prisões arbitrá-rias, abusando do poder que tinha. Já no habeas corpus que o advogado Oscarda Rocha Cardozo impetrou, em 1909, havia o pedido de soltura porque o seupaciente, o português Joaquim Nascimento, estava preso há mais de quatromeses e sofria a possibilidade de deportação45. O advogado alegava que opaciente havia sido preso na rua do Lavradio sem qualquer motivo e que isso

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

81

38 Anais da Câmara dos Deputados. Parecer da Comissão de Constituição e Legislação sobre oprojeto de lei de repressão da ociosidade, v. 3, sessão de 10 de junho de 1888.

39 Anais da Câmara dos Deputados. Parecer da Comissão de Constituição e Legislação sobre oprojeto de lei de repressão da ociosidade, v. 3, sessão de 10 de junho de 1888.

40 RIBEIRO, 1995: 169-190; CHALHOUB et al, 1986. 41 RIBEIRO, 1990.42 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente José Passos Pereira de Castro, 1894.43 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente Antonio Lopes e outros, 1894. 44 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, pacientes Carlos Feelich, Domingos de Oli-

veira e Joaquim Leal de Barros, 1896.45 Arquivo da Justiça Federal, 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente Joaquim Nas-

cimento, 1909.

Page 83: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

era estratégia da polícia para deportá-lo porque era português e havia assinadotermo de ocupação. Dessa forma, percebe-se que o advogado usava o habeascorpus como meio claro que mantê-lo no país.

Em todos esses casos, era comum o paciente ser solto, ou o juíz concedero habeas corpus, ou, ao menos analisá-lo frente à regulamentação do papel dajustiça federal. Nesse último caso, o magistrado não concedeu o habeas corpuspor se julgar incompetente para tal: alegou que José Nascimento havia sidocondenado por ordem do juíz da 1.ª Pretoria e a prisão foi feita pelo chefe depolícia, autoridades locais.

Até os primeiros anos da década de 1900, muitos juízes concederam habeascorpus, tomando atitude contrária a um decreto de 1893, citado por LenáMedeiros de Menezes como de curta duração e responsável pela expulsão de76 estrangeiros por crime político. Ainda segundo essa mesma autora, Gemi-niano da Franca, em livro intitulado Expulsão de Estrangeiros, publicado noRio de Janeiro pela Typ. do Jornal do Commercio, em 1930, afirmou que odecreto tinha sido um “arrastão”, um “estado de sítio permanente contra o alie-nígena” e teria estabelecido a orientação que a expulsão dever-se-ia dar porcrime comum e por repressão a doutrinas perigosas, como o anarquismo, dandoo tom e a orientação dos decretos que o sucederiam46.

Já era comum, dessa maneira, acusar os portugueses por crimes políticoscomo forma de expulsá-los, mesmo antes da lei Adolfo Gordo, de 1907. Noprocesso citado acima, José Joaquim Alves acusou o delegado José da MaltaTeixeira de prender estrangeiros como desordeiros, mesma acusação que lhefizera José Passos Pereira de Castro, ambos em 1894. Como prova, anexourecorte do jornal O País, que noticiava como o delegado havia se metido emuma desavença com Mme Foustel, costureira, por não haver pago o aluguel dacasa que ocupava no Beco Manoel de Carvalho n.º 5. Ao não aceitar as expli-cações que ela lhe dava

exacerbou-se porque ela lhe disse que em seu favor, e para defender o deudireito, estava disposta a invocar até o auxílio do marechal vice-presidente;exacerbação tal que a ameaçou com um termo de bem viver, e levou-o até oponto de mandar metê-la na prisão, que fica em rua muito distante da sede dadelegacia. Mme Foustel foi, por ordem do sr. delegado, através de ruas dacidade, conduzida para o xadrez por um soldado, e aí encerrada pelo espaço de22 horas, não obstante os seus protestos e as suas justificativas47.

É interessante ressaltar que fornecia como prova um documento onde outroestrangeiro clamava por direitos, assim entendia-se sujeito de direitos atémesmo diante do vice-presidente, reconhecendo no executivo poderes quepoderiam salvá-lo do poder discricionário da polícia, acusada por muitos advo-

GLADYS SABINA RIBEIRO

82

46 MENEZES, 2006: 91.47 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, impetrante José Joaquim Alves, 1894.

Page 84: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

gados como um poder a parte. Mas, a polícia não dava mesmo trégüa e o chefeinterino informou ao juiz, “cidadão Aureliano de Campos”, em 5 de julho de1894, que José Joaquim Alves, de acordo com o mesmo delegado da 6.ª Cir-cunscrição, havia sofrido nova prisão, por “delito político, alheio ao que deulugar a obtenção do habeas corpus e que, sobre o novo delito abriu inquéritoadministrativo”48.

As prisões políticas multiplicaram-se a partir da segunda década republi-cana. Tal qual Lená Medeiros de Menezes aponta para os processos de expul-são49, os habeas corpus crescem na mesma medida e com o mesmo tipo deargumento, contra o Estado policial que se colocava em franca oposição aoEstado democrático e de direito, desrespeitando os direitos civis que deveriamser cultuados no altar da República.

Arthur Gomes de Almeida foi um dos processados e expulsos que encontra-mos na documentação do Arquivo Nacional, compulsada por Lená Menezes. Nadocumentação da Justiça Federal encontramos dois pedidos de habeas corpusimpetrados a seu favor por José de Castro Nunes. O primeiro processo narravaa sua prisão, em um domingo, dia 25 de junho de 1911. Foi levado para o 12.ºDistrito, preso por lenocício, o que em si já justificava a sua deportação. O advo-gado alegou que no inquérito foram colhidos depoimentos suspeitos e que ochefe de polícia perseguia indivíduos, que eram obrigados a recorrer à justiça.Afirmava também que o Supremo Tribunal Federal havia reconhecido as arbi-trariedades das decisões das autoridades policiais. Portanto, achava ser o casoperfeito para a concessão de habeas corpus porque o paciente estava preso e nãohavia praticado qualquer ato contra o governo, de acordo com a Lei n.º 1641, de7 de janeiro de 1907. Além disso, alegava que ainda que houvesse ato do poderexecutivo, o decreto mandava conceder ao estrangeiro sujeito à expulsão oprazo de 3 a 30 dias para se retirar do país. Nesse sentido, acusava novamente apolícia por estar agindo arbitrariamente e por não “assegurar indistintamente asmesmas regalias aos nacionais e aos estrangeiros residentes no país”50.

Mas, como a 3 de junho de 1911 Rivadávia Correia tivesse atestado que opaciente não estava preso, nesse mesmo ano Franscisco Duarte impetrou novasolicitação. Dessa feita, alegava que se desejava expulsar o paciente sem pro-cesso, e não desqualificava as testemunhas, prostitutas, mas dizia que elastinham sido coagidas a depor. Novamente esgrimia o tempo de moradia no paíse dava datas e locais onde Arthur havia trabalhando: como empregado daAlfaiataria de Euclides de Souza Mendes, em 1907 e 1908, e como chaufffeurdesde 15 de abril de 1909, conforme a carteira apresentada como prova e for-necida pela Polícia Federal, bem como carta de habilitação dada em consonân-cia com o exame feito a 17 de fevereiro de 1909. Indagava, então, como a polí-

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

83

48 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, impetrante José Joaquim Alves, 1894.49 MENEZES, 2006: 97.50 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente Arthur Gomes de Almeida, impetrante

José de Castro Nunes, 1911.

Page 85: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cia podia ter conferido carteira de profissão honesta a um caften. Reivindicavamais uma vez, em nome de seu paciente, que aos brasileiros e aos estrangeirosresidentes no país fossem aplicadas as mesmas leis e “regalias”. Dizia queesperava que o paciente fosse solto depois das informações que solicitou aoMinistério da Justiça e ao Chefe de Polícia. Contudo, esse último negou queArthur estivesse preso em 24 de novembro de 1911. Sabemos que dessa vez foia polícia que ganhou tempo, e Arthur foi mesmo expulso do país51.

Examinando processos de expulsão do Arquivo Nacional, Lená Menezes dizque eles acompanharam o processo de acirramento do movimento operário52.Podemos fazer essa mesma afirmativa quando acompanhamos os processos dehabeas corpus existentes na Justiça Federal. Contudo, não sabemos se o examedos habeas corpus não nos levaria a chegar a conclusão diferente da autoraquanto ao uso da desculpa do lenocínio e de outros crimes para expulsão53.

De fato, a grande discussão a partir da chamada Lei Gordo de 1907 foi sobrea sua constitucionalidade e quanto ao papel do STF e do judiciário. Nos proces-sos passou-se a citar acórdãos e decisões anteriormente tomadas. Em autos con-sultados para os anos de 191854 e de 191955, argüia-se a polícia por exorbitar emsuas funções. Pedia-se que a justiça fosse restabelecida. Dessa maneira, o poderjudiciário entrava como o fiel da balança, e exercia papel importante na segu-rança desses direitos, sobretudo nos momentos de estado de sítio.

No pedido de 1918, Sérgio Teixeira de Macedo requeria que José Martinsda Cruz, português, chauffeur, residente há 16 anos no Brasil, fosse solto por-que fora acusado injustamente de lenocínio. Segundo argumentava, o pacienteteria sido preso por conta do decreto que estabeleceu o estado de sítio.

Esta competência de polícia adminsitrativa, em virtude da Reg n.º 1641 de 7de janeiro de 1907, subtraindo à sanção do Código autores de delitos que ele jul-gar verificados, não se justifica perante nossas leis e importa em revogar o códigoquanto a uma classe de delitos desde que o acusado é estrangeiro. Uma luminosasentença do Dr. Pieres e Albuquerque de 5 de janeiro de 1913, confirmado peloacórdão quase unânime de 14 de janeiro de 1914 sob n.º 3491, fazendo conside-rações que acima reproduzimos, conclui logicamente considerando em francoantagonismo com o artigo 72 da Constituição Federal e Decreto 2741 de 8 dejaneiro de 1913 que revogou artigo 8 da lei de 1907 e deixa os estrangeiros abso-lutamente sem defesa perante a polícia que age arbitrariamente (sic).

Assim, a Secretaria de Polícia informou que no dia 13 de fevereiro de 1918José Martins se “achava preso como medida de segurança, em virtude da Lei

GLADYS SABINA RIBEIRO

84

51 MENEZES, 2006: 109.52 MENEZES, 2006: 97.53 MENEZES, 2006: 92.54 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente José Martins da Cruz, 1918.55 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, pacientes, Belarmino Oiticica e José Pinto Car-

neiro, 1919.

Page 86: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

n.º 3393 de 16 de novembro de 1917”. Esse foi o motivo para o juiz denegar opedido, sob a alegação que não havia informação oficial de sua prisão em vir-tude da lei acima.

Em 1919, Francisco de Paula Leite e Oiticica Filho impetrou pedido de sol-tura para Belarmino Fernandes, colocado incomunicável pela polícia, e JoséPinto Carneiro. Ambos eram portugueses, empregados no comércio, solteiros,e teriam participado do movimento de 18 de novembro. O advogado argumen-tou que haviam sido presos durante o estado de síto que terminou a 31 dedezembro 1918 e baseou-se na Constituição Federal artigo 72 (§ 13 e 22), noCódigo Criminal artigo 131 e 353 e nos seguintes acórdãos: n.º 2968, de 18 deNovembro de 1910; n.º 3001, de 5 de Abril de 1911; n.º 3164, de 3 de Abril de1912; n.º 3380, de 19 de Julho de 1913 e n.º 3333, de 9 de Abril de 1913.

com cessação do estado de sítio cessam todas as medidas de repressão duranteele tomadas pelo poder executivo”. Diz ainda que “se não justifica a prisão dospacientes, mas ressalta o abuso de poder de que é vítima Belarmino Fernandesainda incomunicável, porquanto a incomunicabilidde do paciente mesmodurante o estado de sítio é um excesso de defesa da ordem social, arbítrio queo sítio não autoriza, abuso de poder, ação francamente ilegal para a qual ohabeas corpus é o remédio próprio, expressamente declara o Acórdão do STFde 10 de junho de 1914,/Revista Jurídica I, p. 116.

Como consta na sentença, o juiz substituto disse que Belarmino não seachava preso à disposição do Juízo da 1.ª Vara do Distrito Federal. Sobre ooutro paciente, alegou erro no nome do acusado. O verdadeiro acusado seriaJosé Pinto Barreto. Entretanto, José Pinto Carneiro disse, em depoimento, queteria ido a Rio das Pedras encontrar com os seus companheiros porque a polí-cia não os autorizava reunião no centro do Rio. Por essas razões, o juiz Henri-que Coelho Vaz Pinto deixou de tomar conhecimento do habeas corpus e reco-mendou que o paciente Belarmino entrasse com outro habeas corpus diante dotribunal competente, no dia 15 de janeiro de 1919.

Por volta dos anos de 1920, uma nova onda de antilusitanismo varreu as ruasda cidade. Um habeas corpus impetrado a favor do paciente português CarlosRodrigues Seguro56 discutiu o caso desse marinheiro, que mesmo sendo portu-guês e sem ter se naturalizado foi admitido como foguista na Marinha, por tempoindeterminado e de acordo com o Decreto n.º 9468, de 23 de março de 1912. Taldocumento legal não foi publicado e dizia que ele poderia ser dispensado a qual-quer momento do serviço na Inspetoria de Máquinas, sem direito a quaisquerreclamações e vice-versa. Nessa condição, Carlos prestava serviço desde 27 deabril de 1917. Em 1918, partiu para os Estados Unidos a bordo do encouraçadoSão Paulo. Chegando em Nova Iorque, desertou. Por essa razão, foi submetido aConselho de Guerra que o condenou a um ano de prisão com trabalho.

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

85

56 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente Carlos Rodrigues Seguro, 1920.

Page 87: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O advogado de Carlos, Fellipe de Souza Mattos, preferiu não discutir a acu-sação com base na “observância da formalidade do direito e nas leis militares”por ter sido condenado por deserção, o que estava previsto no Código Penal daArmada, artigo 117. Preferiu se apoiar na requisição da igualdade de direitospara um estrangeiro, pois era “ilegalidade manifesta qual a de sujeitar um civilestrangeiro, em tempo de paz, ao foro e pena militar”. Analisando a situaçãojurídica do paciente diante da Constituição Federal, do Direito Penal Militar ede outros dispositivos legais, se perguntava se Carlos, sendo estrangeiro, pode-ria exercer cargo civil militar; além disso, se não podendo ser militar, se pode-ria responder por crime militar. É aí que a sua argumentação enveredou pelaConstituição e revelou que, na prática, o governo republicano facultava aosportugueses, inicialmente, as prerrogativas da igualdade diante da lei, mesmono que tangia aos empregos públicos, que concerniam aos direitos políticos eeram regidos na letra da lei pelo critério da nacionalidade.

Dessa forma, nesse processo o paciente recorreu à letra da lei para se salvarde situação exdrúxula, uma vez que exercia função que só cabia a brasileirosnatos ou naturalizados, mas que certamente era compatível com o que julgava serseu direto, tanto ao trabalho quanto ao não trabalho, podendo tacitamente deixarde ser foguista. Nessa parte da defesa, o advogado discutiu o que entendia por serbrasileiro e deveres do cidadão. Exigia que o Executivo comprisse a lei. Ao fazerrecurso ao STF, por ter tido o seu pedido denegado, argumentava que a Mari-nha usava há oito anos lei não publicada. Queixava-se também da

TOGA E A ESPADA, ou a desatenção do Ministério da Marinha para com oPoder Judiciário. Contado, todos diriam ser mentira, o descaso que merecem opedido de informações, incluindo-se a requisição do mesmo, que à aqueleMinistério feizera o MM Juíz. Este gesto despótico atinge a um abuso que oEgrégio Tribunal saberá qualificar e reprimir, sendo que tal descortesia, ou queoutro nome tenha, importou na confirmação de nossas alegações.

Assim, nos anos de 1920 começamos a ver uma mudança no relaciona-mento entre o executivo e o judiciário, que se delinearia de forma mais cabalcom a reforma da Constituição em 1926, que confirmou práticas de expulsãodo executivo e que restringiu o uso do habeas corpus. Nesse caso acima, o STFnegou recurso afirmando ser o caso “extraordinário” e não se posicionouquanto ao alegado pelo advogado.

Se as expulsões se baseavam no perigo à ordem do ponto de vista político,essa situação foi contornada com publicação de dois decretos de 1921, queembasaram a possibilidade de repressão à militância porque definiram o queera crime político. Um deles modificou o tempo de permanência no país, comregras sobre entrada e saída. O outro tratou da repressão aos anarquistas, aos jáchamados subversivos57.

GLADYS SABINA RIBEIRO

86

57 MENEZES, 2006: 91; MENEZES et al, 1997; MARAN et al, 1979.

Page 88: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O que constatamos a partir dos anos de 1920 são prisões e deportações fei-tas pela polícia por motivo de saúde. O Decreto n.º 19482, de 19 de dezembrode 1930, proibia a entrada de passageiros de terceira classe, o que era justificadocom base nos discursos antiimigrantistas do período e na menção ao desem-prego com a “afluência desordenada de estrangeiros”. A Contituição de 16 dejulho de 1934, no seu parágrafo 6.º , artigo 121, estabeleceu o regime de cotas,embora desde o Decreto-lei n.º 1641, de 7 de janeiro de 1907, se proibisse aentrada de mendigos, aleijados e portugueses portadores de enfermidades58.

São esses os casos de habeas corpus de Antonio Nunes59, Rita Ramos doAmaral60, Maria de Jesus61, Arthur Fernandes da Costa62 e Antonio Fernandese Gentil Alcides63. Todos esses indivíduos passaram pela Ilha das Flores e seviram a braços com a Autoridade Sanitária do Porto. Segundo Beatriz Kushnir,o Decreto n.º 9081, de 1911, estabeleceu ser a Ilha das Flores um local parahospedar os desembarcados, que lá não poderia ficar por mais de 8 dias, exce-ção feita para casos excepcionais64.

As duas mulheres citadas vieram encontrar os seus respectivos maridos.Rita chegou a bordo no navio Santaré, com dois filhos menores, para encontraro brasileiro Amaro José Marques Pereira, com quem vivia maritalmente, tendocom ele dois filhos. Amaro voltara para o Brasil por ter ficado cego em Portu-gal. Maria de Jesus chegou de Lisboa em companhia de uma filha menor, abordo do vapor Wusttemberg. Era casada com o português Francisco Albu-querque Magalhães e trazia com ela todos os documentos exigidos no Decreton.º 16761, de 31 de dezembro de 1924, e que provavam a sua boa conduta, asua identidade, nacionalidade e estado civil, todos apreendidos pelos funcioná-rios da Diretoria Geral de Povoamento.

No primeiro caso, o advogado alegava que não se podia impedir Rita dedesembarcar porque ela nem seus filhos não eram “elementos perigosos ousubversivos ao regime” nem se estava em estado de sítio. O jornal O Globoencampou a causa e dizia que ela havia devotado a sua vida a um brasileirodevendo por isso ter direitos, apoio moral e material. Já sob Maria de Jesuspesava a ameaça de ser deportada por estar com suspeita de doença contagiosa:o tracoma. Em sua defesa, o advogado voltava à baila com a igualdade entrenacionais e estrangeiros

quanto à aquisição e ao gozo de direitos civis. Afirmava que o marido, como“chefe da sociedade conjugal” estava privado de seus direitos incontestáveis

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

87

58 MENEZES, 2000: 170-171-178. 59 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente Antonio Nunes, 1927.60 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente Rita Ramos do Amaral, 1927-1928.61 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente Maria de Jesus, 1928.62 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente Arthur Fernandes da Costa, 1931.63 AJF – 2.ª Região, São Cristóvão, Habeas Corpus, paciente Antonio Fernandes e Gentil Alcides,

1935.64 KUSHNIR, 2008: 59-73.

Page 89: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

“à vida comum, à mútua assistência, ao sustento, guarda e educação dos filhos,direitos e obrigações oriundos da sua qualidade de marido e pai, garantidosexpressamente no Código Civil” [e que lhe foram] arrancados violentamentecom a proibição de desembarque da sua esposa e filha menor. Perderá, talvez,o pátrio poder sobre a filha menor, se deixá-la ao abandono, se a mesma forrepatriada.

Dessa forma, solicitava que o marido tivesse seus direitos civis equiparadosaos dos nacionais por conta de ver cumprido o que estabelecia o Código Civilno artigo 384, II – VL e por conta de Sentença de 12 de dezembro de 1827,publicada no Diário da Justiça de 23 do mesmo mês e ano, onde se tratava doscasos de repatriamento e se privava ao pai do direito de educar e tratar dosfilhos. Citava também sentença da Justiça Federal da 2.ª Vara, publicada no Diá-rio da Justiça de 23 de outubro de 1927 e que interpretava o Decreto n.º 21247,de 6 de janeiro de 1921, que por sua vez vedava a entrada apenas de leprosos,tuberculosos, portadores de elefantíase ou de câncer. Nos dois casos, a negativado habeas corpus prendeu-se à questão das provas. No primeiro, Rita não provou que a filha era comum. No segundo, não havia provas do casamento.

Contudo, nem sempre as provas ajudavam. Nos habeas corpus impetradosa favor de Arthur F. da Costa elas nada adiantaram. Arthur tinha 26 anos, eradomicilado no Brasil há mais de oito e trabalhava no comércio. Não era doente,segundo conseguiu provar, e tinha identidade fornecida pelo Gabinete de Iden-tificação e Estatística, além do fato de ter feito viagem a Portugal a negócios.A seu favor tinha, inclusive, um requerimento de desembarque firmado pelonegociante Augusto Ferreira dos Santos.

Antonio tinha 63 anos de idade, era casado com brasileira, tinha filhos enetos nascidos em Petrópolis e possuía propriedade em Pedro do Rio. Dentre osseus amigos, estava o ex-deputado federal José de Barros Franco Júnior. Todosesperavam-no no porto, quando foi impedido de desembarcar e levado para aHospedaria de Imigrantes. Era brasileiro naturalizado e de tudo apresentou pro-vas que lhe foram de grande serventia, junto com o argumento que havia devo-tado mais de 40 anos “de indefeso labor na terra, durante os quais contraiu amoléstia que se considera cronicamente afetado”. Não esqueçamos que a pre-venção dizia respeito aos que vinham se estabelecer na cidade ou retornar parao meio urbano. Um pedido de 1935 relatava a problemática e os critérios queforam usados para o estabelecimento de cotas de entrada de estrangeiros.

Esse processo impediu o desembarque de imigrantes portugueses vindos abordo do vapor Highland Brigade e trazidos por Enéas Paiva. Segundo o advo-gado Alcides Gentil, esse agenciador havia obtido concessão para introduzir milimigrantes europeus antes do Decreto n.º 24215, de 9 de maio de 1934 (regu-lado pelo Decreto n.º 24258 de 16 de maio de 1934), e que esses foram impedi-dos de desembarcar por conta de decreto posterior. Alegava a favor do seu argu-mento o “princípio de direito”. Dizia que a suspeição de que esses homens nãovinham para o campo, para trabalho em Bananal, São Paulo, era totalmente

GLADYS SABINA RIBEIRO

88

Page 90: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

infundada. Além disso, evocava terem esses imigrantes passaporte visado emLisboa pelo consul brasileiro e que o diretor do Departamento Nacional dePovoamento agia de forma discricionária por ter deixado imigrantes japonesesentrarem em número superior às cotas estabelecidas por nacionalidade.

Para qualquer pessoa de bom senso o sistema da ordem pública está con-tido na legislação que se adota. A legislação em vigor deve necessariamenteinspirar-se no sistema por ela preferido. O impetrante já declarou, mais de umavez, que essa história de individualismos, facismos, comunismos, despotismosou imperialismos não lhe perturbe os sentimentos cívicos de brasileiro, con-tanto que os homens de governo fiquem obrigados à seleção pessoal peloregistro de idoneidade e a fiscalização imediata de seus haveres pelo cadastropatrimonial. Essa velha opinião do impetrante não é segredo para os que nestepaís estudam problemas de organizaçào política.

Seguia, então, dizendo que a lei brasileira facultava o aproveitamento deum terço de estrangeiros em atividades urbanas e que a cota constitucionaldizia respeito tão somente à lavoura. Afirmava ainda que a imigração era bem--vinda porque os serviços humildes não seriam feitos por aqueles que possuíammeios seguros de vida, e era esse aspecto unido àquele da maior proximidadede pessoas amigas que tornavam o emprego fácil para os portugueses, uma vezque os patrícios lhe sorriram com a colocação que procuravam.

Por outro lado, o imigrante português não pode estar sujeito à localizaçãopelo gênero de trabalho. Essa localização a que se refere os decretos de maio de1934 não foi a que inspirou o legislador constituinte, conforme se vê no artigo121, § 6.º da carta de 16 de julho. Rosto a rosto da nossa formação nacional e danossa estrutura étnica, o papel máximo do imigrante português não é o de ir obri-gatoriamente para o campo; é o de continuar a ser um coeficiente de raça branca,na nossa mestiçagem, e um fator pessoal de defesa do nosso patrimônio histó-rico. Subordinar a sua localização exclusivamente a interesse do incrementoagrícola, ou só permitir nas cidades portugueses que tenham dinheiro (Decreton.º 25258, artigo 3.º ) equivale, por um lado, admitir que os portugueses de qua-lidade procurem ligações com mulheres de cor, e, por outro, supor que essasmulheres residam precisamente nos contros de imigração rural.

Na sua petição, prosseguiu dissertando sobre a miscigenação dos portu-gueses com negros até chegar ao ponto de criticar a visão da arianização con-tida no livro de Oliveira Vianna, que dizia que teríamos tendência para a aria-nização, em O Povo Brasileiro e a sua evolução, da Typ. de Estatítica, publi-cado em 1922. Citava ainda o Diário Carioca de 23 de junho de 1935, quemencionava que a Constituição, no artigo 121, limitava a entrada de estrangei-ros e que o Ministério do Trabalho estabelecia as seguintes cotas provisórias,com base em 2% das entradas dos nacionais nos últimos 50 anos: italianos – 28 027; portugueses – 22 955; espanhóis – 11 524; alemães – 3 088; japoneses

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

89

Page 91: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

– 2849; poloneses – 2307; etc remetido ao Ministério das Relações Exteriores.Esse jornal mencionava que o desembarque era autorizado se o passaportetivesse visado pela Departamento Nacional de Povoamento e que se havia dadopermissão para o desembarque de 28 000 imigrantes japoneses trazidos em1924, pela Companhia Kaigai Kogyo Kabashuki Kaisha, destinados a SãoPaulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Pará. Apropriava-se ainda da matéria doDiário Carioca que mencionava que havia sido feita uma consulta jurídicanada mais nada menos que a Clóvis Beviláqua. Era claro o seu intuito de defen-der o direito de desembarque dos portugueses trazidos por Enéas, comparandoestratégias imigrantistas do governo.

O advogado tentava, então, afirmar e reafirmar direitos trazendo para oprocesso nada mais do que o autor do Código Civil de 1916. Entretanto, aca-bou tendo o habeas corpus negado. O diretor do Departamento Nacional dePovoamento fez a sua defesa repetindo os argumentos do juíz Waldemar daSilva Moreira, da 1.ª vara. Segundo ele, o juíz teria negado a entrada dos lusi-tanos porque Enéas Paiva não havia obtido a autorização anterior à Constitui-ção. Além disso, havia assinado, em janeiro de 1935, diante da InspetoriaRegional do Ministério do Trabalho, do estado de São Paulo, um “termo deresponsabilidade” que estava de acordo com a ordem da Diretoria Geral, emofício de 6 de dezembro de 1935, que mandava atender à condição imperativado Decreto n.º 24.258, de 16 de maio de 1935. Este facultava a imigração paraáreas incultas, destinada ao serviço agrícola e pelo prazo de 3 anos em locali-dade certa. Enéas havia burlado a lei imigratória e o direito adquirido não pode-ria ser aplicado.

Dessa forma, o diretor esgrimia duas linhas de argumento que parecem terse baseado na sentença do juiz. A primeira, afirmava que os portugueses nãoestavam sofrendo coação à liberdade e que tudo estava de acordo com a porta-ria do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio de 30 de junho de 1925.Na segunda, faz a sua autodefesa afirmando direitos que julgava que deveriampertencer somente a brasileiros e que estavam sendo invocados por portugue-ses, e, pior, por recém-chegados. Deslocava a questão da afirmação e do alar-gamento dos direitos para o campo dos “ïnteresses comerciais”:

Ante a majestade da Justiça, não me cabe responder às indelicadezas quese contém na petição junta, e nem me preocupam ser taxados de odiosos osatos, que preciso praticar, e que continuarei a praticar, em correspondência àsresponsabilidades do meu cargo, que se projeta, qual sentinela avançada, nosportos e fronteiras do Brasil, para preservar a nacionalidade de elementos assa-lariados, que poderão trazer, talvez, excelente contribuição ao povoamento dosolo, na sua concepção restrita, mas indesejáveis se os considerarmos sob umprisma mais elevado, colocando-os acima, bem acima, de interesses mera-mente comerciais.

Terminava a sua defesa invocando novamente a lei imigratória (Decreto n.º24 215) e o Regulamento de Passaportes (Decreto n.º 23 704-A), de 8 de janeiro

GLADYS SABINA RIBEIRO

90

Page 92: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

de 1934. Argumentava igualmente que o habeas corpus não deveria ser usadopara expor doutrinas ou o valor do elemento português. Certamente criticava adefesa que o advogado havia feito dos lusitanos, mas sabemos por um recorte dojornal Lux, de 7 de janeiro de 1935, que o juiz Ribas Carneiro, que novamenteexaminou o caso, havia denegado o habeas corpus sob o seguinte fundamento:“o interesse da coletividade, o interesse nacional predomina em todos os sentidosa quaisquer direitos individuais, romantismo a Rousseau e a Goethe”. Ainda deacordo com a notícia, que reproduziu partes da sentença, o juiz teria afirmado queos elementos trazidos por Enéas aumentariam a população cosmopolita,

sem o menor interesse à economia brasileira, talvez com prejuízo desta, tra-zendo os preceitos que estiolam a Europa, intoxicando o meio social do nossopaís com idéias, tendências, costumes, de que já nos sentimos fartos de aturar.(...) tenho sustentado que a época do liberalismo radical, do extremado indivi-dualismo, é uma sombra do passado e que a supremacia do Estado, comoórgão tutelar da sociedade, fala com uma eloqüência tão impressionante, quesomente não é ouvida pelos surdos e pelos piores surdos, aqueles que não que-rem ouvir, os negativistas da autoridade, os entusiastas pela desordem, a “cla-que” da demagogia (...) O interesse da coletividade, o interesse nacional pre-domina em todos os sentidos a quaisquer direitos individuais, romantismo aJean Jacques Rousseau e Goethe.

O juiz remetia-se à nacionalização do trabalho, tema tão caro ao governoVargas65. Apontava também claramente para a construção da cidadania estrei-tamente ligada ao Estado e ao pertencimento à nação, negando a possibilidadede se discutir quaiquer outros tipos de direitos. Afirmava, ainda, que acatava osargumentos do Diretor porque

o Estado [tem] o poder inerente à sua soberania e essencial à sua própria con-servação de proibir a entrada de estrangeiros em seus domínios ou de admiti--los somente nos casos e sob condições que entender convenientes, como aliás,em toda parte.

Como argumento de autoridade, citava longo trecho de sentença proferidana Suprema Corte dos Estados Unidos da América, que afirmava ser o Estadosoberano nas suas decisões.

CONCLUSÃO

Todas estas demandas tiveram significado especial em momento de pre-tensa igualdade democrática, como no primeiro período republicano, que, con-tudo, demostrou-se ocasião de exceção política constante com estados de sítio

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

91

65 GOMES, 1979.

Page 93: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

decretados justamente em função do alegado perigo à ordem, consubstanciadopelo que se entendia ser direito dos indivíduos, nacionais ou estrangeiros, epelo intenso movimento social.

Portanto, ao analisar a participação dos portugueses nos movimentossociais e o recurso à Justiça pretendemos avançar nas reflexões sobre a neces-sidade de alargarmos o conceito de cidadania, ultrapassando a sua divisão emdireitos políticos, civis e sociais. Pretendemos reforçar a idéia que a cidadaniadeve apontar na direção das identidades construídas no movimento social e oseu entendimento deve mapear as expectativas de vivências das liberdades den-tro de uma sociedade democrática. A luta política pode ser entendida comoforma de alargamento de direitos, onde o indivíduo nem é cooptado pelo Estadonem meramente aceita ou reivindica a concessão de direitos.

BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Charleston José de Sousa; DUARTE, Leila Menezes, 2007 – “Imigração portuguesa econflito urbano: portugueses detidos na Casa de Detenção do rio de Janeiro (1880-1930)”,in SOUSA, Fernando; MARTINS, Ismênia (coord.) – Emigração portuguesa para o Brasil.Porto: CEPESE/FAPERJ, p. 143-170.

CABRAL, Manuel Villaverde 2003 – “O exercício da cidadania política em perspectiva histó-rica (Portugal e Brasil)”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 18, n.º 51.

CARAVANTES, Eduardo, s.d. – “O poder Judiciário brasileiro a partir da Independência”, men-ção honrosa no concurso “André da Rocha”, promovido pela Associação dos Juízes do RioGrande do Sul (AJURIS), Sequincentenário da Independência nacional.

CARVALHO, José Murilo de, 2003 – O foco e a articulação, Projeto Nação e cidadania noImpério: novos horizontes. Rio de Janeiro: PRONEX/FAPERJ/CNPq.

CARVALHO, Marcus de, 1998 – Passos no caminho da liberdade. Liberdade. Rotinas e ruptu-ras do escravismo, Recife, 1822 – 1850. Recife: Editora Universitária/UFPE.

CHALHOUB, Sidney, 1986 – Trabalho, lar e botequim. Rio de Janeiro: Paz e Terra.CHALHOUB, Sidney, 1990 – Visões da Liberdade. Uma História das Últimas Décadas da

Escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras.CORREA, Darcísio, 2002 – “Cidadania: a construção conflitiva do espaço público”, in A cons-

trução da cidadania. Reflexões Histórico-Políticas. Ijuí: Editora Unijuí.COSTA, Emília Viotti da, 1977 – “Introdução ao Estudo da Emancipação Política do Brasil”, in

MOTTA, Carlos G. – Brasil em Perspectiva. Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, p. 64-125. DIAS, Maria Odila Silva, 1972 – “A Interiorização da Metrópole (1808-1853)”, in MOTTA, Car-

los Guilherme – 1822: Dimensões. São Paulo: Perspectiva, p. 160-184.DIAS, Maria Odila Silva, 1998 – “Sociabilidade sem História: votantes pobres no Império, 1824-

1881”, in FREITAS, Marcos Cezar (org.) – Historiografia brasileira em perspectiva. SãoPaulo: Contexto, 2.ª ed.

GOMES, Angela Maria de Castro, 1979 – Burguesia e trabalho. Política e legislação social noBrasil 1917-1937. Rio de Janeiro: Editora Campus.

GRINBERG, Keila, 1994 – Liberata, a lei da ambigüidade. As ações de liberdade da Corte deApelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.

GRINBERG, Keila, 2002 – O fiador dos brasileiros. Cidadania, escravidão e direito civil notempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

GRINBERG, Keila, 2006 – “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX”, in

GLADYS SABINA RIBEIRO

92

Page 94: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

LARA, Silvia H. E.; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (org.) – Direitos e justiças no Bra-sil. Campinas: Editora da Unicamp, p. 101-128.

HOBSBAWN, Eric, 1990 – Nação e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidades,Tradução Maria Célia Paoli e Anna Maria Quirino. São Paulo: Companhia das Letras.

HOBSBAWM, E. J, 1996 – Ecos da Marselhesa: dois séculos revêem a Revolução Francesa.São Paulo: Companhia das Letras.

KOERNER, Andrei, 1998 – Judiciário e cidadania na constituição da República Brasileira. SãoPaulo: Hucitec/Departamento de Ciência Política.

KUSHNIR, Beatriz, 2008 – “A hospedaria central: a Ilha das Flores como a ante-sala doParaíso”, in MATOS, Maria Izilda et al (org.) – Deslocamentos e histórias: os portugueses.São Paulo/ Baurú: EDUSC, p. 59-73.

LARANJA, Kátia Toríbio Laghi, 2005 – “As garantias do cidadão no Brasil: do Habeas Corpusao Mandado de Segurança”, in CAMPOS, Adriana Pereira – Velhos temas, novas aborda-gens: História e Direito no Brasil. Vitória: PPGHis, p. 41-49.

LOPES, José Reinaldo de Lima, 2004 – As palavras e a lei. Direito, ordem e justiça na históriado pensamento jurídico moderno. São Paulo: Editora 34/EDESP.

LOPES, José Reinaldo de Lima, 2007 – “Consultas da Seção de Justiça do Conselho de Estado(1842-1890). A formação da cultura jurídica brasileira”. Almanack Brasiliense. São Paulo:USP/IEB, n.º 5.

MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti, 2007 – “O direito de ser africano livre na década de 1860 oua lei de 1831 e a questão servil”, in NEDER, Gizlene e outros (orgs.) – História e Direito.Rio de Janeiro: Editora Revan, p. 163-174.

MARAN, Sheldon Leslie, 1979 – Anarquistas, imigrantes e movimento operário brasileiro(1890-1920). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

MENDONÇA, Joseli Maria Nunes, 1999 – Entre as mãos e os anéis. A lei dos sexagenários eos caminhos para a abolição no Brasil. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; Centro dePesquisa em História Social da Cultura.

MENEZES, Lená Medeiros de, 1997 – Os indesejáveis; desclassificados da modernidade. Riode Janeiro: Eduerj.

MENEZES, Lená Medeiros de, 2000 – “Jovens portugueses: histórias de trabalho, histórias desucessos, história de fracassos”, in GOMES, Angela Maria de Castro (org.) – Histórias deimigrantes e de imigração no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sette Letras.

MENEZES, Lená Medeiros de, 2006 – “Os processos de expulsão como fontes para a Históriada Imigração Portuguesa no Rio de Janeiro (19-7-1930)”, in MARTINS, Ismênia de Lima;SOUSA, Fernando (org.) – Portugueses no Brasil: migrantes em dois atos. Rio de Janeiro:Muiraquitã, p. 86-117.

PENA, Eduardo Spiller Pena, 2001 – Pajens da Casa Imperial: Jurisconsultos e escravidão noBrasil do século XIX. Campinas: Editora da UNICAMP/CECULT.

PEREIRA, Vantuil, 2008 – Ao Soberano Congresso. Petições, requerimentos, representações equeixas à Câmara dos Deputados e ao Senado – os direitos do cidadão na formação doEstado Imperial brasileiro (1822-1831). Niterói (Tese de doutorado apresentada ao Pro-grama de Pós-Graduação em História da UFF).

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla B, 2003 – “Introdução”, in PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla B.(orgs) – História da cidadania. São Paulo: Contexto.

RIBEIRO, Gladys Sabina, 1990 – Mata galegos: os conflitos de trabalhano na República Velha.São Paulo: Brasiliense.

RIBEIRO, Gladys Sabina, 1995 – “Dos Caras de La Misma Moneda: La Recreacion Del Prejui-cio Racial Y Del Prejuicio Nacional En La Republica Velha”. Estudios Migratorios Lati-noamericamos. Buenos Aires, v. 29, p. 169-190.

RIBEIRO, Gladys Sabina, 2000 – “Os portugueses na formação da nação brasileira: o debate his-toriográfico desde 1836”. Ler História. Lisboa, n.º 38, p. 103-123.

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA…

93

Page 95: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

THOMPSON, E. P., 1982 – The Making of the English Working Class, 13.ª ed. Middlesex/NewYork: Penguin Books.

THOMPSON, E. P., 1987 – Senhores e caçadores. A origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz eTerra.

GLADYS SABINA RIBEIRO

94

Page 96: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

95

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS,

NO FINAL DO SÉCULO XIX

Maria Apparecida Franco PereiraMaria Suzel Gil Frutuoso

Os imigrantes portugueses em Santos são a principal corrente imigratóriada segunda metade do século XIX a meados do século XX. Alguns estudosmostram sua participação na vida econômica e social da cidade.

O presente texto, que faz parte de um projeto de pesquisa mais abrangentesobre a presença dos portugueses em Santos, ateve-se a fazer um levantamentoe um estudo inicial sobre trabalhadores lusos, nos arquivos de duas instituiçõestradicionais: a Santa Casa de Misericórdia, criada em 1543, e a Sociedade Por-tuguesa de Beneficência de Santos, fundada em 1859.

Pretendeu-se identificar, embora se tratando de uma amostragem, os por-tugueses imigrados para Santos e suas atividades profissionais na cidade. Aintenção foi ainda traçar, tanto quanto possível, um perfil desses trabalhadores,tendo em vista sua origem geográfica, idade e estado civil.

A cidade apresentou certo desenvolvimento, a partir da segunda metade doséculo XVIII, quando o Morgado de Mateus, um dos governadores ilustradospombalinos, incentivou a plantação de cana-de-açúcar no interior paulista, como produto exportado pelo porto de Santos. A construção da calçada do Lorena,importante obra de engenharia da época, vencendo as escarpas da Serra do Marpela qual transitavam tropas de muares, facilitou a condução do açúcar para oporto, ao desenvolver a comunicação entre o planalto e o litoral.

A produção e a exportação açucareira foram pouco a pouco superadas pelocafé, que na metade do século XIX consegue a liderança na economia nacional.

Acanhada territorialmente, entretanto em meados do século XIX Santospreparava-se para se tornar importante centro econômico. A década de 1860marca a construção da ferrovia, ligando o porto ao interior produtor do café.Também as atividades portuárias e a dinâmica da economia agro-exportadorado café em ascensão levaram ao crescimento populacional. Inicia-se assim umanova fase de desenvolvimento para a cidade, principalmente a partir de 1870,transformada em escoadouro da produção e praça de comercialização do café.

É nesse contexto que os estrangeiros começam a afluir cada vez mais embusca de melhores condições de vida, por causa da situação econômica ou dapolítica de seus países de origem.

Page 97: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

No século XIX a colônia portuguesa já apontava como a mais importantecorrente imigratória da cidade como mostram os censos do período. Em 1854o presidente da Província, José Antonio Saraiva, ordenou que fosse feito umrecenseamento em São Paulo, apurando-se para o município de Santos 7855habitantes, desses, 710 eram estrangeiros1.

No censo de 1872, a população santista aumentara para 9192 habitantes,sendo 1577 estrangeiros, e os portugueses, 931 indivíduos, pouco mais de 10%da população geral e quase 60% da população estrangeira2.

Será o censo de 1913 que mostrará a importância numérica dessa presença. Apopulação urbana, composta de 71236 habitantes, compreende 33 612 estrangei-ros dos quais 18856 são portugueses (12090 homens; 6766 mulheres). Os espa-nhóis são o segundo grupo mais numeroso (7076), seguido dos japoneses (3200).

A cidade santista apresentava um cenário econômico com possibilidadescrescentes de emprego para os imigrantes que começavam a afluir em grandeescala: a ferrovia, a partir de 1867, no transporte do café e mercadorias; amodernização das docas, a partir de 1880; o aparelhamento da infra-estruturaurbana (calçamento, iluminação, saneamento, transporte); construção civil; asatividades de sobrevivência vital (padaria, taverna, quitanda, pensão; lazeretc.). E os serviços ligados diretamente ao comércio do café.

Entretanto, como entender a atração dos imigrantes por uma cidade que semodernizava, mas em que o saneamento e a saúde eram problemas graves aenfrentar? Com os perigos da insalubridade, as doenças e as epidemias quematavam indiscriminadamente, muitas delas atingindo em maior número ostrabalhadores, os pobres. Cidade de clima quente, quase sem infra-estrutura(sem rede de esgoto, sarjetas, poucas calçadas, buracos e ratos, sem escoa-mento das águas pluviais que inundavam a planície e as ruas, criando focos dedoenças), as epidemias (febre amarela, peste bubônica, tifo, varíola) encontra-vam em Santos, freqüentemente visitada por navios que traziam doentes, ter-reno propício para a sua disseminação.

As condições higiênicas d’esta cidade são as piores possíveis e muito,senão tudo há a fazer para torná-la apta a repelir o inimigo traiçoeiro que apa-recendo entre nós aniquila milhares de vidas preciosas, trazendo ao mesmotempo o terror e com ele avultando prejuízo ao comercio (Oficio da Comissãode Vigilância Sanitária de Santos, de 17 de maio de 1889)3.

Embora conhecida como “città maledetta” não é a única a sofrer os óbitospelas epidemias: “a febre amarela, saindo das bordas litorâneas, atinge a zonacafeeira, penetrando em Campinas e, de lá, irradiando-se pela Mogiana rumo aRibeirão Preto, o grande centro produtor do ouro verde”4.

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

96

1 ÁLVARO, 1919: 13.2 ÁLVARO, 1919: 13.3 LOPES, 1974: 157.4 LOPES, 1974: 133.

Page 98: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A febre amarela fez considerável número de vítimas fatais em Santos: rela-tivamente poucas de 1850-1872 (221 em 22 anos). A primeira grande epidemiadá-se em 1873; no período de 1873 a 1888, há mortalidade maior como em1876 (284); 1878 (175); 1889 (750). Os números tornam-se mais assustadoresa partir de 1891: 1891 (1019), 1892 (1823), 1893 (1668), 1894 (172) e 1895(1058, sendo 53% estrangeiras).

De 1895 a 1902, o total de óbitos por febre amarela é 1961: 1376 são bra-sileiros; 261 portugueses; 112 espanhóis.

Outras epidemias (peste bubônica, febre tifóide, varíola) assolavam San-tos5. Em 1892, há também 823 óbitos por varíola. A peste bubônica, relacio-nada com a existência de ratos contaminados nas cocheiras, também matou(embora em número bem menor), nas épocas vizinhas a 1900. A ComissãoSanitária incinerou, em 1900, 67500 ratos; em 1902, 52000!

O movimento da febre amarela e outras epidemias coincide com a entradade imigrantes. As oportunidades abertas pela cafeicultura exerciam mais atrati-vos aos estrangeiros. Apesar da cidade não possuir a infra-estrutura para rece-ber o grande número de portugueses, eles continuam a chegar, encontram (osque sobrevivem) possibilidades de amealhar economias para viver e enviar aseus familiares, igrejas ou outras instituições lusas. Muitas vezes, contavamcom alguém na terra santista que servia de amparo inicial.

Para fugir às epidemias havia também a possibilidade de busca de locaismenos contaminados, como a cidade vizinha, São Vicente. O grande sanitaristaGuilherme Álvaro diz, numa das crises mais violentas (em 1889), que a cidadese despovoara logo no começo de março6.

O Relatório do Professor Público de primeiras letras da Vila de S.Vicente,Pe. Antonio Agostinho de Sant’Anna, datado de 1° de novembro de 1876,observa: “Com as epidemias e às vezes por causa dos banhos de mar, vem algu-mas famílias; tem ocasiões que freqüentam muitos [alunos] conforme a estadadas mesmas neste lugar”7.

Em 1907, o sistema de saneamento (cujo plano urbanizou a cidade) estavaconcluído e a febre amarela não apresentava mais óbitos desde 1905.

1. A SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DE SANTOS

Foi a partir dessa realidade gerada pelas epidemias e outras doenças quealguns portugueses, com destaque na cidade, resolveram criar uma associaçãoque pudesse dar apoio aos seus patrícios, especialmente em tratamento de saúde.

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

97

5 Dados dos pacotes “Óbitos”, do Arquivo da Prefeitura Municipal de Santos citado por BetraldaLopes, p. 59 e 60.

6 ÁLVARO, 1919: 25.7 Relatório ao Dr. Francisco Aurélio de Carvalho, Inspetor Geral da Instrução Pública da Província

de São Paulo, AESP (atualizada a grafia). Agradecemos a Alcides Caetano da Silva Jr., aluno do4° de História da Universidade Católica de Santos, a cópia do documento.

Page 99: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Desse movimento nasceu a Sociedade de Beneficência Portuguesa fundadaem 21 de agosto de 1859, que se mantém em atividade até hoje. Em 16 desetembro de 1859, uma assembléia, com 98 sócios, liderada por José Joaquimde Souza Airam Martins e Joaquim José da Costa e Silva, aponta a necessidadedos portugueses se unirem nessa obra humanitária.

Os freqüentes apelos resultaram no crescente número de sócios e do patri-mônio da instituição. Em 1862 uma grande campanha convida os portuguesesa se associar à Beneficência e, a partir daí, é possível verificar, no livro deregistros de sócios, o aumento constante de associados.

Em seu livro sobre a Beneficência Portuguesa, Jaime Franco mostra comoa cidade se agitou com a Guerra do Paraguai. Em 1864 as tropas que se deslo-cavam para o Sul transitavam por Santos, onde se organizavam batalhões devoluntários. “Neles se alistaram muitos portugueses que exerciam várias pro-fissões necessárias aos trabalhos de acampamento”8.

A vida comercial e associativa da cidade é prejudicada, em especial a daBeneficência, “cujos diretores poucas vezes se reuniram e destas reuniões nãose lavraram atas [...]. Em 1866 esses são reeleitos quase todos por falta de pes-soas para assumir a direção da Instituição”9. É quando, em 1866, a Beneficên-cia recebe a doação de um terreno onde seria construído o primeiro hospital, nobairro do Paquetá, em local pouco salubre. A pedra fundamental foi lançada emabril de 1868 e a abertura solene do hospital dá-se dez anos após, em 1878.Essa instituição contribuiu enormemente com a saúde dos trabalhadores portu-gueses radicados em Santos e também de empresários, construindo um modelode hospital que ao longo de décadas marcaria presença na cidade.

Antes do funcionamento do hospital, a Beneficência mantinha um convê-nio com a Santa Casa de Misericórdia de Santos para tratamento de saúde deseus sócios; ou estes ficavam em suas residências, recebiam a visita do médicoe remédios. Antes disso, as pessoas com mais recursos dirigiam-se ao Rio deJaneiro para tratamentos mais modernos de saúde.

Aos poucos a instituição abriu-se também para brasileiros e outros estran-geiros, em especial nos períodos calamitosos de epidemias.

A partir de registros de sócios no período de 1862 a 1874, foi possível fazero levantamento de profissões exercidas por portugueses e traçar um perfil des-ses associados, embora se tratando de um curto período (13 anos).

Estima-se que haja nos dois grandes livros, desde a segunda metade doséculo XIX a meados do século XX, cerca de 20 mil matrículas. Esses livrosencontram-se aparentemente em bom estado, mas apresentam problemas dehigienização e de manuseio, e os registros, algumas dificuldades com relação aabreviações, o que leva a um maior cuidado na consulta e pesquisa de dados.

Além de uma relação das atividades profissionais dos lusitanos, a docu-mentação trouxe outros dados referentes a sua origem geográfica, filiação,

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

98

8 JUNOT, 1959: 98.9 JUNOT, 1959: 98.

Page 100: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

idade, estado civil, endereço e data em que se tornou sócio da instituição. Háoutras informações como mudança de categoria de sócio, falecimento, transfe-rência para outra cidade e desligamento da associação.

Essa documentação apresenta uma seqüência de número de matrícula, maspor vezes a numeração falha, sem que haja qualquer ressalva, tratando-se possi-velmente de erro. Há registros em que consta apenas o nome do associado, semqualquer outra informação (sem possibilidade de apurar-se a nacionalidade), oufalha em um ou outro dado como estado civil, idade, profissão, endereço.

A origem geográfica mostra que a grande maioria era proveniente dos dis-tritos do norte de Portugal. Aparecem o nome de cidades e vilas bastante conhe-cidas e de outras que se tornam mais difíceis de localizar; consta o nome, masnão há referência à freguesia, ao concelho ou ao distrito; outras vezes apareceapenas o nome da Província.

Quanto ao item referente a profissões, há uma variedade delas, mas chamaa atenção a de negociante, que entre os sócios da Beneficência era de poucomais de 1/3 do total dos registros. Esse grupo está também entre os principaisbenfeitores da instituição. Segue-se a dos trabalhadores sem profissão definidae a dos caixeiros.

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

99

Quadro n.º 1 – Período de 1862 a 1874 (13 anos) – 393 registros consultados

Ativos 254Remidos 48Benfeitores 13 (de um total de 29)Beneméritos 02 (de um total de 03)

O período de 1862 a 1874 mostra que a esmagadora maioria de sócios era deportugueses (317 num total de 393). Há também alguns de outras nacionalidadese brasileiros, que aparecem quase sempre como beneméritos ou benfeitores.

A Beneficência tinha em seu quadro associativo, nesse período, 29 benfeito-res. Desses, 13 eram portugueses, nove deles eram negociantes, um caixeiro, umartista, um religioso, um sem indicação profissional; eram oriundos dos distritosdo norte de Portugal (quatro do Porto, dois de Penafiel, dois de Póvoa de Varzim,um de Braga, um de Cabeceira de Bastos, um de Barcelos, um de São Salvador deTravanca e um da Ilha do Faial nos Açores). Entre eles encontra-se o comendadorAntonio Ferreira da Silva, negociante, natural de Penafiel, no distrito do Porto.

Os demais são na sua maioria brasileiros. Destacaram-se como Benfeitores,o comendador Nicolau Vergueiro, que aparece como negociante (mais tarde,visconde de Vergueiro e Benemérito, cuja família era ligada ao café); e o imi-grante natural de Vigo, José Caballero, sapateiro, que mais tarde se tornaria umnome importante na cidade, como proprietário de uma casa de banhos e terrasna região de Pilões em Cubatão, no município de Santos.

Número de sócios portugueses: 317

Page 101: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Os beneméritos eram três (um brasileiro e dois portugueses): Manoel FerreiraVinagre, solteiro, natural de Vila Real, negociante; e Luíza Sousa Marianna,casada, natural da Ilha do Faial.

A importância de tais sócios (sejam ativos, beneméritos e benfeitores), éque todos contribuíram financeiramente para a manutenção da Instituição e daconstrução do hospital, inaugurado apenas em 1878, adquirindo também, comisso, o direito a tratamento de saúde.

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

100

Quadro n.º 2 – Profissões

Negociantes 104Trabalhadores 59Caixeiros 50Pedreiros 14Carpinteiros 12Sapateiro 9Ferreiro 8Marítimo 6Canteiro 5Jornaleiro 5Guarda-Livros 4Alfaiate 4Tanoeiro 4Pintor 3Barbeiro 3Charreteiro 2Tamanqueiro 2Artista 2Serralheiro 2Latoeiro 1Farmacêutico 1Tipógrafo 1Cigarreiro 1Seleiro 1Empregado da Estação 1Ator 1Comércio 1Arquiteto 1Lavrador 1Charuteiro 1Carroceiro 1Ourives 1Empregado da Estrada de Ferro 1Calceteiro 1Cozinheiro 1Enfermeiro 1

Total 315

Profissão Número de profissionais

Desses números, como já ficou evidenciado, chamam a atenção os “nego-ciantes” (104), praticamente 1/3 do total de registros. A seguir vêm os “trabalha-dores” sem profissão específica, podendo trabalhar em qualquer atividade não

Page 102: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

101

qualificada. Os caixeiros (empregados de casas comerciais) explicitam a atividadecomercial, importante na cidade. A designação de negociante não fornece infor-mações sobre o tipo de empresa ou negócio a que se dedicavam os portugueses.

Esses trabalhadores portugueses, sócios da Beneficência, residiam em suamaioria na cidade de Santos. Não há nenhum registro de sócio residente navizinha cidade de São Vicente, localidade mais salubre.

Dados sobre a origem geográfica (naturalidade)

Os sócios da Beneficência eram provenientes em sua maioria dos distritosdo Norte de Portugal, com apreciável presença açoriana.

Quadro n.º 3 – Origem geográfica10

Porto 35Vila Nova de Gaia (Distrito do Porto) 9 Lisboa 9Braga 8Coimbra 4Penafiel (Distrito do Porto) 4 Vila Real 4Monção (Distrito de Viana do Castelo) 4 Ilhas dos Açores 29Ilha da Madeira 5

Dados sobre idades

As idades variam entre 8 e 71 anos. As faixas etárias de 8 a 17 anos não ultra-passam um ou dois indivíduos em cada uma, o mesmo ocorre com as de 44 a 71anos, não são expressivas. De 18 a 19 anos: há seis indivíduos em cada uma. Nasde 20, 21, 24, 35, 36 e 37 anos aparecem oito indivíduos em cada uma.

A maior concentração de sócios encontra-se nas faixas etárias de:

Quadro n.º 4 – Idades

17 1422 1023 1825 1826 1628 1629 1130 2531 13

32 1433 1438 940 741 543 445 746 6

Idade Número de Indivíduos Idade Número de Indivíduos

10 Outros distritos aparecem com menos de 4 indivíduos.

Page 103: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A maior concentração encontra-se entre os 23, 25, 26, 28, 30, 32 e 33 anos,destacando-se a idade de 30 anos. As idades de 47 a 62 anos que aparecem nosregistros indicam apenas um ou dois indivíduos em cada uma delas. Os maisjovens, abaixo de 17 anos e os indivíduos de 42, 44 e acima de 47, estão emnúmero pouco expressivo.

Dados sobre estado civil

Nos registros de matrícula em que consta o estado civil do associado (312),aparecem:

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

102

11 As demais idades aparecem com um ou dois indivíduos.

Quadro n.º 5 – Estado civil

Solteiros 237Casados 71Viúvos 4

Quadro n.º 7 – Estado civil dos negociantes

Solteiros 59Casados 44Viúvos 1

Quadro n.º 6 – Idade dos negociantes

30 anos 1028, 32, 36, 46 5 em cada (20)23, 25, 26, 27, 34, 38 4 em cada ( 24)21, 29, 31, 33, 35, 37, 40 3 em cada (21)

Total 75 indivíduos

Apontando que a maioria é composta por solteiros, em alguns casos mesmoapós os 40 anos. É marcante o número de solteiros entre 18 e 35 anos. Os casa-dos estão em menor número e o de viúvos é muito baixo. Os casamentos se dãomais a partir dos 35 anos.

Ao analisar a idade do grupo dos negociantes, verifica-se que há negocian-tes em quase todas as faixas etárias, de adolescentes a pessoas com mais idade,embora apareçam em número reduzido. A idade dos negociantes: 16 a 71 anos.

Concentração de idades dos negociantes11

Estado civil dos negociantes

Page 104: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Os solteiros representam mais de 50% desses indivíduos, ao comparar coma tabela das idades, observa-se que eram homens jovens e solteiros que predo-minavam nessa atividade profissional.

Origem geográfica dos negociantes

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

103

Quadro n.º 9 – Estado civil dos trabalhadores

Solteiros 47Casados 10Viúvos 2

Quadro n.º 8 – Origem geográfica dos negociantes

Porto 10 Distrito do Porto 29 = 39Braga 4 Distrito de Braga 14 = 18Vila Real 2 Distrito de Vila Real 10 = 12Viana do Castelo 1 Distrito de Viana do Castelo 9 = 10Viseu 2 Distrito de Viseu 4 = 6Ilhas dos Açores 9 do Faial 2

de São Miguel 3da Terceira (Angra do Heroísmo) 3da Graciosa 1

Ilha da Madeira 3 –

Maior concentração (por distrito)

A maior concentração de negociantes é do continente, embora seja apre-ciável o número daqueles oriundos das ilhas atlânticas.

Estão presentes os açorianos. Dos registros consultados dos 29 açorianosnove eram negociantes, ou seja, quase 1/3. Os madeirenses aparecem em cincoregistros, e desses, três também eram negociantes. Apesar de constituírem umnúmero pequeno representam mais de 50% dos madeirenses matriculadoscomo sócios da Beneficência no período estudado.

Trabalhadores

Idades dos trabalhadores: entre 18 e 71 anos.Concentração de idades dos trabalhadores: entre 20 e 45 anos, destacando-

se os de 20 a 32 anos.

Estado civil dos trabalhadores

Page 105: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Origem geográfica dos trabalhadores

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

104

12 Outros distritos de Portugal aparecem com um caixeiro por distrito.

Quadro n.º 10 – Origem geográfica dos trabalhadores

Porto 9 Distrito do Porto 17 = 21Braga – Distrito de Braga 8 = 8Viana do Castelo – Distrito de Viana do Castelo 4 = 4Vila Real – Distrito de Vila Real 2 = 2Ilhas do Açores 11 Terceira 5

S. Miguel 2Pico 2Faial 1Graciosa 1

Ilha da Madeira 2 –

Maior concentração (por distrito)

Quadro n.º 12 – Origem geográfica dos caixeiros

Braga 3 Distrito de Braga 12 = 15Porto 6 Distrito do Porto 6 = 12Viana do Castelo 5 Distrito de Viana do Castelo = 5Vila Real 1 Distrito de Vila Real 3 = 4Aveiro – Distrito de Aveiro 3 = 3Bragança – Distrito de Bragança 2 = 2Açores 2 – = 2

Maior concentração (por distrito)

Os trabalhadores também são, em sua maioria, jovens e solteiros.Caixeiros – idade dos Caixeiros: entre 13 e 49 anos. Concentração de ida-

des dos caixeiros: entre 18 e 25 anos, seguida dos de 27 a 33 anos. São princi-palmente homens jovens.

Estado civil dos caixeiros

Quadro n.º 11 – Estado civil dos caixeiros

Solteiros 47Casados 2Viúvos 1

Origem geográfica dos caixeiros12

Page 106: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Origem geográfica dos pedreiros13

Carpinteiros: origem geográfica dos carpinteiros

Idade dos pedreiros, entre 21 e 40 anos, os carpinteiros entre 24 e 36 anos.Quanto ao estado civil, os pedreiros eram 10 solteiros e 4 casados, os carpin-teiros 9 e 3, respectivamente.

CONCLUINDO

Ao observar as tabelas verifica-se que os imigrantes portugueses sócios daSociedade Portuguesa de Beneficência eram homens, o que é uma caracterís-tica marcante da emigração portuguesa durante décadas. Esses mesmos sóciossão os trabalhadores e empresários levantados neste estudo, que se radicaramna cidade portuária de Santos para trabalhar.

Nas profissões citadas a maioria é composta por homens jovens e solteiros,provenientes principalmente dos distritos do norte de Portugal, com forte con-centração em torno do distrito do Porto e distritos de Braga e Viana do Castelo(na província do Minho). Há uma apreciável presença açoriana, mas os madei-renses são pouco expressivos.

Tanto entre os negociantes, trabalhadores, caixeiros e outras ocupações atônica é a mesma, revelando o que as estatísticas demonstram sobre a imigra-ção portuguesa para o Brasil no século XIX, homens jovens e solteiros quequando radicados em cidades buscavam atividades ligadas ao comércio e aosserviços. A atividade de negociante chama a atenção, tanto entre os do conti-nente quanto os das ilhas atlânticas. Mesmo não sendo citado o ramo de negó-

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

105

13 Outros distritos, aparecem apenas com 1 indivíduo em cada.

Quadro n.º 13 – Origem geográfica dos pedreiros

Porto 4 Distrito do Porto 4 = 8Braga – Distrito de Braga 3 = 3

Maior concentração (por distrito)

Quadro n.º 14 – Origem geográfica dos carpinteiros

Distrito do Porto 4 ( concelho de Vila Nova de Gaia)Distrito de Braga 3

Maior concentração (por distrito)

Page 107: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cios a que se dedicavam, aparecem em número considerável nos registros con-sultados, enfatizando o potencial econômico de Santos.

Os dados obtidos possibilitam uma continuidade do estudo e um maiorentendimento sobre os lusos em Santos.

2. HOSPITAL DA IRMANDADE SANTA CASA DA MISERICÓR-DIA DE SANTOS

A Irmandade de Misericórdia, desde o seu início, preocupou-se com aassistência hospitalar. Segue a secular tradição portuguesa, desde a época emque D. Isabel de Aragão, esposa de D. Dinis, promoveu a abertura em Alen-quer, no século XIV, de vários hospitais. D. Isabel é considerada, por isso, apredecessora das Misericórdias.

Mais tarde, D. Leonor de Lencastre, esposa de D. José III, dedicou-se àsobras de beneficência, fundando a 15 de agosto de 1498, a Irmandade de Mise-ricórdia em Lisboa.

Várias novas misericórdias vão sendo criadas, e se dedicam então ao ser-viço hospitalar. Assim acontece em Santos, em 1 de novembro de 1543, porincentivo do fidalgo português Brás Cubas, que chegou em janeiro de 1532com a frota de Martim Afonso de Sousa, relacionado com D. João III.

Brás Cubas era neto de Nuno Gonçalves, fundador da Misericórdia doPorto. Inspirando-se na Misericórdia de Portugal, promoveu a instituição deuma Irmandade, iniciando um pequeno hospital junto ao Outeiro de SantaCatarina, no povoado nascente de Santos, com a legenda “Casa de Deus paraos Homens; porta aberta ao mar”.

O hospital atendia os marinheiros portugueses, que aportavam na vila deSantos, e os seus habitantes, pois a região era insalubre por seu clima quente epelos inúmeros pântanos que possuía.

A Misericórdia era muito importante, como destaca o médico Cláudio Luizda Costa (1798-1869), provedor da Irmandade, em relatório de 1837: “Os capi-tães geraes d’esta Província logo que tomavão posse de seus respectivosGovernos punhão – Cumpra-se – n’este Compromisso como que para renovaro vigor desta Lei por uma renovada sanção.

A data destas sancções, a mais remota hé do dia 1.º de Novembro de 1592,41 anos depois que o compromisso foi decretado em Almeirim”.

Após a morte de Brás Cubas (1592), pouco se sabe com detalhes sobre aIrmandade, pois o documento mais antigo, encontrado pelo Provedor CláudioLuiz da Costa, é de 1.º de julho de 1709: “só desta época em diante hé que vosposso fazer uma descripção mais circunstanciada [...]; neste documento háinformações antigas havendo dado a descrição de tudo quanto se passou n’estaIrmandade no longo espaço de 166 anos, perdendo-se, talvez, preciosos docu-mentos”.

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

106

Page 108: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O provedor resenhou a atividade da Irmandade, mostrando “o pequenonúmero de vezes que se reunio, a Mesa desta Irmandade para tratar dos seuspeculiares interesses, desde quando aquelle anno de 1709 até 1830” (espaço de121 anos).

Cláudio Luiz da Costa enceta a recuperação da Irmandade. Em 4 de setem-bro de 1836, é inaugurado o novo hospital junto ao atual Monte Serrat. Em1878 iniciaram as ampliações do hospital devido ao crescimento da população,concluídas em 1902.

É este último hospital que temos presente neste estudo, mas cujo tamanhoem dezembro de 1924 já preocupava a Mesa Administrativa: “Nenhum dosSnrs. mesários ignora o desenvolvimento que está tomando a nossa cidade edentro de pouco tempo o nosso actual hospital será pequeno para attender asnecessidades geraes” (palavra do tesoureiro)14.

Os portugueses tinham presença no hospital, tanto como doentes como fun-cionários.

O Primeiro Relatório15 do provedor Cláudio Luiz da Costa apresenta umquadro de internações coletadas de 1 de outubro de 1831 a 22 de julho de 1837:foram 775 internamentos (623 homens e 152 mulheres).

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

107

14 Primeiro Relatório apresentado à Irmandade da Santa Casa da Misericórdia desta Villa de Santos,em sessão geral ordinária realizada em 22 de junho de 1837, pelo seu provedor Cláudio Luiz daCosta.

15 Ata da 2.ª Sessão Extraordinária de Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de San-tos, em 24 de dezembro de 1924. O quarto e atual Hospital é inaugurado somente em 2 de julhode 1945, nas festividades de Santa Isabel, padroeira das Santas Casas, com a presença do entãopresidente da República, Getúlio Vargas.

16 Há erro de soma na última parcela. O texto consultado é cópia datilografada, mas ele, maisadiante, contém a observação referente à existência de um terço de portugueses internados.

São tratados:

Marinheiros 278Pobres 424Curados à sua custa 73

–––––775

Quadro n.º 1516

Filhos de Portugal 258Filhos da Província de São Paulo 182Filhos da África, livres, libertos e escravos 98Filhos de outras Províncias do Império 83Outros estrangeiros 61

Total 775

Page 109: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

108

Qua

dro

n.º

16 –

Liv

ro d

e re

gist

ro d

e em

preg

ados

da

Sant

a C

asa

de M

iser

icór

dia

de S

anto

s n.

º 2

(188

6-18

91)

José

de

Mag

alhã

es B

asto

sPo

rtug

uês

32 a

nos

[185

8]18

/12/

1890

Enf

erm

eiro

p. 3

6M

anoe

l Ant

onio

Gom

esC

have

s30

ano

s [1

857]

29/0

8/18

87E

nfer

mei

rop.

37

Abe

l Cor

reia

Vie

gas

Am

eal d

o C

ampo

23/0

6/18

87Se

rven

tep.

39

João

Ant

onio

Cox

oC

have

s30

ano

s [1

856]

04/0

5/18

86E

nfer

mei

rop.

43

Adr

iano

Rod

rigu

esPo

rto

23 a

nos

[186

7]12

/04/

1890

Enf

erm

eiro

p. 4

9D

omin

gos

Rod

rigo

s N

etto

Aba

cás

40 a

nos

[184

9]13

/06/

1889

Aju

dant

e de

enf

erm

agem

p. 4

9 V

irgi

nia

de J

esus

Car

doso

São

João

24 a

nos

[186

7]09

/01/

1891

Enf

erm

eira

p. 7

0A

nton

io E

spig

asV

ila R

eal

23 a

nos

[186

6]20

/02/

1889

Aju

dant

e de

enf

erm

agem

p. 7

7A

nton

io ?

Vila

Rea

l ?25

ano

s [1

865]

08/1

2/18

90A

juda

nte

de e

nfer

mag

emp.

78

Ant

onio

Hen

riqu

ePo

rtug

uês

26 a

nos

[186

3]11

/12/

1889

Aju

dant

e de

enf

erm

agem

p. 8

3M

anoe

l Mar

ques

Car

ram

anha

27 a

nos

[186

1]15

/11/

1888

Jard

inei

rop.

97

Ant

onio

Cor

reia

Vie

gas

Am

eaal

do

Cam

po44

ano

s [1

840]

10/0

1/18

84Se

rven

tep.

105

Silv

eira

Nar

cizo

Lau

zano

26 a

nos

[186

4]20

/05/

1890

Serv

ente

p. 1

06A

nton

io M

aria

de

Oliv

eira

Port

uguê

s39

ano

s [1

851]

11/0

7/18

90Se

rven

tep.

107

Ant

onio

Car

ram

anho

Am

eal d

o C

ampo

50 a

nos

28/0

7/Se

rven

tep.

113

João

Pin

to d

o C

arm

oPo

rto

28 a

nos

[186

2]26

/08/

1890

Serv

ente

p. 1

15Jo

aqui

m R

ibei

roC

onse

lho

33 a

nos

[185

8]12

/01/

1891

Serv

ente

de

[far

mác

ia]

p. 1

15M

anoe

l Per

eira

Vaz

Vila

Rea

l24

ano

s [1

867]

19/0

1/18

90Se

rven

tep.

116

José

Bis

poC

oim

bra

28 a

nos

[186

3]13

/01/

1891

Serv

ente

p. 1

18M

anoe

l Bap

tista

Vila

Rea

l24

ano

s [1

867]

15/0

1/18

91Se

rven

tep.

118

Man

oel S

anfi

nsA

bacá

s26

ano

s [1

861]

31/0

6/18

87Se

rven

tep.

121

Joaq

uim

Sim

ões

Am

aro

Parc

os35

ano

s [1

855]

01/0

3/18

90Se

rven

tep.

125

Man

oel d

os S

anto

sC

oim

bra

40 a

nos

[184

8]05

/08/

1888

Serv

ente

p. 1

29Jo

aqui

m F

erre

ira

Con

selh

o G

eral

33 a

nos

[186

7]16

/05/

1890

Serv

ente

p. 1

30D

anie

l Per

eira

Vaz

Aba

cás

23 a

nos

[186

7]24

/11/

1890

Serv

ente

de

[coz

inha

]p.

132

Ant

onio

Fer

nand

esPo

rtug

uês

24/1

1/18

89Se

rven

tep.

135

Man

oel P

erei

ra V

azV

ila R

eal

52 a

nos

[183

8]19

/11/

1890

Serv

ente

p. 1

35Jo

sé R

amad

aPo

rtug

uês

24/1

1/18

90Se

rven

tep.

135

João

Mar

tins

Ilha

da

Mad

eira

28 a

nos

[186

2]17

/10/

1890

Serv

ente

p. 1

36M

anoe

l Bap

tista

Vila

Rea

l21

ano

s [1

868]

09/1

1/18

89A

juda

nte

de c

ozin

hap.

141

Lui

z N

unes

Ilha

de

São

Mig

uel

19 a

nos

[187

1]15

/11/

1890

Serv

ente

p. 1

44R

oque

Cor

rêa

Teix

eira

Vila

Rea

l15

ano

s [1

875]

02/0

2/18

90A

juda

nte

de c

ozin

hap.

145

João

Car

dozo

Mot

taA

rzila

r ,C

oim

bra(

?)40

ano

s [1

850]

10/0

4/18

90C

ozin

heir

op.

150

José

Bri

gas

Aba

cás

25 a

nos

[186

4]08

/03/

1889

Coz

inhe

iro

p. 1

57M

aria

Alv

esV

ila R

eal

17 a

nos

[187

2]26

/02/

1889

Lav

adei

rap.

165

Mar

ia B

riga

sA

bacá

s32

ano

s [1

858]

15/0

5/18

90L

avad

eira

p. 1

71M

aria

Jac

a Fe

rnan

des

Vila

Rea

l30

ano

s [1

860]

24/1

2/18

90L

avad

eira

p. 1

73Jo

ão S

imõe

sL

ouzã

22 a

nos

[186

8]01

/10/

1890

Serv

ente

0p.

195

Nom

eN

atur

alid

ade

Nas

cim

ento

Reg

istr

oP

rofi

ssão

Pág

inas

Page 110: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

109

Quadro n.º 17 – Total de empregados portugueses da Santa Casa de Misericórdia de Santos (entradas de 1886 a 1891)

Homens: 34Mulheres: 4

Entrada no hospital1886: 11887: 11888: 31889: 7

1890: 191891: 4

ProfissõesServentes: 21

Enfermagem: 9Cozinha: 4

Jardineiro: 1Lavandeira: 3

Data de nascimento (aproximada)1838: 2

1840 a 1849: 31850 a 1859: 8

1860: a 1869: 191870 a 1879: 3

Sem especificação: 3

Naturalidade dos portuguesesSem especificação: 8

Nenhuma 5Incompleta 2

Sem localização 1

Distrito de Coimbra: 8Coimbra 2

Lousa 1Lanzano 1

Amial do Campo 3Carramanha 1

Distrito de Vila Real: 16Vila Real 9

Chaves 2Abacás 5

Leiria: 1São João 1

Porto: 2

Ilhas: 2Madeira 1

S. Miguel 1

Page 111: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

110

Qua

dro

n.º

18 –

Liv

ro d

e re

gist

ro d

e em

preg

ados

da

Sant

a C

asa

de M

iser

icór

dia

de S

anto

s (1

889-

1940

)

José

Mar

ia C

oelh

oSa

mue

l, C

oim

bra

11/0

9/18

8312

/03/

1906

Enf

erm

eiro

p. 5

Julia

Are

ias

( F)

Tra

z do

s M

onte

s28

/02/

1890

01/0

3/19

07L

avan

deri

ap.

5Fe

lisbe

lta d

e Je

sus

( F)

Coi

mbr

a24

/06/

1874

04/0

6/19

08Pa

rtei

rap.

6A

than

azio

Mar

tins

Lis

boa

18/0

4/18

9214

/02/

1912

Maq

uini

sta

p.8

Ant

onio

Nev

esC

oim

bra

29/1

2/18

8015

/11/

1910

Enf

erm

eiro

p.9

Eva

rist

o Pe

res

Coi

mbr

a07

/09/

1894

13/0

8/19

15E

nfer

mei

rop.

13M

aria

Ros

a G

onça

lves

(F)

Vila

Rea

l 15

/09/

1883

01/0

1/19

15L

avan

deir

ap.

14M

anoe

l Fer

reir

a N

eto

Pere

ira

do C

ampo

30/0

7/18

7508

/05/

1918

Jard

inei

rop.

17A

nton

io F

erre

ira

Mat

a M

ouri

sca,

Lei

ria

14/1

0/18

9308

/03/

1919

Enf

erm

eiro

p.19

Edu

ardo

San

tos

Cur

ral d

as V

acas

06/0

6/18

9428

/04/

1921

Enf

erm

eiro

p.20

Vic

tori

no M

orei

raPe

nafi

el (

Port

o)14

/10/

1899

24/0

4/19

21Fo

guis

tap.

21Fr

anci

sco

Serp

a Q

uare

sma

Góe

s, D

. Coi

mbr

a28

/09/

1900

24/0

3/19

22E

nfer

mei

rop.

21C

esar

Aug

usto

Gui

mar

ães

Anc

ião,

Lei

ria

25/0

3/18

7901

/04/

1922

Esc

ritu

rári

op.

22V

irgí

lio C

orre

a A

bran

ches

Vila

Nov

a de

Poi

ares

, D. C

oim

bra

11/0

1/19

0725

/03/

1923

Enf

erm

eiro

p.23

José

Nun

esA

baça

s (V

ila R

eal)

19/0

9/18

9505

/05/

1924

Of.

de

farm

ácia

p.26

João

Jos

é do

s Sa

ntos

Port

uguê

s18

7801

/07/

1924

Serv

ente

p.27

José

Mon

teir

oPa

ião,

D. C

oim

bra

19/0

2/19

0012

/09/

1924

Enf

erm

aria

p.27

Abí

lio A

ntun

es d

a C

osta

Seix

o da

Bei

ra?

10/0

6/19

25Ja

rdin

eiro

p.30

Sara

da

Pied

ade

Ferr

eira

(F)

Port

o 01

/12/

1908

03/0

8/19

25L

avan

deir

ap.

31M

athe

us R

odri

gues

Gon

çalv

esPo

rto

25/0

8/19

0130

/05/

1926

Enf

erm

eiro

p.36

ngel

o de

Oliv

eira

Am

ado

Coi

mbr

a18

/05/

1900

27/0

7/19

26C

hofe

rp.

37Jo

sé A

ugus

to C

ardo

soM

arco

, D. C

oim

bra

18/1

1/19

0202

/08/

1926

Serv

ente

p.38

José

Car

doso

Cav

alo

Coi

mbr

a01

/11/

1894

26/1

0/19

26C

opei

rop.

40M

anoe

l Fra

ncis

co F

elix

Póvo

a de

Var

zim

, Por

to02

/05/

1894

11/0

1/19

27C

opei

rop.

40Si

meã

o Fo

nsec

aC

oim

bra

28/0

8/19

0325

/02/

1927

Enf

erm

eiro

p.43

José

Mat

heus

Laz

aro

Coi

mbr

a03

/02/

1906

Junh

o 19

27E

nfer

mei

rop.

45L

eno

Aug

usto

de

Oliv

eira

Lis

boa

29/0

3/19

02A

go. 1

927

Enf

erm

eiro

p.46

Ber

nard

ino

Frei

re C

linio

Pene

lla30

/11/

1892

Ago

. 192

7Se

rven

tep.

46Fr

anci

sco

Men

des

da S

ilva

Lou

reir

os, D

. Lei

ria

03/1

2/18

8013

/10/

1927

Alm

oxar

ifad

op.

48Jo

sé A

nton

io d

e A

nciã

es P

roen

çaPr

ova,

D. G

uard

a17

/01/

1882

24/0

1/19

28Se

rven

tep.

50Q

uint

ino

G. P

asso

sPo

rto

22/0

9/18

8729

/03/

1928

Serv

ente

p.51

Nom

eP

rofi

ssão

Loc

alD

ata

de a

dmis

são

Dat

a de

nas

cim

ento

Loc

al d

e na

scim

ento

(con

tinu

a na

pág

ima

segu

inte

)

Page 112: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

111

Qua

dro

n.º

18 –

Liv

ro d

e re

gist

ro d

e em

preg

ados

da

Sant

a C

asa

de M

iser

icór

dia

de S

anto

s (1

889-

1940

) (c

onti

nuaç

ão)

Mar

ia N

ativ

idad

e M

athe

us (

F)S.

Eug

enia

, Vila

Rea

l24

/06/

1911

26/0

6/19

28Se

rven

tep.

53M

aria

Aug

usta

Per

eira

(F)

Lis

boa

26/0

1/19

0927

/10/

1928

Enf

erm

eira

p.56

Ant

onio

de

Alm

eida

Mon

teir

oB

elid

e de

Cam

po23

/02/

1882

19/0

1/19

12E

nfer

mei

rop.

57Fr

anci

sco

Avi

dago

Vila

Rea

l01

/01/

1894

14/0

1/19

29Se

rven

tep.

58Ju

lio d

os S

anto

s B

atal

haC

oim

bra

11/1

1/18

9802

/02/

1929

Serv

ente

p.60

João

Aff

onso

Mat

heus

Alij

o (o

u A

leijó

) de

Dou

ro12

/09/

1891

18/0

5/19

29Fa

rmác

iap.

62Jo

sé F

erre

ira

Nor

teC

oim

bra

25/0

3/18

9811

/10/

1929

Enf

erm

eiro

p.63

Abe

l de

Oliv

eira

Lor

eto

Con

deix

a a

Vel

ha, D

. Coi

mbr

a28

/05/

1899

28/1

0/19

29Se

rven

tep.

66M

arga

rida

Rod

rigu

es (

F)Po

rtug

uesa

Não

con

ta04

/01/

1930

Serv

ente

coz

inha

p.67

Sara

Are

ias

(F)

Vila

Rea

l24

/06/

1904

01/0

2/19

30L

avan

deri

ap.

68M

anoe

l Gon

çalv

esC

oim

bra

24/0

4/19

1103

/09/

1930

Serv

ente

p.76

Naz

aret

h da

s N

eves

(F)

Pom

bal,

D. L

eiri

a10

/03/

1903

18/1

0/19

30Se

rven

tep.

77A

lbin

o de

Jes

us M

artin

sPo

rtug

uês

28/0

2/19

0516

/01/

1931

Esc

ritu

rári

op.

80Jo

sé F

ranc

isco

Vila

da

Rai

nha

01/0

5/18

7726

/01/

1931

Serv

ente

p.81

Joaq

uim

Acá

cio

Mor

eira

Pena

fiel

30/0

5/18

9812

/02/

1931

Serv

ente

p.82

Ant

onio

dos

San

tos

Sour

e, C

oim

bra

18/0

4/18

9917

/03/

1931

Serv

ente

p.83

Arm

ênio

Fer

reir

a A

lves

Ave

iro

28/0

9/19

0417

/09/

1931

Serv

ente

p.87

Bea

triz

Am

ado

(F)

Coi

mbr

a17

/03/

1912

02/0

3/19

32L

avan

deir

ap.

98M

anoe

l Nun

esPo

rtug

uês

Não

con

ta01

/11/

1932

Serv

ente

p.11

1E

rmel

inda

dos

Anj

os (

F)Pr

ov. d

e V

inha

es17

/04/

1894

02/0

2/19

31C

ozin

hap.

94Jo

aqui

m M

artin

sV

ila N

ova

Mon

sarr

os03

/02/

1879

06/0

6/19

26Ja

rdin

eiro

p.96

João

Bap

tista

de

Oliv

eira

Port

uguê

snã

o co

nsta

28/0

9/19

33ch

ofer

-M

anoe

l Rod

rigu

esPo

rtug

uês

não

cons

ta21

/10/

1933

serv

iço

em c

omis

são

-A

nton

io d

e So

uza

Cap

ello

Port

uguê

s29

/10/

1899

17/0

2/19

34A

juda

nte

de e

nfer

mei

ro-

Julio

dos

San

tos

Pene

la07

/10/

1900

11/0

2/19

34se

rviç

o em

com

issã

o-

Nom

eP

rofi

ssão

Loc

alD

ata

de a

dmis

são

Dat

a de

nas

cim

ento

Loc

al d

e na

scim

ento

Est

e liv

ro n

.º 3

(18

89-1

940)

apr

esen

ta d

ados

mai

s co

mpl

etos

(co

m r

equi

sito

s a

sere

m c

ompl

etad

os im

pres

sos)

. Há

outr

as r

efer

ênci

as c

omo

dem

issã

o, p

enal

idad

es, s

alár

ios

rece

bido

s, r

esid

ênci

a. O

s po

r-tu

gues

es c

onco

rrem

em

núm

ero

com

os

espa

nhói

s e

com

os

próp

rios

nac

iona

is. A

perm

anên

cia

no e

mpr

ego

é m

aior

, sab

endo

-se

que

no f

inal

da

la. D

écad

a do

séc

ulo

XX

a c

idad

e já

est

á em

gra

nde

part

e sa

nead

a.

Page 113: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

112

Qua

dro

n.º

19 –

Irm

ãos

da S

anta

Cas

a de

Mis

eric

órdi

a de

San

tos

– P

ortu

gues

es

Ant

onio

L. T

eixe

ira

10/0

7/18

6701

/10/

1943

Ilha

da

Mad

eira

31/0

5/19

24Pr

opri

etár

ioA

nton

io d

as N

eves

25/0

2/18

8610

/05/

1953

Sant

a C

omba

da

Seia

31/0

5/19

24C

omér

cio

Ant

onio

Nev

es29

/12/

1878

10/0

6/19

41B

eira

Alta

10/0

6/19

30E

nfer

mei

roA

nton

io A

ugus

to R

amos

14/0

3/18

7503

/06/

1960

Val

e do

s L

adrõ

esfe

v. 1

924

Apo

sent

ado

Ant

onio

Fer

reir

a14

/10/

1893

29/0

4/19

57D

istr.

de

Lei

ria

30/0

3/19

23E

nfer

mei

roA

nton

io d

e A

ndra

de R

ibei

ro20

/11/

1885

26/1

2/19

59D

istr.

Gua

rda

10/0

6/19

30C

omér

cio

Ant

onio

Rod

rigu

es d

e Fr

eita

s13

/08/

1889

17/0

3/19

53Il

ha d

a M

adei

ra30

/08/

1939

Com

erci

ante

Ant

onio

Pal

heir

as27

/06/

1877

18/0

2/19

52M

iran

della

10/0

6/19

30C

omer

ciár

ioA

nton

io d

e O

livei

ra V

entu

ra10

/02/

1872

29/0

7/19

58Fr

egue

sia

das

Febr

es29

/06/

1921

Prop

riet

ário

Ant

onio

Pin

to11

/05/

1890

30/0

8/19

59Po

rto

27/0

6/19

22ag

ricu

ltor

Ant

onio

Tav

eira

---

04/0

4/19

40N

ão C

onst

a11

/12/

1912

Com

érci

oA

rist

ides

Cab

rera

Cor

rea

da C

unha

08/0

3/18

9027

/05/

1952

Bra

ga14

/04/

1913

Com

erci

ante

Arm

indo

Alv

es V

illel

a27

/07/

1887

28/0

6/19

58V

ila R

eal

21/0

9/19

23C

omér

cio

Arm

indo

do

Nas

cim

ento

07/0

2/19

0004

/04/

1960

Tra

ncos

o05

/01/

1942

Com

erci

ante

Ave

lino

Ferr

eira

Gui

mar

ães

12/1

1/18

9330

/05/

1959

Port

o31

/07/

1925

Ope

rári

oA

nton

io R

odri

gues

17/0

9/18

8426

/06/

1961

Coi

mbr

a27

/08/

1915

Enf

erm

eiro

Ant

onio

Aug

usto

Ram

os25

/09/

1892

27/0

3/19

52G

uard

a31

/08/

1926

Com

erci

ante

Ant

onio

Fre

ire

---

27/0

5/19

59N

ão C

onst

a06

/12/

1935

Com

erci

óA

ugus

to F

erna

ndes

Men

des

08/0

6/18

7327

/04/

1953

Esp

inha

l21

/08/

1921

Jard

inei

roA

lexa

ndre

Bap

tista

Per

eira

22/0

5/18

8706

/04/

1952

Ilha

da

Mad

eira

28/0

3/19

24C

omér

cio

Adr

iano

Rod

rigu

es G

atto

---

22/0

9/19

45L

eiri

a18

/01/

1945

Com

érci

oA

lber

to d

a C

osta

21/0

4/18

8822

/10/

1962

Vis

eu28

/03/

1924

Alf

aiat

eA

lber

to G

omes

Fer

ram

enta

16/1

2/19

0113

/04/

1950

Gal

afur

a23

/10/

1942

Ferr

oviá

rio

Álv

aro

Cor

rea

da S

ilva

13/1

0/18

9317

/12/

1944

Prov

ínci

a do

Dou

ro28

/03/

1924

Com

erci

oA

lbin

o Fe

rrei

ra P

aulo

---

13/0

3/19

40N

ão C

onst

a22

/09/

1928

Alf

aiat

eA

lber

to d

e O

livei

ra S

anto

s09

/01/

1875

13/0

2/19

51Po

rto

23/1

1/19

28In

dust

rial

ngel

o B

erna

rdo

23/0

8/18

7930

/12/

1952

Val

e de

la-M

ula

( G

uard

a)19

/03/

1951

Agr

icul

tor

Ant

onio

Loi

o M

oita

---

30/0

6/19

57C

onde

ixa-

a-N

ova

27/1

2/19

51Pe

drei

roA

nton

io L

oure

nço

Gom

es09

/10/

1878

27/0

3/19

48M

aced

o (M

inho

)17

/03/

1913

Neg

ocia

nte

Cas

emir

o de

Que

iroz

15/0

2/18

8212

/09/

1957

Port

o26

/04/

1915

Prop

riet

ário

Con

stan

tino

Pere

ira

Alv

es--

-04

/10/

1949

Con

s. M

atos

inho

– D

ouro

10/0

7/19

30C

arpi

ntei

ro

Nom

eA

dmis

são

Em

preg

oL

ocal

idad

eM

orte

Nas

cim

ento

(con

tinu

a na

pág

ima

segu

inte

)

Passamos a recolher os dados dos prontuários dos Irmãos da Irmandade daSanta Casa de Misericórdia de Santos, onde encontramos informações sobre osportugueses, referentes à profissão e a alguns aspectos de suas vidas.

Page 114: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

113

Qua

dro

n.º

19 –

Irm

ãos

da S

anta

Cas

a de

Mis

eric

órdi

a de

San

tos

– P

ortu

gues

es (c

onti

nuaç

ão)

Deo

clec

iano

Pom

peu

Ferr

eira

13/0

6/18

9725

/09/

1951

Gua

rda

31/1

2/19

26N

egoc

iant

eD

omin

gos

dos

Sant

os18

/12/

1899

19/0

7/19

58N

ão C

onst

a30

/11/

1934

Ope

rári

oE

vari

sto

Pire

s07

/09/

1894

19/0

1/19

54C

oim

bra

10/0

6/19

30E

nfer

mei

roE

rnes

to M

athi

as10

/05/

1884

21/1

1/19

59C

oim

bra

23/0

7/19

13C

omer

cian

teE

rnes

to d

e A

raúj

o L

acer

da--

-02

/03/

1959

Não

Con

sta

30/1

2/19

25C

omér

cian

teE

myg

dio

da C

osta

09/0

3/18

9020

/04/

1960

São

João

de

Lor

osa

30/1

1/19

25N

egoc

iant

eFr

anci

sco

de F

igue

ired

o Sá

23/1

2/18

6930

/07/

1951

Viz

eu12

/11/

1910

Com

érci

oFr

anci

sco

Fons

eca

11/0

7/18

8029

/07/

1962

Ori

go11

/06/

1930

Ope

rári

oFr

anci

sco

Cas

tro

Jr.

16/0

2/18

7311

/01/

1946

Não

Con

sta

19/0

4/19

28Po

rtuá

rio

Fran

cico

Car

los

15/0

4/18

7729

/04/

1940

Não

Con

sta

19/0

8/19

27Fu

nc. m

unic

ipal

Fran

cisc

o B

ento

de

Car

valh

o--

-30

/07/

1944

Não

Con

sta

10/0

5/18

94C

omer

cian

teJo

ão A

ugus

to R

ibei

ro27

/06/

1889

---

V. R

eal T

rás

dos

Mon

tes

28/0

4/19

21Po

rtuá

rio

João

Cer

quei

ra16

/01/

1868

---

inco

mpl

eto

João

Con

stan

tino

24/1

2/18

9023

/02/

1961

não

cons

ta; a

dm.

06/0

7/19

28M

otor

neir

o (b

onde

)Jo

ão F

elix

da

Silv

a19

/02/

1884

04/1

2/19

60C

ons.

Vin

haes

; adm

.10

/06/

1930

Com

erci

ário

João

da

Silv

a Pi

men

ta10

/03/

1886

12/1

0/19

61N

ão C

onst

a10

/08/

1940

Ferr

ador

João

Man

oel A

mie

iro

20/0

5/19

0031

/05/

1962

não

cons

ta28

/03/

1924

Ens

acad

orJo

ão P

aes

Mac

hado

---

11/0

8/19

61--

--31

/12/

1917

Prop

riet

ário

João

Ran

ulph

o de

Mat

tos

27/0

5/18

8130

/04/

1946

Ald

eia

Oliv

eira

Bar

reir

o10

/06/

1908

Prop

riet

ário

Joaq

uim

Cor

rea

de A

ndra

de17

/01/

1867

---

Port

. nat

.Bra

sil

30/0

9/19

26O

perá

rio

Joaq

uim

Fer

nand

es B

aeta

---

17/0

1/19

58N

ão C

onst

a13

/06/

1927

Gar

çon

Joaq

uim

Fer

reir

a C

oelh

o--

----

-N

ão C

onst

a19

/10/

1916

Cap

italis

taJo

aqui

m P

edro

dos

San

tos

29/1

1/18

6819

/11/

1940

Mur

tede

, Coi

mbr

a10

/01/

1910

Prop

riet

ário

Joaq

uim

Pitt

a28

/10/

1896

06/0

7/19

51Il

ha d

a M

adei

ra30

/06/

1924

Mec

ânic

oJo

sé A

ugus

to A

mie

iro

28/0

9/18

7606

/02/

1946

?V

ila P

rove

zend

e30

/06/

1923

Alf

aiat

eJo

sé d

a C

osta

08/0

3/18

9605

/03/

1945

Viz

eu15

/02/

1927

Em

pres

. de

pint

ura

José

da

Cos

ta08

/08/

1873

11/0

6/19

62V

ila d

a R

ainh

a31

/12/

1926

Aux

. enf

erm

agem

José

Dia

s do

s Sa

ntos

1897

---

Port

uguê

s na

tura

lizad

o n.

20/0

1/19

42M

otor

ista

José

Fer

reir

a C

outo

14/0

9/18

7731

/01/

1944

Freg

uesi

a de

S.D

iego

19/0

8/19

27C

omer

cian

teJo

sé G

onça

lves

---

08/0

1/19

42Il

ha d

a M

adei

ra28

/07/

1922

Ope

r. lim

peza

pub

.

Nom

eA

dmis

são

Em

preg

oL

ocal

idad

eM

orte

Nas

cim

ento

(con

tinu

a na

pág

ima

segu

inte

)

Page 115: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

114

Qua

dro

n.º

19 –

Irm

ãos

da S

anta

Cas

a de

Mis

eric

órdi

a de

San

tos

– P

ortu

gues

es (c

onti

nuaç

ão)

José

Joã

o do

s Sa

ntos

02/0

9/18

7915

/04/

1944

S.Pe

dro

do S

ul30

/06/

1926

Ron

da n

otur

no S

CJo

sé J

oaqu

im M

arqu

es21

/04/

1871

30/0

4/19

49R

iba

de M

oura

28/1

1/19

21N

egoc

iant

eJo

sé M

aria

Car

neir

o--

-16

/09/

1944

Não

Con

sta

30/1

0/19

25Fe

rrov

iári

o SP

RJo

sé M

aria

Coe

lho

11/0

9/18

8220

/05/

1956

Sam

uelle

30/1

1/19

39E

nfer

mei

ro S

.Cas

aJo

sé M

aria

Gon

çalv

es27

/12/

1876

15/1

1/19

47C

ons.

de

Vin

haes

Não

Con

sta

Prof

esso

rJo

sé N

unes

19/0

9/18

9525

/03/

1948

Vila

Rea

l10

/06/

1930

Ofi

c. f

arm

ácia

SC

José

Rod

rigu

es P

erei

ra19

/04/

1881

09/1

1/19

42C

ons.

de

Rez

ende

19/0

3/19

28O

perá

rio

José

Ade

lino

Cor

rea

05/0

3/18

7506

/09/

1960

Lou

zã16

/10/

1919

Com

érci

oJo

sé A

ntôn

io d

e A

nciã

es P

roen

ça17

/01/

1882

23/0

5/19

50M

êda,

Con

s. A

velo

uso

22/1

1/19

29Se

rven

teJo

sé A

lípio

Pin

heir

o19

/04/

1881

07/0

9/19

54C

oim

bra

31/0

7/19

21O

perá

rio

José

Ant

unes

Rod

rigu

es28

/03/

1887

20/0

8/19

54N

ão C

onst

a20

/09/

1950

(6?)

Não

con

sta

José

da

Silv

a Ta

vare

s--

-20

/05/

1943

Não

Con

sta

28/0

3/19

24B

arbe

iro

José

Sim

ões

Dua

rte

14/1

0/18

9514

/12/

1962

Fare

llo30

/06/

1923

Car

pint

eiro

José

do

Val

le Q

uare

sma

02/1

0/18

9010

/02/

1960

Não

Con

sta

28/0

3/19

24C

omér

cio

José

Vaz

de

Oliv

eira

02/0

7/18

8226

/06/

1959

Lam

ego

30/1

1/19

25C

ondu

t. ve

ícul

osL

uiz

Paiv

a N

ovo

19/1

0/18

7226

/12/

1953

Coi

mbr

a30

/06/

1923

Com

erci

ante

Man

oel A

nton

io d

a Si

lva

13/1

2/18

9615

/06/

1961

Dis

trito

de

Lei

ria

10/0

6/19

30Fu

nci..

Doc

asM

anoe

l de

Ara

újo

21/1

0/18

9719

/01/

1953

Póvo

a de

Var

zim

01/0

2/19

39M

oço

(?)

Man

oel B

arri

a--

-15

/12/

1944

Não

Con

sta

30/1

1/19

25O

perá

rio

Man

oel D

uart

e17

/03/

1898

-23

/09/

1948

Bei

ra A

lta31

/08/

1925

Ope

rári

oM

anoe

l Fer

nand

es d

os S

anto

s06

/11/

1890

19/1

1/19

53N

ão C

onst

a30

/11/

1934

Com

erci

ante

Man

oel F

erre

ira

Nor

te30

/07/

1875

11/1

1/19

42C

oim

bra

10/0

6/19

30Ja

rdin

eiro

Man

oel d

e Je

sus

Ram

os08

/01/

1870

04/1

1/19

51D

istr

ito d

e V

iseu

30/0

6/19

23A

lfai

ate

Man

oel J

oaqu

im C

ardo

so--

-28

/01/

1945

Não

Con

sta

18/0

4/19

11N

egoc

iant

eM

anoe

l Lop

es d

os S

anto

s[1

896]

06/0

7/19

50D

istr

ito d

o M

inho

21/0

3/19

42N

ão c

onst

aM

anoe

l Mac

hado

de

Mel

lo21

/03/

1863

19/0

1/19

41D

istr.

de

Povo

ação

28/1

0/19

38T

rab.

ope

rári

oM

anoe

l Mar

ques

Fer

reir

a Jr

---

02/0

2/19

39N

ão C

onst

a25

/02/

1921

9C

omer

cian

teM

anoe

l Mar

tins

Mor

eira

56 a

nos[

1894

]16

/01/

1958

Proe

nça

a N

ova

13/1

2/19

50C

omer

ciár

ioM

anoe

l Men

des

Rol

lo22

/09/

1889

12/0

6/19

53N

ão C

onst

a19

/04/

1928

Alf

aiat

eM

anoe

l Men

des

Bat

ista

Jr.

09/0

5/19

0223

/12/

1962

Anc

ião

08/0

4/19

53C

omer

cian

teM

anoe

l Mon

teir

o--

-05

/01/

1940

Não

Con

sta

15/0

1/19

37Pa

deir

o

Nom

eA

dmis

são

Em

preg

oL

ocal

idad

eM

orte

Nas

cim

ento

(con

tinu

a na

pág

ima

segu

inte

)

Page 116: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

115

Qua

dro

n.º

19 –

Irm

ãos

da S

anta

Cas

a de

Mis

eric

órdi

a de

San

tos

– P

ortu

gues

es (c

onti

nuaç

ão)

Man

oel M

orga

do--

-14

/09/

1960

Não

Con

sta

27/0

5/19

22N

ão c

onst

aM

anoe

l Per

eira

Fir

min

o23

/11/

1881

22/1

2//1

960

Port

o30

/03/

1922

Com

erci

ante

Man

oel d

os S

anto

s C

atar

inha

25/1

2/18

9102

/12/

1941

Folg

ozin

ho27

/06/

1924

Pade

iro

Man

oel R

amos

1887

21/0

8/19

43N

ão C

onst

a15

/02/

1927

Prop

riet

ário

Man

oel M

artin

s Fo

ntes

05/0

3/18

8912

/05/

1962

Can

ella

s10

/06/

1930

Ope

rári

oM

anoe

l de

Souz

a[1

892]

25/0

9/19

53N

ão C

onst

a22

/09/

1928

Car

pint

eiro

Mal

aqui

as A

nton

io M

arce

lino

---

26/1

0/19

39N

ão C

onst

a28

/02/

1926

Dom

éstic

oPl

ácid

o Fe

rrei

ra d

And

rade

---

jan.

1940

Não

Con

sta

09/0

8/18

88O

perá

rio

Pom

peu

Aug

usto

dos

San

tos

07/1

2/18

8617

/05/

1957

Lou

sa30

/11/

1926

[pro

prie

tári

oR

achi

de d

e A

breu

Mau

á13

/08/

1883

---

Coi

mbr

a30

/10/

1923

Neg

ocia

nte

Nom

eA

dmis

são

Em

preg

oL

ocal

idad

eM

orte

Nas

cim

ento

Apresentamos separadamente o elemento feminino, pois a maioria édoméstica, ou seja, do lar.

Page 117: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

116

Qua

dro

n.º

20 –

Irm

ãs d

a Sa

nta

Cas

a de

Mis

eric

órdi

a de

San

tos.

Por

tugu

esas

adm

. 1.ª

met

ade

séc.

XX

Ade

laid

e M

igue

is d

os S

anto

s05

/12/

1881

18/1

2/19

49L

isbo

a24

/11/

1947

Mas

sagi

sta

Adí

lia A

ugus

ta L

opes

08/0

1/18

7621

/10/

1957

Trá

s do

s M

onte

s13

/06/

1927

Dom

éstic

aA

lber

tina

de J

esus

11/0

6/18

9101

/05/

1951

Não

Con

sta

20/0

9/19

50D

omés

tica

Alb

ina

Rib

eiro

---

01/0

1/19

45N

ão C

onst

a15

/02/

1927

Dom

éstic

aA

nna

Con

ceiç

ão P

into

19/0

3/18

6606

/12/

1945

Não

Con

sta

29/0

8/19

22D

omés

tica

Ann

a de

Jes

us C

oelh

o21

/01/

1884

28/0

6/19

62Sa

mue

lle19

/10/

1916

Dom

éstic

aA

nna

de O

livei

ra C

arne

iro

[189

2]17

/06/

1962

Prai

a de

Esp

inho

23/0

6/19

16D

omés

tica

Ant

ônia

da

Con

ceiç

ão F

erna

ndes

25/0

1/18

8015

/04/

1950

Não

Con

sta

28/0

3/19

24D

omés

tica

Ant

onia

de

Jesu

s18

/03/

1854

14/0

7/19

41N

ão C

onst

a30

/06/

1923

Não

Con

sta

Aur

ora

dos

Sant

os30

/11/

1892

14/0

7/19

61L

isbo

a31

/05/

1925

Dom

éstic

aB

árba

ra d

e Je

sus

Pint

o05

/02/

1868

25/1

2/19

45V

ila R

eal

19/0

4/19

38D

omés

tica

Elis

a A

lves

de

Frei

tas

09/0

4/18

9927

/01/

1951

Ilha

da

Mad

eira

19/0

4/19

28D

omés

tica

Em

ilia

Pere

ira

11/1

2/18

8526

/07/

1950

Port

o30

/06/

1924

Dom

éstic

aE

mili

a Pe

reir

a11

/12/

1885

26/0

7/19

50Po

rto

30/0

6/19

24D

omés

tica

Erm

elin

da d

e So

uza

Pinh

eiro

26/1

2/18

9724

/01/

1955

Não

Con

sta

26/1

1/19

52D

omés

tica

Felis

bella

de

Jesu

s25

/06/

1873

27/0

3/19

46**

Pene

las,

Coi

mbr

a12

/04/

1940

Dom

éstic

aFl

orin

da d

e M

erce

des

---

22/0

7/19

43Sã

o M

igue

l23

/11/

1928

Não

Con

sta

Gra

cind

a de

Jes

us18

/10/

1870

29/0

7/19

45M

inho

19/1

1/19

13D

omés

tica

Gui

lher

min

a Pi

nto

Car

neir

o24

/06/

1882

08/1

1/19

51V

ila R

eal

14/1

2/19

63*

Dom

éstic

aJo

aqui

na S

oare

s Fe

rrei

ra--

-27

/01/

1942

Não

Con

sta

30/1

2/19

21D

omés

tica

Júlia

de

Jesu

s C

arva

lho

04/0

6/18

7823

/08/

1960

Alm

alag

riez

, Coi

mbr

aN

ão C

onst

aD

omés

tica

Just

ina

de J

esus

Per

es--

-29

/03/

1949

Bei

ra A

lta28

/02/

1923

Dom

éstic

aM

aria

Aug

usta

de

Alm

eida

12/0

4/18

7610

/05/

1949

?M

aria

lva,

B. B

aixa

31/1

2/19

24D

omés

tica

Mar

ia B

erta

Tei

xeir

a G

omes

07/0

1/18

89+

01/

07/1

959

Vila

For

mos

a19

/04/

1928

Dom

éstic

aM

aria

Con

ceiç

ão P

esta

na10

/01/

1890

17/0

9/19

52Il

ha d

a M

adei

ra27

/02/

1935

Dom

éstic

aM

aria

da

Con

ceiç

ão--

-08

/10/

1940

Tra

z os

Mon

tes

28/0

4/19

26D

omés

tica

Mar

ia d

a C

once

ição

Cab

ral

12/0

9/18

8711

/12/

1959

Port

o30

/03/

1939

Dom

éstic

aM

aria

da

Con

ceiç

ão d

e M

oura

14/0

7/19

0207

/07/

1949

Coi

mbr

a15

/01/

1943

Dom

éstic

aM

aria

da

Pied

ade

Silv

a*[1

902]

+ 2

5/01

/195

4Fe

rrar

ia d

e S.

João

.14

/08/

1954

Dom

éstic

aM

aria

de

Jesu

s[1

890]

+15

/03/

1960

Ilha

da

Mad

eira

30/0

9/19

26D

omés

tica

Mar

ia d

e Je

sus

Rod

rigu

es[1

879]

03/0

8/19

55N

ão C

onst

a10

/01/

1940

Dom

éstic

a

Nom

eA

dmis

são

Ati

vida

deL

ocal

idad

eM

orte

Nas

cim

ento

(con

tinu

a na

pág

ima

segu

inte

)

Page 118: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

117

Qua

dro

n.º

20 –

Irm

ãs d

a Sa

nta

Cas

a de

Mis

eric

órdi

a de

San

tos.

Por

tugu

esas

adm

. 1.ª

met

ade

séc.

XX

(con

tinu

ação

)

Mar

ia d

os A

njos

07/0

3/18

8021

/12/

1961

Pene

dono

, B. A

ltaD

omés

tica

Mar

ia d

os S

anto

s09

/08/

1901

+ 3

0/08

/195

8N

ãoco

nsta

.10

/08/

1940

Dom

éstic

aM

. Est

rela

Gom

es d

e O

livei

ra A

ntun

es[1

885]

14/-

-/19

53N

ão C

onst

a13

/09/

1950

Dom

éstic

aM

aria

Gui

lher

min

a de

Sou

za08

/07/

1872

03/0

2/19

45C

oim

bra

10/0

1/18

94D

omés

tica

Mar

ia J

osé

Fern

ande

s20

/10/

1871

30/0

9/19

41N

ão C

onst

a27

/11/

1924

Dom

éstic

aM

aria

Ros

a G

onça

lves

07/0

9/18

8314

/10/

1960

Vila

Rea

l10

/06/

1930

Lav

adei

ra (

SC)

Naz

aret

h M

arqu

es N

unes

12/0

1/18

87+

19/

08/1

948

Oliv

eira

do

Hos

pita

l10

/06/

1930

Dom

éstic

aO

lym

pia

da C

once

ição

Aze

vedo

09/1

0/18

8613

/02/

1951

Vila

roco

27/0

7/19

15E

nfer

mei

raO

ttilia

Mar

cello

02/0

1/18

9105

/09/

1959

Arc

osas

29/1

0/19

24D

omés

tica

Rita

Fer

reir

a22

/08/

1881

26/0

4/19

49N

ão C

onst

a31

/07/

1925

Dom

éstic

aR

osa

dos

Sant

os01

/10/

1877

13/0

2/19

59D

istr.

Coi

mbr

a30

/06/

1925

Dom

éstic

aR

osa

Mar

tins

11/1

0/18

7019

/05/

1951

Figu

eira

da

Foz

27/0

2/19

36D

omés

tica

Ros

alin

a A

ugus

to R

odri

gues

---

18/0

7/19

49N

ão C

onst

a11

/06/

1930

Dom

éstic

aR

ufin

a da

Con

ceiç

ão S

oare

s--

-01

/11/

1947

Não

Con

sta

28/0

3/19

24D

omés

tica

The

reza

Fel

ix d

e M

orae

s (

Car

valh

o)--

-06

/02/

1959

Não

Con

sta

30/0

6/19

25D

omés

tica

The

reza

Gom

es20

/04/

1873

+ 2

0/02

/195

9D

istr.

Coi

mbr

a31

/12/

1926

Dom

éstic

aTo

maz

ina

Joaq

uina

Per

alta

01/0

1/18

77+

06/

09/1

944

Ced

ovim

, Pas

choa

29/0

9/19

26D

omés

tica

Viv

ênci

a de

Jes

us G

onça

lves

02/1

1/18

8425

/06/

1962

Ilha

da

Mad

eira

28/0

3/19

24D

omés

tica

Nom

eA

dmis

são

Em

preg

oL

ocal

idad

eM

orte

Nas

cim

ento

* U

ltrap

assa

do p

erío

do d

a ba

liza

** C

onst

a na

list

a da

s fu

ncio

nári

as d

a Sa

nta

Cas

a, c

omo

ajud

ante

de

part

eira

adm

. em

192

8

Page 119: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

118

Quadro n.º 21 – Irmãos da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos

Homens: 102Mulheres: 47

––––149

Data de admissão

1888 = 11894 = 2

1.ª década de 1900 = 1década de 10 = 17década de 20 = 77década de 30 = 27 década de 40 = 11década de 50 = 7

+ de 50 = 3 sem especificação = 3

Data de nascimento

1854:1 1870: 3 1880: 3 1890: 8 1900: 21863:1 1871: 2 1881: 6 1891: 3 1901: 21866:1 1872: 3 1882: 5 1892: 4 1903: 3

1867: 2 1873: 5 1883: 2 1893: 31867: 2 1874: 0 1884: 5 1894: 21868: 3 1875: 4 1885: 3 1895: 21869: 1 1876: 4 1886: 4 1896: 4

1877: 5 1887: 6 1897: 41878: 3 1888: 1 1898: 11879: 3 1889: 5 1899: 2

Sem indicação = 29

Naturalidade

Sem especificação 47Nenhuma 44Sem identificação 3(Arcosas, Riba de Moura, Freg. S. Diego)

Distrito de Coimbra 23 Coimbra 11Lousã 2Murtede 1Febres 1Espinhal 1Oliveira do Hospital 1Farelo 1Penelas 1Almalaguez 1Condeixa a Nova 1Figueira da Foz 1

Distrito de Guarda 13Guarda 3Aldeia S. Miguel 1

(continua na págima seguinte)

Page 120: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINAL DO SÉCULO XIX

119

Quadro n.º 21 – Irmãos da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos (continuação)

Cedovim 1Folgozinho 1Marialva 1Meda 1 Sta. Comba da Seia 1Trancoso 1Vale de la Mula 1Vale dos Ladrões 1 Vila Provezende 1

Distrito do Porto 11Porto 7Matosinhos 1Povoação 1Povoa de Varzim 1Douro 1

Distrito de Viseu 11Viseu 4Lamego 1Rezende 1Origo 1Vila da Rainha 1S. Pedro Sul 1S. Jo.Lorosa 1Oliveira do Barreiro 1

Distrito de Vila Real 7Vila Real 6Galafura 1

Profissões

Irmãos

Negociantes 6comerciantes 13comercio 11comerciário 3proprietários 8capitalista 1industrial 1agricultor 1empreiteiro de pintura 1pedreiro 1carpinteiro 3ferrador 1mecânico 1jardineiro 1operário 11ferroviário 2portuário 2ensacador 1alfaiate 5doméstico 1massagista/enfermeiro 6

(continua na págima seguinte)

Page 121: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

FONTES MANUSCRITAS

Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos – Livro de Registro de empregados: n.º 2:1886-1891; n.º 3: 1889-1940.

Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos – Prontuários (fichas de A a Z).Sociedade Portuguesa de beneficência de Santos – Livro 1 do Registro de Matrículas dos Sócios.

1862-1874.

BIBLIOGRAFIA

ÁLVARO, Guilherme, 1919 – A Campanha Sanitária de Santos: causas e efeitos. São Paulo:Casa Duprat.

ALVES, Jorge Fernandes, 2005 – “Emigração e sanitarismo – Porto e Brasil no século XIX”. LerHistória. 48, p. 141-156.

ANDRADE, Wilma Therezinha Fernandes, 1995 – “Santos: urbanismo na época do café. 1889-1930”, in PEREIRA, Maria Apparecida Franco et al – Santos – Café & História. Santos:Leopoldianum, p. 89-106.

FRUTUOSO, Maria Suzel Gil, 1990 – Imigração portuguesa e sua influência no Brasil – o casode Santos: 1850-1950. USP (Dissertação de Mestrado em História).

JUNOT, Jaime Rodrigues Franco, 1959 – A Beneficência. São Vicente: Editora Gráfica de SãoVicente .

LANNA, Ana Lucia Duarte, 1998 – “Santos 1870-1914. Transformações urbanas e sociais”, inSAMPAIO, Maria Ruth de (coord.) – Habitação e cidade. São Paulo: FAU/USP. p. 67-82.

LOPES, Betralda, 1974 – O porto de Santos e a febre amarela. USP (Dissertação de Mestradoem História )

MATOS, Maria Izilda; SOUSA, Fernando; HECKER, Alexandre (orgs.), 2008 – Deslocamentos& História: os portugueses. Bauru, SP: EDUSC.

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

120

Quadro n.º 21 – Irmãos da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos (continuação)

oficial de farmácia 1ronda noturno 1servente limpeza 2barbeiro 1motorista 2motorneiro (bonde) 2padeiro 2professor 1sem especificação 7

Irmãs

Domésticas (do lar) 43Massagista/enfermeira 2Lavadeira 1Sem especificação 2

Page 122: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

121

A REPRESSÃO AOS IMIGRANTES PORTUGUESES EM SÃO PAULO: OS SUBVERSIVOS E OS OUTROS

Frederico Alexandre Hecker

Os estudos sobre a história da e/imigração merecem toda a atenção dosestudiosos neste início do século XXI. Por um lado, promovem o entendimentode processos históricos que se encontram na base do desenvolvimento de socie-dades tão ativas, multifacetadas e problemáticas como a que se formou noEstado de São Paulo. Por outro, são obrigados a levar em consideração preo-cupações que gravam o mundo contemporâneo. Se toda a história é sempre his-tória contemporânea, os estudos sobre imigração o são de forma ainda maispresente, já que recolocam temas e críticas cuja inter-relação do passado como presente é intrínseca.

Neste artigo pretende-se interpretar alguns dos sucessos relativos à históriapolítica de um dos grupos populacionais mais importantes, no mínimo numeri-camente, para o processo imigratório para o Brasil: os portugueses. E justa-mente no período em que sua presença nas transformações sociais tornava-sefundamental, isto é, desde os anos 1920 – período em que a polícia política doEstado, que reuniu informações sobre os imigrantes, foi criada – até o momentoda II Grande Guerra, época na qual a imigração portuguesa ganharia novos sig-nificados. Interessa também notar que no período em questão o Estado brasi-leiro reorganizava suas bases políticas para intensificar o processo de moderni-zação da sociedade1. Neste sentido a documentação amealhada pelo DEOPS,Departamento de Ordem Política e Social paulista, oferece informações paraentender o conjunto de problemas relacionados à vida destes imigrantes, isto é,às relações sociais, políticas, familiares, sentimentais, de militância que aquidesenvolveram.

UMA POLÍCIA MODERNAMENTE REPRESSORA

O DEOPS nasceu a partir da ampliação do Gabinete de Investigações, ins-tituição policial organizada durante a gestão de Washington Luiz como Secre-

1 Esta instituição, ao longo de sua história de quase 60 anos, adotou também a denominação Dele-gacia de Ordem Política e Social, DOPS.

Page 123: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tario Estadual de Justiça e Segurança Pública de São Paulo, em 19092. Em1924, no cargo de Presidente do Estado, o antigo Secretário convocou auxilia-res daqueles tempos anteriores para modernizar o aparato policial, atribuindo-lhe uma especialização condizente com aquilo que definia como as exigênciaspolíticas do momento, ou seja, adotando métodos e procedimentos suficientespara garantir uma ordem social e política favorável à oligarquia no poder deEstado3. Afinal, como Prefeito da cidade de São Paulo (1914-1919) consolidaraa presença de um aparato policial eficiente e experiente, pois havia enfrentadoas conseqüências e as “desordens” sociais decorrentes dos três Gs, como fica-ram conhecidos os problemas relativos à Guerra (1914-1918), às Greves ope-rárias de 1917 e à Gripe Espanhola (1918).

FREDERICO ALEXANDRE HECKER

122

2 De acordo com pesquisas do doutorando da USP, Marcelo T. Q. Martins, o Gabinete fora criado apartir do modelo adotado pela polícia inglesa e caracterizava-se por ter um setor de identificação,onde eram arquivados prontuários, com impressões digitais e informações, de todos os anarquistase criminosos comuns então conhecidos. Em 1914, o Gabinete já contava com 60 mil prontuários.

3 O termo oligarquia aqui é tomado no seu sentido de oposição à democracia, representando a pre-sença no poder de Estado de um restrito grupo, relativamente homogêneo e estável no nívelnacional, que governava de modo autoritário e procurava eliminar sumariamente a oposição.

Ilustração n.º 1 – A primeira sede própria do DEOPS (1927), juntamente com todo o Gabinete de Investigações, estava localizada em um prédio na esquina das ruas

dos Gusmões e Sta. Efigênia. Na fotografia, vê-se o prédio ocupado a partir de 1947 até a extinção da polícia política paulista (1983). Restaurado, o edifício é hoje ocupado

pela Estação Pinacoteca.

Em 1924, o Gabinete de Investigações passou então a contar com novas dele-gacias especializadas, entre elas uma apenas para investigar ameaças à ordempública. E esta, o DEOPS, nascia com a explícita preocupação de vigiar e con-trolar as “classes perigosas”, uma vez que recebeu das indústrias paulistas, como

Page 124: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

“prêmio” pelo início de seus trabalhos, milhares de fichas contendo informaçõespreciosas sobre os seus trabalhadores. Era um bom começo para a instituição quepretendia promover ações de pesquisa que identificassem todos os empregadosem todas as empresas da capital do Estado. A fim de desenvolver seus ambicio-sos objetivos, o DEOPS foi aquinhoado pelo governo do Estado com uma signi-ficativa verba própria e um grande grupo de funcionários exclusivos.

Ao longo de sua existência, o DEOPS passou por diversas mudanças admi-nistrativas. Em 1930, a delegacia ganhou uma divisão interna para melhordesenvolvimento de seu trabalho: foi então estabelecida uma seção denomi-nada Ordem Política e outra Ordem Social. Em 1938, o Delegado chefe doDEOPS – que então respondia diretamente ao Secretário de Estado dos Negó-cios de Segurança – tinha sob sua autoridade quatro principais delegacias: aOrdem Social, que cuidava de fiscalizar greves, campanhas, associações, sin-dicatos etc.; a Ordem Política, que se incumbia de investigar partidos, militan-tes, eleições, comícios etc. Ambas as delegacias compostas por seções de poli-ciamento separadas de seções de investigação, e servidas por divisões comoCartório, seção de Expediente (Protocolo e Arquivo Geral), Contabilidade,Corpo de segurança, Serviço secreto, Prisões e Portaria. Outras duas delegaciascompunham o Gabinete do Delegado chefe: a de fiscalização de entrada, per-manência e saída de Estrangeiros (a qual era responsável pela emissão das car-teiras modelo 19) e a de fiscalização de Explosivos, armas e munições. Um ver-dadeiro exército de funcionários e encarregados freqüentavam as quatro unida-des sob o comando do Delegado chefe4.

O quadro abaixo apresenta uma sinopse das datas mais representativas dainserção do DEOPS na história política do Brasil no século XX.

A REPRESSÃO AOS IMIGRANTES PORTUGUESES EM SÃO PAULO: OS SUBVERSIVOS E OS OUTROS

123

4 Uma 5.ª delegacia, de Ordem Econômica, cuidando dos crimes contra o custo de vida e da fisca-lização de produtos proibidos, teve vida efêmera. Para informações pormenorizadas sobre a estru-tura do DEOPS, ver CORRÊA, 2008.

Quadro n.º 1

Anos Repressão: Histórico

1924 Criação do DEOPS (Polícia Política)1930-1945 Ditadura. Governo de Getúlio Vargas1945-1964 “Democratização”1964-1975 Ditadura: Golpe Militar de 19641975-1979 Processo de “distenção” (Presidência Gen. Ernesto Geisel

1979-1985 Processo de “abertura democrática” (atuação de advogados de presos políticos, religiososprogressistas e personalidades)

1983 Extinção do DEOPS1985-1991 O retorno “Estado de Direito” – Nova Constituição

Guarda do Acervo DEOPS: Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Consulta restritaà Comissão de familiares de mortos e desaparecidos políticos do regime militar

1996 Abertura dos Arquivos: criação de Projetos de pesquisas junto ao INVENTÁRIO DEOPS2006 PROMACK, Projeto de Pesquisa Arquivo do Estado Mackenzie – equipe

Page 125: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Se a criação do DEOPS ocorreu nos anos 1920, o recrudescimento de suaação repressora apresentou-se mais claramente na década seguinte. À fase deimplantação, de experimentação, seguiu-se um período de truculenta repressão,no qual a ação policial foi respaldada pela criação de legislação tipicamenteautoritária e cerceadora de direitos democráticos. Em Abril de 1935, a lei deSegurança Nacional, alcunhada de Lei Monstro, reunindo medidas práticas eanteprojetos anteriores, passou a impor-se como parâmetro para coibir as açõesde ordem política e social, a criminalizar atos da imprensa, de funcionárioscivis e militares, e a orientar a expulsão de estrangeiros indesejáveis ao poderconstituído. Embora a promulgação desta lei constituísse uma resposta conser-vadora ao momento de intranqüilidade vivido pela república inaugurada em1930, ela significava já uma previsão dos grupos poderosos de que questõespolíticas candentes estavam ainda por vir, e colocar em cheque o autoritarismovarguista. Graças a uma relativa proximidade entre os projetos integralistas eos propósitos nacionalistas restritos do governo Vargas, a escolha do inimigomais temível recaiu principalmente sobre os comunistas. O DEOPS paulista, noperíodo, respondeu a esta identificação, investigando, prontuariando e perse-guindo muito mais os comunistas do que outros “inimigos do regime”5.

A Lei Monstro antecedeu os lances mais objetivos de manifestação dasesquerdas no período: o comício da ANL (Aliança Nacional Libertadora)6 noRio de Janeiro – que deveria realizar-se em Julho – e o próprio movimento denovembro, batizado pela historiografia governista como a “Intentona Comu-nista”7 . Assim, o clima de insegurança alardeado pela grande imprensa estabe-lecia-se sobre o “iminente perigo comunista” e sua estreita correlação com a pre-sença de estrangeiros como veículo de “estranhas ideologias de esquerda”. Asinsurreições de Natal, Recife e Rio de Janeiro ocorridas no final do mês deNovembro, acabaram por consolidar o uso simbólico do mote repressor conden-sado na díade comunismo-estrangeiro. Por muitas décadas este foi o leitmotiv doamedrontamento da população e da criação de condições psicológicas favoráveisà formação de uma “opinião pública” que aprovasse a perseguição, repressão eanulação dos adversários das diversas oligarquias políticas brasileiras.

FREDERICO ALEXANDRE HECKER

124

5 O manuseio preliminar da documentação policial paulista relativa a estrangeiros (projeto de pes-quisas junto ao Arquivo do Estado de S. Paulo, denominado PROMACK, por nós coordenado),mais do que o estabelecimento de dados sistemáticos, leva a pressupor que os dois sujeitos maisinvestigados no período foram os comunistas e os fascistas.

6 A Aliança Nacional Libertadora foi uma organização política apoiada pelo Partido ComunistaBrasileiro, criada oficialmente em março de 1935, que reunia diversos opositores do regime Var-gas. O objetivo declarado da instituição era apoiar as lutas populares que então se travavam.Defendia a suspensão do pagamento da dívida externa do país, a nacionalização das empresasestrangeiras, a reforma agrária e a proteção aos pequenos e médios proprietários, a garantia deamplas liberdades democráticas entre outras propostas.

7 Intentona Comunista foi o nome atribuído pela historiografia conservadora à tentativa de golpecontra o governo de Vargas realizado em novembro de 1935, sobretudo pelo Partido ComunistaBrasileiro, em nome da Aliança Nacional Libertadora.

Page 126: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A partir de 1935, houve um recrudescimento das condições para a repressão.O agravamento da Lei de Segurança Nacional e a determinação de promovermilhares de prisões atingiu até mesmo opositores como João Mangabeira, “abso-lutamente alheio a qualquer trama”. Advogado e deputado de posições democrá-ticas moderadas, impregnadas por ensinamentos de Ruy Barbosa, restou tambémele vítima do tacão policial arbitrário, tendo sido preso “porque, no cumprimentoestrito do meu dever, procurei defender o direito e a liberdade, impetrando hábeascorpus contra prisões evidentemente inconstitucionais”. Em seu protesto lavradoem 30 de Março de 1936, contra a Polícia Central do Rio de Janeiro, o parla-mentar pôs em evidência todo o desmando – das maiores autoridades, como dospequenos poderes – que caracterizava o governo seu contemporâneo:

recuso-me a... reconhecer à Polícia competência legal para me inquirir, nascondições em que me encontro, preso desde sete horas da noite de 23, quandoem minha casa fui detido. Não me tendo encontrado, até agora, senão com osagentes subalternos, que... executaram o crime, que outros lhe haviam man-dado perpetrar, aproveito este momento para protestar contra a violência feitaà letra expressa da Constituição e contra o desrespeito e a diminuição infligi-dos à Câmara dos Deputados, de que tenho a honra de ser membro. É que,Deputado Federal, ainda em caso de guerra contra o estrangeiro, e do territó-rio nacional por ele invadido, eu não poderia ser preso, nem processado, semlicença da Câmara...8.

Contudo, o governo Vargas e os grupos que o apoiavam justificavam arepressão em nome mesmo do direito do cidadão de desfrutar de uma sociedadesegura e tranqüila, isenta da ação de “ideologias e ativistas estrangeiros”, comofaziam parecer que os movimentos de oposição e as insurreições de novembroteriam sido. Isto é, em nome da paz, o Estado varguista impôs a guerra sociale desenvolveu o aparato policial repressor9. Aos imigrantes a situação se des-cortinava aterrorizadora, pois mesmo quando denunciados e prontuariados pormotivos fúteis – e encontram-se casos do gênero aos borbotões na documenta-ção – e não penalizados diretamente, restavam afetados: a ação repressiva,agindo desta maneira, mostrava-se presente e atuante, à disposição de novasmedidas. O medo estabelecia-se como garantia da ordem. Se arbitrariedades –e muito comuns eram as notícias sobre sevícias, torturas policiais e expulsõesdo país10 – não foram praticadas em todos os casos, sempre pairava a hipótesedo seu exercício. A inação, assim, se estabelecia.

No sentido de tornar instável a vivência que o estrangeiro tinha das institui-ções brasileiras, contribuía, afora as questões policiais-políticas, outro processode caráter mais genérico, isto é, a sua pertinência ou não como componente da

A REPRESSÃO AOS IMIGRANTES PORTUGUESES EM SÃO PAULO: OS SUBVERSIVOS E OS OUTROS

125

8 Ideias políticas de João Mangabeira, 1980: 79-81.9 DUTRA, 2003.10 RIBEIRO, 2003.

Page 127: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

sociedade brasileira que os grupos dominantes projetavam para o futuro. Nestecaso estava em jogo a imagem do “outro” favorável, e o critério básico adotadoao longo de décadas para selecioná-lo se constituiu na sua dócil possibilidade deassimilação. O estrangeiro deveria pertencer a uma “raça” favorável à integra-ção com o povo brasileiro, embora não se soubesse mais precisamente a queconceito de povo os governantes se referiam; deveriam ser cordatos nas suasrelações de trabalho, não criando dificuldades para o empregador latifundiárioou industrial explorador; enfim, “favorecedor” do progresso econômico nascondições que lhe eram oferecidas. A escolha, de modo geral, recaía sobre oeuropeu branco e cristão que parecia reunir os predicados almejados.

Portanto, a vinda de imigrantes portugueses contou sempre com a genéricaboa vontade das oligarquias dominantes em cada diverso período da históriabrasileira, desde as primeiras discussões sobre o assunto travadas entre os abo-licionistas e imigracionistas, estabelecidas por ocasião do Congresso AgrícolaBrasileiro de 1878, e depois intensificadas a partir da Lei Áurea.

Também pelo critério da eugenia – quando ele passou a ser invocado maisfortemente, no início do século XX – os portugueses não sofriam restrições. Asprincipais controvérsias no seio da “Comissão Central Brasileira de Eugenia”,criada em 1931, com o objetivo de fazer lobby pela implantação de uma legis-lação eugênica no país, referiam-se ao aproveitamento populacional de indiví-duos negros, judeus ou asiáticos11. A questão mesmo com os portugueses,assim como com italianos ou espanhóis, os grupos que forneceram maiornúmero de imigrantes, era de caráter político. E desde logo a República brasi-leira cuidou de excluir os estrangeiros a ela inconvenientes. Assim, entrou emvigor, em 1907, um Decreto Legislativo pelo qual o estrangeiro que colocasseem risco a “segurança nacional” deveria ser expulso. Tal Decreto foi reforçadopor legislação ainda mais draconiana, de 1921, que permitia a expulsão dequalquer indivíduo condenado em seu país por prática de roubo ou outras açõesfinanceiras penáveis. Como a burocracia policial agia muitas vezes sem con-trole, um amplo leque de “penalidades” atribuíveis ao estrangeiro poderia serinvocado mais ou menos ao sabor das conveniências políticas.

O PORTUGUÊS COMO ALVO DA PERSEGUIÇÃO POLICIAL

Os dados estatísticos disponíveis indicam que consideradas todas as entra-das de imigrantes no Brasil, desde o início do processo massivo de vinda deestrangeiros, isto é nos anos 1870, até os 1960, os três maiores grupos se cons-tituíram nos italianos, portugueses e espanhóis, nesta ordem. Embora para oEstado de São Paulo, no mesmo período, possa-se também fazer igual afirma-

FREDERICO ALEXANDRE HECKER

126

11 Sobre questões de eugenia e imigração, ver Estado Novo e Eugenia de Fábio Koifman, emhttp://www.anpuh.uepg.br/xxiii-simposio/anais/textos/F%C3%81BIO%20KOIFMAN.pdf

Page 128: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ção, para épocas específicas os números indicam outra conformação. Assim éque, para o Estado, entre os anos 1910 e 1960, o grupo nacional que forneceumaiores contingentes foi o dos portugueses. Observando o quadro abaixo, nota--se que sob um total de 1.552.837 entrados no período, enquanto os italianos eos espanhóis representam aproximadamente 18%, cada um dos grupos, os por-tugueses ascendem a quase 30%.

A REPRESSÃO AOS IMIGRANTES PORTUGUESES EM SÃO PAULO: OS SUBVERSIVOS E OS OUTROS

127

12 Evidentemente não há precisão estatística nestas observações. Ressalte-se que não há lógicaestreita na comparação entre contingente de entradas e número de prontuariados, até mesmo por-que muitos dos perseguidos pela polícia haviam chegado ao Estado em época anterior a 1924.Depois, é preciso considerar que, por terem os brasileiros nomes e sobrenomes inseparáveis dosportugueses, e por serem os documentos do DEOPS muitas vezes incompletos (isto é, sem iden-tificação da nacionalidade), é possível que um bom número daqueles últimos não possam serreconhecidos pela pesquisa como portugueses. Os números gerais sobre imigração foram obtidosno site do Memorial do Imigrante, http://www.memorialdoimigrante.sp.gov.br/historico/e6.htm

Quadro n.º 2

Datas Total Geral Itália Portugal Espanha

Imigrantes italianos e portugueses investigados pelo DEOPS

1910-1934 1 062 734 187 558 263 063 204 0161935-1959 488 120 90 130 156 536 65 3211960-1961 1 983 4 144 14 982 12 539

1 552 837 281 832 434 581 281 870

Imigrantes italianos e portugueses investigados pelo DEOPS

1924-1983 12 600 5 4004,5% 1,25%

Num raciocínio simplista poder-se-ia inferir que estando presentes em maiornúmero, numa época de repressão às atividades políticas dos estrangeiros, apare-cessem também os portugueses com maiores contingentes entre os perseguidos eprontuariados pela polícia política, num intervalo de datas semelhante ao citado.Mas, não é isto o que se observa quando se recorre aos números obtidos em pes-quisas realizadas na documentação reunida pelo DEOPS paulista. Entre os anos de1924 (ano de criação do DEOPS) e 1983 (ano de sua extinção) a polícia políticaabriu aproximadamente um total de 160 mil prontuários, entre os quais cerca de5400 eram de portugueses e 12 600 de italianos residentes no Estado. Embora nãoseja possível considerar todos os indivíduos prontuariados como contestadores doregime político em questão, já que os motivos mais diversos deram ocasião à aber-tura de investigações, o problema é que grosso modo pode-se levantar a hipótesede que os portugueses causaram menores preocupações aos policiais do que, porexemplo, o contingente de italianos nas mesmas condições. Enquanto estes foraminvestigados num porcentual de cerca de 4,5%, aqueles preocuparam a políciapolítica em aproximadamente apenas 1,25% do total de entrados no país12.

Page 129: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Em seu clássico estudo, Trabalho urbano e conflito social, Boris Faustorepercutiu, e de certa forma avalizou, a hipótese levantada por Sheldon Maran,em Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro, pela qual o imi-grante português era indicado como menos afeito às reivindicações e à mili-tância contra as más condições de trabalho encontradas aqui no país13. Marancita, sem identificar o autor, um livro denominado A Terra Livre, no qual esta-ria escrito que “é bastante ridículo o papel que os portugueses vêm desempe-nhando. Esses pobres Maneis... correm para a central de polícia e se tornamseus fantoches, prontos a assassinar grevistas...”.

Maran colocava a questão em termos relativos, pois, atribuía a idéia aalguns militantes italianos da época, que consideravam os portugueses como“furadores de greves sem consciência social”; observava também que “as gene-ralizações sobre a docilidade do trabalhador português devem ser atenuadaspelos determinantes geográficos e ocupacionais”; e indicava que “afinal, foi ooperário português das docas e da construção civil que, de parceria com osespanhóis, fez de Santos um centro de agitação e organização operárias...”.

Entretanto, não obstante as ressalvas, o que resulta da sua leitura é a con-cepção da passividade do imigrante português, já que definitivos são os seusargumentos a favor da idéia. Em primeiro lugar, conjeturava que a acusação aosportugueses poderia ter “validade se considerarmos o período anterior à I GuerraMundial. O imigrante do nordeste da Itália veio de um dos centros sindicaismais vitais da Europa, enquanto o português vinha de um posto distante, já bas-tante enfraquecido, do socialismo europeu”. Depois, justificava que “para o tra-balhador português, furar uma greve era uma questão de sobrevivência”, poiseles haviam chegado ao Brasil quando os postos de trabalho já estavam ocupa-dos. Finalmente, e de forma definitiva, asseverava que

Em termos gerais, pode-se atribuir à superioridade relativa do movimentooperário de São Paulo sobre o do Rio de Janeiro também ao fato dos italianosconstituírem o maior grupo estrangeiro da força de trabalho paulistana,enquanto brasileiros e portugueses mais passivos constituíam o grosso da forçade trabalho somente na capital federal. O gerente da fábrica de tecidos Corco-vado... tendo tido problemas com os empregados... ameaçou substituí-los porportugueses mais dóceis e brasileiros de cor negra14.

FREDERICO ALEXANDRE HECKER

128

13 FAUSTO, 1976: 35-36; (Fausto leu o trabalho de Maran ainda mimeografado, anterior à publi-cação em livro aqui citada). Fausto observa: “Os portugueses eram tidos em São Paulo, pelosorganizadores do movimento operário como elementos dóceis, destituídos de consciência declasse, uma visão que seu comportamento muitas vezes confirmava. Sem dúvida, a menor pro-pensão dos portugueses a organizar-se, constatada sobretudo na Capital, relacionava-se em algumgrau com sua experiência prévia”.

14 MARAN, 1979: 31-34. Provavelmente há erro de citação em Maran, referente ao livro de títuloA Terra Livre, pois ele indica a data de publicação como sendo “5 de fevereiro de 1907” o quesugere uma publicação periódica, tal como o conhecido jornal anarquista de S. Paulo e do Rio,que circulou no período de 1905-1907.

Page 130: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A questão permanece em aberto, mesmo porque outros grupos imigrantestambém foram criticados por se “sujeitarem a baixos salários, provocando odesalojamento de trabalhadores nacionais do mercado de trabalho”15. O acessoà documentação, paralelamente ao desenvolvimento das pesquisas junto aosprontuários do DEOPS paulista, poderá contribuir muito para uma colocaçãomais precisa do problema.

De toda a forma é possível observar que a ação policial sobre o estrangeirocoagia a todos os grupos nacionais e a todas as pessoas em seu interior, poispartia de uma verdadeira lógica da suspeição generalizada, que implicava napermissão para uma incriminação elástica. Qualquer forma de dissídio político,brando ou exacerbado, poderia se confundir com infração à lei e como tal darlugar a diversas práticas de repressão ou até mesmo eliminação do “imigranteousado”.

Três eram, naquele período, os pilares estruturais desse pensamento perse-cutório da polícia política: primeiramente, o estrangeiro era concebido comoum elemento estranho à idealizada nação brasileira, já que portava consigo operigo de contaminação do corpo nacional por meio dos bacilos de ideologiasexóticas; em segundo lugar, a polícia das idéias políticas tratava a todos os“diferentes” ideologicamente como subversivos indiscriminados, reunindo nomesmo processo de aversão comunistas, anarquistas, republicanos radicais, epor vezes fascistas, nazistas etc. Finalmente, adotava uma indiscriminadaimplicação generalizante em relação ao perseguido: isto é, não considerava arelação específica mantida entre o indivíduo e a proposta política assumida.Constituíam-se em sujeitos igualmente investigáveis e penalizáveis diante dofuror persecutório do órgão repressivo um militante, um aderente, um simpati-zante ou um eleitor.

O português Antônio Candeias Duarte pode ser aqui tomado como umdos modelos de militante investigado. Candeias, que tinha a tipografia comoprofissão, atuou como militante anarquista, e depois comunista, em SãoPaulo nas primeiras décadas do século passado. Exerceu importante papel nocomitê de greve de 1917, quando a cidade foi paralisada por aproximada-mente um mês, e o governo alarmou-se com a magnitude do protesto. Em1919, escreveu em co-autoria com Edgard Leuenroth O que é o marxismo oumaximalismo? Seu prontuário no DEOPS apresenta diversas implicações queo tornavam suspeito de procedimentos políticos “indevidos”, mas entre estasimplicações ressalta a acusação específica de crime de opinião, tendo a polí-cia usado como argumento cabal para justificar sua perseguição o fato doimplicado escrever livros!

Sobretudo em dois momentos da história da polícia política paulista os por-tugueses foram por ela atormentados, dando origem a uma intensificação da pro-dução documental: nos anos 1930, por ocasião dos eventos relacionados à Aliança

A REPRESSÃO AOS IMIGRANTES PORTUGUESES EM SÃO PAULO: OS SUBVERSIVOS E OS OUTROS

129

15 TAKEUCHI, 2002: 17.

Page 131: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Nacional Libertadora, ANL, e no período da passagem dos anos 1950 aos 1960,quando uma série de acontecimentos ligados a dissidentes da ditadura salazaristateve repercussão direta no território brasileiro. Em 1959, o general Humberto Del-gado, que fora candidato à Presidência de Portugal, colocando em cheque a lógicaditatorial portuguesa, fugindo à perseguição da PIDE – Polícia Internacional deDefesa do Estado – instalou-se no Rio de Janeiro. Uma vez no Brasil, entrou emcontato com grupos oposicionistas portugueses procurando criar uma unidadecontra o governo de Oliveira Salazar, e foi responsável, juntamente com outroimportante líder dissidente, Henrique Galvão, também sediado entre nós, pelacaptura do navio português Santa Maria. Tais episódios tornaram o DEOPS extre-mamente sensível às ações da “colônia” portuguesa, dando origem a diversos pro-cessos de investigação e repressão aos portugueses em São Paulo.

OS PORTUGUESES EM NÚMEROS DA POLÍCIA POLÍTICA PAU-LISTA

Os dados disponíveis neste momento da pesquisa indicam que, ao longo deseus quase 60 anos de atividades, o DEOPS abriu e acumulou informações em5371 prontuários referentes a imigrantes portugueses residentes ou momenta-neamente sediados no Estado de São Paulo16. Valendo-se destes dados, podem-se apresentar de modo genérico alguns números que contribuem para conhecero perfil dos portugueses perseguidos pela polícia, ao longo do período.

A grande maioria dos prontuariados se constituía em pessoas do sexo mas-culino, demonstrando uma nítida disposição dos homens no enfrentamento das

FREDERICO ALEXANDRE HECKER

130

16 Considere-se aqui o que foi informado na nota n.º 9. É pretensão da equipe de pesquisadores porproduzir informações sistemáticas de cada um destes 5371 prontuários. Para o presente artigovalemo-nos dos dados apresentados nas fichas remissivas já acumuladas pelo Arquivo Público doEstado de São Paulo.

Ilustração n.º 2 – Antônio Candeias Duarte

Page 132: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

questões políticas no nível público. As mulheres portuguesas provocaram aação policial principalmente no que respeita a denúncias de querelas entre pro-prietárias e inquilinos (de ambos os sexos) de casas de pensão. A subida dopreço dos aluguéis quase sempre era a questão polêmica.

A REPRESSÃO AOS IMIGRANTES PORTUGUESES EM SÃO PAULO: OS SUBVERSIVOS E OS OUTROS

131

Masculino97%

Feminino3%

Gráfico n.º 1 – Investigados segundo o sexo

2%

79%

1% 1%

17%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Viúvos Casados Outros Solteiro Desquitados

Gráfico n.º 2 – Estado civil dos imigrantes investigados

Os homens portugueses investigados eram quase sempre casados, identifi-cando uma tendência de militância do homem maduro em detrimento do argu-mento quase sempre levantado de que o arrebatamento da juventude e a dispo-nibilidade do homem só significavam disposição inequívoca para a contestação.

Os portugueses investigados no Estado de São Paulo não provinham de umaregião específica de Portugal, que por razões sociológicas ou políticas strictosenso compelisse o natural à militância contra o Estado de imigração ou suas ins-tituições. Os dados indicam uma proveniência difusa de todo o Portugal, comligeira preeminência de imigrantes provindos das principais aglomerações urba-

Page 133: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

nas do país. A maioria dos investigados pelo DEOPS, 57,9%, era proveniente deaproximadamente outras 500 diferentes localidades não indicadas no quadro.

FREDERICO ALEXANDRE HECKER

132

Quadro n.º 4 – Percentuais sobre a totalidade dos investigados pelo DEOPS, conforme as localidades mais “expulsoras”

Localidades %

Porto 4,8Coimbra 4,0Guarda 3,1Aveiro 3,0Bragança 2,7Viseu 2,2Leiria 2,0Lisboa 1,8Vila Real 1,1Madeira 1,0Arouca 0,7Braga 0,7

Total parcial 27,1

Quase a totalidade dos portugueses investigados pelo DEOPS tinha comomoradia no Brasil o Estado de São Paulo (99%), e neste, a capital – com 89%– constituía-se no local ao mesmo tempo mais escolhido pelo imigrante, comoo espaço de ação política e conseqüente vigilância mais assídua da polícia. Acidade de Santos – com 5% – aparece também como um ponto de concentra-ção dos investigados, ficando os restantes 5% distribuídos por outros municí-pios como Ribeirão Preto, Assis, Tupã, São José do Rio Preto, etc.

As informações alcançáveis até este momento da pesquisa permitem identifi-car muito precariamente os motivos alegados pelo DEOPS para promover a inves-tigação e a perseguição dos militantes políticos portugueses. Dispõe-se de dadossobre “o crime político” praticado apenas para 378 prontuariados. Porém, tomandoeste número como uma amostragem, ainda que não fidedigna em relação à totali-dade, é possível estabelecer alguma conjectura. Anote-se que do número infor-mado, a polícia classificou como comunistas 174 casos; como integralistas, 10; ecomo outras (infração à lei de economia popular, idem lei do inquilinato, grevista,“elemento suspeito”, desacato à autoridade, expulsão etc.), 194 casos.

Entre os portugueses indicados como comunistas, pode-se reconhecercomo principais razões do DEOPS para perseguição e repressão, a investigaçãopor motivo de averiguação das atividades do cidadão ou pelo fato de que elesimplesmente estivesse fazendo propaganda de suas idéias. De tal forma que aintenção era nitidamente silenciar a voz opositora ainda no seu nascedouro.

Considerado o mesmo grupo, isto é, os portugueses indicados como comu-nistas, e promovendo uma comparação com números relativos à totalidade dosportugueses sobre os quais a documentação do DEOPS oferece informações,

Page 134: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

podem-se notar algumas discrepâncias. Enquanto a maioria dos investigadosseguia o padrão de ocupação dos imigrantes portugueses em geral para o Bra-sil, isto é, eram comerciantes (60,1%), o militante comunista tendia a exercerprofissões identificadas como tipicamente de empregados subordinados, nãoproprietários: mais de 50% constituíam-se em comerciários, operários, ferro-viários, pedreiros ou lavradores. Enquanto o grupo profissional mais autô-nomo, isto é, menos subordinado aos ditames dos patrões, ou seja, proprietáriode seu próprio negócio – industrial, comerciante, carpinteiro, barbeiro, alfaiate– constituía apenas 25% dos acusados de “crime de comunismo”.

A REPRESSÃO AOS IMIGRANTES PORTUGUESES EM SÃO PAULO: OS SUBVERSIVOS E OS OUTROS

133

60,1%

10,0%

3,1%

10,0%

3,0%

14,0%

6,8%

2,9%

3,9%

10,7%

24,3%

7,8%

6,8%

8,7%

3,9%

10,0%

20,4%16,2%

3,6%

8,9%

1,1%

0,3%

0,4%

2,9%

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0%

alfaiates

barbeiros

carpinteiros

comerciantes

comerciários

ferroviários

lavradores

operários

pedreiros

motoristas

industrial

outros

% investigados com profissão identificada % investigados comunistas com profissão identificada

Gráfico n.º 3 – Relação entre o total de investigados e comunistas, sobre os quais se tem informação

Assim é que, num ensaio aproximativo para entender qual o protótipo doportuguês/imigrante que mais incomodava diretamente às autoridades e aosórgãos policiais executores da política interessante às oligarquias, pode-seencontrá-lo nas seguintes condições: o cidadão do sexo masculino simpatizanteou militante do comunismo, maduro, casado, empregado não-proprietário, pro-veniente de todo o território português e morador na Capital de São Paulo. Esteera o mal a ser eliminado, extirpado, os demais, os outros imigrantes, deveriamser contidos à base do amedrontamento e da coibição a fim de não caírem nacategoria anterior e colocarem em risco a passividade do trabalhador brasileiro.

DISPOSIÇÕES DA POLÍCIA POLÍTICA DIANTE DE “PORTU-GUESES COMUNISTAS”

A atuação da polícia política paulista esteve longe de seguir normas e téc-nicas descritas como “científicas” ou sistemáticas para promover a coerção de

Page 135: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

seus inimigos imigrantes mais temidos, os comunistas. A identificação dosmotivos que levaram os policiais a perseguir indica ao analista o tanto deimprovisação e de amadorismo que marcavam o DEOPS, apesar de seus“métodos modernos” e de suas intenções nefastas.

A título de exemplificação, é possível elencar pelo menos cinco modosdiferentes de avaliação da polícia política diante de portugueses acusados deadesão ao comunismo. A princípio e por princípio ela adotava uma visão nacio-nalista xenófoba, avaliando todo o imigrante insatisfeito como um perigosotraidor da confiança nele depositada pelo “bondoso povo brasileiro”. Destamaneira manifestou-se o delegado responsável pela coerção ao português Her-mínio Augusto e seus companheiros, em 1936, acusados de possuírem ummimeógrafo para produzir propaganda favorável ao comunismo:

O Estado não deve deixar de punir os indiciados nestes atos, estrangeirosingratos e mal reconhecidos, que não souberam compreender os nossos senti-mentos quando foram em nossa grande pátria recebidos de braços abertospelos brasileiros, sempre bons e excessivamente tolerantes. Por tudo isto, nãodeverão e não poderão ser perdoados das graves faltas que cometeram, para opróprio interesse dos brasileiros17.

A polícia política procedia de forma comumente truculenta de modo abanalizar a repressão, não apenas porque fossem os seus agentes submetidosaos “ossos do ofício” de policial, mas a fim de construir uma imagem queinfundisse temor no seio da população e assim angariasse “respeito” pelas suasações. Em 1939, um motorista de praça da cidade de São Paulo, de nome JoãoHenrique, foi alvo deste comportamento “propositadamente arbitrário” dosbeleguins ideológicos. O tal João, conforme se lê em seu prontuário doDEOPS, estava com o seu carro no ponto de táxis “quando apareceu um moçoa quem o declarante conhecia apenas de vista, por ser sobrinho de um senhorde nome Graciano, que trabalhava na firma Pinto Villela, a quem o declarantetambém servia com o seu carro. O moço subiu no automóvel e mandou seguiraté chegar à rua Conselheiro Nébias. O rapaz então desceu do carro e mandouque João esperasse um pouco. Quando voltou, apareceram juntamente inspeto-res do Deops que o prenderam.” Todos foram encaminhados para o Deops. Lá,João “afirmou não estar ligado a nenhum assunto referente ao comunismo esaber respeitar as leis do país em que vive”.

O motorista foi preso mesmo assim18.Outro procedimento comum desta que era uma verdadeira delegacia “do

pensamento”, constituía-se em controlar a exposição de símbolos que signifi-cassem divulgação de idéias contrárias aos “bons costumes políticos”, incrimi-nando seus divulgadores. Joaquim Carreira, um elegante português, simpático à

FREDERICO ALEXANDRE HECKER

134

17 Prontuário n.º 2182, de Hermínio Augusto, Fundo Deops, 13.10.1938.18 Prontuário n.º 3674, de João Henrique Antunes, Fundo Deops, 02.10.1939.

Page 136: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

propaganda da Aliança Nacional Libertadora, ANL – que até mesmo havia par-ticipado da distribuição de boletins entre os seus companheiros de trabalhodesta, então, instituição legal – foi encaminhado ao xadrez porque foi vistousando abotoaduras com o símbolo do partido comunista. Embora, sobre elenada mais pudesse ser levantado como razão para incriminação, e tenha, certa-mente como subterfúgio, declarado aos policiais “que as usava inconsciente-mente e ao saber do significado delas atirou-as a um rio”, Joaquim foi detido19.

A polícia política temia também a expansão das propostas comunistas porpuro contágio e passava a dar crédito a delações em que tanto os acusadoscomo os acusadores acabavam envolvidos nas malhas da repressão. Assimocorreu com o marido de uma mulher “brasileira anônima”, que delatou porcarta a um português de nome Joaquim Pereira de Mattos, acusando-o de ter“promovido várias reuniões com o intuito de discutir idéias comunistas”. A ditamulher dizia temer que o acusado virasse “a cabeça do seu marido, já que sãoamigos”. Acabaram por serem detidos, não apenas o “corruptor” Joaquim, mastambém o marido, para averiguações e possíveis punições20.

Para além do crédito a delações, não confirmadas pelos fatos, o temor daexpansão das idéias comunistas em São Paulo, e por extensão no Brasil, levouo DEOPS a incriminar toda e qualquer manifestação de pensamento entendidocomo progressista, dando lugar a uma forma de indiciamento por aproximaçãoideológica. Em 1937, José Assucena Maia, português versado nas práticas do“racionalismo scientifico christão”, foi detido pela polícia porque contribuírapor meio de sua profissão de fé para a propaganda da Aliança Nacional Liber-tadora, tendo sido “assíduo freqüentador de suas reuniões”. Nem adiantaram asobjetivas negativas do pobre racionalista de que a acusação só podia ser “frutode inimizade de algum companheiro”. Como em tantas outras ocasiões o “imi-grante mal-agradecido” foi recolhido à prisão21.

Nos anos 20 do século passado, a cidade e o Estado de São Paulo conhe-ceram uma significativa expansão do seu parque industrial. Na base dessaampliação da produção e das trocas comerciais estava o trabalho de dezenas demilhares de imigrantes, e entre estes o grupo imigrante português representavauma parcela significativa.

As divergências de posicionamentos sociais e políticos entre operários eempreendedores – que remontavam às últimas décadas do século XIX – ganha-ram então, novas conformações. De uma fase em que a repressão aos movi-mentos de trabalhadores era comandada por ações “particulares” dos empresá-rios – por meio de demissões e outras medidas coibidoras – as classes domi-nantes passaram a adoção de medidas ainda mais efetivas de punição. Numapromíscua relação oligárquica entre interesses políticos de empresários paulis-tas e da camada dirigente do Estado de São Paulo, foi criado o DEOPS que a

A REPRESSÃO AOS IMIGRANTES PORTUGUESES EM SÃO PAULO: OS SUBVERSIVOS E OS OUTROS

135

19 Prontuário n.º 70013, de Joaquim Carreira, Fundo Deops.20 Prontuário n.º 4671, de Joaquim Pereira de Mattos, Fundo Deops, 04.01.1937.21 Prontuário n.º 4564, de José Assucena Maia, Fundo Deops, 23.10.1937.

Page 137: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

partir de então comandou sistematicamente o impedimento das ações mais con-tundentes do operariado em geral e, especificamente, de suas lideranças.

Entender a participação dos imigrantes portugueses nesses acontecimentoscontribui decisivamente para avaliar a sua extensão, e aponta para a com-preensão das relações entre o passado e o presente do processo político brasi-leiro.

BIBLIOGRAFIA

CORRÊA, L. R., 2008 – “O Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo: asatividades da polícia política e a intrincada organização de seu acervo”. Revista Histórica,n.º 33 (Outubro). http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/materia04/

DUTRA, E. de F., 2003 – “Crime político e segurança nacional”, in Seminários n.º 3: Imigra-ção, Repressão e Segurança Nacional. S. Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial doEstado de São Paulo.

FAUSTO, Boris, 1976 – Trabalho urbano e conflito social: 1890-1920. S. Paulo: Difel.IDÉIAS políticas de João Mangabeira. Brasília, Senado Federal: Fundação Casa de Rui Barbosa,

1980. MARAN, Sheldon, 1979 – Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro: 1890-

-1920. Rio: Paz e Terra. RIBEIRO, M. C. dos S., 2003 – “Imigração e expulsão: mecanismos para seleção de estrangei-

ros no Brasil in Seminários n.º 3: Imigração, Repressão e Segurança Nacional. S. Paulo:Arquivo do Estado/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

TAKEUCHI, M., 2002 – O perigo amarelo em tempos de guerra. S. Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

FREDERICO ALEXANDRE HECKER

136

Page 138: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

137

VILACONDENSES NA FUNDAÇÃO EENGRANDECIMENTO DO REAL HOSPITAL

PORTUGUÊS DE PERNAMBUCO

Adelina PilotoAntónio Monteiro dos Santos

INTRODUÇÃO

Em meados do século XIX, uma mortífera epidemia de cholera-morbusassolou o Brasil, martirizando particularmente o estado de Pernambuco. Acomunidade portuguesa liderada pelo Dr. José de Almeida Soares Lima Bastodecidiu fundar, em 1855, o Real Hospital Português de Beneficência no Recifepara tratar gratuitamente as vítimas da moléstia, salvando desse modo muitasvidas1.

Desde a sua fundação, e ao longo dos mais de 150 anos de existência, mui-tos naturais de Vila do Conde, à semelhança de outros portugueses solidários ealtruístas, concederam generosos donativos e desempenharam cargos da maisalta responsabilidade nessa instituição. Entre os vilacondenses que devotarama sua vida àquela que é considerada uma das maiores obras que a diáspora por-tuguesa construiu e mantém em todo o mundo2, destacamos: José Joaquim deLima Vairão; António Pedro Sousa Soares; Albino Gonçalves de Azevedo;Bento Luís de Aguiar; Frei Bento do Monte Carmelo Flores; Marcelino Fer-reira dos Paços; Randolfo Pinto Ferreira; José Narciso Maia Palmeira; Fer-nando Ferreira Maia e Januário José de Almeida.

FLUXO MIGRATÓRIO PARA PERNAMBUCO

A emigração de Vila do Conde para o Brasil em geral, e de forma muitoparticular para Pernambuco, começou bem cedo. Já no século XVI, encontra-mos referido, nas fontes, o nome de Manuel Gonçalves, piloto e patrão da capi-tania de Pernambuco. No tempo de um dos filhos do primeiro donatário, D.

1 SILVA, 1960: 25-30.2 Declaração de Jorge Peixoto, director de comunicação do Real Hospital, à Agência Lusa, em 4 de

Novembro de 2005, na evocação dos 150 anos da fundação do Real Hospital Português de Bene-ficência, no Recife.

Page 139: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Duarte Coelho. Manuel Gonçalves foi segundo marido da vilacondense Isabelde Oliveira3, e era já falecido no ano de 1625.

Manuel Gonçalves é, tudo leva a crer, o primeiro colono brasileiro oriundoda terra de Vila do Conde.

Sabemos que a produção açucareira realizada em grande escala, desde mea-dos do século XVI, na capitania de Pernambuco, impulsionou fortemente odesenvolvimento económico dessa imensa região e, concomitantemente, esti-mulou a atracção populacional. Eram frequentes, nos jornais pernambucanos,os anúncios de portugueses a oferecer os seus préstimos: “oferece-se para cai-xeiro ou administrador de engenho um português de que tem bastante prática,sabe bem fazer açúcar com cal, escreve e lê bem”; “uma pessoa chegada hápouco tempo, da ilha de S. Miguel, se oferece para tratar de sítios, hortas, eenfim tudo quanto é de plantações…”4.

O Diário Pernambucano5, em 1848, ao descrever os ramos de negócio e osempregos que gerava, informava que Pernambuco tinha mais de seis mil casasde comércio a retalho que estavam na posse de estrangeiros. Cada loja comer-cial tinha, pelo menos, dois caixeiros portugueses, o que perfazia um total de12 000 indivíduos que excluíam do comércio os naturais. A concluir a notícia,afirmava que mesmo os trabalhos mais sujos, mais mal remunerados e maispesados, como o de carregador, eram exercidos por portugueses6.

Esta notícia evidencia claramente a intensa actividade comercial dosestrangeiros em Pernambuco e, em simultâneo, espelha o ressentimento comlaivos de lusofobia que os pernambucanos sentiam na época, à semelhança doque se passava noutras partes do Brasil, nomeadamente, na capital do Reino,onde o emigrante lusitano, na sua maioria homem, solteiro e em idade produ-tiva era considerado um concorrente em potencial do brasileiro, num mercadode trabalho com escassas oportunidades, sendo muitas vezes olhado pelamassa popular brasileira como usurpador e aproveitador7. Os pernambucanosacreditavam que os seus inimigos eram os comerciantes portugueses quemonopolizavam o comércio nas cidades e os senhores de engenho que mono-polizavam a terra no interior, mas, na realidade, eram os ingleses quem domi-navam fortemente a vida económica brasileira, desde 1808, com a abertura dosportos do Brasil8.

ADELINA PILOTO / ANTÓNIO MONTEIRO DOS SANTOS

138

3 Isabel de Oliveira faleceu a 5 de Março de 1626. No seu testamento, feito a 13 de Janeiro de 1625,refere ter sido casada com Pedro Rodrigues em segundas núpcias “mulher que ultimamente foyde manoell Gonçalves pylloto e patrão que foy na Capitannya de pernão bucu” (Arquivo Muni-cipal de Vila do Conde (AMVC) – Arquivo dos Condes de Azevedo, doc. avulso, Testamento deIsabel Oliveira).

4 DIÁRIO Pernambucano, 6 e 12 de Junho de 1844.5 O Diário Pernambucano é o mais antigo periódico em toda a América Latina. Foi fundado em 7

de Novembro de 1825.6 HOLANDA, 1972: 230.7 RIBEIRO, 2007: 125.8 MELLO, 1997: 25-28.

Page 140: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Na década de 1850, o tráfico negreiro decaiu fortemente, na sequência doacto aprovado pelo Parlamento inglês e que ficou conhecido, no Brasil, como“Bill Aberdeen”, que autorizava a marinha inglesa a tratar os navios de escra-vos como navios piratas, com direito à sua apreensão e julgamento dos infrac-tores nos tribunais de Inglaterra. Nabuco de Araújo9 pressionou mesmo a subs-tituição do presidente da província de Pernambuco, por outro mais decidido nocombate ao tráfico esclavagista, quando ocorreu em Serinhaém uma das últi-mas tentativas de desembarque de escravos10. A escravatura foi oficialmenteextinta no Brasil pela lei de 1888.

Simultaneamente, intensificou-se no Brasil uma política de imigração queprivilegiava a ida de portugueses, constituindo-se verdadeiras redes migratórias,com engajadores, contratantes, negociadores e monopolistas, chegando mesmo aformar-se uma “Associação de Colonização de Pernambuco, Paraíba e Alagoas”que tinha permissão do Governo para introduzir nas três províncias 25 000 colo-nos. O transporte destes trabalhadores, oriundos na sua esmagadora maioria doNorte de Portugal, era feito quase sempre em precárias condições, daí que estamassa humana fosse muitas vezes apelidada de “escravatura branca”11.

Do que não resta dúvida é que a emigração vilacondense para Pernambuco foiimportante. Entre 1865 e 1913, foram solicitados 3940 termos de responsabilidadee fiança para embarcar para o Brasil. Desse quantitativo, 526 emigrantes indi-caram como destino o Estado de Pernambuco, cifra que corresponde a 13,3% dototal. Pernambuco era o terceiro destino preferencial12. Estes são os números ofi-ciais, mas muitos outros emigrantes devem ter partido clandestinamente.

Pernambuco continuou, ao longo dos séculos XIX e XX, a ser uma regiãopróspera, com grande movimento comercial e acentuado desenvolvimento emtodos os sectores de actividade. Esta panorâmica económica não podia deixar deser do maior interesse para qualquer emigrante, e os vilacondenses por certo nãoenjeitaram a oportunidade que se lhes deparava de singrarem no comércio, em vezde enfileirarem por outros tipos de actividades, mais duras e menos gratificantes.

PARTICIPAÇÃO DOS VILACONDENSES NO REAL HOSPITALPORTUGUÊS DE PERNAMBUCO

Aquando da terrível e mortífera epidemia de cólera, um grupo de portu-gueses eivados de amor pelos menos afortunados, reunido no Gabinete Portu-guês de Leitura do Recife, sob a liderança do Dr. José de Almeida Soares deLima Bastos, empreendeu a fundação de um hospital provisório de beneficên-cia. De provisório para a erradicação da epidemia de cólera, acabaria por se ins-

VILACONDENSES NA FUNDAÇÃO E ENGRANDECIMENTO DO REAL HOSPITAL PORTUGUÊS DE PERNAMBUCO

139

9 Ministro da Justiça entre 1853 e 1857.10 FAUSTO, 2008: 192-196.11 GAMA, 1983: 3.12 AMVC – Termos de responsabilidade e fiança, Livros 3115-3141/A.

Page 141: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

titucionalizar e perpetuar para servir de abrigo na velhice e na doença aos por-tugueses residentes na região bem como a outros indivíduos de outras naciona-lidades que a ele recorressem nas horas mais amargas da vida.

Em 25 de Agosto de 1855, para angariação de fundos e para promoção donecessário alistamento de associados, foram organizadas comissões divididaspor quatro bairros: Bairro do Recife, Bairro de Santo António, Bairro da BoaVista e Bairro de São José. Neste último, fazia parte da referida comissão ovilacondense José Joaquim de Lima Vairão13.

José Joaquim Pereira de Lima embarcou para o Brasil em 29 de Setembrode 1834. Tinha na data 12 anos, e era natural da freguesia de Fornelo14. O ape-lido “Vairão” que juntou ao nome de baptismo, como nos aparece no livro doCentenário do Real Hospital, sendo ele natural da freguesia contígua à de Vairão,pode dever-se ao facto de a família ter, entretanto, mudado de residência. Tambémpode ter decidido adoptar esse apelido por ser um nome sonante e histórico15 eter uma certa semelhança fonética e ortográfica com o título nobiliárquico debarão, o que lhe conferia uma certa dignidade, uma das razões, afinal, que oteria levado até ao Brasil.

Em 15 de Janeiro de 1836, José Joaquim Pereira de Lima também naturalde Fornelo, casado, de 53 anos de idade, solicitou passaporte para o Brasil.Supomos tratar-se do pai do anterior16. Por sua vez, em 3 de Novembro de1869, solicitou fiança para embarcar para o Brasil, António José de Lima, sol-teiro, natural de Vairão, filho de José Joaquim de Lima17. O registo evidenciaque trocaram de freguesia, de Fornelo para Vairão, mas omite a idade, assimcomo a quem ia recomendado, acrescentando, contudo, que estava isento doserviço militar pelo n.º 2, do artigo 8.º da lei de 27 de Julho de 185518. Esta-mos em presença de três gerações sucessivas de emigrantes da mesma família– avô, pai e filho. Depreendemos que as duas primeiras gerações desta famíliaparecem não ter alcançado no Brasil a ambicionada fortuna, uma vez que oúltimo a emigrar estava isento do serviço militar por ser amparo da família.

José Joaquim de Lima foi o primeiro vilacondense a fazer parte da funda-ção e organização do Hospital Português em Pernambuco. Outros se lhe segui-ram, quer na direcção, quer na forma como generosamente concorreram nosentido do maior progresso, desenvolvimento científico e material daquela uni-dade hospitalar:

ADELINA PILOTO / ANTÓNIO MONTEIRO DOS SANTOS

140

13 SILVA, 1960: 22.14 Arquivo Distrital do Porto (ADP) – Registo de passaportes, Livro 3242, fl. 94 v.15 O convento de Vairão de freiras beneditinas foi fundado no século X.16 ADP – Passaportes nacionais para fora do reino, Livro 3245, fl. 12.17 AMVC – Termos de responsabilidade e fiança, Livro 3116, fl. 13.18 “Aquele que provar, que ele só, pelo seu trabalho, sustenta qualquer dos seus ascendentes ou

irmãos, que não possam alimentar-se por absoluta carência de meios, e estado de não poder obtê--los; e bem assim o exposto, abandonado ou órfão, que sustentar, só com o seu trabalho, a mulherpobre, ou sexagenária que o criou gratuitamente, e educou desde a infância” (Lei de 27 de Julhode 1855, cap. II, art.º 8, n.º 2).

Page 142: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

António Pedro de Sousa Soares nasceu na freguesia de S. Bento de Vairão. Erafilho do casal José Alves de Sousa Soares e Maria José do Carmo VasconcelosMesquita Queiroz de Sousa Soares. O pai era médico e boticário das freiras bene-ditinas do convento de Vairão. Embarcou para Pernambuco ainda muito jovem etendo alcançado fortuna e notoriedade, prestou ao Real Hospital relevantes servi-ços humanitários e desempenhou o cargo de vice-provedor em 188419.

Albino Gonçalves de Azevedo, natural da freguesia de Fajozes, filho demodestos lavradores – António Gonçalves de Azevedo e Maria Ramos Leite –,prestou termo de fiança para embarcar, em 16 de Maio de 1868. O jovemimberbe de 13 anos de idade, ia recomendado a seu irmão António Gonçalvesde Azevedo (o mesmo nome do pai), que estava em Pernambuco. O pai abonoue pagou a viagem, tendo também assinado o respectivo termo20.

No Brasil, enriqueceu com fábricas de bolachas, de biscoitos e de café. Ogoverno português concedeu-lhe a mercê honorífica do título de visconde deSanto Albino, por decreto de 4 de Janeiro de 1908, atendendo às suas qualida-des humanas e morais, assim como ao relacionamento estreito e profícuo queestabeleceu com a comunidade brasileira21.

O visconde de Santo Albino prestou ao Real Hospital inúmeros serviços efoi de uma largueza de benfeitorias traduzida, por exemplo, na oferta de umaenfermaria que mandou construir e mobilar, e na qual despendeu a avultadaquantia de 35 contos de réis, à qual foi decidido atribuir o seu nome. Razõespelas quais à entrada do átrio da portaria do Real Hospital está, do ladoesquerdo, o busto brônzeo do visconde de Santo Albino22.

Após várias décadas no Brasil, sentindo, talvez, que a saúde já lhe era escassa,o visconde decidiu regressar à sua terra natal, visando a 20 de Abril de 1916, o seubilhete de residência na administração do concelho de Vila do Conde23.

Decorrido menos de um mês do regresso a Portugal, lavrou o seu testa-mento cerrado, declarando, no mesmo, que era solteiro, de maior idade e bra-sileiro naturalizado. O seu testamento é a demonstração cabal da enormeriqueza que acumulou ao longo da vida. Deixou à sua sobrinha, Emília Gon-çalves Azevedo, filha do seu irmão Joaquim, o usufruto vitalício da casa emque residia em Fajozes com todo o seu recheio, juntamente com todas as outraspropriedades que tinha na mesma freguesia, assim como um grande número deprédios na cidade do Recife. Ressalvava ainda, que a mesma sobrinha teria ousufruto enquanto estiver solteira, casando ou falecendo os bens passariampara os filhos da mesma. Embora nunca tivesse casado oficialmente, viveumaritalmente com a referida sobrinha de quem teve vários filhos, e que consa-gra no testamento como principais herdeiros da sua imensa fortuna. Legou no

VILACONDENSES NA FUNDAÇÃO E ENGRANDECIMENTO DO REAL HOSPITAL PORTUGUÊS DE PERNAMBUCO

141

19 VILA do Conde, Caderno de Cultura, n.º 93, 30 de Abril de 1981. 20 AMVC – Termos de responsabilidade e fiança, Livro 3115, fl. 134 v.21 Decreto do rei D. Carlos de 4 de Janeiro de 1908.22 SILVA, 1960: 65-66; 71.23 AMVC – Livro de registo de títulos de residência, Livro 2816, fl. 20.

Page 143: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

testamento redigido a 16 de Maio de 1916, ao Real Hospital de Pernambuco aquantia de cinco contos de réis24.

O visconde de Santo Albino faleceu na sua residência na freguesia de Fajo-zes, no dia 9 de Junho de 1919, deixando em todos os conterrâneos as mais gra-tas recordações.

Em 6 de Outubro de 1873, Manuel de Aguiar prestou, na administração doconcelho, termo de responsabilidade e fiança para o seu filho de 13 anos, BentoLuís de Aguiar, partir com destino a Pernambuco, recomendado ao tio materno,Frei Bento do Monte Carmelo Flores. O pai assinou o termo e pagou a respec-tiva viagem25.

Bento Luís de Aguiar foi um empresário com sucesso e um filantropo dacultura na cidade do Recife. Mandou construir a suas expensas o Teatro do Par-que do Recife, no qual investiu a quantia de 200 contos de réis, tendo o mesmosido inaugurado na noite de 24 de Agosto de 1915, pela Companhia de Opere-tas e Revistas do Teatro Avenida, de Lisboa26.

Contribuiu com generosas dádivas para o Real Hospital e exerceu comgrande empenho e proficiência o cargo de provedor entre 1913 e 191627.

Casou-se no Brasil com Josefina Cavalcanti de Barros. Deste matrimónionasceram três filhos: uma filha e dois gémeos, um rapaz e uma rapariga. À filhamais velha foi dado o nome de Olga, tendo sido baptizada no Recife, na fre-guesia da Boavista, a 26 de Outubro de 1901. Esta veio a consorciar-se com ovilacondense José Pinto Ferreira, natural da freguesia da Junqueira, irmão deRandolfo Pinto Ferreira, (de quem falaremos mais adiante) e tio do Dr. CarlosPinto Ferreira, presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde entre 1954 e1966, e director do jornal Renovação28. Os dois filhos gémeos – António eMaria dos Anjos – receberam a água lustral do baptismo na capela do HospitalPortuguês, no dia 6 de Agosto de 1911, das mãos do seu tio paterno, o Dr. Eliasde Aguiar29, sacerdote e musicólogo, que para o efeito se deslocou a Pernam-buco, na companhia da avó dos neófitos, D. Maria Flores de Aguiar, por nessaaltura ser já falecido o avô Manuel Luís de Aguiar.

De regresso a Vila do Conde, Bento Luís de Aguiar adquiriu uma casa apa-laçada, na Avenida Bento de Freitas, junto ao mar, conhecida pelo PalaceteMelo. Mais tarde, esse palacete foi adquirido pelo industrial Delfim Ferreira,de Riba D’Ave, e está hoje transformado em centro de acolhimento de crian-ças, gerido pela Santa Casa da Misericórdia de Azurara.

ADELINA PILOTO / ANTÓNIO MONTEIRO DOS SANTOS

142

24 AMVC – Registo de treslados de testamentos, Livro 3278 (1918-19).25 AMVC – Termos de responsabilidade e fiança, Livro 3118, fl.30 v.26 FRANÇA, 1977: 15.27 SILVA, 1960: 74-75.28 O jornal Renovação foi fundado em 1936 e extinto em 1983.29 O Dr. Elias de Aguiar foi reorganizador e regente do Orfeão Académico de Coimbra, no ano de

1915, de que ficou célebre a sua primeira audição a 2 de Junho de 1915, em que intervieram Vianada Mota, Augusto Rosa, Afonso Lopes Vieira e Branca de Gonta Colaço (Enciclopédia Luso-Bra-sileira, 3: 123).

Page 144: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Continuando a dar mostras do seu espírito altruísta e solidário, distribuiu avárias instituições vilacondenses, como ao Hospital, ao Clube Fluvial Vilacon-dense e à Igreja Matriz, avultados donativos. À Igreja Matriz, nomeadamente,ofereceu um magnífico órgão de tubos.

Em 13 de Maio de 1913, D. Manuel Baptista da Cunha, Arcebispo Primazde Braga, faleceu na casa de Bento Luís de Aguiar em Vila do Conde, onde seencontrava exilado, após a implantação da República30. Pelos serviços debenemerência prestados à pátria, foi-lhe atribuído o título de comendador.

O seu tio, Frei Bento do Monte Carmelo Flores, frade carmelita, que viviano mosteiro da sua ordem em Pernambuco, exerceu, em simultâneo, no ano de1876, as funções de capelania e de regente do serviço interno da capela do RealHospital, inaugurada em 16 de Setembro de 1859.

Em 4 de Setembro de 1878, cinco anos após a partida de Bento Luís deAguiar para Pernambuco, emigra para a mesma província o seu irmão AntónioLuís de Aguiar, de 11 anos de idade, na companhia do referido tio frade quetinha vindo de visita a Portugal, responsabilizando-se este pelo pagamento daviagem. Infelizmente, este jovem morreu poucos dias após a chegada ao Bra-sil, vitimado pela febre-amarela31.

O comendador da Ordem de Cristo, Marcelino Ferreira de Paços, filho deManuel José Ferreira Paços e de Rosa Maria Lopes, natural da freguesia deTougues, tirou passaporte para emigrar para Pernambuco, em 21 de Janeiro de1892, com 13 anos de idade32. Em 17 de Maio de 1923, com 43 anos de idade,já viúvo, solicitou passaporte para viajar pela Europa e pela América33.

Figura de relevo nos meios comerciais da colónia pernambucana, exerceupor várias vezes os cargos de provedor e de tesoureiro do Real Hospital. Foipresidente do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, tendo na suaadministração construído o edifício onde essa associação está instalada na Ruado Imperador. Pelos relevantes serviços prestados à colónia portuguesa foiagraciado pelo governo português com a comenda da Ordem de Cristo. Fale-ceu em 1949, em Pernambuco, onde residia há 57 anos34.

Randolfo Pinto Ferreira, natural da freguesia de S. Simão e S. Judas Tadeuda Junqueira, nasceu em 1889. Era filho de José Pinto Ferreira e de Ana Fran-cisca de Lima. À semelhança do que era tradição na época, a primogénita destecasal herdou a casa paterna para dar continuidade à família na terra onde estavaradicada e para tratar dos pais na velhice. Dos restantes cinco filhos, quatroemigraram para o Brasil. De entre estes, Randolfo foi o que logrou maiorascensão económico-social. Tendo começado como empregado de comérciofoi-se, paulatinamente, afirmando no mundo dos negócios. Era sócio proprie-

VILACONDENSES NA FUNDAÇÃO E ENGRANDECIMENTO DO REAL HOSPITAL PORTUGUÊS DE PERNAMBUCO

143

30 O AVE, Vila do Conde, n.º 339, de 15/05/1913: 2.31 AMVC – Termos de responsabilidade e fiança, Livro 3120, fl.101 v..32 ADP – Registo de passaportes, Livro 95, fl. 260 v.33 ADP – Registo de passaportes, Livro 3442, fl. 188 v.34 O COMÉRCIO do Porto, Porto, 11/04/1949: 7.

Page 145: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tário de uma grande ourivesaria na cidade do Recife, a ourivesaria Krause. Afamília de Randolfo em Portugal também beneficiou de visível ascensão. Umseu sobrinho – Carlos Pinto Ferreira – formou-se em medicina e durante dozeanos foi presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde35.

Randolfo foi grande protector do Real Hospital e fez parte, como suplente,da Junta Administrativa do Centenário, em 1954-195536.

Randolfo manteve-se solteiro, mas tinha uma filha de namoro que perfi-lhou. Mandou construir, na sua terra natal, um majestoso palacete queombreava em altura com a torre da igreja paroquial da freguesia que se situavanas proximidades. Conta-se que só mandou parar a edificação da torre da suaimponente casa, quando dela conseguiu avistar o mar de Vila do Conde que sesitua a cerca de sete quilómetros do local. Tencionava, após o regresso à suaaldeia, deleitar-se no seu torreão a apreciar ao longe o mar, mas a sorte foi-lhemadrasta, pois faleceu no Recife em 1957, onde foi sepultado.

O comendador da Ordem de Benemerência, José Narciso Maia Palmeira,foi baptizado na igreja de Santa Maria de Vilar, a 3 de Abril de 1901, e era filhode Manuel Antunes Palmeira, lavrador, e de Maria Dias Moreira37.

Chegou ao Recife a bordo do vapor Araguaia, no ano de 1914. O seu pri-meiro emprego foi numa loja de tecidos. A pulso, com muito trabalho e rigo-rosa gestão, passou a sócio maioritário da firma Narciso Maia Tecidos Lda, jun-tamente com a filha, Wanda Maria Stanford Palmeira que nasceu do casamentorealizado em 1942. A firma dedicava-se à venda de tecidos por grosso e a reta-lho, contando, em 1985, com uma rede de 18 lojas, sendo sete no Recife e asrestantes espalhadas por várias zonas do Brasil.

Wanda Stanford Palmeira era casada com o Dr. William Pereira Stanford,distinguido em 1995 com a medalha de prata pelo profissionalismo e dedica-ção ao Real Hospital. O Dr. Stanford, desde 1963, dirigiu o serviço de hemo-diálise e também o programa de transplantes renais, tendo efectuado o primeirotransplante em 17 de Fevereiro de 1976, sendo pioneiro na região.

Durante 17 anos consecutivos, José Narciso Maia Palmeira trabalhou comgrande dedicação e espírito filantrópico no Hospital Português de Beneficên-cia, sendo seu provedor entre 1963 e 1980. Foi também, durante quatro anos,director do Gabinete Português de Leitura. Durante a sua administração, oHospital Português beneficiou de importantes obras: os equipamentos forammodernizados; construiu a maternidade, as rampas ligando todo o hospital, ospavilhões Dr. João Marques, Luís de Camões e Rosa Célia Palmeira (que é suaneta), e o pavilhão que tem o seu nome, além do pavilhão Egas Moniz. Pela suaacção à frente dessa prestigiosa instituição hospitalar, recebeu do então presi-dente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, o grau de comendador daOrdem de Benemerência e uma especial bênção apostólica do papa João XXIII.

ADELINA PILOTO / ANTÓNIO MONTEIRO DOS SANTOS

144

35 VOZ do Ave, Vila do Conde, 13/02/1985: 5.36 SILVA, 1960: 74-75.37 ADP – Registo de baptismos, Livro 168, fl. 3 v..

Page 146: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

José Narciso Maia Palmeira38 recebeu o título de “Comerciante do Ano”,que lhe foi concedido pelas entidades de classe comercial de Pernambuco, em198039. Faleceu a 13 de Agosto de 1989, no Recife, onde jaz.

Fernando Ferreira Maia nasceu em 1902, na freguesia de Guilhabreu. Com 13anos de idade partiu para Pernambuco a bordo do navio Oreana. Iniciou a sua acti-vidade como balconista, passando depois a caixeiro-viajante, profissão que exer-ceu durante dezoito anos consecutivos, até que fundou a sua própria firma. Foiatravés dele que emigraram muitos portugueses, nomeadamente do concelho deVila do Conde. A convite do amigo Palmeira (referido no ponto anterior), exerceudurante quase vinte anos as funções de tesoureiro do Hospital Português40.

Januário José de Almeida, filho de Albino José de Almeida, natural da fre-guesia de Árvore, emigrou para Pernambuco com 13 anos de idade, em 12 deAbril de 191441. Faleceu a 27 de Maio de 1961, na sua casa situada na AvenidaBento de Freitas, em Vila do Conde.

Januário José de Almeida alcandorou-se a lugares cimeiros nos meioscomerciais e sociais de Pernambuco. Fez parte do Gabinete Português de Lei-tura, do Clube Português e do Real Hospital de Beneficência, dispensando aeste atitudes de grande benemerência.

Promoveu, no Recife, em 1955, uma iniciativa filantrópica a favor do Hos-pital da Misericórdia de Vila do Conde, cujo rédito atingiu 102 400 cruzeiros.Foi também benfeitor da Cantina Escolar Vilacondense e de todas as associa-ções locais de índole cultural, recreativa e desportiva. A suas expensas, e emcumprimento de uma promessa de sua esposa, D. Maria Teresa de CarvalhoAlmeida, mandou erigir a igreja do lugar da Areia, de invocação a NossaSenhora de Fátima, inaugurada em 1959. Esta foi considerada a mais impor-tante realização no género, que nos últimos anos se tinha levado a cabo no con-celho, por iniciativa particular42.

Da freguesia da Junqueira partiram muitos emigrantes para o Brasil, e podeufanar-se esta terra do concelho de Vila do Conde, de ter, na actualidade, um seunatural à frente dos desígnios do Hospital Português Beneficente de Pernambuco.

Alberto Ferreira da Costa, nascido a 4 de Maio de 1936, partiu para o Brasilem 1950, levando no bolso a modestíssima quantia de 50$00 escudos, que lhefoi dada pelo irmão Abílio Ferreira da Costa, hoje industrial. Em Pernambuco,singrou como empresário da construção civil, construindo um valioso empório.Dez anos após a partida, voltou a Portugal para contrair matrimónio com Mariado Carmo Ferreira de Castro. De novo regressou ao Brasil, mas nunca esque-ceu a sua terra de origem, promovendo nela alguns melhoramentos significati-vos e sendo alvo de várias homenagens.

VILACONDENSES NA FUNDAÇÃO E ENGRANDECIMENTO DO REAL HOSPITAL PORTUGUÊS DE PERNAMBUCO

145

38 Tio-avô materno de Adelina Piloto.39 VOZ do Ave, Vila do Conde, 9/01/1985: 3.40 VOZ do Ave, Vila do Conde, 16/01/1985: 2.41 ADP – Registo de passaportes, Livro 169, fl. 109v.42 RENOVAÇÃO, Vila do Conde, 3/06/1961: 4.

Page 147: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Em 1971, tornou-se sócio do Real Hospital e em 1976 foi eleito mordomodo mesmo. Em 1990, assumiu o cargo de Provedor e, desde aí até à actualidade,tem sido sucessivamente reeleito. Tem baseado o seu programa de acção numconjunto de reformas tendentes a dotar o hospital com os meios mais moder-nos e eficazes para a prevenção e tratamento de doenças43.

CONCLUSÃO

Fundado, no Recife, em 16 de Setembro de 1855, o Hospital Português deBeneficência teve desde a sua fundação e até ao presente, a valiosa contribui-ção de emigrantes portugueses solidários e beneméritos. Entre eles contam-semuitos vilacondenses.

Trata-se de uma obra que permanece como uma das realizações mais meri-tórias e emblemáticas da comunidade portuguesa no Brasil e bem representa-tiva da capacidade de integração, relacionamento e edificação dos portugueses.

FONTES

Arquivo Municipal de Vila do Conde (AMVC) – Termos de responsabilidade e fiança, Livros3115 a 3141-A (1865-1913). 27 volumes.

AMVC – Livro de registo de títulos de residência, Livro 2816 (1916-1927).AMVC – Arquivo dos Condes de Azevedo, documentos avulso.Arquivo Distrital do Porto (ADP) – Livros de registo de passaportes do Governo Civil do Porto,

Livros 3242 a 3245 (1834-1836); Livros 3412 a 3424 (1914 a 1920).ADP – Livros de registo de baptismos, Livro 168 (1901).COMÉRCIO do Porto, 11 de Abril de 1919.DIÁRIO Pernambucano, 6 e 12 de Junho de 1844.O AVE, 15 de Maio de 1913.RENOVAÇÃO, 13 de Junho de 1961. VOZ do Ave, 9 e 16 de Janeiro de 1985.

BIBLIOGRAFIA

FAUSTO, Boris, 2007 – História do Brasil. S. Paulo: Editora da Universidade de S. Paulo.FRANÇA, Ruben, 1977 – Momentos do Recife. Recife: Secretaria da Educação e Cultura.GOUVEIA, Fernando da Cruz, 1990 – Perfil do Tempo. Recife: Secretaria da Educação e Cul-

tura.HOLANDA, Sérgio Buarque de, 1972 – História Geral da Civilização Brasileira. S. Paulo: Ed.

Civilização.MELLO, Virgínia Pernambucana, 1997 – O Real Hospital Português de Beneficência em Per-

nambuco. Recife: Comissão Organizadora dos 140 anos de aniversário.

ADELINA PILOTO / ANTÓNIO MONTEIRO DOS SANTOS

146

43 MELLO, 1997: 131.

Page 148: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MENSAGEIRO Real, Pernambuco: Real Hospital Português de Beneficência, 2005-2007.RIBEIRO, Gladys Sabina, 2007 – “O Imigrante e a Imigração Portuguesa no Acervo da Justiça

Federal do Rio de Janeiro (1890-1930)” in MARTINS, Isménia Lima; SOUSA, Fernando(orgs.) – A Emigração Portuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento, p. 121-142.

SILVA, Laurindo, 1960 – O Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco no seuprimeiro Centenário. Recife: Imprensa Oficial.

VILACONDENSES NA FUNDAÇÃO E ENGRANDECIMENTO DO REAL HOSPITAL PORTUGUÊS DE PERNAMBUCO

147

Page 149: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 150: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

149

IMIGRAÇÃO PORTUGUESA, CASAMENTOE RIQUEZA EM BELÉM (1870-1920)

Cristina Donza Cancela

Ao procurar analisar a imigração para a Amazônia, mais especificamentepara a cidade de Belém, capital do estado do Pará, no período da economia daborracha, me deparei com uma forte presença de imigrantes portugueses nadocumentação levantada. Para se ter uma idéia dessa superioridade vale desta-car que, no cotejamento de inventários post mortem realizados para os anos de1870 a 1920, cerca de 10% deles dizia respeito a estrangeiros residentes noPará, dentre estes, 87% era formada por portugueses, e os 13% restantes, porfranceses, espanhóis, alemães, ingleses e italianos1.

Esse percentual majoritário pôde também ser percebido nos dados censitá-rios disponíveis para a capital paraense. De acordo com os resultados do recen-seamento de 1872, 79% dos estrangeiros residentes em Belém eram portugue-ses2, esse número cai para 68% em 1920, mas continua representando um valorsignificativo que indica a hegemonia dessa imigração para a capital paraense3.

Diante desse quadro de maior presença de imigrantes portugueses em Belémquando comparados a indivíduos de outras nacionalidades, procurei discutir essaimigração observando, em um primeiro momento, o cenário da economia da bor-racha, quem eram essas pessoas que estavam migrando, de onde vinham, os moti-vos alegados para o deslocamento, as diferenças de status social e gênero, e, para-lelamente, analisar as questões relativas ao casamento e a família destacando osarranjos necessários ao deslocamento, às alianças matrimoniais e à riqueza.

A BORRACHA, A CIDADE E A SUA POPULAÇÃO

O período que compreendeu os anos de 1870 a 1920, foi marcado pela for-mação e auge da economia da borracha, nas províncias que ficam na área que

1 Centro de Memória da Amazônia (Arquivo da Universidade Federal do Pará) (CMM) – Inventá-rios cartório Odon Rhossard. Ano 1870-1920.

2 BRAZIL DIRECTORIA GERAL DE ESTATÍSTICA. Recenseamento da população do Impériodo Brazil 1872. Rio de janeiro: 1873-1876. Parte 10. (Microfilme HA971-A2). CEDHAL/USP,São Paulo.

3 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE) – Recenseamento de1920. População estrangeira das capitais, segundo a nacionalidade e o sexo. Rio de Janeiro:Typ. de estatistica, 1926, p. 328-329.

Page 151: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

atualmente chamamos Amazônia, localizada ao Norte do Brasil. A goma elás-tica produzida nestas localidades atingiu a marca de 24% do total dos produtosexportados pelo país na virada do século, tornando-se o segundo maior item napauta de exportação brasileira4.

As mudanças geradas nestas áreas em conseqüência da produção gomíferapodem ser percebidas nas transformações culturais, arquitetônicas e urbanísti-cas impressas no cotidiano e no cenário das principais capitais amazônicas,entre elas, a cidade de Belém, por cujos portos grande parte do produto eraexportada. De alguma forma, esta liquidez econômica propiciou o aumento darenda dos governos provinciais; a construção de palacetes, praças e avenidas(re)construídos à época; o início do transporte em bonds elétricos e do uso dailuminação elétrica; a vinda de grandes espetáculos e exposições internacionaisque aportavam na capital. Este período foi constantemente associado à imagemda riqueza, do progresso, da alegoria do fausto e da modernidade, pelo menosna leitura dos escritores clássicos5.

Contudo, a literatura mais recente vem chamando a atenção para as tensõese contradições que marcaram este período, problematizando as imagens dofausto, à medida que vão mostrando as dificuldades da população em situaçãode pobreza, em torno da moradia, do trabalho e da circulação nesta metrópoleda borracha6. É portanto fundamental levarmos em conta as diferentes formasde viver esta cidade pelo conjunto de sua população, marcada por diferenças deriqueza e origem. Uma população que redefine e lê de forma distinta as mudan-ças trazidas pela economia do ouro negro.

Uma população que cresce aceleradamente em função da migração internae estrangeira. Pessoas atraídas pelas possibilidades abertas com a exploração daborracha. Para se ter uma idéia do crescimento demográfico da cidade deBelém no período estudado, referimos que ela passa de cerca de 60 000 habi-tantes, em 1870, para cerca de 240 000 em 19207.

Parte da população que aporta em Belém é formada por migrantes nacio-nais, mas um número significativo é composto por estrangeiros, entre eles, osportugueses, que têm uma relação muito estreita com o comércio da borrachana cidade.

CRISTINA DONZA CANCELA

150

4 WEINSTEIN, 1993: 90. Acerca da importância da economia da borracha para a Amazônia cf.também: SANTOS, 1980.

5 BRAGA, 1931; REIS: 1972; CRUZ, 1973; TOCANTINS, 1963; PENTEADO, 1968.6 SARGES, 2002. 7 RECENSEAMENTO DO BRAZIL. Vol. 4, POPULAÇÃO, 1.09.1920. População do Brazil por

estados, municípios e districtos, segundo o sexo, o estado civil e a nacionalidade. Rio de Janeiro:Typ. de estatística, 1926; PARÁ – Secretaria do Governo, Manoel Baena. Relatório apresentadoao governador do Estado em janeiro de 1897. Pará: Typ. Do Diário Official, 1897. ÁLBUM DOESTADO DO PARÁ – Presidente de Província, Augusto Monetenegro (1901-1909). Paris: Impri-merie Chaponet (Jean Cussac), 1908.

8 Os seringais, como eram chamadas as áreas que compreendiam as estradas de seringueiras, loca-lizavam-se inicialmente na região das ilhas próximas à Belém e, posteriormente, atingem áreasmais distantes junto à província do Amazonas e aos rios Solimões, Madeira, Purus e Juruá.

Page 152: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Basta lembrar que muitos dos proprietários de seringais8 no Pará, e dascasas de aviação9 existentes em Belém, eram portugueses, ou portugueses natu-ralizados brasileiros10.

Os comerciantes lusos se destacaram no mercado local de aviamento eexportação, e com o crescimento desse negócio passaram a sofrer a concorrên-cia, cada vez maior, de comerciantes de outras nacionalidades, particularmenteingleses e americanos. Esses últimos foram gradativamente incorporando e fun-dando novas firmas de exportação e importação, beneficiando-se da vantagemde possuírem relações mais estreitas com as maiores empresas estrangeiras con-sumidoras de borracha, muitos delas também de origem inglesa e americana.

Com isso, parte da comunidade mercantil portuguesa concentrou-se nocomércio de aviamento, comprando a borracha das casas de aviamento do inte-rior do estado, ou diretamente, dos donos de seringais (parte deles portugueses)e vendendo-a aos importadores ingleses e americanos, que colocavam o pro-duto no mercado estrangeiro.

Este quadro, aqui rapidamente caracterizado do papel dos estrangeiros nonegócio da borracha, nos ajuda a entender a influência destes indivíduos na re-configuração e consolidação dos grupos sociais locais. Assim, as tradicionaisfamílias de proprietários de terra enraizadas na província ainda no períodocolonial, tiveram que flexibilizar suas atividades para fazer frente às novasdemandas do mercado da borracha e aos indivíduos recém-chegados, muitosdeles, como vimos, estrangeiros, sem tradição, mas com fortunas centradas nonegócio da goma elástica ou às atividades incrementadas a partir de suaexpansão. Com isto, novos signos de riqueza se estabelecem, e as famílias daelite local, cujo patrimônio e prestígio estavam pautados preferencialmente napropriedade de engenhos, criação de gado, ocupação de cargos administrati-vos, funções militares e, por vezes, firmas comerciais, tiveram de restabelecerseus investimentos em novas bases, iniciando e/ou associando-se aos novosnegócios e grupos de comerciantes, formados, não exclusivamente, mas emboa parte, por portugueses. Seringais, casas de aviação, firmas comerciais,ações e imóveis urbanos passaram a estar cada vez mais presente nos legadosdas famílias proprietárias, redimensionando o perfil das fortunas e das alian-ças matrimoniais.

É um pouco da trajetória desses migrantes portugueses diretamente associa-dos ao comércio da borracha, e de tantos outros não necessariamente a ele ligado,

IMIGRAÇÃO PORTUGUESA, CASAMENTO E RIQUEZA EM BELÉM (1870-1920)

151

9 Casas aviadoras eram os estabelecimentos comerciais que abasteciam os seringais de mercado-rias gerais como alimentos, roupas e utensílios, recebendo, em troca, o pagamento em espécie,mais propriamente em borracha. O dono da casa aviadora intermediava a venda da borracha paraa casa exportadora e importadora, ou mesmo uma segunda casa de aviação, maior que a sua, daqual ele próprio era aviado (REIS, 1953: 84-89). O preço alto cobrado pela consignação de mer-cadorias aos seringueiros e o baixo preço pago na hora de comprar a produção da borracha eramreclamações constantes destes trabalhadores, que dificilmente conseguiam saldar suas dívidascom a casa aviadora à qual estavam ligados.

10 SANTOS, 1980: 62.

Page 153: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

mas que de alguma forma vieram para o Pará em função do crescimento econô-mico gerado por ele, que passo a traçar mais detalhadamente a partir de agora.

SOLICITANDO PASSAPORTE, DESLOCANDO-SE PARA O PARÁ

Como muitos desses migrantes chegavam à Belém? Era uma migraçãoeminentemente masculina? As mulheres também se deslocavam? Com filhos?A que atividades estavam ligados? Como vinham e com quem vinham?

Nas caixas da Torre do Tombo encontrei resposta para estas perguntas atra-vés dos inúmeros pedidos de passaportes de homens e mulheres portuguesasque procuravam viajar para o Pará nos anos de 1889 e 1900. Alguns pela pri-meira vez, outros já aqui haviam estado e solicitavam novo retorno. Mostro apartir de agora quem eram essas pessoas, quais suas atividades e os motivos desua viagem.

Com diferentes marcadores sociais de status, geração e gênero, os imi-grantes portugueses vinham dos distritos de: Viana do Castelo, Viseu, Bra-gança, Aveiro, Leiria, Beja, Santarém, Porto, Coimbra, Castelo Branco, Lisboae Ponta Delgada. Ao saírem de seus locais de origem, em vilas rurais de Portu-gal, dirigiam-se para Lisboa, onde ficavam em hotéis ou casa de conhecidos eparentes, até conseguirem dar entrada no pedido de passaporte e ter a autoriza-ção para viajar.

Entre esses imigrantes a presença masculina era majoritária. Dos cerca de124 passaportes solicitados nos anos de 1889 e 1890, 101 foram requeridos porhomens e 23 por mulheres.

Em relação aos homens as principais atividades declaradas nos pedidos depassaporte estavam assim concentradas: proprietários, comerciantes, emprega-dos no comércio, marítimos e trabalhadores agrícolas. Outras profissões apare-ceram em menor escala, como as de: serralheiro, jornaleiro, padeiro, sapateiro,carpinteiro, criado de servir, calafate, alfaiate, pescador e vendedor ambulante.Este perfil mostra a diversidade de ocupações daqueles que procuravam migrar,embora se acentue o fato de que a maior parte deles estava, de alguma forma,associada às atividades comerciais, fosse na condição de proprietário de casacomercial, fosse como empregado no comércio. De igual maneira, o número deindivíduos que se declararam “lavrador” ou “trabalhador agrícola” mostrou-setambém bastante expressivo, apoiando a idéia que associa as dificuldades deposse e distribuição da terra em Portugal à migração11.

A maior parte daqueles que migrou para o Pará declarou-se solteiro, comoé o caso do comerciante Joaquim Nunes da Silva Motta, de 44 anos de idade,natural do Distrito de Castello Branco e que, ao vir ao Pará pela segunda vez,traz o sobrinho, também solteiro, Acassio Nunes da Motta, “o qual vae seguir

CRISTINA DONZA CANCELA

152

11 SCOTT, 2002.

Page 154: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

a vida commercial”, tal qual o tio12. Ou mesmo pessoas como o padeiro JoãoMartins Corrêa, 28 anos, que não sabe ler nem escrever13. Solteiro, viajou sozi-nho a fim de exercer sua profissão, assim como o agricultor de 21 anos deidade, Casimiro da Silva, também solteiro14.

A propósito do expressivo número de indivíduos solteiros que aqui aportaramfoi possível encontrar imigrantes que se declararam casados, ainda que, a maiorparte deles viajasse sozinha, supostamente deixando mulheres e filhos em Portu-gal. Situações como a do jornaleiro Manoel Fernandes, 30 anos de idade, do dis-trito de Vizeu15, ou do sapateiro de 27 anos, Antonio dos Santos16. No formulá-rio ambos declararam-se casados mas viajavam sozinhos justificando a viagempelo propósito de “exercer sua profissão” ou “arrumar meios de vida”.

Uma vez analisado o perfil da imigração masculina, discuto, a partir deagora, a feminina observando que a principal justificativa das mulheres para arealização da viagem para o Pará era a necessidade de vir ao encontro domarido, ou da família, que aqui residia. Era essa a situação de Josefina de Jesus,30 anos de idade, que viajava com a filha, Maria da Conceição, de 11 anos, oude Emilia Carreira Gaspar, de 26 anos, que viajou com o filho, Pedro, de doisanos, todas elas declararam como motivo da viagem o fato de irem para “com-panhia de seu marido”17.

Outras, em menor número, vinham acompanhadas do marido, como RosaMaria de Jesus, 23 anos, casada, prendas domésticas, que chegou ao Brasil em1896, depois de ter vivido em Portugal durante três anos com seu marido, Ave-lino Xavier da Costa, 25 anos, que se tornou caixeiro de um armazém, emBelém, onde se comprava partidas de borracha18.

A propósito da maior parte das mulheres justificar a vinda ao Pará pela pos-sibilidade de ficar em companhia do marido, ou da família, não foi pequeno onúmero de portuguesas que afirmavam viajar para tratar de negócios da casa oumesmo para trabalhar. Algumas delas eram viúvas, como Maria da Luz Gonçal-ves, 26 anos, proprietária, que viajava com seus dois filhos, Andreza e Carolina,de 4 anos e 17 meses, respectivamente, para “tratar dos negócios da casa”19.Outras viajavam em busca de trabalho e, em geral, exerciam atividades ligadasao serviço doméstico, como: criadas, engomadeiras, costureiras e amas-de-leite.

Comumente, essas mulheres trabalhadoras vinham sozinhas ou em compa-nhia de seus filhos. Assim foi com a criada Marianna da Conceição, de 23 anosde idade, que veio ao Pará a fim de “exercer sua profissão”. Ou mesmo da costu-reira Adelaide Augusta das Neves, 33 anos de idade, solteira, não sabia ler nem

IMIGRAÇÃO PORTUGUESA, CASAMENTO E RIQUEZA EM BELÉM (1870-1920)

153

12 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 06, NT 2511. Ano 1889. 13 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 14, NT 2646. Ano 1890. 14 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 54, NT 935 . Ano 1896. 15 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 5, NT 2510. Ano 1889.16 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 5 (segundo maço), NT 2510. Ano 1889. 17 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 83, NT 2014a. Ano 1900. 18 CMM – 3.º Distrito Criminal. Ferimentos leves. Cx 1896. Doc. 3. Ano: 1896. 19 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 14, NT 2646. Ano 1890.

Page 155: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

escrever, que viajava com seu filho Damaso, de nove anos20. E, ainda, Maria dasDores Madeira, 26 anos, criada de servir, solteira. Ela queria viajar para o Pará emcompanhia da filha bastarda recém nascida, ainda com quatro meses de idade, quetivera no lugar onde residia, no distrito de Beja. Sem condições de criar a filha emsua localidade, via no Pará a possibilidade de “procurar meios de occupação”21.

Fragmentos de histórias de mulheres viúvas ou solteiras, algumas proprie-tárias, muitas trabalhadoras pobres, viajando sozinhas ou com seus filhos natu-rais, que vinham ao Pará em busca de trabalho e meios de sustentar a família.

Uma vez no Pará, muitos desses imigrantes se fixaram e construíram umavida familiar a partir do casamento realizado em Belém. Ao analisar os regis-tros de casamento religioso de duas igrejas de Belém, Sé e Nazaré, podemosreencontrá-los. Em meio aos homens, a maioria veio a casar-se com mulheresparaenses, o que correspondeu a um total de 48% dos matrimônios realizados.A opção pelo casamento com paraenses chega a ser 34% maior do que onúmero de uniões realizadas com mulheres portuguesas. Estas últimas atingemapenas 14% dos enlaces realizados. De certa forma, isto pode estar associadoao próprio caráter dessa migração, marcada pela forte presença masculina emdetrimento da feminina realizada em menor número.

Em contrapartida, as mulheres portuguesas que viviam em Belém contraí-ram matrimônio majoritariamente com seus conterrâneos. Das vinte e oitomulheres presentes nos registros, um pouco mais da metade contraiu núpciascom homens da mesma nacionalidade (54%), as demais se uniram aos homensparaenses (18%) e nordestinos (11%).

Dos noivos e noivas portuguesas que se casaram em Belém a maioria vinhade famílias legítimas marcadas pelo matrimônio de seus genitores, o que cor-respondeu ao total de 72% de nubentes nessa condição. Uma realidade dife-rente da população local, que provinha majoritariamente de famílias ilegítimas,onde se tinha a ausência no registro de pelo menos um dos genitores.

Ficar no Brasil, mesmo para aqueles que eram casados em Portugal, mos-trou-se uma alternativa para muitos destes imigrantes. Exemplo disso é a traje-tória do português Francisco Pereira da Silva, de 34 anos de idade, lavrador,casado, que ao ser perguntado sobre sua família em um auto aberto na delega-cia, em 1873, em função de uma briga por causa de um serrote, assim declarou:“...que existe na Ilha de Faial, achando-se sua mulher senhorinha Isabel daSilva e que também tem na companhia desta dois filhos.” Dando continuidadeao interrogatório, a autoridade pergunta “Porque o dito Francisco ausentou-sede sua família abandonando-a?”, ao que ele respondeu:

que não abandonara sua família, e sim aventurou-se deixando sua mulher efilhos em companhia de seus parentes e que veio para o Brasil procurar algummeio de vida e que logo que pudesse voltaria para o seio de sua família, por-

CRISTINA DONZA CANCELA

154

20 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 6, NT 2511. Ano 1889.21 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 14, NT 2646. Ano 1890.

Page 156: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

que preferia passar por necessidade do que representar algum papel diante dosseus”. Complementou ainda que: “casou com 26 para 27 anos depois queabandonou a vida marítima, que sendo seus pais mortos deixou alguma coisaque por ocasião do que, elle respondente, assistia sua família.” Perguntadopelo delegado se possuía família no rio Acará, respondeu que: “por necessi-dade para ter algum trato delle respondente em suas enfermidades ou mesmoquem defenda seus interesses em sua ausência encostou-se a uma mulher quevive ainda em poder de seu pai de nome, Anna Pereira Gemaque, com quemelle respondente mora22.

De seu depoimento depreende-se que o português Francisco deixara amulher com os filhos em Portugal, que sobreviviam com o auxílio de parentese de bens deixados pelos pais do mesmo. Francisco estava há oito anos no Pará,onde exercia a profissão de lavrador, provavelmente no rio Acará (interior doestado), e há cinco meses viera para Belém, onde permanecia. Como bem afir-mou em seu depoimento, vivia “encostado” com uma mulher em Acará. Anecessidade de ter alguém, para o português, estava associada ao cuidado emcaso de enfermidade e proteção de seus interesses. Em seu depoimento reiteraa pretensão de voltar a Portugal, apesar de encontrar-se há oito anos no Brasil,para onde veio em busca de novas oportunidades.

Não se tem como saber se Francisco realmente voltaria a Portugal, mas aquestão que se coloca a partir de sua narrativa é que a migração para o Brasilé, muitas vezes, encarada por esses imigrantes como temporária, uma alterna-tiva para a acumulação de capital e a possibilidade de retorno em uma condi-ção de riqueza e prestígio superior àquela deixada quando do deslocamentopara a antiga colônia. Uma estratégia bastante utilizada e aludida nas narrati-vas, mas nem sempre atualizada nas experiências cotidianas.

DE VAPORES E CARTAS

Ainda seguindo a trilha dos pedidos de passaporte encontrei um conjunto decartas trocadas por casais portugueses, que se encontravam separados, vivendocotidianos pontuados por dias de distância em navios a vapor. Suas correspon-dências enviadas nas embarcações que saíam dos portos de Belém e Lisboaencontram-se anexadas aos pedidos de passaporte solicitados junto ao GovernoCivil de Lisboa. Essas cartas outrora minimizaram os espaços e as distâncias,hoje, permitem conhecer às ausências, às formas de organização da vida domés-tica, às relações de parentesco, o reiterar do amor e dos procedimentos necessá-rios para a viagem que possibilitava o re-encontro familiar destes casais.

A partir delas fragmentos de trajetórias de vida podem ser conhecidos,como a do português Bento Motta e sua esposa Josefina de Jesus, de 30 anos

IMIGRAÇÃO PORTUGUESA, CASAMENTO E RIQUEZA EM BELÉM (1870-1920)

155

22 CMM – Auto de Perguntas. Fundo de Segurança Pública. Ano 1873. Cx 1873.

Page 157: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

de idade. Ele morava em Belém, ela em Lisboa. E, desta forma, eles se comu-nicaram:

Pará, 20 de novembro de 1900Minha querida esposa. Muito estimo que estas duas mal notadas linhas a

vão encontrar com uma perfeita e feliz saúde, mais as nossa filha i touda afamília. Mulher. Hoje mesmo terminei a tua jornada i de nossa filha a Concei-ção ahi te mando uma letra com o valor de 50.000 mil réis para ires receber acaza de Braga não posso agora te mandar mais. Recebe o dinheiro da vaca.evende o pão que eu te lá deixei i venderas a porca e as batatas toudas i faz porapurares todo esse dinheiro, venderas a lã que tudo te sera precizo para a tuajornada e nossa filha Conceição, faz por a render os bens se ober quem osqueira. Se não haver quem os queira entrega a teu pae i que pague os tributos.Faz os impossíveis para ver se cá esta para o natal. A casa de cima arrenda i asoutras debaixo onde estava o caiador deixa la ficar os nossos moveis e deixa-ras la a chave da casa a tua mai, traz os lençóis que cá tudo é precizo e traz ascolças. Prega o portão da casa de cima que entras para a debaixo com umataboa...compra uns sapatos para a pequena para aqui desembarcar...Si não tratoem Lisboa, eu escrevo daqui para o Antonio Araújo para elle te ir esperar naestação i para vir com tigo a te o vapor i elle mesmo te trata do teu passaporteirás com essa carta a Taboaço reconhecer a carta no tabelião i arranjar logo osteus papeis toudo em Taboaço, para não andares [ ilegível]. mandame dizerque vapor vens para eu a qui te esperar no desembarque não traga encomen-das para ningém, quem sofre com isso somos nós, é precizo que tu tragas essacarta para tirares o passaporte é precizo mostrar essa carta i ser reconhecidapelo tabelião. Mandaras comprar uma roupinha a pequena para trazer com tigonão te encomodes sou teu marido, só a vista terá fim. Se não houver algumapessoa que venha para aqui não tenhas medo de entrar no vapor.

Bento Motta23.

Josefina reconhece a carta alguns dias depois, junto a um tabelião, em 13de dezembro de 1900. Ela e Bento estavam casados há 12 anos conforme infor-mação da certidão de batismo da filha, Maria, que nascera no ano posterior aocasamento, em 1889. Naquele ano, Bento exercia a atividade de jornaleiro e ocasal vivia no “Concelho de Taboaço”, diocese de Lamego, onde ele instruíraa esposa a reconhecer a documentação. A carta faz alusão à remessa dedinheiro, através de letras, feita por Bento à família que restara em Portugal.Bento chega a ser minucioso nas instruções que remete a Josefina para que estaviabilizasse os preparativos de sua jornada, mandando-lhe vender a vaca, aporca, trancar as portas, deixar a chave com a mãe e entregar ao pai o que nãopudesse vender, ao que este trataria de pagar os tributos.

Essa correspondência demonstra bem a dimensão das medidas que implica-vam o deslocamento dessas pessoas. Para além do valor monetário do traslado,

CRISTINA DONZA CANCELA

156

23 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 83, NT 2014a. Ano: 1900.

Page 158: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

elas dão uma descrição rica dos pormenores necessários para se desfazer, mesmoque temporariamente, dos bens e afazeres de Portugal a fim de realizar a viagem.

Bento sugere à esposa que traga lençóis e colchas, “porque cá tudo é pre-cizo”. Chega mesmo a destacar a importância dela comprar um sapato e umaroupa à filha para a viagem e o desembarque no Pará. A longa viagem para umlocal desconhecido poderia implicar em um certo receio, ao que se percebe dapreocupação de Bento ao consolá-la dizendo que “se nao houver alguma pes-soa que venha para aqui não tenhas medo de entrar no vapor ”.

Na narrativa fica clara a importância da rede familiar e de amizade para ospreparativos da viagem. Josefina ia precisar dos pais para, entre outras neces-sidades, guardar a chave da casa e ficar responsável pelas coisas que não con-seguiria vender. Iria também precisar do auxílio de um amigo, a quem Bentorecorreria para levar a esposa à estação e ao vapor, além de ajudá-la com a soli-citação de passaporte.

Uma segunda carta nos permite conhecer a história de Emilia Carreira Gas-par Dias de Souza, de vinte e seis anos de idade. Ela morava em Lisboa com ofilho de dois anos, Pedro, em companhia de seu sogro. O marido, Pedro Fer-nandes Dias de Souza, encontrava-se em Belém e era oficial da marinha mer-cantil. Seu pai, após algum tempo convivendo com Emilia e o filho, parece tê--lo pressionado a mandar buscá-los para viver com ele em Belém. Segundo acarta de Pedro à Emilia, este alega ter ficado surpreso com a carta do pai soli-citando que o filho mandasse chamar a família. Diz Pedro:

Pará, 31 de Outubro de 1900É o meu maior desejo e os meus ardentes votos que esta minha carta te va

encontrar no gosso de bôa saúde, assim como nosso querido filhinho, e maisfamília, em ao presente sem novidade. Pelo paquete passado fiquei tão surpre-hendido com as cartas recebidas de meu pae, que não disse tudo que queria,porque enfim é meu pae, mas elle me faz uma accusação que eu não mereçopois que se perdeu o logar na Ilha Brava a culpa foi delle, porque se opôz a tuavinda par cá, e agora diz que eu tinha promettido mandarte vir e que elle fiadonisso tratou de tudo para embarcar no transporte. A pouca é que como eu nãote mandasse virque perdeu o logar, pois que não havia de te deixar sozinha eagora diz me que já tem logar e que deve lá estar em dezembro, e portanto queresolva a teu respeito. Ora eu já resolvi que é a tua vinda para cá como verásnão? a carta e junto desta encontrara uma ordem de 200#00 fortes, e para ooutro mandarei o resto caso me seja fácil.... contava mandar-te dinheiro agora,mas só fazem pagamento no dia 1 do mez e o paquete sae hoje e não há outro,tem paciência que até 25 (vinte e cinco) de novembro chegará ahi, chegara semfalta que a ordem vae em teu nome farás o que entender. Não acredito aindaque meu pai vá para a Ilha, mas quer vá quer não, tu é que ahi não ficas. Nãodeixes ahi ficar senão o que de todo for impossível trazer informa-te na agen-cia do vapor onde tomares passagem se pode trazer mobília com bagagem,cuja mobília demarcaras e encaixota as para o que tem junta em Lisboa paraisso, porque só tu aqui veras como isso aqui é caro. A casa já tenho, é uma dasmais baratas que pago, faz lá idéia, 24#000fortes, por...mez!!, tem sola, alcova

IMIGRAÇÃO PORTUGUESA, CASAMENTO E RIQUEZA EM BELÉM (1870-1920)

157

Page 159: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

e um quarto, casa de jantar, cosinha e fora um quintal, um banheiro e retrete,e estou com sorte felizmente. Por hoje nada mais e aguardo carta tua para sermais extenso.

Pedro Fernandes Dias de Souza24.

Como já observado Emilia e o filho ficaram em Lisboa com o sogro, que passou a exercer certa pressão para que Pedro os mandasse buscar. O marido paga-ria a despesa da viagem enviando ordens de pagamento. Por outro lado, Emiliadeveria cuidar de todos os preparativos para o embarque e, embora não precisasseda autorização do esposo para realizá-lo, era necessário reconhecer a carta dePedro junto a um tabelião para retirar o passaporte. Ao que parece, ela viria paraviver durante algum tempo, tendo em vista a preocupação em trazer a mobília,pois, segundo Pedro, as coisas em Belém eram caras, justificando tal despesa,como ele afirmara à esposa: “só tu aqui veras como isso aqui é caro”. Mesmo opreço da casa em que ele vivia lhe parecia muito alto frente às características queesta apresentava e por ele minuciosamente descrita. Em suas palavras: “A casa játenho, é uma das mais baratas que pago, faz lá idéia, 24$000 fortes, por... mez!!.”

Mais uma vez vemos a importância das relações de parentesco para a rea-lização da viagem entre as duas margens do Atlântico. De alguma maneira, aviagem de Pedro se fez possível à medida que a mulher e o filho ficaram como seu pai.

Emilia deveria vir no mês de dezembro para o Pará, o mesmo período do des-locamento de Josefina, devendo informar a data do embarque em pelo menos umpaquete de antecedência. Outros tempos, outras medidas de referência.

Essas histórias nos trazem fragmentos de circunstâncias particulares davida desses imigrantes. Da preocupação com a compra do sapato da filhapequena para o desembarque no Pará ao fechamento da porta com tábuas dacasa portuguesa; do envio de uma carta chamando a cônjuge para viver juntode si, justificando, desse modo, junto às autoridades, a sua viagem, às ordensde pagamento enviadas para a realização da mesma. Em sua singularidade,essas histórias revelam, com riqueza, os detalhes, as dificuldades, acordos eajustes domésticos necessários à realização da migração. E, com elas, um olharnovo e complementar se faz associar aos números e percentuais da migração aque remetem as solicitações de passaporte que pontuei no item anterior.

CASAMENTO E ALIANÇAS

Ao chegar em Belém, esses imigrantes assumiam diversas profissões.Encontrei-os na condição de aguadeiros, leiteiros, no transporte de bonds movi-dos a animal, caixeiros e proprietários de casas comerciais.

CRISTINA DONZA CANCELA

158

24 ANTT – Listagem de Passaporte. Governo Civil. Cx. n.º 83, NT 2014a. Ano 1900.

Page 160: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A maior parte daqueles que enriqueceram estava de alguma forma ligada aocomércio da borracha, direta, ou indiretamente. Como em muitas localidades,a propriedade de terra e gado ficava nas mãos das famílias tradicionais da elitelocal, cabendo aos imigrantes recém chegados, atraídos pela economia da bor-racha, o comércio. Todavia, embora a borracha trouxesse a perspectiva do enri-quecimento ou o fortalecimento de fortunas já iniciadas, nem sempre isto erasuficiente para que os proprietários estrangeiros participassem do universo res-trito da elite paraense. Fazia-se necessário aliar à riqueza outros fatores comoprestígio, reconhecimento, nome e tradição familiar, o que poderia ser alcan-çado através de alianças comerciais e/ou conjugais com membros das famíliasproprietárias local que, como já salientado, remontavam ao período colonial,quando muitas delas receberam sesmarias doadas pela coroa.

Como já referi, essa elite local possuía terra, gado, engenhos de açúcar,ocupavam cargos políticos e funções militares que desvelam sua rede deinfluência e poder. Pouco a pouco, esses proprietários combinaram essas ativi-dades à extração de seringa, ou ainda, à firmas de aviamento ou de comérciode mercadorias em geral. A entrada neste negócio poderia se dar de forma indi-vidual ou através de sociedades comerciais, que muitas vezes envolviamcomerciantes estrangeiros, muitos deles portugueses, filhos de portugueses, oubrasileiros naturalizados.

Estas sociedades não raramente extrapolavam o âmbito dos negócios ealcançavam as relações familiares. A abertura dessas famílias tradicionais anovas atividades e negócios podia ser iniciada, ou consolidada, a partir daaliança matrimonial com comerciantes estrangeiros, que passaram a ocuparcada vez mais espaços organizacionais, reforçar associações, investir em servi-ços urbanos, estendendo sua rede de poder e de influência.

Em meio às alianças conjugais envolvendo famílias de comerciantes por-tugueses, ou filhos de portugueses, e famílias tradicionais da elite local, cabe oexemplo do matrimônio de João Gualberto da Costa Cunha e Anna CândidaMalcher Cunha.

João Gualberto da Costa Cunha nasceu em 1844 no Maranhão sendo filhode pais portugueses. Sua família de comerciantes era importante naquela pro-víncia, recebeu o nome homônimo de seu avô português que chegara ao Mara-nhão ainda no início do século XIX. Uma vez em Belém, João Gualberto tor-nou-se um dos maiores comerciantes locais, participando da firma de avia-mento “Darlindo Rocha & Companhia”. Participou, ainda, da instituição epublicidade do Banco Emissor. Casou-se com Anna Cândida Malcher Cunha,filha de uma família de proprietários de terras concedidas por sesmarias. Seupai, José da Gama Malcher, era médico, tendo ocupado diversos cargos naadministração da província, como o de vereança, chegando mesmo a ser,durante muitos anos, intendente de Belém. Vê-se assim de que forma um

IMIGRAÇÃO PORTUGUESA, CASAMENTO E RIQUEZA EM BELÉM (1870-1920)

159

25 CMM – Inventário João Gualberto da Costa Cunha. Maço 27. Ano 1908.

Page 161: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

migrante maranhense de uma rica família de origem portuguesa casou-se comuma mulher da elite local25.

Na verdade, ao chegar ao Pará, João Gualberto não estava sozinho. Seu tiomaterno, Francisco Gaudêncio da Costa, já era um rico comerciante instaladoem Belém desde a primeira metade dos oitocentos. Francisco era casado com aparaense, Carlota Pombo Brício, sobrinha de um grande pecuarista da Ilha doMarajó, Ambrozio Henrique da Silva Pombo26. Por sua vez, sua esposa, Car-lota, era irmã do barão do Marajó, José Coelho da Gama e Abreu, que foi pre-sidente da província do Pará, em 187927.

Esses dados deixam claro como membros de duas gerações de uma mesmalinhagem de comerciantes portugueses, ou filhos de portugueses, Francisco eJoão Gualberto, casaram-se com mulheres de famílias tradicionais paraenses,proprietárias de terra e com grande influência na política local; afinal, a cunhadade Francisco fora casada com um presidente de província, e seu sobrinho, JoãoGualberto, casou-se com a filha de um intendente da capital paraense.

Através dessas alianças as famílias fortificavam o patrimônio e ampliavama rede de influência política, o que, particularmente para os migrantes, poderiatornar-se um elemento importante de integração à sociedade e aos espaços desociabilidade da elite local.

Estas histórias poderiam ser multiplicadas, no entanto, aqui, cabe apenasindicá-las e através das diversas fontes trabalhadas, trazer um pouco do uni-verso da imigração realizada para o Pará e sua capital, compreendendo algumastrajetórias pessoais de homens e mulheres, casados e solteiros, que viajavamsozinhos ou acompanhados, alguns vinham sem riqueza, outros com bens,havendo ainda os que fizeram fortuna a partir de negócios ligados direta, ouindiretamente, à borracha. Muitos se casaram em Belém, com paraenses ouportuguesas, alguns se associaram às tradicionais famílias da elite local atravésdo matrimônio. Muitas histórias, tantas outras trajetórias por contar, mas outrosvapores ainda podem ancorar nas duas margens do Atlântico...

BIBLIOGRAFIA

CANCELA, Cristina Donz, 2006 – Casamento e relações familiares na economia da borra-cha.Belém 1870-1920. São Paulo: Universidade de São Paulo (tese de doutoramento).

BATISTA, Luciana Marinho, 2004 – Muito além dos seringais: elites, fortunas e hierarquias noGrão-Pará, c.1850-c. 1870. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)(tese de doutoramento).

BORGES, Ricardo, 1986 – Vultos notáveis do Pará. Belém: CEJUP. BOTELHO, João José da Costa, 1983 – A família Castro no Pará. Belém: Falangola.

CRISTINA DONZA CANCELA

160

26 BORGES, 1986: 131.27 BORGES, 1986: 646

Page 162: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

BRAGA, Theodoro Reis, 1931 – História do Pará: resumo didactico. São Paulo: CompanhiaMelhoramentos.

CRUZ, Ernesto, 1973 – História de Belém. Belém: Universidade Federal do Pará (UFPA), vol. 1.FONTES, Edilza Joana de Oliveira, 1993 – “Prefere-se portuguesas: mercado de trabalho,

racismo e relações de gênero em Belém do Pará. Cadernos do Centro de Filosofia e Ciên-cias Humanas, Belém: UFPA, vol. 12, n.º 1/2, p. 67-84.

REIS, Arthur Cezar Ferreira, 1953 – O seringal e o seringueiro: documentário da vida rural. Riode Janeiro: Ministério da Agricultura, Serviço de Informação Agrícola.

PENTEADO, Antonio Rocha, 1968 – Belém: Estudos de geografia urbana. Belém: Universi-dade Federal do Pará.

PEREIRA, Miriam Halpern, 2002 – A política portuguesa de emigração (1850-1930). Bauru//São Paulo: EDUSC/Portugal: Instituto Camões.

SANTOS, Roberto, 1980 – História Econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T.A.Queiroz.

SCOTT, Ana Silvia, 2002 – “Aproximando a metrópole da colônia: família, concubinato e ilegi-timidade no noroeste português (século XVII e XIX)”, in Anais do XIII Encontro da Asso-ciação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP). Ouro Preto/Minas Gerais, Novembro.

MARIN, Rosa Acevedo, 1985 – “As alianças matrimoniais na alta sociedade paraense no séculoXIX”. Revista Estudos Econômicos, São Paulo: Instituto de pesquisas Econômicas (IPE), n.º15, p. 153-167.

WEINSTEIN, Bárbara, 1993 – A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920).São Paulo: HUCITEC/EDUSP.

IMIGRAÇÃO PORTUGUESA, CASAMENTO E RIQUEZA EM BELÉM (1870-1920)

161

Page 163: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 164: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

163

OS “BRASILEIROS” DE TORNA-VIAGEM E AS RELAÇÕES PORTUGAL-BRASIL

NA DÉCADA DE 1930 – ESTUDO DE CASO

Fernanda Paula Sousa Maia

Com fortes raízes na região Noroeste do continente português que, desde oséculo XVII, viu muita da sua população excedente cruzar o Atlântico emdemanda do Brasil, seria, no entanto, apenas no século XIX que a emigraçãopara o território americano registaria um volume quantitativo mais expressivo,factor responsável e determinante para o debate que a partir de então suscitou.Embora inserida numa era de migração de massas que afectou toda a Europa,a emigração portuguesa para a antiga colónia americana, agora nação indepen-dente, não deixaria de ser vista, pelo Estado, como um fenómeno isolado,expressão sintomática de uma vivência patológica da sociedade portuguesa, aque o sentimento de decadência nacional, prevalecente nos finais da centúria,viria a emprestar ainda maior consistência.

Na verdade, o fluxo emigratório para o Brasil, nunca deixou de ser umarealidade ambivalente, já que, como bem sublinhou Eduardo Lourenço, a emi-gração enquanto fenómeno complexo pôs, sobretudo, em causa a imagem denós mesmos. Talvez assim se perceba melhor a tendência do discurso oficialpara, pelo menos até à década de 1940, acentuar a noção de decadência na aná-lise deste fenómeno. Entroncando, mais uma vez, na carga cultural decadentistaque tão bem nos caracterizou, este discurso voltaria ostensivamente as costas àperspectiva do actor-protagonista desta aventura – o emigrante. Dele ficaria aimagem do pobre, rústico e analfabeto que, na sua ignorância, se tornou umapresa fácil e desprevenida nas mãos de engajadores sem escrúpulos, visão afi-nal tão contrastante com o sucesso daqueles que, uma vez regressados, não dei-xaram de criar oportunidades para ostentarem a sua riqueza.

Esta matriz discursiva sobrepôs-se à própria realidade que, especialmente anível local, oferecia vários exemplos de emigrantes de sucesso que regressavamenriquecidos. Na verdade, hoje sabemos que muitos destes homens que partirampara o Brasil não o fizeram definitivamente. O retorno puro e simples ou, ainda,a reemigração, ou seja, o retorno temporário, gerando um movimento pendularde emigrantes, cadenciado pelo ritmo dos negócios, dos afazeres, das festivida-des locais ou apenas para tratar de questões particulares (descansar, marcar pre-sença em casamentos, baptizados e solenidades públicas ou privadas), assumi-ram uma inegável importância e até algum significado estatístico, como o pro-

Page 165: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

vou, para a região do Porto, Jorge Fernandes Alves1, que estimou o retorno daemigração oitocentista para o Brasil, entre 30 a 50% dos que partiram. Aliás,qualquer leitura, mesmo desatenta, da imprensa periódica portuguesa de finaisde Oitocentos e de toda a primeira metade do século XX ajuda-nos a confirmareste fenómeno ritmado de partidas e chegadas dos emigrantes de sucesso às suasterras de origem, registadas em pequenas notícias nas quais o(s) redactor(es)saudava(m) a chegada e dava(m) as boas vindas, fazia(m) votos de boa viagemde regresso ou, simplesmente, desejava(m) melhoras de saúde. Eles eram, local-mente, os exemplos mais acabados de sucesso de homens que, partindo comoiguais, por si próprios tinham conseguido vencer e, por isso, despertavam emseu torno o interesse público, e até a inveja, que a imprensa escrita local, con-soante os interesses em presença, aproveitava para mediatizar.

Estes ressentimentos e invejas ajudam a explicar o aparecimento, na litera-tura de finais do século XIX, de um novo personagem, o brasileiro de torna-viagem fixado, quase sempre, com traços estereotipados que acentuavam oexotismo da sua linguagem e do seu vestuário, a ostentação de adereços e dossinais exteriores de riqueza, associados, geralmente, a um perfil psicológicopouco abonatório, em que a imodéstia, a falta de cultura e de educação, decor-rentes de um arrivismo endinheirado, eram a tónica.

E, embora, o Estado Novo tenha tentado reverter esta imagem do emigranteportuguês no Brasil, veiculando uma versão mais positiva, destinada a protegê--lo e a acarinhá-lo, mas também a torná-lo objecto de propaganda do regime2, oque é facto é que também do lado brasileiro, por esta altura, a imagem do emi-grante português não era mais abonatória. Na verdade, por um lado, o recrudes-cimento dos sentimentos nacionalistas brasileiros surgidos na sequência daimplantação da República neste país sul-americano, em 15 de Novembro de1889, e, por outro, as dificuldades sentidas no relacionamento entre o Brasil ePortugal após este período, que levaram mesmo à interrupção das relações diplo-máticas ocorridas entre 13 de Maio de 1894 e 16 de Março de 18953, provocouum aumento significativo das reacções antiportuguesas. Esta lusofobia é bemvisível na célebre caricatura da autoria de Raul Pompeia, surgida em 1893, e inti-tulada Brasil entre dous ladrões, na qual o português é representado a partir davisão estereotipada do portuga, um homem pequeno, gordo e novo-rico, de san-dálias de trabalho, vestes aparatosas e chapéu grande4, incorporando uma visãopredominante, especialmente no seio do movimento nacionalista brasileiro.

FERNANDA PAULA SOUSA MAIA

164

1 ALVES, s.d: 353.2 PAULO, 2000: 25; 53; 85.3 A 6 de Setembro de 1893, elementos da marinha brasileira, comandados por Saldanha da Gama,

manifestaram a sua oposição monárquica ao regime republicano brasileiro. Tendo, no entanto,sido derrotados, o comandante e mais 500 dos seus homens refugiaram-se a bordo de dois barcosde guerra portugueses ancorados na Baía da Guanabara, comandados pelo Almirante Augusto deCastilho, que os transportaram a Buenos Aires. Esta decisão provocou profunda indignação nogoverno e povo brasileiro.

4 VIEIRA, 1991: 127.

Page 166: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Nem mesmo os argumentos dos defensores brasileiros das vantagens daaproximação luso-brasileira, como é o caso de intelectuais como SílvioRomero5, foram suficientes para apagar esta visão crítica de Portugal e dos por-tugueses no Brasil. Por outro lado, o crescente fluxo de emigrantes portugue-ses desembarcados nos portos brasileiros, caracterizado predominantemente,aos olhos da época, por homens pobres e incultos, como, em 1902, escrevia oescritor e jornalista português, Alberto d’Oliveira, não ajudava a melhorar estaimagem “da vida e da sociedade portuguesa”6.

Mal entendido pela grande maioria dos intelectuais da sua época, o emi-grante português no Brasil – ‘brasileiro’ em Portugal e ‘portuga’ no Brasil – foi, no entanto, sem o saber, uma das figuras mais importantes para a dinami-zação económica, social, política, cultural e educativa das suas terras de ori-gem, como temos vindo a defender nos estudos que já publicámos sobre estasquestões7. Numa altura em que os detractores da emigração não apresentavamqualquer plano alternativo de modernização da economia, como seria, porexemplo, a opção pelo desenvolvimento de uma via industrializadora no país,e se ficavam por argumentos conservadores, como as propostas de diminuiçãodos impostos que recaíam na agricultura, o desvio estatal do fluxo migratóriopara o Alentejo ou para as colónias africanas8, as remessas dos emigrantesinundavam a economia portuguesa que delas, pouco a pouco, se ia tornandodependente.

Foram poucos os contemporâneos deste fenómeno que entenderam o papelvirtuoso da emigração para o Brasil no contexto da dinamização da economiae da sociedade portuguesas. Dentre os que o fizeram, permitimo-nos destacarEça de Queirós que, no âmbito do exercício do múnus diplomático, assumiutambém, sem rodeios, uma defesa clara da emigração, chegando a considerá-latextualmente “como força civilisadora”9. Num manuscrito que, apenas em1979, pelas mãos de Raul Rêgo, viu a luz do dia10, o diplomata reflecte sobrea emigração, fazendo o seu historial, perspectivando-a em contexto europeu,observando as suas causas, reflectindo sobre qual deveria ser o papel do Estadoe terminando com uma análise sobre “as vantagens geraes que a emigração (…)tem dado à civilisação”11 que merece ser levada em linha de conta.

Já, noutras ocasiões, tivemos oportunidade de sublinhar esta perspectivabenigna da emigração portuguesa para território brasileiro. Na verdade, entre

OS “BRASILEIROS” DE TORNA-VIAGEM E AS RELAÇÕES PORTUGAL-BRASIL NA DÉCADA DE 1930

165

5 ROMERO, 1902.6 OLIVEIRA, 1915: 202.7 Veja-se, a título de exemplo: MAIA, Nov. 2005: 3-14; MAIA; COSTA, recuperado de http://

www.museu-emigrantes. org/ seminario-comunicacao-f-maia.htm; MAIA; PEREIRA, 2000: 309-317.8 Veja-se, para maior desenvolvimento, MAIA, 2002: 369-396.9 QUEIROZ, 1979: 150.10 Trata-se de um relatório que Eça escreveu enquanto cônsul, datado de Novembro de 1874, tendo-

o entregue a Andrade Corvo, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros, antes de partir parao seu posto em Newcastle.

11 Veja-se todo o capítulo IV: 83-95.

Page 167: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

finais do século XIX e a eclosão da II Guerra Mundial, muitos destes brasilei-ros endinheirados, de regresso às suas terras de origem, configuraram o papelde verdadeiros agentes de investimento e de desenvolvimento de muitas loca-lidades portuguesas, especialmente daquelas que geraram os maiores fluxos departidas, como foi então o caso, de todo o Norte de Portugal. Tal como escre-veu J. Costa Leite, acreditamos que, não apenas as consequências da emigra-ção não foram perfeitamente percebidas pelos contemporâneos, como sobre-tudo o impacto da emigração na sociedade portuguesa está, ainda hoje, longede ter sido avaliado adequadamente12.

Todos, porém, reconhecemos hoje, a importância destes brasileiros na dina-mização do processo industrializador em Portugal, responsáveis pelo investi-mento em novas áreas produtivas, como por exemplo o café, contribuindo paraa difusão do seu consumo entre nós (lembremo-nos apenas da importância demarcas como “A Brasileira”). Outros investiram os seus capitais em indústriastradicionais, ampliando unidades já existentes ou criando-as de origem. Outrosainda, mantendo os negócios no Brasil, continuaram a investir na agricultura eno comércio, ostentando o seu sucesso na (re)construção da sua quinta, ou dahabitação urbana que, entretanto, haviam comprado13. Nestes casos, estes edifí-cios procuravam ser o reflexo do sucesso financeiro do seu proprietário, desta-cando-se dos envolventes pela qualidade dos materiais de que era construído,pelas suas dimensões, pelo ajardinamento das áreas exteriores e pelo maior con-forto oferecido. Tudo isto já conhecíamos, bem como a vertente filantrópica ebeneficente destes homens que ostentavam o êxito financeiro do seu regressodourado, ora oferecendo dinheiro para as esmolas dos pobres, para a assistênciaà infância desvalida, para as festividades locais, para as obras da igreja, para aconstrução do hospital ou de equipamentos culturais, como as salas de espectá-culo e as escolas da terra que os viu partir. Apesar de não estar ainda inventa-riado todo o património construído no Norte do país que a eles se deve, nem tersido feita uma avaliação aproximada do seu contributo para o desenvolvimentolocal e regional, o padrão de investimentos é já bem conhecido dos investiga-dores e, neste momento, não parece surpreender ninguém.

O que hoje pretendemos sublinhar, a partir de uma abordagem biográficaque configura um estudo de caso não permitindo fazer, por enquanto, generali-zações, é o papel do emigrante português no Brasil, o conhecido ‘brasileiro’,enquanto protagonista e agente do processo de desenvolvimento das relaçõesPortugal-Brasil. Ou seja, pretendemos abrir uma nova dimensão da actuaçãodestes ‘brasileiros’ numa área até aqui reservada a outros protagonistas, geral-mente o Estado e os diplomatas. Na verdade, o exemplo que trazemos aqui evi-dencia o caso de um emigrante que soube olhar para as suas duas pátrias – a deacolhimento e a de naturalidade – como uma só, procurando estabelecer pontes

FERNANDA PAULA SOUSA MAIA

166

12 LEITE, 1994: 21-22.13 Veja-se a este propósito, por exemplo, MAIA; PEREIRA, 2000: 309-317.

Page 168: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

e reforçar os elos de ligação, de forma a melhorar o entendimento mútuo, numaépoca em que passava mais de um século sobre a independência do Brasil.

Alexandre Herculano da Câmara Rodrigues14 foi, como muitos outroshomens e mulheres do seu tempo, um emigrante que ainda jovem parte deLamego com destino ao Brasil, procurando cumprir o sonho de sucesso e enri-quecimento. No entanto, desde o início este não nos pareceu ser um emigranteigual aos outros. A partir da leitura dos periódicos de Lamego existentes naBiblioteca Pública Municipal do Porto, apercebemo-nos, desde cedo, que ele seinclui na galeria de privilegiados locais. O semanário A Fraternidade, por exem-plo, refere-se-lhe, sempre, em termos particularmente lisonjeiros, classificando--o de multimilionário, ou destacando-lhe o “valor moral e intelectual”, aspectosque tanto “tem marcado não só no nosso meio como na grande capital do Brazil”. Publicita também a dimensão da sua riqueza, para o que transcreve arti-gos da imprensa brasileira onde, por exemplo, se anuncia a recente aquisição deduas fazendas15. Na verdade, não apenas pela dimensão das suas esmolas e ofer-tas que, quase sempre, excedem largamente as restantes, ocupando, geralmente,o seu nome o topo da lista de benfeitores das instituições lamecenses16, comosobretudo pelo tipo de festas privadas para as quais era convidado, bem comopela distinção social da sua rede de amizades, somos obrigados a pensar queestamos perante um cidadão distinto económica, social e, até, culturalmente.

Alexandre Herculano Rodrigues, mesmo antes de partir com destino ao Bra-sil, pertencia já à nata da sociedade de Lamego. Nascido em Almacave, Lamego,a 2 de Janeiro de 188217, sobrinho do Dr. Manuel da Silva Quintela, professor ereitor do Liceu de Lamego, tornou-se a partir do início da década de 1920, no“grande benemérito da sua terra”, como já então o classificava o jornal A Fra-ternidade no seu número de 10 de Março de 1923. Mas, foi a partir do momentoem que se publicitou o facto de ter sido eleito presidente da Câmara Portuguesado Comércio e Indústria do Rio de Janeiro que o emigrante Alexandre Rodri-gues, agraciado também pelo governo português com a Comenda da Ordem deCristo, passou regularmente a fazer parte do noticiário da imprensa local18. Com

OS “BRASILEIROS” DE TORNA-VIAGEM E AS RELAÇÕES PORTUGAL-BRASIL NA DÉCADA DE 1930

167

14 AFFONSO, 1988: 3,474. O autor refere-o na medida em que é pai de D. Raquel de CarvalhoRodrigues, casada com o 10.º conde de Pombeiro.

15 A FRATERNIDADE, 23 de Junho de 1928: 1.16 Em 1922, aparece pela primeira vez nas páginas dos jornais lamecenses como destacado “ben-

feitor da Sopa dos Pobres” (A FRATERNIDADE, 23 de Setembro de 1922: 2). Em 1927, o jornalrepublicano de Lamego Éccos d’A Fraternidade, regista, em 15 de Janeiro, a dádiva de Alexan-dre Herculano Rodrigues, de 5 contos, ao Asilo de Infância Desvalida (p.2); enquanto, no mesmotítulo, se pode ler em 19 de Fevereiro de 1927 que o comendador Alexandre Herculano Rodriguesestaria disposto a dotar Lamego de um Hotel Monumental (p.1). Por seu turno, o jornal A Fra-ternidade, de 9 de Novembro de 1929, anuncia que aquando da comemoração das Bodas de Pratado comendador, este teria mandado distribuir esmolas a 50 pobres (p.2). O jornal Voz de Lamego,de 21 de Janeiro de 1933, anuncia que o comendador Alexandre Herculano Rodrigues doou 5contos para o Hospital e 2 contos para a Sopa dos Pobres (p.4).

17 Recuperado de http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=104394 (em 20 de Julho de 2008).18 A FRATERNIDADE, 23 de Setembro de 1922: 2.

Page 169: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

efeito, no número de 30 de Setembro de 1922, o semanário A Fraternidadetranscreve do diário fluminense “Jornal do Comércio” de 29 de Agosto anterior,o artigo relativo à eleição deste “membro de destaque no alto comercio destapraça” para a presidência da referida Câmara de Comércio, sublinhando tratar--se de um cargo a “que, pela sua importância, só costuma ser guindado quem nogrande meio comercial e industrial do Rio de Janeiro ocupa uma posição denotável destaque pela sua fortuna, pelo seu carácter, pela sua intelligencia e peloseu espírito de iniciativa”. Relatando, com algum pormenor, a primeira reuniãopor ele presidida, o articulista adianta que Alexandre Rodrigues “comunicou queo embaixador de Portugal vai convocar uma reunião com as associações portu-guesas para tratar” da questão da visita do Presidente da República portuguesaAntónio José de Almeida ao Brasil, por ocasião da comemoração dos 100 anosde independência deste país sul-americano, o que nos permite concluir sobre otipo de sociabilidades que já então partilhava.

Esta distinção rapidamente se repercutiria em outras tantas dignidadesrecebidas na terra que o viu nascer. Efectivamente, em Fevereiro de 1924, é-lhefeita pela Santa Casa da Misericórdia “uma justa homenagem”, sendo nomeadoIrmão Benemérito, pelas avultadas quantias oferecidas19. Esta distinção have-ria de colocar a Santa Casa da Misericórdia na rota das instituições beneficiá-rias da filantropia do Comendador. Assim, para além das diversas associaçõesde ajuda à pobreza e dos Bombeiros Voluntários locais que o Comendadorauxilia, em 14 de Abril de 1923, A Fraternidade anuncia a sua oferta de doismil e quinhentos escudos à Santa Casa e, em 25 de Julho de 1925, o mesmo jor-nal publicita, na sua primeira página, a grandiosa oferta de oito mil escudos –uma elevada quantia para a época – que Alexandre Herculano Rodrigues faz àSanta Casa da Misericórdia de Lamego. Curiosamente, nesta mesma notícia,pode-se também ler que o Comendador doou, na mesma altura, dois mil escu-dos para se proceder a melhoramentos no Museu de Lamego, facto que denun-cia já o seu requintado gosto e apurada sensibilidade cultural.

Mas a homenagem suprema com que a cidade de Lamego brindou oComendador deve ter acontecido em 1926, quando, por altura das festas daNossa Senhora dos Remédios, o seu retrato a óleo, da autoria do artista por-tuense João Augusto Ribeiro, foi solenemente inaugurado e, posteriormente,exposto na galeria dos benfeitores da Irmandade com o mesmo nome20. Figu-rava, enfim, na galeria dos notáveis locais.

Ao longo dos anos em que o acompanhamos nas páginas dos jornais, este

FERNANDA PAULA SOUSA MAIA

168

19 A FRATERNIDADE, 23 de Fevereiro de 1924: 2. As doações de Alexandre Herculano Rodriguesà Santa Casa aconteciam com regularidade. Para além das referidas correspondentes aos anos de1923 e 1925, sabemos ainda que o comendador doou 4 mil escudos, em Abril de 1926, destina-dos, segundo o semanário, a melhorar o arsenal cirúrgico do seu hospital (A FRATERNIDADE,10 de Abril de 1926: 1); e em Janeiro de 1933, quando entrega cinco contos (A FRATERNIDADE,14 de Janeiro de 1933: 1).

20 A FRATERNIDADE, 14 de Agosto de 1926: 1.

Page 170: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

capitalista, emigrante no Rio de Janeiro, apresenta um típico movimento pen-dular de viagens entre o Rio de Janeiro e Lamego, cidade onde passa largastemporadas e a partir de onde visita regularmente a Europa21. Na verdade, épossível verificar que, com excepção do período em que decorre a II GuerraMundial, o comendador Alexandre Herculano Rodrigues quase sempre optoupor estar alguns meses em Portugal, na sua casa construída em Lamego, o queacontecia geralmente entre Janeiro e Abril, altura em que partia de novo para oBrasil, regressando aos seus negócios.

Até à compra da Quinta da Biquinha, posta à venda em Setembro de 192522,e que ele transformará na sua “rica vivenda”, por todos conhecida como Pala-cete da Vista Alegre, o Comendador instalava-se com a família em casa de seutio, Manuel da Silva Quintela. Assim aconteceu em 192523, em 192624 e 1927,altura em que o encontramos a proceder a obras na propriedade recém-adquirida– a Quinta da Biquinha25. Dois anos depois, em Janeiro de 1929, aquando dacomemoração do seu aniversário natalício (ocorrido a 2 de Janeiro), é preparadauma festa surpresa na sua “rica vivenda”, designada já de palacete da Vista Ale-gre. Entre os amigos que homenageiam este grande benemérito lamecense,encontramos Eugénio do Vale Teixeira, um dos sócios-gerentes das CavesRaposeira, então, uma das mais importantes casas comerciais de Lamego. O jor-nal A Fraternidade dará a este acontecimento um grande destaque, tendo colo-cando inclusivamente uma fotografia do homenageado na primeira página, oque não era habitual dado o encarecimento final do semanário26.

Alexandre Herculano tinha então pouco mais de 40 anos. Tendo saído deLamego, muito jovem, para o Brasil, tinha lá prosperado e feito grande fortunaque, segundo A Fraternidade, de 27 de Outubro de 1928, continuava a aumen-tar, “apesar do muito que dá e das muitas lágrimas que enxuga”. Era o exemplodo sucesso, no exterior e na sua terra natal, o que justifica todos os elogios que,então, o semanário lhe faz. Mas este sentimento não deveria ser unânime. Naverdade, nesse mesmo número, sem levantar o véu sobre o teor das questões, oredactor protesta junto dos leitores, pelo facto de uns “agravos que umas crea-turas, filhos de Lamego e se dizem amantes da sua terra, acabam de fazer-lhe”.

No ano de 1929, o Comendador partiu para o Rio de Janeiro um pouco maiscedo do que o habitual, a 6 de Fevereiro. Provavelmente, na base deste regressoantecipado deve ter estado a comemoração das bodas de prata do seu casa-

OS “BRASILEIROS” DE TORNA-VIAGEM E AS RELAÇÕES PORTUGAL-BRASIL NA DÉCADA DE 1930

169

21 O comendador era um homem viajado e cosmopolita. O jornal A Fraternidade anuncia várias via-gens à Europa: a primeira em Março de 1924 (22 de Março de 1924: 2), em Junho de 1931 par-tiu em viagem de recreio com a mulher (6 de Junho de 1931: 3) e em 1935, partiu para a Françae Suíça (13 de Abril de 1935: 3). Finalmente, em Abril de 1939, em vésperas de estalar a II GuerraMundial, partiu para a Alemanha (BEIRA-DOURO, 22 de Julho de 1939: 2).

22 A FRATERNIDADE, 26 de Setembro de 1925: 2.23 A FRATERNIDADE, 19 de Setembro de 1925: 1.24 A FRATERNIDADE, 13 de Março de 1926: 1.25 ÉCCOS d’A Fraternidade, 29 Jan. 1927: 1.26 A FRATERNIDADE, 12 de Janeiro de 1929: 1.

Page 171: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

mento com D. Marieta de Carvalho Rodrigues, que seria celebrado no dia 15de Outubro desse mesmo ano, na igreja de Nossa Senhora dos Remédios, emLamego, o que o obrigou também a vir mais cedo do que habitualmente27.

Era, em regra, na Primavera que o destacado proprietário e comerciante doRio de Janeiro fazia a sua viagem de regresso aos negócios, geralmente acom-panhado pela família. Assim aconteceu no ano de 192828, 193129, 193230,193331, 193432, 193533, no de 193634 (ano em que a sua mulher veio para Por-tugal um pouco mais cedo do que ele, no mês de Setembro35, indiciandoalguma perturbação neste ritmo que se teria ficado a dever, com grande proba-bilidade, ao ambiente de tensão política e militar que se vivia, nesta altura, naEuropa) e mantém-se, ainda, no ano de 193736.

O ano de 1938 anuncia uma clara mudança de hábitos, presumivelmentefruto da instabilidade então vivida. Com efeito, o comendador Alexandre Her-culano Rodrigues chega a Portugal em Abril desse ano37 partindo em Novem-bro, altura em que visita a redacção do jornal Beira-Douro apresentando cum-primentos de despedida38. Este novo ritmo de chegada a Lamego, em Abril39,e regresso, ao Rio de Janeiro, em finais de Setembro40 repete-se em 1939, anoem que o Comendador, antes de se instalar definitivamente em Lamego, parteem viagem para a Alemanha, juntamente com a sua mulher e filho, já então umdistinto advogado da praça brasileira41. Esta viagem à Alemanha, objecto departicular admiração por parte dos redactores do jornal Beira-Douro que chegam a tecer o seguinte comentário: “É digno da maior admiração e coragem(…) em empreender, no momento actual [guerra], uma viagem de tão longo

FERNANDA PAULA SOUSA MAIA

170

27 A FRATERNIDADE, 9 de Novembro de 1929: 2. Menos de dois meses depois, o comendador e asua mulher estavam, de novo, em Lamego, talvez para comemorarem o primeiro aniversário dasua neta Maria Teresa Rodrigues Castelo Branco (A FRATERNIDADE, 11 de Janeiro de 1930: 2).

28 A FRATERNIDADE, de 23 de Junho de 1928: 1.29 A FRATERNIDADE, de 6 de Junho de 1931: 3. O jornal anuncia que o comendador partiu em via-

gem de recreio com a sua mulher.30 VOZ de Lamego, 16 de Abril: 4. Está em Lamego desde Janeiro desse ano.31 O jornal refere que o comendador vai ao Rio de Janeiro por pouco tempo (A FRATERNIDADE,

17 de Junho de 1933: 1).32 A FRATERNIDADE, 24 de Fevereiro de 1934: 1. O jornal anuncia a sua partida para o dia 6 de

Março, desejando-lhe boa viagem. Em Junho desse mesmo ano, o mesmo semanário anunciavao regresso do Rio de Janeiro do comendador e da sua cunhada e irmão, que vinha convalescer nos“bons ares” (23 de Junho de 1934: 2). Embarca, de novo, para o Brasil a 2 de Setembro de 1934(25 de Agosto de 1934: 1).

33 Embarca em Lisboa em finais de Maio ou inícios de Junho (A FRATERNIDADE, 1 de Junho de1935: 1).

34 BEIRA-DOURO, 11 de Abril de 1936: 4.35 BEIRA-DOURO, 5 de Setembro de 1936: 2.36 BEIRA-DOURO, 24 de Abril de 1937: 2.37 BEIRA-DOURO, 30 de Abril de 1938: 4.38 BEIRA-DOURO, 12 de Novembro de 1938: 1.39 BEIRA-DOURO, 8 de Abril de 1939: 1.40 BEIRA-DOURO, 30 de Setembro de 1939: 1.41 BEIRA-DOURO, 22 de Julho de 1939: 2.

Page 172: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

curso, mas os importantes negócios a sua casa na capital do Brazil, assim o exi-gem”42, justifica-se porque nesse país residia então a irmã de Alexandre Her-culano Rodrigues, casada com o barão de Schabingen von Shorwingen, dequem tinha um filho – o Dr. Karl Schorwingen – e que já antes se haviam hos-pedado na Quinta da Vista Alegre, como, por exemplo, aconteceu na Primaverade 1936, tendo chegado a participar em actos públicos43.

O ano de 1940, marcado pela realização da Exposição do Mundo Portu-guês, que assinalou a comemoração do duplo centenário da independência(1140) e da restauração (1640), retê-lo-ia mais tempo entre nós44, evidenciandoa vertente que hoje queremos destacar, ou seja, a de promotor e patrocinadordas relações Portugal-Brasil.

A ligação do Comendador à intelectualidade do seu tempo, já nos haviasido anunciada nas páginas dos jornais de Lamego. Em 28 de Setembro de1928, por exemplo, o semanário A Fraternidade, ao evocar em termos elogio-sos a figura do comendador, destaca-lhe esta faceta, ao sublinhar ter ele contri-buído para o repatriamento, para Portugal, dos restos mortais do mais famosodos compositores portugueses, Marcos Portugal, que havia falecido no Rio deJaneiro, em 1830.

Pouco tempo depois, o mesmo semanário, de 28 de Junho de 1930, publi-cita a passagem de “visitantes ilustres” pela cidade que, durante todo o anteriorfim-de-semana, se haviam hospedado no palacete do comendador AlexandreHerculano de Carvalho. Trata-se, segundo este jornal, de uma visita habitual deum grupo de professores de Engenharia do Porto que tiveram, também, a opor-tunidade de visitar as Caves Raposeira, onde foram recebidos, e de, na noite desábado, ocuparem dois camarotes oferecidos pelo Teatro Ribeiro Conceição,tendo assistido à sessão de cinema. Entre esses ilustres visitantes estavam nomescomo o do professor jubilado General Vitorino Laranjeira e Bento Carqueja.

Por seu turno, o leque de conhecimentos e amizades do Comendador e dasua família ultrapassava os limites de Lamego. Por um lado, porque o Comen-dador casara, pelo menos uma das suas filhas, no seio de uma das mais distin-tas famílias de então – os condes de Pombeiro45. Por outro, porque percebemos

OS “BRASILEIROS” DE TORNA-VIAGEM E AS RELAÇÕES PORTUGAL-BRASIL NA DÉCADA DE 1930

171

42 BEIRA-DOURO, 30 de Setembro: 1.43 VOZ de Lamego, 11 de Abril de 1936: 2. A irmã e o sobrinho estarão presentes na tomada de posse

do novo provedor da Santa Casa da Misericórdia, José Teixeira Rebelo Júnior tendo mesmo assi-nado o auto de posse (VOZ de Lamego, 18 de Abril de 1936: 4).

44 Em inícios de Março vai apresentar cumprimentos à redacção do jornal Beira-Douro (9 de Marçode 1940: 4) e regressa ao Brasil em finais de Setembro do mesmo ano (BEIRA-DOURO, 21 deSetembro de 1940: 2).

45 Em Novembro de 1930, ainda na ausência do comendador no Rio de Janeiro, a sua filha e genro,António de Castelo Branco, conde de Pombeiro, vão instalar-se na Quinta da Vista Alegre, pro-vavelmente para aí aguardarem o nascimento da sua filha, que ocorreria em finais de Janeiro de1931 (A FRATERNIDADE, 1 de Novembro de 1930: 2; 31 de Janeiro de 1931: 2). O comenda-dor regressou, a Lamego, em meados de Janeiro de 1931 (17 de Janeiro de 1931: 2), tendo sidoo baptizado da menina Maria Cristina realizado na Sé, no dia 21 de Março (28 de Março de 1931:2). Recuperado do sítio electrónico http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=21043 (on-line 18

Page 173: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

que, no regresso do Rio de Janeiro, habitualmente feito por Lisboa, a família sedetinha alguns dias pela capital onde era recebida por pessoas amigas “do meiofinanceiro e elegante”46. O semanário, transcrevendo um outro jornal brasi-leiro, informa que, também nesse país, o Comendador era apresentado comoum homem cosmopolita, culto e viajado, falando várias línguas47.

O cosmopolitismo do comendador Rodrigues ver-se-á, no entanto, em todaa sua plenitude, a propósito do registo de outro acontecimento importante queteve Lamego por epicentro. Em 2 Janeiro de 1937, anunciava o semanárioBeira-Douro, a chegada a Lamego, para se hospedar em casa de seu amigo ocomendador Alexandre Herculano Rodrigues, do intelectual brasileiro emédico reputado, Afrânio Peixoto. Esta amizade seria sempre ressaltada naspáginas dos jornais de Lamego. Com efeito, quando o semanário Beira-Douro,de 8 de Abril de 1939, anuncia em primeira página a publicação da obra “Via-gens na Minha Terra” da autoria de Afrânio Peixoto, não deixa de sublinhartambém os termos elogiosos com que o autor se refere a Lamego, bem comoao bom tempo passado por ele nas suas quintas, nomeadamente na Quinta daVista Alegre “onde mora a doce Amizade, que não distingue Portugal do Bra-sil”48, numa clara referência à sua ligação pessoal ao comendador AlexandreHerculano Rodrigues e à sua acção em prol das relações entre os dois países.

Durante a estada do ilustre visitante brasileiro em Portugal, no ano de 1937, esempre com destaque de primeira página, o referido jornal ia dando mais porme-nores: Afrânio Peixoto teria chegado a Portugal no vapor Alcântara, enquantoamigo do Comendador, instalara-se em Lamego e era hóspede do proprietário daQuinta de Vista Alegre. Aproveitava para lhe traçar um elogioso perfil biográfico,destacando-o como académico, a quem, juntamente com outros intelectuais, seficara a dever a criação da cátedra de Estudos Camonianos em Lisboa, sendo também um reputado médico legista e grande vulto da cultura brasileira49.

Em meados de Janeiro desse ano, Afrânio Peixoto proferia uma conferên-cia no Liceu Latino Coelho, a que deu o título “Portugal na História” e queseria publicada ainda nesse mesmo ano50. Trata-se de um texto bem ao gosto

FERNANDA PAULA SOUSA MAIA

172

de Julho de 2008) pode ler-se que D. António Maria de Castelo-Branco de Vasconcelos e Sousa (10.ºconde de Pombeiro), nascido em Lisboa, a 21 de Junho de 1903, casou com Raquel de CarvalhoRodrigues, em Lisboa, a 7 de Janeiro de 1928. Deste casamento nasceriam duas filhas, a 6 de Janeirode 1929, Maria Teresa e a 25 de Janeiro de 1931, Maria Cristina, a que os jornais fazem referência.

46 A FRATERNIDADE, 31 de Dezembro de 1932. Chegaram no grande paquete Atlantique.47 A FRATERNIDADE, 7 de Julho de 1934. O título do jornal era “Folha Nova”, tratava da vida do

comendador, elogiava-lhe a dignidade de carácter, apresentava-o como um proprietário deIguassú e incluía uma fotografia.

48 PEIXOTO, 1938: 146.49 BEIRA-DOURO, 9 de Janeiro de 1937: 1. A sua actividade em favor dos estudos sobre o poeta

d’Os Lusíadas não se fica por aqui. Na verdade, a ele se ficou também a dever a autoria de vastabibliografia sobre Luís de Camões (v.g. PEIXOTO, [1927]; PEIXOTO, 1928; PEIXOTO, [192-];PEIXOTO, 1924; PEIXOTO, 1932; PEIXOTO, 1926; PEIXOTO, 1924).

50 BEIRA-DOURO, 16 de Janeiro de 1937: p.1. Na verdade, o texto desta conferência seria publi-cado sob um outro título: PEIXOTO, 1937.

Page 174: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

do regime de Salazar, na medida em que dele emerge como que uma linha decontinuidade entre a grandeza do passado, do presente e do futuro de Portugal.Sendo dita por quem no seu currículo, entre muitas outras distinções e títuloshonoríficos, figurava o cargo de reitor da Universidade do Rio de Janeiro, deProfessor da Faculdade de Medicina e de Direito, tendo sido também presi-dente da Academia Brasileira de Letras, ganhava outra legitimidade, semprebem-vinda. Nas duas semanas seguintes, o teor desta conferência teria, ainda,destaque de primeira página no semanário Beira-Douro, prolongando-se o inte-resse sobre este tema nas páginas interiores deste jornal51. Até ao regresso deAfrânio Peixoto ao Rio de Janeiro, anunciado no número de 20 de Fevereiro de1937, o jornal sempre dará notícia sobre este intelectual e a sua obra, bem comoas visitas que entretanto empreendeu à região, tendo sempre como anfitrião ocomendador Alexandre Herculano Rodrigues.

No ano de 1938, o comendador Rodrigues receberia na sua casa deLamego, como hóspede, outro vulto intelectual e político brasileiro. Nada mais,nada menos, do que Washington Luís que o semanário Beira-Douro, de 12 deNovembro de 1938, classificaria como uma “ilustre figura política e literária domais absoluto relevo no Brasil, onde já exerceu a Suprema magistratura de Pre-sidente da República”.

Seria, no entanto, no ano da realização da Exposição do Mundo Português,aberta ao público entre 23 de Junho e encerrada a 2 de Dezembro de 194052 queemergiria toda a sua acção de defensor e agente do estreitamento das relaçõesPortugal-Brasil. Logo a 23 de Março de 1940, o semanário Beira-Douro anun-cia que chegaram a Lamego, vindos de Lisboa, para visitar o comendador Ale-xandre Herculano Rodrigues alguns “visitantes ilustres”, dentre os quais o jornaldestaca o Dr. Araújo Jorge, embaixador do Brasil em Portugal, Octávio deBrito, cônsul do Brasil no Porto e Augusto Lima Jr., representante geral do Bra-sil junto da Exposição do Mundo Português em Lisboa.

A presença do homem de letras e historiador, Artur Guimarães de AraújoJorge, diplomata que, então, representava o Brasil em Portugal, como hóspededo Comendador em Lamego é apenas um sinal do importante papel que esteportuguês desempenhou no estreitamento das relações entre Portugal e o Bra-sil. Este seu comportamento enquadra-se, aliás, num movimento mais vastoque teve início na década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas à presi-dência do Brasil, e em que a maior aproximação entre o Brasil e Portugal pas-sou a ser uma das linhas estruturantes da diplomacia cultural dos dois gover-nos. Assim, por exemplo, logo em 1934, os dois países haviam criado o Insti-tuto Luso-Brasileiro de Alta Cultura que tinha como um dos objectivos princi-pais promover o intercâmbio entre os intelectuais dos dois lados do oceano,estimulando missões, cursos e conferências.

OS “BRASILEIROS” DE TORNA-VIAGEM E AS RELAÇÕES PORTUGAL-BRASIL NA DÉCADA DE 1930

173

51 BEIRA-DOURO, 23 de Janeiro de 1937: 1-2; 30 de Janeiro de 1937: 1-2.52 BARROS, 1996: 326.

Page 175: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A Exposição do Mundo Português era uma espécie de momento alto desterelacionamento, o que justificou, também, esta maior actividade de AlexandreHerculano Rodrigues como anfitrião, tanto mais que na sua casa seria tambémhospedado o embaixador do Brasil e Londres, Dr. Regis de Oliveira, bem comoa sua esposa e filha, como relata o semanário Beira-Douro de 10 de Agosto de1940. Por fim, em finais de Setembro desse mesmo ano, nas vésperas de Ale-xandre Rodrigues regressar aos seus negócios no Rio de Janeiro, recebe, aindano seu Palacete da Vista Alegre, em Lamego, outras “altas individualidadesbrasileiras”. Desta feita, para além do cônsul do Brasil no Porto e, de novo, doembaixador do Brasil em Lisboa e respectiva família, hospedaram-se emLamego o escritor Eugénio de Castro, da Armada Brasileira, delegado do Bra-sil ao Congresso Luso-Brasileiro que decorreu durante o evento da Exposição,bem como o delegado do Departamento Nacional do Café do Brasil e o enge-nheiro-arquitecto do Pavilhão do Brasil na Exposição de 194053.

Era o contributo do comendador Alexandre Herculano Rodrigues, enquantoemigrante no Rio de Janeiro, para “o abraço de Portugal e do Brasil” que entãoparecia ser, pela primeira vez, mais evidente54. Incorporando a ideologia pre-valecente nesta época, que insistia em que “só o conhecimento mútuo” desfa-ria o equívoco luso-brasileiro55, assumiu o papel de preservador deste ideal queacentuava a lógica da comunidade entre dois países, respaldada numa produçãoacadémica e numa dinâmica específica da própria comunidade emigrante por-tuguesa56. Menos de dois anos depois, no dia 7 de Junho de 1942, falecia noRio de Janeiro, com apenas 60 anos57. Terminava, assim, a vida de um “brasi-leiro” que havia dedicado uma boa parte dela e da sua riqueza ao estreitamentodos laços entre dois países que teimavam em viver de costas voltadas.

IMPRENSA PERIÓDICA DE LAMEGO

A TRIBUNA, Lamego, 22 Mar.1914-4 Nov.1917.A FRATERNIDADE, Lamego, 3 Dez.1910-Jun.1935.ÉCCOS d’A Fraternidade, Lamego, 6 Jan.1927-5 Mar.1927.VOZ de Lamego, Lamego, 1 Nov. 1930-[12Ago.1933] 1936.BEIRA-DOURO, Lamego, 20 Jul.1935-30 Nov. 1940.

FERNANDA PAULA SOUSA MAIA

174

53 BEIRA-DOURO, 21 de Setembro de 1940: 2.54 BEIRA-DOURO, 3 de Agosto de 1940: 1.55 PEIXOTO, 1938: 10.56 PAULO, 2000: 239.57 Recuperado de http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=104394 (em 20 de Julho de 2008).

Page 176: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Jorge Fernandes, 1994 – Os Brasileiros: emigração e retorno no Portugal oitocentista.Porto: [s.n.].

AFFONSO, Domingos de Araújo et al., 1988 – Livro de Oiro da Nobreza: apostilas à resenhadas famílias titulares do reino de Portugal… Lisboa: J. A Telles da Sylva. 3 v.

BARROS, Júlia Leitão de, 1996 – “Exposição do Mundo Português”, in ROSAS, Fernando;BRITO, J. M. Brandão de – Dicionário de História do Estado Novo. [S.l.]: Círculo de Lei-tores, p. 325-327.

LEITE, Joaquim da Costa, 1994 – Portugal and emigration, 1855-1914. New York: ColumbiaUniversity.

MAIA, Fernanda Paula Sousa; PEREIRA, Maria da Conceição Meireles, 2000 – “Os Brasileirosempresários e investidores”, in PORTUGAL, Comissão Nacional para as Comemoraçõesdos Descobrimentos Portugueses. Os Brasileiros de Torna-Viagem – Lisboa: CNCDP. p. 309-317.

MAIA, Fernanda Paula Sousa, 2002 – O Discurso Parlamentar Português e as Relações Portu-gal-Brasil: a Câmara dos Deputados: 1826-1852. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian;Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

MAIA, Fernanda Paula Sousa, Nov. 2005 – “A acção dos ‘Brasileiros’ de torna-viagem em Ovar:a obra dos irmãos Oliveira Lopes (Válega)”. Dunas: Temas & Perspectivas. Revista AnualSobre Cultura e Património da Região de Ovar. Ovar: Câmara Municipal de Ovar, V. 5, p. 3-14.

MAIA, Fernanda Paula Sousa; MONTEIRO, Isilda Braga da Costa – Os ‘brasileiros’ de torna-viagem como agentes culturais: o caso de Lamego na primeira metade do século XX. Recu-perado de http://www.museu-emigrantes. org/ seminario-comunicacao-f-maia.htm (Julho de2008).

OLIVEIRA, Alberto d’, 1915 – “Os Portuguezes no Brazil!”. Atlântida. I, 3, p. 202.PAULO, Heloisa, 2000 – “Aqui também é Portugal”: a colónia portuguesa do Brasil e o Sala-

zarismo. Coimbra: Quarteto Ed. PEIXOTO, Afrânio, [192-] – Camões médico ou a medicina dos “Lusíadas” e do “Parnaso”.

2.ª ed. Lisboa: Aillaud & Bertrand.PEIXOTO, Afrânio, 1924a – A camonologia ou os estudos camonianos: iniciativa da creação de

uma cadeira de Camões na Universidade de Lisboa. Rio de Janeiro: Sociedade de EstudosCamonianos; Livraria Francisco Alves.

PEIXOTO, Afrânio, 1924b – Dicionário dos Lusíadas de Luís de Camões… Rio de Janeiro: Liv.Francisco Alves.

PEIXOTO, Afrânio, 1926 – Leituras Camonianas… Rio de Janeiro: Imprensa Nacional.PEIXOTO, Afrânio, [1927] – Camões e o Brasil. Paris; Lisboa: Aillaud; Bertrand.PEIXOTO, Afrânio, 1928 – Camões humorista. Coimbra: Imprensa da Universidade.PEIXOTO, Afrânio, 1932 – Ensaios Camonianos. Coimbra: Imprensa da Universidade. PEIXOTO, Afrânio, 1937 – Dom Portugal: Lição Inaugural do Liceu Latino Coelho, de

Lamego. Lamego: Caixa Geral do Liceu Latino Coelho.PEIXOTO, Afrânio, 1938a – Viagens na Minha Terra. I. Portugal. Porto: Lello & Irmão Ed.; Ail-

laud & Lellos.PEIXOTO, Afrânio, 1938b – O “Brasileiro” ou o Equívoco Português. Lisboa: [s.n.]. QUEIROZ, Eça de, 1979 – A Emigração como força civilizadora. Lisboa: Perspectivas e Reali-

dades.ROMERO, Sílvio, 1902 – O Elemento Portuguez no Brasil: conferencia. Lisboa: Comp. Nac. Ed.VIEIRA, Nelson H., 1991 – Brasil e Portugal: a Imagem Recíproca: o Mito e a Realidade na

Expressão Literária. Lisboa: Ministério da Educação; Instituto de Cultura e Língua Portu-guesa.

OS “BRASILEIROS” DE TORNA-VIAGEM E AS RELAÇÕES PORTUGAL-BRASIL NA DÉCADA DE 1930

175

Page 177: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 178: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

177

OS PORTUGUESES NA CIDADE: TRABALHO E COTIDIANO

(BELÉM – 1900)

Maria de Nazaré Sarges

O novo “século das luzes”, assim foi denominado o século XX, refletiu naAmazônia, em especial em Belém, os signos da modernidade rascunhada deacordo com o discurso da civilização, impulsionada pela administração deAntonio Lemos que representava uma nova ordem política e econômica desdeo final do século XIX.

A vinculação da Amazônia a uma economia global que atingia fronteirasintocadas e derrubava barreiras consideradas intransponíveis, como a densa flo-resta e os enormes rios amazônicos, propiciou a construção de uma nova tessi-tura do urbano, transformando o centro da cidade em um espaço moderno e civi-lizado, entenda-se bonito e asseado. Era preciso vincular a cidade de Belém, emespecial, à República, regime que representava a modernidade, colocando umponto final na “letargia da monarquia” ou na “barbárie da escravidão”. É notórioque a instituição do regime republicano gerou uma verdadeira batalha simbólica,conforme registra o historiador Murilo de Carvalho, ao apontar a necessidade detroca de símbolos, como o hino, a bandeira, os heróis, assim como a mudança denomes de ruas e de estabelecimentos que lembravam a extinta monarquia. Novasimagens passaram a representar o novo regime, a exemplo das figuras de mulhe-res francesas, numa tentativa de redesenhar uma nova Nação.

O início do século XX representou não somente os veículos automotores,os transatlânticos, os aviões, o telégrafo, o telefone, a iluminação elétrica, aampla gama de utensílios domésticos, a fotografia, o cinema, a radiodifusão etantos outros inventos tão importantes1, mas também a perda de grandes íconesda cultura universal, como o compositor italiano Giuseppe Verdi, o filósofoalemão Friedrich Nietzsche e o escritor português Eça de Queiroz, em Paris2.

Mas, o que acontecia com a principal cidade do vale amazônico? No períodode 1890 a 1900 surgiram inúmeras fábricas, entre as quais, a “Fábrica Palmeira”,que produzia açúcar, biscoitos, caramelo etc., a “Fábrica de Cerveja Paraense”e a “Fábrica Perseverança”, que produzia fibras e cordas. Ocorreram alteraçõesacentuadas na estrutura social, pois o comerciante português e a burocracia

1 SEVCENKO, 1998: 3, 514.2 SEVCENKO, 1998: 3, 514.

Page 179: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

administrativa que participavam da dominação política, durante as primeirasdécadas do século XIX cederam lugar ao “coronel da borracha”, aos financistase aos exportadores, frações estas cujos interesses específicos o Estado garantia,por excelência, pois os governantes interessavam-se em captar os impostossobre o volume exportado3. Ícones do “novo tempo” foram erguidos no espaçopúblico, como os quiosques, com a finalidade de vender a retalho determinadosprodutos, excluindo os alimentícios, para não prejudicar o asseio e a higienepública, as belas praças e o bosque, pois o intendente almejava, com a arboriza-ção da cidade, além da estética, a necessidade de criar locais salubres e higiêni-cos. O apelo modernizador era tão forte que a Intendência mandou buscar equi-pamentos fora do Brasil para o embelezamento das praças; os equipamentos dapraça Batista Campos, por exemplo, foram importados da Alemanha.

Lemos enfatizava que “quanto mais se torna eficaz o saneamento dumacidade, maiores encantos e segurança adquire ela e mais atraente se faz para osvisitantes estrangeiros”4. E para comprovar o quanto estava certo na sua polí-tica de embelezamento da cidade, ele transcreveu em um de seus relatórios oemocionado depoimento da escritora norte-americana Mary Robinson Wright,prestado a um colaborador de A Província do Pará: “ Não se retire antes de eutestemunhar-lhe o meu contentamento pela formosura das praças de Belém,pelo asseio de suas vias públicas e particularmente pela delícia inenarrável quedesfrutei visitando o Bosque Rodrigues Alves [...] Disseram-me que isto tudo,esta beleza de urbs é obra do Senador Antonio Lemos. Felicite-o vivamente emmeu nome, já que não me resta tempo de o cumprimentar em pessoa, comodesejava”5.

Antonio Lemos considerava que uma cidade moderna deveria possuir um sis-tema de transporte eficiente. Ele muito reclamava por esse serviço à CompanhiaUrbana da Estrada de Ferro Paraense. Seu objetivo era implantar um sistema elé-trico, visto que ainda naquela ocasião os bondes eram puxados por mulas. Os ser-viços de transportes em Belém começaram em 1868 quando James Bond obteve,por meio da Lei n. 585 de 23 de outubro, a concessão pelo prazo de 30 anos paraexplorar as linhas urbanas. Posteriormente, esse serviço passou a ser exploradopela Companhia Urbana de Estrada de Ferro Paraense, que ampliou as cláusulasobtidas por James Bond, e passou a atingir as ruas de bairros mais distantes,como Pedreira, São Braz, Telégrafo, Guamá, Reduto e Umarizal.

Nessa nova cenografia, na área comercial agora pavimentada e embele-zada, encontravam-se as grandes casas aviadoras, os bancos e as lojas chicscom produtos vindos da Europa e que eram consumidos avidamente pela eliteendinheirada. A nova elite econômica, com destaque para os seringalistas,escolheu a cidade de Belém como base de suas atividades econômicas, trans-formando-a em centro financeiro e também de consumo, luxo e divertimentos.

MARIA DE NAZARÉ SARGES

178

3 SARGES, 2002: 53.4 LEMOS, 1903: 96.5 LEMOS, 1908: 32.

Page 180: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Nada mais emblemático do que a casa Paris N’América, cujo prédio em estiloeclético e com marcas do art nouveau, ainda resiste ao tempo e ergue-se comoum símbolo daquela época em que a memória popular fala dos prazeres eexcessos da elite da borracha, e tantas outras, como a loja Petit Paris que sem-pre estava a anunciar as “peças de fazendas ricas e modernas da última modade Paris, Londres, Roma, Viena e Berlim...”. Os jornais eram ricos em anún-cios de produtos, alguns considerados “esquisitos” e outros supérfluos.

A favorável condição econômica da alta sociedade possibilitou também quefossem trazidas para Belém as mais importantes companhias teatrais e musi-cais, especialmente da Itália, França e Espanha. A importância da ópera para aelite local pode ser avaliada pelo número de peças encenadas no Teatro da Paze pelo minucioso comentário dos jornais sobre esses eventos e o desempenhodos artistas. A presença de autoridades, ricos comerciantes e intelectuais – e omodo como estavam trajados – servia de termômetro do prestígio das compa-nhias e da elite local. Ir ao teatro, além de uma opção de lazer, era um sinal deelegância e distinção social, o que levava a uma identificação com o compor-tamento cultural da elite européia.

Mas, as companhias estrangeiras não freqüentaram somente os palcos doTeatro da Paz, pois era comum, após a temporada em Belém seguirem para exi-bição no Teatro Amazonas, onde a elite amazonense numa demonstração desatisfação pela lírica, também se exibia em suas roupas importadas.

Em todo esse processo modernizador, o modelo adotado foi o europeu –Paris. Em vista disso, o francês foi a língua que a elite escolheu como um dosreferenciais identificadores da civilização nos trópicos. Os costumes e gostosfranceses transformaram-se em símbolos da gente chic que circulava pelos tea-tros, cafés, livrarias e pelas ruas pavimentadas e arborizadas da cidade, mesmorepresentando um impacto nos hábitos e costumes das camadas que estavam àmargem do próspero comércio da borracha.

No ano de 1900, páginas inteiras dos jornais anunciavam por meio de seusclassificados não apenas os mais recentes produtos chegados da Europa, mastambém trabalhadores oferecendo seus serviços, como o guarda-livros, o lei-loeiro, o alfaiate, a madame portuguesa que lecionava em seu atelier cortes devestidos, o encadernador6, além do professor “estrangeiro recém-chegadofalando alemão, francês, inglês, russo, húngaro e italiano...” que procurava umemprego no comércio ou numa casa particular, não fazendo exigências degrande ordenado visto falar ainda pouco o português7. Ao lado dessas ofertasde serviços havia anúncios oferecendo trabalho àqueles que se enquadrassem,por exemplo, como criado de armazém, caixeiro, cozinheira.

As transformações da cidade afetaram em cheio o cotidiano dos trabalha-

OS PORTUGUESES NA CIDADE: TRABALHO E COTIDIANO (BELÉM – 1900)

179

6 SALLES, 1992: 166. Segundo o autor, desde a década de 70 trabalhavam em Belém inúmerostécnicos estrangeiros especializados, inclusive com duas ‘fábricas’ de piano e dois organeirosestabelecidos.

7 DIÁRIO de Notícias, 1890: 1.

Page 181: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

dores pobres, que tiveram de adequar sua forma de vida aos novos implemen-tos econômico-sociais e político-culturais que davam cara nova à cidade.Assim, novas profissões surgiram, ou ainda permaneceram, enquanto outras seextinguiram.

Mas, nem sempre os trabalhadores adequavam-se às novas imposições queo momento apresentava. Isso contribuía para a eclosão de problemas com ogoverno, principalmente em conseqüência do não cumprimento das diretrizesimpostas pelo Código de Posturas Municipais. As novas regras invadiam, mui-tas vezes, a privacidade dos moradores da cidade e impunham padrões cultu-rais e de comportamentos, levando os trabalhadores a desenvolverem subterfú-gios para escaparem dessas pressões, ao mesmo tempo em que mantinham rela-ções de amizade ou inimizade, companheirismo ou agressão... Foi um períodomarcado por problemas entre patrões e empregados, ou entre estrangeiros enacionais, por questão de nacionalidade ou por disputas de mercado de traba-lho. As diferentes facetas dos trabalhadores e a imprevisibilidade de suas açõesdavam um aspecto particularmente interessante à cidade de Belém.

Contudo, havia os laços de solidariedade que as autoridades locais manti-nham com a pátria portuguesa. Por ocasião do centenário do descobrimento docaminho marítimo para as Índias, por exemplo, o governador do Pará, José Paesde Carvalho, decretou feriado nas repartições públicas, atitude seguida tambémpelo intendente Antonio Lemos, chefe da comuna de Belém. O senador JoséMarques Braga, presidente da Associação Comercial, solicitou à praça comer-cial que não abrisse as casas. As ruas de Belém foram ornamentadas pelos cai-xeiros e operários portugueses. As casas particulares também foram enfeitadas,como os armazéns de Cunha Cerqueira & C., localizados na rua Quinze deNovembro, e de instante em instante eram estourados morteiros e foguetes. Essecenário está destacado, neste momento, apenas para lembrar as relações institu-cionais de extrema gentileza e solidariedade que existiam entre brasileiros e por-tugueses. Enquanto isso, nas ruas da cidade, os portugueses trabalhadores dainformalidade experimentavam o peso da lei e a disputa com os nacionais.

Os periódicos portugueses registram que depois dessa fase de euforia acolônia portuguesa entrou numa fase apática, tanto que se mostrou indiferenteàs comemorações centenárias do descobrimento do Brasil, em 1900. Nessemesmo ano, o Grêmio Literário Português passou a chamar-se Grêmio Literá-rio e Comercial Português, época em que abrigava cerca de 28 mil volumes, emportuguês, francês, italiano, espanhol, alemão, grego e latim, além de adminis-trar aulas primárias de português, aritmética, desenho, história e geografia. Acomunidade lusitana entendia que o Grêmio deveria adequar-se às necessida-des pedagógicas da Colônia e transformar-se em uma entidade moderna deeducação, por isso converteu-o em Grêmio Português de Educação, conside-rando que “os patrícios continuam a vir de todo analfabeto para o exterior”8.

MARIA DE NAZARÉ SARGES

180

8 O PARÁ, 1920.

Page 182: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Mas, a colônia portuguesa sempre esteve envolvida nesta ação corporativae mutualista, desenvolvendo estratégias de solidificação de uma certa identi-dade lusitana por meio de criação de associações como o Grêmio Literário Por-tuguês ou de gazetas, como O Luzitano, A Colônia Portuguesa, entre outras.

Em 1854, vários portugueses se juntaram para a construção da BeneficentePortuguesa, cuja concretização ocorreu somente em 1867, ao final do qual con-tava com 1060 sócios. Ao lado do hospital criaram o Asilo Português de Infân-cia Desvalida, que se incorporou à Beneficente em 1875. Ao completar 50anos, a Beneficente Portuguesa instalou-se na Avenida Generalíssimo Deodoro,cuja construção foi concluída em 1906, abrindo-se ao público no dia 20 de abrildo mesmo ano, quando congregava mais de 3 mil sócios.

Em 1898, foi criada a Associação Vasco da Gama, sendo a maioria dossócios provenientes do comércio e tendo por objetivo o socorro médico, apesarde também prestar atendimento a funerais, além de fornecer medicamentos eaté passagens para Portugal. Na década de 1900, precisamente no ano de 1908,o jornal A Província do Pará inseriu, na sua primeira página, um apelo à colô-nia lusitana sobre a necessidade de socorrer aqueles que por doença ou outrasrazões ponderáveis devessem regressar à pátria. A ação da Liga Portuguesa deRepatriação foi tão eficaz que sua primeira diretoria chegou a repatriar 239 por-tugueses, e em conseqüência, acabou sendo reconhecida pelo governo bele-nense como benemérita da República.

No início dos anos 1900, o Estado do Pará recebeu um expressivo contin-gente de imigrantes portugueses. Alguns vinham com passagem subvencionadae embarcados, a maioria, pelo porto de Leixões. Sob o forte apelo da propa-ganda imigrantista do governo paraense, os portugueses, chegando à cidade deBelém, não demonstraram interesse em se fixar no campo, como determinavamos contratos de trabalho, visto que pouquíssimos eram lavradores. Na cidade,eles exerceram várias atividades, desde vender peixes pelas ruas até carregarpianos ou lavar casas de pessoas ricas, embora muitas vezes tenham se tornadodonos de estabelecimentos comerciais.

A obrigatoriedade de matrícula de empregados e as constantes multasimputadas às desobediências geraram uma série de protestos naquela época. Noano de 1900, a Intendência foi procurada por uma comissão de caixeiros cujaexigência era a revogação da taxa de 10% que incidia sobre os vencimentos dosempregados no comércio. Em outros momentos, essas insatisfações foramestampadas com mais ênfase. Os verdureiros, por exemplo, na época, chama-dos “horteleiros”, insurgiram-se contra as medidas municipais, e lideraram umagreve em 1902, quando se recusaram a pagar os impostos à municipalidade.Esses mesmos vendedores ambulantes de hortaliças, também reclamaram con-tra a Lei n. 411 de 16 de junho de 1905, que os obrigava a comprar carrinhosda Empresa Americana de Veículos para a venda de seus produtos.

Outro confronto com a polícia ocorreu na greve dos carroceiros portugue-ses, em 1907, em meio a um protesto contra a taxa pelo exercício da profissãoe a monopolização das atividades destes trabalhadores pela referida empresa,

OS PORTUGUESES NA CIDADE: TRABALHO E COTIDIANO (BELÉM – 1900)

181

Page 183: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

além do tumulto de 1911, no Largo da Pólvora (atual Praça da República), con-tra a nova tabela de preços pelo serviço de automóveis. Este confronto foidecorrente da intolerância de Lemos aos vendedores ambulantes, expressadaem seu Relatório de 1906: “Ninguém negará o feio dos veículos até há poucoempregados em Belém para a venda ambulante de vários gêneros de consumo.Em sua maioria de ridículas traquitanas, donde haviam sido banidos todos ospreceitos de asseio, sem falar dos “clássicos” tabuleiros, sobre os quais esvoa-çavam moscas insidiosas, transmitindo toda espécie de sujidade aos frutos edoces oferecidos ao consumo público”9.

Naquela época, o exercício dessa atividade era bastante instável, pois alémda disputa entre si, compelidos por necessidades imediatas de sobrevivência, ostrabalhadores informais ainda tinham de se defrontar com o que pensava umadministrador que repugnava as práticas ditas incivilizadas.

A presença marcante dos ambulantes na documentação pesquisada eviden-ciou situações em que trabalhadores não-qualificados encontravam-se aren-gando entre si. Houve, inclusive, casos, como o de uma cozinheira esbandalharo cesto de compras na cara do carregador português10, e o caso de: “AntonioVasques, português, ambulante, ofereceu um abacate para uma moça. Ela acei-tou, mas ao olhar para a fruta achou que a mesma estava estragada e devolveu--a a Antonio. Ele não gostou do ato e jogou o abacate na cara da senhora”11.

Havia também situações em que os trabalhadores estavam na mira da fisca-lização cotidiana. Os leiteiros, por exemplo, sempre apareciam infringindo o art.54 do código de posturas municipais. Eles colocavam água no leite, às vezes,tapioca12, aliás, eram freqüentes essas autuações porque os leiteiros eram apon-tados como contumazes falsificadores do produto que vendiam aos moradores dacidade. O vendedor de leite também deveria “vestir-se com limpeza, usandocamisa branca de mangas curtas quando estiver mugindo o leite, a trazer o ani-mal limpo e bem nutrido, a empregar somente medidas decimais aferidas rigoro-samente asseadas, não podendo trazer outra vasilha de medir se não aquelas”13.

A burla do controle do Serviço Sanitário expressava quão os trabalhadoresusavam de artifícios no ato da matrícula obrigatória como registra o caso de umcidadão português e vendedor de café chamado de João Marques de Figueiredoque utilizou depois de algum tempo outro nome e desta vez, dizendo trabalharno comércio. Constatado o crime de “falsidade ideológica” o médico exigiu aoIntendente “o castigo necessário a fim de cessar semelhante burla que freqüen-temente se reproduzia”14.

MARIA DE NAZARÉ SARGES

182

9 LEMOS, 1906: 107.10 DIÁRIO de Notícias, 1897: 2.11 FOLHA DO NORTE, 1900: 2.12 FOLHA do Norte, 1897: 3.13 APEP – Código de Polícia Municipal, 1900.14 APEP – Secretaria Municipal de Belém. Fundo: Serviço Sanitário.1915. Ver também sobre con-

trole da vacinação obrigatória RODRIGUES, 2008.

Page 184: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

No universo do trabalho na cidade, a paisagem urbana era constituída pordiversos tipos, desde o sorveteiro italiano que foi proibido de mascatear nolargo de Sant’Anna por não ter pagado a licença até o português de tamancosque vendia leite nas portas das casas ou do aguadeiro que percorria a cidadecomo descreve Marques de Carvalho no romance Hortência: “Era um portu-guês de farto bigode louro e cútis tostada pelos ardentes ósculos de sol. Gotasde suor brilhavam-lhe na testa, por baixo do chapéu de palha do Chile, e naponta do nariz. Assoviava ternamente uma canção popular de Traz-os-Montescuja letra começa assim: “Quando eu quis, tu não quiseste”15.

O controle social compreendia, naquele momento, todas as esferas da vidado sujeito e ganhava uma dimensão que extrapolava a nacionalidade. Foi o queaconteceu em 1903 quando o português João Rodrigues Ramos juntamentecom o espanhol Manoel Gailardo combinaram de espancar um certo fiscal ape-lidado por eles de “fiscal preto”, agressão que resultou no indiciamento dosdois estrangeiros na condição de “ferimentos leves”. Essas provocações aoshomens de farda eram recorrentes no cotidiano da cidade. Segundo o registrode Autos-Crimes de 1902: “O português Antônio Leal Junior adentrou numaloja do Reduto (bairro) e falou a todos os presentes que todos os “praças” eramcaloteiros. Um “praça” presente no estabelecimento, descrito como “paciente”(talvez fosse alguma denominação para alguma patente da polícia) retrucoudefendendo-se, o que gerou uma luta corporal entre ambos”16.

Em outros momentos, o conflito era motivado pelo excesso de taxas que oscomerciantes também eram obrigados a pagar à Intendência. Um caso enqua-drado pela polícia como ferimentos leves foi o que aconteceu envolvendo ocomerciante português José Paulino, o qual foi acusado de bater com uma tábuano indivíduo João Pedro Bezerra por este ter entrado em seu comércio pedindoesmola. O comerciante negou o pedido, alegando que tinha acabado de pagar oimposto da Intendência, que cobrava 15% para o asilo de mendicidade. Segundoo proprietário, diante da negação, o pedinte tentara furtar umas roupas que esta-vam na janela de sua casa (localizada ao lado do comércio), o que foi desmen-tido pelo mendigo que o acusava de agressão com uma tábua de barril.

As tensões com o poder público eram constantes naquela época. Houve umincidente que aconteceu com o português José Maria Cabral, comerciante, quetendo comprado um botequim localizado no bairro do Reduto, fora intimadopor uma autoridade a fechá-lo sob o pretexto de ser o botequim um foco deimoralidade e de desordeiros, além do pouco asseio que apresentava. Emboramultado em cem mil réis, o comerciante acabou sendo dispensado por não termeios para quitar a dívida, mas o seu botequim não escapou de ser fechado atéulterior deliberação do chefe de polícia17.

OS PORTUGUESES NA CIDADE: TRABALHO E COTIDIANO (BELÉM – 1900)

183

15 CARVALHO, 1997: 48.16 CMA – Autos-crimes, 1902.17 APEP – Auto de perguntas, 1903

Page 185: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

As vivências das classes trabalhadoras podem ser reconstituídas naqueleespaço de vivência social, envolvendo várias situações de conflitos. Os portu-gueses, por exemplo, constantemente eram encontrados em variadas situaçõesde luta, como foi o caso de José Simões Reis, que contratou um capataz paraespancar o padeiro Jacinto, seu ex-funcionário, sob a acusação de que a vítimatinha uma séria dívida com ele. Mas havia também, naquele espaço conflituoso,desavenças entre portugueses e espanhóis, conforme o registro do Tribunal Cor-recional, em 1909: “Cardama Castro e outros espanhóis proprietários de hotéisestavam insatisfeitos com o sucesso dos hotéis pertencentes aos portuguesescitados no processo. Por isso, agrediram um funcionário de um dos hotéis eameaçaram os proprietários, amedrontando-os quanto a possíveis agressões. Osportugueses se uniram e denunciaram o fato a polícia; no dia seguinte Castropublicou uma nota no jornal A Província do Pará invertendo a situação a fim deconfundir a população, afirmando que os portugueses citados estavam amea-çando-o de agressão. Então, Cardoso, Rocha e Fernandes (portugueses) entra-ram com um processo de injúrias impressas e calúnia contra Castro”18.

Essa citação evidencia que, em lugar da luta física, os estrangeiros, talvezpor serem comerciantes, resolveram enfrentar a disputa na justiça. No entanto,havia formas de provocações que envolviam os rixosos motivados por ciúmesou decorrentes do consumo de bebidas alcoólicas no espaço de lazer. Em certasituação ocorrida em um bar/pensão da cidade, um bolieiro e dois comercian-tes portugueses que se encontravam no local tomando uma cerveja resolveram“galantear” duas mulheres de outra mesa, situação que desencadeou uma brigageneralizada, pois havia homens na mesa das mulheres. Durante o confronto,um dos acusados acertou a cabeça de um tal Zeferino com uma garrafa eembora a vítima tentasse fugir, foi atacada com murros e pontapés. Esta con-fusão resultou na morte de Zeferino, três dias depois. Todos os acusados foramenquadrados em crime de homicídio.

A documentação criminal também registrou uma outra briga ocorrida entreum português e um passante por motivo de estratégias de venda no mercado detrabalho, caso publicado na Folha do Norte (1900), sob o título “A Luta pelavida”. Segundo o jornal, um caixeiro português que trabalhava numa loja pró-xima ao Ver-o-Peso denominada “Queimação”, envolveu-se em confusão comum transeunte ao insistir para que este entrasse na loja para ver os preços, umaprática muito comum nas ruas do comércio. A propaganda e a disputa pelos fre-gueses fora da loja resultavam muitas vezes em confusão, sobretudo porquehavia um amontoado de caixeiros nas ruas do centro comercial.

Esse flagrante conflituoso se repetia, às vezes, com certo ar pitoresco ecomezinho. Houve uma situação que envolveu a portuguesa Rita Rosa que aover na rua uma galinha pertencente à Margarida dos Santos, pegou-a, matou-ae cozinhou-a. Após isso, colocou a galinha à venda e passou a fazer propaganda

MARIA DE NAZARÉ SARGES

184

18 CMA – Autos-crimes, 1909.

Page 186: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

enganosa sobre esta, atribuindo qualidades que a tal galinha não possuía. Mar-garida queixou-se à polícia sobre esse fato.

Em alguns casos, os envolvidos competiam pela obtenção de um instru-mento de trabalho, essencial para a sua sobrevivência, a exemplo do enquadra-mento do carroceiro Francisco Lopes no crime de furto de um carrinho de rua,ocorrendo também quando um lusitano tinha uma de suas vacas roubadas, con-forme a denúncia de um proprietário de vacaria19, lembrando que esta estraté-gia de sobrevivência ocorria quando o indefeso invocava um pouco de poderpara tomar o que precisava daqueles que no mundo do trabalho eram conside-rados “afortunados”.

Esses relatos revelam que, na disputa pela sobrevivência, sobressaíam-se osconflitos de nacionalidade, visto que sempre o estrangeiro, em especial, o por-tuguês, era quem disputava o mercado de trabalho com os nacionais pobres ouquem era considerado “explorador” quando era proprietário, seja comercianteou dono de casa de aluguel. Chalhoub identifica com clareza esse problema nacidade do Rio de Janeiro, no início do século XX, quando registra que “entreos populares, os portugueses carregavam, sem dúvida, o estigma de avarentosou exploradores, o que na verdade apenas refletia a situação real de predomi-nância portuguesa no pequeno comércio da cidade”20.

Um caso provocador dessas hostilidades foi relatado por um dos periódicosda cidade, sob o título “Judas nos Tamoyos”: “Na rua dos Tamoios, entre Tupi-nambás e Jurunas, vive um cidadão português que não tem e nem procura termaior intimidade ou proximidade com os vizinhos. Cuida de seus afazeres e nãoliga pro que acontece ou está ao seu redor. Na frente da casa do dito cidadão,moram uns indivíduos que não gostam dele. Por isso, resolveram, pela segundavez, fazer uma brincadeira: produzir um boneco de Judas e colocá-lo na janelado português. Porém, desta vez, o lusitano abriu a janela e deu vários tiros deespingarda, produzindo uma confusão e ferindo um dos autores do boneco”21.

As relações conflituosas ocorridas naquela época são reveladoras de expe-riências cotidianas da classe trabalhadora, de seu espaço de luta, pois nem sem-pre “as relações de vida dos agentes sociais expropriados são sempre relaçõesde luta, e não se restringem aos movimentos reivindicatórios organizados”22.Em certas situações muito peculiares do mundo do trabalho, podem ser encon-trados gestos de solidariedade. Houve um caso que envolveu um ambulanteportuguês que após vender uma xícara de café a um indivíduo e este não pagar,entrou em atrito com o freguês, sendo preso e espancado por praça da polícia.No caminho da delegacia, a prisão do português foi marcada pela interferênciade populares que se colocaram contra a prisão do ambulante23.

OS PORTUGUESES NA CIDADE: TRABALHO E COTIDIANO (BELÉM – 1900)

185

19 CMA – Autos-crimes, 1900.20 CHALHOUB, 1986: 76.21 FOLHA do Norte, 1900: 2.22 CHALHOUB, 1986: 31.23 APEP – Auto de perguntas, Belém, 29 de Agosto de 1906.

Page 187: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Por outro lado, naquela época, com certa freqüência, eram publicadosanúncios em jornal que explicitavam a preferência portuguesa para determi-nado ofício, conforme publicado em A Província do Pará (1908): “Em casa deManoel Jorge Pereira Junior & Cia. precisa-se de um rapazinho chegado recen-temente da Europa, que deseje empregar-se no comércio, é para a vila de SãoMiguel do Guamá”.

Também havia oferta de empregados: “Oferece-se um criado chegado hápouco de Lisboa, com prática de jardim e de casa particular ou para servente dequalquer escritório; quem pretender dirija-se á estrada de São Jeronymo n.º155”24.

O universo daquela época também refletia o exercício do jogo da política.Desde 1896, os operários portugueses já se reuniam para a escolha de seurepresentante no congresso internacional que se realizaria em Londres. Essejogo também podia ser observado quando um elemento com mais consciênciade classe, lançava um manifesto à classe caixeiral constituída em sua maioriapor indivíduos de nacionalidade portuguesa. Vale a pena ler essa peça:

Caixeiro! O que se entende por caixeiro?Uns, entendem por empregado de casa de negócio. Outros, por gerente de

seus negócios, e ainda outros por mecânico que faz caixas.Caixeiro, de que tratamos nessa ocasião, é o que se entende por empre-

gado de casa de negócio; e assim mesmo, sobre este tratamento ainda há muitomodo de pensar. Os patrões severos consideram os seus caixeiros como umescravo; tratam-no como um carregador de rua; privam-no de se colocar juntoa si em uma mesa de jantar, proíbem-no de passear, até nas únicas horas dedescanso que tem; censuram-no se intervém em suas conversações; enfim,procuram esmagar a classe caixeiral colocando-a no mais ínfimo grau de posi-ção. No entanto que os patrões de caráter sincero tratam seus caixeiros comoamigos; convidam-nos para todas as festas que fazem em suas casa, conver-sam com eles; pedem-lhe o seu parecer; enfim, consideram o seu caixeirocomo uma pessoa indispensável em seus negócios.

É o que sucede a mim, que tenho patrões de caráter sincero, sou estimadopor todos, tratado com consideração pelos meus patrões e até não posso admi-tir que, quando convido um colega para passear, ele me diga, não! Não posso,porque o meu patrão privou-me de sair hoje. Oh! Homem sem raciocínio! Poisnão vês que o teu caixeiro tem o mesmo direito de se divertir como tu? Oh!Isso é intolerável25.

O manifesto ainda faz lembrar o sapateiro politizado da Inglaterra noséculo XIX26, que conhecia o valor da independência e tinha ampla autonomia

MARIA DE NAZARÉ SARGES

186

24 DIÁRIO de Notícias, 1888: 1.25 DIÁRIO de Notícias, 1889: 1.26 HOBSBAWM, 1998: 54.

Page 188: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

de comparar sua relativa autonomia com a de seus clientes, neste caso e nestecenário de Belém do Pará, com os seus companheiros de ofício – os caixeiros.

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Arquivo Público do Estado do Pará (APEP) – Auto de perguntas, Belém. 1903; Belém, 29 deAgosto de 1906.

APEP – Código de Polícia Municipal, Belém. 1900.APEP – Secretaria Municipal de Belém. Fundo: Serviço Sanitário. Belém. v. 2 (série: ofícios).

1915.CARVALHO, João Marques de, 1997 – Hortência. Belém: CEJUP, SECULT.Centro de Memória da Amazónia (CMA) – Autos-crimes, Belém. 1900; 1902; 1909.CHALHOUB, Sidney, 1986 – Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio

de Janeiro na Belle Époque. São Paulo: Brasiliense.DIÁRIO de Notícias, Belém, 14 de fevereiro de 1888; 29 de dezembro de 1889, 18 de novembro

de 1890, 13 de agosto de 1897.FOLHA do Norte, Belém, 4 de Abril; 3 de janeiro; 15 de janeiro; 15 de abril.HOBSBAWM, Eric, 1998 – Pessoas extraordinárias: resistência, rebelião e jazz, 2 ed., São

Paulo: Paz e Terra.LEMOS, Antonio José de, 1903 – Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém.

Belém: Typografia A. A. Silva.LEMOS, Antonio José de, 1906 – Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém.

Belém: Archivo da Intendência Municipal.LEMOS, Antonio José de, 1908 – Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém.

Belém: Archivo da Intendência Municipal.O PARÁ e a Colônia Portuguesa, 1920. Belém.RODRIGUES, Sílvio Ferreira, 2008 – Esculápios tropicias: a institucionalização da medicina

no Pará, 1889-1919. Pará: Faculdade de História, Universidade Federal do Pará (disserta-ção de Mestrado em História Social da Amazónia).

A PROVÍNCIA do Pará, 1908. Belém.SALLES, Vicente, 1992 – Memorial da Cabanagem: esboço do pensamento político-revolucio-

nário no Grão Pará. Belém: CEJUP, Belém.SARGES, Maria de Nazaré, 2000 – Belém: Riquezas produzindo a belle époque (1870-1912).

Belém: Paka-Tatu.SEVCENKO, Nicolau, 1998 – História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das

Letras.

OS PORTUGUESES NA CIDADE: TRABALHO E COTIDIANO (BELÉM – 1900)

187

Page 189: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 190: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

189

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

Juan Andrés Blanco Rodríguez

INTRODUCCÍON

Siendo Brasil el tercer país por el volumen de inmigrantes españoles enAmérica, sin embargo este proceso no ha recibido la atención que merece. Novamos a analizar aquí las causas que han sido abordadas en los conocidos tra-bajos de Herbert Klein, Elda González, Marilia Canovas, Ricardo Robledo,Blanca Sánchez o César Yañez, entre otros1. Tampoco vamos a incidir en losaspectos cuantitativos y las discrepancias entre los datos aportados por las fuen-tes españolas y las brasileñas, tal como se reflejan en los mencionados trabajosde Yáñez y Klein. Las cifras aportadas por Klein para el periodo 1820-1972, ysegún las fuentes brasileñas, se elevan a 717 424, destacando los decenios 1889--1898 (etapa en la que juegan un papel destacado los pasajes subsidiados), y1904-1914, el periodo 1923-1927, y una nueva etapa que va desde 1951 a prin-cipios de los años sesenta del siglo pasado2. Las estadísticas españolas quemaneja César Yáñez nos aportan unas cifras globales distintas, 359 714 emi-grantes a Brasil para el periodo 1882-1962 según datos del Instituto Geográficoy Estadístico Español, a los que habría que añadir otros más de 20.000 que con-signa el Consejo Superior de Emigración de España para la etapa 1963-19723.La diferencia con las cifras de las fuentes brasileñas tiene que ver con la exis-tencia de una notable emigración clandestina desde España hasta finales de losaños veinte, la importancia de las salidas desde los puertos portugueses, algunosfranceses y Gibraltar y la no referencia, lógicamente, a los inmigrantes españo-les que proceden de otros países americanos, en especial Argentina4.

Siendo importante la cifra global de la inmigración española, en particular ensu concentración en el Estado de Sao Paulo, nos interesa más referirnos al nota-ble proceso asociacionismo que lleva a cabo esta inmigración española en Brasil.

1 Pueden verse al respecto, entre otras, las siguiente obras: SÁNCHEZ, 1994; KLEIN, 1996;GONZÁLEZ, 1999; SOUZA, 2006; AGUIAR, 1991; SOUZA-MARTINS, 1995; CANOVAS,2005. Un análisis más reciente de las causas de la emigración española hacia América, aunquecentrado en la emigración castellano-leonesa, puede verse en ROBLEDO y BLANCO, 2005.

2 KLEIN, 1996: 143-147. 3 Elda GONZÁLEZ, 1992: 517, aporta la cifra de 578 351 para el periodo 1880-1929. 4 YAÑEZ, 1994: 85-97.

Page 191: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

Las asociaciones creadas por los emigrantes constituyen uno de los ele-mentos más relevantes de su actuación colectiva. Por otro lado, buena parte dela recuperación de la visibilidad de estos emigrantes ha sido posible a partir deestas entidades asociativas. Las asociaciones son la memoria institucional de laemigración y la parte más visible de ella. En ellas se ha reflejado una ciertamemoria colectiva de la emigración y dentro de las mismas se han evidenciadolas tensiones identitarias y de desarraigo que atraviesan esta memoria. Entiendoque se ha descuidado en cierta medida, al menos en algunas regiones, estamemoria de la emigración a América, en parte por su lejanía en el tiempo. Lasasociaciones son un elemento material fundamental para la reconstrucción dela misma, tarea que tiene cierta urgencia por el peligro de desaparición de lasmismas o de modificación sustancial de su significación primera. Fueron unelemento importante de la presencia española en América y de la visualizaciónque desde América se tenía de esa presencia, y en alguna medida lo son en laactualidad que se encuentran inmersas en un proceso de notorio cambio por laevolución de las mismas en relación con los cambios en los países en que seasientan, la progresiva desaparición de una masa significativa de emigrantesnacidos en España – y el envejecimiento de los que quedan – y la revitalizaciónde muchas y la creación de otras en relación con el proceso de modificación dela organización territorial en España.

SIGNIFICACIÓN DEL ASOCIACIONISMO

Uno de los aspectos que tal vez despiertan mayor interés en la temática inmi-gratoria actual se refiere a la incorporación de los inmigrantes a los países derecepción. Más aún, a los especialistas en este fenómeno les llama la atención laproliferación de asociaciones que los inmigrantes van fundando desde poco des-pués de su llegada. Moisés Llordén considera que el asociacionismo es una de lascaracterísticas de la emigración masiva y se puede observar en todos los paísesque reciben un flujo migratorio significativo, si bien también es visible la ten-dencia distinta a asociarse según la pertenencia a un país u otro, incluso a unaregión u otra región de origen y el desempeño de determinadas ocupaciones. Essignificativa la práctica asociativa entre los emigrantes procedentes del sur deEuropa, donde la experiencia asociativa era sensiblemente inferior a la existenteen el norte5. En esta dirección, autores como Fernando Devoto consideran que latendencia asociativa es mayor entre los emigrantes que entre los que permanecenen su país y refleja quizás la posible ruptura parcial del universo cultural y lasredes de sociabilidad y subordinación en las que el emigrante estaba inserto en su

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

190

5 BARTHELÉMY, 2003.

Page 192: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

lugar de origen6. Llama la atención también que para muchos de los inmigrantesespañoles y de otras nacionalidades, las sociedades creadas en los países de des-tino constituyen la primera experiencia asociativa que tienen, en especial los pro-cedentes del medio rural, que eran la mayoría. Una vez tenida la primera, sí esfrecuente que la extiendan en los sucesivos destinos.

Se ha señalado que las asociaciones resultan fundamentales en la integra-ción de los emigrantes, dado que tienen estrecha relación con la decisión, máso menos consciente, de asentarse en el nuevo destino, hacerse un espacio yconstruir, expresar y mantener una nueva identidad colectiva. Aunque el papeldel asociacionismo en los procesos de integración sigue siendo controvertido.Una de las preocupaciones y retos de todo grupo inmigrante se centra en con-seguir mantener y hacer compatibles su identidad primigenia con las señas deidentidad de la sociedad en la que se insertan. Según se ha apuntado, en una pri-mera etapa, cuando los inmigrantes se ubican en un escenario multiétnico, tra-tan de definir sus fronteras identitarias frente a la propia de la sociedad de aco-gida y otras presentes, incidiendo en sus rasgos culturales propios para reforzarsu visibilidad. Cuando se ha conseguido esto, se incide en la reinterpretación,redefinición e incluso la relativa invención7 de sus tradiciones propias, tratandoparalelamente de integrarse en su nueva sociedad utilizando como palanca unamplio tejido asociativo étnico que les facilita influencia, en buena medida porla acción de sus líderes, y paralelamente les proporciona servicios de educa-ción, cultura, atención sanitaria y asistencial además de ayuda mutua8. A mediaque se van logrando estos objetivos y los inmigrantes comparten identidadescruzadas o anfíbias por la relación entre la suya primigenia y la de la sociedadde acogida, los dirigentes procuran dirigirlos progresivamente hacia un procesode aculturación. A través de esta actuación como mediadores las elites de loscolectivos inmigrantes alcanzan influencia y capital relacional entre las clasesdirigentes del país recetor y al mismo tiempo reconocimiento en la sociedad departida, liderazgo que se reduce al aceptar la segunda generación de inmigran-tes los elementos culturales básicos y valores de la sociedad de acogida9. Comoapunta José Antonio Vidal, “este será, de alguna manera, el proceso de sociali-zación de las colectividades españolas en América”10.

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

191

6 DEVOTO, 1992a: 174. 7 En relación con los procesos de “invención” de la identidad entre grupos inmigrantes véase SOL-

LORS, 1889; KOZEN, 1992 y DEVOTO, 1992b. 8 Como sostiene JONES-CORREA (1998: 333), para el caso de lo inmigrantes masculinos lati-

noamericanos en los EE.UU.: “Los inmigrantes temporales se asocian para reconstruir su redsocial y perpetuar los rasgos socializadores de su tierra de origen. Las organizaciones étnicasofrecen a los inmigrantes una alternativa a la adaptación al país de acogida, ofreciéndoles unentorno que, como el enclave étnico, reconoce su status social, a pesar de cualquier movilidadeconómica descendente que pudiera sufrir en los EE.UU”.

9 Sobre los procesos de integración de las minorías inmigrantes en América véase HUGHES YMCGILL, 1952.

10 VIDAL, 2008: 12.

Page 193: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Los ámbitos de sociabilidad formales constituidos por los emigrantes cum-plen al mismo tiempo, al menos en muchos casos, una doble función aparente-mente contradictoria: recrean identidades primigenias de los inmigrantes yfacilitan en cierta medida la integración en las sociedades a las que llegan comoalgo extraño. Sin duda se centran en el mantenimiento y recreación del sentidode lo propio mediante la incidencia y la recuperación de la historia, el mante-nimiento de los símbolos, la valoración y defensa de la unidad del grupo frentea los “otros”. Sin duda las asociaciones pueden ser consideradas en ocasionescomo lugares de sociabilidad política o cultural en las que por medio de ciertasprácticas se conformaban o trasmitían determinadas formas de comporta-miento, determinados valores. En ese sentido la existencia de distintos grupossociales podía ser una ventaja en el proyecto de construcción de ciertas identi-dades culturales o políticas11. En ese sentido estas asociaciones jugaban unpapel proyectando de arriba hacia abajo modelos de comportamiento que faci-litaban la adhesión a ciertos valores de las elites. Tienen también significaciónporque estas asociaciones podían ser vistas así mismo como ámbitos en los quelas elites trasmitían un conjunto de valores, de practicas sociales, de modelosde comportamiento, que se proyectaban de arriba hacia abajo. Se ha incididoen su papel de control social, de implantación de formas de comportamientosocial a imitación de las elites (como ocurre con los entierros que se determi-nan minuciosamente). Comportamientos sociales preferentemente de los secto-res medios de la inmigración, que son los más activos, y que reflejarían susvalores alejados de los sectores altos y los populares.

Junto a prácticas centradas en el reforzamiento de los vínculos de solidari-dad entre el grupo inmigrante, paralelamente las asociaciones sirven de plata-formas de interlocución y presencia social y política en las sociedades de aco-gida y sus culturas. Desarrollan y favorecen estrategias de relación, negocia-ción y asimilación con la sociedad de acogida. Aunque el tema del papel delasociacionismo en sentido general y del español en particular en los procesosde integración precisa un tratamiento más diversificado.

Además de la significación que las asociaciones cumplen en el proceso deintegración su importancia reside en la amplia gama de funciones que cumplen.Como ha señalado Consuelo Naranjo, “estas asociaciones actuaron de amorti-guador del choque cultural a la llegada del individuo al posibilitar su incorpo-ración-adaptación al nuevo país. Ellas proporcionaron al recién llegado la segu-ridad frente a un medio desconocido, le cubrían las necesidades afectivas, eco-nómicas y culturales en un primer momento”12. Le ayudan a mantener su iden-tidad étnica y le proporcionan puntos de referencia en cuanto a su identidad enel nuevo país, lo que posibilita que éste mantenga una continuidad con la vidaque dejó atrás.

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

192

11 DEVOTO, 1992a: 180. 12 NARANJO, 1988: 96.

Page 194: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Estos espacios de sociabilidad responderán a la urgencia del encuentro, unencuentro repleto de imperativos afectivos, sociales e incluso económicos13.Económicos en algunos casos de especial indigencia, afectivos al permitir lareconstrucción de redes primarias desarticuladas por el alejamiento de su paísde origen y reforzar espacios privados rotos por la emigración; y sociales, yaque surgen frente a la llamada de reconstrucción de un pasado discontinuogenerado por la propia emigración en el que interpretar comúnmente una his-toria compartida que preste la eficacia emotiva necesaria.

El asociacionismo es asimismo un centro de acceso a la información,aspecto fundamental para superar la incertidumbre que muchas veces acom-paña al emigrante en un país desconocido, aunque las redes de relación hayantrabajado ya en esa dirección desde la etapa previa a la emigración. El asocia-cionismo, pues, va a ayudar a “relativizar el paradigma del desarraigo derivadode la condición de migrante”. Estos espacios formales de sociabilidad no eli-minan el desarraigo pero sí contribuyen a relativizarlo, aunque sea compar-tiendo la nostalgia a partir de una especie de terapia grupal que se lleva a cabodesde dichos espacios.

Entre las diversas funciones que realizan las asociaciones está una que faci-lita el propio inicio de la emigración. Muchas veces sirven de aval para sortearlos trámites exigidos por distintos países para entrar en los mismos, lo quedetermina que en ocasiones los inmigrantes sean miembros de algunas de estasasociaciones antes de llegar al país donde han sido constituidas. Es lo queocurre en Cuba, donde las sociedades regionales españolas más importantestendrán una delegación con presencia en las instituciones de inmigración cuba-nas y se encargarán de proporcionar a numerosos inmigrantes la “carta degarantía” que permitía la entrada en la Isla14.

A pesar de su significación, al proceso asociacionista constituido por los emi-grantes se ha prestado poca atención. Fernando Devoto ha resaltado que el aso-ciacionismo de la emigración, al margen la desigual atención que ha tenido en loslugares de origen, constituye un capítulo mayor de la historia social de los paísesreceptores del flujo migratorio15. El estudio de estas asociaciones permitirá dis-poner de una imagen más rica y variada del movimiento asociativo y del papeldesempeñado por el mismo en las transformaciones de las sociedades de acogida

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

193

13 COLEMAN, 1990.14 La Ley sobre Reclusión de Inmigrantes en el Lazareto de Tiscornia de 6 de noviembre de 1909,

determinaba el internamiento en dicho centro de acogida situado a la entrada de la bahía de LaHabana, en el caso de no haber sido reclamado por algún familiar o empresario en Cuba que pre-sentase una carta de garantía. Como apunta Consuelo Naranjo, “esta carta era presentada por elindividuo que estuviese en Cuba, lo cual era tramitado por el Centro Regional al que perteneciese.Muchos de los emigrantes eran asociados a algún Centro antes de su llegada”, e incluso, “paraevitar que vayan a Tiscornia, los Centros Regionales expiden en España, antes de embarcar, esascartas de garantía” (NARANJO, 1987: 47-48). Algo similar harán algunas asociaciones en Argen-tina para evitar a los emigrantes el paso por el Hotel de Inmigrantes.

15 DEVOTO, 1992a: 174.

Page 195: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

y en la relación con las sociedades de partida, a través del conocimiento de latrama de relaciones sociales que los emigrantes establecieron entre sí y con loshabitantes del territorio de acogida así como de unas briznas de las imágenes,sueños, y proyectos que constituían su percepción de la experiencia vivida.Temapoco tratado, como pone de manifiesto D. Armus para el caso argentino16, querecibe el contingente mayor de españoles, pero constituye un elemento clave paraconocer la problemática de la inserción de los inmigrantes en una nueva socie-dad, a la que llegan, como para conocer asimismo las relaciones internas entreestos grupos de inmigrantes y de los mismos con los lugares de origen.

Las asociaciones posibilitan conocer la distribución ocupacional y residen-cial de la emigración, así como su adscripción regional, provincial y local,aspectos que para amplios periodos no reflejan las estadísticas, aunque hay quetener en cuenta la limitada representatividad de los censos de muchas de estasasociaciones en relación con la comunidad respectiva. Estas sociedades nospermiten conocer asimismo el imaginario de estos colectivos de emigrantesespañoles a partir de la iconografía y símbolos de las sociedades que crean ymediante las representaciones que reflejan en sus teatros, festivales y conme-moraciones patrióticas.

La proliferación de publicaciones periódicas creadas o alentadas por estasasociaciones aporta una información de gran interés sobre el quehacer sociocul-tural de estos emigrantes en los lugares de acogida, como mecanismo de auto-protección y ayuda mutua en un contexto diverso según países, desde el dedependencia casi colonial de Cuba respecto de Estados Unidos a la situación enotros como México de fuerte cuestionamiento social de lo hispano. Esta prensaconstituye un elemento básico de defensa. Estas publicaciones – y otras internasde las asociaciones – constituyen una fuente de gran interés para reconstruir lahistoria de los inmigrantes españoles en América, así como para la reelaboraciónde sus culturas de origen en contacto con un nuevo contexto sociocultural17.

Insuficiente atención en general y menor en el caso español. En conjunto,los españoles darán lugar en América, fundamentalmente hasta los años treintadel siglo XX, a un muy notable proceso asociacionista que, a pesar de los estu-dios aparecidos en especial en torno a la efemérides del 92, no ha recibido laatención historiográfica que merece, carencia que es extensible al conjunto delos estudios sobre sociabilidad en España18, a pesar de que ya en 1952 laUNESCO se preocupó de fomentar los estudios e investigaciones sobre losaspectos culturales y sociales de la migraciones internacionales19. Al menos

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

194

16 ARMUS, 1986: 454.17 GUANCHE, 1999: 256.18 Sobre este panorama de los estudios en torno a la sociabilidad, de importante cultivo en Francia

y significativo en otros países como Italia, Alemania, Bélgica, Holanda o Suiza, puede verse elartículo de CANAL, 1992. Para un panorama más general puede verse el citado trabajo de BAR-THÉLEMY, 2003 y también ARIÑO VILLARROYA, 2004.

19 BLANCO, 2001: 193. En general, la historiografía sobre el asociacionismo español en América está conformada por

Page 196: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

hay un notable retraso en su tratamiento20. El estudio del asociacionismo engeneral, y de la creación y despliegue de las asociaciones españolas entre laemigración económica en América en particular y su papel y funciones en dife-rentes momentos de la vida política y socio-cultural de los países de origen ydestino, es en buena medida una asignatura pendiente tanto de la historiografíaespañola como de los países latinoamericanos, aunque menos en algunos casos,en especial en Argentina. Posiblemente la ausencia de atención suficiente porla historiografía española responda a la propia dificultad, durante tanto tiempo,para difundir en los lugares de salida de estos millones de emigrantes esta quees una de las actuaciones más perdurables de los mismos en los países de aco-gida pero a favor tanto de los propios emigrantes como de las sociedades departida y de inserción, aunque en grado diverso según el tipo de asociacionesconstituidas. Por ello, una de las características más notables del proceso deintegración de los emigrantes españoles en las sociedades americanas durantelos siglos XIX y XX ha sido la creación y desarrollo de un movimiento aso-ciativo que los representaba. Estas asociaciones constituirán una plataforma derelación entre los propios inmigrantes, pero también con sus lugares de origeny con España.

Sobre el caso del asociacionismo español, seguramente tenía razón elmiembro de la Academia Gallega Adolfo Calveiro Couto cuando afirmaba en1964 que “lo que representan a beneficio de sus afiliados o socios, las institu-ciones de naturaleza similar a Naturales de Ortigueira – ésta única en Cuba, porel número de los servicios que presta a sus miembros-, no pueden imaginárselosiquiera quienes no conozcan, directa e íntimamente, los móviles que las inspi-raron y los modos y procedimientos para que las mismas se desarrollen, sos-tengan y rindan sus frutos naturales”21.

El asociacionismo español entre la emigración en América muestra diver-sas facetas que deberían reflejar su importancia. Una, no necesariamente la másrelevante, su dimensión numérica, aunque desigual en relación con la colecti-vidad española inmigrante según países. Como ejemplo puede valer considerarque, en un momento determinado, más de un tercio de la colonia española enCuba es miembro de alguna asociación. En los años cincuenta del siglo pasado,las sociedades españolas en Cuba tienen más de 400.000 asociados, con enti-dades como el Centro Asturiano que casi llega a los 100.000, o la AsociaciónHijas de Galicia que supera esta cifra. Más significativa es sin duda su labor:

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

195

materiales dispersos y aportes fragmentarios que no han facilitado la comparación entre las diná-micas asociativas de los diferentes países de acogida de la emigración española.

20 De hecho el fenómeno general del asociacionismo tampoco ha sido un campo muy tratado por lahistoriografía, aunque ya Tocqueville, en La Democracia en América, llamó la atención sobre laimportancia de este fenómeno asociativo en Europa y América en los siglos XVIII y XIX.Aspecto sobre el que también incidió Maurice Agulhon. En las últimas décadas, sin duda con unamotivación algo distinta, se produce una nueva proliferación de formas de asociacionismo, unaeclosión asociativa como demuestra BARTHELÉMY, 2003.

21 CALVEIRO, 1964.

Page 197: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Además de su actuación benéfica y asistencial, fundamental en el plano sanita-rio como puede comprobarse en la memoria de muchas de estas asociaciones,llevan a cabo una muy significativa labor recreativa y cultural de manteni-miento y redefinición de identidades diversas: nacional, regionales y provin-ciales, en general no contradictorias, pero sí en algunos casos.

Habría que tener en cuenta la percepción de los propios emigrantes queconsideran a estas asociaciones fundamentales en el proceso de adaptación alos lugares a los que llegan: “El centro Asturiano – expone el actual Presidentede la Sociedad Asturiana de Beneficencia en Cuba –, como otras sociedadesespañolas, jugaron un papel muy importante para que los emigrantes, que lle-gábamos de España, encontráramos trabajo, amigos y, lo que es muy impor-tante, conociéramos las “reglas del juego” del país al que llegábamos, que, aun-que pareciera menos, era un país extranjero”22.

Como para el conjunto del asociacionismo, la motivación también es com-pleja entre las formas de asociacionismo voluntario constituidas por los inmi-grantes españoles y tiene que ver con la insuficiencia o la práctica inexistenciade servicios básicos del Estado como la atención sanitaria y educativa. Buscanla superación de problemas, responden al intento de reinventar un sentido pro-visorio de la comunidad añorada – se persiguen enclaves para la convivencia,la reconstrucción de vínculos y la producción de identidades. Asociacionismocultural y festivo, convivencial y recreativo, como aparece en las que se asien-tan sobre la actividad recreativa que se centra en la distracción, la evasión y laspracticas festivas. Es decir, hay asociaciones orientadas estrictamente a lasociabilidad y otras centradas en la solidaridad o la ayuda mutua y en ocasio-nes algunas responden también a las dificultades que tienen los inmigrantespara la participación política directa, aunque las asociaciones constituidas porla emigración económica inciden generalmente en su carácter formalmenteapolítico. Motivación compleja y estructura asimétrica, por lo que hay que con-siderar el carácter multifactorial de la dinámica de la producción asociativaentre los inmigrantes, teniendo en cuenta que existen múltiples fuentes de laasociatividad (tanto convivencial como productora de servicios y altruista).Diversidad, complejidad y variada vitalidad de este asociacionismo, que se ini-cia en torno a mediados del XIX y sigue en la actualidad.

El asociacionismo puede responder a prácticas conocidas en los lugares deorigen de los emigrantes, pero también puede ser consecuencia de la posibleruptura parcial del universo cultural y de las redes de sociabilidad y subordina-ción en las que el inmigrante estaba inserto en su lugar de origen. Hay que teneren cuenta que existe una mayor propensión a asociarse según lugares de pro-cedencia y también según profesiones.

Como ha apuntado M. Llordén, las primeras asociaciones de los inmigran-

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

196

22 Entrevista con Constantino Díaz Luces, “Constante”, Presidente de la Sociedad de BeneficenciaAsturiana y durante 32 empleado en el Centro Asturiano. La Habana, abril de 2006.

Page 198: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tes europeos en América en la época contemporánea responden al intento dehacer frente a algunos de los problemas que se le plantean a estos emigrantesen los países de acogida, que al margen de las concomitancias culturales, étni-cas o de otro tipo – como ocurre para los españoles en Iberoamérica –, sonconscientes de un cierto grado de inseguridad en un medio distinto a aquel delque proceden. Responden sin duda a la necesidad de dotarse de una serie deservicios y ayudas cuya necesidad siente con fuerza la emigración española,como ocurre con otros colectivos de emigrantes. Tienen también sin duda uncomponente de solidaridad y de altruismo en muchos casos. Y a esas finalida-des más perentorias se van uniendo otras de motivación diversa, desde las polí-ticas a las deportivas, conformando un abigarrado mosaico de espacios forma-les de sociabilidad que inciden en aspectos fundamentales para el emigrantecomo la integración y la identidad.

Estas asociaciones se conforman respondiendo a las formas en que los gru-pos de inmigrantes van definiendo un “nosotros”, mediante la construcción deespacios de sociabilidad. El asociacionismo refleja asimismo la contradicciónen que se encuentran los inmigrantes entre su tendencia a la adaptación queexige ciertas relaciones interculturales y la tendencia conservadora a mantenerla vinculación con el territorio de pertenencia original, con la “patria chica”,que forma parte indisoluble de su identidad cultural, identidad que puede serdiversa y no necesariamente contradictoria.

Las asociaciones son una continuación y plasmación de las redes socialesque, como ha apuntado Massey, son “conjuntos de vínculos interpersonales queconectan a migrantes, antiguos migrantes y no migrantes en su área de origeny de destino a través de los lazos de parentesco, amistad, comunidad de origencompartida”23. Por ello las redes sociales son elementos relevantes en la gene-ración de espacios sociales y a través de éstos de procesos identitarios o derecreación de identidades. La existencia de dichas redes sociales, asentadassobre pertenencias y vinculaciones, se convertirán en un requisito fundamentalpara que sobre una discursividad común, sobre una identidad grupal embriona-ria, se institucionalice en algunos casos un espacio social que dota de presen-cia y constancia real a un determinado sector de la emigración tanto entre lacomunidad emigrante como entre la sociedad de acogida, espacio que final-mente institucionaliza y oficializa un discurso de sentir compartido. Así pues,frente a la existencia de causalidades comunes y ante el deseo ineludible de ins-titucionalizar una forma de definirse y definir a los otros, surgen una serie deasociaciones de diversa índole, objetivos y estructuras internas que acabarándotando al discurso identitario de una oficialización. Dan lugar a una estructu-ración del grupo al autodefinirse y ser definido por los otros.

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

197

23 MASSEY, 1990.

Page 199: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

IMPORTANCIA DEL ASOCIACIONISMO MUTUAL ESPAÑOL ENBRASIL

Los distintos colectivos de inmigrantes en Brasil crearon un gran númerode entidades que los agrupaban. Dentro del territorio brasileño, el asociacio-nismo español alcanzó su principal desarrollo en el Estado de Sao Paulo, dondevivía cerca del ochenta por ciento del total de inmigrantes de ese origen radi-cados en el país. En otras regiones de Brasil el asociacionismo mutualista, com-binado a veces con el de beneficencia, había comenzado a desarrollarse conanterioridad a la expansión cafetalera que atrajo a la mayoría de los españoleshacia Sao Paulo. En Río de Janeiro, por ejemplo, ya existía una sociedad de esetipo desde 1859, mientras que otras similares fueron fundadas en Bagé (1868),Salvador de Bahía (1885) – con atención también para los brasileños – y PortoAlegre (1893). En 1927 existían en este país, al menos, 27 sociedades españo-las de socorros mutuos, además de algunas de vinculación regional y otras debeneficencia que también ofertaban servicios de ayuda mutua.

Todas ellas mantenían una clara orientación hacia los servicios médicos yfarmacéuticos, por lo que debieron soportar fuertes crisis durante las diversasepidemias de la segunda mitad del siglo XIX. Desde la perspectiva socio-ocu-pacional, sus padrones estaban mayoritariamente integrados por pequeñoscomerciantes, empleados, dependientes y en menor medida artesanos, es decirpor estratos urbanos a los que el mutualismo brindaba una cobertura asistencialrelativamente eficiente y asequible. En la dirigencia predomina aún más estaclase media urbana. En cuanto a los orígenes regionales, los gallegos constitu-yeron el grupo más abundante en los padrones de las asociaciones españolas, ala vez que fundaron sus propios Centros en Río, Sao Paulo y Belem do Pará24.

El modelo netamente dominante fue en principio el de las sociedades desocorros mutuos que abarcaban a todos los españoles sin distinción. Dadas lasapremiantes necesidades de financiación del asistencialismo y las dificultadesde muchos de los inmigrantes – pertenecientes en una vasta proporción a losestratos de trabajadores urbanos y rurales – para abonar regularmente sus cuo-tas, estas sociedades debieron abrirse con bastante rapidez a los descendientesde aquéllos ya nacidos en Brasil e incluso establecer convenios de atención delos afiliados con las entidades más poderosas que habían creado los italianos25.Como expresaban de manera idéntica los estatutos de dos de esas mutuales, delo que se trataba era de “fomentar el espíritu de asociación que debe unir a loshombres en los sagrados vínculos de fraternidad y proporcionarles medios deinstrucción, socorro y auxilio mutuo”26.

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

198

24 FERNÁNDEZ, 1992: 343-344. 25 GONZÁLEZ, 1990: 208-210.26 Centro Español de Cafelandia, Reglamento, Cafelandia, Tip.da Comarca de Pirajuhy, 1927; Cen-

tro Español de Catanduva, Reglamento General, Catanduva, s/d., 1926.

Page 200: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ELASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN EL ESTADO DE SAO PAULO

El estado de Sao Paulo recibirá más del 75% de los españoles que llegan aBrasil en la etapa denominada de emigración masiva. La ciudad de Sao Paulose había convertido al iniciarse el siglo XX en la étnicamente más plural. Segúnimpresión de esos años, “Sao Paulo no es una ciudad brasileña de 450.000habitantes, sino una ciudad italiana de aproximadamente 100.000, una portu-guesa de unos 40.000, una española de igual tamaño y una alemana de 10.000habitantes más o menos (…) Incluso tiene unos 5.000 sirios que poseen tresperiódicos impresos en caracteres arábigos; unos 1.000 franceses, rusos, pola-cos, turcos, además de ingleses, escandinavos, americanos en número desco-nocido por falta de una estadística fidedigna. El resto, probablemente un terciodel total, debían de ser brasileños”27. Desde el inicio de la década de losochenta la capital paulista vio incrementarse el número de residentes españo-les. A finales de esa década habían llegado al Estado de Sao Paulo más de100.000 españoles, muchos a través del sistema de reclutamiento mediantecontrata puesto en marcha por las autoridades y los dueños de las grandeshaciendas cafetaleras. Muchos otros rechazan este sistema y se establecen enlos núcleos urbanos, particularmente en Sâo Paulo y Santos. Por ello será enestos lugares donde se creen las primeras asociaciones.

Al iniciarse el XX en Sao Paulo residen más de 40.000 españoles, concen-trados buena parte de ellos en los barrios pobres de Mooca y Brás, éste últimoconectado por ferrocarril con el puerto de Santos y la Hospedaria de Imigração.La aglomeración de españoles da lugar a la creación de distintas institucionesvinculadas a los mismos, destacando las sociedades mutuales, como la Socie-dad Española de Socorros Mutuos que se funda en 1898 por iniciativa depequeños comerciantes, periodistas como Eiras García, artesanos y obreros.Sus objetivos se centraban en la atención sanitaria y farmacéutica a sus asocia-dos y también pretende “propender, por medio de la cooperación moral y mate-rial, al fomento de la cultura, al esparcimiento del espíritu y al bienestar social”,así como “interponer toda su influencia moral para la defensa de sus asociados,en casos de manifiesta ilegal persecución por parte de cualesquiera poderes oentidades”28. Sin olvidar el fomento de la instrucción y el apoyo en la búsquedade trabajo. La política, también la relacionada con España, no estará ausente ydará lugar a divergencias y divisiones internas. A la Sociedad Española deSocorros Mutuos se unirá en 1919 la Beneficencia Española, que tenía comoobjetivo fundamental la asistencia médica.

Con las medidas nacionalizadotas de los años treinta pasará a denominarseSociedade Brasileira de Socorros Mutuos y desde 1957 Sociedad Hispano-Bra-sileña de Socorros Mutuos, Instrucción y Recreo, y en ella se integrarán con el

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

199

27 PETRONE, 1992: 174.28 Reglamento de la Sociedad Española de Socorros Mutuos. São Paulo, 1903, p. 1.

Page 201: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tiempo una serie de instituciones españolas: la Casa de Galicia, el Centro Astu-riano, el Instituto Regional Valenciano, el Centro Andaluz, la Casa de Aragóny el Centro Democrático Español. En la actualidad, con el nombre de Casa deEspaña, su padrón social lo integran españoles y descendientes y también bra-sileños, y sus servicios han evolucionado al ampliarse la oferta pública delEstado de servicios sociales, incidiendo ahora en las actividades deportivas yel fomento de la lengua y cultura españolas.

Con participación de algunos de los fundadores de la Sociedad Española deSocorros Mutuos se creó en 1903 la Liga Española de Defensa Mutua, por ini-ciativa de varios periodistas y destacados líderes obreros. Tuvo breve existen-cia, y centró su actividad en el apoyo jurídico a los inmigrantes españoles quetrabajaban en las fazendas del interior del Estado paulista.

También de carácter mutual será otra institución fundada en 1912 en el bar-rio de Brás a iniciativa de un grupo de obreros, la Federación Española, abiertaa los españoles y sus hijos. Además de la ayuda mutua incide, en una perspec-tiva regeneracionista, en el fomento de la cultura y la educación. A este fin, en1913 establece una escuela nocturna que pretende hacer frente al alto índice deanalfabetismo que afecta también a la comunidad española, al igual que al restode inmigrantes. La Federación es sensible también a otra preocupación de lacolectividad, el hecho de que los hijos de los españoles eran alfabetizados enportugués. Así, en un escrito dirigido al cónsul español en Sao Paulo, seexpone: “Nos hallamos en un país donde los intereses del elemento indígenanos obligan, tanto a nosotros como a nuestros hijos, a adoptar para todas lastransacciones y en todas las circunstancias, el idioma oficial (portugués) y que,poco a poco e insensiblemente, se va amalgamando por así decirlo, nuestracolonia al ambiente exótico que respira, amoldándose al idioma extraño ydejándose llevar, unos por convencionalismos, otros por parecer bien y los máspor encontrarse sin el indispensable centro de enseñanza del idioma nativo”29.También pretende atender en un albergue al efecto a los españoles faltos derecursos. Creará asimismo una agencia de colocación dirigida a obreros yempresarios. Tomará la iniciativa para la construcción de la Casa de España yla creación de la Cruz Roja Española. Llevará a cabo una amplia actividadrecreativa y cultural, destacando la atención al teatro30.

También de carácter preferentemente recreativo y cultural en sus iniciosserá el Centro Español que se funda en 1919. Pronto añadirá también fines asis-tenciales y tendrá iniciativas de tipo comercial como la creación de la CámaraOficial de Comercio, Industria y Arte.

El asociacionismo de carácter político también estuvo presente en la comu-nidad española en Sao Paulo. El republicanismo, opuesto al sistema político de

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

200

29 AMAE: Consulado de Sâo Paulo. Expediente 2048. Tomado de GONZÁLEZ, 2008. 30 Existen diversas instituciones españolas dedicadas al teatro como el Centro Dramático Español

Cervantes, el Grupo Dramático Alfonso XIII y el Centro Lírico-Dramático Alfonso XIII (CANO-VAS, 2008).

Page 202: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

la Restauración en la España del último cuarto del siglo XIX y primer tercio delXX, tiene presencia en un sector de la inmigración española en América. En esalínea, en 1918 se constituye en el mencionado barrio de Brás el Centro Repu-blicano Español que como tal existirá hasta 1947. Pretendía difundir el ideariorepublicano a la par que ofrecer “la más decidida cooperación a los republica-nos españoles que en España o fuera de ella se hayan constituido en agremia-ción política”. Incide en la actividad cultural y propagandística y está abierto aespañoles, descendientes e incluso otros residentes en Brasil, si bien éstos nopodrán acceder a la dirección de la sociedad.

El carácter político también estará presente en algunas sociedades de vin-culación regional. Es el caso del Centro Gallego que se funda en 1903. Eslógico que sean los gallegos los que constituyan la primera asociación de agru-pamiento regional entre la comunidad española (aspecto que no deja de levan-tar sus controversias dentro de la misma), por ser este colectivo el más nume-rosos entre los españoles que se asientan en el medio urbano. Tiene una muyescasa actividad en las primeras décadas de su existencia y de hecho es refun-dado en 1932, desarrollando desde entonces una intensa actividad recreativa yasistencial, centrada en la atención médica a sus asociados31, sin olvidar laactividad educativa con cursos de portugués y español. En el contexto de laSegunda República española, que tiene su reflejo en la emigración española,refuerza su carácter político. Al prohibir la Administración brasileña el funcio-namiento del Centro Republicano de Sao Paulo sus asociados se integraron enel Centro Gallego, reforzando la orientación política de éste, rescatándolo depaso social y económicamente. Desde 1964 pasará a llamarse Centro Gallego-Centro Democrático Español, llevando a cabo una intensa labor contra el fran-quismo vigente en España y defendiendo dentro de la colectividad española elvalor de las libertades democráticas: “…En este fin de año lleno de esperanzaspara nuestro pueblo – se escribía en la invitación a una comida de solidaridaden diciembre de 1970 –, no podemos dejar de pensar un poco en aquellos lucha-dores abnegados, que sacrifican todo en su lucha por el bienestar social, priva-dos de la libertad, alejados de sus familias y humillados en todo momento…”32.La actividad cultural desarrollada por esta institución tenía un fuerte contenidopolítico centrado en la situación mundial y muy en especial en la española, reci-biendo a ilustres invitados como los petas Pablo Neruda y Gabriel Celaya.

El asociacionismo político también cuajó entre los catalanes. El movimientoemigratorio masivo a partir de mediados del XIX llevó a cientos de catalanes atierras brasileñas para dedicarse a la pujante explotación del café y negocios deexportación-importación. Si bien el colectivo catalán de Brasil tuvo su primer

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

201

31 En 1934 contaba ya con más de 700 asociados. Boletín del Centro Gallego-Centro DemocráticoEspañol. Noviembre-diciembre-enero de 1959.

32 Se invitaba a acudir a una comida de solidaridad con los presos organizada por las mujeres de laentidad. Folleto del Centro Gallego-Centro Democrático Español. Programación del mes dediciembre de 1970.

Page 203: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

centro a mediados de la primera década del siglo XX (el Centre Unió Catalana)– como buena parte de las ciudades americanas que concentraban una presenciacatalana significativa –, con los años éste fue perdiendo masa de asociados y trasvarios traslados la colonia se quedó sin una entidad madre hasta que, con la lle-gada del exilio político de la Guerra Civil, en 1948 se creó Catalònia. SociedadPaulista de Cultura Catalana. El Catalònia pretendía propagar, difundir ydefender la cultura catalana atendiendo al clima de persecución de la lengua yla cultura bajo el régimen franquista. En este contexto político, pueden com-prenderse declaraciones volcadas en las páginas del boletín del Centre quedenunciaban ante catalanes y paulistas que no podía enseñarse en catalán, queel catalán carecía de posibilidades en el mundo de la edición y que por lo mismola vitalidad de la lengua y de la literatura catalanas estaba amenazada33.

Se crearon algunas otras sociedades españolas (como el Grupo DramáticoHispano-Americano) y siempre estuvo presente, aunque con reticencias deciertos colectivos regionales, una tendencia a la coordinación del conjunto delas españolas para reforzar su incidencia tanto en la sociedad de acogida comoentre la propia colectividad española. En 1918 se constituyó en la capital delestado de Sao Paulo un Consejo Federal de las asociaciones españolas que pre-tendía construir una Casa de España. Los objetivos de esta institución podríanresumir los ideales de las distintas asociaciones: desde lograr el estrechamientode los vínculos entre los españoles y difundir las “glorias pasadas, presentes yfuturas” del país de origen, hasta la creación de una escuela y de un hospital.El primer objetivo se cumpliría bastante tarde, en 1978, al crearse el colegioMiguel de Cervantes. El segundo no se logró. El Consejo estaba integrado ade-más de por las ya citadas Federación Española y Sociedad Española de Socor-ros Mutuos, por el Centro Unión Española, el Centro Catalán, el Grupo Dra-mático Recreativo Cervantes y el Grupo Dramático Isaac Peral, además de losperiódicos Diario Español y Revista Española Ilustrada34.

EL ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN OTRAS CIUDADES PAU-LISTAS

Vinculada en particular al desarrollo de la actividad cafetalera, en la etapade emigración en masa existe una importante colonia en otros ayuntamientosdel Estado además de la capital paulista. En muchos de ellos se fundarán tam-bién sociedades, en su origen de carácter mutual35. A finales de los años veinteexistía en el noroeste del Estado el Centro Español de Cafelandia, cuyos obje-tivos se centraban en la protección jurídica, la atención sanitaria y los serviciosde enterramiento. En la misma zona existía una sociedad básicamente recrea-

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

202

33 “La nostra llengua”, en Catalònia, Any I, n.º 2, Julio 1949. 34 AMAE, H, leg. 1420.

Page 204: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tiva, la Sociedad Española de Baurú. En la región central se funda en Bragançaen 1900 la Sociedad Española de Socorros Mutuos 2 de Mayo que incide en laatención medico-farmacéutica y ayudas dinerarias en caso de enfermedad o fal-lecimiento del socio, servicios similares a los ofertados por la Sociedad Bene-ficente Gremio Español de Piracicaba.

Especial significación tendrá el asociacionismo en la ciudad portuaria deSantos, cercana a la capital del Estado y con importante actividad comercial.En 1913 un 9% de su población estaba constituido por españoles que trabaja-ban en los muelles, el transporte, el comercio y también en la agricultura36. Lasprimeras asociaciones surgen a finales del siglo XIX. En 1895 se crea el Cen-tro Español de Santos, conocido en sus inicios como Casino Español, que pre-tende agrupar a la elite española (dirigido un tiempo por el conocido navieroMiguel Troncoso) y centra su actuación en actividades culturales y recreativasde exaltación de lo español en una versión conservadora que dará lugar a dis-tintas críticas internas y en el seno de la colectividad española. Durante laGuerra Civil española se convertirá en sede extraoficial del consulado delGobierno franquista.

En 1900 se crea la Sociedad Española de Socorros Mutuos, Instrucción yRecreo que, como consigna en su nombre, se centra en objetivos recreativos ymutuales de atención sanitaria. Muchos de los emigrantes veían pronto frustra-das sus expectativas y se encontraban sin medios incluso para financiar elretorno. Las escasas ayudas oficiales al efecto, tanto del país de procedenciacomo de la Administración brasileña, determinan la creación de sociedades quese centran en este servicio. El alto porcentaje de españoles dentro del colectivode mendigos existentes en Santos está en el origen de la creación en 1902 de laSociedad Española de Repatriación, con más de 400 socios en sus inicios. Tuvouna intensa actividad en los difíciles años 3037. Se unió en 1954 al CentroEspañol, dando lugar al Centro Español y de Repatriación, en ese momento conreducido padrón social y dificultades financieras, a la espera de la revitaliza-ción que algunas sociedades tuvieron con el repunte de la inmigración españoladesde mediados del XX. En 1956 contaba con 564 socios y se inclinará porapoyar al Gobierno franquista y su apuesta por la idea de Hispanidad. La fuertecolonia española Santos da lugar también a entidades de otro tipo, como eldenominado España Fútbol Club fundado en 1914, que en la etapa delGobierno de Vargas pasa a denominarse Jabaquara.

Con el desarrollo de la actividad cafetalera tuvo extraordinario auge otrocentro urbano, Campinas. Principal centro cafetalero del Estado en 1860, seconvirtió en importante nudo ferroviario lo que determinó un notable creci-miento urbano con importante aporte inmigratorio, también español. A las acti-

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

203

35 Se crearán sociedades mutuales, entre otras ciudades, en Campinas, Ribeirao Preto, Monte Azul,Uberaba, Jahú, Sao Carlos do Pinhal, Olimpia, Catanduva, Itú, Rio Claro, Cafelandia, Araçatuba.

36 DUARTE LIMA, 1996: 196.37 Durante sus años de existencia repatriará una media de 35-40 personas al año (GALLEGO, 1995: 51).

Page 205: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

vidades ligadas a la producción de café se unió una floreciente industria demaquinaria agrícola, textil y en general de bienes de consumo, junto a talleresferroviarios, bancos, servicios urbanos y comercio en general38. En Campinasse crea en 1900 la Sociedad Española de Socorros Mutuos e Instrucción, cuyosfines mutuales están impregnados de un fuerte contenido moral. Así, se niegala ayuda a quienes abusaran del alcohol o sufrieran daños por peleas, y perdíanla condición de socios quienes fuesen condenados por algún delito o se dedi-casen a actividades deshonestas39. Con la reducción del número de asociadosse verá abocada a la realización de convenios con otras asociaciones, como elque firma para la atención médica con el Circolo Italiani Uniti40.

LAS ASOCIACIONES EN OTROS ESTADOS BRASILEÑOS

El asociacionismo español en América surge en el campo de la beneficen-cia con la creación de la Sociedad Española de Beneficencia en Tampico,México. De este mismo carácter es la primera institución que crean los espa-ñoles en Brasil, la Sociedad Española de Beneficencia, en 1859 en Río deJaneiro, que también aporta atención educativa y especialmente sanitaria,campo en el que ampliará su oferta en 1928 con la creación del Hospital Espa-ñol, entidad que sigue existiendo. En 1930 la Beneficencia española de Ríocontaba ya con 4.000 socios, la mayoría gallegos. En 1931 funciona también elCentro Español y en 1951 se constituye el Club Español.

En Río de Janeiro se desarrolló asimismo el asociacionismo de agrupaciónregional, en especial entre la colectividad más numerosa constituida por losgallegos. Será en esta ciudad en la que también se creen un tipo de sociedadesmicroterritoriales (como la Sociedad Hijos del Distrito de Arbó, la SociedadHijos de Picoña, o la de Hijos de Cabeiras) que aglutinan a los procedentes depequeños pueblos o comarcas, sociedades que proliferarán en La Habana y enBuenos Aires. A principios del siglo XX se crea el Centro Gallego, de carácterinterclasista. En 1947 se funda la Casa de Galicia. En la década de los ochentaacaba uniéndose al Club Español para formar la Casa de España de Río deJaneiro que incidirá en objetivos recreativos y culturales en defensa y difusióndel idioma y cultural españoles entre los inmigrantes españoles y también en lasociedad carioca.

La fuerte atracción de Sao Paulo determina un menor contingente de inmi-gración española hacia el Estado de Minas Gerais, a pesar de poner en marchaasimismo programas de pasajes subsidiados para atraer mano de obra hacia las

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

204

38 SEMEGHINI, 1991. 39 Estatutos de la Sociedad Española de Socorros Mutuos e Instrucción. Reforma de Estatutos apro-

bada en asamblea general especial realizada en 25 de noviembre de 1922. Sao Paulo, Typogra-fia do Diario Español, 1922, p. 7-8.

40 GONZÁLEZ, 1990.

Page 206: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

haciendas dedicadas al café. Sin embargo, en Belo Horizonte se funda en 1911el Gremio Español de Socorros Mutuos e Instrucción. Este núcleo urbano habíaacogido desde finales del XIX un importante contingente de obreros y artesa-nos españoles, entre los que destacan los gallegos, de los ramos de la madera yla piedra que participan en la expansión de la ciudad. El Gremio Español deBelo Horizonte sigue la estela de otra asociación creada con anterioridad enSalvador de Bahía, y centra su actividad en la atención sanitaria y económica.En los años treinta atienden asimismo en su albergue a los numerosos mendi-gos derivados de la crisis económica41.

Precisamente en Salvador de Bahía se constituye una de las asociacionesespañolas más antiguas, la Real Sociedad Española de Beneficencia de Salva-dor, fundada en 1885 por el amplio colectivo español en el que destacan lospequeños propietarios de comercios, restaurantes, panaderías y tiendas de ultra-marinos, la mayoría de origen gallego. Antes de acabar el siglo algunos de esossocios habían establecido el emblemático Hospital Español. En Salvador tam-bién tendrá presencia el asociacionismo regional creándose ya en el XX entrela colectividad gallega la Sociedad Caballeros de Santiago que centra su acti-vidad en la difusión de la cultura gallega, aunque también se incide en la len-gua y bailes españoles. A esa finalidad divulgadora responde la creación delboletín Plus Ultra y la revista Caballeros de Santiago.

La exigua colonia española en Manaos, que apenas reúne unos pocos milesde integrantes, fundará en 1916 la Sociedad Española de Socorros Mutuos. Suobjetivo central será la atención sanitaria, fundamental por los estragos de lamalaria, y también atenderá a los gastos de repatriación para los imposibilita-dos para el trabajo. En la actividad recreativa se reforzaba la vinculación con lapatria de origen. Contará con instalaciones propias, pero la reducción de lacolonia española, que no se recupera con el repunte emigratorio tras la SegundaGuerra Mundial, y algún infortunio como el incendio de su sede social, reduci-rán drásticamente su padrón social y finalmente desaparecerá en 1966.

En Belem do Pará se establece una limitada colonia española desde media-dos del XIX, pero a finales del mismo existen tres sociedades españolas: laUnión Española, el Centro Galaico y la Liga Española de Repatriación, centra-das en labores asistenciales y también recreativas. Según un informe consular de1932, las dos primeras disponían de sede social propia y notable patrimonio42.

Los españoles también residieron en el sur de Brasil. Porto Alegre, Pelotas,Uruguaiana y Bagé congregaban en la década de los años 20 del siglo pasadounos 10.000 individuos. En 1868 se había constituido una primera sociedadmutual en Bagé y en 1893 se fundó en Porto Alegre la Sociedad Española deSocorros Mutuos que se centraba en la actividad recreativa y también en laatención sanitaria, inaugurando una moderna policlínica en los años cuarenta

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

205

41 Sobre esta sociedad véase Gremio Español. Noventa años de historia. Belo Horizonte, EditoraGráfica Speed, 2001.

42 AMAE. Legajo R 721. Expediente 144.

Page 207: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

del XX. Posteriormente se funda la Casa de España, abierta al conjunto deespañoles, al igual que el Centro Español. En Porto Alegre está presente tam-bién el asociacionismo regional, integrándose los gallegos en el Centro Espa-ñol – Departamento de Cultura Gallega. Actualmente siguen vigentes el Cen-tro Cultural-Brasil-España tanto en Florianópolis como en Porto Alegre.

EL ASOCIACIONISMO POLÍTICO

Sería necesaria una pequeña referencia al asociacionismo explícitamentepolítico que se desarrolla fundamentalmente durante la Guerra Civil española.La guerra supuso una profunda división en la colonia española y en distintas ciu-dades brasileñas se constituyeron, con grandes dificultades y reticencias de laAdministración brasileña, asociaciones de tinte republicano. Como hemos visto,ya desde 1918 existe un centro Republicano Español en Sao Paulo, orientado adifundir los ideales republicanos, que adquiere relevancia con el establecimientode la República en 1931 y al iniciarse la Guerra Civil aglutina los esfuerzos dela colectividad española a favor del bando republicano43. A lo largo de 1937 sefundan centros republicanos en distintas ciudades como Río de Janeiro, Santos,Sorocaba y Porto Alegre, que persiguen defender al Gobierno de la República ytambién las ideas republicanas y de izquierda en la batalla ideológica que tam-bién tiene lugar en la sociedad brasileña. Un modelo puede ser el de Santos queaglutinaba unos cuatrocientos españoles y brasileños descendientes de españo-les, en su mayoría trabajadores en el puerto44. Su actividad se centró en recabarfondos de apoyo a la causa republicana. El hostigamiento de la Administraciónserá permanente y se refleja bien en un informe sobre la expulsión de variosespañoles acusados de comunistas: “se habían organizado en un centro especial,para el trabajo continuo de ideas subversivas con el régimen social, ya sea difun-diendo entre los elementos de la colonia española las teorías subversivas y mar-xistas sustentadas por el actual gobierno de Valencia, digo republicano, ya dise-minando entre nosotros la educación sin Dios, sin religión, contraria a la actualconstitución y a la condición del pueblo brasileño. Son pues, además de comu-nistas confesos y convictos, elementos peligrosos para Brasil, que son irrespe-tuosos con nuestra constitución…inútiles, con una teoría verdaderamente inter-nacional, sin una idea de Patria que les ilumine el sentido empapado de la pasiónsubversiva y destructora…”45. Como hemos dicho, finalmente en 1938 seránprohibidas todas las asociaciones de inmigrantes explícitamente políticas.

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

206

43 Según el cónsul español en Santos llegó a alcanzar la cifra de 2.400 asociados, que parece exce-siva. AMAE, Leg. 314, exp. 22.551.

44 O DIÁRIO. Santos, 24 de agosto de 1937, p. 345 Arquivo do Estado. Sao Paulo. Departamento de Orden Politica e Social de Sao Paulo (DEOPS).

Relatório para o Delegado Addido a Seçao de Investigaçoes. Sao Paulo. 16/6/1937. Prontuario3817. Tomado de GAMBI, 2006.

Page 208: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

El final de la guerra supuso también la extinción de la mayoría de estas aso-ciaciones perseguidas por la policía política brasileña y huérfanas de apoyo ins-titucional del régimen establecido en España46. Tras la Segunda Guerra Mun-dial surgen entidades antifascistas como la Associação Brasileira de Amigos doPovo Español, creada en 1945. La oposición al franquismo se organizará entorno al Centro Gallego-Centro Democrático y el quincenario DemocraciaEspañola que se editará hasta el golpe militar de 1964.

Durante la etapa denominada de emigración en masa las asociaciones, tam-bién las españolas, desarrollaron con bastante libertad su actividad. La situa-ción cambió en los difíciles años treinta, cuando junto a los problemas deriva-dos de la crisis económica se desarrolla en el seno de la sociedad brasileña unamplio debate sobre la identidad nacional incidiendo en diversos aspectoscomo la herencia esclavista, la heterogeneidad étnica, la incidencia de la inmi-gración y la modernización del estado, entre otros47. Con la bandera de la nece-saria asimilación se pone de manifiesto una notable desconfianza ante las aso-ciaciones étnicas de los inmigrantes que serán fiscalizadas e intervenidas. Undecreto de 1938 prohibió cualquier tipo de asociación de inmigrantes con obje-tivos políticos y se limitó el campo de actuación de todas ellas, reservado a losfines culturales, asistenciales y de beneficencias48. Estas medidas incidirán enla evolución del asociacionismo español de estos años y en su revitalizacióncon el repunte inmigratorio tras la Segunda Guerra Mundial que determinaráque, con modificaciones, siga vigente en la actualidad.

ELASOCIACIONISMO DE LA ÚLTIMA OLEADA INMIGRATORIA

Desde los inicios de la década de los cincuenta del XX hasta finales de lossesenta hay un repunte de la emigración a Brasil (más de 200.000 inmigrantesespañoles de 1950 a 1970) y de su mano un resurgir del asociacionismo español,bien reforzando las sociedades existentes (con marcada disgregación y debilita-das por falta de socios y dificultades económicas) o creando otras nuevas, en oca-siones más proclives a la administración franquista. A la altura de mediados delos cincuenta han desaparecido muchas de las sociedades constituidas en la etapade emigración masiva, pero todavía se mantienen vigentes más de 4049. En los

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

207

46 GAMBI, 2006. 47 GONZÁLEZ, 2003: 196.48 AMAE. Legajo R 1070. Expediente 56. Decreto-Ley n.º 383 de 18 de abril de 1938. Supone el

cambio de nombre de muchas de ellas y su dirigencia habrá de estar integrada por brasileños.También se prohíbe a los brasileños formar parte de cualquier asociación foránea, lo que obligóa darse de baja a todos los hijos de españoles nacidos en Brasil. Otro decreto de 1940 exigió lanacionalización de todas las asociaciones extranjeras o su extinción, lo que determina su cambiode nombre en muchos casos.

49 AMAE, R-4767, expediente 96. Listado de sociedades españolas en Brasil. Véase la relación enGAMBI, 2007.

Page 209: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

años sesenta es visible la pérdida de fuerzas por la dispersión del asociacio-nismo español y surgirán numerosas voces a favor de la fusión, con críticasparalelas al asociacionismo regional.

También ahora el grueso de este flujo se dirige a Sao Paulo50. Será unainmigración orientada a ciertas actividades económicas acorde con el desar-rollo industrial de esta megalópolis en rápida expansión desde mediados de loscincuenta51 y predominarán los técnicos y obreros especializados, que en oca-siones acabarán reclamando a su familia. Surge ahora (1955) la Casa de Gali-cia-Hogar Español, en el barrio Liberdade, y dispondrá también de un local derecreo, en línea con el predominio de sus objetivos recreativos, aunque no seabandonan la beneficencia y el regionalismo cultural, marcando diferenciascon el Centro Democrático Español de notorio carácter político52. El caráctergalleguista se irá diluyendo con el tiempo y en su dirigencia se integrarán espa-ñoles de otras regiones y se mantendrá al margen de las actitudes más polémi-cas del franquismo. Alcanzó pronto casi el millar de asociados y disponía de unprograma radiofónico y la revista Alborada.

Otros colectivos regionales también crearán sus asociaciones: la Casa deValencia se funda en 1956 y más tarde se convertirá en el Instituto RegionalValenciano; el Centro Andaluz se crea en 1963 y en la década de los sesentaexistirán el Centro Catalán, la Casa de Aragón, Rioja y Navarra, el Centro Astu-riano y el Centro Vasco. Junto a ellos otros globalmente panhispanos como elCentro Dramático Hispano-Americano o la Sociedad Hispano Brasileira deSocorros Mutuos. La Casa de Cervantes estaba abierta a españoles y brasileñosde origen español y publicaba la revista Quijote, pero los problemas económi-cos determinaron su disolución en los sesenta, aunque algunos socios fundaránpoco después el Circulo Cervantino, de objetivos similares.

Los problemas derivados de la reducción del aporte inmigratorio y las difi-cultades económicas ocasionados por la reducción del padrón social de muchasde estas sociedades darán lugar a un proceso de distintas fusiones, no exento deconflictos. En 1965 la Casa de Aragón, Rioja y Navarra se integró en el CentroRecreativo Andaluz, fundando ambos la Casa de España, en la que se integraráasimismo el Gremio Dramático Hispano-Americano. En 1973 se reúnen en undenominado Centro Español la Casa de Galicia-Hogar Español, el Centro Astu-riano, el Círculo Cervantino y el Instituto Regional Valenciano y al que se incor-poraría también el Centro Democrático Español. El Centro Español y la Casa deEspaña se fusionarán al iniciarse la Transición Democrática española en la Socie-dad Hispano Brasileira, que sigue existiendo. Vinculado a este asociacionismopaulista y dirigidos a la colonia española se desarrollarán diversos programas

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

208

50 Según Manuel Diegues Júnior, hacia 1950, 102.671 españoles residían en el estado, que repre-sentaban el 77.9% de los españoles de los que vivirían en Brasil. El de Guanabara reunía a10.814; Paraná a 6.683 y Bahía a 2509. DIEGUES, 1964: 198.

51 BENAVIDES, 1976: 203-204.52 PÉRES, 2002: 311.

Page 210: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

radiofónicos como Recordando España en radio América; Relicario Español, enradio Piratininga y radio Club Santo André; Ondas de España en radio Sur Amé-rica; Programa Español en radio Cacique de Sao Caetano do Sul, entre otros53.En la década de los ochenta, y debido al acusado envejecimiento de la coloniaespañola, surgirán distintas asociaciones dirigidas a socorrer a los inmigrantesancianos y sin recursos. En 1981 se funda la Sociedad Beneficente Rosalía deCastro, primero en Sao Paulo y luego en Santos, teniendo como finalidad la asis-tencia integral a los ancianos españoles que se encontraran marginados y concarencias tanto sanitarias como de alojamiento, fomentando su integración en lasasociaciones españolas y en sus actividades culturales y recreativas para evitar sumarginación. En Río se creará la Sociedad Recreo de los Ancianos.

La misma tendencia a la fusión se produce en otras ciudades. En 1951 sefunda en Río de Janeiro el Centro Cultural y Recreativo Español, que incorporatambién servicio médico. En 1961 un grupo de trabajadores jóvenes funda elClub Iberia, que persigue también fines recreativos y cuenta pronto con ampliamasa social, manteniendo una acusada rivalidad con el Centro Español. En ladécada de los ochenta se crea en Río de Janeiro la casa de España como resul-tado de la fusión del Centro Recreativo Español y la Casa de Galicia. En 1953,el grupo Amizade 12 de octubre de la Sociedad Española de Socorros Mutuoscrea la Casa de España, proclive a la administración franquista, que editara elperiódico El Correo Español. La rivalidad entre las dos asociaciones se man-tuvo hasta su fusión en 1991, creando el Centro Español.

CARACTERÍSTICAS Y DIFICULTADES DEL NUEVO ASOCIA-CIONISMO

La configuración del Estado de las Autonomías en España supuso unimpulso al proceso asociacionista regional en América, revitalizando algunassociedades, de vida lánguida, y fomentando la creación de otras nuevas, en unproceso que continúa en la actualidad. Como es lógico, la masa societaria haevolucionado notablemente, una vez que la aportación de nuevos emigrantes aestas asociaciones, en términos generales, se cortó hace décadas. Este hecho, eldebilitamiento progresivo de muchas de ellas y los cambios que se han deri-vado de los existentes en la organización territorial y el desarrollo económicoen España han influido poderosamente en esa modificación de la masa societa-ria de muchas de estas asociaciones.

Las actividades también han sufrido variaciones con el paso del tiempo. Ensu origen primaba la actividad recreativa, de rememoración de la identidad deorigen, y también la ayuda mutua y la atención asistencial, sanitaria en algúncaso y cultural siempre. Con la creación y desarrollo de los sistemas estatales de

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

209

53 Boletín del Centro Gallego-Centro Democrático Español. Noviembre-diciembre-enero de 1959.

Page 211: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

atención médica y educativa se fueron reduciendo o desaparecieron las mismasen el seno del asociacionismo español, primando los aspectos recreativos. Elenvejecimiento de la masa social y las dificultades de la misma han relanzadola atención asistencial, con el apoyo ahora de instituciones de una España endesarrollo económico, que antes habían prestado poca atención a un asociacio-nismo que siempre demando y procuró esa vinculación.

Las dificultades vienen en parte de su carácter anquilosado en actividades,padrón social y dirigencia. El grupo dirigente se perpetuaba, aduciendo que nohabía interés por el relevo generacional. Como resultado, el padrón social seiba reduciendo a los militantes de siempre, diezmado progresivamente porrazones biológicas. El futuro, pues, exigirá la incorporación de los jóvenes a lavida activa de las sociedades y su repercusión en cuanto a actividades, modo defuncionamiento y consideración seria de que ellos son ciudadanos de los paísesrespectivos y esa es su identidad primordial, aunque algunos sean al mismotiempo ciudadanos españoles. Entre las actividades, en este caso dirigidas a losmás mayores y la colectividad en general, jugará un papel central la obra social,pero adaptada a los nuevos tiempos, teniendo en cuenta la realmente existenteen el país de acogida54. Todo ello sin olvidar que en la actualidad el conjuntode asociaciones españolas en Brasil acoge a un número reducido de sociosposiblemente por falta de interés, dinero, tiempo y la dispersión, y también enrelación con las menores dificultades que tendrán y percibirán los españolespara integrarse plenamente en el país de acogida. La concentración en unamegalópolis como Sâo Paulo tampoco facilita la relación. El resultado es unamenor influencia del asociacionismo entre la colectividad española. Actual-mente, el envejecimiento y desaparición de muchos de los inmigrantes de lasegunda oleada, junto a la integración de las siguientes generaciones ha deter-minando la “brasileñización” del padrón social de estas asociaciones que cen-tran su actividad en objetivos recreativos y culturales.

Para los españoles emigrados a América y por tanto a Brasil, desde elmomento de su llegada, e incluso antes, las asociaciones desempeñaron unimportante papel, facilitando la entrada al país, amparando las contingencias delos que no hicieron fortuna y favoreciendo la integración de los recién llegados.Lo que otorgó consistencia a estas entidades no fue sólo su capacidad para brin-dar prestaciones y servicios, solucionar problemas burocráticos o facilitar con-tactos en el país de destino. También colaboró la necesidad de acercamiento yconfraternidad, ya que aquéllas sustituían en cierto modo al hogar y al terruño.Eran por lo tanto una forma de institucionalizar los lazos de identidad super-puestos a veces con los de parentesco y vecindad. Colaboraron de diversas for-mas con los emigrantes, contribuyeron a mejorar su cultura e instrucción, losauxiliaron en la desgracia y en la enfermedad y mantuvieron latente el culto alas tradiciones y costumbres de sus lugares de origen.

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

210

54 Véase entrevista con el saliente Consejero de Trabajo y Asuntos sociales de España en Argentina.Crónicas de la Emigración, 25 de marzo de 2008.

Page 212: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

BIBLIOGRAFIA

AGUIAR, Cláudio, 1991 – Os espanhois no Brasil: Contribuição ao estudo da emigração espa-nhola ao Brasil. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

ARIÑO VILLARROYA, Antonio, 2004 – “Asociacionismo, ciudadanía y bienestar social”.Papers, n.º 74, p. 85-110.

ARMUS, Diego, 1986 – “Diez años de historiografía sobre la inmigración masiva a la Argen-tina”. Estudios Migratorios Latinoamericanos, Buenos Aires, a. 2, n.º 4, dic.

BARTHÉLEMY, Martine, 2003 – Asociaciones:¿una nueva era de la participación?. Valencia:Tirant lo Blanch.

BENAVIDES, María Victoria de Mesquita, 1976 – O governo Kubitschek. Desenvolvimento eco-nómico e estabilidade política. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

BLANCO, Juan Andrés, 2001 – “El asociacionismo español en América”, en VV.AA – Las cla-ves de la España del siglo XX. La modernización social. Madrid: Sociedad Estatal NuevoMilenio.

BLANCO, Juan Andrés, 2008 – El asociacionismo en la emigración española a América. Sala-manca: UNED/Junta de Castilla y León.

CALVEIRO, Adolfo, 1964 – “Breves consideraciones inspiradas en la creación de Naturales deOrtiguiera”, en Memorias de Naturales de Ortigueira. La Habana: Imp. Mario PedrolPiñeiro /Naturales de Ortigueira.

CANAL, Jordi, 1992 – “La sociabilidad en los estudios sobre la España contemporánea”, Histo-ria Contemporánea, n.º 7, p. 183-205.

CANOVAS, Marília, 2005 – Hambre de tierra. Imigrantes espanhois na cafeicultura paulista,1880-1930. São Paulo: Lazuli Editora.

CANOVAS, Marília, 2008 – “El Diario Español y las asociaciones españolas en Sao Paulo, lasprimeras décadas del siglo XX”, en BLANCO, Juan Andrés, 2008 – El asociacionismo enla emigración española a América. Salamanca: UNED/Junta de Castilla y León. p. 389-422.

COLEMAN, James, 1990 – Fundations of Social Theory. Harvard: Harvard University Press.DIEGUES, Manuel, 1964 – Imigraçao, Urbanizaçao e Industrializaçao. Rio de Janeiro: Instituto

Nacional de Estudos Pedagógicos/Ministério de Educação e Cultura.DEVOTO, Fernando, 1992a – “La experiencia mutualista italiana en la Argentina: un debate”,

en DEVOTO, Fernando; MÍGUEZ, Eduardo (comps) – Asociacionismo, trabajo e identidadétnica. Buenos Aires: CEMLA-CSER-IEHS.

DEVOTO, Fernando, 1992b – “¿Inventando a los italianos”. Imágenes de los primeros inmi-grantes en Buenos Aires (1810-1880)”. Anuario del IEHS, VII, p. 121-135.

DUARTE LIMA, Ana Lucía, 1996 – Uma cidade na transiçao. Santos: 1870-1913. SãoPaulo/Santos: Editora Hucitec/Prefectura Municipal de Santos.

FERNÁNDEZ, Alejandro, 1992 – “Mutualismo y asociacionismo”, en VIVES, P., VEGA, P.;OYAMBURU, J. (comps.) – Historia general de la emigración española a Iberoamérica.Madrid: CEDEAL-Historia 16.

GALLEGO, Avelina, 1995 – Espanhois, Cadernos de Migração – 5, São Paulo: Centro de Estu-dos Migratorios.

GAMBI, Esther, 2006 – “La guerra en la distancia. Republicanos y franquistas en Brasil, 1936--1939”. Studia Historica, vol. 24, p. 133-151.

GAMBI, Esther, 2007 – La inmigración castellana y leonesa en Sâo Paulo, 1946-1962 (Tesisdoctoral presentada en la Universidad de Salamanca).

GONZÁLEZ, Elda, 1990 – Café e inmigración: los españoles en São Paulo, 1880-1930. Madrid:CEDEAL.

GONZÁLEZ, Elda, 1992 – “Los españoles en un país más allá del Océano, Brasil. Notas acercade las etapas de la emigración”. Revista de Indias, vol. LII, n.º 195/196.

GONZÁLEZ, Elda, 1999 – “O Brasil como pais de destino de migrantes espanhois”, en

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASIL

211

Page 213: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

FAUSTO, Boris – Fazer a América. A emigraçao em massa para a América Latina. SaoPaulo: EDUSP, p. 239-271

GONZÁLEZ, Elda, 2003 – La inmigración esperada: la política migratoria brasileña desdeJoao VI hasta Getúlio Vargas. Madrid: CSIC.

GONZALEZ, Elda, 2008 – “Tres inmigrantes, cuatro centros, un periódico. Las asociacionesespañolas en Brasil”, en BLANCO, Juan Andrés – El asociacionismo en la emigraciónespañola a América. Salamanca: UNED/Junta de Castilla y León, p. 365-387.

GUANCHE, Jesús, 1999 – España en la savia de Cuba. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales.HUGHES, E.C.y MCGILL, H., 1952 – Where People meet: Racial and Ethnic Frontiers. Glen-

coe: Free Press. JONES-CORREA, M, 1998 – “Different Paths: Gender, Inmigration and Political Participation”.

Internacional Migration Review, n.º 2, Nueva Cork. KLEIN, Herbert, 1996 – La inmigración española en Brasil (siglos XIX y XX). Colombres:

Archivo de Indianos.KOZEN, K.N., 1992 – “The Invention of Ethnicity: A Perspectiva from USA”. Journal of Ame-

rican Ethnic History, 12.MASSEY, Douglas, 1990 – “Social structure, household strategies and the acumulative causa-

tion of migration”. Population Index, n.º 56. NARANJO, Consuelo, 1987 – Cuba vista por el emigrante español, 1900-1959. Un ensayo de

historia oral. Madrid: CSIC.NARANJO, Consuelo, 1988 – Del campo a la bodega: recuerdos de gallegos en Cuba (siglo

XX). Sada (A Coruña).PÉRES, Elena Pájaro, 2002 – A inexistência da Terra Firme. A imigração galega em São Paulo.

1946-1964. Sao Paulo: Fapesp/Edusp/ Imprensa Oficial SP.PETRONE, Pasquale, 1992 – A cidade de São Paulo no século XX. São Paulo, 1955. Citado por:

ROBLES, Suely – Sâo Paulo. Madrid: Mapfre.ROBLEDO, Robledo y BLANCO, Juan Andrés, 2005 – “Sobre las causas de la emigración cas-

tellana y leonesa a América”, en BLANCO, Juan Andrés (ed.) – El sueño de muchos. Laemigración castellana y leonesa a América. Salamanca: Caja España/UNED, p. 33-52.

SÁNCHEZ, Blanca, 1994 – Las causas de la emigración española, 1880-1930. Madrid: Alianza.SEMEGHINI, Ulysses C., 1991 – Do café à indústria. Uma cidade e seu tempo. Campinas: Edi-

tora da Unicamp.SOLLORS, E.1989 – The Invention of Ethnicity. New York: Oxford University Press.SOUZA, Ismara Izepe de, 2006 – Espanhois: Historia e Engajamento. São Paulo: Editora Nacional.SOUZA-MARTINS. José de, 1995 – “La inmigración española en Brasil y la formación de la

fuerza de trabajo en la economía cafetalera”, en SÁNCHEZ ALBORNOZ, Nicolás – Espa-ñoles hacia América. La emigración en masa, 1880-1930. Madrid: Alianza, p. 249-269.

VIDAL, José Antonio, 2008 – “El asociacionismo gallego en Cuba”, en BLANCO, Juan Andrés(ed.) – El asociacionismo en la emigración española a América. Salamanca: UNED/Juntade Castilla y León.

YAÑEZ, César, 1994 – La emigración española a América (siglos XIX y XX). Colombres:Archivo de Indianos.

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

212

Page 214: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

213

FONTES PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO: O CASO DO NORDESTE

TRANSMONTANO (1901-1920)

Maria da Graça Martins

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

As fontes históricas constituem o verdadeiro alicerce da produção e daescrita em História, válidas pela quantidade, estrutura, natureza e, acima detudo, pela riqueza de conteúdos, forma de elaboração, de registo e de preser-vação. As fontes permitem a reconstituição temática e a reconstrução da memó-ria social e histórica, constituindo, sem dúvida, o arsenal de ferramentas do his-toriador. Enquanto matéria-prima e manancial de informação, nelas encontra-mos as dúvidas, as questões para explorar, os conflitos decisórios e tambémmuitas respostas. Que fontes procurar? Onde as pesquisar e como as encontrar?Quem as elaborou? Como as tratar? Estas são as perguntas que o investigadorcoloca no início da sua pesquisa, obrigando-o a um trabalho de bastidores quepermita drenar e filtrar a informação final.

Durante o afã labiríntico da pesquisa, no vasto filão dos inventários e fun-dos documentais, seleccionar é determinante, a fim de possibilitar um melhortratamento da informação. O respeito pelo documento, bem como a fidelidadeperante os seus conteúdos é, igualmente, relevante, pois o espírito de pesquisadeve ser independente e é incompatível com ideias preconcebidas, sem que, noentanto, o documento nos escravize, torne dependentes ou nos envolva em pai-xões sem controlo.

O objecto da História sobrevive pelas fontes que traduzem a acção dohomem no irreversível tempo histórico, um tempo de processos e de evolução.No entanto, a ciência histórica tem limitações: pela impossibilidade de recriartotalmente o passado em função do que se espera ou deseja; pela dependênciaperante a escassez, a quantidade e o acesso às fontes que condicionam a visãoe o conhecimento indirecto do passado; pela subjectividade da selecção elabo-rada pelo investigador e da influência do presente na compreensão do passado.

Não poderemos negligenciar os vários enquadramentos das fontes, no seutempo, no contexto e numa época histórica, perante uma entidade ou institui-ção que as elaborou, para perceber a sua natureza, razão de ser e utilidade. Naverdade, o conhecimento do passado depende dos documentos que o mesmonos lega e a sua existência, organização e conservação devem-se a um conjunto

Page 215: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

de factores que não foram ordenados em função das exigências da pesquisa dohistoriador, mas sim das entidades produtoras, das circunstâncias, procedimen-tos e determinações da época. Vários historiadores partilham a ideia de que oconhecimento histórico é o que as fontes fazem dele, mas enquanto estas sãointermediárias entre o passado e o historiador são, para além de um espelho daverdade histórica, um instrumento que pode ser, também, deformador na ori-gem e na fase de produção das mesmas.

Este artigo pretende reflectir sobre o outro lado do trabalho de investiga-ção, aquele que muitas vezes fica confinado ao capítulo das fontes, ou é reme-tido para notas de rodapé ou para anexos finais, mas que, no entanto, é vitalpara os historiadores e determinante para obter conclusões sobre os temasobjecto de estudo.

IDENTIFICAÇÃO DAS FONTES

Debruçamo-nos, neste estudo, sobre a região do Nordeste Transmontano,durante as duas primeiras décadas do século XX, espaço e tempo analisados nainvestigação que realizámos anteriormente sobre a emigração1 e que se centrouna quantificação e na análise qualitativa do fenómeno, a partir da recolha deinformação em diferentes tipos de fontes.

Para a análise quantitativa da emigração do distrito de Bragança (1901--1920), exploraram-se essencialmente cinco fontes, manuscritas e impressas:

• Livros de Registos de Passaportes (1900-1920, existentes no ArquivoDistrital de Bragança);

• Quatro publicações nacionais oficiais, a saber:

– Annuário Estatístico de Portugal (1900; 1903; 1904-1905; 1906-1907;1908-1910; 1910-1914; 1912-1916);

– Emigração Portuguesa (1901-1912);– Movimento da População (1913-1920);– Censos da População de Portugal (1900,1911 e 1920).

Para a análise qualitativa do fenómeno emigratório regional utilizaram-setrês tipos de fontes impressas:

• Boletim de Emigração (1919-1920);• Colecção Oficial de Legislação Portuguesa (1901-1920);• Imprensa regional.

MARIA DA GRAÇA MARTINS

214

1 Este trabalho tem por base as fontes compulsadas aquando da elaboração da dissertação de Mes-trado em História Contemporânea, apresentada à Faculdade de Letras do Porto em 1997.

Page 216: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

1. LIVROS DE REGISTOS DE PASSAPORTES DO GOVERNOCIVIL DE BRAGANÇA

A utilização dos Livros de Registos de Passaportes partiu da necessidade decompletar e comparar alguns dados numéricos apresentados nas estatísticas ofi-ciais da emigração, nomeadamente quanto aos emigrantes em grupo que tira-ram passaportes no distrito e dos quais as estatísticas oficiais apenas apresen-tam valores a partir de 1914.

Por isso, o trabalho em causa, não se apoiou no tratamento exaustivo destafonte que, apesar de obedecer a formatações nacionais, revelou ser uma fonteregional com muitas particularidades para explorar.

Os Livros de Registo de Passaportes encontram-se em bom estado de con-servação, ainda que com séries incompletas, devido a diversos factores entre osquais se inclui o incêndio no edifício do Governo Civil e o extravio de docu-mentação na mudança de instalações. Por essa razão, não foi possível registardados para 1901, 1904, 1905 por não existirem os Livros de Registos de Passa-portes n.º 14, 16, 17 e 18, relativos a esses anos. Por sua vez, os livros de registorelativos aos anos de 1902 e 1906 estão incompletos. Após várias tentativas delocalização dos referidos livros, para o período que nos interessava, conseguimosdetectar a maior parte deles, no Governo Civil, e os restantes, no Arquivo Dis-trital de Bragança, onde se encontravam depositados. Foi possível, assim, reunir,documentação que estava dispersa e que se indica no quadro abaixo:

FONTES PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO: O CASO DO NORDESTE TRANSMONTANO (1901-1920)

215

Quadro n.º 1 – Livros de registo de passaportes de Bragança (1902-1920)

Ano – Número de registos – data limite N.º do Livro de Registo de Passaportes

1902 – n.º 106 a 281 – 01/03 a 31/11 151903 – n.º 1 a 217 – 02/01 a 30/11 151906 – n.º 122 a 563 – 15/03 a 31/12 191907 – n.º 1 a 809 – 02/01 a 21/12 19/20/211908 – n.º 1 a 1719 – 02/01 a 31/12 21/221909 – n.º 1 a 1076 – 02/01 a 31/12 22/231910 – n.º 19 a 820 – 03/01 a 31/12 23/241911 – n.º 1 a 2585 – 03/01 a 30/12 24/251912 – n.º 1 a 4617 – 03/01 a 31/12 25/26/271913 – n.º 1 a 3453 – 02/01 a 31/12 27/281914 – n.º 1 a 742 – 02/01 a 26/12 28/291915 – n.º 1 a 507 – 02/01 a 31/12 291916 – n.º 1 a 661 – 03/01 a 27/12 291917 – n.º 1 a 484 – 02/01 a 31/12 291918 – n.º 1 a 429 – 09/01 a 28/12 29/301919 – n.º 1 a 850 – 03/01 a 31/12 301920 – n.º 1 a 751 – 02/01 a 31/12 30

Total de registos: 20.564

Page 217: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Os dados inscritos na folha de registo dos referidos livros, permitem a iden-tificação e a descrição física (quando preenchidos) do requerente/titular:

• Nome do requerente (titular);• Estado civil;• Profissão;• Filiação;• Naturalidade (freguesia, concelho, distrito);• Idade;• A indicação de que “sabe escrever” (no canto superior direito do registo)

(referente ao titular);• Sinais característicos: altura, rosto, cabelos, sobrancelhas, olhos, nariz,

boca e “cor natural” (no canto, superior esquerdo do registo);• Sinais particulares (tais como: coxo, aleijado, cicatrizes, etc), dados

físico-somáticos reveladores da mentalidade da época e, por isso, poucoobjectivos.

Para além destes, existe outro tipo de informação relevante para a investi-gação sobre a temática da emigração:

• Local de destino;• Local de embarque;• Indicação de quem leva em companhia/na dependência do/a cargo de/ao

cuidado de;• Registo do número de passaporte;• Validade;• Referência ao passaporte abonado por documentos competentes;• Data.

Outras particularidades detectadas nesta fonte: a designação Brasil aparece,a partir de 1913, impressa no formulário, bem como o espaço destinado aosacompanhantes com as expressões mulher e filhos. Frequentemente, surgemvários indivíduos ou grupos familiares da mesma povoação ou concelho quetiram o passaporte na mesma altura com diferença de alguns dias e para omesmo local de destino. Situação detectável para o Brasil (Santos e São Paulo),bem como para os Estados Unidos da América e Chile.

Nos grupos familiares aparece um número considerável de mulheres casa-das, jovens, acompanhando o marido e respectivos filhos (grupos até 12 mem-bros) e grande número de menores, alguns com meses e até dias (caso extremodetectado de uma criança com seis dias). Encontramos mães acompanhadasdos filhos, sem registo de presença paterna e também pais que levam apenasfilhos em sua companhia. Os outros acompanhantes apresentam graus deparentesco próximo: irmãos, sogros, sobrinhos, genros, enteados, avós, netos,serviçais (estes considerados como membros da família). Dos acompanhantes,

MARIA DA GRAÇA MARTINS

216

Page 218: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

regista-se o primeiro e último nome ou somente o primeiro nome, idade e rela-ção de parentesco com o titular. A discriminação dos acompanhantes é feita doelemento mais velho para o mais novo, tendo em conta um critério etário, tra-tando-se da mulher e filhos. Os restantes parentes aparecem, por norma, indi-cados no final.

A partir de 1919, nas observações consta também a indicação de sem vín-culo de trabalho, nomeadamente para os requerentes de passaportes que se des-locavam para o Brasil e França. A especificidade desta fonte permite, pois,quantificar e conhecer a constituição dos grupos de emigrantes, bem comoapreender as trajectórias/destinos continentais e intercontinentais percorridosanualmente, com especial destaque para as cidades do território brasileiro.

O local de embarque mais utilizado era o Porto, Leixões e Barca de Alva.Por via terrestre (seca), a saída fazia-se geralmente em Alcanices/Espanha.Cádiz aparece mencionada como zona de passagem. Os locais de destino apa-recem referidos sem se especificar as zonas ou lugares. A designação genéricaà Europa, a África e ao Brasil dificulta uma contabilização uniforme.

A validade do passaporte era inicialmente de 90 dias. A partir de 1908 passapara cinco anos. Posteriormente, os registos especificam o prazo de validadeaverbado de forma manuscrita ou corrigido no formulário base (ex: para o anode 1910: 332, 48, 57, ou 55 dias).

Os passaportes apresentam uma numeração contínua. No entanto, em cadaregisto não são individualizados os acompanhantes que se deslocam na depen-dência do titular do passaporte. Nalguns casos, verificam-se que alguns regis-tos têm falhas na ordem de numeração, aparecendo também registos anuladosou duplicados, surgindo, ainda, alguns registos com alíneas (ex: 1081 e 1081a).Desta forma, é difícil proceder-se a uma contabilização precisa do número depassaportes registados e, mais difícil ainda, a contabilização do número de pes-soas que terá efectivamente emigrado.

Nos anos de 1917 e 1918, aparecem registos de passaportes para grupos deoperários com destino à Europa (França), com um chefe e com um número deregisto único, feito em nome do representante de cada grupo. Também a partirdo ano de 1918, no mesmo espaço de registo, o requerente e o grupo podemsurgir com numerações individuais para a esposa, os filhos a partir dos 10 anose outros acompanhantes. Todos os menores com idade inferior a 10 anos, nãotêm direito a qualquer número de registo. Apesar desta individualização numé-rica continuam a aparecer registos com a discriminação dos acompanhantes aocuidado de ou na dependência de, ainda que com número autónomo.

A falta de identificação do destino, a troca do destino pela naturalidade oupelo local de embarque é corrente. Apenas em alguns registos, estas falhas depreenchimento são corrigidos, revelando a falta de uniformização no trabalhodos amanuenses que faziam o registo, dando origem a discrepâncias e obri-gando o investigador a critérios atentos.

No registo das idades, não é mencionada a data de nascimento. Além dissoverifica-se uma confusão frequente nos meses e anos referidos, criando alguns

FONTES PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO: O CASO DO NORDESTE TRANSMONTANO (1901-1920)

217

Page 219: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

problemas aos que pretendem fazer, a partir desta fonte, uma quantificaçãorigorosa da emigração por grupos etários.

Encontramos, também, alguns registos assinalados a vermelho no formulá-rio, com a indicação de 2.ª via de passaporte, devido quer ao extravio do docu-mento quer à prorrogação do tempo de validade (situação pouco frequente).

A utilização desta fonte, requer, por estas e outras questões, uma grandeatenção do investigador, nomeadamente para apuramento dos números deregistos e do número de emigrantes, para cada ano, pelo facto de não serem cor-respondentes. Estes tipos de situações fazem com que os Livros de Registos dePassaportes exijam pois um trabalho aturado, que requer atenção particular,dado serem uma fonte com algumas irregularidades de preenchimento, mas quenão impedem o apuramento “e análises quantitativas capazes de contribuirmonográfica e microscopicamente para o estudo das migrações portuguesaslocalizadas e, assim, conduzir a algumas respostas nos estudos da emigraçãonacional”2.

2. ANNUARIO ESTATÍSTICO DE PORTUGAL

Este tipo de fonte, publicada desde 1875, no período que nos importa, revela-se útil por conter dados demográficos que vão desde a natalidade, mortalidade,nupcialidade e emigração, ao território, culto religioso, passando pela justiça,agricultura e comércio. J. Manuel Nazareth a propósito dos Annuários Estatísti-cos afirma que “dada a morosidade das Estatísticas Demográficas, os tornam eminstrumentos de trabalho bastante úteis”3.

O Annuário Estatístico revela já uma estatística oficialmente organizada, masainda de forma incipiente e incompleta, no tocante à questão da emigração.

Na advertência ao volume publicado em 1907, em que se apresenta a publi-cação, o então director-geral interino, A. J. Campos de Magalhães, escreve que:“Ao effectuar-se a publicação deste último Annuário espera-se a breve trechoentrar numa phase de regularidade, conseguindo-se formas conhecidas dopúblico os dados estatísticos, sem decorrerem tantos annos sobre aquelles a quese referem”.

Aqui podem apurar-se também alguns indicadores numéricos sobre o fenó-meno emigratório de Portugal Continental e do distrito de Bragança, ainda quemenos completos (especialmente a partir de 1900) em relação aos apresentadosna publicação Emigração Portuguesa de que falaremos a seguir.

MARIA DA GRAÇA MARTINS

218

2 LOPES, 1995: 212.3 NAZARETH, 1988: 183.

Page 220: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

3. EMIGRAÇÃO PORTUGUESA

Esta publicação editada em 12 volumes, entre 1904 e 1913, apresenta dadosestatísticos referentes ao período de 1901 a 19124. Atendendo à especificidadeda questão migratória, o Ministério dos Negócios da Fazenda entendeu porbem criar uma publicação autónoma, para registo de informações numéricas.

É a partir do ano de 1901 que a publicação se apresenta com este cariz. Estaobra apresenta um conjunto de informações preciosas, atendendo às limitaçõestécnicas da época, para além de esquematizar e racionalizar o tipo de registosobre a emigração. As tabelas e os gráficos que contém, revelam uma preocu-pação pela necessidade de concretizar o femómeno emigratório, em termosquantitativos.

A Emigração Portuguesa inclui dados relativos ao continente português, àsilhas e às possessões ultramarinas. Especifica zonas geográficas, desde as provín-cias até aos distritos, chegando mesmo às distribuições concelhias. Para alémdeste horizonte geográfico, o conteúdo prima por uma grande riqueza e variedadede informação recolhida, relativa à origem dos emigrantes, à distribuição porsexos, às sua profissões, alfabetização, idade, estado civil, destino, causas dofenómeno e movimentos nos principais portos do continente, entre outros. Grandeparte destes dados é apresentado mensalmente, o que pode valorizar a pesquisa eenriquecer a análise de determinados conteúdos do fenómeno emigratório.

Apesar de algumas discrepâncias numéricas, a quantificação é bastantecompleta, procurando, sempre que possível, estabelecer parâmetros comparati-vos entre os valores de vários anos.

4. MOVIMENTO DA POPULAÇÃO. ESTATÍSTICA DEMOGRÁFICA

Publicação com 9 volumes, repartidos pelos seguintes anos: 1909-1913;1910-1914; 1911-1915; 1912-1916; 1913-1917; 1914-1918; 1915-1919; 1916--1920 e 1917-19215. Esta publicação, editada pelo Ministério das Finançasentre 1915 e 1922, vem na sequência da Emigração Portuguesa que deixou dese publicar a partir de 1913. O tipo de tabelas estatísticas bem como os gráfi-cos apresentam-se na forma e nos conteúdos com uma grande uniformidade.

O motivo da inclusão do capítulo da emigração nesta estatística demográ-fica é apresentado pelo então chefe da 4.ª Repartição da Direcção Geral deEstatística, Paulo de Melo, quando afirma, em 1915, a propósito dos registosestatísticos da emigração entre 1909 e 1913:

Sendo de capital importância, para estudos de ordem social e económica,

FONTES PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO: O CASO DO NORDESTE TRANSMONTANO (1901-1920)

219

4 EMIGRAÇÃO Portuguesa 1901-1912. Ministério dos Negócios da Fazenda/Direcção Geral daEstatística e Próprios Nacionais. Lisboa: Imprensa Nacional, 1904-1913. 12 volumes.

5 MOVIMENTO da População. Estatística Demográfica. Ministério das Finanças/Direcção Geralda Estatística. Lisboa: Imprensa Nacional, 1915-1922. 9 volumes.

Page 221: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

o conhecimento, tão pormenorizado quanto possível, do Movimento da Popu-lação, pareceu-me que seria de todo o ponto conveniente reunir num únicovolume o que a esse respeito se refere. É por isso que, de futuro, deixarão deser publicados separadamente os volumes estatísticos referentes ao Movi-mento Fisiológico e à Emigração.

Estas estatísticas juntamente com as que se referem ao movimento de passa-geiros, tanto nos portos portugueses (publicada pela primeira vez) como nas fron-teiras terrestres por via-férrea, estão tão intimamente ligadas entre si, sob o pontode vista demográfico, que não devem ser separadas em volumes especiais6.

A emigração é, assim, para além da natalidade, mortalidade e nupcialidade,uma questão importante e complementar para o estudo do movimento da popu-lação. É, inclusivamente, objecto de estatísticas oficiais, em brochuras especí-ficas, devido aos elevados valores numéricos que apresentava e à necessidadede se conhecerem as razões de um fenómeno populacional e social que mar-cava a sociedade portuguesa. Reconhecido como um “importantíssimo assuntoe cancro que afecta todos os países”, o Movimento da População de 1917 referesobre o fenómeno migratório, o seguinte:

Testemunha-se eloquentemente o seu decrescimento por uma forma quedeve causar o maior júbilo. Desde 1901 que o seu acréscimo se acentuava deano para ano, em vertiginosa carreira, subindo em seis anos de 21.000 para44.000. E estes números ainda mais se elevaram no ano de 1912 em que atin-giram 89.000, por motivos de várias ordens, entre os quais avultam as grandesvantagens oferecidas pelos agentes do Governo Brasileiro e de certo modotambém a anormalidade que resulta de uma mudança de sistemas políticos.

A baixa que a seguir se deu para 26.000 em 1914 demonstra que a últimadas causas que determinaram aquela tão elevada cifra emigratória desapareceupelo restabelecimento da confiança pública, devendo ainda acrescentar-se queesta descida se acentua cada vez mais, podendo desde já calcular-se que elapassou ao mínimo do existente anterior a 19107.

5. CENSOS DA POPULAÇÃO

Os dados censitários referentes aos recenseamentos efectuados nos anos de1900, 1911 e 1920, com datas de 1 de Dezembro funcionam como um núcleodocumental de referência no âmbito da demografia. Tal como afirma J. ManuelNazareth: “Os serviços demográficos das Nações Unidas, definem recensea-mento de uma população como o conjunto de operações que consistem emrecolher, agrupar e publicar dados demográficos, económicos e sociais quedizem respeito a um momento determinado. Uma das características funda-

MARIA DA GRAÇA MARTINS

220

6 MOVIMENTO da População…. 1909-1913.7 MOVIMENTO da População… 1913-1917.

Page 222: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

mentais do recenseamento é a simultaneidade de recolha”8.

5.1. O Censo de 1900 correspondente ao 4.º Recenseamento da População9.Apresenta-se com quatro volumes:

• Vol. I – Fogos – População de residência habitual e de facto, distinguindosexos, naturalidade, estado civil e instrução elementar.

• Vol. II – População de facto agrupada segundo as idades, distinguindosexos, estado civil e instrução elementar.

• Vol. III – População de facto classificada segundo as grandes divisõesprofissionais por sexos e grupos de idades, cegos, surdos-mudos, idiotase alienados. Número e composição das famílias.

• Vol. IV – Resultados gerais do Recenseamento. Neste censo introduziu--se a questão da religiosidade por distritos e concelhos, atendendo à dis-tribuição por sexos.

5.2. O Censo de 191110 foi publicado um ano depois dos prazos legais esti-pulados pelo Congresso Internacional de Estatística em 1872 (os censos deve-riam realizar-se nos anos terminados em 0), sendo esta uma excepção, aten-dendo à mudança de regime político verificada em Portugal no ano de 1910. Desalientar que no ano de 1911 se dá uma mudança estrutural, com a introduçãoda obrigatoriedade do registo civil. É o 5.º Recenseamento da População Por-tuguesa e segue uma linha de continuidade com o anterior, apresentando-se osresultados em seis volumes:

• Parte I – Fogos-População de residência habitual, população de facto dis-tinguindo sexos, nacionalidade, naturalidade, estado civil e instrução(abrange distritos, concelhos e freguesias).

• Parte II – População de facto, agrupada por idades, distinguindo sexos,estado civil e instrução.

• Parte III – Cegos, surdos-mudos, idiotas e alienados, por sexos.• Parte IV – Longevidade – Indivíduos de 80 ou mais anos, agrupados por

idades, distinguindo o sexo. Este é um capítulo inovador e extenso noconjunto dos recenseamentos em causa, indo ao pormenor da freguesia.

• Parte V – População de facto, classificada segundo as grandes divisõesprofissionais, distinguindo sexos, por grupos de idades.

• Parte VI – Censos das Povoações, Fogos – População de facto classifi-

FONTES PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO: O CASO DO NORDESTE TRANSMONTANO (1901-1920)

221

8 NAZARETH, 1988: 178.9 CENSO da População do Reino de Portugal no 1.º de Dezembro de 1900. Ministério dos Negó-

cios da Fazenda/ Direcção Geral da Estatística e Próprios Nacionais. Lisboa: Imprensa Nacional,1905. 4 volumes.

10 CENSO da População de Portugal no 1.º Dezembro de 1911. Ministério das Finanças/DirecçãoGeral da Estatística. Lisboa: Imprensa Nacional, 1913. 6 volumes.

Page 223: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cada por distritos, concelhos, freguesias e povoações. A população é dis-tribuída em cada freguesia por núcleos de população que a integram.

5.3. O Censo de 1920 corresponde ao 6.º Recenseamento Geral da Popula-ção de Portugal11. É composto por dois volumes:

• Vol. I – Fogos – População de residência habitual e população de facto,distinguindo sexos, nacionalidade, naturalidade, estado civil e instrução.

• Vol. II – População de facto agrupada por:

– a) Idades, distinguindo sexos, estado civil e instrução.– b) Número de cegos, surdos-mudos, idiotas e alienados por sexos.

O recenseamento da população efectuado nos anos referidos obedeceu ainstruções próprias, especificadas na introdução destas brochuras, e reflectemuma grande preocupação com a forma de execução das operações de registo ecom o rigor das estatísticas demográficas.

A informação censitária é extremamente rica pela sistematização com queopera, podendo obter-se dados não só ao nível de Portugal Continental, distri-tal e concelhio, como das freguesias, permitindo traçar, com rigor e precisão, oquadro demográfico do país, na época.

Nos censos podemos encontrar ainda dados referentes ao número de con-celhos e freguesias, número de habitantes por km2, número de fogos, tipos denaturalidade, número de estrangeiros residentes no país, entre outros. Tambémdevemos salientar as análises comparativas com censos anteriores, a apresen-tação de gráficos ilustrativos e de valores relativos à evolução da população empaíses estrangeiros. A apresentação de relatórios sobre a forma como decorre-ram os trabalhos de registo e também os comentários perante determinadosvalores censitários é de realçar nesta publicação.

As oscilações populacionais são aqui destacadas pelas suas quebras ouascensões. A questão da emigração é objecto de comentários, atendendo aovolume crescente que apresentava.

6. BOLETIM DE EMIGRAÇÃO

Brochura trimestral editada entre Outubro de 1919 e 1933, pelo Ministériodo Interior e Comissariado Geral dos Serviços de Emigração, aproximada-mente com cinco números anuais12.

Este Boletim oficial destinava-se à publicação de informações diversifica-

MARIA DA GRAÇA MARTINS

222

11 CENSO da População de Portugal no 1.º de Dezembro de 1920. Ministério das Finanças, Direc-ção Geral de Estatísticas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1923. 2 volumes.

12 BOLETIM de Emigração (1919-1933). Ministério Interior/Comissariado Geral dos Serviços deEmigração. Lisboa: Imprensa Nacional, ano I-VI, n.º 1-4, 1919-1925.

Page 224: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

das, relativas ao fenómeno emigratório no início do século XX, tais como:

• Correspondência preparatória para o patronato (ofícios e circulares expe-didos pelo Comissariado e respectivas respostas);

• Tabelas, pistas e estatísticas sobre as companhias de navegação e agentesde passagens e passaportes habilitados perante o Comissariado;

• Propostas do Comissariado Geral sobre temas vários referentes ao fun-cionamento dos serviços de emigração e afins;

• Divulgação de textos informativos e críticos alusivos ao conceito de emi-gração, com esclarecimentos próprios sobre as suas múltiplas perspectivas;

• Bibliografia temática actualizada;• Factos e informações diversas.

A leitura destes boletins permite uma melhor compreensão de algumasperspectivas da interpretação do fenómeno emigratório, nas duas primeirasdécadas do século XX, dos organismos oficiais de então, bem como a formacomo se diagnosticavam alguns dos problemas e se apresentavam potenciaisalternativas ou soluções para os resolver.

As dimensões internacional, nacional e regional da emigração estão patentesem textos e artigos publicados nestas brochuras, bem como a grande preocupa-ção com conceitos como o de emigrante, emigração e colonização, entre outros.

As informações enviadas dos consulados portugueses, especificamente doBrasil, incluídos nesta publicação, de grande riqueza informativa, alargam,ainda mais, o leque das possibilidades de análise.

7. COLECÇÃO OFICIAL DE LEGISLAÇÃO PORTUGUESA

Este vasto conjunto documental permite fazer o enquadramento legislativodo fenómeno da emigração, bem como o conhecimento de um conjunto de nor-mas legais, regulamentos e de procedimentos inerentes à emissão de passapor-tes e outras matérias afins a merecer um inventário e tratamento específico.

8. IMPRENSA REGIONAL DE BRAGANÇA (1900-1920) – BREVENOTA

Dos periódicos do concelho de Bragança, publicados entre 1900 e 1920,num total de 30 títulos, centrámo-nos, na investigação que desenvolvemos,mais directamente em 18 deles, dos quais 13 contêm notícias sobre a emigra-ção ou sobre questões relevantes no contexto do distrito de Bragança. Privile-giando nós, neste artigo, as fontes quantitativas, não queremos, no entanto, dei-xar de mencionar o valor da imprensa regional para a investigação sobre ofenómeno emigratório. Por certo, será um aspecto pertinente a desenvolver

FONTES PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO: O CASO DO NORDESTE TRANSMONTANO (1901-1920)

223

Page 225: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

oportunamente dentro desta área de estudo.De momento, apresentamos, apenas, uma relação dos periódicos que abor-

daram a questão da emigração, no distrito de Bragança, para o período crono-lógico em causa:

• Alerta• O Bragançano• Districto de Bragança • Gazeta de Bragança• Jornal de Bragança• O Leste Trasmontano• O Montanhês do Norte• O Nordeste• Notícias de Bragança• Notícias de Nordeste• A Pátria Nova• O Trasmontano• Illustração Trasmontana

CONCLUSÃO

No vasto universo das fontes nacionais, regionais e locais, quer manuscri-tas quer impressas, sobre a emigração, muitas podem ser as linhas de pesquisa.Pela relevância dos dados que neles se inscrevem os Livros de Registo de Pas-saportes permitem uma informação quantitativa fundamental para a recupera-ção dos contingentes numéricos, para além de um conjunto de informaçõesvaliosas sobre as componentes demográficas e socioeconómicas locais.

A relevância do fenómeno emigratório, no início do século XX, em Portu-gal, justificou que na transição para o regime republicano e durante a sua vigên-cia, se privilegiassem novas formas de registo oficial, mais cuidadas e sistemá-ticas que permitissem reunir, de forma mais rigorosa, dados sobre o país, ondecada região aparecesse diferenciada segundo muitas variáveis. Essa preocupa-ção com a quantificação não impediu, no entanto, que, devido à emigraçãoclandestina, um grande número de portugueses não entrasse nas estatísticas ofi-ciais, inviabilizando uma contabilização mais exacta. Assim, enquanto fenó-meno social e populacional de enorme complexidade, nem sempre as estatísti-cas oficiais puderam dissecar a emigração na sua globalidade.

No entanto, várias são as publicações que, como verificámos, se podemcompulsar para o estudo quantitativo desta temática. As interrogações iniciaissobre os emigrantes marcam as linhas de apuramento estatístico: quantos são,qual a sua origem concelhia, qual o seu sexo e estado civil, quais os grupos deidades mais atingidos por este fenómeno, a que grupos profissionais perten-ciam, que níveis de instrução revelavam, para onde se dirigiram, de onde par-

MARIA DA GRAÇA MARTINS

224

Page 226: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tiram, por que partiram e com que finalidade, são muitas das questões a que,dessa forma, se pretende dar resposta.

BIBLIOGRAFIA

LOPES, Maria Teresa Braga Soares, 1995 – “Correntes de Opinião Pública e Emigração no Dis-trito de Aveiro (1882-1894)”. População e Sociedade, Porto: CEPFAM, n.º 1, p. 209-231.

MARTINS, Maria da Graça, 1997 – A Emigração do Distrito de Bragança (1901-1920) – UmaAnálise Regional. 2 volumes (dissertação de Mestrado em História Contemporânea apre-sentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto).

MARTINS, Maria da Graça, 1998 – “A Emigração do Distrito de Bragança (1901-1920), umaanálise regional”. População e Sociedade, Porto: CEPFAM, n.º 4, p. 321-365.

MARTINS, Maria da Graça, 1999 – “A Emigração do Distrito de Bragança e a imprensa regio-nal, no limiar do século XX”. População e Sociedade, Porto: CEPFAM, n.º 5, p. 121-166.

MARTINS, Maria da Graça, 1999 – “Trajectórias geográficas dos emigrantes transmontanos nolimiar do século XX”. Revista Cultural Domus, Bragança: ISLA, n.º 3-4, p. 175-249.

MARTINS, Maria da Graça, 2000 – “Níveis de alfabetização dos emigrantes transmontanos nolimiar do século XX”. Revista Cultural Domus, Bragança: ISLA, n.º 5-6, p. 91-126.

MARTINS, Maria da Graça, 2007 – “A emigração do Nordeste Transmontano para o Brasil noinício do século XX”. População e Sociedade, Porto: CEPESE, n.º 14, p. 257-281.

NAZARETH, J. Manuel, 1988 – Princípios e Métodos de Análise da Demografia Portuguesa.Lisboa: Editorial Presença.

FONTES PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO: O CASO DO NORDESTE TRANSMONTANO (1901-1920)

225

Page 227: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 228: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

227

HERÓIS NO MAR, HEROÍS NA TERRA:VILA MADALENA, UM PORTO SEGURO

Yvone Dias Avelino

Este artigo é o resultado parcial de uma pesquisa sobre o Bairro de Vila Mada-lena, em São Paulo, que acolheu imigrantes portugueses desde o início do SéculoXX, até meados dos anos 60, apresentada por nós no IV Encontro Internacionalsobre A Emigração Portuguesa para o Brasil: Nas Duas Margens. Os Portugue-ses no Brasil, realizado entre 21 a 25 de Julho de 2008 na Universidade Lusíadado Porto, cidade do Porto, em Portugal. Várias foram as fontes que já burilamospara esta pesquisa, tais como Documentação Oral, Carteiras Modelo 19 (registrosde identidade), Livros de Registros de chegada de imigrantes, fotografias, jornais,registros de compra e venda de imóveis entre outros. Nesta nossa explanação, tra-zemos principalmente as contribuições que recebemos da Fonte Oral, pois acredi-tamos que é ela teoricamente, para os historiadores, de grande utilidade.

Houve uma época em que apenas alguns historiadores reconheciam a utili-dade da técnica, sendo pouco o seu uso prático. Restringia-se a alguns eruditosda área, ao contrário do hoje, onde ela encontra uma grande aceitação em diver-sas áreas do conhecimento, especificamente entre os historiadores

A Documentação Oral parte da descoberta do passado, e de fontes que sebuscam localizar, apreendendo, compreendendo, estabelecendo um sentido doque foi, do que aconteceu. Esta linha de preocupações nos conduziu à confec-ção de documentos não só fidedignos quanto à procedência, mas ricos de con-teúdos1 também.

Deste projeto de pesquisa centrado no cruzamento de fontes orais e escritasresultou em um momento de nosso trabalho com a Fonte Oral um Museu deRua, e um farto e expressivo material, com várias entrevistas realizadas, cujasfitas foram transcritas pelo grupo de pesquisadores à época, e que fazem partede um acervo que se encontra na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

A Documentação Oral enquanto técnica possibilita o aparecimento de umtipo especial de fontes. O registro oral, diferentemente da autobiografia, é pro-duzido pela interação entre entrevistador e entrevistado, assumindo o primeiroum papel fundamental. Dar ouvidos aos que viveram a história é para Thomp-son empreender a representação do passado2. A palavra daquele que viveu a His-tória assume um papel muito significativo. A História Oral cresceu “como uma

1 FROTA, 1985.2 THOMPSON, 1978.

Page 229: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

bola de neve”3, e nas últimas décadas, passou a ocupar um espaço privilegiadono universo não só Historiográfico, mas no conjunto das Ciências Humanas4.

Ao utilizarmos a entrevista para recuperarmos a trajetória, a construção e odesenvolvimento desta vila, através da fala dos seus agentes, optamos procedermais como um diálogo, onde o outro fala mais do que uma “entrevista diri-gida”, passível de se transformar em uma fonte objetiva. Acreditamos que ape-nas esta explicitação permite-nos entender a dimensão do outro, que constrói oseu próprio domínio do passado com serenidade, na organização da sua memó-ria a partir daquela situação. A espontaneidade, a sinceridade e as questões éti-cas assumem assim um papel fundamental nesta perspectiva. A entrevistaespontânea, levada essencialmente pelos interesses do entrevistado constitui-seem potencialidade da construção de uma “self-imagem”, que se afirma a partirde um universo cultural específico.

Desta forma, a memória que é veiculada pela narrativa da História de Vida,registrada mecanicamente e logo transposta para o texto escrito, antes de seralgo dado a priori, passível de ser resgatada, é uma “invenção”, uma constru-ção que se instituiu a partir da interação entre os dois “selfs”5.

É necessário com esse procedimento ter paciência e cautela, posto queaumenta a responsabilidade ética do pesquisador, que enfrenta o problema dasrelações de poder, que se estabelecem no trabalho com a Documentação Oral emtodas as suas etapas, desde os contatos preliminares, passando pela entrevista, echegando à fase de transcrição e análise6. Neste sentido, a redefinição de meto-dologia e técnicas se apresenta como uma necessidade decorrente destas inten-ções específicas. Assim sendo, optamos pela entrevista não-diretiva, técnicaesta, que mais se adaptava ao nosso trabalho de campo, visto estarmos lidandocom personagens populares, não acadêmicos, nesta primeira fase da pesquisa.Isto não significa um silêncio do entrevistador frente ao entrevistado, mas simde uma posição interativa do primeiro frente ao segundo, pois é através dele quese realiza a direção da entrevista.O entrevistado dá conta de suas experiênciassubjetivas a respeito de acontecimentos que tenha visto, escutando ou partici-pando. Enquanto o entrevistador, por sua vez, deve estar atento ao propósito denão conduzir a entrevista aos seus fins e de atentar também para os aspectosdados como importantes pelos entrevistados, os quais podem ser indicadores doseu grau de compromisso com a situação. Na História Contemporânea, muitosfenômenos históricos são produzidos a partir da palavra. É a palavra pois, o veí-culo que mensura a importância do acontecimento. Aliada ao vídeo, a palavrafoi transformada em ato, dando às declarações, discursos e entrevistas um cunhoque data os nossos tempos de um presente pleno de “História”7.

YVONE DIAS AVELINO

228

3 NEVINS, 1984.4 GALLIAN, 1992.5 GALLIAN, 1992: 32.6 GALLIAN, 1992: 33.7 FROTA, 1985: 50.

Page 230: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Seguindo esta linha de reflexão, apontamos o prefácio do livro Vila Mada-lena: História, Fatos e Fotos8, do jornalista Gilberto Dimenstein, coordenadordo Projeto Cidade Escola Aprendiz, projeto este que propõe transformar obairro em escola, retirando meninos pobres da rua, onde narra:

O Fascínio que Nova York exerce no mundo é, em essência, o fascínio queVila Madalena exerce na Cidade de São Paulo. A “Vila” consegue ser uma ilhapaulistana onde se mesclam cosmopolitismo e provincianismo, aglutinandoboemia, arte e intelectualidade. Não é um bairro homogêneo: encontram-seapartamentos milionários próximos de cortiços, que fazem lembrar os primór-dios da ocupação do bairro. Andar à pé pela “Vila” é um delicioso programapara quem está disposto a fazer paradas estratégicas e conversar com seus per-sonagens: artesãos, artistas plásticos, músicos, e gente simples, com uma boahistória para contar.

Esta é a Vila Madalena de hoje. Agitada, movimentada, eclética, com per-sonagens de variadas nacionalidades e com casas, construções e arquiteturascomerciais que lhe dão coloridos degradês, feições multicoloridas, que a enfei-tam e lhe dão uma identidade original.

Mas ontem, em uma outra época, um outro século, a Vila não se apresen-tava tão glamourosa como hoje. Era pacata, com uma população pequena,constituída por comunidades de portugueses, italianos, espanhóis e negros,definidas pontualmente. A população portuguesa era maioria, e era essa popu-lação que cuidava de grande parte da organização dos eventos, tanto religiosos,como esportivos, sociais e educacionais.

A Vila Madalena, no início do século XX, era apenas uma seqüência demorros, que começava próximo ao chamado Córrego do Rio Verde, e termi-nava perto do Córrego das Corujas. Era uma imensa gleba de terra. Havia árvo-res frutíferas e capinzais ótimos para o pasto de gado. Na época, apenas pou-cos se arriscavam para um passeio a cavalo, ou a pé, para caça a aves. Os locaisaonde havia mais movimento eram o Largo dos Pinheiros, hoje conhecidocomo Largo da Batata. As pessoas apenas andavam a cavalo, ou de carroça, nachamada Estrada das Boiadas, hoje Avenida Dr. Diógenes Ribeiro de Lima, quetermina no visinho Bairro da Lapa.

Na entrevista9 realizada com Dona Maria Justo, de 84 anos, filha de imi-grantes portugueses que fazem parte dos sujeitos da nossa pesquisa, que ocu-param este território no início do século XX, a mesma confirma essa mudançaprogressista do antigo bairro pacato:

HERÓIS NO MAR, HEROÍS NA TERRA: VILA MADALENA, UM PORTO SEGURO

229

8 AFONSO, 2002.9 Entrevista realizada por Maria Aparecida Blaz Vasques Amorim e Carlos Danilo Oliveira Lopes,

pesquisadores do NEHSC, utilizando a técnica da Documentação Oral, em 27 de Junho de 2008,com Dona Maria Justo, na residência da mesma, situada à Rua Aspicuelta, 334 – Vila Madalena– São Paulo.

Page 231: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Naquela época, a Vila Madalena era um encanto de vila, porque era umavida bem família, não tinha asfalto, só tinha água de poço, não tinha água derua, não tinha luz na rua. Então, era uma vida bem família. Agora não, agoraé só restaurante, boteco, eu não sei onde essa gente arranja tanto dinheiro, quenão é gente da Vila Madalena que gasta aqui. Pra não dizer que eu nunca entreiem nenhum lugar, eu fui nesse restaurante português que se chama Pois-Pois,porque só tem bacalhau. Foi meu irmão Ivo e a Mara que me levaram duasvezes, porque eu não saio, vou comer onde? Agora aqui você não vê casas, sótem restaurante. Tem a minha e a da vizinha, e toda hora o pessoal das imobi-liárias vem bater na porta para saber se a gente quer vender, não tem casa paramorar, toda hora vem gente perguntar se eu não tenho quarto para alugar.

Meus pais vieram para o Brasil, vieram como imigrantes. Naquela épocahavia os navios que levavam “um século e meio para chegar”, minha mãefalava que a primeira casa na qual ela morou foi no Brás, de lá ela veio aquipara a Rua Saracura, que hoje nem tem mais esse nome.

Vieram para cá muitos imigrantes portugueses, mas já morreram quasetodos. Meu pai veio com a minha mãe no mesmo navio, eles tinham amizade,nem pensavam em namorar. Aqui no Brasil eles se encontraram, namoraram ecasaram. Foi então que vieram morar na rua Saracura. O primeiro emprego quemeu pai conseguiu aqui foi no Instituto Paulista, lavar defuntinho, e minhamãe trabalhava na lavanderia. Ela trabalhou bastante tempo ali. Então nós nosmudamos, depois de muitos anos viemos aqui para a Heitor Penteado. Meu paitinha uma chácara que vendia leite para fora, ali perto da Igreja do Calvário. OCalvário era uma capela. Então, meu pai tirava leite e a gente entregava pelobairro. Naquele tempo, não era pasteurizado, tirava da teta da vaca e já entre-gava para os clientes, mas os fiscais da prefeitura começaram a dar em cima,meu pai começou a ficar doido, porque... eles vinham toda hora... ele resolveulargar de fazer aquilo.

A Vila era mato, não tinha bonde, ai a gente saia com um sapato velho, erasó lama, tinha um bar ali na esquina, ali perto onde tinha uns portugueses queeram amigos da gente. Deixávamos lá num cantinho do boteco dele o sapato sujode barro, calçávamos outro limpo e íamos para a cidade. Fazíamos compras noMercado Municipal. Naquele tempo, a gente deitava e rolava, andava e não tinhapreguiça. Quando voltava, tirava o sapato limpo e calçava o sujo. Depois veio oasfalto para a Vila Madalena. Aí o bonde começou a vir até aqui. Foi no governoJânio Quadros, em 1957 e foi quando eu virei funcionária pública.

Com o início das vendas de terras, da formação de loteamentos, foram seformando vilas dentro da própria Vila, criadas por grupos de parentes e amigos,que vinham chegando ou de outros bairros, como é o caso dos pais de DonaMaria, que vinham do Bixiga, ou outros, que vinham diretamente de Portugal.Foram chegando, então, e fixando-se na região. Propositalmente, como nosnarra Lúcia Helena Gama10, como se possuíssemos uma lente de aumento paraperceber a emergência de alguns traços dessa população cuja intimidade reteve

YVONE DIAS AVELINO

230

10 GAMA, 1998: 90.

Page 232: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

vínculos sociais que aí se estabeleceram, encontramos nos relatos e nos docu-mentos profissionais de nacionalidade portuguesa os que aí se estabeleceram:o barbeiro, a costureira, o leiteiro, o padeiro, o médico, que não apenas chega-ram à suas portas, mas adentraram os seus lares e estabelecem relações. Rela-ções de serviços muito diferentes da atual vida nas modernas metrópoles. Estessujeitos foram diversificando suas profissões, e seus filhos, alguns, em algumasfamílias que estudamos, tornaram-se servidores da limpeza pública, motornei-ros, cobradores de bondes, padeiros, leiteiros, saqueiros, açougueiros, sapatei-ros, donos de “vendas”. Outros, de outras famílias, saltaram mais alto. Forampara as universidades, e hoje, são dentistas, professores universitários, médi-cos, engenheiros, advogados, formando na própria Vila, ou fora dela, um con-tingente de trabalhadores e de intelectuais que ajudaram esta cidade de SãoPaulo a crescer, a melhorar e a transformar-se, transformando também a Vilaonde seus pais foram os pioneiros.

Com a construção do Cemitério São Paulo na Vila Madalena, autorizadapela Câmara Municipal de São Paulo em 1920, gerou-se mais um grandenúmero de empregos: pedreiros, pintores, carpinteiros, encanadores, jardineiros,serventes e coveiros. Os cemitérios do Araçá e da Consolação, que eram próxi-mos à Vila também empregaram muitos dos que chegavam11. Alguns tornaram--se funcionários públicos efetivos da Prefeitura Municipal de São Paulo, traba-lhando ou nesses cemitérios, ou no Departamento de Limpeza Pública, indo tra-balhar no forno de lixo, no bairro do Sumaré. A coleta de lixo era feita com car-roça, e descarregada neste local, onde o incinerador queimava o lixo da cidade.

Concomitantemente, estas terras da Vila iam sendo adquiridas através dasprimeiras economias dessa brava gente portuguesa, que trabalhava duro, nãoescolhia serviço e sabia poupar. As terras compradas eram registradas noRegistro de Imóveis da 1.ª Circunscrição da Comarca da Capital do Estado deSão Paulo. Algumas terras mais distantes eram griladas, ou seja, ocupadasindevidamente, fazendo-se Usucapião12. A Vila tomou ares de vilarejo, ondenas esquinas havia empórios e botecos. Segundo Ênio Squeff13:

A escritora Gertrude Stein, magnificamente retratada por Picasso em um deseus melhores óleos, num livro que ficou famoso, escreveu repetidamente afrase “uma rosa é uma rosa, é uma rosa” e por aí afora, indefinitivamente. Semquerer imita-la, (mas já a imitando) poder-se-ia dizer que a “Vila Madalena éuma vila, é uma vila, é uma vila”, também eternamente, e tudo para enfatizarque, se a Via Madalena já não é, hoje em dia, rigorosamente uma “vila”, um diaela o foi. E com todas as implicações que o termo sugere.

Na verdade, a palavra vila é bem mais antiga do que a nossa imaginaçãopossa construir, tanto pelo que sabemos dela, quanto pelo que a própria História

HERÓIS NO MAR, HEROÍS NA TERRA: VILA MADALENA, UM PORTO SEGURO

231

11 AVELINO, 2008. 12 FERREIRA, 1975: 1434. Modo de adquirir propriedade móvel ou imóvel, pela posse pacífica e

ininterrupta da coisa durante certo tempo. Prescrição aquisitiva.13 SQUEFF, 2002: 59.

Page 233: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

do Brasil ensina. Que o diga o dicionário Houaiss, no qual a palavra “Vila” apa-rece como uma povoação de categoria inferior a uma cidade, mas superior a umaaldeia. Considerada somente por essa primeira definição, a Vila Madalena tal-vez se encerre mesmo na fórmula sugerida por Gertrude Stein – de ser apenasuma vila; ou de não ser mais do que isso, já que um dia foi isso e muito mais”.

Os portugueses, nosso objeto de pesquisa, saíram de pequenas aldeias, dosvários cantos de Portugal, para se situarem na vila que era mais que uma aldeia,mas não era a cidade, embora circunscrita geograficamente à metrópole pau-listana, que já se urbanizava, iniciava a industrialização e prometia ser umagrande megalópole.

A Vila Madalena do início do século XX originou-se de pequenas chácaras,como a Chácara de Francisco Mourato, hoje rua Mourato Coelho, esquina coma Rua Delfina; a Chácara do Instituto Pinheiros, imenso laboratório especiali-zado em farmacologia, sobretudo vacinas; a Chácara do Paco, um espanhol queplantava flores e verduras para vender na região de Pinheiros; a Chácara dasVinhas, cujo dono cultivava uvas, e fazia um excelente vinho; Chácara da Pri-mor, cujo proprietário montou a primeira padaria do bairro, com o mesmonome da chácara. Naquele tempo, as padarias só faziam pão (ao contrário dehoje, onde encontramos no mesmo espaço doceria, supermercado, etc), e queno final da tarde, o pão era entregue nas casas, com carroças, cujos estaciona-mentos ficavam nas chácaras. A rotina das padarias começava logo cedo, parapoderem levar o pão à mesa dos fregueses. As primeiras padarias foram de por-tugueses. Até hoje, ainda se brinca que padarias boas são de famílias de Além-mar, da Santa Terrinha:

Aqui na Vila, meu pai comprou uma padaria, coisa que nunca tinha sido...resolveu ser padeiro. Olha minha filha, se você soubesse quanto saco de sal efarinha eu carreguei... eu tinha uns doze anos, vim para a Vila Madalena comoito, veja há quantos anos eu moro aqui. Todos os meus irmãos trabalhavam,principalmente os mais velhos. Trabalhavam com meu pai na padaria, e meupai só vendeu a padaria porque no tempo da guerra só vinha aquela farinha deglúten... hoje é moda comer pão de glúten, mas naquela época as pessoas recla-mavam. Meu pai ficou com medo da farinha fazer mal e matar alguém, vendeu a padaria, se aposentou e nós viemos morar nessa casa. Meu pai, como dinheiro da venda da padaria, construiu essa casa e aquelas duas ali no fundo,o terreno era grande, e esse foi o patrimônio que ele nos deixou. Olha o que eutrabalhei para ajudar... por isso falo, por trabalhar ninguém morre. Eu carre-gava saco de farinha e nós tínhamos um empregado mineiro, que podia me vercarregando o saco. Se não fosse hora de trabalhar, ele não dava nem bola,então são coisas que marcam a vida da gente.

As citadas chácaras serviam-lhes para subsistência, pois ali criavam porcos,galinhas, patos, plantavam hortaliças, erva-mate etc. Essa subsistência garantiao sustento dessas famílias, e possibilitava o sustento das novas famílias, cria-das a partir dos matrimônios entre os jovens que ali conviviam.

YVONE DIAS AVELINO

232

Page 234: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Posteriormente, com o aumento do número de crianças, foi criada a pri-meira escola da Vila, em 1927. Era a Escola Mista Isolada Vila Madalena. Fun-cionava em dois períodos. Como havia pouco espaço físico e a Vila crescia,alguns moradores com a ajuda do Governo do Estado elaboraram um projetopara a construção de uma escola maior. Foram aproveitadas essas duas salas, emontou-se toda a instalação maior, que foi inaugurada em 1933, com o nomede Grupo Escolar de Vila Madalena. Uma escola grande para a época, que man-tinha o curso primário.

E essa é a vida da gente... sabe o que eu sinto mais hoje? O fato de não termais amizade, naquela época todos os vizinhos eram amigos, a gente fazia festas enormes nas ruas, todos participavam, hoje não. Eu tenho uma amigaque mora nessa rua, velhinha também, que é minha amiga do tempo que nóstínhamos padaria, e até hoje nós somos amigas. Hoje não. Eu tenho amigas queestudaram comigo, ali onde hoje é o Banco Bradesco, era uma escola. Nossaprofessora era Dona Aparecida, uma mulata, e a gente queria a professoracomo mãe da gente. Quando hoje aparece na televisão aquelas histéricas acu-sando a professora de bater no filho delas, eu tenho vontade de matar. Achaque a professora vai fazer alguma coisa com o filho delas de graça? Tenha dó!Eu adorava minhas professoras, e só fiz o primário porque não tínhamos con-dições de fazer mais nada, só se formaram meus irmãos mais novos, o Danielse formou professor, e o Pedro se formou economista. A gente tinha que tra-balhar para mantê-los, então a vida não foi brincadeira e se hoje a gente temalguma coisa devemos a nós mesmos e aos meus pais.

No lazer, dedicavam-se ao futebol, com dois times: o E. C. União Operá-ria, mais tarde, em 1939, chamado 1.º de Maio, e o E. C. Leão do Morro, deVila Beatriz, tendo inclusive, um time de futebol feminino.

Os portugueses na Vila não descansaram enquanto não tiveram uma Igreja.Em 1944 iniciou-se uma campanha para arrecadação de fundos. Saíam pelas ruasem procissão, onde arrecadavam dinheiro e prendas. Após a missa das 9h00, nodomingo, era feito um leilão. Com esse dinheiro deram início às obras da Capelaque recebeu o nome de Capela São Miguel Arcanjo. As procissões aconteciamcom quermesses, barracas, e percorriam as ruas do bairro, com os andores dossantos enfeitados. Mais tarde, a Capela deu lugar a uma nova construção, cujoarquiteto, recém-falecido, Joaquim Guedes, da Faculdade de Arquitetura e Urba-nismo da Universidade de São Paulo (USP) projetou uma igreja em forma debarco, chamada de Igreja de Vila Madalena, cuja santa padroeira é Maria Mada-lena. O padre Olavo Pezzotti foi seu pároco por muitos anos, e através dele, quetinha um programa de rádio e posteriormente de televisão, na famosa Radiodifu-sora Tupi, conseguiram-se grandes benfeitorias, como calçamento, água, rede deesgoto, empregos, colégio estadual, com ginásio e colegial, bonde, ônibus, etc.

Depois veio o asfalto para a Vila Madalena, foi o padre Olavo que arru-mou. Aí, o bonde começou a vir até aqui. Foi no governo Jânio Quadros, em

HERÓIS NO MAR, HEROÍS NA TERRA: VILA MADALENA, UM PORTO SEGURO

233

Page 235: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

57, e foi quando eu virei funcionária pública. Minha vida daria um livro. Se eupudesse, escrevia. Entrei como servente no Serviço Público, servindo café,lavando o chão e molhando plantas e não deixei de ser Maria Justo até hoje.Consegui esse emprego da seguinte maneira: o Jânio Quadros deu uns cargosde atendentes para trabalhar no hospital e outros de servente para o PadreOlavo, para ele distribuir como quisesse. Ele então me perguntou se eu queriatrabalhar no governo. Disse que eu poderia ser atendente ou servente. Eu disse:– olha padre Olavo, vou ficar com o de servente, se eu não gostar caio fora,mas gostei, como eu não precisava tanto e tinha duas amigas que os paistinham morrido, deixei o cargo de atendente para elas e fiquei como servente.

Depois de 17 anos e 3 meses como pároco da Igreja de Vila Madalena, em13 de Outubro de 1968, Dom Agnelo Rossi, Cardeal de São Paulo, o transferiupara a paróquia de Nossa Senhora da Consolação. A saída dele foi muito triste,pois nem ele, e nem seus paroquianos queriam que isso acontecesse. Assimcomo os portugueses, Padre Olavo lutou pelo progresso da Vila14.

Meus pais nunca se arrependeram de ter vindo para o Brasil. Minha mãenunca quis voltar para Portugal, meu pai voltou para vender umas terrinhasque ele tinha lá e foi o que ajudou a gente a construir essa casa aqui, a genteaté insistiu para minha mãe ir com meu pai, mas ela disse não, disse que a terradela agora era aqui, ela era brasileira. Depois que nós construímos essa casameus pais não trabalharam mais, minha mãe era tratada que nem um bibelô,nós filhas não deixávamos que ela fizesse nada, com 50 anos ela não faziamais nada... o médico achava ruim, falava que a gente tinha que deixar ela tra-balhar, pelo menos arrumar sua própria cama.

Pelas histórias que meus pais contavam, se eles tivessem ficado em Por-tugal, a vida deles teria sido muito ruim, uma caca dos infernos, porque o Bra-sil é um país abençoado por Deus, minha mãe sempre falava, meu pai falava:– você joga um grãozinho de feijão ali no chão e nasce... em Portugal, meu paiteve uma vida muito sacrificada, ele trabalhava na lavoura. Eu tenho algunsprimos lá. Eles têm fazenda, mas dão outro nome, cultivam azeitonas, minhasobrinha foi lá e achou lindo. Eu nunca fui para Portugal, tive tanta chance...mas primeiro foi minha mãe que eu tinha que cuidar. Agora estou velha...minha sobrinha quer levar a mim e minha irmã para lá... vamos ver. Olha, temduas coisas na vida que me fazem chorar, morte já não me faz chorar, já cho-rei muito quando meu pai morreu, hoje eu tiro de letra... eu só choro quandotoca o hino nacional brasileiro e também fico louca da vida que esses vaga-bundos desses jogadores não sabem nem cantar, é uma vergonha e choroquando toca o hino português, também choro. Tem o filho de uma amiga quese formou dentista e voltou para Portugal, minha sobrinha e o marido adora-ram e ele fala: – Ah! Tia Maria come-se bem naquela terra.

YVONE DIAS AVELINO

234

14 PEZOTTI, 1968.

Page 236: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Dos antigos capinzais, das modestas casas, das ruas de barro, dos lampiões,da água de poço, a Vila a partir de 1950 passou a ter uma estrutura melhor,sendo considerada um dos bairros mais charmosos de São Paulo, recebendo otítulo de Vila das Artes, conquistando quem ali mora, que não deseja sair, equem ali chega, que aprecia o que ela tem. A partir dos anos 90 até a passagempara o século XXI, a vida noturna é agitada, com sofisticados restaurantes, piz-zarias, bares, confrarias, buffets, etc. Assim como modernas padarias, excelen-tes cafés, várias agências bancárias, mas a Vila ainda conserva algumas dasantigas casas, que mesmo com as leis de zoneamento, não foram demolidas.Essas casas, assim como a de Dona Maria e outros nossos agentes convivemcom imensos edifícios, de uma arquitetura moderna, transformando a VilaMadalena em um imenso bloco de cimento.

Não vamos neste artigo nos prolongar sobre este progresso até os dias dehoje. Muito ainda há para se contar dos filhos, dos netos e bisnetos desses imi-grantes, desses portugueses que vieram para o Brasil e venceram, e garantiramaos seus descendentes, hoje prósperos e cultos, outros tempos, outras épocas,outros destinos, outros portos seguros.

BIBLIOGRAFIA

AVELINO, Yvone Dias, 2008 – “Vila Madalena e a Imigração Portuguesa: Cultura, Trabalho,Religião e Cotidiano” in MATOS, Maria Izilda Santos de et al. (org.) – Deslocamentos &Histórias: Os Portugueses. São Paulo, EDUSC.

AFONSO, Décio Justo, 2002 – Vila Madalena: História, Fatos e Fotos (1900-200). São Paulo:Editora Nativa.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1975 – Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Riode Janeiro: Nova Fronteira.

FROTA, Luciara Silveira de Aragão e, 1985 – Documentação Oral e a temática da Seca (Estu-dos). Brasília: Centro Gráfico, Senado Federal.

GALLIAN, Dante M. Claramonte, 1992 – Pedaços da Guerra: experiências com História Oralde Vida de Tobarrenhos. USP (dissertação mimeografada).

GAMA, Lúcia Helena, 1998 – Nos Bares da Vida: Produção Cultural e Sociabilidade em SãoPaulo (1940-1950). São Paulo: SENAC.

NEVINS, Allan, 1984 – The uses of Oral History, in DURAWAY, David; BAUN, Willa K. – OralHistory: an Interdisciplinary anthology. Nashville: American Association for State andLocal History.

PEZOTTI, Olavo, 1968 – Livro do Tombo, Página n.ª 1 a 81. Registros da Igreja de Vila Mada-lena.

SQUEFF, Ênio, 2002 – Vila Madalena: Crônica Histórica e Sentimental. São Paulo: BoitempoEditorial.

THOMPSON, Paul, 1978 – The voice of Past: Oral History. Oxford: Oxford Press.

HERÓIS NO MAR, HEROÍS NA TERRA: VILA MADALENA, UM PORTO SEGURO

235

Page 237: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 238: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

237

A “ONDA” EMIGRATÓRIA DE 1912: DOSNÚMEROS ÀS TRAJETÓRIAS*

Lená Medeiros de Menezes

Natal dos emigrantes! Festa das lágrimas e das saudades; festa de nóstodos, que sofremos do êxodo das famílias e da separação amarga das nossasilusões. Como devem chorar os teus cânticos e sangrar as tuas esperanças,natal dos emigrantes1.

Jornal de Notícias

Considerando-se os relatos existentes sobre Portugal na virada do Oitocen-tos e nas primeiras décadas do Novecentos, muitas e muitas festas de Natalforam turvadas pelas lágrimas e pela saudade. O texto em epígrafe traduz a rea-lidade de um momento festivo marcado pela tristeza daqueles que viram fami-liares e vizinhos tudo arriscarem em busca de um futuro melhor. Nesse sentido,a tristeza, transformada em lágrimas, tornou-se a melhor tradução da dor dasaudade de mães, pais, irmãos, irmãs, esposas, filhos e amigos.

Atravessando os séculos, o fenômeno da partida de homens e mulheres embusca de um novo porvir – e emigração portuguesa, durante muito tempo, foisinônimo de emigração para o Brasil – intensificou-se em determinadosmomentos, nos quais pressões de diversas ordens apresentaram-se maximiza-das, retirando do seio das famílias muitos de seus entes queridos. Estesempreenderam a aventura atlântica embalados por mitos, sonhos e esperançasde mudança, por vezes transformados em realidade; por vezes redundados emfracassos não admitidos ou narrados.

A verdadeira hégira da modernidade, tristemente retratada pelo jornal doPorto, encontra comprovação numérica quando são analisadas as fontes brasilei-ras. As estatísticas de entrada no porto do Rio de Janeiro, por exemplo, demons-tram que o ano de 1912 mostrou-se um momento privilegiado de ascensão nosquantitativos de entrada. Considerando-se que a imigração para a capital brasileiraesteve sempre marcada pela presença impactante do imigrante português, as pala-vras do Ministro da Agricultura, em seu relatório anual referente ao citado ano,comprovam a força dos números não só no Brasil, mas dos dois lados do Atlân-tico: “Nota-se melhor o progresso da corrente imigratória quando se comparam as

* O artigo é parte de pesquisa mais ampla sobre portuguese(a)s no Rio de Janeiro, financiada peloConselho Nacional de Pesquisa (CNPq).

1 SOUSA, 1988: 150.

Page 239: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

entradas do ano passado [1912] com as de 1910 e 1911, verificando-se o aumentode 91 618 com relação ao primeiro e de 44 215 com relação ao último”2.

Segundo Joel Serrão, a emigração que caracterizou os séculos XIX e XXem terras lusitanas inseriu-se em um contexto dramático que abarcou “o onteme o anteontem”, acompanhando o próprio processo de constituição do Portugalcontemporâneo3. Ao longo desse processo, considerando-se principalmente osanos que se abrem a partir de 1870, quando as partidas deslocaram-se para onorte de Portugal, o ritmo dos fluxos conheceu um movimento de tendênciacrescente na longa duração, pontilhado por picos que corresponderam amomentos de dificuldades internas (regra geral, centradas nos campos), bemcomo movimentos de queda e impactos momentâneos ou conjunturais.

Centrando a análise no ano de 1912, é possível dizer que ele representa umclímax no movimento ascendente ocorrido a partir da virada dos 1900, inse-rindo-se, portanto, no contexto da Grande Imigração (1890-1914). Diferente-mente de outros momentos, a constatação suscita questões ainda não devida-mente respondidas. Os números de partidas registrados atingiram um patamaranual até então nunca antes registrado, explicando a melancólica descrição do“Natal dos emigrantes”, publicado pelo Jornal de Notícias.

LENÁ MEDEIROS DE MENEZES

238

2 BRASIL. Relatório do Ministério da Agricultura, 1912-1913, p. 128.3 SERRÃO, 1977: 29. 4 SERRÃO, 1977: 31.

Quadro n.º 1 – Saídas de Portugal

1900 21 2351902 24 1701904 28 3041906 38 0931908 40 1451910 39 5151911 59 6611912 88 9291913 77 6451914 25 7304

Ano Número de emigrantes

De acordo com os números contabilizados por Joel Serrão, até 1912, o tetomáximo de saídas anuais havia sido alcançado em 1895, quando o total dosemigrantes fora de 44 746 indivíduos, voltando a se estabelecer tendência dequeda que se prolongou até 1899, quando o movimento de saída não ultrapas-sou 17 774 indivíduos. A partir dos 1900, entretanto, os números voltaram acrescer, com o ano de 1912 registrando a partida, rumo a outros países e conti-nentes, de 88 929 indivíduos; total que só seria ultrapassado em 1966, quandoo total geral atingiu a casa dos 120 239.

Page 240: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Com relação especificamente à emigração portuguesa para o Brasil, de1855 a 1920, os quantitativos tenderam a se manter para além dos 75%. Os per-centuais elevados podem ser comprovados nos quadros que se seguem:

A "ONDA" EMIGRATÓRIA DE 1912: DOS NÚMEROS ÀS TRAJETÓRIAS

239

5 EVANGELISTA, João – Um século de População Portuguesa (1864-1960), p. 149. Apud: SER-RÃO, 1977: 46.

6 BRASIL. Relatório do Ministério da Agricultura, 1912-1913, p. 130.7 BRASIL. Relatório do Ministério da Agricultura, 1912-1913, p. 131.8 ALMEIDA, Carlos et al., jan. 1968– “L’Émigration Portugaise (1957-1966)”, in BERGIER, J.I.

(dir.) – Mémoire d’Économie Sociale. Université de Génève. p.122. Apud SERRÃO, 1977: 171.

Quadro n.º 2 – Destino dos emigrantes portugueses no continente americano (1880-1960)

1 242 496 37 469 23 773 11 546 59 193 5 386 94 339 1 474 20275,7% 2,3% 1,4% 0,7% 3,6% 0,3 5,8% 89,8%5

Brasil Argentina Venezuela Outros U.S.A Canadá TotaisApenas América

Quadro n.º 3 – Entrada de Portugueses nos portos brasileiros (1908-1912)

37 628 30 577 30 857 47 493 76 530 223 0856

1908 1909 1910 1911 1912 Total

Quadro n.º 4 – Entrada de Portugueses no Rio de Janeiro (1907-1912)

31 156 46 216 42 763 37 393 72 970 83 0537

19081907 1909 1910 1911 1912

Não é objetivo desse trabalho discutir as causas gerais da emigração portu-guesa ao longo do tempo, mas reforçar a idéia de que determinadas causasestruturais mantiveram-se durante o século XIX e grande parte do XX, acom-panhando a marcha do capitalismo rumo aos países periféricos, ocasionandoprofundos desequilíbrios nos campos. Estas, associadas a problemas internosde longa duração ou a crises ocasionais, agudizaram a necessidade da partida.Nesse sentido, parece-nos válida a afirmação de que “as causas da emigraçãonão devem ser procuradas num ‘setor em crise’ ou numa ‘região desfavore-cida’, mas nas estruturas da sociedade portuguesa, em todos os setores econô-micos e na política econômica seguida”8.

No que diz respeito à conjuntura 1911-1913, podemos dizer que causasestruturais acoplaram-se a pressões advindas do momento político vivido, ele-vando os fluxos, de forma a totalizar 22 6235 partidas. Nesse sentido, a grandediscussão que imediatamente se coloca é o papel desempenhado ou não pelavirada republicana no processo emigratório ocorrido em Portugal.

Page 241: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Para alguns estudiosos, a emigração portuguesa posterior a 1910 explicou--se “por motivos em grande parte de ordem política”9. Essa constatação,segundo outros, não deve ser assimilada sem determinados cuidados e algumasreflexões. Joel Serrão, por exemplo, ao perguntar-se se a República seria real-mente a “causa” do incremento do fenômeno emigratório, contrapõe a essa pos-sibilidade a constatação de que “motivos de ordem política” também teriamocorrido no país após a guerra de 1939-1945, da mesma forma que, com relaçãoa 1912, o fenômeno também teria sido conhecido pela Espanha. Em pé-de--página, o autor dialoga com Marnoco e Sousa, quando este considera que houvefuga “às perseguições que acompanham ordinariamente as convulsões políticas,mas, ainda mais que as causas políticas, influíram talvez na extraordinária emi-gração, que se seguiu ao estabelecimento da República, as causas religiosas”.

Com relação às causas religiosas, a hipótese levantada pelo autor é a de quea maneira brusca como se deu a separação entre Estado e Igreja alheou daRepública uma grande parte da população portuguesa, fundamentalmente cató-lica10. Dessa forma, para o autor, as explicações poderiam ser buscadas em umadialética original entre política e religião; hipótese que, certamente, não esgotaas possibilidades de análise.

O desencanto com o regime republicano, por parte de alguns segmentos, foimuito rápido e nem sempre foi explicado por ressentimentos religiosos. Amedida que os embates entre republicanos e monarquistas recrudesceram, cin-dindo-se o bloco responsável pela derrubada da monarquia, grupos variadosentraram em disputa e combate. No tocante ao movimento operário, tornou-serapidamente visível a elevação das tensões, manifestadas no aumento das gre-ves e dos movimentos de contestação: um total de 61 em 1910 e de 80 em 1911.Ainda que o novo regime tivesse revogado a lei anti-anarquista de 1896, todoo movimento sindical – no qual os anarquistas tinham expressão – teve que sesujeitar à legislação reguladora das greves, que impunha a necessidade da apre-sentação de pré-aviso de todo e qualquer movimento grevista, bem como a obe-diência à proibição de piquetes.

Os embates políticos, associados a problemas estruturais não resolvidos,promoveram a fermentação necessária ao aparecimento de uma oposição mul-tifacetada, bem como insatisfações variadas que, de alguma forma, deixaramindícios no Brasil. Para alguns, havia a perspectiva de que “a obra revolucio-nária corr[esse] o risco de se desfazer em poeira”. Dessa forma, a República,que nascera em um país com graves problemas sociais, não conseguindoresolvê-los, possibilitou que os mesmos se arrastassem no tempo.

Sem ter a pretensão de apresentar contribuições inéditas às polêmicas exis-tentes sobre a matéria, até porque há o risco de conclusões apressadas, parece--nos plausível considerar que qualquer grande virada política, pelo menos para

LENÁ MEDEIROS DE MENEZES

240

9 GIRÃO, A. de Amorim – Geografia de Portugal, 3.ª ed., Porto, 1960. Apud SERRÃO, 1977: 164.10 SOUSA, Marnoco e, 1917 – Tratado de Economia Política. Coimbra. vol. 1, p. 224. Apud: SER-

RÃO, 1977: 164.

Page 242: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

aqueles que apostam na mudança, se faz acompanhar, inevitavelmente, por for-mulações míticas que projetam um futuro melhor. Nisto repousou e repousa asedução dos processos revolucionários, que trazem, em seu bojo, a representa-ção da mudança como caminho necessário para a chegada ao paraíso11.

Quando as esperanças não se tornam realidade, os desalentos tendem aexplodir em revolta, combate e luta, em proporções compatíveis com os níveisde esperança depositados na deflagração do processo. Nessa perspectiva, ocaso português não foi fundamentalmente diferente do processo geral, princi-palmente se forem considerados os segmentos que, rapidamente, foram margi-nalizados da nova estrutura do poder, com destaque para os anarquistas (alia-dos de primeira hora), ou ainda para aqueles que, ansiando por melhores con-dições de vida, assistiram ao crescimento de suas aflições.

Por outro lado, quando lançamos nosso olhar para além de Portugal, nosdefrontamos com as dificuldades trazidas pela conjuntura de pré-guerra, queafetaram, em maior ou menor grau, todo o continente, explicando, em umdeterminado ponto de vista, a elevação dos quantitativos de emigração emoutros países, incluindo-se Espanha e Itália, que associavam problemas estru-turais não resolvidos às pressões externas.

Ao travarmos contato com determinadas histórias de vida, nos defrontamoscom evidências paradigmáticas que demonstram a força das motivações políti-cas na emigração portuguesa do período pós-republicano. É bem verdade queessas histórias foram protagonizadas por militantes radicais, não dando contado universo real dos que migraram, até porque nem sempre os que partiam esta-vam dispostos a enfrentar novos problemas, tornando-se sujeitos a novas per-seguições. Em geral, foram os contestadores radicais, partidários da violênciacomo forma de luta, que deixaram o registro de sua passagem pelo Rio deJaneiro nos arquivos policiais, lembrando-nos Thompson quando este afirmaque as classes populares deixam pouco de seus registros na História, sendo ten-tador buscá-los nos arquivos criminais12.

Algumas trajetórias demonstram, por exemplo, que a luta em prol da repú-blica foi responsável por um aprendizado que, iniciado em Portugal, quando afabricação de bombas uniu republicanos e anarquistas, foi transplantado para oBrasil, a partir do alijamento dos anarquistas do bloco de poder. Veja-se o caso deJoaquim Monteiro, expulso do Brasil como anarquista perigoso no ano de 1919.

Operário estucador por profissão, Joaquim Monteiro era casado e, segundosuas declarações, já era ativista em Portugal à época do advento da República,dedicando-se à fabricação de bombas. Era sócio da União dos Operários Civisem construção13, uma das entidades operárias partidárias do sindicalismo revo-

A "ONDA" EMIGRATÓRIA DE 1912: DOS NÚMEROS ÀS TRAJETÓRIAS

241

11 Vários são os autores que se dedicam a este tipo de análise. Ver, dentre eles, GIRARDET, 1986;MENEZES – Tramas do mal… .

12 THOMPSON, 1987. 13 Dentre os sindicatos brasileiros de atuação mais contundente nas ruas, onde se registrava uma

maior presença de imigrantes anarquistas, partidários da Propaganda pelo Ato, contavam-se os

Page 243: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

lucionário. Segundo a polícia, ao justificar suas atividades subversivas, Mon-teiro afirmou que, “sendo comunista e desejando mudar a forma de governo doBrasil, visto que a atual [era] incompatível com a dignidade humana e comoessa transformação só se operar[ia] com a violência, pois que a burguesiaesta[va] garantida pelos numerosos soldados que comp[unham] o exército,[ele], o declarante resolveu experimentar o fabrico de bombas explosivas quedeveriam ser empregadas para a resistência, guardando as referidas bombas nacasa de sua amante”14.

Integrando uma amostra de 72 imigrantes de diversas nacionalidades, pro-cessados com vistas à expulsão, que escolheram o Brasil como terra de chegadaentre 1910 e 1930, Monteiro pertence ao grupo dos 21 anarquistas processados(29,16% do total da amostra). Com relação especificamente aos imigrantes quechegaram nos anos de 1911, 1912 e 1913, os portugueses totalizam 26 indiví-duos da amostra (36,11% do total anterior mencionado). Considerando-se ape-nas os anarquistas dessa nacionalidade, eles são 11, representando, portanto,52,38 % do conjunto geral dos 21 anteriormente mencionados, expulsos, emsua maior parte, nos anos de 1919 e 1920, portanto antes do decreto de repres-são ao anarquismo, datado de 1921. Esse percentual elevado é um dos indíciossignificativos de que a situação política nascida do advento da República pres-sionou alguns indivíduos a se sentirem obrigados a emigrar.

Diferentemente de outros períodos por nós já analisados, os anarquistas quechegaram entre 1911 e 1913 emigraram já adultos, certamente de posse deideais anárquicos, o que motivava sua caracterização como “aves de arribação”feita pelas autoridades brasileiras. É o que aparece demonstrado nos exemplosque se seguem:

José Rosa da Silva chegou ao Rio de Janeiro em 1911, quando tinha 21anos. Oito anos depois de sua chegada foi expulso do Brasil como anarquistaperigoso. Era natural de Beira Alta, padeiro por profissão, solteiro, alfabetizadoe tinha 29 anos no momento da partida. Durante sua estada no Brasil, trabalhoucomo condutor de bondes, ocupando, assim, um dos principais nichos do mer-cado de trabalho carioca dominado por imigrantes portugueses. Acusado de seranarquista pela polícia, assumiu essa condição e, segundo os autos do processo,fez preleção contra o clero, ao qual acusou de ser responsável por manter opovo na ignorância. Como anarquista, declarou-se a favor tanto da igualdadequanto da revolução, embora tenha negado o emprego da violência. Pesoucomo provas decisivas contra ele o fato de ser representante da Federação Ope-

LENÁ MEDEIROS DE MENEZES

242

vinculados à construção civil e ao trabalho nas padarias, sendo de registrar-se que os anos de1917, 1918, 1919 e 1920 foram anos de aquecimento do movimento operário no Brasil, comoreflexo da Revolução Russa. O ano de 1917 foi marcado pela primeira greve de grande porte emSão Paulo: a da Leopoldina. O ano de 1918 conheceu uma greve insurreicional no Rio de Janeiro.O ano de 1919 viu surgir o primeiro Partido Comunista, de inspiração anarquista. O ano de 1920foi impactado por uma onda de explosão de padarias na capital brasileira.

14 BRASIL. Arquivo Nacional (AN). SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7163.

Page 244: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

rária e ter tido destaque nos tumultos ocorridos por ocasião da greve na Fábricade Tecidos Corcovado, motivo que o levara à prisão15.

Julio César Leitão aportou no Rio de Janeiro quando tinha 20 anos. Era natu-ral do concelho de Vila Nova de Foz Côa, distrito da Guarda e barbeiro por pro-fissão. Solteiro e alfabetizado, tinha 36 anos quando foi expulso. Integrava aSociedade dos Barbeiros e, quando foi preso e inquerido pela polícia, assumiu sersimpático às idéias comunistas (em verdade, anarquistas-comunistas), tendonegado, entretanto, ser propagandista do ideário que professava. Declarou quefrequentava a sede do jornal A Nação porque lá trabalhavam conhecidos seus.Sua participação, entretanto ia além disso, visto figurar, nos anexos de seu pro-cesso de expulsão, um artigo de jornal, de sua autoria, intitulado “Aos barbeirose cabeleleiros”, que comprovava que Leitão dedicava-se fervorosamente à pro-paganda de seus ideais, esntando longe de ser um observador inocente16.

Bento Santos, processado também como Bento Pinto, contava 16 anos nomomento da chegada, ocorrida em 1912. Era natural de Figueira da Foz,padeiro, solteiro, alfabetizado e tinha 24 anos no momento em que foi expulso,em 1920, após uma permanência de oito anos no Brasil. Como demonstra odossiê policial anexado ao processo contra ele movido, tinha algumas passa-gens anteriores pela polícia, qualificado como vadio e dinamitadeiro. Presomais uma vez por motivos políticos, foi acusado de pregar idéias anarquistas eaconselhar os companheiros a desrespeitar as leis e as autoridades constituídas,sempre pregando a revolução. Como padeiro militante, fazia parte da UniãoGeral dos Empregados em Padarias e, segundo o que declarou, “acha[va] revol-tado contra os patrões, pela avareza e desumanidade com que trata[va]m seusempregados, principalmente os padeiros, que [eram] obrigados a exercerem aatividade quase todo o dia, sem salário compensador”.

Em acréscimo, Bento ainda declarou que “almeja[va] uma organização emque não [houvesse] escravos, em que a liberdade [fosse] completa”. Para tanto,considerava importante seu esforço no sentido da propagação de suas idéias,“pois o povo educado e consciente saber[ia] libertar-se de seus opressores”17.

No conjunto dos 11 anarquistas portugueses que compõm a amostra, ape-nas Jorge de Almeida, natural de Aveiro, trabalhador do setor de transportes,imigrou dentro da idade média com a qual os caixeiros chegavam ao Brasil(entre os doze e os dezesseis anos), registrando-se, também, um único caso deemigração durante a infância: a de Joaquim Moraes.

Jorge de Almeida chegou ao Brasil quando contava 13 anos e foi expulsoem 1920, quando tinha 21. Era solteiro, alfabetizado e morava no centro dacidade do Rio de Janeiro. Segundo sua portaria de expulsão, ele era um “ele-mento perigoso à ordem pública pelas idéias revolucionárias que adota[va],tomando parte nos comícios operários em que prega[va] abertamente o comu-

A "ONDA" EMIGRATÓRIA DE 1912: DOS NÚMEROS ÀS TRAJETÓRIAS

243

15 BRASIL. AN. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7162.16 BRASIL. AN. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7165.17 BRASIL. AN. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7134.

Page 245: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

nismo e a deposição das autoridades constituídas”. Enquanto viveu na capitalbrasileira, Almeida foi empregado da Light por três vezes. A primeira demissãoda empresa ocorreu por ele ter deixado de cobrar passagens aos passageiros dobonde em que trabalhava. A segunda foi ocasionada por fumo em serviço. Aterceira, por fim, deveu-se à sua participação em comissão de empregadosencarregada da organização de uma sociedade destinada a defender os interes-ses de classe. Apesar de todas as evidências apresentadas, Almeida negou seranarquista, o que não impediu, porém, sua expulsão18.

Joaquim Moraes chegou em terras brasileiras com 2 anos e também foiexpulso em 1920, quando tinha 28 anos. Era tecelão, solteiro e alfabetizado,tendo tomado parte no movimento intitulado “Combate à fome” e na tentativa deassalto à Intendência de Guerra, ocorrida em novembro de 1918 no Rio deJaneiro, no contexto de uma greve inssurreicional deflagrada pelos anarquistas19.

É interessante observar que a atitude de negar a acusação de anarquismonos casos relatados não acompanha a tendência geral registrada no conjuntogeral dos processos de expulsão movidos contra anarquistas. Regra geral, oshomens solteiros tendiam a assumir a acusação, declarando-se anarquistas, porvezes, fazendo preleções contra a Igreja, contra o casamento e contra as auto-ridades constituídas. A negativa à acusação, por outro lado, ocorria, mais fre-quentemente no conjunto dos homens casados, tendo em vista que a expulsãoera ato individual e, caso o expulso tivesse família no Brasil, partir podia sig-nificar nunca mais ver mulher e filhos.

A tendência contrária que se evidencia no caso dos anarquistas portuguesesque imigraram entre 1910-1913, que, independentemente do estado civil, ten-diam a negar a acusação, pode encontrar uma explicação no fato dos militantesterem tido problemas políticos em Portugal antes da partida para o Brasil, o quetornaria o regresso um problema de enormes proporções, principalmentequando sobre eles pesava a acusação de pregarem o uso da violência comoestratégia de luta; caso de Artur da Silva e Antonio Coelho:

Artur Antonio da Silva foi expulso em 1920. Era originário da freguesia deMansulo, Beja, Alentejo e exercia a profissão de carpinteiro. Era casado, alfa-betizado e tinha 37 anos quando foi preso, em flagrante, ao colocar explosivossobre o trilho de bonde, na rua em que morava. Era sócio da sociedade UniãoGeral da Construção Civil. Embora tivesse jurado inocência, foi expulso doBrasil como “indivíduo perigoso, inadaptável, talvez, à sociedade humana”20.

Antonio da Costa Coelho chegou ao Brasil com 24 anos, no ano de 1911, efoi expulso em 1919, após oito anos de residência. Era vendedor de pão, sol-teiro e alfabetizado, com passagens anteriores pela polícia. No momento da pri-são, com ele foram apreendidas bombas de dinamite, em uma casa no bairrocarioca de São Cristóvão. Consta de seu processo a acusação de que ele parti-

LENÁ MEDEIROS DE MENEZES

244

18 BRASIL. AN. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7163. 19 BRASIL. AN. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7163.20 BRASIL. AN. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7139.

Page 246: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cipou de reunião realizada com vistas à fundação de um núcleo do partidocomunista (anarquista-comunista) no subúrbio de Cascadura (Rio de Janeiro),com signatários do jornal A Razão. O acusado, entretanto, negou ser anarquistae ter feito uso de bombas de dinamite21.

Outro indivíduo expulso em 1919 e que chegou ao Brasil em 1912 foi JoséMadeira22. O drama por ele protagonizado distinguiu-se dos demais por algunsaspectos relevantes. Em primeiro lugar porque, diferentemente dos outros par-ticipantes da amostra23, Madeira foi expulso sem processo. Em segundo lugar,porque seu desejo de voltar ao Brasil – e ver reparado aquilo que ele caracteri-zava como injustiça – levou-o a impetrar habeas corpus, contestando a expul-são. Com esse mesmo objetivo, recorreu ao congressista Maurício de Lacerda,através de carta escrita em Lisboa, ensejando ampla discussão sobre sua depor-tação no plenário da Câmara dos Deputados.

Na carta escrita de Lisboa, endereçada ao parlamentar brasileiro, Madeiradisse ter sido “envolvido na onda emigratória que em 1912 se efetuava de Portu-gal para o Brasil”. Embarcando no Tejo no dia 17 de fevereiro daquele mesmoano, desembarcou no Rio de Janeiro em 2 de março de 1912. A partir de então,segundo suas palavras, iniciou “uma vida de trabalho e economia”. Rapidamente,porém, suas ilusões “foram roubadas”, com a instalação da crise de trabalho quese enraizou na capital brasileira. Tal fato o fez comparecer a comícios públicos e,no dia 11 de maio, quando assistia a um comício em Vila Isabel, assistiu à prisãode três operários. Chegando ao seu conhecimento que, justamente, haviam sidopresos os oradores do comício, dispôs-se a explicar aos presentes o que haviaocorrido, sendo, então, interpelado pelos agentes policiais. A partir de então, paraas autoridades, passou a ser um dos perigosos “oradores operários”.

Ainda que tenha afirmado na carta “que não conhecia a questão social e porisso não era anarquista”24, assumiu ter feito parte da comissão organizadora daUnião Geral dos Trabalhadores. Nessa condição teria sido convidado “a fazerum depoimento sobre a organização da mesma União”, depoimento este queera o único que existia por ele assinado “em todas as repartições da polícia”25.

Após a leitura do relato de Madeira, Maurício de Lacerda, um dos únicosparlamentares brasileiros simpáticos à causa operária, em um parlamento extre-mamente conservador, crítico ferrenho das arbitrariedades policiais e da apli-

A "ONDA" EMIGRATÓRIA DE 1912: DOS NÚMEROS ÀS TRAJETÓRIAS

245

21 BRASIL. AN. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7138.22 BRASIL. AN. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7162. Pedido de informações para julgamento de

habeas corpus. 23 Observe-se, entretanto, que a expulsão sem processo era um recurso comum. Regra geral, embora

houvesse a obrigatoriedade da lei, os processos, no caso dos anarquistas, somente podiam ser ins-taurados quando pudesse ser comprovada ameaça à seguranca pública, visto a constituição garan-tir a liberdade de opinião. Dessa forma, calcula-se que a maior parte dos anarquistas foi expulsasem processo.

24 BRASIL. Annaes da Câmara dos Deputados de 1920. Sessão de 12 de agosto. Rio de Janeiro:Imprensa Nacional, 1921, p. 504.

25 BRASIL. Annaes da Câmara dos Deputados de 1920. Sessão de 12 de agosto. p. 504.

Page 247: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cação do estatuto da expulsão, declarou que “mesmo que [Madeira] fosse anar-quista, estaria amparado pelo Supremo”, pois o direito ao livre pensamentoestava garantido pela constituição. Dessa forma, protestava veementementecontra o fato “de que o paciente em questão foi preso às 6 horas e meia da tardede um domingo, dia 4, metido incontinenti em um xadrez e dali saiu direta-mente ao dia seguinte, às 2 horas da tarde, para o vapor Gelria, sem ser inter-rogado, sem ouvir ou interrogar testemunhas, tudo se passando, pois, no seu‘processo’ de expulsão, à sua inteira revelia”26.

Após essas palavras, o deputado encaminhou à presidência da mesa umasérie de perguntas a serem dirigidas ao Ministério da Justiça, relativas a JoséMadeira e a outros indivíduos, arbitrariamente expulsos, mas, ao que tudoindica, elas nunca foram devidamente respondidas.

No habeas corpus impetrado em 11 de agosto de 1920, em favor deMadeira, por Theodoro Magalhães, o advogado atesta que figuravam, comoprovas decisivas para a expulsão, um depoimento anterior do acusado, prestadono ano de 1917, devido a “certos distúrbios grevistas”, quando Madeira,segundo a polícia, teria assumido ser anarquista; depoimento ao qual Madeirafez referências em sua carta a Lacerda, negando, porém, sua veracidade.

O caso de José Madeira traz não só informações importantes sobre o ver-dadeiro alcance da expulsão e sobre alguns dos procedimentos de defesa ado-tados pelos que eram por ela atingidos, quanto menções significativas quantoao próprio ato de emigrar.

Ao se dizer “envolvido na onda emigratória que em 1912 se efetuava dePortugal para o Brasil”, Madeira, de alguma forma, demonstrava ter plenaconsciência da diáspora que então se efetuava, bem como da própria dinâmicade um processo que, iniciado, ganhava impulso próprio, contaminando indiví-duos que se deixavam envolver por pressões coletivas transformadas em inevi-tabilidade.

Quanto ao fato de Madeira ser ou não anarquista, a versão que ele apresentados fatos, na tentativa de justificar sua participação no comício que acarretousua prisão, tem muitas fragilidades, o que pode explicar porque a Justiça negouo pedido de habeas corpus. É necessário, porém, destacar que Mauricio deLacerda tinha razão ao defender que, mesmo que Madeira fosse anarquista,tinha o direito de ser, pois isto estava garantido na constituição. De influêncialiberal, ela proclamava direitos iguais para brasileiros e estrangeiros residentes,sendo um desses direitos a livre expressão do pensamento, o que se ajustavaperfeitamente ao caso de Madeira.

Independentemente, porém, do que dizia a Carta Magna brasileira, a defesada ordem sempre prevaleceu sobre a lei, o que explica porque o decreto de 1907foi aplicada, apesar de ter contra ela a arguição de inconstitucionalidade, pro-blema que só findou quando uma reforma da constituição, efetuada em 1926,

LENÁ MEDEIROS DE MENEZES

246

26 BRASIL. Annaes da Câmara dos Deputados de 1920. Sessão de 12 de agosto. p. 504.

Page 248: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

garantiu ao Estado o direito de expulsar todos aqueles que pudessem ser consi-derados nocivos à sociedade ou perigosos aos interesses da República.

Ao lado de indivíduos processados, segundo rezava o Direito Internacional,muitos indivíduos, como Madeira, foram arbitrariamente expulsos do Brasil,sem a mínima chance de defesa. Em relação a alguns, a expulsão encontrou jus-tificativas em atos de violência comprovadamente praticados. Em relação aoutros, o ato mostrou-se especialmente arbitrário e cruel, com a violência poli-cial sendo cometida em nome da ordem.

BIBLIOGRAFIA

GIRARDET, Raoul, 1986 – Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras.MENEZES, Lená Medeiros – Tramas do mal. Mídia, mito e revolução (1917-1921). Rio de Janeiro

(no prelo).SERRÃO, Joel, 1977 – A Emigração portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte.SOUSA, Fernando de, 1988 – Jornal de Notícias. A memória de um século (1882-1988). Porto:

Empresa do Jornal de Notícias.THOMPSON, 1987 – Formação da classe operária inglesa. A árvore da liberdade. Rio de Janeiro:

Paz e Terra.

A "ONDA" EMIGRATÓRIA DE 1912: DOS NÚMEROS ÀS TRAJETÓRIAS

247

Page 249: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 250: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

249

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS

E FINANCEIROS EM 1912

Vitor Manoel Marques da Fonseca

INTRODUÇÃO

Em 1922, no bojo das comemorações do centenário da Independência, a Pre-feitura do Distrito Federal, por meio do Departamento Municipal de AssistênciaPública, edita a obra Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro (Brasil):história e estatística1, com informações sobre todas as instituições, públicas ouprivadas, com atuação na área de assistência social à população carioca.

O livro iniciava-se com a transcrição de um ofício de 2 de janeiro de 1913,pelo qual o então prefeito do Distrito Federal, o general Bento Manuel RibeiroCarneiro Monteiro, cuja gestão foi de 1910 a 1914, solicitava ao desembarga-dor Ataulfo Nápoles de Paiva2, então juiz da Corte de Apelação, que assumissea direção dos trabalhos de “estatística geral de todos os estabelecimentos e ins-tituições de caridade e de assistência, públicos e privados”3.

Ataulfo de Paiva, no prefácio intitulado Reflexões necessárias, historia arealização da obra. Sua origem foi preconizada pelo decreto municipal n.º 441,de 26 de junho de 1903, pelo qual o então prefeito, Francisco Pereira Passos,criava o Ofício Geral de Assistência e determinava a realização da estatísticageral de todos os estabelecimentos e instituições de assistência, públicos ou pri-vados. No seu preâmbulo, o referido ato assumia as seguintes razões para suanecessidade social e política:

Considerando a urgente necessidade de utilizar proficuamente os elemen-tos esparsos de que já dispõe nesta capital a assistência pública e privada emprol dos necessitados em suas múltiplas formas; considerando que da sistema-tização desses elementos por uma instituição que os encaminhe, imprimindo-lhes unidade, fiscalizando-os e superintendendo-os, sem aliás quebrar a com-pleta autonomia das associações e estabelecimentos já existentes, só podemprovir vantagens; considerando que, com a solução desse magno problema, a

1 ASSISTENCIA, 1922.2 Observe-se que a grafia dos nomes de pessoas e instituições e os textos reproduzidos em citação,

ao longo deste trabalho, foram modernizados.3 ASSISTENCIA, 1922: I.

Page 251: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

nossa Capital verá, senão completamente atendida, ao menos atenuada, a tristesituação que, quer da indigência inábil para prover os meios de subsistência poresforço próprio, que da velhice desamparada, quer da orfandade desvalida, querda infância obrigada a trabalhos nocivos à saúde, quer dos loucos de todo ogênero, quer de outros infortúnios da sociedade; considerando, em particular,quanto à mendicidade que, apesar das medidas postas em prática por esta Pre-feitura e as que estão condensadas na legislação penal da União, faz-se todaviamister amparar, como um dever social e humano, a condição de certos indi-gentes que não podem ser internados nos asilos já fundados; considerando quea Prefeitura, quando convier, poderá, para maior utilidade da matéria, acordarcom o Governo Federal, na parte de sua competência, as medidas de carátercomum, feita previamente a indispensável estatística geral e recenseamento dasobras de caridade de todas as espécies existentes nesta Capital; considerandoque a Municipalidade, embora preocupada com os grande melhoramentosmateriais da cidade, não pode ser indiferente à sorte dos infelizes de toda aespécie, retirados da via pública ou internados em estabelecimentos de cari-dade, mas desprovidos de fiscalização, ora inexistente, mas necessária, para acompleta efetividade e bons resultados dos socorros públicos ou privados4.

O decreto deixa clara a ligação desse novo órgão municipal e da necessidadede se dispor de confiáveis dados estatísticos sobre a assistência social às impor-tantes alterações na estrutura urbana que, comandadas pelo prefeito, mais tardecognominado “Haussmann tropical”, então se realizavam. Ao civilizar, moderni-zar e sanear a velha cidade colonial do Rio de Janeiro, por meio das obras noporto e abertura de avenidas, das quais a mais importante foi a Central, atual ave-nida Rio Branco, derrubam-se inúmeras casas e cortiços, deixando ainda maisevidente a situação de pobreza de largo contingente da população carioca5.

Por outro lado, numa cidade que se moderniza e que adota princípios urba-nísticos derivados da Ciência, a preocupação com a estatística visava possibi-litar, também na área de assistência social à população, uma atuação racionalda Municipalidade, campo em que, até muito pouco tempo antes, as interven-ções do Poder Público se faziam de maneira esporádica e aleatória, e que inter-nacionalmente começava a ser pensado como necessitando de atuação cons-tante e planejada. Importa observar que, se em nível municipal, a determinaçãodo fornecimento de dados estatísticos pelos estabelecimentos particulares defilantropia surgiu com o decreto municipal n.º 216, 30 de novembro de 1895,pouco depois da realização do Censo de 1890, em nível federal, a preocupaçãocom a estatística de sociedades civis só ocorre em 1908, quando o decreto n.º1850, de 2 de janeiro, determinou o fornecimento obrigatório de dados pelasassociações à Diretoria Geral de Estatística.

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

250

4 RIO DE JANEIRO (Prefeitura). Decreto n.º 441, de 26 de junho de 1903, que cria o Ofício Geralde Assistência (ASSISTENCIA, 1922: 756).

5 Sobre as transformações do Rio de Janeiro no período e seus significados sociais, recomendam--se os clássicos: BENCHIMOL, 1990; CARVALHO, 1986; ROCHA, 1986.

Page 252: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Entretanto, só em 1913, 10 anos, um outro prefeito, Bento Ribeiro, mandaefetivamente realizar a referida estatística geral. Concluída ainda em sua gestão,Bento Ribeiro, pelo decreto n.º 1001, de 13 de novembro de 1914, cria a Comis-são Especial de História e Estatística da Assistência Pública e Privada, nãologrando, entretanto, imprimir o trabalho realizado. Tal ação será realizada nogoverno de Carlos César de Oliveira Sampaio (1920-1922), que a faz como umadas comemorações do Centenário da Independência, e como texto de propagandasobre a importância do tema, uma vez que nessa mesma época se discutia umprojeto de lei municipal visando uma reorganização estrutural do Ofício Geral deAssistência e das ações governamentais na área. Para isso, a obra foi atualizada,recolhendo-se dados históricos e estatísticos até o ano de 1920 inclusive.

Pelos textos introdutórios, percebe-se a preocupação com os menores aban-donados e delinqüentes, com a assistência à velhice, à mulher, aos estrangeiros,aos alienados, aos tuberculosos, aos leprosos, além das questões relacionadas àmendicidade profissional, à assistência em domicílio e em hospitais, a acidentesde trabalho, ao alcoolismo e a doenças sexualmente transmissíveis (especial-mente a sífilis). Interessa, entretanto, observar que grande parte das instituiçõesprivadas referenciadas no trabalho, ainda que tivessem atuação sobre esses pro-blemas, o faziam de maneira indireta, por exemplo dando pensões a idosos e aci-dentados, fazendo empréstimos, ajudando nos funerais etc., além de atenderemum círculo restrito de pessoas e não os necessitados em geral. No caso das socie-dades de auxílio mútuo, visavam

fundamentalmente, a garantia de algum tipo de benefício para seus membros,desde o que era considerado “socorros”, por exemplo, benefícios em períodosde inatividade por doença ou acidente, pensões, quando inválidos para o tra-balho ou para a família, em casos de morte, ajudas para funeral e luto, do asso-ciado ou alguém de sua família, tratamento médico, assistência advocatícia,etc. Podiam estar ligadas especificamente a uma empresa, a uma categoria pro-fissional ou, numa cidade que atraía tantos migrantes e imigrantes, a umanacionalidade ou naturalidade6.

No caso das associações religiosas, que eram principalmente católicas, maspodiam pertencer a outros credos, como protestantes, judaicas ou espíritas, liga-vam-se também preferencialmente a seus integrantes, embora também pudes-sem, por caridade, atender a não membros. Desse tipo, as mais voltadas para oatendimento aos necessitados da sociedade em geral eram as espíritas, que cons-tituíam, muitas vezes, consultórios e farmácias homeopáticas para esse serviço.Associações sindicais tinham, normalmente, além de um caráter de defesa daclasse/categoria profissional, serviços de atendimento médico e farmacêutico eatuação semelhante àquelas de auxílio mútuo, voltando-se basicamente para osassociados. Na mesma época, somente as associações beneficentes

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS E FINANCEIROS EM 1912

251

6 FONSECA, 2008: 118.

Page 253: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

visavam realizar algum tipo de benefício para outros, que não os seus mem-bros. Nesse caso, a associação não visava o bem do grupo, mas a reunião deesforços em prol de indivíduos definidos ou de todos os que, por algummotivo, a ela recorressem. Podiam também se ligarem a uma dada nacionali-dade ou naturalidade7.

Nossa preocupação é analisar os dados levantados com relação a associa-ções portuguesas ou de influência portuguesa referentes ao ano de 1912. Nessesentido, é mantida a preocupação com o associativismo dos emigrantes portu-gueses, que vem por nós sendo apresentado e analisado nos três semináriosinternacionais sobre a (i)emigração portuguesa já ocorridos, além de atender aocorte cronológico definido para confrontação dos dados coletados em Portugale no Brasil sobre a história comum da (i)emigração portuguesa.

Nos outros trabalhos, refletimos sobre a história da imigração portuguesa noRio de Janeiro no início do século XX, as associações a que deu origem, a con-figuração geográfica e arquitetônica de suas sedes e o grupo de imigrantes quese constituíram como seus fundadores e diretores. Nossas análises, entretanto,não puderam, por limitações das fontes utilizadas, trabalhar com número desócios, capital possuído ou dispêndios com os membros. O recurso à Assistên-cia Pública e Privada no Rio de Janeiro (Brasil): história e estatística permitenão só essa análise como a confrontação desses dados com informações seme-lhantes de outras associações simultaneamente existentes na Capital Federal,dando, portanto, condições de analisarmos a importância das associações portu-guesas em relação ao quadro geral das associações atuantes na assistência social.

1. O SOLIDARISMO DOS BRASILEIROS NA VISÃO DOS INTE-LECTUAIS E DO ESTADO

Na mesma conjuntura, intelectuais e o Estado, este pela voz e pena de seusfuncionários administrativos, tinham visões extremamente diferentes acerca dosolidarismo do povo brasileiro. Enquanto era corrente entre nossos pensadores aafirmação de que o brasileiro era caracteristicamente insolidário, avesso a asso-ciações, grêmios, grupos de pressão etc., a Prefeitura do Distrito Federal, em obrapublicada em 1922, louvava o espírito solidário e altruístico do mesmo povo8.

Para comprovar essa afirmação, podemos confrontar textos dos dois pólosda discussão. Do lado do Estado, na obra Assistência Pública e Privada no Riode Janeiro (Brasil): história e estatística, o texto técnico que apresenta a obrae a relaciona às preocupações das autoridades nacionais e internacionais quantoà questão, começa por afirmar:

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

252

7 FONSECA, 2008: 118.8 ASSISTENCIA, 1922.

Page 254: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O Brasil, já se asseverou em outro lugar, é a terra produtiva e fertilizanteda filantropia e da caridade. Da primeira à última palavra deste livro põe-sebem à mostra como rebentou aqui, desde os primeiros momentos da Colônia,resguardado de toda a utopia, o forte sentimento de solidariedade. O sensosocial do coletivismo, embora sob fórmula rudimentares, sempre teve entrenós um cultivo muito especial e uma estima bastante cariciosa. [...] Em cadacentro associativo há um traço característico dos surtos de nossa liberalidadeque constitui precisamente a afirmação espontânea e consciente do instinto defazer o bem. O culto da caridade no nosso país possui manifestações grandio-sas, imensuráveis. No sagrado interesse da indigência, existe sempre aqui umasoma infinita de nobres esforços, uma emulação piedosa, uma dedicação cora-josa. Todas as desgraças encontram um apoio valioso e um amparo abnegado.Um simples apelo à generosidade da população faz brotar donativos opulen-tos. Os socorros que, à discrição, prodigalizamos à orfandade, à pobreza e aoinfortúnio não têm barreiras impostas nem limites traçados. Por toda a parteespalham-se as casas de beneficência, os asilos, os orfanatos, os estabeleci-mentos hospitalares, os dispensários, as casas pias, as associações religiosas,os socorros mútuos, as devoções, as ordens e as irmandades9.

Para essa posição, a solidariedade era traço marcante da sociedade brasi-leira, demonstrada claramente pela caridade que marcava as diversas institui-ções que atendiam a parcela necessitada da população, fosse ela a de doentes,crianças ou pobres.

Na posição diametralmente oposta, podemos recorrer a Oliveira Viana, oprincipal teórico do insolidarismo como traço marcante de nossa sociedade. Eledeu um destaque tão grande à questão do solidarismo que suas idéias assumi-ram um caráter emblemático, tanto para quem com elas concordava, como paraaqueles que as negavam. Dentre suas obras, a mais relevante para esta matériaé Populações meridionais do Brasil, publicada no mesmo ano de 1922. Nela,Oliveira Viana lançou as bases de seu pensamento com relação ao insolida-rismo dos brasileiros, as quais serão mantidas nos livros posteriores.

Procurando responder aos problemas evidentes de pouca participação polí-tica da população, de corrupção eleitoral, de pobreza diante de uma conjunturainternacional em que tais males eram atribuídos ao passado e identificados como atraso, criando condições desfavoráveis ao desenvolvimento, ele analisa aformação da sociedade brasileira e busca em sua história a explicação de talfato. Após tê-lo feito, conclui:

Em síntese: o povo brasileiro só organiza aquele tipo de solidariedade,que lhe era estritamente necessária e útil – a solidariedade dos clãs em tornodo grande senhor de terras. Todas essas outras formas de solidariedade sociale política – os ‘partidos’, as ‘seitas’, as ‘corporações’, os ‘sindicatos’, as ‘asso-ciações’, por um lado; por outro, a ‘comuna’, a ‘província’, a ‘Nação’ – são,

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS E FINANCEIROS EM 1912

253

9 ASSISTENCIA, 1922: 1.

Page 255: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

entre nós, ou meras entidades artificiais e exógenas, ou simples aspiraçõesdoutrinárias, sem realidade efetiva na psicologia subconsciente do povo10.

Toda a preocupação de Oliveira Viana com essa questão liga-se ao fato delepossuir uma proposta de organização para o Brasil. A seu ver, a idéia de naçãonão era natural para a população, fato explicado pelo caráter nacional insolidá-rio, ou seja, não preocupado com o bem comum, porque o meio físico exigira adispersão e desestimulara entre os indivíduos o sentimento de interdependência.A questão não era a associação do grupo pequeno, por exemplo, aquele profis-sional, até porque esta ocorria, embora não fosse suficiente, como se evidenciaa seguir, em texto mais tarde publicado, quando reclama dos partidos existentes:

Essas quatro associações [Associação Comercial, Centro Industrial,Sociedade de Agricultura, União dos Estivadores] são puras associações deinteresse privado; mas entre elas e as nossas comunidades partidárias não há,de forma alguma, nenhuma diferença essencial11.

Sua preocupação maior era a de criar o espírito público que deveria estarpresente em todas as associações, como o faziam os anglo-saxões para resolvera ‘questão social’ quando se valiam do sindicalismo

praticado à maneira deles, de acordo com o gênio especifico da raça. Isto é,sem preconceitos doutrinários, sem preocupações políticas, sem objetivosrevolucionários, sem impulsos destrutivos, contido exclusivamente dentro docampo profissional e visando objetivos práticos, de melhoria das condições devida do mundo trabalhador, pelo desenvolvimento do bem estar individual dooperário e pelo desenvolvimento do espírito de colaboração e solidariedade12.

Oliveira Viana assume que somos insolidários porque tem uma visão muitointransigente do que deveriam ser as associações e quais os papéis que deve-riam assumir na construção da nação brasileira – não vendo na realidade socialo que desejava, ou negava a existência delas ou as acusava de obsoletas, retró-gradas, e, portanto, inapropriadas.

A obra da Prefeitura do Distrito Federal recenseia e recupera a história edados estatísticos sobre sócios, capitais, socorros etc. de cerca de 500 institui-ções, grande parte privadas, que podiam ser lojas maçônicas, irmandades cató-licas, centros espíritas, asilos, sociedades beneficentes e associações de auxí-lios mútuos com atuação na área de assistência social. A quantidade dessasassociações é eloqüente, ganhando mais importância ainda ao lembrarmos quenossas pesquisas comprovam que o associativismo também se estendia a outrasáreas, como a recreativa, cultural, educativa, política e sindical13.

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

254

10 VIANNA, 1973: v. 1, 241-242. Itálico no original.11 VIANNA, 1923: 111.12 VIANNA, 1923: 96.13 FONSECA, 2008.

Page 256: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

No esforço de recolher dados que possibilitassem uma atuação combinadae racional na área de assistência social, a Prefeitura recolheu, para cada asso-ciação, sua data de fundação, endereço de sede, dados referentes à sua história,estado e movimento em 1912 (número de associados, nacionais e estrangeiros,admissões e baixas, patrimônio, receita, despesa e serviços realizados), além dedispor ao final de tabelas numéricas comparativas, separadas em classes (asso-ciações de auxílio mútuo e de beneficência, asilos e recolhimentos e estabele-cimentos de assistência a enfermos hospitalizados).

Para o nosso interesse temático e cronológico, as mais importantes são as tabe-las referentes a associações de auxílio mútuo e de beneficência, que informamnúmero de associados (homens e mulheres, existentes em 1 de janeiro de 1912,admitidos e eliminados durante esse ano, por falecimento e por outros motivos;nacionais e estrangeiros, adultos e crianças, do sexo feminino e masculino asso-ciados em 31 de dezembro de 1912), beneficências prestadas nesse ano, especifi-cando se funerárias, pecuniárias, médicas, de outra natureza e não especificadas etotal, movimento financeiro (capital social, receita e despesa), verbas componen-tes da receita (subvenções pela União e pelo Distrito Federal, rendimento do capi-tal social, contribuições de associados, donativos ou legados, receitas de outrasnaturezas e total) e verbas componentes da despesa (funerais, auxílios pecuniários,assistência médica, auxílios de outra natureza, despesas não especificadas e total).

Quanto às de asilos e recolhimentos e aos estabelecimentos de assistência aenfermos hospitalizados, as instituições listadas não têm interesse para este traba-lho. Destes últimos, consta o Hospital de São João de Deus, que integrava a Reale Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência, instituição maior que seráanalisada no contexto das demais associações de auxílio mútuo e beneficência.

Para efeito de nossa análise, não trabalharemos com todos os dados forneci-dos. Pretendemos, principalmente, por meio do estudo do movimento social, domovimento financeiro e do tipo de gasto realizado, observar a importância dasassociações e seu significado para os membros e a sociedade carioca em geral.

2. O QUADRO SOCIAL DAS ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS

Definimos como associações portuguesas aquelas com evidente menção apersonagens ou fatos da história de Portugal ou referentes a topônimos portu-gueses. Nesse sentido, essa categoria engloba tanto sociedades exclusivamentede portugueses, como outras de caráter cosmopolita, que, entretanto, tiveramsua inspiração e boa parte de seus fundadores e associados dessa nacionalidade.Pode ser que uma dessas sociedades tenha sido fundada majoritariamente porpessoas de outras nacionalidades, mas seu título remete a uma clara identifica-ção com valores lusitanos e, inexistindo a possibilidade de se estudar cada umaindividualmente, assumiu-se que tal caso, se ocorresse, não comprometeria oestudo como um todo. Cabe observar, entretanto, que não foram incluídas aquiagremiações sem a característica primeira, ainda que contassem entre seu

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS E FINANCEIROS EM 1912

255

Page 257: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

membros uma boa parte de portugueses, como é o caso de algumas associaçõesligadas a profissões, por exemplo.

Em cerca de 513 associações14, trinta são ligadas a nacionalidades estran-geiras, sendo que dessas, existentes em 1912, vinte e três são ligadas, por suaorigem de fundação ou por influência cultural à nacionalidade portuguesa esomente seis a outras nacionalidades estrangeiras15. Essa disparidade numéricaencontra sua explicação na grande importância numérica da colônia portuguesana população carioca16. Quanto às associações portuguesas de auxílios mútuose de beneficência, eram as seguintes:

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

256

14 A Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro fala em cerca de 500 instituições. Emboratenhamos contado 515, em alguns casos, uma entrada geral dá informações e reúne diversas asso-ciações, como por exemplo, várias lojas maçônicas, reunidas no Grande Oriente do Brasil, e asdiversas conferências da Sociedade de São Vicente de Paulo. Não contamos entre as associaçõesportuguesas de nosso universo a Sociedade Beneficente Memória a Sidônio Pais, fundada em1918, a Obra de Assistência aos Portugueses Desamparados do Rio de Janeiro, fundada em 1921,e a Loja Maçônica Luís de Camões, cujos dados individuais não são referidos.

15 São os casos da Sociedade Alemã de Beneficência (Deutschen Hülfs-Vereins), Sociedade Fran-cesa de Beneficência (Societé Française de Bienfaisance), Sociedade Francesa de SocorrosMútuos (Societé Française de Secours Mutuels), Sociedade Espanhola de Beneficência, Socie-dade Italiana de Beneficência e Socorro Mútuo e a Sociedade Filantrópica Suíça (Societé Phi-lantropique Suisse).

16 Segundo o censo de 1906, a população estrangeira no Rio de Janeiro era 25,94% da populaçãototal, sendo que os portugueses eram 63,36% de todos os estrangeiros e 16,43% de todos os habi-tantes da cidade. Em 1920, conforme o Censo, os estrangeiros eram 20,65% de toda a populaçãoe os portugueses eram 14,88% da população total e 71,69% de todos os estrangeiros.

Quadro n.º 1 – Quantidade, sexo e nacionalidade e de membros de associações portuguesas de auxílio mútuo e beneficência em 1912

Assoc.Benef. dos Artistas Portugueses (Real) 26/05/1863 436 - 436 422 - 422 - 422 -

Assoc. Benef. Condes de S. Salvador de Matosinhos e S. Cosme do Vale (Real) 15/08/1865 1300 - 1300 1275 - 1275 705 570 -

Assoc. Benef. Memória a D. Afonso Henriques e a Serpa Pinto 20/06/1903 594 30 624 607 30 637 432 205 -

Assoc. Port. de Benef. Memória Luís de Camões 10/06/1880 734 - 734 744 - 744 744 - -

Assoc. de Socorros MútuosAçoriana Cosmopolita 01/01/1882 325 3 328 307 3 310 79 231 -

Assoc. de Socorros Mútuos Memória a D. Luís I (Real) 10/06/1872 1077 - 1077 1064 - 1064 - 1064 -

Associação FundaçãoSócios em 31/12

Bras. Est. Ign.

Sócios em 31/12

H M T

Sócios em 1/1

H M T

(continua na página seguinte)

Page 258: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS E FINANCEIROS EM 1912

257

Quadro n.º 1 – Quantidade, sexo e nacionalidade e de membros de associações portuguesas de auxílio mútuo e beneficência em 1912 (continuação)

Associação FundaçãoSócios em 31/12

Bras. Est. Ign.

Sócios em 31/12

H M T

Sócios em 1/1

H M T

Assoc. de Socorros Mútuos Memória a El Rei D. Sebastião 08/09/1883 524 - 524 503 - 503 236 267 -

Caixa de Socorros D. Pedro V(Real e Benemérita) 31/05/1863 - - ? ? -

Centro Benef. D. Amélia, Rainha de Portugal 30/01/1907 493 281 774 447 265 712 365 347 -

Centro Benef. dos MonarquistasPortugueses* 05/07/1908 - - ? ? -

Centro da Colônia Portuguesa (Real) 23/12/1892 750 - 750 830 - 830 830 -

Centro Humanitário Mousinho de Albuquerque 01/04/1897 1675 8 1 683 1699 8 1707 702 1 005 -

Congregação dos Artistas Portugueses 28/09/1883 297 - 297 316 - 316 - 316 -

Congregação dos Filhos do Trabalho D. Carlos I Rei de Portugal 08/04/1883 800 - 800 813 - 813 525 288 -

Congresso Benef. Alto Mearim (Martins de Pinho) 15/08/1886 705 - 705 685 - 685 - - 685

Fraternidade dos Filhos da Lusitânia 08/07/1882 982 - 982 1038 - 1038 - 1 038 -

Grêmio Benef. à Memória de Camilo Castelo Branco 30/05/1884 208 - 208 203 - 203 203 - -

Soc. Benef. Memória aos Heróis Portugueses e Rainha Santa Isabel 26/04/1884 512 66 578 497 66 563 - - 563

Soc.Fraternidade Açoriana 15/08/1881 288 - 288 273 - 273 - 273 -

Soc. Portuguesa de Beneficência(Real e Benemérita) 17/05/1840 40 020 - 40 020 40 384 - 40 384 - 40 384 -

Soc. de Socorros Mútuos Luís de Camões 10/06/1880 937 - 937 897 - 897 - 897 -

Soc. de Socorros Mútuos Marquês de Pombal 20/06/1881 317 - 317 318 - 318 - 318 -

Soc. União e Progresso Protetora dos Cabo-Verdianos 18/08/1907 141 - 141 162 - 162 - 162 -

Total - - - 53 503 53 856 3 991 48 617 1248

Em termos de datas de fundação, a grande maioria, cerca de 87% dessas asso-ciações foi fundada no século XIX. A mais antiga era a Real e Benemérita Socie-dade Portuguesa de Beneficência, de 1840, e a mais recente, o Centro Beneficente

* Por querelas jurídicas, ficou paralisada desde 1910.

Page 259: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

dos Monarquistas Portugueses, de 1908, o que indica que já tinham uma largahistória de realizações que dava crédito às suas atuações.

Somente quatro associações têm mais de mil membros, sendo que apenasa Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência tinha um númerode associados maior que dois mil, ainda que mais de vinte vezes superior aisso. A maioria das associações tinha entre trezentos e setecentos sócios, sendoque apenas quatro possuíam menos do piso da média. No caso da SociedadeUnião e Progresso Protetora dos Cabo-Verdianos, a que tinha menos sócios,cabe destacar que ela se só aceitava naturais de Cabo-Verde, região queembora integrasse Portugal, era área de recebimento de imigrantes mais doque de emigração.

Por outro lado, o sucesso da popularmente conhecida como BeneficênciaPortuguesa deve ser entendido à luz do pequeno número de hospitais de qua-lidade, em sua maioria ligados a ordens terceiras. Numa cidade com gravesproblemas de saúde pública, e numa sociedade com muito poucas garantiassociais quando de doenças ou acidentes de trabalho, a filiação ao que era umdos maiores e mais modernos hospitais se impunha como mínima garantia aosimigrantes.

Embora onze das vinte e três associações tivessem sofrido um pequenodecréscimo nos seus quadros sociais, em temos gerais, o número de associa-dos variou muito pouco ao longo do ano de 1912, apresentando até umpequeno aumento. Não há sinais de que nesse ano nada tenha especialmenteestimulado ou desestimulado o ingresso em sociedades de auxílio mútuo ebeneficência.

Salta aos olhos o pequeno número de mulheres que integravam essas socie-dades, sendo que apenas no Centro Beneficente D. Amélia, Rainha de Portugal,que coincidentemente homenageava uma mulher, seu número era cerca de 50%daquele dos homens. Esse alienação forçada das mulheres não era, entretanto,uma situação que se restringisse a associações portuguesas, repetindo-se noquadro geral do associativismo carioca:

A maioria das associações não aceitava mulheres, como veremos maisadiante, ou o fazia como sócios dependentes de uma figura masculina, quepodia ser o pai, esposo ou irmão. Algumas das que aceitavam mulheres, semcolocá-las na dependência de outrem, exigiam, entretanto, o assentimento deum desses responsáveis17.

Um dado interessante é que nove das vinte e três associações, cerca de39,13%, aceitavam brasileiros em seu quadro social, e provavelmente tambémestrangeiros de outras nacionalidades. Isso pode ser confrontado com o fato dasassociações estrangeiras não portuguesas só aceitarem seus nacionais ou, nomáximo, como é o caso da alemã, das francesas e da suíça, seus descendentes,

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

258

17 FONSECA, 2008: 153.

Page 260: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

sendo que só nessa última o número de brasileiros é maior, e bem maior, quaseo quíntuplo, do que o dos estrangeiros, o que, provavelmente, tem a ver com oentão mínimo número de suíços no Rio de Janeiro – no Censo de 1920, eles nãoconstam como nacionalidade específica, sendo contados como “outros euro-peus”, rubrica que tinha 6342 recenseados18.

No caso de algumas das associações portuguesas, o número de brasileirosimpressiona – eles são a maioria na Real Associação Beneficente Condes de S.Salvador de Matosinhos e S. Cosme do Vale, na Associação Beneficente Memó-ria a D. Afonso Henriques e a Serpa Pinto, na Associação de Socorros MútuosMemória a El Rei D. Sebastião, no Centro Beneficente D. Amélia, Rainha dePortugal e na Congregação dos Filhos do Trabalho D. Carlos I Rei de Portugal,além de também estarem significativamente presentes no Centro HumanitárioMousinho de Albuquerque.

Por outro lado, outras questões também causam uma certa estranheza: aAssociação Portuguesa de Beneficência Memória Luís de Camões e o GrêmioBeneficente à Memória de Camilo Castelo Branco só possuíam sócios brasi-leiros; o Congresso Beneficente Alto Mearim (Martins de Pinho) não declaroua nacionalidade de seus membros e a Real e Benemérita Sociedade Portuguesade Beneficência, aquela sociedade com maior número de afiliados, os declaroutodos como estrangeiros. Neste último caso, não parece provável que, dada aimportância da garantia de uma assistência médica de qualidade, a Beneficên-cia Portuguesa tenha conseguido resistir à natural pressão de seus associadospara receber também seus parentes brasileiros.

Há indícios de que o número de pessoas participantes de associações sejasignificativo. Se confrontado com o número total de pessoas recenseadas em1920, 1 157 873 indivíduos, 4,65% pertenceriam a alguma associação, o quenão parece ser tão grande. Entretanto, no caso da Beneficência Portuguesa, seacreditarmos que todos os seus membros eram portugueses, ela congregaria, nomínimo, cerca de 23,43% de todos os portugueses, porcentagem que seriaainda mais elevada se considerarmos, como declarado, que todos esses mem-bros fossem homens, enquanto o número total de portugueses incluía mulherese crianças. Essas conclusões, entretanto, são perigosas – não só alguns dessesdados permitem dúvida, como também, seguramente, algumas pessoas perten-ciam a mais de uma associação.

3. BENEFICÊNCIAS PRESTADAS

A análise do tipo e quantidade de beneficências prestadas pode nos ajudara perceber o grau de importância e significação da ação dessas associaçõesjunto a seus membros e à população carioca.

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS E FINANCEIROS EM 1912

259

18 BRASIL., Recenseamento do Brazil,1923.

Page 261: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

260

Quadro n.º 2 – Beneficiados por auxílios prestados por associações portuguesas de auxílio mútuo e beneficência em 1912

AssociaçãoTotalSem espe-

cificaçãoOutra

naturezaMédi-

cosPecu-

niáriosFune-rários

Pessoas que receberam auxílios

Assoc. Benef.dos Artistas Portugueses (Real) 8 32 - 62 - 102

Assoc. Benef. Condes de S. Salvador de Matosinhos e S. Cosme do Vale (Real) 35 250 50 70 - 405

Assoc. Benef. Memória a D. Afonso Henriques e a Serpa Pinto 4 49 - - - 53

Assoc. Portuguesa de Beneficência Memória Luís de Camões 20 77 - - - 97

Assoc. de Socorros Mútuos Açoriana Cosmopolita 6 20 - 2 - 28

Assoc. de Socorros Mútuos Memória a D. Luís I (Real) 30 59 - - - 89

Assoc. de Socorros Mútuos Memória a El Rei D. Sebastião 6 61 - - - 67

Caixa de Socorros D. Pedro V (Real e Benemérita) - 552 28 402 311 - 29 265

Centro Beneficente D. Amélia, Rainha de Portugal 3 42 - - - 45

Centro Beneficente dos Monarquistas Portugueses* - - - - - -

Centro da Colônia Portuguesa (Real) 15 65 - 20 - 100

Centro Humanitário Mousinho de Albuquerque 12 77 - 1 - 90

Congregação dos Artistas Portugueses - 46 1 283 328 - 1657

Congregação dos Filhos do Trabalho D. Carlos I Rei de Portugal 10 97 - 5 - 112

Congresso Beneficente Alto Mearim (Martins de Pinho) 13 78 19 8 - 118

Fraternidade dos Filhos da Lusitânia 27 95 - 5 - 127

Grêmio Beneficente à Memória de Camilo Castelo Branco - 22 - - - 22

Sociedade Beneficente Memória aos Heróis Portugueses e Rainha Santa Isabel 12 64 6 - - 82

Sociedade Fraternidade Açoriana 2 41 2 - - 45

Sociedade Portuguesa de Beneficência (Real e Benemérita) 118 32 2 028 - - 2178

Sociedade de Socorros Mútuos Luís de Camões 26 91 - 57 - 174

Sociedade de Socorros Mútuos Marquês de Pombal 8 9 - - - 17

Sociedade União e Progresso Protetora dos Cabo-Verdianos - 2 - - - 2

Total 355 1 861 31 790 869 24875

* Por querelas jurídicas, ficou paralisada desde 1910.

Embora o número de beneficiados não seja muito grande, chama a atençãoa freqüência de alguns tipos de beneficência, por exemplo, o auxílio funeral eos auxílios pecuniários prestados por quase todas as sociedades. No primeiro

Page 262: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

caso, a explicação passa pelo custo do enterramento, que, ademais, é muitasvezes inesperado. Quanto aos auxílios pecuniários, a maior parte das associa-ções o concedia como socorros (auxílios temporários, por exemplo, por doençaou acidente) e pensões, a idosos, incapacitados ou a familiares de sócios fale-cidos, neste caso, geralmente, a do chefe da família. Algumas associações tam-bém socorriam pecuniariamente associados presos, não por crimes infamantes,enquanto não fosse proferida sentença, ou contribuíam para viagens, inclusivepara o exterior, por recomendação médica.

Outro tipo de auxílio significativo é a gratuidade de consultas médicas. Nessecaso, chama a atenção do elevado número de pessoas que obtinham esse tipo deauxílio por intermédio da Real e Benemérita Caixa de Socorros D. Pedro V.Embora não haja dúvida de sua importância, e a sua existência e continuação domesmo atendimento ainda hoje é prova de sua pujança, o número de pessoasbeneficiadas por consultas médicas é quase dez vezes maior que aquele atingidopela Beneficência Portuguesa, que possuía um enorme e moderno hospital. MariaBeatriz Nizza da Silva afirma com relação a esse tipo de assistência prestado pelaReal e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V:

Desde a sua fundação, a Caixa sempre contou com a colaboração gratuitade muitos médicos do Rio de Janeiro, cuja lista foi maior ou menor conformeas épocas. Esta tradição de consultas gratuitas aos pobres já vinha aliás, doperíodo colonial, e manteve-se por assim dizer, durante todo o século XIX19.

A mesma autora levanta dúvidas se isso ocorria por verem esse atendimentocomo normal na idéia de sacerdócio com que, às vezes, se revestia a profissão, ouse isso teria a ver com o pequeno número de hospitais para prática profissional.

Em temos gerais o número de pessoas beneficiadas por atendimentomédico pela Real e Benemérita Caixa de Socorros D. Pedro V só fica abaixodo alcançado pela Irmandade da Santa Casa da Misericórdia (387 541) e pelaFederação Espírita Brasileira (260 698). A Santa Casa contava com vários hos-pitais e exercia a assistência médica à população carioca desde o período colo-nial. Quanto à Federação Espírita Brasileira, esse número congregava atendi-mentos realizados por várias associações espíritas.

O alto número de consultas médicas nos permite supor, com razoável grau decerteza, que esse atendimento fosse prestado não somente a membros dessas asso-ciações, mas também à população em geral. Isso pode ser concluído ao confron-tarmos o número de associados existentes nas associações portuguesas em dezem-bro de 1912 e o número de pessoas atendidas por médicos – se esse serviço fosseprestado somente a membros das associações, mais da metade deles, c. 59,02%,teriam consultado um médico num mesmo ano, o que parece improvável, até por-que uma consulta significava, freqüentemente, a perda de um dia de trabalho.

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS E FINANCEIROS EM 1912

261

19 SILVA, 1990: 120.

Page 263: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

4. MOVIMENTO FINANCEIRO EM 1912

A comparação de dados referentes ao valor do patrimônio social e os valo-res de receita e despesa em 1912 permite-nos avaliar a importância econômicae social de associações específicas no quadro geral daquelas portuguesas, alémde nos permitir avaliar sua importância no quadro geral desse tipo associati-vismo, uma vez que podemos confrontar esses dados com o de outras agre-miações semelhantes, ligadas ou não a nacionalidades. Os dados vão a seguir.

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

262

Quadro n.º 3 – Movimento financeiro de associações portuguesas de auxílio mútuo e beneficência em 1912

Associação DiferençaReceita

e DespesaDespesaReceita

Capital social

Movimento financeiro em réis

Assoc. Beneficente dos Artistas Portugueses (Real) 209:182$940 85:734$000 85:205$383 528$617

Assoc. Beneficente Condes de S. Salvador de Matosinhos e S. Cosme do Vale (Real) 360:000$000 110:000$000 102:200$000 7:800$000

Assoc. Beneficente Memória a D. Afonso Henriques e a Serpa Pinto 36:000$000 7:611$000 6:728$330 882$670

Assoc. Portuguesa de Beneficência Memória Luís de Camões 184:440$000 17:041$500 15:449$190 1:592$310

Assoc. de Socorros Mútuos Açoriana Cosmopolita 117:703$042 10:475$460 6:169$720 4:305$740

Assoc. de Socorros Mútuos Memória a D. Luís I (Real) 216:054$816 26:888$000 18:085$040 8:802$960

Assoc. de Socorros Mútuos Memória a El Rei D. Sebastião 20:000$000 2:755$000 3:177$875 -422$875

Caixa de Socorros D. Pedro V(Real e Benemérita) 1.186:180$580 80:153$660 75:367$200 4:786$460

Centro Beneficente D. Amélia, Rainha de Portugal 27:000$000 7:243$920 5:097$190 2:146$730

Centro Beneficente dos Monarquistas Portugueses* - - - -

Centro da Colônia Portuguesa (Real) 150:000$000 34:972$000 26:939$000 8:033$000

Centro Humanitário Mousinho de Albuquerque 75:529$293 17:562$000 13:231$430 4:330$570

Congregação dos Artistas Portugueses 53:512$326 55:490$000 51:156$100 4:333$900

Congregação dos Filhos do Trabalho D. Carlos I Rei de Portugal 30:000$000 15:940$500 12:485$160 3:455$340

Congresso Beneficente Alto Mearim (Martins de Pinho) 166:238$202 13:361$210 15:421$363 -2:060$153

* Por querelas jurídicas, ficou paralisada desde 1910. (continua na página seguinte)

Page 264: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O capital social das associações que, normalmente em seus estatutos é refe-rido como “fundo social”, era proveniente de jóias, contribuições dos sócios20,legados e doações, cabendo observar, entretanto, que nenhuma dessas associa-ções recebeu nenhuma subvenção do Governo Federal nem do Distrito Fede-ral. Era, comumente aplicado em apólices e prédios.

A maior parte das associações via como sua prioridade em termos de patri-mônio a aquisição de uma sede21, desejando também possuir outros imóveis,vistos sempre como bens estáveis e imunes a flutuações especulativas. Dasvinte e três associações portuguesas existentes em 1912, seis declaravam tersede própria, a Beneficência Portuguesa não o fazia por ser patente este fato,haja visto a magnificência de seu prédio na rua Santo Amaro, e a Caixa deSocorros D. Pedro V advertia que sua sede era provisória, já que o edifício pró-prio, localizado na Praça Tiradentes, havia sido incendiado em 1910.

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS E FINANCEIROS EM 1912

263

20 As contribuições podiam advir do pagamento pelos diplomas, obrigatórios quando do ingressoou, em alguns casos, também obrigatórios por mudança de status do associado, e dos pagamen-tos por mês ou grupo de meses, de anualidades ou de semestralidades (valor que algumas asso-ciações cobravam uma vez por ano ou de seis em seis meses).

21 Muitas associações, ao informarem seu endereço, indicam tratar-se de “sede própria”, dando aessa declaração um caráter de distinção baseado em sua evidente saúde financeira.

Quadro n.º 3 – Movimento financeiro de associações portuguesas de auxílio mútuo e beneficência em 1912 (continuação)

Associação DiferençaReceita

e DespesaDespesaReceita

Capital social

Movimento financeiro em réis

Fraternidade dos Filhos da Lusitânia 167:000$000 100:589$500 100:369$640 219$860

Grêmio Beneficente à Memória de Camilo Castelo Branco 58:000$000 6:465$460 3:218$150 6:137$310

Sociedade Beneficente Memória aos Heróis Portugueses e Rainha Santa Isabel 42:000$000 7:400$200 11:005$660 -3:605$460

Sociedade Fraternidade Açoriana 75:000$000 9:115$000 10:864$965 -1:749$965

Sociedade Portuguesa de Beneficência(Real e Benemérita) 5.880:030$389 539:848$000 409:066$280 130:781$720

Sociedade de Socorros Mútuos Luís de Camões 113:952$070 19:303$899 16:217$590 3:086$309

Sociedade de Socorros Mútuos Marquês de Pombal 23:620$348 3:291$600 3:101$100 310$100

Sociedade União e Progresso Protetora dos Cabo-Verdianos 1:725$594 1:620$594 27$600 1:643$406

Total 9.193:169$600 1. 172:862$503 990:583$966 182:278$537

Page 265: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A outra aplicação principal do capital social era a aquisição de apólices dadívida pública, da União, dos estados ou do Distrito Federal. Desconhecemosqualquer determinação legal no sentido dessa opção, mas tudo indica que pare-ciam ser aplicações rentáveis e seguras, dois aspectos importantes para garan-tir aos membros a segurança de integrarem uma associação viável e estávelfinanceiramente. Nos casos em que parte do capital estivesse sob forma mone-tária, normalmente era depositado numa instituição bancária, geralmente oBanco do Brasil ou a Caixa Econômica.

Nos estatutos é freqüente afirmarem que tais títulos, com ou sem préviadecisão de assembléias, só podiam ser alienados em dois casos, a compra dasede e quando fosse impossível honrar os compromissos, principalmente os dossocorros e pensões, os quais, antes dessa medida, podiam até ter seus valoresdiminuídos. Um exemplo da importância desse capital imobilizado é dado peloestatuto da Fraternidade dos Filhos da Lusitânia, que se extinguiria pela impos-sibilidade de alcançar os fins a que se propunha, tendo alienado 2/3 de suasapólices22.

Analisando os valores declarados como capital social, observa-se que asduas associações mais ricas são a Beneficência Portuguesa e a Caixa de Socor-ros D. Pedro V, cujos patrimônios atingem a casa dos milhares de contos, ouseja, de milhões de réis. Em todas as associações recenseadas em 1912, somentetreze, das mais de 500, tinham capital nesse patamar.

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

264

22 ARQUIVO NACIONAL (Brasil) – 1.º Ofício do Registro de Títulos e Documentos do Rio deJaneiro, reg. 816.

Quadro n.º 4 – Capital social das associações com mais de 1000 contos de réis em 1912

Associação Capital social

Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro 50.000:000$000

Ordem de São Francisco da Penitência (Venerável) 14.949:002$248

Irmandade da Candelária 13.123:921$230

Sociedade Portuguesa de Beneficência (Real e Benemérita) 5.880:030$389

Irmandade da Santa Cruz dos Militares 4.300:000$000

Associação Geral de Auxílios da Estrada de Ferro Central do Brasil 2.444:597$000

Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula (Venerável) 1.990:000$000

Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro 1.889:053$000

Associação Comercial do Rio de Janeiro 1.580:000$000

Sociedade Amante da Instrução 1.537:800$000

Ordem Terceira de N. Sra. do Monte do Carmo (Venerável e Arquiepiscopal) 1.500:000$000

Caixa de Socorros D. Pedro V (Real e Benemérita) 1.186:180$580

Ordem Terceira de N. Sra. da Conceição da Boa Morte (Venerável) 1.180:323$421

Total 99 360 907$868

Page 266: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A Beneficência Portuguesa é a quarta colocada, sendo superada apenas porirmandades religiosas muito mais antigas que ela própria, e a Caixa de Socor-ros D. Pedro V aparece em 12.º lugar. Tal volume da capital era raríssimo: asoma dos patrimônios de todas as associações recenseadas atinge 129 609015$421 réis, e só o das treze referidas anteriormente é cerca de 76,66%. Issoindica que a maioria das associações tinha um capital social pequeno, e que amaioria das associações portuguesas não tinham especial destaque nesse que-sito. Aquela com menor volume de recursos, a Sociedade União e ProgressoProtetora dos Cabo-Verdianos era de recente fundação e por sua natureza res-tritiva, só aceitando como sócios pessoas dessa naturalidade, naturalmentetinha um fundo social menor. De qualquer maneira, na medida que o capitalsocial de todas as associações recenseadas atingia 129 609 015$421 réis, aque-las portuguesas detinham cerca de 7,9% desse total.

Chama a atenção, porém, o fato de quatro associações terem tido uma des-pesa superior à receita em 1912: a Associação de Socorros Mútuos Memória a ElRei D. Sebastião, o Congresso Beneficente Alto Mearim (Martins de Pinho), aSociedade Beneficente Memória aos Heróis Portugueses e Rainha Santa Isabel ea Sociedade Fraternidade Açoriana. Isso poderia ser um problema conjuntural,mas se não o fosse, era a médio prazo um grave problema, na medida em quepoderia leva-las à dissolução. Comumente essas questões estavam ligadas a umaumento do número de socorros e beneficências, fato normalmente ligado aoenvelhecimento do quadro de sócios, que passavam a ficar impossibilitados detrabalhar ou morriam, causando mais custos com socorros, pensões e auxíliofuneral, sem haver ingresso de novos associados. Nossas conclusões, porém,ganharão mais consistência ao analisarmos as verbas componentes da despesa.

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS E FINANCEIROS EM 1912

265

Quadro n.º 5 – Verbas componentes da despesa das associações portuguesas em 1912

AssociaçãoTotal

Despesasnão especifi-

cadas

Outrosauxílios

Assistênciamédica

Auxíliospecuniários

Funerais

Verbas componentes da despesa

Assoc. Beneficente dos Artistas Portugueses (Real) 560$0000 4:459$900 - 5:147$000 75:038$483 85:205$383

Assoc. Beneficente Condes de S. Salvador de Matosinhos e S. Cosme do Vale (Real) 12:305$000 13:600$000 1:100$000 15:755$000 59:440$000 102:200$000

Assoc. Beneficente Memória a D. Afonso Henriques e a Serpa Pinto 125$000 2:875$000 - - 3:727$430 6:728$330

Assoc. Portuguesa de Beneficência Memória Luís de Camões 840$000 9:749$000 - - 4:860$190 15:449$190

Assoc. de Socorros Mútuos Açoriana Cosmopolita 300$000 1:517$700 - 760$000 3:592$020 6:169$720

Assoc. de Socorros Mútuos Memória a D. Luís I (Real) 1:565$000 9:812$800 - - 6:707$240 18:085$040

Assoc. de Socorros Mútuos Memória a El Rei D. Sebastião 300$000 1:458$500 - - 1:419$375 3:177$875

(continua na página seguinte)

Page 267: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

266

Quadro n.º 5 – Verbas componentes da despesa das associações portuguesas em 1912 (continuação)

AssociaçãoTotal

Despesasnão especifi-

cadas

Outrosauxílios

Assistênciamédica

Auxíliospecuniários

Funerais

Verbas componentes da despesa

Caixa de Socorros D. Pedro V(Real e Benemérita) - 5:275$350 19:110$190 29:959$100 21:022$500 75:367$200

Centro Beneficente D. Amélia, Rainha de Portugal 190$000 3:308$460 - - 1:598$730 5:097$190

Centro Beneficente dos Monarquistas Portugueses* - - - - - -

Centro da Colônia Portuguesa (Real) 1:900$000 12:589$000 - 2:900$000 9:550$000 26:939$000

Centro Humanitário Mousinho de Albuquerque 760$000 6 397$600 - 15$000 6:058$830 13:231$430

Congregação dos Artistas Portugueses 230$000 2:201$100 - - 48:725$000 51:156$100

Congregação dos Filhos do Trabalho D. Carlos I Rei de Portugal 768$000 8:224$560 310$000 - 3:182$600 12:485$160

Congresso Beneficente Alto Mearim (Martins de Pinho) 578$000 5:443$800 - 2:860$153 7:339$410 15:421$363

Fraternidade dos Filhos da Lusitânia 1:050$000 20:309$500 - 405$000 78:605$140 100:369$640

Grêmio Beneficente à Memória de Camilo Castelo Branco - 1:054$200 - - 2:163$950 3:218$150

Sociedade Beneficente Memória aos Heróis Portugueses e Rainha Santa Isabel 473$000 3:846$500 - - 6:686$160 11:005$660

Sociedade Fraternidade Açoriana 80$000 6:192$000 - - 4:592$965 10:864$965

Sociedade Portuguesa de Beneficência (Real e Benemérita) 3:236$500 1:980$000 74:532$500 11:513$800 317:803$480 409:066$280

Sociedade de Socorros Mútuos Luís de Camões 1:040$000 5:617$000 - 4 042$500 5:518$090 16:217$590

Sociedade de Socorros Mútuos Marquês de Pombal 320$000 948$600 - - 1:832$500 3:101$100

Sociedade União e Progresso Protetora dos Cabo-Verdianos - 20$800 - - 6$800 27$600

Total 26:620$500 126:881$370 95:052$690 73:357$553 669:470$893 990:583$966*

* A soma das colunas apresenta um valor diferente, 991 383$006.

Em ordem de importância, depois das despesas não especificadas, quedevem incluir os gastos com funcionários, aquisição/manutenção de sede, etc.,vinham os auxílios pecuniários, a assistência médica, outros auxílios e só depoiso auxílio funeral. Os gastos com auxílios pecuniários indicam que, para algumasassociações, como a Associação Portuguesa de Beneficência Memória Luís deCamões, a Real Associação de Socorros Mútuos Memória a D. Luís I, o CentroBeneficente D. Amélia, Rainha de Portugal, a Congregação dos Filhos do Tra-balho D. Carlos I Rei de Portugal, a Sociedade Fraternidade Açoriana e a Socie-

Page 268: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

dade União e Progresso Protetora dos Cabo-verdianos mais de 50% de suas des-pesas era, provavelmente, com pagamento de socorros por doença, pensões porinvalidez ou velhice ou por pensões ou pecúlios por morte de associados. Comoas pensões tendiam a manter-se por longo tempo, essa situação acabava porcomprometer a saúde financeira da sociedade.

Os gastos com assistência médica são realizados apenas por quatro associa-ções, sendo que só nos casos da Beneficência Portuguesa e da Caixa de SocorrosD. Pedro V assumem um valor que demonstra a importância que essas duas socie-dades davam a esse tipo de benefício. Chama a atenção, entretanto, os altos dis-pêndios em “Outros auxílios”, maiores que aqueles usados para socorros e pen-sões, realizados pela Real Associação Beneficente dos Artistas Portugueses, a RealAssociação Beneficente Condes de S. Salvador de Matosinhos e S. Cosme doVale, a Real e Benemérita Caixa de Socorros D. Pedro V e a Real e BeneméritaSociedade Portuguesa de Beneficência, o que podia estar ligado ao fato das trêsprimeiras, das quais conhecemos o estatuto, assumirem gastos com viagens dossócios por motivos de doença e, no caso da Caixa D. Pedro V, também realizarrepatriações de imigrantes, inclusive não sócios, em situação de extrema pobreza.

Ao compararmos o total despendido por todas as associações com funerais,auxílios pecuniários, assistência médica, outros auxílios e despesas não especi-ficadas, chegamos ao quadro que segue.

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS E FINANCEIROS EM 1912

267

Quadro n.º 6 – Relação entre os dispêndios com auxílios das sociedades portuguesas com o total gasto por todas as associações

Funerais 487:703$036 26:620$500 c. 5,45

Auxílios pecuniários 2.425:547$209 126:881$370 c. 5,23

Assistência médica 649:629$196 95:052$690 c.14,63

Outros auxílios 1.105:625$296 73:357$553 c. 6,63

Rubricas de despesa

Total das associações% dos dispêndios das

associações portuguesasem relação ao total

Associações portuguesas

CONCLUSÕES

Os dados permitem observar que as associações portuguesas tinham umpapel extremamente relevante no conjunto das agremiações que lidavam comassistência à população carioca. Isso fica patente no número de seus associados,no número de pessoas beneficiadas por suas ações, no volume de gastos efetua-dos com esses auxílios e no tipo de auxílios prestados. Além disso, enquantogrupo, as associações portuguesas também se destacavam pela abertura a outrasnacionalidades, pela forte presença de brasileiros em seu seio, o que não eracomum nas poucas agremiações existentes ligadas às outras nacionalidades, epelo fato de terem uma ação para além dos limites dos quadros de sócios.

Page 269: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O associativismo português envolvido com a assistência social no DistritoFederal, embora em número significasse somente cerca de 4,48% de todo omovimento associativo com ação na mesma esfera, dispunha de um capitalsocial maior que essa proporção, o mesmo ocorrendo com os auxílios que pres-tava, principalmente no caso da assistência médica, o que evidenciava suaimportância nessa área. Se, individualmente, a maior parte das associações eraconstituída de pequenas agremiações, mantendo a tendência comum ao uni-verso total, parece claro que não se esgotavam em si mesmas, voltando-se paraum alvo maior, uma população que englobava não só os patrícios com menorventura, como também uma grande massa de pobres, independente de suas ori-gens nacionais.

Numa época em que, após uma crise financeira que se arrasta por anos, seassiste a desapropriação da sede da Beneficência Portuguesa pelo Governo doEstado do Rio de Janeiro e que se verifica que a maioria das associações aquireferenciadas já não mais existe, embora perdurem vários dos problemas sociaisaos quais tentavam responder, importa prosseguir em estudos desse tipo, paraentender, com mais detalhe, os fatores intervenientes, e os graus de influênciaque tiveram no processo de quase desaparecimento dessas sociedades.

FONTES E BIBILIOGRAFIA

ASSISTENCIA pública e privada no Rio de Janeiro (Brasil): história e estatística, 1922. Rio deJaneiro: Typographia do Annuario do Brasil. 2 vols.

BENCHIMOL, Jaime Larry, 1990 – Pereira Passos: um Haussmann tropical: a renovaçãourbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Muni-cipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentação e InformaçãoCultural, Divisão de Editoração.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Indústria e Commércio. Diretoria Geral de Estatística –Recenseamento do Brazil: realizado em 1 de setembro de 1920: vol. II 1.ª parte: populaçãodo Rio de Janeiro (Districto Federal), 1923. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística. Disponívelem: http://biblioteca.ibge.gov.br. Acesso em: 31/05/2007.

CARVALHO, Lia de Aquino, 1986 – Contribuição ao estudo das habitações populares: Rio deJaneiro: 1886-1906. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura.

FONSECA, Vitor Manoel Marques da, 2008 – No gozo dos direitos civis: associativismo no Riode Janeiro, 1903-1916. Rio de Janeiro, Niterói: Arquivo Nacional, Muiraquitã.

ROCHA, Oswaldo Porto, 1986 – A era das demolições: cidade do Rio de Janeiro: 1870-1920.Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da, 1990 – Filantropia e imigração: a Caixa de Socorros D. PedroV. Rio de Janeiro: Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V.

VIANNA, Francisco José de, 1923 – Pequenos estudos de psycologia social. São Paulo: Mon-teiro Lobato & C.

VIANNA, Francisco José de Oliveira, 1973 – Populações meridionais do Brasil. Rio de Janeiro:Paz e Terra. 2 vols.

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

268

Page 270: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

269

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912):

HOSPEDARIA DO IMIGRANTE – LISTAS DE BORDO E LIVROS DE REGISTRO

Maria Izilda Santos de Matos Sênia Bastos

Esta investigação busca analisar algumas questões sobre a imigração por-tuguesa em São Paulo, tendo como base documental as Listas Gerais de Passa-geiros e os Livros da Hospedaria dos Imigrantes. Reconhecendo o potencial detal documentação, para o presente desafio foi selecionado o ano de 1912. Atra-vés de extensa pesquisa que envolveu um total de 16 781 ingressos, possibili-tou vislumbrar o movimento de entradas no porto de Santos. Pela análise destaamostragem percebe-se os fluxos de embarcações no porto ao longo do ano, oslocais e portos de embarque em Portugal, as pessoas que vinham em família oudesacompanhadas, o número de homens e mulheres, estado civil, diferentes fai-xas etárias, locais para onde se dirigiam na cidade e no estado de São Paulo,entre outras informações.

IMIGRANTES PARA SÃO PAULO: AÇÕES E SUBVENÇÕES

A política de subvenção da imigração para São Paulo foi gradativamenteampliada, incluindo hospedagem e transporte dos imigrantes para as fazendas.Todos esses subsídios propiciaram ao Estado um controle sobre as ocupações,atividades e destino dos imigrantes chegados a São Paulo. Merecendo destaquea Inspetoria de Imigração no Porto de Santos, criada pelo Decreto n.º 1 458 de10/4/1907, que tinha por objetivos fiscalizar a imigração, instruir, informar eencaminhar os imigrantes desembarcados em Santos e que desejarem internar--se para se fixarem no Estado; confeccionar a estatística da imigração e emi-gração por Santos e realizar a propaganda do Estado1.

Entre 1908 e 1921, dos imigrantes subsidiados que entraram pelo porto deSantos, 98% passaram pela Hospedaria dos Imigrantes, dos não subsidiados, só

1 Os dados relativos à imigração e re-imigração foram sistematizados pela Secretaria da Agricul-tura, Indústria e Comércio, cujos boletins e relatórios constituem a principal fonte para os estu-dos no Brasil.

Page 271: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

de 23% pode-se encontrar o registro nos livros da Hospedaria, isso quer dizerque a maioria deles atuou autonomamente.

Os defensores da política imigrantista consideravam esse meio o ideal parao abastecimento de trabalhadores nas fazendas de café. Dessa forma, a cafei-cultura paulista foi efetivando seu projeto imigrantista, nesse processo percebe--se a passagem de ações e interesses do grupo para uma política do Estado2, ini-cialmente provincial e depois pelo governo federal. A proposta da elite agráriapara a questão da mão-de-obra foi delineada como – uma política de imigraçãoem massa, contínua3 e subvencionada pelo governo4.

O sistema implantado optou preferencialmente pela introdução de euro-peus5 e em unidades familiares, o que permitiu aos cafeicultores obter umsuprimento de trabalho complementar barato, fornecido pela mão-de-obrafeminina e infantil, garantindo o abastecimento de braços durante a colheita,enquanto ao colono, através da cooperação da unidade familiar, se tornava pos-sível um melhor aproveitamento das oportunidades de ganho.

A saga dos imigrantes na atividade cafeeira foi descrita nos relatórios daépoca, que estão repletos de denúncias: os baixos salários eram reduzidos pelasmultas lançadas; a impontualidade e as fraudes nos pagamentos, confiscos,pesos e medidas ilegais, os endividamentos nos armazéns das fazendas soma-vam-se à disciplina coercitiva e à violência física contra os colonos.

No ano de 1912, aqui nosso foco preferencial, foi marcado por grandeinfluência dos cafeicultores no contexto político nacional, conhecida pelonome de República do Café com Leite. A presidência de Hermes da Fonseca(1910-14) caracterizou-se por certa instabilidade política, decorrente, princi-palmente, da crise da borracha e da queda do preço do café.

As necessidades de mão-de-obra para a cafeicultura eram bastante altas econstantes. O café exigia cuidados durante todo o ano. Como não ocorreu qual-quer inovação tecnológica até 1930 quanto ao cultivo e à colheita, o fazendeirodependeu sempre da permanência e disponibilidade de uma grande quantidade detrabalhadores. Estes não só eram empregados no cultivo e na colheita, mas tam-bém nas atividades complementares exigidas pela complexa empresa agrícola, naqual se transformou a fazenda de café. Portanto, a expansão da cafeiculturaesteve sempre vinculada à necessidade de uma grande massa trabalhadora6.

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS / SÊNIA BASTOS

270

2 SALLES, 1986: 110.3 A imigração contínua visava manter braços disponíveis frente a alta rotatividade dessa mão-de-

-obra, ao final dos contratos grande parte não permanecia nas propriedades, havendo uma contí-nua necessidade de braços.

4 A partir de 1914, a política de subsídio à imigração declinou, sendo finalmente encerada em 1927quando do governo de Júlio Prestes.

5 Esperava-se que o trabalhador imigrante reabilitasse o ato de trabalhar e que sua atividade não sóregenerasse, mas que imprimisse uma característica civilizadora ao trabalho, ocupação enobre-cedora e pressuposto para o progresso. O imigrante laborioso, inteligente, vigoroso e que aspiravaà fortuna representaria o progresso e a civilização (SALLES, 1986).

6 BASSANEZI, 1996: 5.

Page 272: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

No Estado de São Paulo, governado por Albuquerque Lins e RodriguesAlves, a industrialização apresentava-se em crescimento, fortemente associadaà renda gerada pela economia cafeeira, que também influenciava o comércio deforma favorável.

A economia cafeeira, principal item da balança comercial brasileira, pro-porcionava às cidades paulistas um surto de urbanização, e expressivo deslo-camento do campo para a cidade. O estado encontrava-se no controle do pro-cesso imigratório, fazia propaganda do país na Europa juntamente com ogoverno estadual paulista, que custeava as passagens dos que quisessem seestabelecer no estado.

Esse panorama produziu, na sociedade paulista do período, uma multipli-cação de profissões e ocupações a que se dedicaram os imigrantes que paraaqui se dirigiram. O crescimento atingiu também pequenas cidades do interior,que se urbanizaram e estabeleceram novas relações de produção e consumo7.

A IMIGRAÇÃO DOS PORTUGUESES

Os lusos são considerados uns dos grupos mais numerosos de imigrantesestrangeiros e também os que mantiveram fluxos constantes de ingresso noBrasil. Em 1912, aponta-se a entrada de 76 530 lusos no território brasileiro,num universo de 177 887 imigrantes. Há que se considerar, todavia, o ingressopor via ilegal, proveniente das mesmas áreas da imigração legal, ou seja, “asIlhas Atlânticas dos Açores e as províncias setentrionais do território portuguêscontinental; nestas províncias incluíam-se tanto as costeiras (Minho, Porto eBeira Litoral) como as do interior (Trás os Montes e Beira Alta)”8.

No que se refere ao Estado de São Paulo, registram-se a entrada de 98 640imigrantes, dos quais 32 813 eram portugueses9. Ingressaram no país, peloporto de Santos, 30 346 lusos, dos quais 16 781 passaram pela Hospedaria doImigrante, que contabilizou 66 764 imigrantes hospedados em 1912. Observe--se, ainda, que outros portos brasileiros também receberam imigrantes lusos,tais como Rio de Janeiro (RJ), Rio Grande (RS) e Paranaguá (PR).

AS LISTAS DE BORDO

A caracterização do movimento migratório tem nas Listas de Bordo umadocumentação com grande potencial de estudo, visto que contempla a prove-niência regional e o destino inicial daquele que migra. Acrescente-se sua poten-

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912): HOSPEDARIA DO IMIGRANTE

271

7 ROCHA, 2007: 34.8 KLEIN, 1989: 18.9 SCOTT (2001) registra o ingresso de 101 947 imigrantes em 1912, dos quais 42 487 subsidiados

e 59 460 espontâneos.

Page 273: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cialidade para a caracterização dos imigrantes, visto que contempla idade,sexo, a unidade migratória (familiar ou individual), a qualificação da mão-de--obra, o grau de alfabetização e a religião.

A Hospedaria do Imigrante reúne em seu acervo as Listas de Bordo dasembarcações que aportaram no Porto de Santos relativas ao período de 1888 a1978, que permitem conhecer a evolução das correntes imigratórias que se rela-cionaram aos portos paulistas. As séries completas dessa documentação, cor-respondem ao período em que a Inspetoria de Santos esteve subordinada à Hos-pedaria, relativa aos anos 1908 a 1978; ao que se refere ao registro dos retor-nados, encontram-se reunidos nas Listas de Bordo de Saídas de Imigrantes, quecompreende o período 1900 a 1950.

Em 1912 aportaram no porto de Santos 524 navios, cujos passageirosencontram-se relacionados nas Listas de Bordo (Gráfico n.º 1). A Lista era assi-nada pelo comandante do navio, sendo sua responsabilidade o teor ali contem-plado, quer com relação aos dados relativos à Companhia de Navegação e daEmbarcação, quer ao que se refere à caracterização dos passageiros, como sepode perceber pelos campos presentes. Ao que se refere ao navio, destacam-secampos relativos ao porto de embarque, o número de ordem e a classe, reuni-dos no campo superior do documento; seguiam-se colunas destinadas à identi-ficação dos passageiros, cujo teor contemplava o nome, grau de parentescocom o chefe da família, sexo, estado civil, nacionalidade, profissão, religião,instrução (relativo ao domínio da escrita), última residência (país e localidade),destino e bagagem (volumes).

As Listas de Bordo consultadas para a presente pesquisa não se encontrammicrofilmadas ou digitalizadas; foram disponibilizados os documentos origi-nais, sistematizados em pastas, por ano e nome de embarcação. Os dados con-tidos nas listas foram de difícil compreensão em virtude de tais documentos játerem sido expostos a diferentes processos de conservação, sendo a velatura dopapel o fator mais agravante, aliada a pouca nitidez da grafia manuscrita, querpela tonalidade da tinta (decorrente do envelhecimento natural do papel), querpelo formato da letra.

O processo de decodificação dos dados foi dificultado pela grande dimen-são do documento, que complicava a sua manipulação e o acompanhamentohorizontal do registro de cada passageiro nos diferentes campos, agravado pelasobreposição de elementos gráficos (riscos e garatujas) posteriores ao registroinicial. Infere-se que o risco traçado horizontalmente sobre a linha do registrodestinava-se a apontar a desistência de desembarque no Porto de Santos. Aoque se refere à garatuja sobreposta ao registro, pressupõe-se a tentativa de cor-reção ou atualização da grafia. Acrescenta-se, ainda, a presença de duplicatas,com formatos distintos, da mesma lista de bordo. Assinala-se, assim, a árduatarefa de elaboração do banco de dados (Access) dos passageiros desembarca-dos no Porto de Santos em 1912, de forma a contemplar todos os campos exis-tentes na fonte de pesquisa, acrescido do item observação. A morosidade pró-pria à realização dessa modalidade de trabalho foi agravada por obras de

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS / SÊNIA BASTOS

272

Page 274: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

melhoramentos das instalações da Hospedaria, impedindo o acesso à docu-mentação e a continuidade da pesquisa das listas de bordo.

Ao cotejar a Lista de Bordo com o Livro da Hospedaria observa-se quemesmo desembarcando no Porto do Rio de Janeiro o imigrante ingressa naHospedaria, o que aponta para a possibilidade de duplicação de registros daslistas de bordo do navio que tinha por destino seqüencial os portos do Rio deJaneiro e de Santos.

O transporte dos imigrantes desde o porto brasileiro até o seu destino finalnas áreas produtoras de café era custeado pelo governo paulista durante operíodo 1890 a 192010. Passageiros desembarcados no Rio de Janeiro podiamdirigir-se à capital paulista por trem, visto que a antiga Estrada de Ferro Cen-tral do Brasil entrara em funcionamento em 1875. Para os provenientes deoutros portos brasileiros, o acesso ao porto de Santos era facultado por navioscosteiros; no caso da cidade de São Paulo, chegava-se por meio da estrada deferro, pela São Paulo Railway (inaugurada em 1867, ligava as cidades de San-tos a Jundiaí, passando por São Paulo).

Salienta-se que nem todos aqueles identificados no Livro da Hospedariaencontravam-se presentes na Lista de Bordo, embora o registro do Livro con-temple o nome da embarcação e o ano do desembarque, o que nos leva a ques-tionar a validade dos registros. A título de exemplificação cotejamos a Lista deBordo do Navio Petrópolis relativa ao mês de janeiro, que contempla 167 regis-tros, com o Livro da Hospedaria, no qual se notam 179 imigrantes relaciona-dos como tendo aportado no país a 3/1/1912, por meio do navio Petrópolis.

METODOLOGIA DE ORGANIZAÇÃO DOS DADOS

Visado à sistematização do conjunto das Listas de Bordo relativas ao anode 1912 optou-se, inicialmente, pela elaboração de um banco de dados(Access), computando-se os campos presentes no cabeçalho: nome do vapor,procedência e a data da chegada.

No Gráfico n.º 1 pode-se observar o resultado dessa sistematização: omovimento de 524 vapores no porto de Santos. Ressaltam-se os meses de abril(56), outubro (54), agosto (50) e novembro (49) como os de maior movimento,nos quais se evidenciam transportando imigrantes tanto navios costeiros brasi-leiros quanto embarcações que percorriam os principais portos europeus.

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912): HOSPEDARIA DO IMIGRANTE

273

10 Moura e Paiva (2008) destacam que o custeio do transporte de imigrantes desde os portos euro-peus até Santos não foi permanente durante esse período, realizando-se, sobretudo, nos momen-tos de “falta” de mão-de-obra na lavoura cafeicultora.

Page 275: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Ao cotejar a procedência dessas embarcações vislumbram-se 274 vaporesque aportaram nos portos lusos. No Gráfico n.º 2 observa-se a distribuição deembarcações, com incremento do número de vapores nos meses de novembro(28), outubro (27), abril (27), maio (26) e agosto (26). Destaca-se o mês defevereiro (14) como o de menor incidência e certa homogeneidade (19) nosmeses de junho e julho, destacando-se maior movimentação de navios nosegundo semestre (143), totalizando 16 781 portugueses transportados.

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS / SÊNIA BASTOS

274

Gráfico n.º 1 – Movimento de vapores no Porto de Santos relativo ao ano de 1912

44

36

46

56

46

34

40

50

38

5449

31

0

10

20

30

40

50

60

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Gráfico n.º 2 – Movimento de vapores procedente de porto luso relativo ao ano de 1912

21

14

24

27 26

19 19

2624

27 28

19

0

5

10

15

20

25

30

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

No anúncio da Mala Real Hollandeza para Portugal, Hespanha e Hollanda(Figura n.º 1), que reunia os vapores Frísia (Figura n.º 2), Zeelandia (Figura n.º3) e Hollandia (Figura n.º 4), pode-se observar os portos onde atracavam osnavios da companhia: Buenos Aires, Montevidéu, Santos, Rio de Janeiro, Lisboa,Vigo, La Coruña, Boulogne e Amsterdã.

No Gráfico n.º 3 destacam-se apenas os vapores que contemplaram mais de600 passageiros ao longo do ano de 1912. O Frísia foi responsável pela vinda de647 portugueses, só não aportou no litoral paulista nos meses de agosto edezembro, durante as sete vezes que esteve em Santos, o Zeelandia transportou1 509 lusos e o Hollandia trouxe 637 portugueses. O Armênia desembarcou umaúnica vez, no mês de maio, transportando 656 lusos, mas foi o Hoenstaufen quetrouxe o maior volume de portugueses em uma única viagem: 969. Somam-se aesses os navios Navarra (999), Santa Lucia (941), Tucumam (846) e Avon (699).

Page 276: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912): HOSPEDARIA DO IMIGRANTE

275

Figura n.º 1 – Anúncio da Mala Real Hollandeza para Portugal, Hespanha e Hollanda

Gráfico n.º 3 – Volume de lusos transportados por embarcação no ano de 1912

Frisia647

Armenia656

Avon699

Tucumam846 Santa Lucia

941

Navarra999

Hoenstaufen1264

Zeelandia1509

Holanda637

(Gerodetti e Cornejo, 2006: 202)

Figura n.º 2 – Vapor Frísia, da Lloyd Royal Hollandais (Gerodetti e Cornejo, 2006: 203)

Page 277: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Os principais portos de embarque dos lusos podem ser observados no Grá-fico n.º 4. Lisboa concentra 54% dos registros declarados, enquanto o porto deLeixões reúne 37%; os demais reuniram cerca de 2% das declarações. Desem-barcados principalmente no porto de Santos (74%) e Rio de Janeiro (21%),cerca de 5% omitiram a informação acerca da localidade como pode se obser-var no Gráfico n.º 5.

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS / SÊNIA BASTOS

276

Figura n.º 3 – Vapor Zeelandia, da Lloyd Royal Hollandais(Gerodetti e Cornejo, 2006: 203)

Figura n.º 4 – Vapor Holandia, da Lloyd Royal Hollandais(Gerodetti e Cornejo, 2006: 203)

Page 278: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A HOSPEDARIA DE IMIGRANTES DE SÃO PAULO

A construção da nova Hospedaria de São Paulo foi iniciada em 1886 e jáem 1887, ainda em obras, recebeu os primeiros imigrantes. Pronta em 1888, aHospedaria tinha a capacidade para 4 000 pessoas, tornando o prédio pontocentral do programa de imigração paulista, nos seus dez primeiros anos de fun-cionamento foi coordenada pela Sociedade Promotora da Imigração. Em certosmomentos chegou a abrigar cerca de 10 000, tornando suas condições de ali-mentação e higiene precárias.

O prédio era uma construção ampla, ocupando quase um quarteirão, pos-suía um desvio ferroviário com plataforma própria para a chegada dos trens11.Num andar térreo localizavam-se os escritórios, casa de câmbio, setor médico,cozinhas, refeitórios e estoques.

No andar superior localizavam-se os dormitórios. Numa construção à parteno próprio terreno encontrava-se instalada o setor aonde os imigrantes seencontravam com os cafeicultores para estabelecer o contrato. Assinado o con-trato o imigrante tomava um trem para o interior. Havia controle de vigias nos

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912): HOSPEDARIA DO IMIGRANTE

277

11 Os hóspedes podem ser agrupados em três grandes categorias: recém-chegados subsidiados e nãosubsidiados, estrangeiros e nacionais que vinham de outros estados.

Gráfico n.º 4 – Porto de embarque no ano de 1912

Madeira111

Vigo92

Almeria61

B. Aires87

Gibraltar89

Leixões1917

Lisboa2877

Gráfico n.º 5 – Porto de desembarque dos portugueses no Brasil no ano de 1912

nada declarou913

Rio3595

Santos12273

Page 279: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

prédios dia e noite, buscava-se evitar roubos, mas também os aliciadores quepoderiam desviar os braços ou iludir os recém chegados.

De 1892 a 1905, a Hospedaria esteve vinculada à Secretaria da Agricultura,Viação e Obras Públicas, passando para a Diretoria de Terras, Colonização eImigração em 1905-11, que em 1906, reformou as instalações, buscando melho-rias nas áreas sanitárias, cozinha, refeitórios e dormitórios, também os contra-tos foram reajustados para evitar fraudes e abusos.

A partir de 1911, a instituição esteve sob a gerência do Departamento Estadualdo Trabalho, retornando para o Serviço de Imigração e Colonização, em 1939.Recebeu o último grupo de imigrantes, em 1978. Calcula-se que chegou a hospe-dar 3,5 milhões de pessoa, de mais de 70 nacionalidades. “elas foram os locaispara a expedição ou aferição de documentos, o controle médico-sanitário, o regis-tro e encaminhamento para o local de destino [...] cumpriram um importante papelnas políticas migratórias oficiais. [Foram] criadas num contexto cuja necessidadede coordenação dos fluxos migratórios pelo Estado era fundamental”12.

OS LIVROS DE REGISTRO DE IMIGRANTES

No acervo do Memorial do Imigrante de São Paulo destacam-se os 109Livros de Registro de Imigrantes alojados na Hospedaria do Bom Retiro13 eHospedaria do Brás, relativos ao período 1882 a 1930, destinados a registrar arecepção de aproximadamente dois milhões e 500 mil imigrantes que vieramcom passagens subsidiadas pelo governo, espontâneos, com ou sem contrato,além de conter anotações sobre o cotidiano da hospedaria.

Esses livros têm no seu conteúdo as seguintes informações: número deordem, nome, idade/filiação, nacionalidade, sexo, estado civil, família enúmero de membros, profissões, instrução, religião, parentesco, última resi-dência, porto de embarque/vapor/data da saída, porto de desembarque/vapor//data da chegada, data da entrada na hospedaria, se já esteve no Brasil, volumesde bagagens, destino (estação, Município, fazendeiro, núcleos coloniais, outrosestados), repatriados/rejeitados, falecidos e outras observações. Tais informa-ções foram reunidas em um banco de dados (Access), que permitiu a sistema-tização de conteúdos expressas nos gráficos contemplados nesse artigo.

Apesar da origem rural da maioria dos portugueses que emigraram, algunsvieram diretamente para a cidade de São Paulo e outros (subsidiados ou não)após uma rápida passagem pela lavoura, migravam à procura de melhoresperspectivas. Grande parte da entrada desses portugueses poderá ser localizadana documentação disponível nos arquivos do Memorial do Imigrante.

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS / SÊNIA BASTOS

278

12 MOURA; PAIVA, 2008: 13.13 Construída com recursos do Governo Provincial de São Paulo, a edificação da Hospedaria do BomRetiro localizava-se na rua Areal (antiga rua dos Imigrantes), funcionou durante o período de 1870 a1887, com capacidade para cerca de 500 pessoas (MOURA; PAIVA, 2008: 13).

Page 280: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Ao que se refere ao ano de 1912 registraram-se a presença de 16 781 por-tugueses, concentrados, principalmente, no primeiro semestre. Nos meses dejaneiro (2 520) e maio (2 129) notavam-se os maiores fluxos, enquanto osmeses de julho (780) e agosto (500) revelaram-se os de menor incidência.

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912): HOSPEDARIA DO IMIGRANTE

279

14 ROCHA, 2007: 41.

Gráfico n.º 6 – Fluxo mensal de portugueses na Hospedaria em 1912

2520

1811 1828

1544

2129

856 781500

1304 1397

1087 1024

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

mês

Gráfico n.º 7 – Composição das famílias

707

629 610

376

234

10849 28 12 1 0 1

536

0

100

200

300

400

500

600

700

800

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

A composição familiar pode ser visualizada no Gráfico n.º 7, do qual seexcluiu os que se encaminharam à Hospedaria sozinhos, também denominadosavulsos (2723). Predominaram famílias de dois membros e certo equilíbrio nascompostas de três (629) a quatro membros (610), observam-se, ainda famíliasextensas, de dez (28) e onze (12) integrantes, nas quais se sobressaem as sogras(40), mães (18), tias (2), sobrinhos (43) e primos (31). Esse cenário expressoacompanha a política definida pelo projeto imigrantista, que privilegiava a imi-gração de famílias para a lavoura cafeeira.

A imigração de famílias constituiu uma estratégia para estimular a fixaçãodo imigrante, de forma a “desprendê-lo de laços de origem”, garantindo, assim,a mão-de-obra suficiente para a lavoura cafeeira14. Destaca-se, todavia, a prá-

Page 281: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tica de imigração livre de famílias cujo destino eram as cidades e os mercadosde trabalhos urbanos.

Uma das principais características dos imigrantes refere-se ao estado civil,conhecido por meio da análise do Gráfico n.º 8. Revela-se a predominância desolteiros (9 663), o que deve ser cotejado ao perfil etário dessa amostra, queexpressa grande incidência de jovens e crianças (conforme Gráfico n.º 10). Oscasados totalizam 40% do grupo, observando-se que essa declaração independeda vinda de sua família, enquanto os viúvos equivalem a 2%, num cenário con-formado por 57% de homens (Gráfico n.º 9).

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS / SÊNIA BASTOS

280

15 KLEIN, 1989: 34.

Gráfico n.º 8 – Estado civil

99

6695

9663

324

0

2000

4000

6000

8000

10000

nada declarou casado solteiro viúvo

Gráfico n.º 9 – Gênero

masculino9555

feminino7127

nada declarou9

A emigração portuguesa foi a princípio prioritariamente masculina, mas ocontingente feminino cresceu gradativamente e em 1912 correspondeu a 7217mulheres (43%). Verifica-se um aumento no número de mulheres casadas(2649) e mulheres desacompanhadas (247 – solteiras, casadas e viúvas),ampliando a emigração familiar de acordo com a política imigrantista paulista.Assim, a imigração caracterizada até então como individual, masculina e tem-porária, tornou-se tendencialmente familiar e permanente. Argumento que éreforçado por Klein15 ao afirmar que no “Registro do Movimento de Imigran-tes na Ilha das Flores”, os imigrantes lusos “eram agricultores que haviam rece-bido subsídios para a viagem, quase todos em grupos familiares e com uma dis-tribuição por sexos muito equilibrada”.

Page 282: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Apresentando maioria esmagadora de católicos, estima-se que os 8124jovens e adultos encontravam-se aptos ao trabalho (15 a 40 anos), enquantoentre as crianças (6738) observam-se 680 bebês, dos quais três nascidos a bordo;4653 entre 1 e 10 anos, e 1 405 entre 11 a 14 anos. O Gráfico n.º 10 permitevisualizar a presença de 130 idosos cujas idades variam de 60 a 88 anos.

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912): HOSPEDARIA DO IMIGRANTE

281

Gráfico n.º 10 – Faixa etária dos imigrantes portugueses

3235

2098

16161985

15801293

866515

171 55 25 10 2 2 18

13221733

255

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

Quanto às crianças, o trabalho infantil era utilizado desde cedo em Portu-gal, tanto no campo, como nos lares e nas oficinas, era necessário para manu-tenção da família, fator de formação e ocupação profissional, condição indis-pensável para o desenvolvimento físico e moral. A criança era compreendidacomo uma criatura amoldável, devendo ser submetida a um conjunto de nor-mas de comportamento e hierarquias, identificado como uma forma de educa-ção, estas práticas contavam com o respaldo de pais, irmãos e parentes.

Alguns meninos e jovens migravam porque ficavam órfãos, já outrosacompanhando a família, ou para fugir do serviço militar, alguns envolvidospelos agenciadores de crianças. Para os imigrantes o trabalho era consideradoimportante para enfrentar as adversidades no “país de acolhimento”, desdepequenos as crianças eram iniciadas na rotina do trabalho: vendiam jornais,entregavam mercadorias, recados, cartas, eram engraxates, auxiliares em servi-ços domésticos, lojas e armazéns.

A necessidade de as crianças desde cedo se engajarem no trabalho, querseja nas fábricas, oficinas e nas ruas, além de ser fruto das necessidades dosimigrantes pobres, também era vista como possibilidade da obtenção de umofício que lhes garantisse um futuro mais promissor.

Os caixeirinhos e aprendizes trabalhavam em troca de casa e comida, numarotina que incluía limpeza da loja e/ou oficina e da calçada, atendimento dosfregueses nos balcões, estoques, carregar e entregar mercadorias. Buscandoformar trabalhadores produtivos, obedientes e dóceis, patrões e mestres impu-nham práticas austeras, medidas destinadas a inculcar nas crianças hábitos detrabalho, hierarquias, disciplina que incluíam castigos físicos, punições. Assim,

Page 283: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

as condições de trabalho e de vida durante o aprendizado compreendiam a prá-tica do castigo físico, outras práticas vexatórias e punições aviltantes e violen-tas, dormir debaixo dos balcões ou no ladrilho da cozinha, tornando as fugasfreqüentes. Nos processos crimes e nos jornais liam-se notícias como a domenor Alfredo Júlio Machado, português de 11 anos de idade que foi se quei-xar ao delegado de polícia por ter sido espancado pelo seu “amo” José Rodri-gues Tavares, também português.

Em geral, esses jovens trabalhadores permaneciam nos domicílios e negó-cios desses parentes, arcando com os afazeres muitas vezes sem nada receber,outras vezes parcamente remunerados ou submetendo-se a pagamentos incer-tos. Solidariedade e paternalismo não eram apenas formas de exploração, mastambém estratégias de sobrevivência e de lidar com os recursos possíveis emcertas ocasiões.

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS / SÊNIA BASTOS

282

Figura n.º 5 – Passaporte(Acervo do Memorial dos Imigrantes de São Paulo).

Desconsiderando-se os que declararam o ofício como agricultor (4 324), oque era uma das premissas para o subsídio ao transporte e estada na Hospeda-ria, bem como aqueles que nada declararam (10 792) no qual se deve conside-

Page 284: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

rar a presença de 6 738 crianças de até 14 anos16, reuniram-se os ofícios commais de 50 repetições no Gráfico n.º 11, dos quais se destacam a ocupaçãocomo jornaleiro (343), criada (229), serrador (181), carpinteiro (174), pedreiro(154), estrada de ferro (58), sapateiro (57) e alfaiate (51).

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912): HOSPEDARIA DO IMIGRANTE

283

16 Segundo Klein (1989: 24) até 1955 eram consideradas crianças em Portugal as pessoas menores de14 anos.

Gráfico n.º 11 – Profissão dos imigrantes portugueses

343

229

181 174154

58 57 51

0

50

100

150

200

250

300

350

400

Jornaleiro Criada Serrador Carpinteiro Pedreiro Est. Ferro Sapateiro Alfaiate

A expansão da economia cafeeira pela Província/Estado de São Paulogerou uma ampla demanda de trabalho que coincidiu com o momento em quea crise do escravismo já se manifestava. Gradativamente, a elite agrária conse-guiu impor sua proposta para a questão da mão-de-obra – uma política imi-grantista em massa, contínua e subvencionada pelo governo. Da mesma formaque em outras cidades, deve-se destacar que apesar da origem rural da maioriados portugueses que emigraram, eles procuraram evitar o trabalho no campo etenderam a se concentrar nas cidades, tendo em São Paulo um pólo de atração.Alguns vieram diretamente para a cidade, talvez previamente informados sobreas condições de trabalho na zona rural, e outros após uma rápida passagem pelalavoura, migravam à procura de melhores perspectivas de ganho, novas opor-tunidades abertas pelo intenso florescimento da Capital.

Na “sociedade de acolhimento” os portugueses procuraram possibilidadesde arranjar emprego nas atividades urbanas fabris, setor de serviços, obraspúblicas e particulares e também em ocupações informais. Enfrentando as difi-culdades do cotidiano em São Paulo que, apesar do intenso crescimento, tinhauma significativa concentração de trabalhadores – homens e mulheres pobres,imigrantes e nacionais, brancos e negros – que excedia largamente as necessi-dades do mercado, aviltava os salários, criando formas múltiplas de atividadestemporárias e domiciliares, subemprego e emprego flutuante e ampliando umapopulação que garantia a sua sobrevivência na base das ocupações casuais, àscustas de improvisação de expedientes variados, eventuais e incertos, desen-volvendo experiências cumulativas de improvisação.

Page 285: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Falar da imigração portuguesa significa mergulhar em um espaço privile-giado: o do comércio, destino mistificado para todos aqueles que acalentavamsonhos de promoção social no além-mar. Nesse espaço significava, ainda, pri-vilegiar dois atores principais do drama cotidiano: negociante e o caixeiro,figuras emblemáticas que se fizeram presentes no espaço urbano ao longo detodo o processo de urbanização. À medida que expandiu a malha urbana, ocomércio português a varejo acompanhou esse crescimento tornando o portu-guês da esquina referência obrigatória.

O comércio constitui-se como um campo de possibilidades para os imi-grantes portugueses, com histórias de sucesso, mas também histórias de fra-casso, desventuras. Os caixeiros e caixeirinhos eram parcamente remuneradosse submetiam a pagamentos incertos, em muitos casos, recebendo somenteroupa, alimentação e morando debaixo do mesmo teto do patrão, muitas vezesembaixo dos balcões e em cima dos sacos.

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS / SÊNIA BASTOS

284

Gráfico n.º 12 – Letramento

não sabe ler15103

sabe ler1597

nada declarou81

Gráfico n.º 13 – Última residência

222 220

151 145124 113

102 101

6174767784

0

50

100

150

200

250

Ao que se refere ao grau de instrução, observa-se um baixo índice de letra-mento. O valor expresso no Gráfico n.º 12 deve ser relativizado ao considerar-mos os dados absolutos dos não letrados, visto que contempla a existência de4133 crianças entre 0 e 7 anos que devem ser excluídas dessa amostra, o queresulta em 10 970 lusos que não sabem ler.

Page 286: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O Gráfico n.º 13 contempla apenas os registros que apontam mais de 50repetições. Nele se observa a presença de localidades brasileiras, ao que se infereum reposicionamento no território brasileiro. O domínio do idioma conferia umamaior autonomia na condução de seu destino, sendo que o engajamento comoagricultor na fazenda de café não consistia a única alternativa, não havendo anecessidade de se submeter aos “canais normais de recepção e encaminhamentodestinado aos imigrantes estrangeiros, como por exemplo, a Hospedaria do Imi-grante”. A performance do luso era alimentada pela manutenção de uma “redeinformal de solidariedade e amizade que funcionava entre eles, instalavam-se emáreas urbanas onde se dedicavam, principalmente, ao comércio”17.

Desconsiderando-se que 63% não registraram o destino (10 986), observa-seque entre os declarados predomina a preferência pela capital (2 347). O Quadron.º 1 contempla as localidades com mais de 50 ocorrências, destacando-se apresença de regiões produtores de café localizados no Novo Oeste Paulista,bem como a cidade de Santos, que já reunia expressiva comunidade lusa.

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912): HOSPEDARIA DO IMIGRANTE

285

17 SCOTT, 2001: 3.

Quadro n.º 1 – Destino declarado

Localidade Total

Araraquara 154Avaré 56Bauru 103Bebedouro 58Botucatu 70Campinas 64Cravinhos 103Jaboticabal 174Jahu 74Jardinópolis 63Monte Alto 82Orlândia 91Pitangueira 79Ribeirão Preto 221Santa Cruz do Rio Pardo 59Santos 84São Carlos 67São Simão 107Sertãozinho 63

Registrou-se apenas 62% da situação final dos portugueses que ingressa-ram na Hospedaria: 9009 foram aceitos, 1445 foram rejeitados e dois reenca-minhados ao destino inicial. Destacam-se casos de permanência na Hospedariapara a realização de tratamento de saúde no Hospital de Isolamento da Capital(119), o deslocamento de cidade, a repatriação, o retorno para a busca de baga-gem extraviada, etc.

Page 287: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A documentação reúne ainda informações sobre o motivo particular de seuingresso tais como reunir-se aos familiares (117) já presentes no país: veio jun-tar-se ao pai (13), marido (34), irmão (9) etc., bem como as redes de relacio-namentos, ao que se infere, aos portadores de endereços na capital (428).

Revela a situação dos indocumentados (104), tal como a do agricultorAdriano Antonio Espírito Santo, que ingressou no Brasil no dia 3/10/1912, novapor Thespis, de 34 anos, casado, procedente de Murção, que não dispunha depassaporte. Destacam-se também os sem bilhete (115), os que não pagaram apassagem (2), os que vieram por conta própria (2), os que não fizeram depósito(34) e os que dispunham de carta de chamada (122).

O deslocamento para outros Estados (Rio de Janeiro – 29, Minas Gerais–13, Rio Grande do Sul – 1), bem como o movimento inverso, de ingresso noEstado de São Paulo (provenientes do Rio Grande do Sul – 5, Rio de Janeiro –38, Minas Gerais – 13 e Paraná – 1), pode ser conhecido na documentação, oque permite vislumbrar a migração interna existente. Cabe destacar a circula-ção dos imigrantes, que iam “de zonas mais velhas, estagnadas, para a fronteiraem expansão, e abandonavam as fazendas para se tornar trabalhadores inde-pendentes, morar nas cidades, ou retornar à sua terra natal”18.

A restrição pessoal é contemplada no campo observação, mediante a iden-tificação de sua natureza, tal como a do surdo-mudo e do cego. Nesse campotambém se encontra contemplado o encaminhamento ao hospital isolamento(1), ao hospital dos inválidos (1) e a nota do falecimento do único registro loca-lizado.

A condição de ingresso foi declarada por 396 lusos que afirmaram vir porconta do decreto n.º 1802 de 15 de dezembro de 1909, no regime do decreto n.º1458 de 10 de abril de 1907; indicaram-se também o decreto n.º 1255 de 17 dedezembro de 1904 e no regimen do decreto n.º 823 de 20 de setembro de 1900(1) e o aviso 811 de 20 de junho de 1910 (2).

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS / SÊNIA BASTOS

286

18 HOLLOWAY, 1984: 107.

Gráfico n.º 14 – Resultado da avaliação, indicando a situação do imigrante no Brasil

nada declarou6325

rejeitado1445

aceito9009

retorno ao destino2

Page 288: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os documentos presentes nos arquivos da Hospedaria dos Imigrantes deSão Paulo se constituem numa diversidade de fontes com grande potencial, oexercício de cruzá-las continuamente torna-se um desafio de captar os sinaisque delas se emitem e de estabelecer com elas uma relação dialógica. Preser-var estes documentos, organizar seus dados, examiná-los e interpretá-los, tra-vando um diálogo, formulando hipóteses e problematizações tornam-se pri-mordiais, na expectativa de recuperar as experiências passadas dos sujeitossociais envolvidos nas tramas que delineiam estas histórias.

Focalizar a imigração portuguesa leva ao desafio de observar toda a comple-xidade de situações vivenciadas: os deslocamentos, os diferentes projetos fami-liares e as estratégias para concretizá-los, envolvendo escolhas, reorientações,conflitos familiares, geracionais, de gênero, provocando exploração, rompimen-tos, tensões, mas também solidariedades, laços de conterraneidade e afetividades.

Cabe destacar que não houve um único padrão de deslocamento, muitos imi-grantes eram chefes de família, vieram bem antes de seus familiares que ficaramaguardando em Portugal; outros vieram ainda quando crianças ou jovens, sem afamília nuclear; em outros casos, a família nuclear veio junta, mas em algunsdeles não permaneceram unidas no novo contexto ou nunca se encontraram e/ounão voltaram a se constituir, gerando toda uma complexidade de situaçõesvivenciadas. Assim, este é um processo contínuo que envolveu experiênciasmúltiplas e diversificadas, diferentes levas, alguns vieram subsidiados, outrospor conta própria; alguns que chegaram ao início do processo de imigração (nosanos finais do século XIX e nos inícios do XX), outros logo após a PrimeiraGrande Guerra e também os que vieram durante o governo de Salazar.

BIBLIOGRAFIA

BASSANEZI, Maria Silvia, 1996 – “Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histó-rico”, in PATARRA, Neide Lopes (coord.) – Emigração e imigração internacionais no Bra-sil contemporâneo. Campinas: FNUAP.

GERODETTI, João Emilio; CORNEJO, Carlos, 2006 – Navios e Portos do Brasil. São Paulo:Solaris.

HOLLOWAY, Thomas, 1984 – Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra.KLEIN, Herbert S., 1989 – “A integração social e económica dos imigrantes portugueses no Bra-

sil no final do século XIX e no século XX”. Revista Brasileira de Estudos Populacionais,São Paulo, v. 4, n.º 2, p. 17-37.

LEVY, Maria Stella Ferreira, 1974 – “O papel da migração internacional na evolução da popu-lação brasileira (1872 a 1972)”. Revista de Saúde Pública, São Paulo, 8, p. 49-90.

ROCHA, Ilana Peliciari, 2007 – Imigração internacional em São Paulo: retorno e imigração. SãoPaulo: Universidade de São Paulo (dissertação de mestrado em História)

SALLES, Iraci G., 1986 – Trabalho, progresso e a sociedade civilizada. São Paulo: Hucitec.SCOTT, Ana Silvia, 2001 – “As duas faces da imigração portuguesa para o Brasil (décadas de

1820-1930)”. Congreso de História Econômica, Zaragoza.

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912): HOSPEDARIA DO IMIGRANTE

287

Page 289: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 290: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

289

EMIGRAÇÃO FAMILIAR PARA O BRASILDO DISTRITO DE BRAGA, NO ANO DE 1912

Carmen Alice Aguiar de Morais Sarmento

INTRODUÇÃO

O estudo do fluxo emigratório do Norte de Portugal para o Brasil, no anode 1912, pelas características exacerbadas que apresenta e cujas causas são jádo conhecimento dos investigadores que se dedicam ao estudo da emigraçãoalém-mar, foi acordado no final do III Seminário Internacional, realizado emSão Paulo e em Santos, em Setembro de 2007.

O levantamento e a informatização dos dados relativos a este período, a serlevado a cabo tanto por investigadores portugueses como brasileiros, durante2007/2008, poderia permitir uma abordagem inovadora ao estudo do percursodos migrantes, através do cruzamento dos dados nominais das fontes portu-guesas, fornecidos pelos registos de passaporte, com os dados nominais de fon-tes brasileiras específicas, como listas de bordo ou os livros das hospedarias deimigrantes, entre inúmeras outras.

Com esta finalidade, a partir do livro n.º 16 existente no Arquivo doGoverno Civil de Braga, informatizámos os registos de pedido de passaportepara o Brasil, de todo o distrito de Braga, no ano de 1912.

Para além da identificação do indivíduo pelo nome, filiação e naturalidade,esta base de dados permitiu-nos contabilizar o fluxo emigratório legal desta áreageográfica, neste espaço temporal, e apresentar o respectivo tratamento estatís-tico das variáveis sexo, estado civil, idade, profissão, destino, tipo de passaporte(se individual ou colectivo) e constituição dos passaportes colectivos.

Na sequência do nosso trabalho de investigação sobre a emigração familiarpara o Brasil no concelho de Guimarães, tema da dissertação de mestrado, con-cluída em 1997, continuamos a dar um especial relevo a este campo, agora paraos restantes concelhos do distrito de Braga.

Apresentamos assim, para o ano de 1912, e por concelhos, tabelas e gráfi-cos com os titulares de passaporte individuais e colectivos por sexos; os acom-panhantes dos passaportes colectivos por sexos; parentesco dos acompanhan-tes em relação ao titular do passaporte; estado civil dos titulares dos passapor-tes colectivos; idade dos titulares dos passaportes colectivos e seus acompa-nhantes; profissões dos titulares de passaportes colectivos e, ainda, o destino noBrasil destes grupos familiares.

Concluímos com uma abordagem comparativa entre os diversos concelhos

Page 291: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

do distrito de Braga, apresentando os percentuais de emigrantes que partiramintegrados em grupos familiares.

1. DADOS GERAIS

1.1. O distrito de Braga

O distrito de Braga, situado a Noroeste de Portugal Continental, tinha em1912, uma população activa que se dedicava sobretudo às actividades agrícolas.Na orla marítima do concelho de Esposende, as populações conciliavam a acti-vidade piscatória com o trabalho dos campos, assim como os empregados dasindústrias têxteis, cutelarias e curtumes, sediadas sobretudo no concelho de Gui-marães, se dividiam entre o trabalho fabril e o cultivo da courela e do quintal.

Constituído, em 1912, por treze concelhos, o distrito de Braga tem actualmentemais um, o concelho de Vizela, constituído em 1998, que resultou do conjunto dasfreguesias de S. Miguel, S. João e S. Paio de Vizela e ainda das freguesias de Tagildee de Ínfias que pertenciam ao concelho de Guimarães (ver Figuras n.º 1 e n.º 2).

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

290

Figura n.º 1 – Mapa de Portugal Continental

Page 292: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

1.2. Destino – Brasil

O Brasil foi o destino declarado por 95,7% dos indivíduos que solicitarampassaporte no Governo Civil de Braga, no ano de 1912. No Arquivo do RegistoCivil foram recolhidos e informatizados 4593 registos de passaporte. Destetotal, 4395 indivíduos solicitaram passaporte para o Brasil, incluindo naturais dodistrito de Braga e naturais de outros distritos (ver Quadro n.º 1 e Gráfico n.º 1).

EMIGRAÇÃO FAMILIAR PARA O BRASIL DO DISTRITO DE BRAGA, NO ANO DE 1912

291

Figura n.º 2 – Mapa do distrito de Braga

Gráfico n.º 1 – Emigração para o Brasil por destino (1912)

Brasil95,7%

Outros4,3%

Quadro n.º 1 – Emigração para o Brasil por destino (1912)

Brasil 4395 95,7%

Outros 198 4,3%

Total 4593 100,0%

Destinos Total %

Terras de Bouro

Vieirado Minho

Vila Verde

Esposende Barcelos

Vila Novade Famalicão

Braga

Guimarães Fafe

AmaresPóvoa doLanhoso

Cabeceirasde Basto

Celoricode Basto

Vizela

Page 293: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

1.3. Sexos e grupos etários

Estes indivíduos são na sua maioria do sexo masculino (85,1%), jovens sol-teiros ou homens casados com passaporte individual, com idades compreendi-das sobretudo entre os 10 e os 59 anos. O sexo feminino (14,9%) é representadoessencialmente por filhas menores e esposas de titulares de passaporte colectivo,entre os 20 e os 54 anos (ver Quadros n.º 2 e n.º 3 e Gráficos n.º 2 e n.º 3).

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

292

Quadro n.º 2 – Emigração para o Brasil por sexo (1912)

Masculino 3740 85,1%

Feminino 655 14,9%

Total 4395 100,0%

Sexo Total %

Quadro n.º 3 – Emigração para o Brasil por grupo etário e sexo (1912)

0 – 4 71 495 – 9 74 6810 – 14 482 4415 – 19 232 5920 – 24 1012 10525 – 29 671 10330 – 34 419 7235 – 39 362 5640 – 44 191 3245 – 49 114 2950 – 54 51 1855 – 59 36 360 – 64 12 965 – 69 6 470 – 74 3 375 – 79 0 0Sem Indicação 4 1

Total 3740 655

Idades Masculino Feminino

Gráfico n.º 2 – Emigração para o Brasil por sexo (1912)

Feminino14,90%

Masculino85,10%

Page 294: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

1.4. Profissões/Sectores de actividade

Quanto às profissões destes indívíduos que solicitaram passaporte emBraga, no ano de 1912, as mais declaradas são as de lavrador, jornaleiro e tra-balhador, sendo o sector primário o que recolhe o maior peso percentual(45,2%). Significativo é o número dos que não indicam profissão, sobretudoindivíduos do sexo feminino, ou menores de ambos os sexos, maiores de seteanos, que estariam ligados aos trabalhos agrícolas, na sua maioria, e que atin-gem um peso percentual de 27,9% (Ver Quadro n.º 4 e Gráfico n.º 4).

EMIGRAÇÃO FAMILIAR PARA O BRASIL DO DISTRITO DE BRAGA, NO ANO DE 1912

293

Quadro n.º 4 – Emigração para o Brasil por sector de actividades (1912)

Sector Primário Sector TerciárioSector Secundário

Gráfico n.º 3 – Emigração para o Brasil por grupo etário e sexo (1912)

Sem indicação75-7970-7465-6960-6455-5950-5445-4940-4435-3930-3425-2920-2415-1910-145-090-4

25 20 15 10 5 0 5

MULHERESHOMENS

(Continua na página seguinte)

Agricultor 126 Alfaiate 61 Agenciária 1Agricultora 2 Artista 61 Agenciário 5Apicultor 1 Caiador 11 Barbeiro 17Cabaneiro 1 Caixoteiro 1 Caixeiro 24Caçador 1 Carpinteiro 188 Calista 1Canteiro 5 Cesteiro 3 Carteiro 1Cantoneiro 1 Chapeleiro 5 Cocheiro 4Capitalista masc. 14 Curtidor 1 Comerciante 10Capitalista fem. 3 Encadernador 1 Costureira 19Caseiro 1 Entalhador 1 Criado de café 1Criada 8 Estivador 1 Dourador 1Criado 4 Fabricante 34 Empregado comercial 118Criado de lavoura 2 Ferreiro 39 Enfermeiro 1Criada de servir 3 Fogueteiro 1 Engomadeira 1Doméstica 102 Funileiro 2 Escrevente 2Doméstico 1 Fuseiro 1 Escriturário 2Jornaleira 19 Industrial 10 Estudante 10Jornaleira agrícola 1 Marceneiro 5 Ferrador 2Jornaleiro 238 Moleiro 7 Marchante 4

Page 295: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Jorneiro 1 Oleiro 21 Modista 2Lavrador 930 Operário 16 Negociante fem. 1Lavradeira 46 Operário fabril 1 Negociante masc. 44Marítimo 34 Ourives 2 Padre 2Monteiro 1 Padeiro 8 Taberneiro 3Proprietária 19 Pedreiro 153 Tipógrafo 1Proprietário 136 Relojoeiro 1 Vendeiro 1Serviçal fem. 23 Sapateiro 26Serviçal masc. 32 Serrador 3Trabalhador 209 Serralheiro 11Trabalhador agrícola 1 Tamanqueiro 16Trabalhadora 1 Tecedeira 4

Tecelão 19Tecelão mecânico 1Torneiro 3Trolha 5

TOTAL 1988 TOTAL 723 TOTAL 278

1.5. Passaportes colectivos emitidos em Braga em 1912/por distritos

Do universo dos 4395 indivíduos que solicitaram passaporte no GovernoCivil de Braga, com destino ao Brasil, no ano de 1912, os titulares de passa-portes colectivos com os respectivos acompanhantes totalizam 775 indivíduos

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

294

Quadro n.º 4 – Emigração para o Brasil por sector de actividades (1912)(Continuação)

Sector Primário Sector TerciárioSector Secundário

Sector Primário 1988 45,20%Sector Secundário 723 16,50%Sector Terciário 278 6,30%Sem Indicação 1228 27,90%Sem Profissão 177 4,0%Ilegível 1 0,0%

TOTAL 4395 100,0%

Gráfico n.º 4 – Emigração para o Brasil por sector de actividades (1912)

Sector Primário1988

SectorSecundário

Sector Terciário278

Sem indicação1228

Sem profissão177 Ilegível

1

Page 296: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

o que representa um peso percentual de emigração familiar de 17,6%. Nestetotal estão incluídos os naturais do distrito de Braga, que totalizam 684 indiví-duos que integram passaportes colectivos, mas, também, naturais de outros dis-tritos. Mais representativos são o distrito de Vila Real, com oito titulares quelevaram 17 acompanhantes e o distrito da Guarda, em que quatro titulares sefizeram acompanhar, respectivamente, por um, três, cinco e oito familiares (verQuadros n.º 5 e n.º 6 e Gráfico n.º 5).

EMIGRAÇÃO FAMILIAR PARA O BRASIL DO DISTRITO DE BRAGA, NO ANO DE 1912

295

Titulares passes individuais 3613 82,20%

Titulares Passaportes Colectivos + acompanhantes 775 17,60%

Titulares Brasileiros + acompanhantes 7 0,2%

Total 4395 100%

Gráfico n.º 5 – Emigração para o Brasil – Passaportes colectivos (1912)

Coimbra1

Bragança3

Guarda4

Porto5

Castelo Branco1

Viana do Castelo2 Vila Real

8 Viseu5

Braga234

Quadro n.º 5 – Emigração para o Brasil – Passaportes colectivos (1912)

Quadro n.º 6 – Emigração para o Brasil – Passaportes colectivos (1912)

Braga 119 65 27 11 3 6 1 0 2 234 450 684

Bragança 1 1 0 1 0 0 0 0 0 3 7 10

Castelo Branco 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 2 3

Coimbra 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 2 3

Guarda 1 0 1 0 1 0 0 1 0 4 17 21

Porto 3 2 0 0 0 0 0 0 0 5 7 12

Viana do Castelo 1 1 0 0 0 0 0 0 0 2 3 5

Vila Real 3 3 0 2 0 0 0 0 0 8 17 25

Viseu 3 2 0 0 0 0 0 0 0 5 7 12

Total 131 76 28 14 4 6 1 1 2 263 512 775

DistritosPassaportes colectivos x n.º de acompanhantes

1Ac.

2Ac.

3Ac.

4Ac.

5Ac.

6Ac.

7Ac.

8Ac.

9Ac.

Titul. Acomp. Emigr.

Total

Page 297: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

2. NATURAIS DO DISTRITO DE BRAGA

Depois da análise dos 4395 registos de passaporte referentes a indívíduosde todas as naturalidades, debruçar-nos-emos agora sobre os 4164 registos refe-rentes a indivíduos naturais do distrito de Braga. Neste total estão incluídostodos os titulares de passaporte, tanto individuais como colectivos, cujos regis-tos indicam sempre o concelho de naturalidade mas, também, os respectivosacompanhantes. No caso dos acompanhantes, os registos de passaporte apenasindicam o nome, idade e parentesco em relação ao titular, sendo omissosquanto ao concelho de naturalidade. Para os contabilizar, decidimos atribuiraprioristicamente ao acompanhante o mesmo concelho de naturalidade do titu-lar do passaporte.

Os concelhos com maior número de passaportes individuais são Barcelos eBraga seguidos de Vila Verde, Fafe e Guimarães. Porém, se atendermos ao sexodos titulares são os concelhos de Braga, Vila Verde e Vieira do Minho que apre-sentam mais titulares femininos com passaporte individual.

Contabilizando os titulares e acompanhantes é o concelho de Barcelos quelidera o total de registos de passaporte, com um peso percentual de 15,4%. Oconcelho de Cabeceiras de Basto apresenta apenas o peso percentual de 2,6%do universo de indivíduos naturais do distrito de Braga que solicitaram passa-porte no ano de 1912 (ver Quadros n.º 7 e n.º 8 e Gráfico n.º 6).

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

296

Quadro n.º 7 – Emigração para o Brasil – Passaportes colectivos (1912)

Amares 151 5 2 158 9 167 4,00

Barcelos 544 17 11 3 2 1 578 62 640 15,40

Braga 419 19 10 4 4 2 1 459 86 545 13,10

Cabec. de Basto 69 5 4 4 82 25 107 2,60

Celorico de Basto 119 4 4 2 1 130 26 156 3,70

Esposende 273 4 2 279 8 287 6,90

Fafe 367 11 4 3 1 1 387 38 425 10,20

Guimarães 333 10 8 3 1 355 42 397 9,50

Póvoa de Lanhoso 229 13 2 3 1 248 32 280 6,70

Terras de Bouro 108 4 1 113 6 119 2,90

Vieira do Minho 210 9 9 4 1 1 234 48 282 6,80

Vila N. Famalicão 287 4 7 1 1 2 1 303 46 349 8,40

Vila Verde 371 14 1 2 388 22 410 9,80

Total 3480 119 65 27 11 3 6 1 0 2 3714 450 4164 100,00

DistritosPassap. colectivos x n.º de acompanhantes

Passap.individ. 1

Ac.2

Ac.3

Ac.4

Ac.5

Ac.6

Ac.7

Ac.8

Ac.9

Ac.Titul. Acomp. Emigr.

%Total

Page 298: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

EMIGRAÇÃO FAMILIAR PARA O BRASIL DO DISTRITO DE BRAGA, NO ANO DE 1912

297

Gráfico n.º 6 – Emigração para o Brasil – percentagem da emigração por concelho (1912)

Fafe10,2%

Guimarães9,5%

Póvoa doLanhoso

6,7%

Terras de Bouro2,9%

Vieira do Minho6,8%

Vila N. Famalicão8,4%

Vila Verde9,8%

Celorico de Basto3,7%

Esposende6,9%

Cabeceiras deBasto2,6%

Braga13,1%

Barcelos14%

Amares4%

Gráfico n.º 7 – Percentagem de titulares por sexo/tipo de passaporte (1912)

Masc. indiv.78%

Acomp.11%Fem. colect.

3%

Fem. indiv.5%

Masc. colect.3%

Quadro n.º 8 – Percentagem de titulares por sexo/tipo de passaporte (1912)

Amares 136 4 15 3 9 167 4,00

Barcelos 521 16 23 18 62 640 15,40

Braga 386 20 33 20 86 545 13,10

Cabeceiras de Basto 62 9 7 4 25 107 2,60

Celorico de Basto 109 11 10 0 26 156 3,70

Esposende 267 2 6 4 8 287 6,90

Fafe 350 10 17 10 38 425 10,20

Guimarães 322 16 11 6 42 397 9,50

Póvoa de Lanhoso 207 9 22 10 32 280 6,70

Terras de Bouro 101 0 7 5 6 119 2,90

Vieira do Minho 181 7 29 17 48 282 6,80

Vila Nova de Famalicão 279 10 8 6 46 349 8,40

Vila Verde 341 6 30 11 22 410 9,80

Total 3262 120 218 114 450 4164

Total % 78,30 2,90 5,20 2,70 10,80 100,00 100,00

ConcelhoTitulares masculinos Titulares Femininos

TotalAcomp.colectivosindividuaiscolectivosindividuais

%

Page 299: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

3. A EMIGRAÇÃO FAMILIAR

Se considerarmos o universo de 4164 indivíduos naturais do distrito deBraga que solicitaram passaporte em 1912, 684 registos referem-se a titularesde passaportes colectivos e respectivos acompanhantes o que constitui um per-centual de 16,4% de emigração familiar (ver Quadro n.º 9 e Gráfico n.º 8).

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

298

Quadro n.º 9 – Percentagem da Emigração Familiar (1912)

Amares 151 3,6 16 0,4 167 4,00

Barcelos 544 13,1 96 2,3 640 15,40

Braga 419 10,1 126 3,0 545 13,10

Cabeceiras de Basto 69 1,7 38 0,9 107 2,60

Celorico de Basto 119 2,9 37 0,9 156 3,70

Esposende 273 6,6 14 0,3 287 6,90

Fafe 367 8,8 58 1,4 425 10,20

Guimarães 333 8,0 64 1,5 397 9,50

Póvoa de Lanhoso 229 5,5 51 1,2 280 6,70

Terras de Bouro 108 2,6 11 0,3 119 2,90

Vieira do Minho 210 5,0 72 1,7 282 6,80

Vila Nova de Famalicão 287 6,9 62 1,5 349 8,40

Vila Verde 371 8,9 39 0,9 410 9,80

TOTAL 3480 83,6 684 16,4 4164 100,00

ConcelhoTitulares passaportes

individuaisTitulares passaportes

colectivos e acompanhantesTotal

% %%

Gráfico n.º 8 – Percentagem da Emigração Familiar (1912)

Titulares passaportesindividuais

3480 (83,6%)

Titulares passaportescolectivos e

Acompanhantes884 (16,4%)

Os titulares de passaportes colectivos são 50,9% do sexo masculino e49,1% do sexo feminino. O peso percentual do sexo feminino revela a impor-tância do fenómeno do reagrupamento familiar. As mulheres casadas levandofilhos, as solteiras na companhia de irmãos e as viúvas acompanhando netosvão, sem dúvida, ao encontro de maridos, pais e outros familiares emigradosanteriormente (ver Quadro n.º 10).

Page 300: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Estas titulares de passaporte são, sobretudo, mulheres jovens. Em 1912, nosgrupos etários dos 20-24, 25-29 e 30-34 anos, os indivíduos do sexo femininoultrapassam em número os do sexo masculino como titulares de passaportescolectivos (ver Quadro n.º 11 e Gráfico n.º 9).

EMIGRAÇÃO FAMILIAR PARA O BRASIL DO DISTRITO DE BRAGA, NO ANO DE 1912

299

Quadro n.º 10 – Titulares de Passaporte Colectivo por sexo (1912)

Masculino 112 4 2 0 1 119 50,90

Feminino 84 12 12 2 5 115 49,10

Total 196 16 14 2 6 234 100,00

Sexo casados solteiros viúvos S/indicaçãoseparadosTotal

%

Quadro n.º 11 – Estado civil e grupos etários dos Titulares do Passaporte Colectivo (1912)

10-14 2 1 3 1,30

15-19 1 1 2 0,90

20-24 5 8 2 3 2 20 8,50

25-29 18 17 2 1 38 16,20

30-34 20 23 2 1 46 19,70

35-39 21 10 2 1 34 14,50

40-44 18 11 1 2 1 33 14,10

45-49 19 8 2 4 1 1 35 15,00

50-54 7 5 1 2 15 6,40

55-59 4 1 5 2,10

60-64 0 0,00

65-69 2 2 0,90

s/Indicação 1 1 0,40

Total 112 84 4 12 2 12 0 2 1 5 234 100,00

Grupos etários

casados solteiros viúvos S/indicaçãoseparados Total

%Masc. Fem. Masc. Fem.Masc. Fem.Masc. Fem.Masc. Fem.

Gráfico n.º 9 – Titulares de passaportes colectivos, por grupos etários e sexo (1912)

0

5

10

15

20

25

30

10–14 20–24 30–34 40–44 50–54 60–64 s/Indicação

Masculino Feminino

10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 s/Indicação

Page 301: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Estas mulheres titulares de passaportes colectivos são, na sua maioria,domésticas, lavradeiras e jornaleiras mas existem, também, proprietárias ecapitalistas. Os titulares de passaportes colectivos de ambos os sexos declara-ram, em 62% dos casos, profissões ligadas ao sector primário (ver Quadro n.º 12 e Gráfico n.º 10).

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

300

Quadro n.º 12 – Titulares de passaporte colectivo por sectores de actividade (1912)

Sector Primário

Sectores

Sector TerciárioSector Secundário

Agricultor 13 Alfaiate 5 Barbeiro 1

Capitalista 6 Artista 2 Cocheiro 1

Doméstica 37 Carpinteiro 2 Costureira 6

Jornaleira 6 Pintor 1 Empregado de comércio 2

Jornaleiro 8 Pedreiro 3 Engomadeira 1

Lavradeira 16 Operário 2 Taberneiro 1

Lavrador 27 Tamanqueiro 1 Vendeiro 1

Proprietária 6 Tecedeira 3

Proprietário 15 Tecelão 1

Serviçal 5

Trabalhador 6

TOTAL 145 20 13

Sector primário 145 62,0

Sector secundário 20 8,5

Sector terciário 13 5,6

Sector s/indicação 56 23,9

Total 234 100,0

Total

%

Gráfico n.º 10 – Titulares de passaporte colectivo por sectores de actividade (1912)

Sector Primário145

Sector Secundário20

Sector Terciário13

Sem indicação56

As acompanhantes do sexo feminino, sobretudo esposas e filhas, recolhemum peso percentual de 54,9%. Mas se tivermos em conta as esposas,filhas/filhos, estes constituem 95,3% dos acompanhantes, com idades com-

Page 302: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

preendidas, respectivamente, entre os 15 e os 54 anos e os 0 e os 25 anos (verQuadros n.º 13 e n.º 14 e Gráficos n.º 11 e n.º 12).

EMIGRAÇÃO FAMILIAR PARA O BRASIL DO DISTRITO DE BRAGA, NO ANO DE 1912

301

Gráfico n.º 11 – Parentesco dos acompanhantes (1912)

Filhos351

Netos6

Sobrinha1

Sogro1 Criados

7

Irmãos6

Cônjuges78

Quadro n.º 13 – Parentesco dos acompanhantes (1912)

Masc. 0 192 5 4 0 1 1 203 45,10

Fem. 78 159 1 2 1 0 6 247 54,90

Total 78 351 6 6 1 1 7 450 100,00

% 17,30 78,00 1,30 1,30 0,20 0,20 1,60 100,00

SexoIrmãosFilhosCônjuges Netos Sobrinha CriadosSogro

TotalParentesco

%

Quadro n.º 14 – Acompanhantes por grupos etários (1912)

0-4 101 1 4 106 23,60

5-9 113 3 1 1 118 26,20

10-14 91 2 1 1 95 21,10

15-19 1 29 30 6,70

20-24 16 13 2 31 6,90

25-29 17 3 2 22 4,90

30-34 12 1 13 2,90

35-39 15 1 1 17 3,80

40-44 9 9 2,00

45-49 6 6 1,30

50-54 1 1 0,20

55-59 0,00

60-64 1 1 0,20

65-69 0,00

70-74 1 1 0,20

TOTAL 78 351 6 6 1 1 7 450 100.00

Gruposetários IrmãosFilhosCônjuges Netos Sobrinha CriadosSogro

TotalParentesco

%

Page 303: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O Rio de Janeiro é declarado como destino em 68% dos casos de emigra-ção familiar do distrito de Braga, no ano de 1912, seguido de Santos/São Pauloem 11,1% (ver Quadro n.º 15 e Gráfico n.º 13).

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

302

Gráfico n.º 12 – Acompanhantes por grupos etários (1912)

0

20

40

60

80

100

120

140

0–4 5–9 10–14 15–19 20–24 25–29 30–34 35–39 40–44 45–49 50–54 55–59 60–64 65–69 70–740-4 5-9 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74

Quadro n.º 15 – Destino das famílias (titulares e acompanhantes) (1912)

Rio de Janeiro 162 303 465 68,00

São Paulo 6 18 24 3,5

Santos 15 37 52 7,6

Pará 7 8 15 2,2

Manaus 4 5 9 1,3

Pernambuco 1 1 2 0,3

Baía 1 2 3 0,4

S/Indicação 38 76 114 16,7

Total 234 450 684 100,00

Destinos Titulares masculinos Titulares FemininosTotal

%

Gráfico n.º 13 – Destino das famílias (titulares e acompanhantes) (1912)

Baía0,4%Pernambuco

0,3%

Manaus1,3%

Pará2,2%

Santos7,6%

São Paulo3,5%

Rio de Janeiro68%

S/ indicação16,7%

Page 304: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

CONCLUSÕES

O Brasil foi o destino declarado por 4164 indivíduos, naturais do distrito deBraga, que solicitaram passaporte no Governo Civil de Braga no ano de 1912. Ofluxo emigratório configura a persistência do padrão de emigração masculina tra-dicional de jovens solteiros e homens casados com passaporte individual (78,3%).

A imagem desta emigração masculina individual pode revelar-se, porémenganadora. Os passaportes solicitados por homens solteiros ou casados escon-dem, em muitos casos, formas de emigração familiar ou de reagrupamento fami-liar. As relações familiares de maridos que levavam as esposas, pais que partiamcom filhos, ou irmãos que acompanhavam irmãos com passaportes individuais,foram por nós comprovadas inúmeras vezes recorrendo aos dados fornecidospelos registos de nascimento ou casamento apensos aos Processos de Pedido dePassaporte, exaustivamente consultados e registados durante o nosso estudosobre a emigração familiar para o Brasil, no concelho de Guimarães.

EMIGRAÇÃO FAMILIAR PARA O BRASIL DO DISTRITO DE BRAGA, NO ANO DE 1912

303

O Quadro n.º 16 mostra-nos os destinos declarados pelos titulares de pas-saporte por concelho de naturalidade. O movimento emigratório é um fenó-meno de reencontro e de reunificação. A maioria vai para o Rio de Janeiro, SãoPaulo e Santos, onde já se encontravam familiares, amigos, vizinhos. Outrosdestinos, como Pará e Manaus, são escolhidos por 10% dos titulares do conce-lho de Amares e por 12, 6% dos titulares dos concelhos de Braga e de VilaVerde.

Quadro n.º 16 – Destino dos titulares dos passaportes

Amares 123 6 9 4 12 1 0 0 0 0 3 158 4,3

Barcelos 346 20 42 14 8 0 2 2 0 0 144 578 15,6

Braga 356 6 9 33 25 6 3 0 1 0 19 459 12,4

Cab. de Basto 55 2 5 3 2 0 0 0 0 0 15 82 2,2

Celor. Basto 104 3 8 7 3 0 0 0 0 0 5 130 3,5

Esposende 161 11 24 3 2 0 2 1 0 0 75 279 7,5

Fafe 275 1 4 28 6 3 3 0 0 0 67 387 10,4

Guimarães 322 9 6 6 5 0 1 0 0 0 6 355 9,6

P. do Lanhoso 221 0 2 10 1 0 0 0 0 0 14 248 6,7

Ter. de Bouro 100 0 0 10 0 3 0 0 0 0 0 113 3,0

V. do Minho 211 0 5 1 2 1 0 0 0 0 14 234 6,3

V. N. Famal. 248 2 13 8 1 1 0 0 1 0 29 303 8,2

Vila Verde 284 4 10 41 8 1 1 0 0 1 38 388 10,4

2896 64 137 168 75 16 12 3 2 1 429 3714 100

ConcelhosR. Jan. S. Paulo Santos Pará Manaus Pern. Baía R.G.Sul Maranh. Ceará S/Ind. Total %

Destinos dos titulares de passaporte

Page 305: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Infelizmente, não foi ainda feito o cruzamento dos dados dos registos depassaporte dos indivíduos naturais dos outros concelhos do distrito de Braga,com os dados dos Processos de Passaporte existentes para este ano de 1912.

Também os titulares femininos com passaporte individual, que neste estudorecolhem o peso percentual de 5,2%, podem ter acompanhado familiares pró-ximos, como foi também comprovado por nós no trabalho de investigaçãosobre Guimarães.

A avaliação da emigração familiar dos naturais do distrito de Braga, no anode 1912, remeteu-se, neste caso, à contabilização dos titulares de passaportescolectivos e seus acompanhantes, num total de 684 indivíduos, com um pesopercentual de 16,4%.

Estes titulares de passaportes colectivos são 50,9% do sexo masculino e49,1% do sexo feminino. As esposas e filhos/filhas constituem 95,3% dosacompanhantes. A relevância da titularidade feminina e dos acompanhantes dostitulares masculinos denunciam a importância crescente do reagrupamentofamiliar e da emigração familiar. A grave situação política, social e económicavivida em Portugal e a quebra do câmbio brasileiro que provocou uma retrac-ção brutal nas remessas enviadas pelos emigrantes levaram ao abandono dosprojectos de retorno. Assiste-se, então, a um crescendo das partidas de famílias.Como já temos dados informatizados do concelho de Guimarães até 1914,podemos confirmar esta situação.

No ano de 1912, como acabamos de ver para o concelho de Guimarães, dos397 registos de passaporte contabilizados, 64 registos dizem respeito a titula-res de passaportes colectivos e seus acompanhantes, o que indica que 16,1%dos indivíduos partiram em grupos familiares.

No ano de 1913, dos 405 registos de passaporte com destino ao Brasil, 102registos são de titulares de passaporte colectivo e respectivos acompanhantes oque corresponde a um percentual de 25,2% (Sarmento, 1997: 13).

No ano de 1914, dos 187 indivíduos de Guimarães, que solicitam passa-porte para o Brasil, 12 grupos familiares eram constituídos por duas pessoas,umgrupo por três, dois grupos por quatro e três grupos por cinco pessoas, o queperfaz um total de 50 indivíduos. A percentagem destes indivíduos que inte-graram grupos familiares é, agora, de 26,7% (Sarmento, 1997: 13).

As relações entre família permanecem obscuras (Alves, 1994: 23). Sópequisas de âmbito local nos poderão ajudar a ponderar e a conhecer a ampli-tude da emigração familiar no seio do grande movimento emigratório de Por-tugal para o Brasil, nos finais do século XIX, princípios do século XX (Pereira,1993: 9, 13).

FONTE

Arquivo Distrital de Braga – Livro de Registo de Passaportes, n.º 16, Julho de 1911-Março de1913.

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

304

Page 306: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Jorge Fernandes, 1993 – “Lógicas Migratórias no Porto Oitocentista», in Pereira,Miriam Halpern et al. (eds.). Emigração/Imigração em Portugal. Lisboa: Fragmentos.

PEREIRA, Miriam Halpern et al. (eds.) – Emigração/Imigração em Portugal. Lisboa: Frag-mentos.

SARMENTO, Carmen Alice Aguiar de Morais, 1997 – Emigração Familiar para o Brasil, Con-celho de Guimarães, 1890-1914 (uma perspectiva microanalítica). Braga: Instituto de Ciên-cias Sociais, Universidade do Minho (dissertação de Mestrado)

EMIGRAÇÃO FAMILIAR PARA O BRASIL DO DISTRITO DE BRAGA, NO ANO DE 1912

305

Page 307: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 308: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

307

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

Maria da Conceição Meireles Pereira Paula Marques dos Santos

Era inevitável que o regime republicano (1910-1926) contemplasse no seuafã legislativo uma matéria que, apesar das múltiplas questões que a Repúblicareformou e projectou para a ribalta política, continuava a ser prioritária, tantoassim que os fluxos emigratórios para o Brasil aumentaram neste período, evi-denciando-se, desde logo, os anos 1911-1913 (segundo alguns o início da emi-gração maciça) seguidos de um decréscimo causado pela I Guerra Mundial,retomando em alta após o fim do conflito1.

Com efeito, a República não conseguiu suster a sangria para o Brasil – fra-gilidade que durante anos os republicanos atribuíram ao mau exercício políticoda Monarquia – mas também não se demitiu de enquadrar essa prática numquadro legal que, por um lado, herdou as suas traves mestras da matriz monár-quica e, por outro, assumiu feições próprias, mesclando inovação e continui-dade. Sendo clandestina uma parte considerável da emigração, a sua repressãotoma um lugar crescente na legislação portuguesa2 que, todavia, carece de umaanálise comparativa com a sua congénere brasileira já que, no Brasil, asmudanças de políticas imigratórias foram “sempre acompanhadas de produçãoabundante de instrumentos legais que as definiam e redefiniam”3.

Apesar de omitir o direito à livre circulação dos indivíduos e sua escolha dolocal de residência e trabalho na Constituição que promulgou em Agosto de 1911,a I República Portuguesa patenteou em mais de meia centena de textos legislati-vos diversas preocupações relativamente à magna questão da emigração para oBrasil, desde a viagem transatlântica até aos lugares de recepção, passando pelasempresas engajadoras e matérias de carácter administrativo-burocrático. Como éusual nos textos deste teor, é comum serem referidos os ilícitos mais frequente-mente praticados e que a lei tenta corrigir, facto que lhes confere a dimensão defontes históricas de incontestável valor. Ao incidir na emigração para o Brasil, estetrabalho exclui da sua análise a legislação sobre emigração para outros destinosque, aliás, se começava a tornar mais expressiva neste período (nomeadamente aemigração para diferentes países da Europa, América do Norte e Central, etc.).

1 PEREIRA, 1981: 20. 2 PEREIRA, 1993: 14.3 WESTPHALEN et al 1993; BALHANA, 1993: 25.

Page 309: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Por razões metodológicas, vamos avaliar esta produção legislativa reco-lhida nas Colecções de Legislação e no Diário do Governo, em quatro fases,consoantes os contextos histórico-políticos. A 1.ª fase, que corresponde aosalvores do novo regime, evidencia uma intenção de regular questões que seprendiam com o serviço militar e a emissão de passaportes. Assim, a amnistia(Decreto com força de Lei de 4 de Novembro de 1910) concedida para soleni-zar a implantação da República – “o acontecimento mais notável da históriapátria” – abrangia, no seu artigo 6.º, os indivíduos que à data da publicaçãodeste decreto estivessem considerados como refractários do exército e daarmada, e se encontrassem residindo em país estrangeiro4.

O Ministério do Interior, pela sua Direcção Geral da Administração Políticae Civil, publicou então várias circulares e portarias atinentes a assuntos rela-cionados com a emigração:

• A circular de 30 de Maio de 1911 visava a uniformidade na concessão depassaportes a reservistas, tornando obrigatória a licença do comandanteda divisão a que pertencesse o distrito de residência do impetrante, a qualera apenas válida por 60 dias.

• A de 28 de Outubro regulamentava os termos de fiança relativos ao ser-viço militar.

• A de 5 de Dezembro recomendava aos governos civis o envio semanal aoComissariado da Polícia Especial de Emigração um mapa dos passapor-tes concedidos.

• A de 30 de Dezembro insistia na necessidade de haver no serviço de “con-cessão de passaportes as maiores cautellas” pelo que exigia rigorosaobservância do preceituado em tal matéria.

• A de 27 de Fevereiro de 1912 esclarecia, em virtude de terem surgido váriasdúvidas, que a concessão de passaportes, bem como dos bilhetes de identi-dade, era competência exclusiva dos governadores civis enquanto aos admi-nistradores dos concelhos cabia apenas justificar a identidade do impetrantee lavrar o respectivo termo, sendo ele residente no concelho em causa.

• A de 13 de Abril estabelecia que de futuro só pudessem ser concedidospassaportes a pessoas que fossem naturais do distrito ou fizessem provaque nele eram residentes “há mais dum ano, não se admitindo simples ale-gações nem a consideração de que por falta de meios não podem ir ao dis-trito da sua naturalidade”5.

Maria da Conceição Meireles Pereira / Paula Marques dos Santos

308

4 Os termos desta amnistia e sua aplicação seriam esclarecidos por decretos de 14 e 15 de Novem-bro do mesmo ano.

5 RAMOS, 1913: 162. A razão subjacente à publicação desta Circular transparece do texto damesma que alude ao facto de haver grande facilidade, em alguns governos civis, “em concederpassaportes a indivíduos que se lhes apresentam a solicitá-los, fazendo uma simples alegação semprova de qualidade alguma de que transferiram para ele a sua residência (…) acrescendo umagrande parte de tais pretendentes recorrerem a este meio por que no distrito da sua naturalidadenão conseguiam e por atendíveis motivos que tais passaportes lhes fossem dados”.

Page 310: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

• A de 17 de Agosto ordenava que a cada passaporte ou bilhete de identi-dade devia ser junto um impresso autenticado com a assinatura do gover-nador civil e selo branco da respectiva secretaria contendo por extenso osdizeres dos artigos 26 e 28 do regulamento consular de 24 de Dezembrode 1903, bem como das alíneas a), b), c), e parágrafo único do n.º 1 doartigo 1.º da tabela dos emolumentos consulares aprovado por decreto de26 de Maio de 1911.

• A de 18 de Setembro determinava que quando em qualquer administraçãode concelho se procedesse à justificação da identidade do indivíduo quepretendesse passaporte para sair do país, esse processo seria enviado aorespectivo governador civil que o deveria devolver (no prazo designado noartigo 4.º da lei de 25 de Abril de 1907) com o passaporte ao mesmo admi-nistrador que tivesse organizado o processo sem que fosse necessária acomparência pessoal do impetrante no governo civil (como se fazia emalguns distritos mas não era “harmónico com o que a citada lei preceitua”).

• A portaria de 27 de Novembro enfatizava a necessidade de aperfeiçoamentoda estatística sobre a emigração e de se iniciarem trabalhos sobre imigração,pelo que reiterava a observância rigorosa de certos artigos do regulamentogeral da polícia marítima de 7 de Abril de 1863 por parte da Polícia Espe-cial de Repressão de Emigração Clandestina6, nos portos de Lisboa e Porto,e da polícia cívica nos demais portos do continente e ilhas, relativamente àentrega de relações de passageiros que desembarcassem nesses portos eexigissem das agências e das respectivas companhias de vapores uma rela-ção dos que embarcassem. Quer das listas de embarque quer de desembar-que, deveriam estas polícias enviar à Direcção Geral de Estatística uma notaresumida com menção do número de emigrantes e imigrantes, por sexo,profissões, estados, grupos de idade, procedência e destino.

• Outra portaria de 27 de Novembro de 1912 estipulava que, enquanto senão designasse fardamento e distintivo especiais para os agentes da Polí-cia Especial de Repressão de Emigração Clandestina que lhes permitis-sem reconhecimento e respeito no desempenho das suas funções “deindubitável importância”, estes deveriam usar a bordo dos navios umboné cujo emblema fosse formado pelas iniciais P.E. encimadas pelaesfera armilar bordada a ouro.

• A portaria de 3 de Julho de 1914 voltava a tratar de passaportes para ten-tar resolver os frequentes “abusos praticados pelos engajadores da emi-gração clandestina” que incitavam os emigrantes à prática dum acto ile-gal que consistia em devolverem o seu passaporte, uma vez chegados aoporto de destino, “com o fim dum outro indivíduo dele se aproveitar, con-tinuando assim o mesmo documento a servir a vários emigrantes dentrodo ano da sua validade”. Para evitar esta situação, era ordenado que no

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

309

6 A Polícia de Repressão da Emigração Clandestina havia sido criada em 1896, datando o seu regu-lamento de 3 de Julho daquele ano (PEREIRA, 2008: 43).

Page 311: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

acto da fiscalização, em todos os passaportes de emigrantes, antes doembarque, fosse lançada uma “sobrecarga”, isto é, se especificasse onavio, o porto do destino e a data de saída.

Embora o fenómeno emigratório pudesse ser ocasionalmente alvo de dis-posições legais provindas de outros ministérios7, era o Ministério do Interiorquem detinha a primazia legislativa sobre a prática da emigração. Essa é tam-bém a proveniência das Instruções de 25 de Novembro de 1912, destinadas àinterpretação da lei de 22 de Novembro de 1907 que estabelecia quem necessi-tava de passaportes (“emigrantes”) e quem deles estava dispensado (“simplesviajantes”), para efeito de melhor fiscalização da polícia a bordo dos navios.Segundo estas instruções, eram emigrantes:

a) Todos os nacionais que pretendam embarcar na 3.ª classe dos navios;b) A mulher casada que pretende embarcar na 1.ª ou 2.ª classe dos navios

ou nas classes intermediárias, desacompanhada do marido, se não mos-trar que está legalmente separada de pessoa e bens;

c) Os menores que pretendam embarcar nas mesmas classes desacompa-nhados dos pais ou tutores;

d) Os menores de 40 anos sujeitos ao recenseamento, ou ao serviço das tro-pas activas, ou das tropas de reserva;

e) Aqueles que pretendam embarcar em 1.ª ou 2.ª classe ou classes inter-mediárias com a intenção de estabelecer residência fixa em paísesestrangeiros do ultramar;

f) Os nacionais portadores de títulos de naturalização, tais como cartas epassaportes concedidos por autoridades brasileiras no estrangeiro,quando os seus portadores tenham menos de 30 anos e estejam sujeitos àreserva militar pelo disposto no decreto de amnistia de 4 de Novembrode 19108.

Em 1914, com a eclosão do 1.º conflito mundial – e consideramos esta asegunda fase de análise – partem do Ministério da Guerra algumas sugestõeslegislativas em matéria de emigração. Desde logo a lei n.º 231, de 6 de Julhodesse ano, que em 12 artigos estipulava as condições em que os mancebosmaiores de 14 anos sujeitos a serviço militar e as praças das tropas activas e dereserva do exército podiam obter passaportes ou bilhete de identidade para seausentarem para o estrangeiro. A questão militar estava na ordem do dia e a leide 30 de Junho de 1914, relativa à emigração, é regulamentada em 8 de Agosto,entrando esse regulamento em vigor a partir de 27 de Outubro desse ano

Maria da Conceição Meireles Pereira / Paula Marques dos Santos

310

7 Como é o caso da circular de 6 de Março de 1913, do Ministério das Finanças, que determinavaque todo o agente de emigração estava sujeito à licença respectiva ainda que trabalhasse por contade qualquer agência legalmente constituída.

8 RAMOS, 1913: 94.

Page 312: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

(Decreto n.º 978). De forma ainda mais detalhada, eram estabelecidas as for-malidades indispensáveis às tropas activas, de reserva, licenciadas e refractá-rias, bem como aos jovens maiores de 14 anos que pretendiam emigrar, avul-tando as taxas fixas e anuais, as apresentações nos consulados, também anuais,entre muitas outras exigências. Este Regulamento para a execução da lei de 30de Junho de 1914, relativa a emigração incluía ainda os modelos dos impres-sos e guias que registavam as quantias pagas e restituídas nas diversas circuns-tâncias em que os indivíduos se encontravam.

Em 1916, a República, pelo Ministério do Interior, voltou a legislar sobreuma matéria que envolvia passaportes e serviço militar. Ordenava a Portaria n.º613 (14 de Março) que deixavam de ter validade, se não fossem previamentesubmetidos ao visto da competente autoridade administrativa, os passaportes ebilhetes de identidade concedidos a adultos entre os 17 e os 45 anos, em ser-viço militar ou eventualmente sujeito a ele. A Portaria n.º 614, da mesma data,ordenava que cessasse a dispensa de passaporte de saída a todos os indivíduosmencionados nos números 1 a 3 do 1.º artigo da lei de 25 de Abril de 1907, istoenquanto durasse o estado de guerra. Saliente-se que estas portarias são publi-cadas uma semana após a declaração de guerra da Alemanha a Portugal queocorreu em 9 de Março de 1916. Ainda neste mês de Março, a 22, saiu a por-taria n.º 620 que novamente lembrava a circunstância especial que o país vivia,determinando que aos cidadãos abrangidos pelo artigo 1.º do Decreto n.º 2287,de 20 de Março de 19169, não fossem concedidos passaportes enquanto nãofossem declarados isentos do serviço militar pelas juntas de saúde de revisão,e aqueles que já tivessem obtido os passaportes não os poderiam utilizar semos submeterem ao visto da autoridade administrativa.

O estado de guerra exigia maiores e mais intensos serviços de fiscalizaçãoterrestre e marítima à Polícia Especial de Repressão de Emigração Clandestina,resultando daí a necessidade de aumentar o número dos seus agentes. Assim, oDecreto n.º 2546, de 2 de Agosto de 1916, mandou prestar serviço naquela cor-poração, na qualidade de provisórios, dez guardas dos corpos de polícia cívicade Lisboa e do Porto. Decorrido pouco mais de um ano sobre esta experiência,constatou-se que os efectivos da Polícia Especial de Repressão de EmigraçãoClandestina eram ainda insuficientes para tantos afazeres (exame e visto dospassaportes; organização do rol dos passageiros entrados e saídos; vários outrosserviços de fiscalização tanto nos portos como nas estações fronteiriças daslinhas férreas) pelo que o Decreto n.º 3593, de 23 de Novembro de 1917, ele-vou para vinte o número de agentes provisórios da Polícia Especial de Repres-são de Emigração Clandestina. Para credibilizar a acção desta polícia, esteDecreto considerava ainda, no seu artigo 3.º, que os autos por ela levantados

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

311

9 Este decreto estabelecia que seriam submetidos a juntas de saúde de revisão – que poderiam sertrês sucessivas – todos os cidadãos com menos de 45 anos de idade que tivessem sido isentos doserviço militar por incapacidade física, bem como todos os militares que pelo mesmo motivotivessem passado ou viessem a passar à situação de reserva ou de reforma.

Page 313: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

fariam fé em juízo e teriam força de corpo de delito, desde que cumprissem opreceituado no tocante ao número e depoimentos das testemunhas.

Em 16 de Abril de 1918, o Decreto n.º 4095 voltava a apertar o torno naquestão dos passaportes e dos vistos que lhes eram apostos. Segundo a lei de1907, sempre que decorresse um ano sobre a emissão do passaporte este care-cia de visto, enquanto que pela lei de 1916 o passaporte era válido por um anomas durante esse prazo se o seu titular pretendesse sair do país deveria apre-sentá-lo no governo civil para ser visado. Tal regime gerava numerosos abusospelo que este novo decreto estabelecia que os passaportes emitidos sob aquelasleis seriam apenas válidos pelo prazo de quarenta e oito horas para a saída dopaís. Passado esse prazo, só teriam validade para a saída do país se fossemvisados no respectivo governo civil, para obterem validade por igual período.Os passaportes dos viajantes por via marítima, mesmo que fossem provenien-tes de outros distritos, podiam ser visados em Lisboa e no Porto pela Polícia deEmigração, se os viajantes provassem a impossibilidade do embarque no prazoindicado no passaporte.

Outra medida suscitada pelo estado de guerra consubstanciou-se na Porta-ria n.º 1336, de 26 de Abril de 1918 que, em virtude da necessidade de maiorfiscalização sobre os indivíduos que entravam e saíam do país, determinou acriação, em Lisboa e no Porto, de uma comissão composta de três membrospara verificação de passaportes, pelo que nenhum passaporte seria válido semo visto de uma destas comissões.

Terminada a guerra, constata-se uma necessidade generalizada de melhorare uniformizar procedimentos administrativos, constituindo este o terceiromomento a considerar pelo presente estudo. O Governo português teve entãoconsciência que o fluxo emigratório recresceria, podendo até atingir “maioresproporções”. Foram tais receios que inspiraram o Decreto n.º 5624, de 10 deMaio de 1919, composto de 10 capítulos e 73 artigos, e que pode ser conside-rado a grande peça legislativa da República nesta matéria, “um dos marcos fun-damentais nos domínios da nossa emigração”10. O seu preâmbulo reconheciaque competia ao Governo preparar-se para esse facto, quer para encaminhar eproteger a futura corrente emigratória, quer para o país auferir “desse fenómenosocial os correspondentes resultados”. Assim, o executivo propunha-se regula-rizar e definir a situação dos emigrantes, estabelecendo medidas de caráctertutelar como a repatriação, consideradas formas de protecção do emigrante, àimagem do que se passava noutros países europeus. Inadiável era também anecessidade de reprimir a emigração clandestina e ilegal, bem como de regula-mentar as agências de emigração e de passagens e passaportes.

No capítulo I – Liberdade de trânsito pelas fronteiras e suas restrições –eram identificados os indivíduos que estavam dispensados de passaporte (salvoem “casos de excepcional gravidade”) para saída do país, os quais, basica-

Maria da Conceição Meireles Pereira / Paula Marques dos Santos

312

10 RIBEIRO, 1987: 46.

Page 314: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

mente, eram todos os que não fossem considerados emigrantes. Por isso, oartigo 2.º continha a definição de “emigrantes e consequentemente sujeitos aapresentação de passaporte”:

1.º Os nacionais que com passagem de 3.ª classe embarquem para portosestrangeiros;

2.º Os nacionais que, embarcando em 1.ª, 2.ª ou classes intermediárias, per-tençam a algumas das seguintes categorias:a) Os que tiverem o propósito de estabelecer residência fixa no estran-

geiro;b) As mulheres casadas desacompanhadas dos maridos, salvo provando

estarem legalmente separadas de pessoas e bens;c) Os menores desacompanhados de pais ou tutores;d) Os indivíduos com menos de quarenta e cinco anos sujeitos ao ser-

viço militar;3.º Os nacionais que pretendam sair pela fronteira terrestre para embarcar

em 3.ª classe, com o fim de se esquivarem ao cumprimento das disposi-ções deste decreto, e os compreendidos no n.º 2.º [funcionários diplo-máticos e consulares] que com o mesmo fim pretendem embarcar emporto estrangeiro11.

Os artigos imediatamente seguintes tratavam dos passaportes. Estes teriamque ser sempre individuais, e seria cobrada a taxa de 6$ por cada cidadão dosexo masculino maior de catorze anos e 10$ por cada mulher ou indivíduo dosexo masculino menor de catorze anos. Os passaportes seriam sujeitos a ummodelo uniforme e deveriam conter, além das indicações regularmente pres-critas, menção se o emigrante ia contratado ou partia espontaneamente, isto é,sem vínculo de trabalho. Reiterava-se a emissão dos passaportes pelos gover-nos civis da naturalidade ou residência dos impetrantes, ou pelos consuladosportugueses no estrangeiro, e a identificação do impetrante na administraçãodos concelhos. Fixavam-se os emolumentos respectivos bem como os docu-mentos exigidos para obtenção do passaporte: além do documento de identifi-cação, eram necessários o certificado do registo criminal, certidão de idade e,sendo menores de vinte de um anos, autorização de pais ou tutores; sendomulheres, a autorização do marido ou documento comprovativo da separaçãode pessoas e bens; sendo funcionários públicos, a licença de superiores com-petentes. Os cidadãos maiores de 14 anos e menores de 45 só poderiam obterpassaporte apresentando licença das autoridades militares competentes. Todosos cidadãos nacionais e estrangeiros que embarcavam com destino aos portosestrangeiros a bordo de navios de qualquer nacionalidade, ficavam sujeitos aopagamento da taxa de 5$, 2$50 e 1$, conforme adquirissem passagem em 1.ª,

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

313

11 Vejam-se as pequenas diferenças entre esta definição de “emigrante” e a exarada nas Instruçõesde 1912, atrás referidas.

Page 315: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

2.ª ou 3.ª classe (as classes intermediárias eram equiparadas às imediatamentesuperiores).

O artigo 9.º, último deste capítulo, determinava que o Governo podia sus-pender a emigração para um determinado país, por motivos de ordem pública,ou quando corressem perigo a vida, liberdade ou os bens dos emigrantes.

O capítulo II – Da Emigração – tratava de questões que se prendiam coma protecção dos emigrantes relativamente às formas irregulares do seu recruta-mento, contratação e condições de transporte:

• Proibia-se a excitação pública à emigração, bem como a propaganda enga-nadora e dolosa para o recrutamento individual ou colectivo de emigrantes;

• O recrutamento de emigrantes só poderia ser feito pelos agentes de emi-gração definidos no artigo 16.º;

• Os agentes de emigração eram obrigados a realizar com cada um dosemigrantes um contrato escrito, em duplicado, lavrado em papel comum,isento de selo e reconhecido gratuitamente pelo notário, constando do seutexto que o contratador se responsabilizava pela segura expedição do emi-grante e sua bagagem até ao ponto de destino; pela alimentação e acomo-dação do emigrante no porto de embarque, desde o dia anunciado para apartida até aquele em que esta efectivamente se realizasse; pela salubreacomodação a bordo e alimentos suficientes e higiénicos durante a via-gem e no caso de estacionamento ou desembarque forçado; pelo trata-mento e fornecimento gratuitos de médico e remédios no caso de doença;pela restituição no lugar de destino, em valor correspondente ao daentrega em Portugal, de qualquer quantia recebida do emigrante a títulode depósito; pela indemnização dos prejuízos causados, reembarque paraPortugal e pagamento de despesas até a chegada ao domicílio no caso doemigrante ser rejeitado pela empresa ou pessoa por conta de quem oagente havia contratado (a indemnização não tinha lugar em caso de inap-tidão física ou mental adquirida durante a viagem).

As obrigações sobre condições de transporte atrás referidas eram impostasàs companhias de navegação e carreiras marítimas ou aos agentes em relaçãoaos emigrantes que partiam deliberadamente, sem vínculo contratual.

O artigo 13.º interditava a emigração às pessoas nas circunstâncias seguintes:

• Indivíduos com mais de sessenta anos que pretendessem partir esponta-neamente, isto é, sem vínculo de trabalho;

• Indivíduos portadores de doença ou enfermidade que os impossibilitassede trabalhar para angariar meios de subsistência;

• Mulheres solteiras, menores de vinte e cinco anos, não sujeitas ao pátriopoder ou tutela quando, por não serem acompanhadas de seus pais, tuto-res, parentes ou pessoas respeitáveis, se suspeitasse fundadamente quepodiam ser objecto de tráfico desonesto;

Maria da Conceição Meireles Pereira / Paula Marques dos Santos

314

Page 316: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

• Os que sem acordarem com a autoridade e assistência competente, dei-xassem no país filhos menores;

• Os menores de catorze anos desacompanhados dos pais, tutores ou pes-soas respeitáveis.

Nas duas primeiras situações, a proibição cessava quando os interessadosprovassem que o seu sustento estava absolutamente garantido no lugar de des-tino. Os menores que partiam acompanhados de pessoas respeitáveis eramobrigados a provar que tinham a sua subsistência assegurada no lugar para ondese dirigiam.

Ainda no campo contratual, esta lei dispunha que os emigrantes podiamrescindir o contrato, com direito a reembolso de metade do que haviam dis-pendido, se avisassem a pessoa com quem contrataram cinco dias antes da datade embarque. Nos casos de doença grave ou morte, a antecedência era apenasde seis horas, devendo então o interessado ou herdeiros receber por inteiro oque tivesse sido pago. A rescisão do contrato e o reembolso pleno das despesastambém podia dar-se no caso de os emigrantes se apresentarem atempadamenteno porto e não embarcassem por falta de acomodações no navio.

Dos agentes de emigração e dos agentes de passagens e passaportes erao título do III capítulo que visava regular este ramo de actividade que abran-gia “as companhias ou empresas e todos os indivíduos que promovam o recru-tamento ou por qualquer forma angariem emigrantes para país ou colóniaestrangeira”. Só podia ser agente de emigração quem tivessem feito contratocom as pessoas que, no estrangeiro, precisassem dos serviços de emigrantes ese habilitassem com a devida licença concedida pelo Comissariado Geral dosServiços de Emigração, ouvida a Inspecção respectiva. Estes contratos depen-diam da aprovação do Governo e, entre outras cláusulas regulamentares, nelesdevia especificar-se o número máximo de emigrantes a contratar, o local paraonde eram conduzidos, os serviços a que se destinavam e as garantias e pro-ventos que lhes eram assegurados. A licença era pessoal e intransmissível, porela era cobrada anualmente a quantia de 500$ e apenas era concedida a indi-víduos que:

• Fossem cidadãos portugueses por origem ou naturalização;• Apresentassem certificados de registo criminal isento de crimes e atestado

de bom comportamento moral e civil passado pela Câmara Municipal doseu domicílio;

• Assinassem pessoalmente ou por procurador um termo de responsabili-dade em que se obrigavam a cumprir a rigorosa observância das leis eregulamentos relativos à emigração e a apresentar nos governos civis danaturalidade dos emigrantes os contratos que com eles celebrassem paraserem registados e visados;

• Prestassem caução ao exacto cumprimento das obrigações contraídas paracom os emigrantes e ao pagamento da contribuição industrial em que fos-

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

315

Page 317: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

sem tributados, no valor de 6000$, dos quais um terço poderia ser con-vertido em títulos da dívida pública e o restante em fiança idónea.

As licenças conferiam a possibilidade de solicitar passaporte e vender pas-sagens, havendo também a figura de “agentes de passagens e passaportes” osquais, com ou sem escritório, recebiam remuneração ou comissão por vende-rem passagens, recomendarem ou ainda acompanharem os interessados àscompanhias de transportes marítimos ou seus consignatários. Estas licenças sóeram passadas aos indivíduos que reunissem as condições atrás referidas paraos agentes de emigração, pagavam selo no valor de 250$ e fiança de 3000$, dosquais um terço poderia ser convertido em títulos da dívida pública. As ditaslicenças poderiam ser cassadas quando:

• Se provasse que favoreciam, por qualquer meio, a emigração clandestina;• Faltassem às condições dos contratos com os emigrantes e às responsabi-

lidades contraídas;• O fiador retirasse a fiança e esta não fosse devidamente substituída;• Praticassem actos que não fossem facultados pela licença.

O último artigo deste capítulo comprovava que os agentes de passagens ede passaportes podiam ser cumulativamente agentes de emigração já que,quando tal ocorria, eram obrigados a dar a cada emigrante nota das despesasefectuadas com a obtenção do passaporte, não podendo incluir, a título decomissão, remuneração ou gratificação pelos serviços prestados quantia supe-rior a 1$. A prática de cobrar valores indevidos seria comum entre estes agen-tes pois o parágrafo único do artigo 23.º estipulava o seguinte: “Contendo anota despesas maiores do que aquelas que realmente se efectuaram, ou pro-vando-se que o agente recebeu mais do que da nota consta, o emigrante terádireito a exigir dele o dobro do que houver pago a mais”.

O capítulo IV – Das companhias marítimas e seus agentes e dos capitãesou comandantes de navios – começava por enunciar as obrigações das compa-nhias marítimas nacionais ou estrangeiras e seus agentes:

• Avisar as inspecções dos serviços de emigração com a antecipação decinco horas, pelo menos, das chegadas dos seus navios, com a indicaçãose desembarcavam ou não quaisquer passageiros;

• Não fornecer bilhetes de passagem a emigrantes sem a prévia apresenta-ção do passaporte;

• Não entregar bilhetes de passagem a quaisquer passageiros sem que se astaxas fixadas no artigo 8.º fossem cumpridas no próprio bilhete;

• Apresentar quatro horas antes da hora marcada para o embarque a relaçãodos passageiros que o tivessem de realizar, bem como os passaportes ouquaisquer diplomas que legitimassem o embarque dos mesmos;

• Não fazer conduzir os passageiros para bordo antes de ali se encontrar ofuncionário que tivesse de fazer a fiscalização.

Maria da Conceição Meireles Pereira / Paula Marques dos Santos

316

Page 318: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Os bilhetes de passagem teriam de ser individuais, escritos em português edeveriam conter indicação da classe em que viajava o seu possuidor, além dosrequisitos regulamentares.

As obrigações dos capitães ou comandantes de navios mercantes nacionaisou estrangeiros constavam do seguinte:

• Apresentar a relação dos passageiros que tivessem embarcado ao funcio-nário do Comissariado Geral dos Serviços de Emigração que a bordoefectuasse o serviço policial de entrada;

• Não admitir a bordo passageiros em número superior àquele que estivesseespecificado na relação dada pela Companhia ou seu agente consignatá-rio;

• Não receber, antes ou depois dessa visita e depois de largarem a barra,passageiros portugueses e estrangeiros, salvo em caso de naufrágio;

• Não prejudicar, durante a viagem, as condições de alojamento em que ospassageiros houvessem sido embarcados;

• A proceder, em viagem, de acordo com o funcionário do ComissariadoGeral dos Serviços de Emigração que fosse a bordo, no caso de se torna-rem necessárias providências para a manutenção da ordem e da disciplinaalterada pelos passageiros portugueses, e quando nenhum funcionário doComissariado os acompanhasse, a não exercer sobre eles castigos corpo-rais ou procedimento injurioso, participando no consulado português noponto de destino as providências que houvesse tomado.

O capítulo V – Da repatriação – assumia particular relevância pois só erapermitido o transporte de emigrantes às companhias ou empresas de navegaçãonacionais ou estrangeiras que se sujeitassem à repatriação gratuita, em condi-ções de alimentação e acomodações iguais às dos outros passageiros de 3.ªclasse, de 3% de emigrantes indigentes embarcados no trimestre anterior, e pormetade do preço estabelecido para a viagem, de mais 10% dos embarcadosdurante igual período que não possuíssem meios de subsistência e de trabalho.O repatriamento seria efectuado proporcionalmente ao número de emigrantesque cada companhia ou empresa houvesse transportado de Portugal, ao númerode navios a elas pertencentes que tivessem saído durante o trimestre e às lota-ções de 3.ª classe.

Para o repatriamento, a preferência devia obedecer a seguinte ordem:

• Os obrigados a regressar a Portugal para cumprimento de deveres militares;• Os que padecessem de doença grave não contagiosa;• Os menores;• Os chefes de família, devendo ser escolhidos os que a tivessem mais

numerosa;• Os náufragos.

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

317

Page 319: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Do Comissariado Geral dos Serviços de Emigração tratava o capítulo VI.O artigo 30.º estipulava que todos os serviços do continente português que serelacionassem com a emigração seriam dirigidos por esta repartição do Minis-tério do Interior, directamente subordinada à Direcção Geral de SegurançaPública. Dependentes do Comissariado seriam criadas duas inspecções, umacom sede em Lisboa e outra no Porto.

O pessoal do Comissariado Geral, das inspecções e o corpo de fiscaliza-ção de emigração compunham-se de: um comissário geral; um secretário doComissariado; um amanuense do Comissariado; dois inspectores; dois secretá-rios de inspecção; cinquenta agentes (vinte de 1.ª classe e trinta de 2.ª ); doisserventes.

O texto da lei contemplava outros aspectos relacionados com este serviçocomo os vencimentos; categorias profissionais, respectivas idades e habilita-ções literárias; tipos de nomeações. As funções atribuídas ao pessoal do Comis-sariado Geral e das Inspecções eram vastas, encontrando-se explanadas em 16pontos que fundamentalmente se orientavam na prevenção de práticas ilícitas.Além de providenciarem a observação das leis e dos regulamentos por partedos emigrantes e agentes de emigração, cabiam-lhes actos de fiscalização,cobrança e arrecadação de taxas, instauração de processos, perseguição, buscae captura. Eram também obrigações suas coligir elementos para a publicaçãodo Boletim de emigração que seria dirigido pelo Comissariado12; elaborarmapas estatísticos mensais com o número de emigrantes e imigrantes, sexo,profissões, estados civis, grupos de idade, destino e procedência; organizar ocadastro dos infractores; expedir e publicar editais esclarecendo dúvidas quefossem suscitadas sobre a aplicação de disposições relativas à emigração.

Do fundo da emigração tratava o capítulo VII que continha dois artigos queexplicitavam a receita do fundo da emigração e a forma da sua aplicação.

Já o capítulo Disposições penais estabelecia numa dúzia de artigos as penasprevistas para os infractores, destacando-se algumas situações como as que aseguir se apresentam:

• Os que tentassem emigrar clandestinamente seriam julgados e punidos comuma multa de 10$ a 30$ e prisão correccional de quinze dias a três meses;

• Os que incitassem publicamente à emigração e os que fizessem propa-ganda enganadora e dolosa para o recrutamento de emigrantes seriampunidos com multa de 50$ a 100$ e prisão correccional de 1 a 12 meses;

• Os agentes de emigração clandestina, além do pagamento em dobro doselo da respectiva licença, seriam punidos com a multa de 500$ e prisãocorreccional de 1 a 3 anos;

Maria da Conceição Meireles Pereira / Paula Marques dos Santos

318

12 Previa-se que esse Boletim contivesse a descrição de contratos dos emigrantes, os preços vigen-tes das passagens marítimas, informações consulares sobre o mercado de trabalho e colocação de emi-grantes, estatísticas do movimento emigratório, a lista dos agentes de emigração e dos de passagens epassaportes, e de todas as demais notícias relacionadas com a emigração.

Page 320: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

• Os agentes de passagem e passaportes que não cumprissem o preceituadonesta lei seriam punidos com a multa de 250$ e prisão correccional de 6a 18 meses;

• As companhias e empresas de navegação e seus agentes, assim como oscapitães ou comandantes de navios que não cumprissem o legalmenteestatuído seriam punidos com a multa de 100$ a 500$;

• Os mestres ou arrais de barcos de pesca que conduzissem indivíduos abordo de navios fundeados nos portos, antes ou depois da fiscalização dapolícia da emigração, seriam punidos com 3 a 12 meses de prisão e per-deriam os seus barcos em benefício do Estado caso fossem seus proprie-tários;

• Os notários que faltassem ao estipulado neste decreto e se negassem, semjusto motivo, ao reconhecimento dos contratos ou por eles cobrassemalgum emolumento seriam punidos com a pena de suspensão de 3 a 6meses, perdendo o lugar no caso de reincidência.

As Disposições transitórias encontravam-se reunidas no capítulo IX, refe-rindo-se, sobretudo, a cargos, postos e direitos laborais do Comissariado Geraldos Serviços de Emigração, explicitando-se que o governo poderia tornarextensivo aquele serviço ao arquipélago dos Açores, criando para isso umapolícia autónoma custeada pelos corpos administrativos locais e, se circunstân-cias especiais o determinassem, o Comissariado poderia exercer funções nosserviços da polícia dos Açores e da polícia de emigração no Funchal.

Por sua vez, o último capítulo abordava as Disposições gerais que, funda-mentalmente, constituíam repetições e clarificações do texto da lei, abrindo oseu primeiro artigo com a indicação de que as disposições deste decreto a favordos emigrantes tinham carácter tutelar e não podiam ser renunciadas. No artigoseguinte eram consideradas medidas de excepção para os distritos onde hou-vesse maior movimento emigratório pois aí o comissário geral deveria estabe-lecer “as medidas que julgar por convenientes, no sentido de reprimir a emi-gração clandestina”. Ainda incidindo nesta tónica, o artigo 69.º estabelecia quea repressão da emigração clandestina incumbia a todas as autoridades civis emilitares, bem como aos corpos da guarda-fiscal, podendo capturar todos osindivíduos que não cumprissem as disposições deste decreto. O artigo 71.ºdeterminava a abertura no Ministério das Finanças a favor do do Interior de umcrédito especial de mais de quatro contos de réis para a execução deste decreto.No anterior, estipulava-se a publicação governamental dos regulamentos para“a uniforme e eficaz execução” deste decreto, a qual não se fez esperar.

Com efeito, volvido pouco mais de um mês, mais exactamente em 19 deJunho de 1919, pelo Decreto n.º 5886, foi publicado o Regulamento Geral dosServiços de Emigração, nos termos do decreto n.º 5 624, de 10 de Maio de1919. Este extenso diploma era composto por 144 artigos (desdobrados emnumerosos pontos) que formavam 17 capítulos. Como era de esperar, retomavae transcrevia muitos aspectos do decreto de Maio, aprofundando-os, sobretudo

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

319

Page 321: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

esclarecendo os seus trâmites burocráticos e fiscais, características que confe-rem a este texto uma dimensão de fonte histórica indispensável à investigaçãosobre emigração neste período. Em virtude da sua extensão, apenas serão aquireferidos os títulos dos capítulos e traços gerais da matéria que versavam.

O I capítulo – Liberdade de trânsito pelas fronteiras e suas restrições –além dos artigos iniciais, incluía uma secção denominada Passaportes e outraBilhetes de Identidade, num total de 26 artigos. Relativamente aos primeirosdeveriam conter diversas informações, nomeadamente se era emigrante contra-tado ou sem vínculo de trabalho, bem como “o retrato nítido e sem retoque, dedata recente”. Como atrás se mencionou, o texto da lei a que este regulamentose reporta determinava que os passaportes deviam ser sempre individuais;assim, embora o artigo 14.º referisse passaportes solicitados por uma famíliaexplicava que a cada pessoa do agregado devia corresponder um passaporte:“Quando se trate da expedição de passaportes destinados a uma família, o pro-cesso de justificação e o termo de reconhecimento de identidade será apenasum, conferindo-se tantos passaportes quantas forem as entidades que constemdo processo e da petição que os solicitou”.

O capítulo seguinte debruçava-se sobre o Imposto de embarque, explici-tando as suas formas de cobrança e isenções.

O capítulo III abordava em vinte artigos desdobrados em vários pontos eparágrafos a importante questão do Regime de emigração, explicando as for-mas proibidas de recrutamento de emigrantes, as referências que deviam cons-tar dos contratos de emigração, a definição de emigração “gratuita” e “subsi-diada”, o destino do documento do contrato e seu duplicado, as modalidades derescisão dos contratos, as obrigações dos agentes de emigração e navios detransporte para com os emigrantes, os casos em que estes podiam reclamar, etc.Os três últimos artigos deste capítulo evidenciavam a dimensão tutelar e pro-tectora relativamente à emigração (aliás deveras difícil de executar na prática)assumida pelo Estado, através do Comissariado Geral dos Serviços de Emigra-ção que deveria promover a criação de instituições de patronato aos emigran-tes, tanto no país como fora dele, podendo atribuir essas funções a sociedadesfilantrópicas e outras instituições que lhe fossem indicadas pelos consulados,às quais poderiam ser concedidos subsídios do fundo de emigração, “de modoa procurar melhorar, instruir e educar as condições morais da emigração, e oseu desenvolvimento económico com a Pátria”.

Do Transporte de emigrantes tratava o capítulo IV que estipulava as medi-das de fiscalização sobre as condições exigidas aos navios para bom acolhi-mento dos emigrantes as quais contemplavam, entre outros aspectos, a exis-tência de um médico a bordo sempre que o número de emigrantes excedesse oscinquenta, condições de salubridade do alojamento prevendo que o espaçofosse de cinco toneladas para cada dois emigrantes incluindo tripulação, boaqualidade e quantidade dos géneros alimentícios, bom acondicionamento equantidade da água (no mínimo, 35 litros por semana para cada indivíduo), far-mácia em quantidade e qualidade suficientes.

Maria da Conceição Meireles Pereira / Paula Marques dos Santos

320

Page 322: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O capítulo V abordava a questão da Fiscalização dos portos relativa a todosos navios mercantes nacionais e estrangeiros, a vapor ou de velas, empregadosem determinadas carreiras e viagens de longo curso.

Das companhias marítimas e dos capitães ou comandantes de navios era otítulo do VI capítulo que fixava as obrigações dos agentes ou consignatáriosdas empresas ou companhias de navegação, nacionais ou estrangeiras, queexpedissem bilhetes de passagem para portos estrangeiros.

Os dois capítulos seguintes tratavam respectivamente de Agências de emi-gração e Agências de passagens e passaportes, especificando as respectivasobrigações e licenças a que tinham de se submeter.

O capítulo IX intitulava-se Da repatriação e estipulava os moldes em queas companhias ou empresas de navegação nacionais e estrangeiras eram obri-gadas a repatriar gratuitamente emigrantes. As percentagens que cabiam a cadacompanhia ou empresa eram atribuídas em função das listas trimestrais elabo-radas pelos cônsules portugueses que apresentavam o número de portuguesesaí desembarcados por cada uma delas.

Nesta teia imbricada de deveres e obrigações, os cônsules e seus represen-tantes eram peças importantes a quem competia assistir aos desembarques,ouvir emigrantes, elaborar relatórios actualizados, entre outros aspectos espe-cificados no capítulo X.

Já os capítulos seguintes regulavam o funcionamento, atribuições e activi-dades Do Comissariado Geral dos Serviços de Emigração, Do ComissariadoGeral, Das Inspecções de Lisboa e Porto, e Dos agentes respectivos.

O capítulo XV explicava o modo de acumulação e aplicação do Fundo deemigração e o seguinte tratava Das ajudas de custo e transportes atribuídas aosfuncionários do Comissariado Geral dos Serviços de Emigração.

O último capítulo – Disposições gerais – abordava diferentes aspectos, des-tacando-se aqui o seu artigo inaugural que expressamente declarava que todasas autoridades administrativas, judiciais, militares, fiscais e consulares, bemcomo todos os agentes da força pública, civil, militar ou fiscal ficavam obriga-dos a prestar o auxílio que lhes fosse requisitado pelo pessoal do ComissariadoGeral dos Serviços de Emigração.

A legislação promulgada posteriormente a este importante regulamento –que constitui a quarta e última fase de análise – compôs-se de numerosos textosbreves e avulsos, assumindo, sobretudo, um carácter rectificativo13 (definitivoou provisório) de certos aspectos pontuais, ou clarificador da doutrina vigente.

Paradigmática desta última situação é a portaria n.º 2057, de 15 de Novem-bro de 1919, que lembrava nas suas palavras iniciais que a portaria de 7 de

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

321

13 Estas rectificações, por vezes, eram simples erratas; por exemplo, o Diário de Governo n.º 135,de 10 de Julho de 1919, apresenta a correcção de “inexactidões” publicadas no texto do decreton.º 5.886, na edição do mesmo Diário de Governo, n.º 124, de 27 de Junho. Noutros casos sãoapenas publicados modelos de guias como a referida no artigo 6.º do importante decreto de 10 deMaio de 1919 (Diário do Governo, n.º 147, 26 de Julho de 1919).

Page 323: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Novembro de 1917 havia sido derrogada pelo Decreto n.º 5624, “convindoesclarecer a doutrina vigente sobre passaportes”, tratando especificamente dosemitidos pelas entidades consulares. Ainda em matéria de passaportes, e comoexemplo de um acrescento à lei, refira-se o Decreto n.º 6360 que alargava aospassaportes dos emigrantes por via terrestre a obrigatoriedade do lançamentoda sobrecarga estipulada pelo artigo 67.º do regulamento de 19 de Junho de1919 para os passaportes dos que emigravam por via marítima.

Já a Portaria n.º 2232, de 8 de Abril de 1920, fez uma modificação provi-sória. Tendo em consideração o modo por que estava sendo efectuado o embar-que de grande número de mulheres entre os 16 e os 20 anos de idade, comple-tamente desamparadas de pessoas de família, pretendia-se tomar providênciasespeciais tendentes a evitar o abandono daquelas mulheres; assim, estipulavaque “enquanto se não faz a remodelação do regulamento dos serviços de emi-gração, as mulheres solteiras, a que se refere o n.º 3 do artigo 15.º do Decreton.º 5624, independentemente da exibição do passaporte, apresentem a bordopor ocasião do seu embarque, aos funcionários daqueles serviços, atestação,passada pelos agentes consulares de Portugal dos pontos para onde se desti-nam, em que se certifique acerca das pessoas a quem se dirigem e dos serviçosem que vão ser ocupadas”. Também relacionada com a emigração feminina, aPortaria n.º 2328, de 18 de Junho de 1920, lembrava que era frequente, nos pas-saportes passados nos governos civis individualmente a marido e mulher, ver--se em cada um deles apenas a designação do estado civil sem que fosse men-cionado o nome do outro cônjuge, o que dificultava a inscrição, por um sótermo, no livro dos registos consulares. Para evitar tal inconveniente, estediploma determinava que nos passaportes de mulheres casadas se mencionasseo nome do respectivo marido.

Em 7 de Dezembro de 1920 foi publicada a Portaria n.º 2521 com carácterclarificador do ponto 5.º do artigo 11.º do Regulamento de Maio de 1919 rela-tivo à licença que os menores e mulheres casadas precisavam dos seus pais oututores e marido, respectivamente, para poderem emigrar. Para “uniformizar ajurisprudência” este diploma determinava que:

• Quando os menores pretendessem dirigir-se para junto de seus pais oututores deviam demonstrar, por declaração assinada e reconhecida pelorespectivo agente consular, o qual devia também certificar a identidade dosignatário e a daqueles que a isso os autorizavam;

• Quando as mulheres casadas pretendessem dirigir-se para junto dos seusmaridos deviam demonstrar, por idêntica declaração, que estes a isso asautorizavam, podendo levar na sua companhia os filhos menores, emboratal declaração não lhes fizesse referência.

Também o Decreto n.º 7243, de 22 de Janeiro de 1921, visava controlar aemigração subsidiada referida no artigo 36.º do Regulamento de Junho de 1919,então entendida como aquela que se pretendia fomentar e recrutar colectiva ou

Maria da Conceição Meireles Pereira / Paula Marques dos Santos

322

Page 324: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

isoladamente mediante pagamento de preço inferior ao ordinariamente estabele-cido para os que viajam em 3.ª classe, ou na entre-ponte dos navios, ou ainda pelaexigência de qualquer quantia a título de depósito. Para “evitar que a emigraçãoanormal tome maior desenvolvimento”, determinava que o Comissariado Geraldos Serviços de Emigração era autorizado a negar o embarque a emigrantes compassagem para o Brasil quando não apresentassem atestado consular da locali-dade onde residiam os seus parentes. Tal documento garantia a veracidade dachamada dos seus familiares, e atestava que estes tinham meios para os sustentarenquanto os emigrantes não encontrassem emprego. Estes parentes, todavia, ape-nas podiam ser pais ou tutores, maridos ou irmãos maiores de 21 anos. Os agen-tes de emigração ou de passagens e passaportes que tratassem os casos de emi-gração de indivíduos com passagens pagas no Brasil que não apresentassem odocumento consular instituído seriam punidos nos termos da legislação em vigor.

Este assunto viria a ser reforçado pelo Decreto n.º 7427, de 30 de Março de1921, que autorizava o Comissariado Geral dos Serviços de Emigração a proi-bir o embarque de emigrantes que se apresentassem com a passagem paga nospaíses aonde se destinavam, nomeadamente Brasil e EUA, desde que se nãoencontrassem munidos da atestação ou certidão do cônsul português do res-pectivo distrito consular do local de destino, a qual deveria comprovar:

• Que eram chamados pelos pais, mães, tutores, ou irmãos do sexo mascu-lino maiores de 21 anos e para cuja companhia se dirigiam;

• Que as passagens eram pagas pelas pessoas acima referidas e atestassema veracidade das suas declarações relativamente ao facto de reunirem con-dições para suportar os encargos relativos às pessoas que chamavam parajunto de si;

• O custo da passagem ou passagens pagas nos termos da moeda em que talpagamento fosse efectuado e o dia desse pagamento.

O Decreto n.º 7957, de 31 de Dezembro de 1921, pretendia, mais uma vez,“dar a conveniente execução ao disposto” num artigo do Decreto n.º 5. 624,desta feita o 13.º que proibia a emigração aos indivíduos com mais de 60 anos.Assim, tal emigração passava a ser permitida se fossem acompanhados deascendentes ou descendentes, irmãos ou outros parentes ou pessoas a quem alegislação obrigasse que lhes prestassem protecção ou tutela e alimentos.

O Decreto n.º 6912, de 9 de Setembro de 1920, operou uma modificação demaior alcance, se bem que não tivesse afectado a emigração para o Brasil. Esti-pulava que, temporariamente, se tornava extensível a todos os nacionais e estran-geiros a exigência de passaporte para entrar e sair no território da República14, e

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

323

14 Exceptuavam-se os que se dirigiam em carreiras directas para as colónias ultramarinas e comescala apenas em portos portugueses, se bem que por despacho ministerial de 20 de Novembrofossem também exceptuados os navios que faziam escala na Cidade do Cabo, tendo este despa-cho sido revogado em 15 de Agosto de 1927 (LIMA, 1929: 143-144).

Page 325: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

introduzia algumas novidades no trânsito raiano, nomeadamente a emissão desalvo-condutos.

A questão dos passaportes colectivos emitidos pelas autoridades consularesera abordada na Portaria n.º 2467, de 14 de Outubro de 1920, em resultado deuma exposição feita pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Os seus cincopontos determinavam o seguinte:

• Que os passaportes colectivos passados pelos cônsules portugueses, nostermos do regulamento consular em vigor, garantissem a livre entrada emPortugal às pessoas neles mencionadas;

• Que garantissem também a saída das pessoas neles incluídas, mediante opagamento das respectivas taxas de passaportes por cada pessoa referida,à excepção do chefe de família que era dispensado do pagamento de novataxa;

• Que os governos civis visassem estes passaportes como se fossem indivi-duais, após cobrança das taxas atrás referidas;

• Que os governos civis recusassem o seu visto nestes passaportes colecti-vos se os indivíduos em idade de prestar serviço militar, neles incluídos,não provassem ter cumprido os deveres militares para com o Estado;

• Que os governos civis indicassem o número de pessoas e a quantia cobrada.

A Portaria n.º 2501, de 11 de Novembro de 1920, apenas mandava que acédula fornecida pelos governos civis fosse colada nos passaportes, a fim deevitar aos emigrantes portugueses o dispêndio da taxa de inscrição consular porse esquecerem da dita cédula ou a deixarem ficar nas mãos dos engajadores.

O objecto do Decreto n.º 7309, de 15 de Fevereiro de 1921, era proteger osemigrantes portugueses que embarcavam em navios estrangeiros. Nesta con-formidade, os capitães dos portos portugueses deveriam exigir, sempre quefosse exequível, o embarque de médicos, enfermeiros e criados de câmara denacionalidade portuguesa, por conta dos armadores, na proporção seguinte: ummédico para um total de 100 ou mais emigrantes; um(a) enfermeiro(a) e um(a)criado(a) por grupos de 20 até 50 emigrantes de cada sexo. As obrigações dosarmadores relativamente às condições laborais deste pessoal português ficavamtambém aqui fixadas.

Esta matéria foi revista pelo Decreto n.º 8847, de 21 de Maio de 1923, queconsiderava que a intenção do decreto anterior era a de exigir o conhecimentoda língua portuguesa ao pessoal com quem o emigrante necessitava tratardurante a sua permanência a bordo, pelo que determinava que os médicos deve-riam ser diplomados pelas escolas de Lisboa, Porto, Coimbra, Funchal ou Goa;deixava, pois, de se exigir a nacionalidade portuguesa aos médicos, mantendo--se, todavia, esse requisito para os enfermeiros e criados. No ano seguinte, oDecreto n.º 10312, de 19 de Novembro, exceptuava destas disposições osnavios brasileiros, já que a “mesma língua e afinidades de costumes dispensambem a exigência de embarque de tripulantes portugueses”.

Maria da Conceição Meireles Pereira / Paula Marques dos Santos

324

Page 326: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Posteriormente, a proporção de médicos, enfermeiros e criados foi alterada.O Decreto n.º 10450, de 13 de Janeiro de 1925, reunia os preceitos sobre aassistência a conceder aos emigrantes portugueses que embarcassem em naviosestrangeiros, alertando que os capitães de porto deviam exigir o embarque deum médico por cada grupo de 25 a 30 emigrantes e um(a) enfermeiro(a) eum(a) criado(a) por cada grupo de 50 pessoas de cada sexo. No entanto, oDecreto n.º 10561, devido às reclamações apresentadas, suspendia a execuçãodo anterior e repunha em vigor o disposto no Decreto n.º 7309, com as altera-ções dos Decretos n.º 8847 e n.º 10312 anteriormente citados. Ainda sobre estamatéria, o Decreto n.º 10684, de 7 de Abril de 1925, fixava os valores seguin-tes: um médico por cada grupo de 25 ou mais emigrantes e um(a) enfermeiro(a)e um(a) criado(a) por cada grupo de 20 a 50 pessoas de cada sexo.

Por sua vez, o Decreto n.º 7370, de 28 de Fevereiro de 1921, insistia naobrigatoriedade de apresentação de recibo referido no artigo 82.º do Regula-mento Geral dos Serviços de Emigração, devendo ser nele discriminadas todasas despesas feitas pelo agente com o emigrante, incluindo o custo do seu tra-balho. Este diploma estipulava que o processo para concessão de passaportenão poderia ter andamento sem apresentação deste recibo, e apresentava aspenalizações em que incorria o agente que transgredisse esta determinaçãoregulamentar.

A Portaria n.º 2719, de 25 de Abril de 1921, esclarecia mais um artigo doDecreto 5886, desta feita o 4.º, acerca da competência da concessão de passa-portes, a qual pertencia aos governadores civis da naturalidade ou residência,devendo entender-se esta “como sendo o lugar onde de facto um indivíduo seencontra com ânimo de mais ou menos demora”.

Igualmente com textos muito breves, as Portaria n.º 2767 e n.º 2768, ambasde 3 de Junho de 1921 determinavam, respectivamente, que era da exclusivacompetência do Comissariado Geral dos Serviços de Emigração a expedição dealvarás de licença para agências de passagens e passaportes, e que, nos termosdo disposto do Decreto n.º 7370 era obrigatória a apresentação, por parte detodas as pessoas que embarcassem, do recibo das despesas feitas pelos agentesde emigração. Insistindo nesta questão, a Portaria n.º 3383, de 23 de Novem-bro de 1922, determinava a execução do determinado no Decreto n.º 7370 rela-tivamente ao recibo tornado obrigatório a todas as pessoas que embarcassem.

A Portaria n.º 2774, de 4 de Junho de 1921, apresentava o modelo da notade despesa (aliás, bastante discriminada) feita pelos agentes de emigração, aqual, além do talão, teria de conter mais dois exemplares nos quais seria pas-sado o recibo, ficando um junto ao processo de passaporte e outro entregue aoemigrante. Todavia, a Portaria n.º 2827, de 14 de Julho de 1921, esclarecendoque “estando pendentes estudos para reorganização dos respectivos serviços”,suspendia a execução da portaria anterior relativa ao modelo de recibo das des-pesas dos agentes de emigração com os emigrantes.

O Decreto n.º 7538, de 9 de Junho de 1921, revogava a disposição do artigo99.º do Regulamento dos Serviços de Emigração porque considerava que não

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

325

Page 327: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

era consentânea com o artigo 27.º do Decreto n.º 5624 de Maio de 1919 que sópermitia o transporte de emigrantes às companhias das empresas de navegaçãoque se sujeitassem a repatriações gratuitas. Esta revogação teria como motivoprincipal evitar a possibilidade de diferentes interpretações que os textos dosdois artigos pudessem suscitar.

A Portaria n.º 2790, de 17 de Junho de 1921, no intuito de evitar a fuga aopagamento da caução ou taxas militares sempre que o indivíduo solicitasse vistode saída no seu passaporte emitido pela delegação consular, determinava que nosreferidos passaportes consulares a aposição dos vistos de saída nos governoscivis ficasse dependente da apresentação pelos interessados do título comprova-tivo da existência de caução antiga ou recente. Tratando novamente de licençasmilitares, taxas, isenções e cauções, mas de forma mais alargada, o Decreto n.º11300, de 30 de Novembro de 1925, previa, entre outros aspectos, a obrigatorie-dade de apresentação anual nos consulados das praças às quais haviam sido con-cedidas licenças para se ausentarem no estrangeiro, cujos termos deveriam serremetidos ao Ministério da Guerra com as respectivas cadernetas para averba-mento, implicando a não apresentação o levantamento de autos de delito pelocrime de deserção; a legalização da situação militar de mancebos emigradosantes dos catorze anos, através dos consulados; a legalização dos indivíduos quehaviam completado vinte e seis anos de idade, com mais de três anos de residên-cia no estrangeiro, mediante o pagamento de uma taxa especial; a legalização dosrefractários mediante o pagamento de uma taxa especial, mais onerosa.

A Portaria n.º 3175, de 10 de Abril de 1922, tinha como único objectivoinsistir na determinação de que todos os casos que se relacionassem com a fis-calização e punição de actos respeitantes à emigração ilegal ou clandestinaeram da competência do Comissariado Geral dos Serviços de Emigração, porintermédio das respectivas inspecções da zona norte e da zona sul.

Já a Portaria n.º 3270, de 22 de Julho de 1922, pretendia “determinar clara-mente o sentido disposto no artigo 65.º do decreto n.º 5886, de 19 de Junho de1919, que permite a baldeação de passageiros que os navios conduzirem comdestino a outros portos”. Esclarecia-se que tal baldeação só seria permitida sefosse feita embarcando os respectivos passageiros dentro de quarenta e oitohoras para outros navios que os transportassem ao destino. Este tipo de embar-que seria fiscalizado nas ilhas adjacentes pelos magistrados administrativos e,nos portos estrangeiros, pelos cônsules portugueses, no sentido de verificaremas convenientes acomodações dos barcos que transportavam os emigrantes.Essas condições deveriam observar o seguinte: os homens separados das mulhe-res e as crianças junto de suas famílias; os compartimentos suficientemente ven-tilados, as camas limpas e todas as condições de higiene respeitadas, assimcomo as condições da comida e número suficiente de refeições. Quando seguis-sem mais de cem emigrantes, deveria ir um médico e as companhias de nave-gação assumiriam o encargo das repatriações gratuitas e a meio preço. Estascompanhias de navegação às quais fosse concedida a baldeação deveriam indi-car, com a antecedência necessária, os navios para os quais essa baldeação seria

Maria da Conceição Meireles Pereira / Paula Marques dos Santos

326

Page 328: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

feita, podendo tal concessão ser-lhes retirada em caso de atraso, inconveniênciaou incumprimento reportados pela fiscalização atrás referida.

A Portaria n.º 3380, de 22 de Novembro de 1922, conferia maior rigor aoartigo 93.º do Regulamento de 1919 o qual autorizava a distribuição de anún-cios sobre as passagens de navios e seus preços; três anos volvidos, o novodiploma proibia esta publicidade se os factos nela expostos não fossem verda-deiros, “devendo as inspecções dos serviços de emigração dar as convenientesinstruções e informações para que os emigrantes não sejam iludidos, ficando ostransgressores sujeitos às penas legais”.

Indubitavelmente, e maugrado a consabida instabilidade política, a I Repú-blica integrou o fenómeno da emigração no vasto plano de reforma legislativaque empreendeu, tendo encarado frontalmente um problema cuja prática assu-miu que não podia eliminar, mas que devia disciplinar.

Apertaram-se as malhas à saída dos emigrantes, vigiou-se a acção dosagentes recrutadores, uniformizaram-se procedimentos administrativos, repri-miu-se por novas formas a emigração clandestina, reforçou-se o aparelho fis-calizador, afectaram-se mais funcionários para lidar com esta realidade emexpansão. No entanto, a haver uma feição caracterizadora da legislação repu-blicana em matéria de emigração, ela aponta para a protecção tutelar dos emi-grantes, desde antes do embarque até aos locais de destino, passando pelas con-dições da viagem transatlântica; alargaram-se as responsabilidades das agên-cias de emigração e das companhias de navegação, dinamizaram-se as repa-triações, ampliaram-se as funções das autoridades consulares, enfim, criaram--se as bases da assistência à emigração.

FONTES E BIBLIOGRAFIA

COLECÇÃO de Legislação Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1911 a 1927.DIÁRIO do Governo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1910 a 1926.LIMA, Adolfo, 1929 – Emigração: seu Regímen, Passaportes. Famalicão: Tip. Minerva. PEREIRA, Maria da Conceição Meireles, 2008 – “Legislação sobre emigração para o Brasil na

Monarquia Constitucional”, in MATOS, Maria Izilda S. de; SOUSA, Fernando de; HECKER,Alexandre (orgs.) – Deslocamentos e histórias: os Portugueses. BAURU: Edusc, p. 35-47.

PEREIRA, Miriam Halpern, 1981 – A Política Portuguesa de Emigração (1850 a 1930). Lisboa:A Regra do Jogo.

PEREIRA, Miriam Halpern, 1993 – “Liberdade e Contenção na Emigração Portuguesa (1850--1930)”, in Emigração/Imigração em Portugal. Lisboa: Fragmentos, p. 9-16.

RAMOS, Carlos Vieira, 1913 – Legislação Portugueza sobre Emigração e Passaportes. Lisboa:Livraria Ferreira.

RIBEIRO, F. G. Cassola, 1987 – Emigração Portuguesa. Regulamentação emigratória: do Libe-ralismo ao fim da Segunda Guerra Mundial. Contribuição para o seu estudo. Porto: Secre-taria de Estado das Comunidades Portuguesas/Centro de Estudos.

WESTPHALEN, Cecília Maria; BALHANA, Altiva Pilatti, 1993 – “Política e Legislação Imi-gratórias Brasileiras e a Imigração Portuguesa”, in Emigração/Imigração em Portugal. Lis-boa: Fragmento, p. 17-27.

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICA

327

Page 329: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 330: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

329

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTEPARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO

PARA O BRASIL – LAMEGO NA PRIMEIRAMETADE DO SÉCULO XX

Isilda Braga da Costa Monteiro

Oscilando entre a defesa da repressão da saída daqueles que abandonam oseu país em procura de melhores condições de vida, pelos impactos negativosque daí advinham para Portugal, e o reconhecimento de que o desenvolvimentolocal dependia, quase exclusivamente, das remessas dos emigrantes ou dos que,depois de uma vida de trabalho no exterior, retornavam à sua terra natal, aimprensa regional deve ser entendida, na primeira metade do século XX, comoum complexo barómetro das sensibilidades locais relativamente à questão daemigração. Esta ambivalência no posicionamento dos jornais publicados nointerior do país face a uma questão sobre a qual o discurso oficial, produzido apartir de Lisboa, apresenta, na generalidade dos casos, uma perspectiva nega-tiva, não tem merecido a devida atenção na historiografia. Sublinha-se, fre-quentemente, os contornos dramáticos da emigração para o Brasil, quer pelasaída de população do país, quer pelas más condições a que os emigrantes sesujeitavam para tentar, além-mar, um destino melhor, quer ainda pelo insucessoa que a maioria deles estava condenado, mas parece haver alguma resistênciaem ouvir as vozes daqueles que, em Portugal, na época, remando contra a maré,ressaltavam as vantagens que essa mesma emigração podia trazer.

No entanto, com maior ou menor eco, essas vozes iam-se fazendo ouvir naprimeira metade do século XX, um pouco por todo o lado, até no próprio Par-lamento como acontece quando o deputado João Pereira Teixeira de Vasconce-los, em Dezembro de 1906, partindo, certamente, da realidade duriense que tãobem conhecia, dizia que “A nossa economia publica vive do vinho exportado edos capitaes que os emigrantes portuguezes puderam reunir na América do Sule tambem na África”1. São, contudo, os jornais, sobretudo os que se publica-vam no interior do país, que, por várias razões, se conseguem mais facilmentedistanciar do discurso oficial, para nos dar uma outra visão da questão. Destaforma, a imprensa mostra-se, para a segunda metade do século XIX e para aprimeira do século XX, como uma fonte primordial para o conhecimento dofenómeno emigratório para o Brasil como vários estudos anteriores já o

1 DIÁRIO da Câmara dos Pares, sessão de 10 de Dezembro de 1906, p. 505 (MONTEIRO – “JoãoPereira Teixeira de Vasconcelos ...”).

Page 331: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

demonstraram2, permitindo, não só alargar horizontes e perspectivas que outrasfontes apresentam de uma forma claramente mais redutora, como atribuir ros-tos e percursos de vida aos números massificadores das estatísticas oficiais.

É o que acontece com a imprensa de Lamego, que conta com vários títulos,na primeira metade de Novecentos, reflectindo uma cidade política e socialmentedinâmica e fortemente apostada na defesa dos seus interesses. Com períodos depublicação diversificados que vão dos poucos meses, como é o caso de O Nacio-nalista, A Justiça de Lamego, O Balsemão, O Proletário, A Restauração, A Tra-dição, A Verdade e a Voz da Mocidade, aos vários anos, como acontece com oJornal O Beirão, A Aspiração, A Nossa Terra, O Rouxinol, o Beira-Douro e ATribuna, ou a algumas décadas como se verifica com O Progresso, A Semana, AFraternidade e a Voz de Lamego, a imprensa lamecense impõe-se como um ele-mento activo na vida da cidade, numa interacção atenta e constante.

Comprometidos politicamente ou proclamando a sua independência ideo-lógica, os jornais de Lamego, quase todos de periodicidade semanal, assumem--se, na generalidade dos casos, como defensores dos interesses da cidade e daregião em que se inserem, dispostos a dar um especial atenção às questões queconsideram pertinentes para o seu desenvolvimento. Pelas suas páginas quefolheámos, uma a uma, num levantamento exaustivo e sistemático, perpassamos nomes e os episódios que fazem a história da cidade e da região, numperíodo especialmente conturbado como o da primeira metade do século XX.Portugal viveu então uma intensa sucessão de acontecimentos e experiênciaspolíticas que vão desde o fim da Monarquia e da vivência conturbada da Pri-meira República, à ditadura militar de Gomes da Costa e ao regime totalitáriode Salazar. Com as sucessivas mudanças de regime, mudaram os protagonistas,mudaram os contextos, mudaram as perspectivas, mudaram as prioridades.

Mesmo em Lamego, uma pacata e conservadora cidade do interior situadafora do circuito do poder dominado por Lisboa e Porto, as mudanças políticasfizeram-se sentir, não se ficando apenas pela alteração dos homens à frente dosdestinos concelhios e da política emanada do poder central. A leitura dos perió-dicos permitiu-nos apreender que disso resultou, em cada conjuntura política, oreposicionamento dos grupos sociais, gerando novos equilíbrios no tecido sociallamecense. Assim, com a disseminação das ideias republicanas no final damonarquia e sobretudo com a implantação do novo regime em 5 de Outubro de1910, os comerciantes da Praça do Comércio e da Rua de Almacave reforçam asua importância, ocupando os principais lugares da administração local e do

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

330

2 Para além de estudos mais abrangentes que utilizam pontualmente a imprensa como fonte para oestudo da emigração, há alguns que o fazem de uma forma exclusiva: CRUZ: 1991; LOPES: 1995;MARTINS, 1999; MAIA: 2005; PEREIRA: 2006. No âmbito do projecto A emigração portuguesapara o Brasil e o retorno – Vila Real no século XIX e na primeira metade do século XX que esta-mos a desenvolver, a partir de fontes muito diversificadas, tais como os livros de registo de passa-portes e actas camarárias, estamos a fazer o levantamento exaustivo da informação sobre a emi-gração na imprensa local, cujos primeiros resultados serão apresentados brevemente.

Page 332: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

movimento associativo quer fosse a considerada Santa Casa da Misericórdia oua recém constituída Associação Comercial, quer o social Club Lamecense.

Por sua vez, com a ditadura militar imposta em 1926 e, sobretudo, com oEstado Novo, após 1933, surge uma plêiade de homens que ao berço lamecensejunta uma formação universitária que lhes permite desempenhar funçõessocialmente relevantes na cidade, tais como a advocacia e a medicina, ou umpercurso militar, a que a conjuntura política de então conferia grande prestígioe que a permanência de uma unidade militar – o Regimento de Infantaria 9 –potenciava. Bem relacionados com os membros da igreja e com as principaisfamílias aristocráticas da cidade e das redondezas, estes são os novos homensdo poder, ocupando lugares na Câmara e nas mais diversas instituições dacidade. Confinados, com algumas excepções, às quatro paredes dos seus esta-belecimentos e oficinas, aos comerciantes da Praça do Comércio nada mais res-tava do que a gestão dos seus negócios e uma ou outra participação pontual navida colectiva da cidade. Arredados do principal palco político e social deLamego, os focos da imprensa deixam de estar voltados para si, a não ser parauma ou outra referência graciosa e breve ao nascimento de um filho ou ao fale-cimento de um parente próximo, ou à inclusão de um ou outro anúncio à sualoja, este obviamente pago.

Com formas distintas de ver e sentir a sua terra e diferentes concepções dedesenvolvimento e progresso, cada um destes grupos de homens, enquanto pro-tagonistas do poder local, utilizaram a imprensa, dentro dos condicionalismopolíticos em vigor, para moldar a opinião da população e dessa forma, moldara cidade e o concelho aos interesses que defendiam, quer eles fossem políticos,quer de outra ordem. Sem deixar, contudo, também de sofrer a sua influência.Nessa perspectiva, ao director e à redacção de cada jornal cabia a responsabi-lidade de uma gestão o mais possível criteriosa da informação/opinião a veicu-lar (ou a silenciar) nas suas páginas, em função de múltiplos aspectos, entre osquais os objectivos enunciados pelo próprio periódico, os interesses domomento, o espaço disponível – na época, e em Lamego como um pouco portodo o país, raramente ultrapassam as quatro páginas –, e os condicionalismospolíticos de que a censura – esporádica antes do Estado Novo e permanentedurante a sua vigência – são certamente os mais visíveis. O sucesso dessa ges-tão traduzia-se na manutenção de uma boa carteira de assinantes – quer quan-titativa quer qualitativamente, ou seja, com os pagamentos em dia – e de anun-ciantes. De uns e outros resultava a sobrevivência financeira do jornal e a pos-sibilidade da continuidade da sua publicação.

Como referimos atrás, para além de alguns títulos de curta duração, foramvários os periódicos que conseguiram, com maiores ou menores dificuldades,assegurar a sua publicação ao longo de vários anos. O Progresso, surgido emplena monarquia, no ano de 1885, subsiste até 1920, graças ao empenhamentodo seu director, Florindo de Figueiredo. A Fraternidade, que desde o primeironúmero se assume como órgão do partido republicano local, inicia a publicaçãologo a seguir à implantação da República, em Dezembro de 1910. Passando por

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTE PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

331

Page 333: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

vários directores, editores e proprietários, vai continuar em publicação durantea Ditadura Militar e, já como “jornal republicano independente”3, nos dois pri-meiros anos do Estado Novo, até 1935, ano em que, com o seu encerramentodefinitivo se virou uma página significativa no panorama da imprensa periódicalamecense. À profusão dos títulos que, sobretudo nalguns casos, contribuírampara a pluralidade de ideias e opiniões e animaram o debate político na cidadedurante a vigência da primeira república, sucede, após 1935, o monopólio infor-mativo da Voz de Lamego, ainda hoje em publicação, e que viu o seu primeironúmero sair em 1930, e do Beira-Douro que teve início em 1935 e terminou em19464. Estava-se então em plena vivência do regime estado-novista que utilizoua restrição da expressão do pensamento, nas mais variadas vertentes, comomecanismo essencial à viabilização do seu projecto autoritário. Para além dacensura prévia, que passava a pente fino cada número do jornal antes deste serdisponibilizado ao público, riscando o que devia ser silenciado, à luz de crité-rios discricionários, o aparecimento de novos títulos obrigava, desde 1936, a umprocesso de licenciamento5 a que poucos tinham condições para se submeter.Condicionada, então, a dizer apenas aquilo que podia dizer, a imprensa lame-cense evidencia para além da limitação a apenas dois títulos após 1935, umainformação claramente menos rica e diversificada do que até então acontecera.

A leitura dos periódicos referenciados permite apreender que a par das mui-tas questões pontuais que, semana a semana, mês a mês, preenchem as suaspáginas, existem outras que se destacam pela sua transversalidade temporal.Algumas delas, consideradas fulcrais para o desenvolvimento de Lamego, mos-tram-se consensuais, independentemente da conjuntura política em que sãoequacionadas. É o que acontece com a pretendida elevação de Lamego a sedede distrito que determinaria a separação definitiva de Viseu e a desejada cons-trução de uma linha do caminho-de-ferro da Régua a Vila Franca das Naves quecolocaria, acreditava-se, Lamego na rota do progresso – as duas mais fortesaspirações da cidade, manifestadas junto do poder político, quer durante aMonarquia, quer durante a Primeira República e o Estado Novo, mas que acidade nunca viu concretizadas. Outras, porém, embora abordadas recorrente-mente, estão longe de apresentar uma única perspectiva, até no mesmo jornal ena mesma época. É o caso da emigração para o Brasil.

Pela forte dimensão social e económica de que se revestiu na cidade e noconcelho, a imprensa local não podia deixar de dar especial atenção ao fenó-meno emigratório. Umas vezes mais, outras menos. Umas vezes considerando--o positivo para o desenvolvimento da região, outras apontando-o como nega-tivo. Umas vezes incentivando os que pretendiam emigrar, outras desmoti-

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

332

3 A FRATERNIDADE, 3 de Janeiro de 1931: 1.4 Na Biblioteca Pública Municipal do Porto não existe o n.º 1, sendo o n.º 2 de 26 de Julho de 1935.

Por indicação da Voz de Lamego, o n.º 1 saiu a 19 ou 20 de Julho de 1935 (VOZ de Lamego, 20de Julho de 1935: 1).

5 BARRETO, 1990: 276.

Page 334: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

vando-os. Uma multiplicidade de posições e perspectivas de que, no quadro daliberdade de expressão defendido pela Primeira República, a imprensa se fazeco até 1926, para claramente se afunilarem a partir daí, até se tornarem umaquestão quase silenciada durante o regime salazarista. Aspectos essenciais queprocuraremos abordar neste estudo, tendo em atenção os três períodos políticosdistintos que caracterizam a primeira metade do século XX – os últimos anosda Monarquia, a vigência da Primeira República e, num mesmo bloco, a daDitadura Militar e do Estado Novo.

Comecemos pelos últimos anos da Monarquia. O semanário O Progresso,apoiante do partido progressista, é o jornal que sistematicamente se refere àquestão da emigração para o Brasil entre os anos de 1901 a 1910. Longe de acondenar e de a considerar negativa para a região, o jornal de Florindo deFigueiredo desenvolve uma verdadeira campanha contra a questão burocráticaque obrigava à deslocação ao Governo Civil de Viseu para a obtenção do pas-saporte que permitisse ao potencial emigrante a saída do país. Contudo, o tipode argumentação utilizada torna claro que a emigração surge aqui, não comouma questão central, mas apenas e só como uma questão secundária. Na reali-dade, como referimos atrás, os lamecenses desde há muito aspiravam a que asua cidade viesse a ser sede de distrito. A dependência de Viseu, cujo distrito,tal como hoje, integrava nesta época, era-lhes, por isso, compreensivelmentepenosa, procurando sempre demonstrar a desadequação da divisão administra-tiva em vigor à realidade. No final de 1902, sob o significativo título “Passa-portes. Ressurge, Lamego”6, o articulista insurge-se contra o facto de só oGoverno Civil poder conceder os passaportes, com todos os inconvenientes queisso representava para os habitantes do concelho de Lamego de onde, sublinha,quase todos os dias partia gente para Viseu com o objectivo de o obter. A obri-gatoriedade do registo do passaporte junto do Governo Civil é sentido comoum verdadeiro “vexame”7, o mesmo não acontecendo, diz-se, em épocas pas-sadas, quando cabia nas atribuições dos administradores do concelho8.

Esta crítica é retomada quase sempre que o jornal dá a conhecer, mensal-mente, os números oficiais dos registos de passaportes efectuados no GovernoCivil de Viseu, discriminando o género, o concelho da naturalidade e a profissãodos que o obtinham. Embora a tendência para o aumento do número dos quefaziam o registo desse documento fosse por demais evidente, passando, porexemplo, dos 89 efectuados em Julho de 19019 para os 424 em Setembro de190610, a esmagadora maioria para partir com destino ao Brasil, os comentáriosrelativos à questão da emigração propriamente dita são muito escassos e quandosurgem centram-se sempre na indesejada obrigatoriedade da deslocação a Viseu.

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTE PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

333

6 O PROGRESSO, 13 de Dezembro de 1902: 1.7 O PROGRESSO, 5 de Maio de 1906: 2.8 O PROGRESSO, 24 de Junho de 1905: 1.9 O PROGRESSO, 17 de Agosto de 1901: 2.10 O PROGRESSO, 1 de Dezembro de 1912: 2.

Page 335: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Finalmente, depois de sucessivos artigos em torno desta questão, em Maiode 1907, o jornal congratula-se pelo facto de ter entrado em vigor uma lei quepermitia às administrações do concelho fazer o registo dos passaportes11, razãocertamente pela qual durante alguns anos esse assunto não volta a ser trazido alume pelos jornais lamecenses, embora se venha a salientar mais tarde que, areferida legislação não teve, na prática, qualquer efeito12. No entanto, em 1912,já durante a vigência da República, as críticas, ainda mais contundentes, retor-nam, com os mesmos argumentos – as despesas excessivas que a desnecessá-ria deslocação representava para quem em Lamego pretendia fazer o registo dopassaporte. “Em Vizeu há umas tantas pessoas que lucram que a gente deLamego e de todos os concelhos do norte do districto – alguns a uma distanciade 140 kilometros – se arraste até Vizeu por causa dos passaportes, documen-tos perfeitamente ao alcance do regedor de qualquer aldeia sertaneja”13, refe-rindo expressamente que há lá quem se dedique a abonar a identidade das pes-soas que não conhece por 1 000 réis. Ou seja, o problema em discussão, a queum outro jornal em publicação na mesma altura, A Semana, também dá algumaatenção, continuava a não ser o da emigração propriamente dita mas sim o dasdificuldades burocráticas e das despesas relacionadas com o processo.

Tanto quanto se pode verificar, para estes periódicos a emigração não é, até1910, um problema. Antes pelo contrário. Nesse mesmo ano, O Progresso dáentusiasticamente conta da subscrição permanente criada pela comunidadelamecense residente em Manaus para pagar, mensalmente, a passagem para oBrasil dos conterrâneos que não encontrassem trabalho na sua terra. Devida-mente regulamentada esta auto intitulada Caixa Subsidiária de Emigração paraa Amazónia propunha-se, com o apoio de pessoas de um e do outro lado doOceano14, beneficiar, numa primeira fase, os lamecenses das freguesias urba-nas e, numa segunda, os das freguesias rurais. Em Maio de 1910 tudo parececorrer bem como refere o jornal, ao noticiar que o primeiro beneficiário jáestava no Brasil15. Contudo, em pouco tempo o entusiasmo dá lugar à desilu-são com a ingratidão daqueles que aproveitavam a oportunidade mas não cum-priam o compromisso de devolver, em pequenas prestações, o dinheiro avan-çado, o que faz crescer o receio de que os lamecenses de Manaus, viessem adesistir do seu benemérito propósito. Sobre isto o jornal é muito claro, quandorefere que “É certo que doe muito sentir mordida a mão que distribuiu avanta-jados benefícios, mas também não é menos certo que os bons que carecem deir procurar em terras ubérrimas (sic) a melhor remuneração do trabalho aturado

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

334

11 O PROGRESSO, 4 de Maio de 1907: 1.12 O PROGRESSO, 12 de Outubro de 1912: 1.13 O PROGRESSO, 4 de Maio de 1912: 2.14 A Comissão de apoio à emigração constituída em Lamego integrava o presidente e o secretário

da Associação Comercial, Francisco Pereira Rebelo e Melchior Guedes, respectivamente, JaimeCorreia da Silva, médico municipal e o abade de Almacave, João da Piedade Ferreira Meneses (OPROGRESSO, 21 de Maio de 1910: 2)

15 O PROGRESSO, 14 de Maio de 1910: 1.

Page 336: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

e honesto, não devem soffrer as consequências de culpas que só aos ruins per-tencem. (…) Compadeçam-se dos bons que estão á espera de soccorro, e,esquecendo ingratidões e ingratos, prosigam na sua bella obra, que muitopoderá influir nos destinos futuros d’esta malfadada terra”16.

Perante a crise instalada no Douro, a emigração para o Brasil apresentava--se como a alternativa possível de que se poderiam aproveitar não só os que emi-gravam como a própria região. Disso tem plena consciência a imprensa localque conhecia bem a realidade e que via na fixação em terras brasileiras a solu-ção mais adequada para os muitos problemas que então se colocavam à popula-ção. Se os exemplos de insucesso não faltavam, e cada vez mais, ao longo dasprimeiras décadas do século XX, todos conheciam alguém para quem a aventurano Brasil correra mal ou, pelo menos, não correspondera às expectativas da par-tida, o mesmo acontecia relativamente aos que tendo procurado além-mar amelhoria do seu nível de vida, o conseguiram com aparente facilidade.

Aos primeiros, perdidos em terras brasileiras ou nas suas terras de origempara onde os mais afortunados ainda conseguiam voltar, os jornais não davamgrande atenção, a não ser numa ou noutra referência breve na altura da suamorte. Ressaltava-se então a falta de sorte que não lhes tinha permitido obterno Brasil aquilo que tinham procurado – trabalho e riqueza –, e que justificavao insucesso da experiência brasileira. As razões, no entanto, não faltavam paraescrever sobre os segundos.

Retornando definitivamente ou optando por viver temporariamente em cadaum dos dois países, alguns destes homens vão assumir um grande protagonismona cidade. Passando a integrar a elite local, ou, para aqueles que já dela faziamparte antes de partir para o Brasil, reforçando nela a sua posição, estes “brasi-leiros” tornam-se referências na sociedade lamecense a quem a imprensa vai daruma especial atenção. Pelas actividades em que se envolvem, pelas posições queassumem, pelo que fazem ou dizem estes homens tornam-se notícia. Ao ritmosemanal ou quinzenal da publicação do jornal, consegue-se, por isso, traçar, comalgum pormenor, o seu percurso, quer no âmbito privado da sua vida familiarquer ao nível da actividade que publicamente desenvolviam. Desde a notícia doseu casamento ou baptizado dos filhos ou netos, aos bens que adquiriam até àreferência concreta à sua participação activa na vida política local, tudo é passí-vel de ser noticiado pela imprensa, com especial relevo para os actos de benefi-cência que praticavam a favor das instituições da cidade. Identificado indivi-dualmente como capitalista “abastado” e “importante”, que “à custa de aturadoe honesto trabalho, amealhou uma bela fortuna”17 no Brasil, destes homens pas-sava-se uma imagem de sucesso e bem-estar que facilmente poderão ter sidoentendidos como modelos a seguir por aqueles que procuravam estender os hori-zontes para lá dos limites da sua terra18.

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTE PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

335

16 O PROGRESSO, 29 de Outubro de 1910: 1.17 O PROGRESSO, n.º 1110, 14 de Julho de1906: 2.18 ROCHA-TRINDADE; CAEIRO, 2000: 11.

Page 337: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Embora todos saibamos que as altas taxas de analfabetismo eram uma rea-lidade no nosso país e, sobretudo, no interior do país, na primeira metade doséculo XX, limitando substancialmente o número de leitores dos jornais, nãoserá menos verdade que as notícias e as opiniões veiculadas nas suas páginaseram retransmitidas oralmente, numa difusão que facilmente se alargava aomeio rural. Na realidade, “não era necessário ser letrado para ver, ouvir, tomarparte nas conversas e tirar conclusões”19. Menos isolado do que aquilo quegeralmente se refere, sobretudo na primeira metade do século XX, os camposdo interior do país não se encontravam fora dos circuitos de informação daépoca. Graças à evolução dos meios de comunicação a que se vem assistindo,sobretudo desde as últimas décadas de Oitocentos, a circulação das notícias éagora mais célere e mais abrangente, não se confinando aos limites dos espa-ços urbanos, quebrando o tradicional isolamento do meio rural. Os sermões dospárocos, as conversas no barbeiro, na venda local ou na feira, a correspondên-cia dos emigrados, e evidentemente, a imprensa periódica, alimentavam essescircuitos de informação, directa ou indirectamente, dando a possibilidade de oscamponeses, mesmo analfabetos, conhecerem as situações, formarem a suaprópria opinião sobre a emigração e tomarem a decisão final20.

Partindo desse princípio, não podemos por isso deixar de concordar comCosta Leite quando este refere que a emigração para o Brasil não é apenas obrade insistentes engajadores que movidos pelo interesse próprio vendiam o sonhode uma vida mais fácil e mais produtiva além-mar21. Conscientes dos riscos aque se sujeitavam mas optando por tentar também eles buscar o sucesso queoutros tinham encontrado, os que emigraram para o Brasil no final do séculoXIX e, sobretudo, nas primeiras décadas do século XX, faziam-no, na genera-lidade dos casos, motivados e decididos, apoiando-se, frequentemente, na redede familiares e conhecidos já estabelecidos no Brasil. Apesar da massificaçãodas viagens transatlânticas que o vapor possibilitou, na primeira metade doséculo XX, graças aos preços mais acessíveis das passagens, emigrar represen-tava altos custos financeiros. Compreende-se, por isso, que a decisão não fossetomada irreflectidamente.

Com a República instaurada em 1910, o país entra numa nova realidadepolítica e social que longe de alterar a situação que justificava a sangria da suapopulação para o Brasil, vai acentuá-la. O dedo é apontado de imediato aosengajadores que nos campos do concelho faziam o recrutamento de potenciaisemigrantes e aos agiotas que enriqueciam à sua custa. Esta era, afinal, umaforma fácil de justificar os números elevados que a cada mês o movimento emi-gratório representava. Na imprensa de Lamego começa a delinear-se, emMarço de 1912, uma verdadeira campanha contra estes homens que “com todaa fúria arrebanhando infelizes jornaleiros a que ele sabe deslumbrar com belase risonhas miragens que a luz da realidade mais cedo ou mais tarde desfaz,

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

336

19 LEITE, 1993, 103.20 LEITE, 1994:

Page 338: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

mostrando a desgraça e a miséria em toda a sua nudez”. Salientando que “oengajador leva ao desgraçado, que procura na expatriação lenitivo ao seu sofri-mento, muito mais, muitíssimo mais do que o necessário para se expatriar, epor seu turno o agiota leva-lhe o coiro e cabelo, como costuma dizer-se, pelaquantia que àquela empresta com toda a segurança e com a maior usura”, o jor-nal republicano A Fraternidade não se mostra, contudo, contra a emigraçãopara o Brasil, mas antes contra esta forma de recrutamento de homens que,obrigando ao pagamento de avultadas quantias, provocavam a destruição e“vão enormemente agravando a economia do nosso concelho”22. Como fazquestão de alertar o jornalista em questão “Se quizerem emigrar, não precisamde intermediários engajadores; aqui, nesta terra, não falta quem gratuitamentelhes indique o caminho a seguir para a realisação da sua vontade” 23, aconse-lhando para esse efeito a Associação Comercial e o Banco do Douro queemprestava dinheiro a um juro módico. Na mesma altura, O Progresso faziareferência a “um afamado exportador de carne humana que no nosso concelhotrabalha animadamente, como hortelão em alfobre por mondar.” Atribuindo-lhea responsabilidade do aumento da emigração verificada recentemente no con-celho e que a miséria, nos campos, por si só, não podia explicar, conclui que “Éa obra do exportador activo e ávido de lucros”24.

Sem dar tréguas na campanha encetada em Abril, A Fraternidade volta denovo a lembrar que “Continuam a ser explorados vergonhosamente pelos enga-jadores os desgraçados que imigram para o Brazil. Prevenimos os interessados deque as passagens custam apenas 26$000 réis, custando o máximo de todas as des-pezas de embarque, 45 a 50 mil réis, ganhando já uma boa agencia os taes gajosengajadores que se não envergonham de levar 80 e 100 mil réis, metendo paraisso em conta verbas que já não existem depois de implantada a República”. Ojornal, aproveita mesmo a oportunidade para “prevenir os engajadores cá daterra, que a quererem continuar a exploração dos pobres emigrantes, se habilitemcom a respectiva licença, pois de contrario não nos pouparemos á merecida cam-panha que o caso requer” 25. Nestes anos pós implantação da República, a emi-gração era aceitável, como estamos a verificar, enquanto decisão individual,tomada em consciência e dentro da legalidade. Da mesma forma, que o negóciomontado em torno da emigração, desde que cumprindo os requisitos burocráticose fiscais exigidos pelo Estado, também se mostrava aceitável, curiosamente omesmo Estado que apresentava a emigração como um mal a combater26.

Em Setembro de 1912, o jornal O Progresso, publica um editorial intitu-lado “Contra a emigração”, a propósito da circular que o Grémio Libertas do

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTE PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

337

21 LEITE, 1994: 437.22 A FRATERNIDADE, 23 de Março de 1912: 2.23 A FRATERNIDADE, 23 de Março de 1912: 2.24 O PROGRESSO, 30 de Março de 1912: 2.25 A FRATERNIDADE, 6 de Abril de 1912: 2.26 LEITE, 1996: 384.

Page 339: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Porto espalhara então por todo o país relativamente a essa questão e em quedefendia que toda a emigração, a não ser aquela que se destinava às colónias,era nefasta. Contudo, o jornalista d’O Progresso faz questão de ressaltar que areferida circular reconhecia que, apesar de tudo, do Brasil tem vindo muitodinheiro, comentando “Oh! Se tem! É o que tem valido, e há de continuar avaler a um paiz que tem, por assim dizer, no Brazil as suas abundantes minasd’ouro. Se não fora o Brazil não sabemos qual seria a estas horas a sorte de Por-tugal, apenas se sabe desperdiçar dinheiro. Nada de o fazer produzir, multipli-car.”, tanto mais que “Quem emigra é porque não tem no seu paiz, nem o ani-mam esperanças de o encontrar, trabalho sufficientemente remunerador. Paratrabalhar toda a vida, a bem dizer pelo pão que se come, nem todos estão”.Assestando armas sobre os engajadores que roubam, “á agricultura, às artes eàs industrias, os braços, que cá são precisos, levando a maior parte dos emi-grantes ao engano, no furor d’uma exploração que muito se avisinha da escra-vatura”, o autor deste artigo faz questão de salientar que é contra a repressão daemigração porque “Era o mesmo que atulharmos o poço de riquezas que nostem valido e valerá sempre em todas as nossas más situações financeiras”27.

O distanciamento dos colaboradores do jornal relativamente ao discursopolítico produzido em torno da questão da emigração, torna-se desde logo,como podemos verificar, muito evidente. Em Dezembro de 1912, num longoartigo publicado n’O Progresso, refere-se que se verificavam então “postiçaslamurias, verdadeiras lágrimas de crocodilos, de alguns políticos, que attri-buem este excesso de emigração ao receio da regra e pavorosa nuvem de novosimpostos, que tudo deve confundir e esmagar (…) Ora se o malvado dente dapolitiquice chocalheira e ruim não havia de instillar os seus letaes venenosn’esta desgraça geral!... Recear contribuições quem nem sequer ganha no seupaiz o sufficiente para o pão que o alimenta”28. Segundo o autor do referidoartigo era necessário mudar as condições de vida e de trabalho em Portugalpara se travar essa saída constante e irremediável de pessoas para o Brasil29.

Contudo, perante os números cada vez mais avassaladores que os governoscivis avançavam todos os meses (e que a imprensa lamecense continua a publi-car após 1910, embora de uma forma mais esporádica) as posições parecemextremar-se entre os que apoiam a emigração como um bem para o país e osque a condenam, considerando-a nefasta. Sem uma linha definida, os jornaisabrem as suas páginas a uma e a outra indistintamente. Entre os defensores daprimeira encontram-se, sobretudo, os colaboradores locais que reconheciam asvantagens decorrentes da emigração; entre os defensores da segunda, os emi-grados no Brasil, que, sendo assinantes dos jornais, os utilizavam para dar aconhecer publicamente as dificuldades crescentes que então se viviam nessepaís, apelando aos seus conterrâneos para que não emigrassem.

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

338

27 O PROGRESSO, 28 de Setembro de 1912: 1.28 O PROGRESSO, 14 de Dezembro de 1912: 1.29 O PROGRESSO, 9 de Novembro de 1912: 1.

Page 340: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

É assim que no início de 1914, quando O Progresso publica um artigo emque claramente se faz a apologia da emigração para o Brasil, referindo “O queseria de todo este solo, há muito se elle não fosse providencial e abundante-mente regado pelo ouro ganho no Brazil? (…) A emigração, que quanto pódeser uma manifestação de pobreza, como – e em muitos casos, assim succede –um simples desejo de mudar de situação e até em grande parte representandoum claro impulso de ambição, tem sido para todas as nações, quando as cor-rentes mais avultam, um embaraço de momento na lavoura, e um pouco tam-bem nas industrias, mas está averiguado que tudo isso fica em plano muito infe-rior quando deitado na balança das compensações. Há terras e terras por essepaiz fóra que só se limparam e engrandeceram depois que os seus filhos cana-lisaram para ellas o ouro brasileiro, que ainda o não há melhor, apesar de todasas apregoadas decadencias d’algumas terras de Santa Cruz, para fertilisar eenriquecer o torrão natal dos que emigram”30.

Opinião partilhada pelo advogado J. Seves d’Oliveira, colaborador de AFraternidade, quando, anos mais tarde, numa série de artigos escritos sobreesta questão, escreve que os portugueses não se deverão deixar iludir pelo cantode sereia dos países que no pós-guerra, procurarão atrair mão-de-obra estran-geira para promover a sua reconstrução, porque “Convem-lhes não variar orumo dos paizes d’alem-mar, e muito principalmente o Brazil e a nossa África.N’esses paizes está a provável riqueza, e, trabalhando, sempre tem o sustentoseguro. Lá – digam o que quizerem os systematicos adversários da emigração,adversários que não quizeram estudar as suas causas e effeitos – nunca faltammeios ao emigrante honrado e altivo de fazer uma fortuna, que muitas vezeschega a ser verdadeira e expelendida riqueza”31.

Estava-se então em 1916 e poucos meses antes, o mesmo jornal publicavauma carta de um leitor residente em Manaus, José M. de Almeida, em que estechamava a atenção para o “verdadeiro absurdo” que constituía então a emigra-ção para a Amazónia devido à crise da borracha e do café. Avisando os com-patriotas de que não devem abandonar Portugal mas antes esperar por umaépoca de riqueza para o fazer, justifica a sua posição ao escrever que “É neces-sario que se saiba que algumas centenas de nossos compatriotas, pertencendo atodas as classes sociaes, aqui vivem arrastando uma vida de miserias”32. Estavisão dicotómica sobre a emigração proveniente de um e outro lado do Oceanoque a imprensa lamecense passa aos seus leitores, ganha maior visibilidade aolongo da segunda década do século XX. Livres da pala partidária e dos jogosde interesses que condicionavam o discurso político elaborado a partir de Lisboa,mas presos pelo que consideravam ser o melhor para a terra em que viviam eem que viam reflectido o dinamismo e o dinheiro associado à emigração,alguns homens de Lamego não hesitam em realçar as suas vantagens. Por sua

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTE PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

339

30 O PROGRESSO, 10 de Janeiro de 1914: 1.31 A FRATERNIDADE, 4 de Março de 1916: 1.32 O PROGRESSO, 18 de Outubro de 1913: 2.

Page 341: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

vez, no Brasil, os que viam a vida difícil dos que continuavam a chegar, nãopodiam deixar de proclamar a necessidade de travar o movimento emigratóriopara esse país, “Não se illudam os meus patrícios que tentem embarcar para oBrasil (…) os immigrantes que vão devastar as florestas virgens e cavar a terra,são mal pagos, mal alimentados, e por fim são obrigados a fugir, sem receberos salários que só lhes pagam de trez em trez annos, para pouparem a vida quelhes foge atacados pelas febres. Não vos illudeis! (….) Cultivae os vossos cam-pos, trabalhae nas vossas fabricas, sede patriotas no vosso paiz, que fareis umPortugal ainda maior”33

Sem assumir uma posição clara, contrariamente ao que acontece relativa-mente a outros assuntos, certamente menos complexos, a imprensa de Lamego,paralelamente a estes artigos de opinião publicados na primeira ou segundapágina, reservava sempre um espaço na sua página de anúncios, geralmente a ter-ceira e a quarta, para a publicidade relacionada com o negócio da emigração que,nas primeiras décadas do século XX, parece crescer em volume e importância. Erao caso da que era feita pelos agentes locais das companhias seguradoras especial-mente vocacionadas para essa área, como a Equitativa dos Estados Unidos do Bra-zil. Sociedade Seguros Mútuos sobre a vida, marítimos e terrestres, sedeada emLisboa34, ou das empresas de navegação que ofereciam os seus serviços para a tra-vessia do Atlântico. Em Lamego, no ano de 1913, referem-se dois agentes emespecial: Filipe Martinho Lages, que poderia ser encontrado na Tabacaria Centralde Macário Joaquim Rebelo, e Alberto Gomes da Silva Osório, na Farmácia Castro. Encarregando-se da aquisição de todo o tipo de documentos necessários,desde passaportes até licenças para reservistas e para emigrantes com passagensgratuitas, estes agentes promotores da emigração, asseguravam também a compradas passagens junto das companhias de navegação que representavam35. Entreestas sobressaía a Mala Real Inglesa, que se fazia anunciar de uma forma conti-nuada em todos os jornais publicados em Lamego, em alguns deles logo desde oseu número de abertura. Trata-se da primeira companhia a operar a partir de Lei-xões e com uma presença muito forte no interior do país onde tinha estrategica-mente colocados os seus agentes36. Indiferente à discussão aberta em torno daemigração para o Brasil, esta companhia publicitava na imprensa, com recurso aanúncios formais, veiculadores da imagem de marca da empresa, ou informaisatravés de pequenas notícias inseridas displicentemente nas primeiras páginas emque se dava conta da aquisição de novos navios, cada vez mais rápidos e maiscómodos, ou, ainda, no início de cada ano, pela oferta de calendários às redacçõesdos jornais e que estas agradeciam publicamente numa das suas páginas. Embora

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

340

33 Carta de Armando Luso, no Rio de Janeiro, dirigida a José de Meneses, proprietário e director dojornal A Fraternidade (A FRATERNIDADE, 29 de Janeiro de 1921: 2).

34 Esta companhia seguradora apresentava como um dos seus serviços as dotações de crianças etinha como seu agente um homem de Lamego, Raul Correia da Costa Florido (O PROGRESSO,13 de Janeiro de 1906: 3).

35 A FRATERNIDADE, 4 de Maio de 1913: 3; 7 de Junho de 1913: 3; 1 de Novembro de 1913: 3.36 LEITE, 1994: 345.

Page 342: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

de uma forma mais pontual, outras companhias vão fazer, também, a ofertapública dos seus serviços na imprensa de Lamego, como acontece, por exemplo,no dia 10 de Junho de 1911 em que O Progresso para além da habitual publici-dade à Mala Real Inglesa, inclui, na última página, os anúncios a mais duas com-panhias – a Companhia Real do Pacífico e a Empresa Nacional de Navegação37.Constituindo inequivocamente um dos sectores de actividade que mais lucros reti-rava da emigração dos portugueses para o Brasil38, as despesas com a coberturapublicitária realizada para o período em causa no norte do país justificavam-sepelos lucros obtidos. Certo é que, de alguma forma, esta presença continuada dascompanhias de navegação que, na imprensa local, realçavam a rapidez e a como-didade dos seus navios para o Brasil, com uma oferta direccionada aos vários seg-mentos da população, pela oferta de passagens em 1.ª, 2.ª e 3.ª classes, a partir doporto de Leixões, passava uma imagem de facilidade para transpor a barreira oceâ-nica, tornando o Brasil mais próximo e mais familiar.

Uma facilidade e uma proximidade que ajudava a alimentar o sonho do Bra-sil, independentemente do nível social em que os potenciais emigrantes seincluíam, pesando decisivamente na tomada da decisão da partida. Um factormais a juntar às referências constantes e elogiosas que continuavam a reservar-sena imprensa lamecense aos homens de sucesso que retornaram do Brasil e que,mercê do dinheiro arrecadado e do dinamismo que demonstravam, passaram aintegrar a cada vez mais heterogénea elite lamecense. Ou ainda, as referências aopercurso de notoriedade e prestígio feito por alguns emigrantes portugueses emS. Paulo ou no Rio de Janeiro, noticiado nos principais títulos da imprensa brasi-leira que chegavam às redacções lamecenses enviados por alguns assinantes dealém-mar39. A probabilidade de que o sonho se viesse a concretizar assumia, paraaqueles que pensavam em emigrar, contornos mais nítidos, porque se tinha cor-rido bem com alguns dos outros por que não com eles também? Tanto mais queo exemplo vinha de cima. Nas suas habituais crónicas mundanas, os periódicoslamecenses dão conta dos que partiam e chegavam à cidade. Centrando-se exclu-sivamente no círculo restrito dos que eram, por uma razão ou outra, reconheci-dos socialmente na localidade, é frequente encontrar referências aos que partempara o Brasil para tentar a sua sorte, desde o filho do farmacêutico40, ao filho ouirmão do comerciante estabelecido ou do professor do liceu, ao jornalista41 e ao

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTE PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

341

37 O PROGRESSO, 10 de Junho de 1911: 4.38 LEITE, 1996: 382.39 Por gentileza de Tito Alberto da Fonseca, residente na Baía, a redacção d’A Tribuna recebe jor-

nais brasileiros como o Portugal Moderno, Correio da Manhã, A Tarde, Jornal Moderno, Jornalde Notícias, Gazeta de Notícias e Diário de Notícias (A TRIBUNA, 31 de Maio de 1914: 1).

40 Em 1908, o farmacêutico Joaquim Monteiro da Fonseca e a mulher vão alguns dias ao Porto paraacompanhar o filho Acácio que com 19 anos embarcava em Leixões com destino ao Brasil (OPROGRESSO, 1 de Fevereiro de 1908: 2)

41 O colaborador d’A Fraternidade que assinava os seus artigos sob pseudónimo Crisos Selvaembarca a 12 de Agosto, no porto de Leixões para o Rio, de onde continuará a colaborar com estejornal (A FRATERNIDADE, 9 de Agosto de 1919: 2).

Page 343: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

antigo administrador do concelho42. Acompanhados da família que se deslo-cava especialmente ao Porto para as últimas despedidas, estes emigrantesincluíam-se no grupo dos privilegiados que, para além de terem a possibilidadede viajar nas cada vez mais cómodas e luxuosas classes superiores dos naviostransatlânticos, tinham formação e podiam contar com o suporte de uma redede parentes e amigos bem colocados no destino. A sua partida, noticiada naspáginas dos jornais, não deixaria, contudo, de funcionar como um estímulopara aqueles que embora com condições de partida muito diferentes, pensavamno Brasil como uma terra de promessa de uma vida melhor.

Ao publicar os anúncios das actividades relacionadas com a emigração emque sobressaem, compreensivelmente, os das companhias de navegação e aofazer incidir os focos sobre os “brasileiros” que retornavam endinheirados à suaterra, a imprensa local, embora sem consciência desse facto, minimizava oimpacto das determinações oficiais, dos artigos de opinião ou da correspon-dência que, como vimos atrás, alertavam para os inconvenientes da emigraçãopara o Brasil.

A constatação desta realidade, que não deixará, por certo, de ter tido umpeso na decisão da partida de muitos emigrantes, remete-nos necessariamentepara os mecanismos de financiamento dos jornais locais. Ontem, tal como hoje,os jornais de âmbito local, do interior do país, viviam em contínuo sobressaltofinanceiro. Para além das receitas provenientes da publicação de anúncios e dasassinaturas dos seus leitores que constituíam, afinal, os principais mecanismosde sobrevivência, mostrava-se essencial a angariação de donativos feitos pelospartidos ou agremiações políticas, associações ou simples particulares. Relati-vamente a estes últimos, os retornados do Brasil, com dinheiro e com interes-ses a defender, assumiam-se como um grupo preferencial. Na realidade, oapoio financeiro que estes homens concediam a alguns jornais locais dava-lhes,nesta época, a possibilidade de mais facilmente controlar um meio de comuni-cação que, cada vez mais, se apresentava como um importante meio de divul-gação e de pressão junto da comunidade local, contribuindo para a sua projec-ção económica e social e promovendo a sua integração. Uma integração quetodos sabiam não ser fácil. Ter a imprensa do seu lado e exercer a benemerên-cia, eram, afinal, os principais trunfos que estes homens tinham de jogar parase afirmarem na cidade. Sobretudo se provinham das freguesias rurais do con-celho e/ou de famílias humildes.

Além disso, pelas razões financeiras que referimos, o espaço de circulaçãodestes jornais não se podia cingir aos limites do concelho de Lamego, alar-gando-se ao da residência dos seus assinantes, quer ela se situasse dentro do paísquer fora dele, com evidente preponderância para o Brasil. Agradar-lhes, ir aoencontro dos seus interesses, levar-lhes as notícias do dia-a-dia da sua terra mastambém daqueles que, embora tendo regressado a Portugal, tinham partilhado

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

342

42 Em 1923, está a viver no Brasil, para onde fora alguns anos antes, José Lucena, antigo adminis-trador do concelho (A FRATERNIDADE, 1 de Dezembro de 1923: 2).

Page 344: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ou partilhavam ainda de forma intermitente a experiência brasileira, era umobjectivo que estes jornais não podiam descurar, sob o risco de perderem os seusassinantes e leitores no outro lado do Oceano. Sintomático disso, é o facto de,com uma grande frequência, o jornal noticiar a presença, na redacção, de algunsemigrantes que estando apenas de passagem em Lamego ou vivendo entre oBrasil e Portugal, vinham cumprimentar os redactores do periódico que assina-vam, na certeza de que isso seria referido e lido pelos seus compatriotas na loca-lidade brasileira onde residiam43. Era uma forma de se fazerem reconhecidos ede, interna e externamente, darem sinal da sua importância.

A imprensa regional mostra-se assim, nas primeiras décadas de Novecen-tos, refém de várias situações a que tinha de dar resposta, mesmo que com issoevidenciasse uma clara incongruência quanto às posições manifestadas. Comoé evidente, a constatação deste facto assume-se como um importante condicio-nalismo que não pode deixar de ser tomado em conta quando se utiliza aimprensa como fonte para o estudo da emigração a que acresce, durante oEstado Novo, a existência de uma censura vigilante e permanente.

Quando em 1926 a ditadura militar põe fim à primeira experiência republi-cana portuguesa, abrindo caminho para a instauração do regime ditatorial deSalazar, a emigração para o Brasil mantém-se como opção para muitos portu-gueses, embora os Estados Unidos da América e as colónias em África,enquanto não chega a vez dos países europeus, comecem a surgir, cada vezmais como uma alternativa viável. Contudo, a visibilidade do fenómeno migra-tório na imprensa publicada em Lamego diminui compreensivelmente, até aoquase silenciamento. Da efervescência jornalística de outras épocas apenas res-tavam, como referimos atrás, A Fraternidade, que cessa a publicação em 1935,o Beira Douro, que surge nesse mesmo ano, e a Voz de Lamego, o único perió-dico que continuará a publicar-se após 1947.

A Fraternidade, jornal com uma forte tradição republicana, pese embora oredireccionamento político que procurou fazer após 1926 e que lhe permitiu con-tinuar em publicação até 1935, e a censura a que obrigatoriamente tinha de sub-meter cada um dos seus números, evidencia-se pela atenção que persiste em darà emigração para o Brasil. Em Novembro de 1928, sob a epígrafe “A emigra-ção”, Martins Telles salienta que apesar das leis repressivas os vapores com des-tino a esse país continuam a partir repletos de portugueses. Contrariando a visãotradicionalmente veiculada de que por causa disso os campos ficam sem braços,proclamando os grandes jornais, os proprietários, os capitalistas e os industriaisde que “Migrar é desertar. É um crime”, Martins Teles conclui que isso se deveapenas ao “egoísmo burguez”44, responsável pela falta de trabalho, pelos baixos

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTE PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

343

43 É o caso de Manuel do Carmo Almeida e mulher que tendo voltado de Paris, para onde foram emviagem de recreio, depois de terem chegado do Brasil, estiveram algumas horas na redacção dojornal O Progresso, tendo regressado ao Porto para embarcarem para Pernambuco (O PRO-GRESSO, 11 de Agosto de 1900: 2).

44 A FRATERNIDADE, 17 de Novembro de 1928: 1, 2.

Page 345: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

vencimentos e pela ausência de investimento. A emigração é, na sua óptica, umafuga à miséria que só poderá ser combatida pelo aumento do investimento. Umaposição que, conforme reconheceu mais tarde, gerou alguma polémica mas quereafirma, por inteiro, cerca de um mês depois, no mesmo jornal45.

Nos anos seguintes, A Fraternidade faz-se eco das notícias cada vez mais fre-quentes sobre as más condições de trabalho no Brasil e o repatriamento de por-tugueses, que, contudo, como reconhece, não parecem desmotivar os portugue-ses que, nesse país, procuram tentar a sorte de uma vida melhor. Os números anível nacional confirmavam-no. Dando sugestões para travar o movimento emi-gratório, o jornal lança-se, até 1935, numa verdadeira campanha com o objectivode demonstrar que “O Brazil já não é o El Dorado”46. Reproduzindo o discursonegativo que a Primeira República construíra em torno da emigração, este jornalrefere em Fevereiro de 1931 que “A emigração, nas condições em que se vemfazendo entre nós, é uma terrível doença que é preciso combater com decisão einergia. E à imprensa cabe, nêste combate, o papel primacial. Façamos, pois, pro-paganda aturada contra a emigração e este cancro roedor do nosso organismosocial será extirpado47. Sem baixar os braços, em 1934, quando a transição daDitadura Militar para o Estado Novo estava em fase de conclusão e o jornalentrava no seu último ano de publicação, sob o título de “Portuguezes no Brazil”pode ler-se, numa das suas páginas, “Necessário se torna que a imprensa regio-nal, aponte claramente àqueles que teimam em abandonar uma pobresa suportá-vel por uma miséria certa, o perigo que correm”48, apontando as colónias africa-nas como um melhor destino para os que pretendiam abandonar o continente.

Fortemente imbuídos dos princípios enformadores do regime estado--novista, os semanários Beira-Douro e Voz de Lamego, apenas pontualmente sevão referir à emigração para o Brasil. Tratava-se de uma questão politicamenteincómoda, que o regime procurou condicionar, por diversas formas, na impos-sibilidade de a proibir. Na realidade, as relações diplomáticas entre os dois paí-ses reforçadas durante o Estado Novo em nome de uma fraternidade gizada porum percurso histórico comum, não permitiam que o regime reprimisse aberta-mente o movimento emigratório para o Brasil. No entanto, a ocupação dascolónias portuguesas em África era então uma prioridade política para o Estado,embora sem força para se constituir como o primeiro destino dos que queriamsair de Portugal continental. Razão bastante para que estes títulos publicadosem Lamego durante o período do Estado Novo, se limitem na generalidade doscasos a decalcar o discurso oficial produzido a partir de Lisboa em torno dasrelações luso-brasileiras, no âmbito das quais a emigração merece apenas umlugar secundário e irrelevante. São, por isso, muito esporádicas e breves asreferências a essa questão, quebrando o silêncio dominante.

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

344

45 A FRATERNIDADE, 15 de Dezembro de 1928: 1.46 A FRATERNIDADE, 29 de Março de 1930, p.1.47 A FRATERNIDADE, 7 de Fevereiro de 1931: 1.48 A FRATERNIDADE, 10 de Fevereiro de 1934: 1.

Page 346: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

É o que acontece em 1940, quando o jornal Voz de Lamego procura acal-mar a população, receosa de que o Brasil viesse a encerrar as suas fronteirasaos emigrantes portugueses, regozijando-se pelo facto de isso não se confirmar.Garantindo-se assim a continuação do envio das remessas, o jornal não deixade tirar disso as suas conclusões, alegando que assim se reconhece, “ao emi-grante português o valor do seu esforço e a sua grande capacidade de adapta-ção, num trabalho util para a nação irmã”49. Esta era agora a nova imagem doemigrante que o regime fazia passar. Uma imagem positiva eivada de um pro-fundo nacionalismo que considerava o emigrante o símbolo do trabalho, dahonestidade e da tradição50, que definiam o ser português.

Distanciado, contudo, desta perspectiva, Augusto Teixeira da Costaescreve, num longo artigo de opinião, em Fevereiro de 1952, sobre os “Efeitosda Imigração (sic)”, e sem se referir a um destino em especial, sublinha osaspectos negativos entre os quais destaca os que provocavam a quebra dos elosde família e a consequente perda dos seus valores. No entanto, alguns mesesdepois, em Março de 1933, é o mesmo Augusto Teixeira da Costa que tece osmaiores elogios aos homens que tendo emigrado são “o orgulho duma Pátria deheróis, honrando lá longe as nossas tradições de fé e humanitarismo, com assuas qualidades de trabalho, de cidadãos íntegros e de carácter nobre, osten-tando no peito a chama viva do amor de Portugal entregues durante anos asacrifícios por uma vida mais feliz, por lá passaram a idade do seu fulgor, aca-lentando a esperança de um dia regressarem contentes ao seio desse berço quedeixaram com tantas saudades”, num discurso idilicamente nacionalista tão aojeito do regime estado-novista e dos seus propagandistas. Escrevendo a propó-sito da inauguração do posto telefónico na sua aldeia, Vila Chã de Cangueiros,no vizinho concelho de Tarouca, graças aos donativos dos emigrantes de hámuitos anos no Brasil, Manuel Oceano e José Teixeira, num discurso adequadoà altura do momento, o articulista faz questão de salientar que “E a Pátria, sem-pre carinhosa para com os seus filhos, os recebe nesse dia de regresso à casapaterna, onde a população agradecida, lhes tributa entusiástica recepção, mos-trando-lhes os benefícios que a sua alma generosa proporcionou ao povoado,que antes vivera adormecido e privado de condições da vida moderna”51.

Na realidade, na vigência do Estado Novo, e paralelamente ao silenciamentoquase total que existe sobre a questão da emigração para o Brasil, a imprensapublicada em Lamego continua a seguir atentamente os passos dos “brasileiros”de retorno que continuavam, tal como tinha acontecido, nos finais do séculoXIX e nas primeiras décadas do século XX, a inscrever-se entre a elite local e amerecer as referências elogiosas nos jornais. Tal como antes, espera-se desteshomens o dinamismo e o dinheiro que pudessem promover o desenvolvimentolocal, que de outra forma se sabia mais distante. É o que acontece, por exemplo

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTE PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

345

49 VOZ de Lamego, 1 de Fevereiro de 1940: 1.50 PAULO, 2000: 54.51 VOZ de Lamego, 12 de Março de 1953: 1, 4.

Page 347: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

com uma velha aspiração de Lamego, a construção de um hotel que oferecesseaos que visitavam a cidade e a região, um alojamento de qualidade. Certos deque só esses homens com perspectivas e bolsas alargadas pela permanência nasterras brasileiras, poderiam assumir esse desafio, o Voz de Lamego e o Beira-Douro tentam, em diferentes momentos, ao longo da década de 30 e de 40, o seuenvolvimento neste melhoramento. Entusiasmados, dão notícias das reuniõespreparatórias, referem nomes de “brasileiros” endinheirados, avançam comlocais e com datas, porque “Lamego será, e há-de ser, dentro do possível, o queos seus filhos quiserem, se a valer e bem, souberem querer”52.

Ao longo de meio século, a emigração para o Brasil marcou a cidade deLamego e a sua região, numa complexa contabilidade de perdas e ganhos nemsempre fácil de fazer. Presa entre a função de informar que sabia ser a sua e osseus interesses, a imprensa local deu voz durante a fase final da Monarquia edurante a Primeira República a várias formas de ver e sentir esse fenómeno. Oradistanciando-se, ora aproximando-se do discurso político que o considerava aruína do país, os jornais contribuíram para a decisão que muitos tomaram de par-tir para aquela que certamente foi a maior aventura da sua vida. Apresentaramargumentos, forneceram informação sobre a documentação necessária à passa-gem do Atlântico, deram exemplos de alguns a quem o Brasil deu muito e quevoltaram para a sua terra na disposição de contribuírem para o seu desenvolvi-mento. Com o Estado Novo, a questão da emigração para o Brasil deixa de sera questão de que se fala, não porque os portugueses tivessem desistido de atra-vessar o Atlântico à procura de melhores condições de vida, mas porque isso nãocorrespondia à imagem que o regime pretendia dar do país, numa imprensa localtransformada num importante veículo de propaganda.

FONTES E BIBLIOGRAFIA

BARRETO, José, 1990 – “Censura”, in BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena(coord.) – Dicionário de História de Portugal. Lisboa: Figueirinhas. vol. VII, p. 275-284.

BEIRA Douro. Lamego. Jun /1935-Mar/1946.CRUZ, Maria Antonieta, 1991 – “Do Porto para o Brasil: a outra face da emigração oitocentista

à luz da imprensa portuense”. Revista de História, Porto: Centro de História da Universi-dade do Porto, n.º 11, p. 185-192.

FRATERNIDADE (A). Lamego. 30/Nov/1912 – 29/Jun/1935.LEITE, Joaquim da Costa, 1993 – “Informação ou propaganda? Parentes, amigos e engajadores

na emigração oitocentista”, in Emigração/Imigração em Portugal. Actas do “ColóquioInternacional sobre Emigração e Imigração em Portugal (séc. XIX-XX), p. 98-107.

LEITE, Joaquim da Costa, 1994 – Portugal and Emigration, 1855-1914. New York: ColumbiaUniversity.

LEITE, Joaquim da Costa, 1996 – “Os negócios da emigração (1870-1914)”. Análise Social, vol.XXXI (136-137), p. 381-396.

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

346

52 BEIRA Douro, 18 de Abril de 1936: 1.

Page 348: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

LOPES, Maria Teresa Braga Soares, 1995 – “Correntes de opinião pública e emigração legal nodistrito de Aveiro (1882-1894)”. População e Sociedade, Porto: CEPFAM, n.º 1, p. 209-231.

PEREIRA, Maria da Conceição Meireles, 2006 – “Representações da emigração para o Brasil naimprensa do nordeste transmontano durante a 1.ª República”, in MARTINS, Ismênia deLima; SOUSA, Fernando de (org. de) – Portugueses no Brasil: Migrantes em Dois Atos. Riode Janeiro: FAPERJ, CEPESE, p. 270-293.

MAIA, Fernanda Paula Sousa, 2005 – “A acção dos “Brasileiros” de torna-viagem em Ovar aobra dos irmãos Oliveira Lopes (Válega)”. Dunas: Temas & Perspectivas. Revista AnualSobre Cultura e Património da Região de Ovar, Ovar, ano V, n.º 5 (Novembro), p. 3-14.

MARTINS, Maria da Graça, 1999 – “A Emigração do Distrito de Bragança e a imprensa regio-nal, no limiar do século XX”. População e Sociedade, Porto: CEPFAM, n.º 5, p. 121-166.

MONTEIRO, Isilda Braga da Costa – “João Pereira Teixeira de Vasconcelos – da Câmara dosDeputados à Câmara dos Pares (1906-1908)”, in Actas do II Congresso de Amarante (noprelo).

PAULO, Heloísa – “Aqui também é Portugal”: a colónia Portuguesa do Brasil e o Salazarismo.Coimbra: Quarteto, 2000.

PROGRESSO (O). Lamego. 19/Jun/1885-29/Mai/1920.ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz; CAEIRO, Domingos, 2000 – Portugal-Brasil: migrações

e migrantes. 1850-1930. Lisboa: Edições Inapa.SEMANA (A). Lamego. 1898-1910.TRIBUNA (A). Lamego. 22/Mar/1914-28/Jul/1918.VOZ de LAMEGO. Lamego. 1930-1951.

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTE PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

347

Page 349: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 350: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

349

A EMIGRAÇÃO DO DISTRITO DE VISEUEM DIRECÇÃO AO BRASIL (1854-1973)

Paula Marques dos Santos

INTRODUÇÃO

Do Governo Civil de Viseu, entidade responsável e que centraliza, desdemeados do século XIX a emissão dos passaportes, foram enviados para oArquivo Distrital de Viseu os livros de registo de passaportes desde 1854 até1983, bem como todo o acervo documental referente à emigração de Viseu,englobando os processos individuais de emissão de passaportes, entre outradocumentação. É essencialmente através destes livros de registos que podemosdesenvolver um estudo estatístico fidedigno e contínuo acerca das vagas migra-tórias deste distrito em direcção ao Brasil. Relativamente aos processos refe-rentes à cedência dos passaportes aos cidadãos são ainda hoje de difícil levan-tamento e tratamento estatístico. De facto, conseguir estabelecer uma ordemcronológica e proceder ao levantamento desta fonte documental é extrema-mente complexo e moroso, já que estes se encontram agrupados e mal acondi-cionados em caixas e, até ao momento, não foram alvo de qualquer tratamentoou ordenação.

Genericamente, podemos então dizer que o Fundo Documental do GovernoCivil é composto pela documentação abaixo indicada, donde destacamos oslivros de registo de passaportes e os processos de emissão de passaportes comofontes primordiais para o conhecimento da saída de indivíduos deste distrito emdirecção ao Brasil.

Quadro n.º 1 – Fundo do Governo Civil de Viseu – Arquivo Distrital de Viseu

Designação da série

Mapas do número de passaportes conferidos 1872-1881 1 Documento

Processos de emissão de passaportes 1956-1988 Cerca 185.000 processos

Registo de passaportes 1854-1983 131 Livros

Relação de indivíduos a quem foram concedidos passaportes para o estrangeiro com licença militar 1942-1946 36 Documentos

Relação dos emigrantes que solicitaram passaporte por intermédio de agentes de emigração 1905-1912 26 Documentos

Datas extremas Unidades de instalação

Page 351: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Apesar do envio de toda a documentação referente à emigração1 do distritopara o Arquivo Distrital, existem lacunas temporais dos livros de registos extre-mamente importantes e que, por isso, não nos permitem uma caracterizaçãocompleta e definitiva de determinados períodos. Por exemplo, entre Novembrode 1905 e Janeiro de 1914, não temos qualquer livro de registos, o que, numperíodo onde se verifica uma enorme aumento na concessão de passaportes emPortugal, torna ainda mais difícil uma real caracterização desses contingentesde indivíduos que saíram da região. Tais lapsos documentais verificam-se nasseguintes datas:

• de 28/07/1899 até 04/07/1900;• de 31/10/1905 até 09/01/1914; • de 21/12/1919 até 03/01/1922; • de 13/04/1924 até 01/11/1927;• de 31/12/1947 até 02/07/1949;• de 21/06/1967 até 02/03/1968;• de 31/01/1970 até 30/12/1970.

Consideramos que estas lacunas nos livros de registos poderão ser colma-tadas através, como analisaremos adiante, do levantamento e tratamento dasegunda grande fonte documental – os processos de emissão de passaportes,fonte que até ao momento, apesar da sua relevância (cerca de 185 000 regis-tos), não se encontra inventariada nem devidamente organizada.

1. OS CONTINGENTES MIGRATÓRIOS SEGUNDO OS LIVROSDE REGISTO DE PASSAPORTE

Depois de um rápido crescimento demográfico que verificamos no distritode Viseu já desde meados do século XV, fomentado pelas actividades agrícolase comerciais, entramos na segunda metade do século XIX numa fase de maiormoderação desse crescimento, fruto não só de crises agrícolas2, mas ainda daconsequente instabilidade socioeconómica que assola grande parte da popula-

PAULA MARQUES DOS SANTOS

350

1 Foi-nos possibilitado, por parte do Governo Civil de Viseu, o acesso ao arquivo ainda existentenas suas instalações, bem como a todos os ofícios que comprovam o envio da documentação parao Arquivo Distrital de Viseu. Nessa correspondência não é feita referência a quaisquer lacunas naseriação da documentação, tal como não existe qualquer documentação anterior a 1983 que tenhapermanecido no Governo Civil. Todavia, não podemos fundamentar se os livros de registo emfalta não foram efectivamente enviados ou se desapareceram posteriormente, dada a ausência deum controlo pormenorizado no momento da sua recepção no Arquivo Distrital de Viseu.

2 Neste período, surgem diversas crises agrícolas, como são os casos da epidemia da filoxera, quea partir de 1872 destrói grande número de vinhedos, ou o desaparecimento da criação do bichoda sede, “uma boa fonte de riqueza que findou”, como escreve um abade do norte do distrito, sobo duplo efeito da orientação dos mercados consumidores da seda para regiões extra-europeias eda doença.

Page 352: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ção do distrito (falta de trabalho, falta de liquidez, fome e endividamento). Éperante esta conjuntura de grande insegurança económica no distrito queentramos no século XX e que transcorre toda a primeira metade dessa centúria,com condições socioeconómicas precárias e que serão ainda mais fragilizadascom as consequências das duas guerras mundiais que se reflectem no acentuarda falta de empregabilidade e do endividamento de muitas famílias3.

Do período em análise (1854-1973), e salvaguardando os hiatos de temponão contemplados pelos livros de registo de passaporte, foram levantados 90293 registos de passaporte (Quadro n.º 1) deste distrito em direcção ao Brasil,o que, em muitas épocas, representa a quase totalidade de passaportes emitidospelo Governo Civil do distrito. Quer dizer, a perseverança das vagas migrató-rias portuguesas (e de Viseu) para o Brasil, após a separação política dos doisEstados, permite criar, reforçar e manter as afinidades luso-brasileiras, concer-tar redes de apoio ao trabalho e tornar operativo o conceito de arrumação dosportugueses que chegavam pela primeira vez a terras brasileiras (Alves, 2003).Coadjuvando a tenacidade desses indivíduos, o aperfeiçoamento dos transpor-tes e a facilidade crescente nas comunicações, ao longo dos dois últimos sécu-los, será mais um factor de estímulo que não podemos esquecer para a cres-cente mobilidade transatlântica de indivíduos, entre Portugal e o Brasil.

Essa mobilidade portuguesa foi realizada, como referimos, e essencial-mente até à eclosão da crise depressiva de 1929 e à II Guerra Mundial, emdirecção a terras americanas (especialmente para territórios com uma identi-dade linguística comum – o Brasil), tendo apenas nas décadas mais recentes(segunda metade do século XX) alterado o seu direccionamento. De facto, apósa II Guerra Mundial, os movimentos migratórios do distrito de Viseu alteram oseu destino de eleição e reorientam-se para países europeus (com grande pre-dominância da França).

Se compararmos a emigração legal do distrito de Viseu do período em aná-lise com os valores totais da emigração portuguesa, apresentados por Joel Ser-rão4, verificamos que a sua importância se relativiza, em termos quantitativos.De facto, dum total de 3 099 323 de indivíduos que saíram do país legalmente,e onde o Brasil aparece como país receptor por excelência até à década de19605, apenas 103 473 indivíduos solicitam passaporte no Governo Civil deViseu, com destino para o Brasil, ou seja, cerca de 3.4% da emigração portu-guesa total.

A EMIGRAÇÃO DO DISTRITO DE VISEU EM DIRECÇÃO AO BRASIL (1854-1973)

351

3 SANTOS, 2006a; 2007.4 SERRÃO, 1974: 30-32.5 SERRÃO, 1974: 43.

Page 353: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Apesar da relativa importância quantitativa, em termos gerais de movi-mentos migratórios, a caracterização destes fluxos regionais ganha nova cen-tralidade, para a compreensão da própria evolução do distrito de Viseu e dascondicionantes regionais que incentivaram e/ou retraíram esses mesmosmovimentos de indivíduos. Desde as crises agrícolas até à dificuldade emconseguir trabalho noutras áreas económicas, passando pela dificuldade deacessibilidade de algumas zonas e ao aumento de desemprego como conse-quências de conjunturas nacionais e/ou internacionais, a emigração viseensereflecte todas essas condicionantes, aumentando ou diminuindo, alterando oseu destino de eleição e deixando a sua marca indelével na própria paisagemhumana e socioeconómica de toda a região, pela fuga de grande parte dapopulação em idade activa, ou até pelo regresso de emigrantes enriquecidosou da emigração falhada.

PAULA MARQUES DOS SANTOS

352

140.000

120.000

100.000

80.000

60.000

40.000

20.000

0

1854

1864

1874

1884

1894

1904

1914

1924

1934

1944

1954

1964

1974

Gráfico n.º 1 – Comparação da emigração legal portuguesa com a emigração do distrito (1854-1973)

Emigração legal do distrito de Viseu Emigração portuguesa

Fonte: SERRÃO, 1974

Gráfico n.º 2 – Distribuição dos passaportes por sexo de titulares (1854-1973)

Titulares de Passaporte (90293 registos)

Mulheres4167 (16%)

Homens76126 (84%)

Page 354: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Se a este universo acrescermos o total de acompanhantes que verificamos,essencialmente até 19196, o universo de registos ascende a um total de 103 473,onde predominam os indivíduos de sexo masculino (84%), face a apenas 16%de mulheres.

A EMIGRAÇÃO DO DISTRITO DE VISEU EM DIRECÇÃO AO BRASIL (1854-1973)

353

6 É neste ano que a legislação portuguesa defende a adopção de passaportes individuais em detri-mento dos passaportes colectivos, geralmente utilizados para familiares directos (por exemplo,quando os filhos acompanhavam um dos seus pais).

7 A falta de meios para garantir o êxito de tal empreendimento (compra do passaporte e das passa-gens e da subsistência do país de destino nos primeiros tempos), a diminuição da populaçãoactiva, bem como as tentativas governativas de controlar, dentro do possível, as vagas emigrató-rias, quantitativa e qualitativamente, concedendo apenas subvenções àqueles que se destinavamàs colónias ultramarinas portuguesas, constituirão algumas das principais condicionantes para taldecréscimo e comprovam as dificuldades que se sentiam globalmente nos contactos interconti-nentais e que afectam migratórios em direcção ao Brasil (SANTOS, 2007).

8 No ano de 1920 temos um total de 3 964 registos, e no ano de 1928, um total de 4 129.9 Em 1930 temos um total de 1 759 e em 1931, um total de 211 registos.

Gráfico n.º 3 – Total de registos – distribuição por sexo (1854-1973)

Distrito de ViseuTotal (titulares + acompanhantes) = 103473

Homens81283 (79%)

Mulheres22190 (21%)

Como já referimos, as vagas migratórias deste distrito são influenciadas,não só pela conjuntura internacional e mundial de cada época, mas tambémpela própria velocidade de desenvolvimento económico da região, que entraem desaceleração a partir de meados da primeira metade do século XX. Mascuriosamente, apesar das dificuldades que afectam a maioria da população apósas guerras mundiais, não verificamos um aumento da emigração viseense. Pelocontrário, no período entre guerras a emissão de passaportes diminui conside-ravelmente, essencialmente a partir da Grande Depressão de 1929, caracterís-tica que se irá acentuar ainda mais após 1945, com a substituição do destinobrasileiro por outros (europeus ou colónias africanas, essencialmente)7.

De facto, e se até 1929, verificamos um considerável número de emissões depassaportes com destino ao Brasil8, logo a partir de 1930 assistimos a uma quedaabrupta do número de registos deste distrito9, que passa a contribuir com contin-gentes insignificantes em termos quantitativos. Esta discrepância que se faz sen-tir na emissão de passaportes pelo Governo Civil de Viseu para o Brasil deve-seainda à nova conjuntura política que se estabelece nesse país. Ou seja, à crise que

Page 355: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

passa a marcar todo o sistema internacional com o crash da Bolsa de Nova Ior-que em 10 de Outubro de 1929, alia-se ainda a adopção de uma legislação extre-mamente restritiva e nacionalista10 por parte do Governo de Getúlio Vargas, queentretanto ascendera ao poder e implementará o Estado Novo no Brasil.

PAULA MARQUES DOS SANTOS

354

10 Esta legislação restritiva destinava-se não só à entrada de novos imigrantes, mas também à per-manência dos que já aí se encontravam, bem como à sua redistribuição geográfica, em termosnacionais, procurando direccionar os estrangeiros para o interior do Brasil (grandes plantações).

Gráfico n.º 4 – Total de registos – distribuição por sexo e ano (1854-1973)

Embora sejam os homens a dominar enquanto titulares de passaportes, talsituação inverte-se quando analisamos a tipologia dos acompanhantes, onde asmulheres predominam (8023 indivíduos) em detrimento dos homens (apenas5157 indivíduos). Tal situação compreende-se pelo facto de, além de grandenúmero de filhos que viajam como acompanhantes, muitas vezes também aspróprias mulheres iam nessa qualidade nos passaportes dos respectivos mari-dos, bem como as respectivas ascendentes.

Page 356: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Apesar da ideia que apenas (ou maioritariamente) eram os homens, jovense solteiros, que emigravam, com a principal justificação de fugir ao serviço mili-tar e em busca de fortuna, os dados estatísticos referentes ao distrito de Viseunão corroboram esta tese, dado que cerca de 38% dos homens titulares de pas-saportes são casados. Devemos, no entanto ressalvar, que existem períodos nosquais escasseia esta informação, dado não ser um dado obrigatório no registo dopassaporte, ficando ao critério do respectivo escrivão colocar essa indicação.Esta situação de ausência deste indicador verifica-se com maior incidência nadécada de 1870, bem como em inúmeros anos da primeira metade do séculoXX, abrangendo cerca de 28% do total de homens titulares de passaportes (21 252 registos). Os percentuais relativos a viúvos e divorciados são residuais.

A EMIGRAÇÃO DO DISTRITO DE VISEU EM DIRECÇÃO AO BRASIL (1854-1973)

355

Gráfico n.º 5 – Total de acompanhantes – distribuição por sexo e ano (1854-1973)

Gráfico n.º 6 – Titulares de passaportes – Homens – distribuição por estado civil (1854-1973)

Viúvo1171 (2%)

Divorciado23 (0%)

Casado29021 (38%)

Solteiro24659 (32%)

Sem indicação21252 (28%)

Universo = 76126

Page 357: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Relativamente às mulheres, titulares de passaportes, a ausência de indica-ção do estado civil é ainda mais acentuado (48%), sendo que o percentual entremulheres solteiras e casadas é semelhante, além dos 5% de mulheres viúvas11.

PAULA MARQUES DOS SANTOS

356

11 Tal situação provém de, quando os seus filhos(as) emigram, mesmo que já casados, levam na suacompanhia as suas mães e/ou sogras. Por exemplo, em muitos casos constatamos que a mulhercasada, quando viaja para ir ao encontro do seu marido, já estabelecido no Brasil, leva em sua compa-nhia, além dos filhos, mas também a sua mãe ou a sua sogra (geralmente quando já estavam viúvas).

Gráfico n.º 7 – Titulares de passaportes – Mulheres – distribuição por estado civil (1854-1973)

Universo = 14167

Sem indicação6777 (48%)

Solteiro3341 (23%)

Casado3351 (24%)

Divorciado32 (0%)

Viúvo666 (5%)

Gráfico n.º 8 – Titulares de passaportes – Pirâmide Etária (1854-1973)

Em termos de distribuição etária, dos titulares de passaporte, verificamos econfirmamos a tendência do predomínio de jovens, entre os 20 e 29 anos a emi-grarem, ressaltando ainda a ideia que as jovens mulheres entre os 15 e os 19eram em maior número que os homens dessa faixa etária.

95-9990-9485-8980-8475-7970-7465-6960-6455-5950-5445-4940-4435-3930-3425-2920-2415-1910-1405-090-4

25% 20% 15% 10% 5% 0% 5% 10% 15% 20% 25%

MULHERESHOMENS

Relativamente aos acompanhantes, verificamos um grande alteração na suadistribuição etária, com uma acentuada predominância das crianças e adoles-centes, de ambos os sexos, o que reforça a ideia dos filhos viajarem quase sem-

Page 358: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

pre com acompanhantes aditados nos passaportes dos seus pais. Além disso,surgem ainda mulheres que acompanham os seus maridos, ou outros familiares(sobrinhos, pais, sogros, entre outros), bem como alguns empregados (criadose governantas, entre outros).

A EMIGRAÇÃO DO DISTRITO DE VISEU EM DIRECÇÃO AO BRASIL (1854-1973)

357

Gráfico n.º 10 – Principais destinos no Brasil (1854-1973)

Rio de Janeiro60%Brasil

18%

S.P./Santos11%

Outros11%

80-84

70-74

60-64

50-54

40-44

30-34

20-24

10-14

0-4

50% 40% 30% 20% 10% 0% 10% 20% 30% 40%

MULHERESHOMENS

Gráfico n.º 9 – Acompanhantes – Pirâmide Etária (1854-1973)

Embora o distrito de Viseu seja uma região de interior, sem ligação directaao Oceano, o registo de passaportes indica o porto pelo qual se faria a saída dopaís (geralmente pelo porto de Leixões), bem como o local para onde se desti-navam os mesmos indivíduos. No caso do Brasil, verificamos uma predomi-nância do Rio de Janeiro. Não podemos, no entanto, afirmar que esses indiví-duos ficassem efectivamente neste Estado brasileiro. De facto, cremos que oRio de Janeiro, tal como São Paulo/Santos, seriam essencialmente os portos deentrada no país, e a maioria dos emigrantes portugueses ver-se-ia obrigada aencaminhar-se para outros Estados do país, essencialmente interiores (apesarda preferência pela residência nestes grandes centros urbanos brasileiros).

A distribuição dos titulares de passaporte pelas diversas proveniênciasdemonstra ainda que o principal fornecedor de indivíduos para a emigração emdirecção ao Brasil é o próprio concelho de Viseu.

Page 359: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Poder-se-ia considerar que seriam os concelhos mais longínquos do centrodo distrito (e com maiores dificuldades socioeconómicas) a contribuir commaiores contingentes para a emigração, mas o concelho de Viseu destaca-seconsideravelmente dos demais. De facto, em alturas de maiores dificuldadeseconómicas (falta de trabalho e fome), muitos indivíduos contraíam dívidas ouvendiam os poucos bens que detinham para poder fazer face às despesas queacarretavam o pedido de passaporte para tentar a sua sorte no estrangeiro. E erana cidade, centro do distrito, e de maior densidade populacional, que a falta detrabalho afectava de imediato a população, que se distribuía essencialmentepelos sectores económicos dos serviços e do comércio. As populações dos con-celhos mais distantes procuravam sair do país essencialmente em épocas degrandes crises agrícolas.

Existe ainda um número considerável de registos de passaporte de indiví-duos que não são naturais do distrito de Viseu (5287 registos)12. A concessãode passaporte a este tipo de cidadãos era autorizada, desde que os mesmosfizessem prova que residiam no distrito com carácter permanente (generica-mente considera-se como residência permanente quem provasse residir pelomenos há um ano no distrito.

PAULA MARQUES DOS SANTOS

358

12 Os indivíduos têm naturalidade de diversos pontos do país, desde concelhos limítrofes ao distritode Viseu até outros mais distantes, como Lisboa, existindo ainda indivíduos com nacionalidadesdistintas da portuguesa, donde destacamos o Brasil (183 indivíduos), os EUA e as próprias coló-nias ultramarinas portuguesas, entre outros.

Mapa n.º 1 – Distrito de Viseu (configuração actual)

Page 360: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

2. OS PROCESSOS DE EMISSÃO DE PASSAPORTE

Como referimos anteriormente, a única forma que temos para conseguir col-matar todos aqueles períodos cronológicos dos quais desapareceram os respecti-vos livros de registos será através do levantamento e sistematização dos proces-sos de emissão de passaporte (cerca de 185 000 processos). De facto, sempre quefosse solicitado um passaporte por qualquer indivíduo ao Governo Civil, ini-ciava-se um processo de recolha de dados que permitia a autorização da emissão,ou a sua recusa. Todavia, esta tarefa torna-se ainda mais complexa devido à faltade organização e de tratamento cronológico desta fonte documental.

Apesar dos documentos que constituíam esse processo não fosse sempre osmesmos ao longo do período da nossa análise, existem alguns documentosincontornáveis e que estão sempre presentes. A saber:

• A ficha identificativa – formulário do Governo Civil, no qual deviam cons-tar todos os elementos identificativos de cada indivíduo, tais como: filiação,naturalidade, idade, sexo, estado civil (nem sempre estava presente este ele-mento), profissão, características físicas, identificação de eventuais acom-panhantes, bem como a identificação das testemunhas abonatórias;

• Diversas declarações (tais como registo criminal, reconhecimento deassinaturas, assentos de baptismo e/ou de casamento) que anuíssem averacidade de todas as informações concedidas;

• Carta de chamada, sempre que fosse o caso do indivíduo requerente irpara o Brasil através dessa modalidade (para a companhia de familiaresdirectos, já estabelecidos no Brasil).

A EMIGRAÇÃO DO DISTRITO DE VISEU EM DIRECÇÃO AO BRASIL (1854-1973)

359

Gráfico n.º 11 – Titulares de passaporte – Naturalidade (1854-1973)12000

10000

8000

6000

4000

2000

0

Vis

eu

Tond

ela

Cas

tro

Dai

re

Man

gual

de

S. P

edro

do

Sul

Nel

as

Cin

fães

Moi

men

ta d

a B

eira

Car

rega

l do

Sal

Vou

zela

Pena

lva

do C

aste

lo

Sátã

o

Sant

a C

omba

Dão

Mor

tágu

a

Vila

Nov

a Pa

iva

Sern

ance

lhe

Arm

amar

Taro

uca

Lam

ego

Res

ende

Tabu

aço

S. J

oão

Pesq

ueir

a

Pene

dono

Oliv

eira

do

Hos

pita

l

Out

ros

conc

elho

s

Bra

sil

Out

ros

país

es

Sem

indi

caçã

o

Page 361: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A título exemplificativo, analisemos o processo n.º 4887 de 21 de Novem-bro de 1911 (período do qual não temos livros de registos). Este processo temcomo requerente Maria Pinto (ou Maria de Jesus), 31 anos de idade, casada,lavradora, filha de Francisco Pinto e Benância de Jesus e natural de Ramires(concelho de Cinfães, distrito de Viseu). Além destes dados principais, pro-cede-se na ficha identificativa a uma descrição pormenorizada da sua aparên-cia física (“altura 1,48m, rosto comprido, cabelo castanho, sobrolhos casta-nhos, olhos castanhos claros, nariz regular, boca regular e cor natural”), bemcomo das suas três acompanhantes (suas filhas, Maria Francisca de oito anos,Camila de Jesus de cinco anos e Rita de três anos).

No final da ficha identificativa apresentam-se ainda o nome das testemu-nhas abonatórias (Manuel Pinto da Fonseca e José Ferreira Pinto de Oliveira),sendo-lhe apensas as declarações (reconhecimento das assinaturas das teste-munhas e assentos de baptismo das filhas e assento de casamento da reque-rente), assim como a carta de chamada, enviada pelo marido Luís de Carvalho,residente em São Paulo e que serve, neste caso, como meio que possibilita aautorização da emissão deste passaporte colectivo pelas autoridades, já quecomprova que o marido tinha residência fixa e trabalho em São Paulo, isto é,meios para sustentar a família: “Maria, resolvi mandar-te vir para esta terra jun-tamente na companhia da mãe visto o que ela mandou dizer. Eu te mando 100mil reis para pagares as miudezas todas e as dívidas grandes irão mais tarde.”

Na carta demonstra-se ainda que existiam pessoas que, mesmo não sendoengajadores de emigrantes, nem estando estabelecidos como agência de emi-gração, ajudavam, com os seus conhecimentos, os novos emigrantes: “quandovieres (…) manda fazer uma bacia para lavar as roupas das crianças em cimado vapor e se não tu fala com o senhor Teixeira que ele te explica como devesfazer (…)”. E adverte ainda que no Brasil era necessário trabalhar muito parase poder vencer: “…aqui trabalha-se de noite e de dia”.

Através da análise deste tipo de documentação, deparamo-nos com a preo-cupação por parte das autoridades de efectuar um rastreamento cada vez mais efi-caz de todos os indivíduos que solicitavam passaporte para emigrarem. De facto,com a legislação da I República Portuguesa denota-se uma maior atenção paracom a necessidade de um maior controlo (e repressão) da emigração clandestinae com a autorização da emissão de novos passaportes, ou seja, com a tipologia deindivíduos que faziam parte desses movimentos migratórios. Pretendia-se, dessaforma, que os grupos de emigrantes tivessem as características que correspon-dessem às necessidades existentes de mão-de-obra nos países de destino, deforma a tentar evitar (ou pelo menos minimizar) a emigração falhada13.

PAULA MARQUES DOS SANTOS

360

13 A preocupação com a emigração fracassada domina essencialmente a primeira metade do séculoXX, já que a necessidade de repatriação desses cidadãos pelo Estado Português onerava aindamais as finanças públicas, as quais atravessam um período extremamente delicado até à estabili-zação promovida por Oliveira Salazar, durante o Estado Novo. Por exemplo, o Decreto n.º 5624,de 10 de Maio de 1919, base da legislação em matéria de emigração (do período da I República,

Page 362: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Do universo de cerca de 185 000 processos, e após a conclusão do levanta-mento dos livros de registos, iniciámos o levantamento, no Arquivo Distrital deViseu, desta fonte documental, tendo até ao momento 18 218 processos de emis-são de passaporte levantados. Todavia, apenas com o levantamento total destadocumentação e do seu tratamento, poderemos apresentar os dados totais daemigração deste distrito em direcção ao Brasil e a sua caracterização completa.

NOTAS FINAIS

A emigração do distrito de Viseu apresenta, em termos gerais, os mesmostraços que são atribuídos à emigração portuguesa, especialmente em direcçãoao Brasil. Ou seja, mesmo apresentando períodos de quebra quanto ao númerode efectivos, ela mantém-se contínua e permanente, sendo o principal destinoque absorve a quase totalidade desses efectivos. De facto, só na segundametade do século XX, essencialmente a partir da década de 1960, este destinoserá substituído, passando a emigração do distrito a ganhar contornos europeus,onde a França passa a constituir o destino primordial.

Genericamente, a emigração viseense para o Brasil pauta-se por ser maiorita-riamente dominada por indivíduos do sexo masculino, essencialmente jovens, masonde não podemos considerar como estado civil dominante desse universo o desolteiro, ao contrário da tese genericamente difusa que a emigração portuguesa secaracterizava por homens solteiros que, em muitos períodos, emigravam procu-rando fugir ao serviço militar. Existe ainda um considerável número de mulherese de crianças que, ou como acompanhantes ou como titulares de passaportes, via-jam na sua maioria ao encontro de familiares (geralmente, familiares directos).

Seria impraticável dizermos que detemos, neste momento, um conhecimentoaprofundado da emigração viseense para o Brasil. De facto, o levantamento e tra-tamento dos livros de registos de passaportes constituem apenas uma fase inicial,mas não de somenos importância. Esta fonte é a base estatística por excelênciada emigração legal do distrito de Viseu que, embora incompleta, nos permite tra-çar um panorama geral da saída de viseenses em direcção ao Brasil, situaçãorelativizada ainda pela existência de lacunas temporais em momentos cronológi-cos cruciais e de grande saída de portugueses para o território brasileiro.

Conseguir colmatar estas lacunas, através dos processos individuais de registode passaporte, constitui um trabalho complexo e moroso, que apenas iniciámos,não podendo ainda apresentar um estudo estatístico desta fonte documental.

A EMIGRAÇÃO DO DISTRITO DE VISEU EM DIRECÇÃO AO BRASIL (1854-1973)

361

bem como dos períodos subsequentes), definia que apenas que só era permitido o transporte deemigrantes às companhias ou empresas de navegação nacionais ou estrangeiras que se sujeitas-sem à repatriação gratuita, em condições de alimentação e acomodações iguais às dos outros pas-sageiros de 3.ª classe, de 3% de emigrantes indigentes embarcados no trimestre anterior, e pormetade do preço estabelecido para a viagem, de mais 10% dos embarcados durante igual períodoque não possuíssem meios de subsistência e de trabalho.

Page 363: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Finalmente, todo o nosso trabalho de levantamento de registos de passa-porte, em ambas as fontes primordiais enunciadas, levanta-nos ainda a questãode conseguir responder a outras exigências de investigação. Primeiro, o registode passaportes não nos garante que não estejamos a contabilizar diversas vezesalguns indivíduos, que desenvolviam uma emigração quase pendular, entrePortugal e o Brasil. Em segundo lugar, temos ainda que referir a dificuldadeque, do lado da investigação portuguesa, existe para conseguir estabelecer osquantitativos dos efectivos da emigração clandestina, quer para o Brasil, querpara outros destinos europeus e mundiais. Em terceiro lugar, resta-nos aindareferir a necessidade de uma investigação aprofundada sobre a evoluçãosocioeconómica do distrito de Viseu. Só com a reunião de todos estes estudosfuturos poderemos ter a certeza dum conhecimento fidedigno dos movimentosmigratórios do distrito de Viseu, quer para o Brasil, quer da emigração no geral.

FONTES

Arquivo Distrital de Viseu (ADV) – Livros de Registo de passaportes (1854-1973). ADV – Processos de emissão de passaporte.

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Jorge, 2003 – “Atalhos batidos – a emigração nortenha para o Brasil”. Revista Brasi-leira de História, vol. 23, n.º 45.

FERREIRA, José M. C.; SCHERER-WARREN, Ilse (org.), 2002 – Transformações Sociais eDilemas da Globalização. Oeiras: Celta Editora.

KOTHE, Mercedes G., 1994 – “Os imigrantes na América: Isolamento e Integração Nacional”,in CERVO, Amado Luiz; DOPCKE, Wolfgang (org.) – Relações Internacionais dos Países.Brasília: Linha Gráfica Editora.

MAGALHÃES, José Calvet de, 1999 – Breve História das Relações Diplomáticas entre o Bra-sil e Portugal. S. Paulo: Editora Paz e Terra.

REGO, A. da Silva, 1966 – Relações Luso-Brasileiras. 1822-1953. Lisboa: Edições Panorama.SANTOS, Paula Marques, 2006a – “A emigração do distrito de Viseu para o Brasil – as princi-

pais fontes documentais”, in Martins, Ismênia de Lima; Sousa, Fernando de (org.) – Portu-gueses no Brasil: migrantes em dois actos. Rio de Janeiro: FAPERJ.

SANTOS, Paula Marques, 2006b – “The Portugal-Brazil Relations (1930-1945) – The rela-tionship between the two national experiences of the Estado Novo”, in E-journal of Portu-guese History. Vol. 4, number 2, Winter (http://www.brown.edu/Departments/Portu-guese_Brazilian_Studies/ejph).

SANTOS, Paula Marques; Ferreira, Jenifer, 2007 – “A emigração do distrito de Viseu para o Bra-sil entre as duas guerras mundiais (1918-1940) ”, in SOUSA, Fernando de; Martins, Ismê-nia (coord.) – A Emigração Portuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE. p. 319-335.

SERPA, Élio, 2000 – “Portugal no Brasil: a escrita dos irmãos desavindos”. Revista Brasileirade História. São Paulo, n.º 39.

SERRÃO, Joel, 1974 – A emigração portuguesa, 4.ª ed. Lisboa: Edições Horizonte.SOUSA, Fernando de (dir.), 2005 – Dicionário de Relações Internacionais. Porto: CEPESE/

/Edições Afrontamento.

PAULA MARQUES DOS SANTOS

362

Page 364: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

363

ILUSTRES DE CÁ E LÁ. REGRESSADOS DO BRASIL NO PORTO DE OITOCENTOS

Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo Graça

Ao longo do século XIX, milhares portugueses emigraram para o Brasil.Muitos, foram anónimos e por lá viveram e morreram anónimos. Outros, foramem busca das suas árvores das patacas, mas regressaram tão pobres comohaviam ido, senão mais ainda. Apenas uns quantos conseguiram singrar, enri-quecer, regressar e ostentar as suas boas fortunas. No Norte, recordam-se osnomes desses brasileiros de torna-viagem, que passaram a fazer parte dos ima-ginários de quase todas as localidades.

Entre os que passaram ao Brasil no século XIX, contam-se três famílias,cujos caminhos haviam de se intercruzar ao longo de todo o século XIX: osCalazans Rodrigues, os Forbes e os Bessa. Os seus descendentes regressariamao Porto, onde deixaram marca na Cidade, desde logo na opulenta Casa de SãoLázaro, onde actualmente funciona da Faculdade de Belas-Artes da Universi-dade do Porto.

OS CALAZANS RODRIGUES

A história desta gens começa em Lisboa, com o casal Jerónimo Rodrigues,negociante da capital, e Joana Maria da Conceição Rodrigues1. Destes, foi filhoManuel Jorge Rodrigues2, que nasceu na freguesia de São Vicente de Fora, Lis-boa, a 23 de Abril de 1777; sendo baptizado na igreja paroquial de São Vicentede Fora, Lisboa, a 2 de Maio de 1777.

Manuel Jorge Rodrigues seguiu a carreira das armas. Em 1807, era alferesdo exército português. Entre 1808 e 1814, tomou parte nas Guerras Peninsula-res, sendo condecorado com as medalhas Inglesa e Portuguesa pelo comandodo 1.º Batalhão em Ortez e Tolosa e com medalha do Número das Campanhasdas Guerras Peninsulares.

Passou, depois, ao Brasil, onde já estava em 1822, altura em que apoiou opartido brasileiro na Guerra da Independência. Em 1826, ascendeu ao posto detenente-general do exército. Em 1835, venceu os Farroupilhas na Batalha deTaquarí, no Rio Grande do Sul, recebendo a medalha da Pacificação do Sul.

1 AZEVEDO FILHO, 1937: 72-73.2 AZEVEDO FILHO, 1937: 73-74. BUENO et al., 1999: I, 596. ZÚQUETE, 1963: III, 72-73.

Page 365: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Devia ser grande a confiança dos estadistas brasileiros de 1830, que onomearam governador de armas da província de Rio Grande do Sul e presi-dente das províncias do Pará e do Ceará (1835). Os seus bons serviços seriamrecompensados a 25 de Março de 1845, com a concessão do título de 1.º barãode Taquary, com grandeza do Império, segundo o Alvará de Dom Pedro II,Imperador do Brasil. Do mesmo monarca foi grande do Império, gentil-homemda Imperial Câmara, do Conselho de Sua Majestade Imperial, comendador dasOrdens da Rosa e de Avis, oficial da Ordem do Cruzeiro e cavaleiro da Ordemda Torre-e-Espada.

Morreu no Rio de Janeiro, Brasil, a 14 de Maio de 1845, sendo sepultadona igreja de São Francisco de Paula e em 1937 transladado para o jazigo per-pétuo n.º 109, do cemitério de São Francisco de Paula, Catumbí, Rio deJaneiro, Brasil.

O 1.º barão de Taquary casara ainda em Portugal, com Maria da ConceiçãoCalazans, nascida em Castelo de Vide, a 14 de Outubro de 1786; que viria a mor-rer a 23 de Outubro de 1866. Deste casamento nasceram três filhos e três filhas:

• Jerónimo Herculano Calazans Rodrigues (Taquary)3, nasceu em Castelode Vide, em 1801. Acompanhou os progenitores até ao Brasil, onde esteveao serviço do pai como militar. Participou nas Campanhas da BandaOriental (1822) e aderiu à Independência (1822). Morreu em combate, noGrão-Pará, em 1836. Solteiro.

• José António Calazans Rodrigues4, 2.º barão de Taquary, com a grandezado Império. Nasceu ainda em Portugal, a 27 de Agosto de 1805. Como oirmão primogénito, acompanhou os pais até ao Brasil, onde também abra-çou a carreira das armas. Reformou-se com o posto de capitão, depois dereceber a medalha das Campanhas Cisalpinas. Pertenceu ao Conselho deSua Majestade Imperial. Foi director-geral da Repartição das Finanças daGuerra e presidente da província do Ceará (1871). Recebeu as Comendasdas Imperiais Ordens da Rosa e de São Bento de Avis. Casou a 28 de Maiode 1836, com Dona Clara Francisca (*Ouroana, Minas Gerais, 04.X.1816;† 13.VI.1895). Morreu no Brasil, onde a sua descendência se fixou.

• António Rosendo Calazans Rodrigues (Taquary)5, nasceu em Castelo deVide, a 1 de Março de 1808. Como o irmão José António, foi membro doConselho de Sua Majestade Imperial. Foi, também, chefe de secção daDirectoria-Geral das Rendas Públicas do Ministério dos Negócios daFazenda e Oficial da Imperial Ordem da Rosa. Morreu em Nova Friburgo,Rio de Janeiro, a 31 de Março de 1880. Casou com Dona Rafaela GabrielaCarolina da Silva Pinto Bandeira, de quem deixou extensa descendência,também fixada no Brasil.

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

364

3 AZEVEDO FILHO, 1937: 72-73.4 AZEVEDO FILHO, 1937: 73-74; BUENO et al, 1999: I, 596; ZÚQUETE, 1963: III, 72-73.5 AZEVEDO FILHO, 1937: 72-73.

Page 366: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

• Dona Rita de Cássia Calazans Rodrigues (Taquary)6, nasceu a 25 de Maiode 1815 e morreu a 22 de Setembro de 1870.

• Dona Maria do Carmo Calazans Rodrigues (Taquary)7, mulher de Antó-nio Rodrigues Fernandes Forbes, de quem falaremos a seguir.

• Dona Josepha Leonissa Calazans Rodrigues (Taquary)8, sem mais notícias.

OS FORBES

Parece envolta nalgum mistério a origem dos chamados Forbes do Porto.A documentação radica-a na freguesia de Cepães, em Fafe; as tradições orais epatrimoniais, ainda resistentes entre os seus descendentes, elevam-na até àEscócia, à antiga gens dos Forbes of Skellater.

O primeiro Forbes em Portugal foi John Forbes of Skellater, filho de GeorgeForbes, 5.º Laird of (Senhor de) Skellater (Condado de Aberdeenshire, Escó-cia), tenente-coronel dos exércitos Jacobitas9 e do Regimento Escocês ao ser-viço da França, e de sua mulher Christianna Joanna Gordon, of Glenbucket.Nasceu cerca de 1732, muito provavelmente em Skellater House, em Strath-dom, Aberdeenshire, na Escócia. Estudou em Glengairn, onde granjeou famade temperamental, pelo que recebeu o epíteto de Ian Roy ou Red Jock o’Skel-later (João Vermelho de Skellater).

Com cerca de 15 anos de idade, ingressou no Royal Écossais, pertencenteao 103.º Regimento de Infantaria Francesa, com o qual militou na Guerra deSucessão de Áustria. Esteve no cerco de Maestricht, com o posto de tenente10,muito provavelmente no Regimento comandado por Lord Ogilvie e compostopor escoceses jacobitas exilados.

Depois de algumas altercações, embarcou para um exílio nas Caraíbas a 27de Setembro de 1763. Contudo, escalando em Lisboa, acabou optando pordesembarcar e aceitou o convite do Conde-Soberano de e no Schaumburg--Lippe-Bückenburg para ingressar no exército português.

Esteve presente na Guerra Fantástica, com o posto de capitão de grana-deiros do Regimento de Lippe (1763). Foi promovido a sargento-mor do Regi-mento de Peniche (Decreto de 31.VII.1764 e Carta Patente de 27.VIII.1764),tristemente célebre pela indisciplina e pelos distúrbios entre as populações

ILUSTRES DE CÁ E LÁ. REGRESSADOS DO BRASIL NO PORTO DE OITOCENTOS

365

6 AZEVEDO FILHO, 1937: 72-73.7 AZEVEDO FILHO, 1937: 72-73.8 AZEVEDO FILHO, 1937: 72-73.9 Nas guerras civis que opuseram aquelas forças – apoiantes da Casa de Stuart – às forças Hanove-

rianas – apoiantes da Casa de Hanôver, eventualmente vencedora. George Forbes esteve com cercade 400 homens de Strathdon, Glenlivat e redondezas, achou-se na Batalha de Culloden Moor(1745), onde o partido jacobita foi definitivamente derrotado. Então, procurou o exílio em França.

10 Segundo os autores portugueses, em 1748 Skellater ocupava aquele posto, mas no Exército Por-tuguês. James Neil, documenta-se na notícia obituária que sobre Forbes publicou o Gentleman’sMagazine (Setembro de 1808) e no Dictionary of National Biography (NEIL, 1902: 22).

Page 367: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

locais, que Forbes reorganizou e disciplinou. Em recompensa, foi promovido atenente-coronel (Decreto de 16.VI.1766) e a coronel de cavalaria do Regimentode Almeida (Decreto de 23.XII.1767). Transitou para o posto de coronel doRegimento de Cavalaria n.º 2 de Elvas (3 de Junho de 1773), cuja importânciamilitar reforço com a construção do Forte da Graça. Ascendeu, depois, ao postode brigadeiro, sem prejuízo de antiguidade e conservando o mesmo posto noRegimento de Dragões de Bragança (Decreto de 1.VI.1775). A 8 de Março de1778, foi nomeado governador das armas da província da Beira. Por DecretoReal de 8.V.1789 e Carta Patente de 20.V.1789, foi elevado a marechal-de--campo, mantendo o comando do Regimento de Bragança e com o posto decoronel. Foi, finalmente, ajudante-general do exército.

Recebeu, a 22 de Junho de 1790, a Carta de Profissão do Hábito de SãoBento de Avis11 e, a 12 de Dezembro seguinte, a respectiva Carta de Padrão,com a tença de 112 000 réis, a título do referido hábito12, dando-se início aoseu Processo de Habilitação para cavaleiro professo daquela Ordem, o qualficou concluído a 27 de Agosto de 179313. A 20 seguinte, recebeu a Comendado Forno de Palhães, com a autorização de poder usar, desde logo, o hábito e ainsígnia de comendador14.

A 18 de Novembro de 1793, substituiu o tenente-general Marquês de Minasno comando e posto de tenente-general das forças expedicionárias que embar-cariam rumo ao Rossilhão. Zarparam dois dias depois, desembarcando em LasRosas a 9 de Novembro seguinte. A campanha durou até 1795, tendo as forçasportugueses demonstrado bravura, o que lhes mereceu distinções dos governosportuguês e espanhol. Pessoalmente, Forbes recebeu a Comenda de São Juliãode Punhete na Ordem de Cristo (Alvará de Mercê de 28.II.1796; Alvará deSobrevivência de 28.IV.179615; Carta de 17.VI.179616) e 100 000 réis de pen-são no cofre das Comendas vagas, para serem distribuídas repartidamente porsuas filhas17. E, do Rei de Espanha, a Grã-Cruz Carlos III de Espanha e a inclu-são nos quadros do exército, com o posto de tenente-general.

Durante a Guerra das Laranjas (1801), ficou com o comando da zona entreo Guadiana e o Tejo. Nesse mesmo ano, foi criado o Conselho Militar(1.XII.1801), onde tomou assento como tenente-general e inspector-geral deinfantaria. Ali, apresentou umas Memórias, documento que haveria de nortear

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

366

11 Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT) – Registo Geral das Mercês, Mercês de Dona MariaI, L.º 25, fl. 335 v.

12 ANTT – Registo Geral das Mercês, Mercês de Dona Maria I, L.º 25, fl. 353.13 ANTT – Habilitações para a Ordem de Avis, Letra J, M 2, n.º 35.14 SANCHES DE BAÊNA, visconde de – “Traços Biographico-Genealogicos de João Forbes Skel-

later. Notavel Marechal do Exercito Portuguez”, Memórias de Tolentino. Lisboa: Livraria deAntonio Maria Pereira, 1886, p. 96.

15 ANTT – Registo Geral de Mercês, Mercês de Dona Maria I, L.º 18, fl. 92 v.16 ANTT – Registo Geral de Mercês, Mercês de Dona Maria I, L.º 28, fl. 133 v.17 Alvará de Mercê de 3 de Julho de 1796 (ANTT – Registo Geral das Mercês – Mercês de Dona

Maria I, L.º 18, fl. 243 v.).

Page 368: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

a reforma da estrutura do exército português proposta por Gomes Freire deAndrade18. Em Março de 1802, foram apresentadas as conclusões ao Ministro,que, não obstante, suspendeu o Conselho.

Em 1807, fez parte da comitiva régia que embarcou rumo ao Rio deJaneiro, ali chegando a 21 de Janeiro de 1808. Pouco após o desembarque, oPríncipe Regente nomeou-o governador das armas da Corte e Capitania do Riode Janeiro19.

Morreu no Rio de Janeiro, Brasil, a 8 de Abril de 1808, sendo sepultado a10 seguinte, no convento de Santo António do Rio de Janeiro, onde jaz numasepultura armoreada.

Casou com Dona Anna Joaquina de Almeida e Portugal20, nascida em 1743e falecida nas suas casas da Rua do Salitre, freguesia de São Mamede, Lis-boa21. Deste casamento nasceram três filhas, com ilustre e vasta descendência,espalhada por toda a Europa. Fora do casamento, deixou um filho natural, quepassou pelo Brasil, finalmente instalando-se no Porto, onde deixou vastíssimadescendência22.

António Ribeiro Fernandes Forbes, nasceu no lugar de Cancela, freguesia deCepães, Fafe, a 24 de Novembro de 179123. O seu assento de nascimento regista--o como filho de Manoel Fernandes e de sua mulher Josefa Maria de Oliveira,moradores no lugar do Castelo, na freguesia de São Mamede de Cepães, em Fafe.

ILUSTRES DE CÁ E LÁ. REGRESSADOS DO BRASIL NO PORTO DE OITOCENTOS

367

18 ANDRADE, Gomes Freire, 1803 – Ensaio sôbre o Método de Organizar o em Portugal o Exér-cito, relativo à população, agricultura, e defeza do Paiz. Lisboa.

19 Também aqui diferem os autores: segundo o Visconde de Sanches de Baêna, a sua nomeação datade 23.I (SANCHES DE BAÊNA, Visconde de – “Traços Biographico-Genealogicos … p. 98); jápara Ferreira Lima, foi a 10.III (LIMA, Henrique de Campos Ferreira – “Um Marechal Escocês”,The Anglo-Portuguese News, n.º 232, 27 de Janeiro de 1944); finalmente, Satúrio Pires apontapara 2.IV (PIRES, Satúrio – “Quadros históricos. Um escocês ao serviço de Portugal. O tenente--general João Forbes-Skellater III (e último) – A organização do exército de 19 de Maio de 1807”.O Comércio do Porto, 16 de Junho de 1940).

20 Filha de Dom Deniz de Almeida e Portugal, capitão de cavalos na Guerra de Sucessão de Espa-nha e marechal-de-campo-general e gentil-homem de câmara do imperador Carlos VI de Áustria,e de sua mulher Dona Theodora (ou Joana) Thereza d’Antas da Cunha e Vilhena, senhora da casade seus pais e do Palácio e Quinta da Rua de Santo António de Lisboa

21 ANTT – L.º 3 de Casamentos de São Mamede, fl. 57 v.-58.22 Sobre a sua descendência cf. GRAÇA, 2002. 23 “Antonio Joze filho legitimo de Manoel Fernandes e de sua mulher Josefa Maria de Oliveira do

Lugar do Castello desta freguesia de Sam Mamede De Sam Mamede de Cepaens da vizitação deMonte Longo neto paterno de Domingos Fernandes natural desta freguezia e de Custodia Luizanatural da freguezia de Sam Romam de Mezam frio, e materna de Francisco Ribeiro de Carva-lhais natural da freguezia de Fareja e de Marta Francisca natural da freguezia de Athains. Nasçeoaos vinte e coatro do mes de Novembro do anno de mil sete centos e noventa e hum e foi bapti-zado solemnemente aos vinte e sete do mesmo mes e anno, por mim o Padre Francisco JozeDuarte Vigario desta freguezia e foram padrinhos Francisco Ribeiro Carvalhais e sua mulherMarta Francisca Ribeira avos do baptizado da freguezia de Fareja e foram testemunhas Domin-gos solteiro e Antonio solteiro e por verdade fis este termo hera, dia, mes e anno ut supra”(Arquivo Distrital de Braga – Fundo Paroquial, L.º 2 de Baptismos de Cepães, 1757-1818, fls.125-125 v.).

Page 369: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A infância e grande parte da adolescência terão sido passadas em Cepães.Dali partiu para o Brasil, talvez chamado pelo pai General, como regista a tra-dição. Dos seus primeiros tempos em Terras de Vera Cruz pouco se sabe. É pos-sível que tenha sido acolhido no Engenho de Alagoa, junto ao Rio de Janeiro,que pertencia à família de João de Freitas Mello e Castro Pereira de Sampayo,marido de Dona Catharina Luiza Coelho da Motta Prego (putativa mãe deAntónio Ribeiro Fernandes Forbes), e padrinho de baptismo de Custodia Luiza,irmã de António Forbes.

Ainda antes de 1820, foi tornado cavaleiro-noviço da Ordem de Cristo,sendo admitido como frade-professo a 6 de Setembro de 1820; jurado aos san-tos evangelhos em Mariana, a 6 de Maio de 182124; e elevado a comendador,no Rio de Janeiro, a 6 de Setembro de 182025.

Por esses anos, crescia o seu prestígio, que o catapultou a cargos da gover-nança de Ouro Preto, em Minas Gerais. Durante períodos intercalados, ocupoua vereação daquele município: em 1822 e 1824 (2.º vereador) e em 1828 (3.ºvereador) – numa primeira fase. A 1 de Outubro de 1828, foi aprovado o novoRegimento das Câmaras Municipais do Império do Brasil, que – entre outrasnovidades – prolongava os mandatos por períodos de três anos. De novo, For-bes voltou a ocupar cargos de vereação, nos mandatos de 1829-1832 (2.º dalista), 1833-1836 (7.º da lista) e 1837-1840 (1.º da lista)26.

Pelos mesmos livros de vereação ouropretenses, podemos ver que Forbesocupou diversos cargos militares, muito provavelmente das ordenanças locais.Assim, em 1822 e 1824, aparece nomeado como tenente; já em 1828 e 1829,surge como sargento-mor. A partir da vereação de 1830-1833, deixa de ter qual-quer qualificativo militar ou miliciano27.

Casou no Rio de Janeiro, em data anterior a 1836, com uma jovem 25 anosmais nova do que ele. Chamava-se Dona Maria do Carmo Calazans Rodrigues(Taquary)28 e era aia da imperatriz Dona Teresa (mulher do Imperador DomPedro II). Este casamento certamente trouxe acrescidos haveres e prestígio.

É provável que a família se tenha mudado para o Rio de Janeiro em 1851,instalando-se numa casa da Rua de Matacavallos, 284, na freguesia da Cande-lária29. Segundo o Almanak Administrativo […] do Rio de Janeiro, para o anode 1853, a sua morada comercial ficava na Rua Direita, 2130, estando inscrito

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

368

24 Documento na posse do Senhor Eng. Alexandre Corte-Real.25 O Alvará original pertence ao Arquivo Particular de Fernando de Noronha e Matos, tendo inscrito

o registo L.º 60, fl. 142. Não o pudemos encontrar nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo.26 http://www.ouropreto-ourtoworld.jor.br/cmop%2020.htm. 23-VI-2008.27 http://www.ouropreto-ourtoworld.jor.br/cmop%2020.htm. 23-VI-2008.28 AZEVEDO FILHO, 1937: 75.29 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o

anno de 1853, organizado e redigido por Eduardo Laermmert, Consel. de Sua Alteza o PríncipeRegente do Grao-Ducado de Baden, Cavalleiro da Imperial Ordem da Rosa e da Real OrdemPortuguesa de Nosso Senhor Jesus Christo, Membro Correspondente do Instituto Historico eGeographico do Brasil. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1853, p. 391.

30 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial … p. 391.

Page 370: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

como comerciante de grosso trato e capitalista desde 30 de Janeiro de 1851,com a matrícula n.º 95.

Nesse mesmo ano de 1853, Forbes investiu no Banco Rural e Hipotecáriodo Rio de Janeiro31, de que foi um dos maiores accionistas. Esta instituiçãorecebeu autorização governamental para começar a funcionar a 30 de Maio de1853; mas apenas abriu a 1 de Maio de 1854. Organizava-se como uma socie-dade anónima. A administração desta instituição era composta por cinco direc-tores efectivos e outros tantos suplentes. Podiam votar e ser eleitos para algunsdos cargos do Banco, todos os accionistas com cinco ou mais acções; contudo,apenas podiam ser eleitos directores os que tivessem um mínimo de 40 acções.Ou seja, apenas os maiores accionistas, entre os quais se destacavam: os barõesde São Gonçalo (Belarmino Ricardo de Siqueira) e do Pilar (José Pedro daMota Saião), João Baptista Fonseca e António Ribeiro Fernandes Forbes32.

Num Brasil em guerras constantes com os seus vizinhos, pela delimitaçãode fronteiras, e com sucessivas altercações internas, o clima de desconfiança ede insegurança adensou-se. A vida tornou-se difícil e muitos emigrantes deci-diram fazer as malas e regressar à Pátria de origem. Forbes foi um deles: a 8 deAgosto de 1857, acompanhado da mulher e dos três filhos menores, entrou nabarra do Tejo, a bordo do paquete inglês Avon33. Das duas filhas mais velhas,Dona Maria José ficou para trás, com seu primeiro marido Francisco Chaves;

ILUSTRES DE CÁ E LÁ. REGRESSADOS DO BRASIL NO PORTO DE OITOCENTOS

369

31 GUIMARÃES: 4-9.32 A primeira directoria do Banco Rural e Hipotecário do Rio de Janeiro era constituída pelos directo-

res efectivos: Belarmino Ricardo de Siqueira (barão de São Gonçalo), fazendeiro e capitalista, depu-tado provincial da província do Rio de Janeiro; José Pedro da Mota Saião (barão do Pilar), commorada comercial no Campo da Aclamação, 18 (Rio de Janeiro, Brasil); negociante com casa domi-ciliada no Brasil; matriculado com o n.º 430, de 15 de Novembro de 1851, referente a comércio dedescontos; João Baptista Fonseca, natural de Minas Gerais e com morada comercial na Rua Direita,91; negociante nacional, com a matrícula n.º 150, de 13 de Fevereiro de 1851, referente a comérciode comissões; António Ribeiro Fernandes Forbes, natural de Portugal e com morada comercial naRua Direita, 21; com casa domiciliada no Brasil; matriculado com o n.º 95, de 30 de Janeiro de 1851,referente a comércio de grosso trato e capitalista. E pelos suplentes: Francisco Casemiro da Crua Tei-xeira, natural de Portugal e com morada comercial na Rua da Candelária, 36; negociante com casadomiciliada fora do Brasil, de importação e exportação; matriculado com o n.º 742, 6 de Novembrode 1854, referente ao comércio de comissão de géneros nacionais; João Pires da Silva, negociantecom casa domiciliada no Brasil; Manoel de Araujo Coutinho Vianna, com morada comercial na RuaDireita, 58; director da Companhia de Seguro contra fogo e raio; José Henrique de Araujo; AntonioJoaquim Dias Braga, natural de Portugal e com morada comercial na Rua de São Pedro, 2; nego-ciante com casa domiciliada fora do Brasil, de importação e exportação; matriculado com o n.º 635,de 15 de Dezembro de 1853, referente ao comércio de comissão de café; Antonio Jose MonteiroAmarante, natural de Portugal, com a morada comercial na Rua de São Pedro, 30; negociante comcasa domiciliada no Brasil; matriculado com o n.º 65, 23 de Janeiro de 1851, referente ao comérciode grosso trato de fazendas secas (Arquivo Nacional (Brasil) – Registro de Cartas de Matrículas dosComerciantes, Corretores, Agentes de Leilões, trapicheiros e Administradores de Armazéns deDepósitos do Tribunal do Comércio da Capital do Império, L.º I, IC3 57, Tomo I, 1851/ 1855; eAlmanaque Laemmert Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e província do Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Typ. Un. Laemmert, 1851-1854, cit. in GUIMARÃES: 9).

33 O COMMERCIO do Porto, Ano IV, n.º 178, 10 de Agosto de 1857, p. 2.

Page 371: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

e Dona Josepha Carolina já tinha vindo para Portugal com o marido, José Mariade Souza Magalhães, que vinha servindo de agente do sogro.

António Ribeiro Fernandes Forbes morreu na sua casa da Rua doHeroísmo, 193, freguesia do Bonfim, Porto, vítima de um ataque de apoplexia,enquanto jantava, pelas sete horas da tarde do dia 3 de Maio de 186234. Foienterrado no cemitério da Real Irmandade de Nossa Senhora da Lapa e dalitransladado para o jazigo da família Forbes, entretanto fundado por sua viúva,no cemitério do Prado do Repouso. Poucos dias após a sua morte, os jornaisespeculavam sobre a fortuna deixada, que avaliavam em 1000 contos de réisfortes. O seu testamento fora lavrado a 1 de Abril de 1857, ainda no Rio deJaneiro e pouco antes do regresso a Portugal35. Por aquele documento, deixavao grosso da sua fortuna à família, sem se esquecer de legar algumas obras pias:

• a instituições: à Irmandade do Santíssimo da freguesia de Cepães, Fafe,duas apólices de 1000$000 réis cada uma, da Dívida Pública do Brasil; àIrmandade da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, do Ouro Preto, MinasGerais, Brasil, outras duas apólices do mesmo valor; ao Hospital da SantaCasa da Misericórdia de Guimarães, quatro apólices do mesmo valor; aonovo Hospital de Fafe, outras quatro apólices, também do mesmo valor;à Santa Casa da Misericórdia de Ouro Preto, ainda o mesmo;

• a particulares: a cinco das famílias mais pobres de Cepães, 200$000 réisa cada; a três parentes até terceiro grau e os mais necessitados, 1.500$000réis a cada; a cinco famílias pobres e honestas de Nossa Senhora do Pilarde Ouro Preto, 1500$000 réis a cada;

• à família e amigos: a sua sobrinha Maria Josefa Fernandes, 1000$000réis; a Maria Augusta, de Ouro Preto, dez apólices de 1000$000 réis cada;a Luiza Candida do Sacramento e a Maria das Dores, também de OuroPreto, outras dez apólices de 1000$000 réis cada; ao Padre AntónioAugusto França, de Ouro Preto, 4000$000 réis; a Augusto, de Ouro Preto,6000$000 réis; à afilhada Rita, filha de Antonio Rezende, 500$000 réis; aonze sobrinhos de sua mulher, 100$000 réis a cada um;

• a quem o serviu: deixou três escravos forros, de nome José, Braz e Mar-tins, com mais 100$000 réis a cada um.

Como testamenteiros em Portugal, nomeou o genro José Maria de SouzaMagalhães (que à hora da abertura do testamento já tinha morrido) e o amigoFernando Cazimiro da Cruz Teixeira, natural de Braga. E como testamenteirosno Brasil, nomeou o cunhado José António de Calazans Rodrigues, 2.º barão deTaquary (para o Rio de Janeiro) e Caetano da Silva Morais (para Ouro Preto)36.

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

370

34 Arquivo Distrital do Porto (ADP) – Fundo Paroquial, L.º 4 de Óbitos do Bonfim, fl. 11 v.35 O JORNAL do Porto, Ano 4, n.º 105, 7 de Maio de 1862, p. 3.36 Arquivo Particular de Fernando de Noronha e Matos – Cópia do Testamento de António Ribeiro

Fernandes Forbes. Cf. O Braz Tizana, Ano XI, n.º 105, 6 de Maio de 1863, p. 4; n.º 106, 7 deMaio de 1862, p. 4; n.º 108, 9 de Maio de 1862, p. 3-4.

Page 372: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

António Ribeiro Fernandes Forbes casara no Rio de Janeiro, Brasil, comDona Maria do Carmo Calazans Rodrigues (Taquary)37, que a sociedade por-tuense apelidaria de a Viúva Forbes. Nascida no Rio de Janeiro, Brasil, a 20 deOutubro de 1816, era filha dos já mencionados 1.os barões de Taquary e tinha ocargo palatino de aia da imperatriz do Brasil, Dona Teresa (mulher de DomPedro II).

Depois de viúva, Dona Maria do Carmo deu seguimento a projectos ence-tados por seu marido. Em 1863, continuou com a construção da opulenta Casada Rua de São Lázaro38 (actual Avenida de Rodrigues de Freitas). Para PinhoLeal, era “talvez o mais bello exemplar do Porto”, tendo sido concluído em1873 e custando “muitas dezenas de contos de réis”39.

Juntamente com a Casa de São Lázaro, a Viúva Forbes também promoveua memória da Família40 com a construção de um jazigo no Cemitério do Pradodo Repouso41, cujo risco do projecto foi entregue ao italiano Emídio Amatuci.Adquirido o terreno a 12 de Setembro de 1868, as obras arrastaram-se até 1871,ano em que foram transladadas, do Cemitério Paroquial de Santo Ildefonso, asossadas de duas netas (Rita e Amélia), que haviam morrido na primeira infân-cia. No ano seguinte (1872), foi a vez de António Forbes se lhes juntar, vindodo Cemitério da Ordem da Lapa.

Em 1875, a Casa foi vendida por “70 contos de réis”42, a José Teixeira daSilva Braga, também ele um brasileiro. Dona Maria do Carmo mudou-se paraa Rua da Bandeirinha e, dali, para a Esplanada do Castelo. Aqui veio a morrer,pela uma e meia da manhã do dia 30 de Julho de 1901. Foi enterrada no jazigopor si fundado, no cemitério do Prado do Repouso, Porto. Não deixou testa-mento, pelo que todos os seus bens acabaram sendo inventariados e avaliadosnum valor total de 156 703$604 réis, repartido por: bens de raiz no Porto (casada Feira de São Bento, n.os 16-18 – actual Praça de Almeida Garrett – e casasna Travessa da Póvoa de Cima) – 12 846$000 réis; papéis de crédito (maiori-tariamente da dívida pública do Brasil) – 35 631$500 réis; jóias (jóias, conde-corações, moedas antigas, etc.) – 6409$938 réis; mobiliário – 373$400 réis;dívida activa em Fafe – 2400$000 réis; dote de Dona Josepha Carolina –

ILUSTRES DE CÁ E LÁ. REGRESSADOS DO BRASIL NO PORTO DE OITOCENTOS

371

37 AZEVEDO FILHO, 1937: 75.38 Arquivo Histórico Municipal do Porto (AHMP) – Livros de Plantas de Casas, n.º XXVI, fl. 205;

n.º XXIX, fls. 130-132; n.º XXX, fls. 60-61; n.º XXXIV, fls. 326-328; n.º XXXVI, fls. 303-304;n.º XXXVII, 288-290. Segundo Pinho Leal “A quinta, que é grande, confronta a O., com a rua deS. Victor, e pelo S., com a praça da Alegria (antiga feira dos porcos)./N’esta quinta se estabele-ceu, pelos annos de 1840, uma especie de pavilhão-Mobille, com uma montanha russa, e variosjogos. Denominava-se isto – o Tivoli portuense” (LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa dePinho, 1876 – Portugal Antigo e Moderno. … Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira &Companhia. vol. VII: 500-501).

39 LEAL: 1876: VII: 500-501.40 CATROGA, Fernando, 2000: 167-179.41 Jazigo-capela do cemitério do Prado do Repouso, zona de administração municipal, 34.ª secção,

jazigo n.º 172. Para uma descrição cf. SOUSA, 1994: tomo V, vol. II.42 LEAL, 18976: VII: 501.

Page 373: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

2387$380 réis; bens de raiz no Brasil (sobrados no Rio de Janeiro) – 60 555$386réis; dívida activa no Brasil – 36 100$000 réis43.

Do casamento de António Ribeiro Fernandes Forbes e Dona Maria doCarmo Calazans Rodrigues (Taquary) nasceram cinco filhos:

• Dona Maria José Rodrigues Forbes44, que nasceu na freguesia de NossaSenhora do Pilar, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil, a 18 de Fevereiro de1836. Casada em primeiras núpcias com Francisco da Silva Chaves, aca-bou ficando no Brasil enquanto os pais se instalavam no Porto. Com amorte do marido, ocorrida na freguesia de São João Baptista de Niterói,Brasil, antes de 18 de Fevereiro de 186045, mudou-se para o Porto. Aqui,passou a segundas núpcias, com Joaquim de Bessa Pinto – de quem fala-remos abaixo –, em cerimónia ocorrida na igreja paroquial do Senhor doBonfim, freguesia do Bonfim, Porto, a 7 de Março de 186346. Não obs-tante, continuou desenvolvendo actividades de beneficência, como pro-tectora das aulas da Irmandade de Nossa Senhora do Terço e Caridade47.Morreu na Rua do Dr. José Ventura (Matosinhos), a 29 de Dezembro de1928, sendo enterrada no jazigo da Família Forbes de Bessa, no cemité-rio de Matosinhos. Do segundo casamento, deixou extensa extensa des-cendência, no Porto48.

• Dona Anna Josepha Carolina Rodrigues Forbes49, nascida na freguesia daCandelária, Rio de Janeiro, Brasil, a 23 de Abril de 1837. Veio para Por-tugal antes da restante família, dotada com 10 apólices da dívida públicado Brasil, de um conto cada uma50, e na companhia do marido. No Porto,foi protectora das escolas da Irmandade de Nossa Senhora do Terço eCaridade51 e enfermeira-mor da Celestial Ordem Terceira da SantíssimaTrindade52. Morreu no Porto, a 2 de Outubro de 1932, sendo enterrada nojazigo da Família Forbes, no cemitério do Prado do Repouso, Porto.Ainda casou no Rio de Janeiro, por volta de 1852, tendo apenas 14 anosde idade, com José Maria de Souza Magalhães, que nascera na freguesiade Ruivães, Vieira do Minho, a 17 de Maio de 1813; e viria a morrer na

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

372

43 ADP – Fundo Judicial, Comarca do Porto, Inventário Orfanológico de D. Maria do Carmo Rodri-gues Forbes, Mç. 0062/00148.

44 GRAÇA, 2002. 45 Arquivo Particular de Fernando de Noronha e Matos – Livro de Dona Maria José Forbes Cha-

ves.46 ADP – Fundo Paroquial, L.º 5 de Casamentos do Bonfim, fls. 13-13 v.47 Almanak do Porto e seu Districto para o Anno de 1867-1868. Porto: Imprensa Popular, 1866,

p. 296.48 GRAÇA, 2002. 49 GRAÇA, 2002. 50 ADP – Fundo Judicial, Comarca do Porto, Inventário Orfanológico de Dona Maria do Carmo

Rodrigues Forbes, Mç. 0062/00148.51 Almanak do Porto e seu Districto para o Anno 1896. Porto: J. J. Vieira da Silva, 1895, p. 292.52 Almanak do Porto e seu Districto para o Anno 1896…p. 296.

Page 374: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Rua do Bonjardim, 515, freguesia de Santo Ildefonso, Porto, a 24 deOutubro de 1861, pelas duas horas da manhã53, sendo enterrado no cemi-tério da paróquia de Santo Ildefonso e posteriormente transladado para ojazigo da Família Forbes, no cemitério do Prado do Repouso, Porto. Dei-xou extensa descendência, no Porto54.

• António Ribeiro Fernandes Forbes55, doutor em Direito pela Universi-dade de Coimbra56 e, como o pai, proprietário57 e capitalista58. Foi mem-bro da direcção da Sociedade do Palácio de Cristal59, director extraordi-nário da Assembleia Portuense60 e definidor da Ordem de Nossa Senhorado Terço e Caridade61. Recebeu as comendas das Ordens de Cristo62 e deNossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa63 e o foro de fidalgo cava-leiro da Casa Real64. Morreu, deixando testamento, a 9 de Dezembro de1919, sendo enterrado no jazigo da Família Forbes, no cemitério do Pradodo Repouso, Porto. Terá sido um “espírito brilhante”65. Não casou, nemdeixou descendência66.

• Manuel Jorge Rodrigues Forbes67, também capitalista e proprietário, foivice-cônsul do Brasil no Porto68 e membro da direcção da Sociedade do

ILUSTRES DE CÁ E LÁ. REGRESSADOS DO BRASIL NO PORTO DE OITOCENTOS

373

53 ADP – Fundo Paroquial, L.º de Óbitos de Santo Ildefonso, 1861, fl. 56 v.54 GRAÇA, 2002. 55 GRAÇA, 2002. 56 FORBES, António Ribeiro Fernandes – Dissertação Inaugural para as conclusões Magnas.

Coimbra: Imprensa da Universidade, 1865.57 No seu testamento menciona a casa do Largo da Biblioteca, n.º 17 (freguesia dos Mártires, Lis-

boa); a casa da Rua de D. Pedro (rua à época chamada de Elias Garcia e hoje desaparecida), n.º38 (Santo Ildefonso, Porto), ocupada pela Agência do Banco de Lisboa e Açores; e a Quinta doForbes (Praia da Granja, São Félix da Marinha, Vila Nova de Gaia) (ANTT – Livro para o Registode Testamentos na administração do 2.º Bairro de Lisboa, L.º 306, fl. 18 v.-25).

58 No testamento, menciona as acções do Banco de Lisboa e Açores, 55 apólices Gerais do Brasil(depositadas no Crédit Franco-Portugais) e 1350 réis (ANTT – Livro para o Registo de Testa-mentos na administração do 2.º Bairro de Lisboa, L.º 306, fl. 18 v.-25).

59 Direcção eleita a 7 de Junho de 1869, mantendo-se em actividade até 19 de Novembro de 1869(O PALÁCIO de Crystal Portuense. 1865-1890. Breve Esboço Historico do Palacio de CrystalPortuense desde a sua fundação até á celebração do seu vigesimo-quinto anniversario. Porto:Typographia Central, 1890, p. 43).

60 Almanak do Porto e seu Districto para o Anno de 1869. Porto: Imprensa Popular de J. L. deSousa, 1868, p. 304.

61 Almanak do Porto e seu Districto para o Anno de 1868-69. Porto: Imprensa Popular, 1867, p. 64.62 Almanak do Porto e seu Districto para o Anno 1896. … p. 436.63 AHMP – Relação dos Titulares, Commendadores e Cavalleiros das Ordens Militares, rezidentes

na Cidade do Porto feita por Henrique Duarte e Souza Reys, Official maior da Ex.ma Câmara(1949) (n.º Reg. 5602, fl. 49). Almanak do Porto e seu Districto para o Anno 1896… p. 439.

64 Almanak do Porto e seu Districto para o Anno 1896… p. 434.65 CASTRO, 1973: 96.66 GRAÇA, 2002. 67 GRAÇA, 2002. 68 Almanak do Porto e seu Districto para o Anno 1896. …p. 502. Almanach Palhares. Burocratico

e Commercial. 1901. [Lisboa]: [s. n.], [1900], p. 947.

Page 375: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Palácio de Cristal69. Nasceu na freguesia da Candelária, Rio de Janeiro,Brasil, em 1857. Em 1901, por altura da morte de sua mãe, vivia na Ruado Passeio Alegre, n.º 134. Morreu na freguesia da Foz do Douro, Porto,em 19..., sem nunca abdicar da sua nacionalidade brasileira. Casou naigreja paroquial de São Martinho de Lordelo, freguesia de Lordelo doOuro, Porto, a 18 de Dezembro de 186970, com Dona Maria Emília PintoBessa, nascida na freguesia da Candelária, Rio de Janeiro, Brasil, em1862 e filha de Francisco Pinto Bessa, a quem nos referiremos abaixo.Deixou descendência, já extinta71.

• Dona Eugénia Augusta Rodrigues Forbes, nascida na freguesia da Can-delária, Rio de Janeiro, Brasil, a 29 de Setembro de 1842; veio a morrerno Porto, a 13 de Março de 1926, sendo enterrada no jazigo da FamíliaForbes, no cemitério do Prado do Repouso, Porto. Casou na igreja paro-quial do Senhor do Bonfim, freguesia do Bonfim, Porto, a 24 de Dezem-bro de 186072, com José Júlio da Costa, comerciante e banqueiro73 dacidade do Porto, protector das aulas da Irmandade de Nossa Senhora doTerço74, comendador da Ordem de Cristo75. O marido nascera na fregue-sia de Merelim, Braga; e morreu a 7 de Setembro de 1907, sendo enter-rado no jazigo da Família Forbes, no cemitério do Prado do Repouso,Porto. Deixou extensa descendência, no Porto76.

OS MANOS BESSA

Muito provavelmente seguindo o exemplo dos manos José e Manuel daSilva Passos – Passos José e Passos Manuel – os dois manos Bessa também sedistinguiram pela organização dos seus apelidos: Francisco Pinto Bessa e Joa-quim de Bessa Pinto.

Eram filhos de José Pinto de Sousa e Almeida, Capitão da marinha mercanteem Lordelo do Ouro (* Cedofeita, Porto, 28.II.1791; † Porto, 12.X.1868), e desua mulher Dona Maria Emília de Bessa Leite (* Cedofeita, Porto, 03.IV.1797;casou em Cedofeita, Porto, 10.I.1816; † 23.X.1876). Eram netos paternos do Dr.Manuel José d’Almeida (* Arouca) e de sua mulher Dona Ana Joaquina de SousaPinto, proprietários no Couto de São João Baptista da Foz do Douro77; e netos

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

374

69 Direcção eleita a 9 de Março de 1882, mantendo-se em actividade até 29 de Novembro de 1889(O PALACIO de Crystal Portuense… p. 44).

70 ADP – Fundo Paroquial, L.º de Casamentos de Lordelo do Ouro-1868-1870, Assento n.º 29.71 GRAÇA, 2002. 72 ADP – Fundo Paroquial, L.º 2 de Casamentos do Bonfim, fl. 47 v.73 Almanach Palhares. Burocratico e Commercial. 1901 … p. 945.74 Almanak do Porto e seu Districto para o Anno de 1867-1868… p. 295.75 Almanak do Porto e seu Districto para o Anno 1896…p. 436.76 GRAÇA, 2002. 77 Na actual freguesia da Foz do Douro, Porto.

Page 376: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

maternos de Francisco Ferreira Bessa (* Lordelo do Ouro, Porto, 22.III.1771;† 28.VIII.1838), senhor da Quinta da Esperança (Lordelo do Ouro, Porto)78, ede sua primeira79 mulher Dona Maria Joaquina de Santa Rita (* Lordelo doOuro, Porto, 1753; † 1822).

A família Bessa estava instalada na freguesia de Lordelo do Ouro desde oséculo XVII, vivendo com algum destaque. Contudo, a ilustração vinha pelafamília materna de Francisco Ferreira Bessa. O pai, José Ferreira Bessa (* Lor-delo do Ouro, Porto, 14.X.1741; † 18.XI.1800), casou80 com Maria ViolanteLeite de Moraes (* Lordelo do Ouro, Porto), filha de Francisco Leite de Moraes(* Rua dos Carros; baptizada na Sé, Porto, 23.IV.1711), cavaleiro da Ordem deCristo (Alvará de 04.IX.1748), familiar do Santo Ofício (Carta de 21.VIII.1737),escrivão da Ribeira do Douro, e de sua mulher Filipa Rosa de Jesus (baptizadaem São Tomé, Lisboa, 22.IX.1726); e neta paterna81 de Leão Leite de Moraes (*São Paio de Fão, Esposende), ourives no Porto, e de sua mulher Maria Caetanada Silva (* São Vítor, Braga; casou em São Vítor, Braga, 29.X.1704).

O primeiro dos manos Bessa a chegar ao Brasil foi Francisco Pinto Bessa.Nascera na freguesia de Lordelo do Ouro, Porto, a 16 de Fevereiro de 1821.Desconhecem-se os motivos porque passou a Terras de Vera Cruz, apenas queo terá feito a partir do Porto, possivelmente ainda em 1831. Já em Janeiro de1832, aportou ao Rio de Janeiro, a bordo do brigue Conjunção, que registou asua entrada a 23 de Dezembro de 183282.

Tinha, então, 13 anos de idade e chegara para exercer a ocupação de cai-xeiro, numa loja da Rua da Quitanda, 220. Segundo os registos oficiais, era deestatura mediana, cor clara, rosto comprido, olhos pardos, nariz e boca regular,cabelos castanhos; sem indicações quanto ao uso de barba ou bigode e quantoà compleição e a sinais particulares83.

Alguns anos mais tarde, regressou ao Porto, donde voltou ao Brasil, agoraa bordo da barca Tentador, comandada por Vicente I. Ferreira de Carvalho eregistada a 16 de Abril de 1841. Comprovava-se, assim, a mobilidade destescomerciantes84.

ILUSTRES DE CÁ E LÁ. REGRESSADOS DO BRASIL NO PORTO DE OITOCENTOS

375

78 A Quinta da Esperança estendia-se por uma grande parte da freguesia de Lordelo do Ouro, sendotambém conhecida como Quinta do Bessa; como memória dos seus antigos proprietários, ficou otopónimo da Rua de António Bessa Leite e o nome do Estádio do Bessa, sede do Boavista Fute-bol Club.

79 Foi sua segunda mulher Dona Rosa Albertina de Melo, de quem não teve descendência.80 Na igreja paroquial de São Martinho de Lordelo, Lordelo do Ouro, Porto, 14.V.1770.81 E materna de Manuel Monteiro de Azevedo (* baptizado em São Salvador do Mundo, São João

da Pesqueira, 16.II.1668) e de sua segunda mulher Maria de Santo Amaro (* baptizado em SãoJoão das Lampas, Sintra, 08.X.1690; casou em Pena, Lisboa, 23.I.1721).

82 Arquivo Nacional (Brasil) – Cód. 381, volume 04, fl. 62 v., cit. in http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm (2008.VII.15).

83 AN (Brasil) – Cód. 381, vol. 4, fl. 62 v., cit. in http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm (2008.VII.15).

84 AN (Brasil) – Cód. 415, vol. 3, fl. 259 v., cit. in http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm (2008.VII.15).

Page 377: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Na década de 1860, instalou-se definitivamente no Porto, onde foi grandecapitalista e comerciante da praça do Porto e onde ocupou os mais importantescargos da governança local, como vereador e presidente da Câmara Municipaldo Porto (1866-1878)85. Ainda em 1868, foi deputado da Nação.

A sua actividade negocial levou-o a ser um dos fundadores e benemérito doPalácio de Cristal do Porto e membro da primeira direcção da Sociedade. Foicomendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, cava-leiro da Ordem da Torre-e-Espada, oficial da Ordem da Rosa (Brasil).

Morreu no Porto, a 4 de Maio de 1878. Casara com Dona Maria Henriquetada Silva Santos, que conhecera no Rio de Janeiro, donde era natural, por ternascido na freguesia da Candelária. Vinda para a Europa com o marido, DonaMaria Henriqueta morreu no Porto.

Do seu casamento, nasceram duas filhas:

• Dona Maria Emília Pinto Bessa, nascida na freguesia da Candelária, Riode Janeiro, Brasil, em 1862. Casou na igreja paroquial de São Martinhode Lordelo, freguesia de Lordelo do Ouro, Porto, a 18 de Dezembro de186986, com Manuel Jorge Rodrigues Forbes, de quem já acima falámos.

• e Dona Maria Henriqueta Pinto Bessa, que nasceu na freguesia da Can-delária, Rio de Janeiro, Brasil, em 1854; e morreu no Porto. Casou naigreja paroquial de São Martinho de Lordelo, freguesia de Lordelo doOuro, Porto, a 29 de Setembro de 187587, com José António Forbes deMagalhães, de quem também já acima falámos.

O segundo dos irmãos, Joaquim de Bessa Pinto, também nasceu na fregue-sia de Lordelo do Ouro, Porto, a 10 de Abril de 1824, sendo baptizado na igrejade São Martinho de Lordelo, freguesia de Lordelo do Ouro, Porto, a 19 de Abrilde 1824, tendo por padrinhos a Joaquim da Costa Lima, Abade de Esturães(representado por procuração por António de Bessa Leite), e Dona CarolinaAugusta Delaroque88.

Deve ter passado ao Brasil por volta de 1838. A 26 de Julho daquele ano, comapenas 15 anos de idade, já o sabemos a querer embarcar para Campos, segundoum registo de 26 de Julho de 1838. Ainda solteiro, era descrito como sendo deestatura mediana, cor clara, rosto comprido, olhos claros e nariz e boca regular;e sem observações quanto a barba, bigode, compleição e sinais particulares89.

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

376

85 Durante o seu mandato foram construídas as Ruas Nova da Alfândega, de Mousinho da Silveirae de Sá da Bandeira e aberta a Rotunda da Boavista, sobre terrenos cedidos pela família BessaLeite.

86 ADP – Fundo Paroquial, L.º de Casamentos de Lordelo do Ouro – 1868-1870, Assento n.º 29.87 ADP – Fundo Paroquial, L.º de Casamentos de Lordelo do Ouro, 1875-1876, Assento n.º 24.88 ADP – Fundo Paroquial, L.º de Baptizados n.º 1, de Lordelo do Ouro (São Martinho), fls. 273 v.-

-274.89 AN (Brasil) – Cód. 0381, vol. 10, fl. 114, reg. n.º 1220, cit. in http://www.arquivonacional.gov.

br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm (2008.VII.15).

Page 378: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Contudo, logo no dia seguinte, apresentava-se com destino a São Paulo,sendo então, completada a sua descrição pela informação da barba “ausente”90.E, a 1 de Agosto, embarcou na sumaca Flora, comandada por Joaquim PeixotoGuimarães, com destino a Santos, segundo registo a 1 de Agosto de 183891.

No ano seguinte, embarcou no porto de Santos, no vapor Paquete do Porto,comandado por João Francisco de Andrade e registado a 24 de Janeiro de 1839.Vinha, então, na companhia de um escravo92.

Como o irmão, voltou para Portugal na década de 1860. Aqui, continuou asua próspera carreira de negociante, capitalista e proprietário e foi fundador edirector do Banco Português93. Morreu na freguesia da Foz do Douro, Porto, a10 de Outubro de 1903, sendo sepultado no jazigo da Família Forbes de Bessa,no cemitério de Matosinhos.

Casou duas vezes: a primeira, ainda no Brasil, com Dona Maria Alexan-drina Bicanço, falecida na freguesia de São João Baptista de Niterói, Brasil, dequem teve três filhos; a segunda, na igreja paroquial do Senhor do Bonfim, fre-guesia do Bonfim, Porto, a 7 de Março de 186394, com Dona Maria José Rodri-gues Forbes, de quem já acima falámos.

EM JEITO DE CONCLUSÃO…

Três famílias distintas, com percursos que se foram intercruzando nos seuscaminhos, os Calazans Rodrigues, os Forbes e os Bessa tornaram-se na génesede uma extensa família portuense, na qual se foram realizando casamentossucessivos e endogâmicos. Assim, formaram-se os ramos Bessa Forbes e For-bes de Bessa, aqueles herdeiros da fortuna de Francisco Pinto Bessa e ManuelRodrigues Forbes; estes destacando-se na política do século XX republicano…

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO FILHO, José Bueno de Oliveira, 1937 – “Os Rodrigues de Taquarí”. Revista do Ins-tituto de Estudos Genealógicos, São Paulo: Instituto de Estudos Genealógicos, ano I, n.º 1.

BUENO, Antônio Henrique da Cunha; BARATA, Carlos Eduardo de Almeida, 1999 – Dicioná-rio das Famílias Brasileiras. Rio de Janeiro: Ibero América.

ILUSTRES DE CÁ E LÁ. REGRESSADOS DO BRASIL NO PORTO DE OITOCENTOS

377

90 AN (Brasil) – Cód. 423, vol. 10, fl. 132 v., reg. n.º 36, cit. in http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm (2008.VII.15).

91 AN (Brasil) – Cód. 417, vol. 05, fl. 93 v., cit. in http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm (2008.VII.15).

92 AN (Brasil) – Cód. 0415, vol. 2, fl. 302, registo n.º 415, cit. in http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm (2008.VII.15).

93 Em 1874, a Direcção do Banco Português era composta por: Joaquim de Bessa Pinto, HenriqueCarlos de Meirelles Kendall, Manuel Justino de Azevedo, João Ribeiro da Mesquita Júnior eFrancisco José Gomes Valente (FERREIRA, 1970: 79-80).

94 ADP – Fundo Paroquial, L.º 5 de Casamentos do Bonfim, fls. 13-13 v.

Page 379: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

CASTRO, António Paes de Sande e, 1973 – A Granja de Todos os Tempos. Desde a Granja dosFrades de Grijó e da Granja dos Ayres até à Granja dos nossos dias. Vila Nova de Gaia:Câmara Municipal de Gaia.

CATROGA, Fernando, 2000 – “A Monumentalidade Funerária como símbolo de DistinçãoSocial”, in Os Brasileiros de Torna-Viagem. Porto: Comissão Nacional para as Comemora-ções dos Descobrimentos Portugueses, p. 167-179.

FERREIRA, António Coelho, 1970 – A Banca Portuense. 1850-1875. Porto (Dissertação para oacto de Licenciatura apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto).

GRAÇA, Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo, 2002 – Forbes de Portugal e outros mais… .Porto: Centro de Estudos de Genealogia, Heráldica e História da Família da UniversidadeModerna do Porto.

GUIMARÃES, Carlos Gabriel – O Império e os bancos comerciais do Rio de Janeiro naSegunda metade do século XIX: os casos do Banco Mauá, MacGregor & Cia., do BancoRural e Hipotecário do Rio de Janeiro e do Banco Comercial e Agrícola.

NEIL, James, 1902 – Ian Roy of Skellater. A Scottish Soldier of Fortune. Aberdeen: D. Wyllieand Son.

SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e, 1994 – Cemitérios Portuenses. História e Arte. Porto. tomoV, vol. II (dissertação de Licenciatura apresentada à Universidade Portucalense Infante DomHenrique).

ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, 1963 – Nobreza de Portugal e do Brasil. Lisboa/Rio deJaneiro: Editorial Enciclopédia Limitada.

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

378

Page 380: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ILUSTRES DE CÁ E LÁ. REGRESSADOS DO BRASIL NO PORTO DE OITOCENTOS

379

Anexo I – Os Calazans Rodrigues – descendência dos 1.os Barões de Taquary

Jerónimo HerculanoCalazans Rodrigues

(Taquary)1801-1836

Manuel Jorge Rodrigues2.º Barão de Taquary

1777-1845

Dona Maria da Conceição Calazans Baronesa de Taquary

1786-1866

José AntónioCalazans Rodrigues 2.º Barão de Taquary

1805-?

1836

Dona Clara Francisca 1816-1895

↓com descendência

no Brasil

António RosendoCalazans Rodrigues

(Taquary)1808-1880

Dona Rita de CássiaCalazans Rodrigues

(Taquary)1815-1870

solteirasolteiro solteira

Dona Maria do CarmoCalazans Rodrigues

(Taquary)

Dona Maria do CarmoCalazans Rodrigues

(Taquary)1816-1901

Dona Josepha LeonissaCalazans Rodrigues

(Taquary)

Dona Rafaela GabrielaCarolina da SilvaPinto Bandeira

↓com descendência

no Brasil

António RibeiroFernandes Forbes

1791-1862

↓com descendência

no Porto

António RibeiroFernandes Forbes

1791-1862

Anexo II – Os Forbes – relações em Portugal

Maria ChristinaForbes de Almeida

e Portugal1768/70-1815

Dona Anna Joaquinade Almeida e Portugal

1743-1797

John Forbesof Skellater

c. 1732-1808

?~ Dona Catharina Luiza

Coelho da Motta Prego

Joanna VictoriaForbes de Almeida

e Portugal1771-1839

1798

Dom Franciscode Mello Manoel

1773-1851

↓com descendência

no Açores(Condes da Silvã)

Anna BenedictaForbes de Almeida

e Portugal1773-1815

Dona Eugénia AugustaRodrigues Forbes

1842-1926

Manuel JorgeRodrigues Forbes

1857-19…

António RibeiroFernandes Forbes

(Júnior)?-1919

Dona Anna JosephaCarolina

Rodrigues Forbes1837-1932

DonaMaria JoséRodrigues Forbes

1836-1928

1800

Henry David Frasier

1762-1810

↓com descendênciana Europa Central

(Marquis de Bembelles)

1798

Manuel de Albuquerquede Melo Pereira

e Cáceres

↓com descendência

no Porto(Albuquerque de Mello

Pereira e CáceresSenhores da Casa da Ínsua)

1860

José Júlioda Costa

?-1907

↓com descendência

no Porto(Condes da Silvã)

1869

Dona MariaPinto Bessa

1862-?

↓com descendência

no Porto(Condes da Silvã)

solteiro

1863

José Mariade Souza Magalhães

1813-1861

↓com descendência

no Porto(Condes da Silvã)

1.º185…

Francisco da SilvaChaves?-1860

2.º1863

Joaquim de Bessa Pinto

1824-1903

↓com descendência

no Porto(Condes da Silvã)

Page 381: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

380

Anexo III – Quadro – Os Bessa – origens

Anexo IV – Quadro – Calazans Rodrigues, Forbes e Bessa – ligações familiares

Dona Maria do Carmo Calazans Rodrigues (Taquary)1816-1901

António Ribeiro Fernandes Forbes1791-1862

John Forbesof Skellater

c. 1732-1808

?~ Dona Catharina Luiza

Coelho da Motta Prego

Manuel JorgeRodrigues Forbes

1857-19…

Dona Anna JosephaRodrigues Forbes

1837-1932

DonaMaria JoséRodrigues Forbes

1836-1928

Manuel JorgeForbes de Bessa

1864-1934

Dona MariaAlexandrina Picanço

1864-1934

Dona MarianaVentura dosSantos Reis

1866-1945

↓com descendência

no Porto

Manuel Jorge Rodrigues2.º Barão de Taquary

1777-1845

Dona Maria da Conceição Calazans Baronesa de Taquary

1786-1866

FranciscoLeite de Moraes

Cavaleiro da Ordem de Cristo (1748)Familiar do Santo Ofício (1737)

1711-?

Filipa Rosa de Jesus

1726-?

Maria ViolanteLeite de Moraes

José Ferreira Bessa1741-1800

Maria Joaquinade Santa Rita

1753-1822

Francisco Ferreira Bessa1771-1838

Dona Maria Emíliade Bessa Leite

1797-1876

Dona Maria EmíliaPinto Bessa

1862-?

Dona Maria Henriqueta Bessa

1854-?

José AntónioForbes de Magalhães

1854-1943

António deBessa Pinto

Dona Eugénia Augusta

Forbes de Magalhães

José Pinto deSousa e Almeida

Capitão da Marinha Mercante1791-1868

Joaquimde Bessa Pinto

1824-1903

Joaquimde Bessa Pinto

1824-1903

FranciscoPinto Bessa1821-1878

FranciscoPinto Bessa1821-1878

José Pinto deSousa e Almeida

Capitão da Marinha Mercante1791-1868

Dona Ana Joaquinade Sousa Pinto

Dr. Manuel Joséd’AlmeidaProprietário

2.º

José MariaSouza Magalhães

1813-1861

Dona Maria Henriqueta da Silva Santos

1.º

↓com descendência

no Porto

↓com descendência

no Porto

↓com descendência

(extinta)

Page 382: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

381

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINANOS AÇORES DE OITOCENTOS (DA

DÉCADA DE 30 A MEADOS DA CENTÚRIA)

Susana Serpa Silva

INTRODUÇÃO

Pelos condicionalismos da história e da geografia, o arquipélago dos Aço-res foi, desde o povoamento, território de imigrantes e também de emigração.Em pleno Atlântico norte, enquanto placa giratória de um Império pluriconti-nental e como centro de convergência entre as duas margens do oceano, as ilhasnão só receberam gentes de múltiplas paragens, como ofereceram inúmeroscontingentes à diáspora portuguesa, em geral, inscrevendo-se nos imensosmovimentos migratórios europeus, prevalecentes nos séculos XVIII e XIX. Nocaso dos arquipélagos, outrora ditos de “adjacentes”, a dispersão e exiguidadeterritorial, agudizou este fenómeno como consequência inevitável do quadrosocioeconómico insular. A diáspora oitocentista foi minando a população dasilhas, mas, ao mesmo tempo, contribuiu para o reequilíbrio do jogo das subsis-tências e de oportunidades.

Já se contam alguns estudos sobre a história da emigração açoriana e algunsdeles de foro académico1, mas como referiu Artur Boavida Madeira – historia-dor e demógrafo precocemente desaparecido – as fontes utilizadas, especial-mente as mais antigas e de âmbito quantitativo, “demandam ponderada refle-xão”2. A escassez documental, relativamente a alguns períodos ou épocas, éuma das maiores limitações impostas e que inviabiliza, por exemplo, umacobertura total e homogénea de todo o arquipélago no tocante aos movimentosmigratórios. A este obstáculo acresce o problema da emigração clandestina que,apesar das “tentativas de controlo institucional” terá conhecido índices bastantesignificativos, sobretudo rumo ao Brasil. Urge, pois, neste domínio, procederao cruzamento de dados já compilados a partir de fontes portuguesas comdocumentação brasileira relativa à entrada e permanência de passageirosnaquele território3.

1 Vejam-se, além de Artur Boavida Madeira, os trabalhos de Gilberta Pavão Nunes Rocha, MariaNorberta Amorim, Sacuntala de Miranda, Paulo Matos, entre outros.

2 MADEIRA, 1999: 48.3 MADEIRA, 1999: 48 e ss.

Page 383: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

É no Arquivo e Biblioteca Pública de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira,que se encontra o maior volume de livros de registo de passaportes, datados definais de Setecentos e inícios da centúria seguinte, pertencentes ao fundo daCapitania Geral dos Açores4. A centralização político-administrativa do arqui-pélago, decretada em 1766, pelo Marquês de Pombal, explica esta concentra-ção de registos que, em contrapartida, escasseiam para algumas ilhas e, sobre-tudo, a partir da década de 20 de Oitocentos.

De um modo geral, o maior volume de dados quantitativos sobre a emigra-ção açoriana oitocentista emerge a partir dos anos 60 em diante, por via da acti-vidade dos Governos Civis, dos respectivos relatórios e livros de termos de pas-saportes, bem como do maior rigor censitário e estatístico5. Todavia, para o dis-trito de Angra do Heroísmo existem livros de registo de passaportes, perten-centes ao respectivo Fundo do Governo Civil, que remontam a 1832, abarcandoas décadas de 40, 50 e seguintes6. Esta particularidade excepcional de Angra doHeroísmo deve-se, uma vez mais, à situação político-administrativa vivida noarquipélago, pela qual, a ilha Terceira foi sede da Regência Liberal concen-trando, uma vez mais o poder, nos alvores da década de 30.

Já no caso particular do distrito de Ponta Delgada, que inclui as ilhas de S.Miguel e de Santa Maria, desconhece-se, por ora, o paradeiro dos livros relati-vos a passaportes, anteriores a 18707. A única excepção parece ser a de um livrode Registo de Passaportes e Assentos de Saídas de Navios – que encontramos,no decurso de outras pesquisas – pertencente ao Fundo do Governo Civil doDistrito de Ponta Delgada, com dados pertencentes à década de 30 do séculoXIX e ainda muito pouco trabalhado ou divulgado8. Embora um só livro nãonos permita conhecer e aprofundar a realidade dos fluxos emigratórios destedistrito –, na suposição de que existissem outros mais – ajuda-nos, contudo, alevantar um pouco o véu sobre o número de passaportes concedido em deter-minados anos, os destinos preferenciais, bem como o género e a situação dealguns dos que partiam.

É certo que as primeiras décadas do século XIX, com maior evidência nosanos 20 e 30, foram assaz atribuladas, atendendo à conjuntura nacional resul-tante das lutas liberais. Nos Açores, o declínio da Capitania Geral, as revoltasde 1821, a instituição da Regência na ilha Terceira, o contributo humano e finan-

SUSANA SERPA SILVA

382

4 Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo (BPARAH) – Fundo da CapitaniaGeral dos Açores, Livros de Registo de Passaportes, [1770 a 1818].

5 Veja-se os quadros e dados estatísticos recolhidos por JOÃO, 1991: 184, 186; MENDONÇA etal., 2002: 105 e ss.

6 BPARAH – FGCDAH, Passaportes, Livro de Registo de Passaportes, 1832-1844; Livro deRegisto de Passaportes, 1844-1857. Digitalizados pelo Centro de Conhecimento dos Açores.

7 BPARPD – Governo Civil do Distrito de Ponta Delgada – Guia de Fundos Documentais. 8 BPARPD – FGCPD, Livro 41, Livro de Registo de Passaportes e Assento das Saídas de navios

do Porto de Ponta Delgada, 1832-1836. Julgamos ser este o livro que serviu de base a Luís Men-donça e José Ávila relativamente a alguns dados avulsos que fornecem na obra já citada (MEN-DONÇA et al., 2002:. 105).

Page 384: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ceiro para o Exército Libertador, e consequente Guerra Civil, motivaram pro-fundas convulsões. O arquipélago sofreria alterações administrativas de fundo,sobrelevando as novas configurações a que foi sujeito. Em Junho de 1832ascendeu à categoria de província, cujo Prefeito se estabeleceu em Angra,subalternizando os subprefeitos de S. Miguel e do Faial. Cerca de um anodepois, devido a anseios descentralizadores, o arquipélago foi dividido em duasprovíncias: a oriental e a ocidental e, finalmente, em 1836 ficou repartido emtrês distritos (Ponta Delgada, Angra e Horta), à frente dos quais estiveram pre-feitos, administradores gerais e, por fim, governadores civis9. Por tudo isto,parecem-nos evidentes as consequências resultantes destas sucessivas altera-ções administrativas que terão motivado, entre outras vicissitudes, instabili-dade e perda do rasto de documentos e fontes. Mais se nos afigura, que perío-dos terão existido de manifesta incapacidade e ineficácia das autoridades o que,entre outras causas, terá também contribuído para o incremento da emigraçãoilegal. Eis, em nosso entender, alguns dos motivos que explicam a escassez defontes e consequentes estudos sobre a emigração açoriana nas décadas de 20,30 e 40 do século XIX.

Ainda assim, alguns autores consideram que foi por volta de 1834 – ano detriunfo da causa liberal – que se terá iniciado, nos Açores, um novo ciclo deemigração “espontânea” para o Brasil, marcado pela crescente intervenção eresponsabilização dos Governos Civis nesta matéria10. De facto, foi por decretode 18 de Julho de 1835 que definitivamente se remeteu à figura do governadorcivil a competência de conceder passaportes “para fora do Reino, pelos Portosde Mar”11, o que parece ter sido aplicado nas ilhas mais precocemente dadas aspróprias características geográficas e administrativas.

Não obstante o total obscurantismo sobre a década anterior, é tambémnossa convicção de que é por meados da década de 30 que tem início umintenso movimento migratório açoriano com destino ao Império do Brasil,como comprova a análise dos livros de registo de passaportes, que nos foi dadoencontrar, quer no tocante ao distrito de Ponta Delgada, como ao de Angra doHeroísmo, em especial.

1. A EMIGRAÇÃO LEGAL NOS DISTRITOS DE ANGRA DOHEROÍSMO E PONTA DELGADA

A análise do Quadro n.º 1 permite-nos confirmar não apenas o peso das saí-das do distrito de Angra com destino ao Brasil, mas igualmente o seu expo-nencial crescimento no período entre 1841 a 1845 e que terá prosseguido, nosanos seguintes, com índices igualmente elevados.

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINA NOS AÇORES DE OITOCENTOS…

383

9 SILVA, 2003: 37-38. 10 MENDONÇA et al., 2002: 103. 11 Apud PEREIRA, Maria, 2008: 37.

Page 385: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Embora o quadro anterior não apresente todos os destinos para onde ten-cionavam partir os requerentes, mas apenas os mais significativos, verifica-seque do total dos 2201 passaportes contabilizados, 1318 tinham como destino oBrasil ou, mais especificamente, territórios daquele Império. Neste período decerca de 14 anos – e exceptuando os restantes e pontuais destinos – 60% dospassaportes emitidos naquele Governo Civil visavam a ex-colónia portuguesacomo porto de chegada e território de acolhimento. Não deixa, porém, de sercurioso notar como durante os primeiros anos da década de 30 se registarammúltiplos pedidos rumo a Lisboa, Porto e ilha de S. Miguel, bem como a Ingla-terra e a França, o que se pode explicar pela conjuntura épocal, indissociáveldo papel desempenhado pela Terceira no âmbito das lutas liberais. Este prota-gonismo fez atrair à ilha inúmeros micaelenses, continentais e estrangeiros,alguns destes ligados às trocas comerciais com os paises de origem12. Por outrolado, se já na década de 30 se podem anotar 11% de atribuições de passaportescom destino ao Rio de Janeiro e 3% com o destino genérico de Brasil, é, pois,na primeira metade da década seguinte que os pedidos rumo àquele Impérioascendem a um total de 44%. No tocante a emigrantes dos Açores, em geral, sóem 1845 terão entrado, no Brasil, 1284 passageiros, montante este apenas infe-rior aos contingentes originários do Porto13.

SUSANA SERPA SILVA

384

12 Entre 1832 e 1835, por exemplo, sobrelevam com destino ao reino, França ou Inglaterra, figurasde relevo social e político, como um oficial de cavalaria, um oficial da Secretaria dos Negóciosda Marinha, dois bacharéis, um mestre, um capitão do Estado Maior do Exército, 1 padre, o con-selheiro da prefeitura da província do Douro, 2 deputados às cortes, oriundos do Faial, a saber:Januário Vicente Camacho e António José de Ávila, acompanhados dos respectivos criados. Entreas famílias migrantes destacamos, a título também de exemplo, as de: Francisco de Melo e SilvaCabral, com a esposa, D. Maria Rita de Morais Cabral, 5 filhos menores e criada; D. Ana JustinaEmília Zagalo Nogueira, casada, 5 filhos e a fâmula Brites Maria; os casos de Frederico AlvesBarbosa que partiu com o irmão Guilherme Alves Barbosa e criados ou as irmãs D. Carlota e D.Guilhermina de Avelar; João de Faria Machado Pinto de Roby, com esposa e filho menor ecunhado, Carlos Augusto Schiappa Pietra entre muitos outros. Se muitos destas situações não sãocasos de emigração, o mesmo não se pode dizer de dois núcleos da família Meireles, natural dailha Terceira, que partem, em 1836 e 1837 rumo a França: primeiro três irmãos e um criado;depois Luís Meireles do Canto, com a esposa, três filhos, a mãe e quatro criados (BPARAH –FGCDAH, Passaportes, Livro de Registo de Passaportes, 1832-184).

13 Diário do Governo, n.º 105, 1846, cit. por Jorge Alves, apud MENDONÇA et al., 2002: 105.

Quadro n.º 1 – Distribuição, por destinos, dos passaportes atribuídos no distrito de Angra do Heroísmo (1832-1845)

1832-1835 11 14 279 24 185 31 1 99 5 181836-1840 8 27 160 7 158 - 9 146 3 391841-1845 - - - 10 - 1* 4 8 2 952

Total 19 41 439 41 343 32 14 253 10 1009

França Porto Lisboa Inglaterra S. Miguel Maranhão Pernambuco Rio Baía Brasil

* Pará

Page 386: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Segundo o Governador Civil de Angra, entre 1832 e 1853 foram emitidos,só neste distrito, 3424 documentos para o Brasil, numa média anual de 155,6. János cinco anos seguintes, em plena década de 50, o volume de passaportes con-cedidos em Angra aumentou para uma média anual de 63214, aproximando-se,como veremos, dos valores do distrito do Ponta Delgada, já na década de 30.

Além dos destinos apresentados no Quadro n.º 1, existiram outros, muitomenos significativos, como por exemplo Espanha, Gibraltar, Cabo Verde,Luanda, Madeira e EUA, avultando as migrações e viagens interilhas (rumo àGraciosa, S. Jorge, Faial, Pico e Flores) cuja obrigatoriedade de requisição depassaporte representava uma imposição legal que perdurou até 186315.

Importa também ponderar a naturalidade dos requisitantes de passaportesno distrito de Angra do Heroísmo, observando o Quadro n.º 2.

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINA NOS AÇORES DE OITOCENTOS…

385

14 Cit. por JOÃO, 1991: 187. 15 Foi por Carta de Lei de 31 de Janeiro de 1863 que se previu a abolição dos passaportes internos

o que suscitou a promulgação do Regulamento Geral de Polícia para o trânsito no continente doreino e nas ilhas adjacentes, entrada de viandantes e sua saída para o estrangeiros, datado de 7de Abril do mesmo ano (PEREIRA, Maria, 2008: 40).

Quadro n.º 2 – Naturalidade dos requisitantes de passaportes do distrito de Angra do Heroísmo (1832-1845)

1832 a 1835 61 190 118 53 93 82 5601836 a 1840 64 430 124 98 169 130 2781841 a 1845 15 636 21 46 21 28 203

Total 140 1256 263 197 283 240 1041

Reino Terceira S. Jorge Graciosa Pico Outros Sem Indicação

Como se pode verificar, no total absoluto de 3420 passaportes atribuídos,além do avultado número de indivíduos sobre os quais não consta qualquer indi-cação da origem, 1256 requisitantes, isto é, 38% eram oriundos da ilha Terceira.À medida que se ia verificando um aumento de registos de passaportes com des-tino ao Brasil, também ia ocorrendo um incremento de pedidos por parte de ter-ceirenses, enquanto decorria uma clara diminuição de solicitações de indivíduosdas outras ilhas do distrito, em particular. Note-se que, para o quinquénio de1841 a 1845, podemos contabilizar 636 requerimentos de naturais da ilha Ter-ceira, contra apenas 21 de S. Jorge e Pico, respectivamente e 46 da Graciosa.Uma das leituras que se pode fazer a partir destes dados é a de que a centraliza-ção do Governo Civil na cidade de Angra suscitaria o recurso à emigração clan-destina, rumo a paragens longínquas, por parte dos habitantes das outras ilhas dodistrito, impedidos de recorrer à via legal pela falta de meios, pelas condicio-nantes da insularidade e também pela aversão que sentiam pelos formalismos eimposições legais da cultura letrada, quando, na sua maioria, eram analfabetos.

Page 387: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Entre outras naturalidades ou nacionalidades não especificadas no quadron.º 2, não podemos deixar de referir o número de marroquinos ou hebreus (55),de brasileiros (27), de ingleses (26) e de habitantes de outras ilhas açorianas(48) que igualmente requereram passaporte para o Brasil ou para outros desti-nos, naquela capital de distrito. O número de judeus resulta de fluxos de imi-gração para terras açorianas, provenientes do norte de África, desde os anos 20do século XIX. Se estas comunidades de “hebreus marroquinos”, que se fixa-ram sobretudo nas ilhas de S. Miguel, Terceira e Graciosa, permitiram investi-mento e dinamização do comércio local16, por outro lado, em alguns casos,fizeram dos Açores um novo ponto de passagem para outras paragens, entreelas as terras do Brasil17.

Por seu turno, o caso dos brasileiros – partindo do conceito oitocentista –pode indiciar eventuais projectos de “ida e torna”. Em contrapartida – assu-mindo o significado actual – pode representar um sinal da possível ligação denovas gerações à terra de origem dos familiares ou, então, certamente de emer-gentes práticas de engajamento e recrutamento de colonos que, na década de30, e até anteriormente, eram já uma realidade18.

No que concerne ao Governo Civil de Ponta Delgada, tomando como basea fonte que referimos anteriormente, podemos verificar, pelos dados compila-dos no Quadro n.º 3, que nos anos de 1833 e 1834 não existiram registos sig-nificativos de passaportes para o exterior. Ainda assim, contam-se 22 emitidoscom destino ao Rio de Janeiro, mas talvez a conjuntura de instabilidade, a quejá nos referimos, tenha obstado à regular e eficaz administração local, facili-tando talvez a clandestinidade.

SUSANA SERPA SILVA

386

16 Cf. DIAS, 1996: 39, 52. 17 No Verão de 1835, por exemplo, há alguma mobilidade de judeus marroquinos com destino ao

Maranhão ou ao Brasil, em geral. 18 SILVA, 2003: 146-147; COSTA, 1972: 26-27.

Quadro n.º 3 – Registo de passaportes para o exterior(em nome individual, com ou sem família) emitidos em Ponta Delgada (1833-1836

M F M F M F M F M F M F M F M F

1833 8 - - - 1 - - - 10 12 1 - - - 3 -1834 - - - - - - - - - - - - - - - -1835 6 - 8 - 3 - 25 3 418 41 51 4 32 2 19 -1836 9 - 84 5 - - 35 2 465 46 - - - - 4 -

Total 25 - 92 5 4 - 60 5 893 99 52 4 32 2 26 -

Brasil/Império Baía Pernambuco Rio América

Inglesa Jamaica OutrosLondres/

Inglaterra

Page 388: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Pelo contrário, os anos de 1835 e 1836 apresentam já uma regular atribui-ção de passaportes que, no caso particular do Rio de Janeiro, regista mesmo umconsiderável aumento. O Brasil era, sem dúvida, o destino preferencial dosemigrantes do distrito de Ponta Delgada, ainda que aparecessem escassas indi-cações de indivíduos provenientes ou naturais de outras ilhas, para além, comoé evidente, de uns poucos naturais do Brasil. É importante referir que uma aná-lise atenta revela a repetição de nomes de alguns indivíduos o que pode indi-ciar, uma vez mais, viagens de visita à terra natal e consequente regresso à diás-pora ou então o envolvimento nos negócios em torno da emigração e alicia-mento de colonos.

Do total de 1262 passaportes emitidos em Ponta Delgada, nos anos 1835 e36, 1135 tinham como destino o Brasil, ou seja, cerca de 90%. As indicaçõesrepartiam-se entre Brasil, Império do Brasil, Baía, Pernambuco e Rio deJaneiro que, por si só, englobava muito mais de metade das opções dos passa-geiros. Em 1835, dos 612 passaportes registados, 76% tinham como ponto dechegada o Rio de Janeiro. No ano seguinte, esse valor aumentou para 79%,apesar do acréscimo de passaportes para Pernambuco e o Brasil, em geral. Odistrito de Ponta Delgada acompanhava, assim, a tendência geral do arquipé-lago, não obstante, pelo facto de ser mais populoso, estimarmos que tenha ofe-recido avultados contingentes nas décadas seguintes.

Entre a categoria Outros, do Quadro n.º 3, integram-se destinos como Gibral-tar (3 indivíduos, em 1833), ilha da Trindade (17 indivíduos em 1835), Espanhae França (um indivíduo em 1835). Em 1836, há dois passaportes autorizados paraBristol e mais dois para Paris. Muitos destes passageiros não eram emigrantes. Seo grupo de 17 indivíduos que embarcou para Trindade se nos afigura como umcaso de excepção, os restantes destinos, tal como Londres ou Inglaterra (que oquadro apresenta), estão associados às viagens de negócios dos grandes comer-ciantes locais – entre eles judeus de origem norte-africana, que as faziam pormais de uma vez – ou até a viagens de recreio ou culturais que era habitual ence-tarem os filhos e os representantes das mais abastadas famílias micaelenses19.

O Verão, com especial incidência os meses de Julho e Agosto, era a épocade maior concessão de passaportes, por razões óbvias, embora o movimento semantivesse durante todo o ano. A grande leva para a Jamaica, por exemplo, em1835, deu-se sobretudo a partir do mês de Setembro, tal como acontecia prefe-rencialmente com as partidas do distrito de Angra, rumo ao Brasil, que se acen-tuavam do último mês do Verão em diante. Relativamente a estas paragensmais longínquas e não só, nota-se, pela sequência dos registos, que além deuma emigração maioritariamente individual e masculina, esta, por vezes, erafeita por grupos ou levas como se obedecessem a eventual contrato.

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINA NOS AÇORES DE OITOCENTOS…

387

19 Há nomes nos registos como os de: José Jácome Correia, bacharel Agostinho Machado de Fariae Maia, João Silvério Vaz Pacheco de Castro, José Caetano Dias do Canto e Medeiros (BPARPD– FGCPD, Livro 41, Livro de Registo de Passaportes e Assento das Saídas de navios do Porto dePonta Delgada, 1832-1836).

Page 389: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Quanto ao perfil dos emigrantes a recolha de dados dos livros de Angra doHeroísmo foi mais profícua, permitindo-nos precisar os contornos dos fluxosemigratórios para o Brasil, segundo o género, o nível etário e o estado civil.Raramente eram anotadas as profissões, descortinando-se somente os eclesiás-ticos e os criados de servir. Deste modo, o único meio de percepção da origemsocioeconómica assenta no nome de família, o que não é totalmente fiável. Osdados compilados no Quadro n.º 4 tornam indubitável a prevalência da emi-gração masculina sobre a feminina.

SUSANA SERPA SILVA

388

20 Vejam-se os estudos clássicos de SERRÃO, 1982 e PEREIRA, Miriam, 1981.

Quadro n.º 4 – Atribuição de passaportes, com destino ao Brasil, no distrito de Angra do Heroísmo, por género (1832-1845)

Masculino 126 132 734 992Feminino 29 65 235 326

1832-1835 1836-1840 1841-1845 Total

A um montante de 75% de homens emigrantes, podemos acrescentar asseguintes características, patentes nos gráficos que se seguem: mais de 50%solteiros e jovens, entre a puberdade e os 30 anos de idade. Neste particular, aemigração do distrito de Angra inscrevia-se nas tendências gerais da emigraçãoportuguesa, que durante várias décadas de Oitocentos, reflectiu projectos deretorno20. Além disso, também nas ilhas não era despiciendo o recurso à emi-gração como fuga ao recrutamento militar.

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

Solteiro Casado Viúvo S/ indicação

1836-18401841-1845

Gráfico n.º 1 – Estados civis dos indivíduos do sexo masculino, do distrito de Angra, que requereram passaporte para o Brasil (1836-1845)

Page 390: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Apesar do predomínio masculino, não podemos deixar de atender aoincremento do índice da emigração feminina com destino ao Brasil. Se entre1836 e 1840 os passaportes requeridos por mulheres, em Angra, foram apenas65, já entre 1841 e 1845 ascenderam a 235, representando a emigração femi-nina, no total do período em estudo, um peso de 25%. Mesmo em relação aPonta Delgada, cujos dados são muito mais restritos, entre 1833 e 1836 arequisição de passaportes, por elementos do sexo feminino, rondava os 9%,sem termos em conta as que partiam na companhia dos maridos. SegundoSacuntala de Miranda – que comprovou que entre 1890 e 1914, as mulheresrepresentavam já um terço do total da emigração portuguesa – um dos traçosdiferenciadores da emigração micaelense – a que nos atrevemos a acrescentaraçoriana – residia no facto de “quase desde o início, as mulheres representa-rem uma parcela muito importante do total”, tendendo esse peso a aumentarcom o decorrer dos anos21.

Como podemos observar nos gráficos que se seguem, relativos ao distritode Angra e apesar das lacunas de informação, eram mais numerosas as mulhe-res solteiras (83) que requeriam passaporte para o Brasil, mas essa diferençaem relação às casadas (73) não era significativa. Não obstante a maioria dasrequerentes não ter indicação da idade, predominavam as jovens na casa dos20 e 30 anos.

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINA NOS AÇORES DE OITOCENTOS…

389

21 MIRANDA, 1999.

Gráfico n.º 2 – Níveis etários dos indivíduos do sexo masculino, do distrito de Angra, que requereram passaporte para o Brasil (1836-1845)

300

250

200

150

100

50

0< 10 < 20 < 30 < 40 < 50 = > 50 S/indic.

1836-1840

1841-1845

Page 391: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Se muitas mulheres partiam sozinhas ou acompanhadas por irmãos, irmãsou primas, um número significativo de casadas rumava ao Brasil, junto com osfilhos indo, claramente, ao encontro dos cônjuges que já lá se encontravam.Aliás, a partida de casais persistia sempre, quando não a ida de famílias intei-ras e diferenciados agregados atestando, claramente, os contornos de uma emi-gração definitiva que já se configurava na primeira metade do século XIX, paraaflorar índices preocupantes nos finais da centúria, como alertou Gil Mont’Al-verne de Sequeira22.

SUSANA SERPA SILVA

390

22 Gil Motn’Alverne de Sequeira 1994 [1894], “III – A Emigração dos Açores”, in Questões Aço-rianas, 2.ª edição, Ponta Delgada, Jornal de Cultura, p. 92-93.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Solteira Casada Viúva s/ indicação

1836-18401841-1845

Gráfico n.º 3 – Estados civis dos indivíduos do sexo feminino, do distrito de Angra, que requereram passaporte para o Brasil (1836-1845)

Gráfico n.º 4 – Níveis etários dos indivíduos do sexo feminino, do distrito de Angra,que requereram passaporte para o Brasil (1836-1845)

140

120

100

80

60

40

20

0< 10 < 20 < 30 < 40 < 50 = > 50 S/indic.

1836-1840

1841-1845

Page 392: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Como podemos observar no Quadro n.º 5, no ano de 1836, cerca de 22%dos passaportes atribuídos em Ponta Delgada foram requeridos por indivíduosque partiram acompanhados por família o que indicia, na maior parte dos casos,uma ida sem regresso, dado que quase sempre se estabeleciam definitivamente.21% eram casais com dois ou três filhos, seguindo-se, com 16% dos casos,maridos com as mulheres. As famílias numerosas, em busca de um futuro maispromissor, correspondem a quase 13% dos passaportes concedidos, oscilandoas proles entre os quatro e os oito filhos. As famílias que consideramos alarga-das representavam 9% do fluxo e eram, por exemplo, os casos de Manuel deSousa, acompanhado de mulher e filha, uma irmã e um irmão ou de João JoséTavares que seguiu com sua mulher, sogra, casal de cunhados e irmão. Por fim,seguiam dois ou três irmãos sozinhos, tios com sobrinhos, primos e até casaiscom os seus criados. Este leque tão variado de famílias – completamente dife-rente da emigração individual e masculina – suscita-nos também algumas pon-derações quanto à origem social destas gentes.

Note-se, por exemplo, o caso de Francisco de Simas Silveira e sua mulher,D. Angelina Ataíde, que partiu com seis filhos e uma criada de 12 anos e cujo tra-tamento de Dona se torna bem significativo pelo seu condão de distinguir assenhoras das mulheres do povo revelando, pois, um estatuto social mais elevado.

Sendo certo que os estratos mais desfavorecidos ofereceriam os maiorescontingentes emigratórios, com destaque para os camponeses que se iamempregar nas plantações açucareiras do Brasil, também é certo que eram impe-

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINA NOS AÇORES DE OITOCENTOS…

391

Quadro n.º 5 – Registo de passaportes atribuídos em Ponta Delgada a casais ou famílias com destino ao Rio de Janeiro (1836)

Casais 23Casais com um filho 15Casais com dois ou três filhos 30*Casais com quatro ou mais filhos 18Casais com criados 3Mãe com um ou dois filhos 7Mãe com três ou mais filhos 6Pai com um ou dois filhos 9***Pai com três ou mais filhos 2**Irmãos (dois ou três) 10Tio e sobrinhos 2Dois primos 1Famílias alargadas 13Homem “com sua família” 1

Total 140

* Sebastião José Soares, foi com a mulher, uma filha e um discípulo.** Inclui Francisco Joaquim, seis filhos e uma criada*** Inclui Jerônimo Pereira com uma enteada de 16 anos e José de Sousa de Sá Fontes com um enteado.

Tipologia Número de passaportes

Page 393: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

lidos a embarcar, ainda que em número mais restrito, membros da pequena bur-guesia urbana que, por motivos económicos ou pessoais, procuravam alcançarum futuro mais risonho em terras estrangeiras23. Na época era mesmo reco-nhecido por algumas autoridades que pessoas de bom nascimento, índole eeducação arriscavam a vida nas águas do Atlântico, mercê de infortúnios davida. Em anos posteriores, mais propriamente em 1874, um apontamento sobrea emigração no distrito da Horta aponta para idêntico fenómeno sociológico.Nem sempre as estatísticas confirmavam que a pobreza ou a fuga ao recruta-mento militar fossem as únicas causas da emigração, pois saíam daquele dis-trito indivíduos de díspares categorias sociais, muitos deles já isentos do ser-viço militar24.

Também no tocante a Angra do Heroísmo, os dados que coligimos permi-tiram-nos apurar múltiplas situações de emigração em família ou de indivíduosacompanhados, como se pode apurar pelo Quadro n.º 6, que exclui todas oscasos que registámos uma só vez e, por isso, como menos representatividade.

SUSANA SERPA SILVA

392

23 RILEY, 2003,: 148-150. 24 A. Gil Augusto Ribeiro (1874), Almanach Insulano para Açores e Madeira, estatístico, histórico

e literário para o ano de 1875. Angra do Heroísmo: Tip. da Terceira, p. 106-107.

Quadro n.º 6 – Registo de casos de passageiros que partiram com família ou acompanhantes de Angra do Heroísmo para o Brasil (1832-1845)

Indivíduo com criado/a 5Individuo com 1 ou 2 mulheres 5Mulher com 1 ou 2 raparigas 3Sobrinha e tia/tia e sobrinho 5Tio e sobrinho 10Tio/a e duas sobrinhas 2Dois primos 17Duas primas 3Dois irmãos 25Casal de irmãos 4Duas irmãs 14Pai e filho 6Pai com 2 filhos 3Marido e mulher 38Marido, mulher e 1 filho 14Marido, mulher e 2 filhos 25Marido, mulher e 3 filhos 21Marido, mulher e 4 filhos 13Marido, mulher e 5 filhos 10Marido, mulher e 6 filhos 7Marido, mulher e 7 filhos 5Marido, mulher e cunhada/o 5

Tipologia Número de situações

(continua na página seguinte)

Page 394: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Das 279 situações de embarque em família ou com acompanhante, com quedeparamos mais de uma só vez, ressaltam as partidas de casais (14%), seguidaspelas de casais com dois filhos ou pelas idas de dois irmãos (9%, respectiva-mente). Note-se, no conjunto, o volume de cônjuges com numerosa prole emesmo o de viúvos, de ambos os sexos, que talvez procurassem na diásporauma segunda oportunidade.

Não obstante a exiguidade dos dados recolhidos para Ponta Delgada, queem contrapartida são bem mais relevantes para Angra do Heroísmo, podemosafirmar que desde a década de 30, se acentuou nos Açores um novo ciclo emi-gratório em direcção ao Brasil. Numa das sessões da Junta Geral do Distrito dePonta Delgada, de Agosto de 1837, foi discutida a necessidade de se tomaremmedidas que contrariassem esta emigração que, ao tempo, era entendida como“um dos maiores males” de que sofriam as ilhas. Para este orgão urgia porcobro às ilusões com que sonhavam os povos, fazendo regressar ao arquipé-lago, por intermédio dos agentes consulares, todos aqueles que não haviamlogrado alcançar meios de fortuna e que, por isso, se debatiam com grandesdificuldades25. Nota-se, pois, a preocupação das autoridades locais com umfenómeno que tendia a crescer e que fazia temer, entre alguns sectores, a faltade braços para os trabalhos agrícolas.

Em 1843, face à dimensão da emigração açoriana, a Câmara Legislativapromoveu uma consulta aos distritos do arquipélago com o intuito de apurar as

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINA NOS AÇORES DE OITOCENTOS…

393

25 Exposição Chronologica dos Trabalhos da Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada, ProvínciaOriental dos Açores, do ano de 1837. Ponta Delgada: Tip. de F.J. Corrêa, 1837, p. 33-34.

Quadro n.º 6 – Registo de casos de passageiros que partiram com família ou acompanhantes de Angra do Heroísmo para o Brasil (1832-1845) (continuação)

Marido, mulher e sobrinho 2Mulher casada com 1 filho 5Mulher casada com 2 filhos menores 4Mulher casada com 3 filhos menores 2Mulher casada com 4 filhos menores 2Mulher casada com 8 filhos 2Viúvo com 1 filho ou 1 filha 4Viúvo com 2 filhos menores 2Viúvo com 3 filhos (e criada) 2Viúva com 1 filho 5Viúva com 2 filhos 3Viúva com 3 filhos 3Mãe solteira com filha 3

Total 279

Tipologia Número de passaportes

Page 395: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

causas do fenómeno e, consequentemente, os remédios para o debelar26. Emresposta, tanto a Junta Geral de Angra, como a congénere de Ponta Delgada,alegaram a propensão dos açorianos à aventura, combinada com o seu espíritovivo e empreendedor e o diário contacto com o mar; mas sobretudo as precá-rias condições de vida, decorrentes da falta de trabalho, da insuficiente produ-ção agrícola e da inexistência de indústrias. As crises agrárias acresciam as difi-culdades, quer pela falta de determinados produtos, que propiciavam períodosde escassez frumentária, quer pelas doenças e pragas que atingiam determina-das plantas. Na década de 1850, por exemplo, a propagação do oídio condicio-nou à miséria numerosa população das ilhas do Pico e do Faial, cuja economia,directa ou indirectamente, dependia da vinha27.

A questão da propriedade vinculada não era de somenos importância, pormotivar o desapego à terra por parte da maioria camponesa que não a possuía.Como realçaram alguns contemporâneos, a rigidez da estrutura da sociedadeinsular e o seu atraso em relação ao capitalismo impeliu muitos açorianos abuscar, fora da pátria, uma vida diferente. Finalmente, o recrutamento militar,que os povos tanto repudiavam, fazia com que os mancebos procurassem exi-mir-se por todas as vias, incluindo a da emigração.

Todos estes factores aceleraram a saída de gentes dos distritos insulares, embusca de melhores condições de vida, sendo pois o Brasil, como já referimos, odestino preferencial, na sequência da corrente já iniciada no século XVIII, comas levas de casais e recrutas organizadas por intervenção da própria coroa28. Sena segunda metade de Oitocentos, o Brasil tornou-se no verdadeiro El Doradodos açorianos, motivando uma fortíssima corrente emigratória, na primeirametade do século já o era, não obstante a independência da colónia em 1822. Asafinidades culturais, a língua, as facilidades a nível dos transportes, a presençade familiares e amigos e as quiméricas promessas e visões de fortuna forammotivos de monta que influenciaram os emigrantes açorianos quanto à escolhadeste destino. Além disso, não podemos descurar a própria política de imigraçãobrasileira. À nova nação, que pretendia criar condições para o seu desenvolvi-mento económico, importava absorver mão-de-obra que ajudasse a explorar asterras. Por isso, como refere José Guilherme Reis Leite, desde 1835 a Sociedadede Colonização foi a resposta governamental brasileira no sentido de prover aessa necessidade, dispensando todos os meios de aliciamento e sedução de imi-grantes. Uma verdadeira campanha de colonização do Brasil foi posta em prá-tica, intensificando-se, por meados da centúria, com a abolição da escravatura29.Portanto, os interesses brasileiros, as imagens de prosperidade divulgadas, em

SUSANA SERPA SILVA

394

26 Arquivo Histórico Parlamentar (AHP), Inquéritos Parlamentares, Respostas da Junta Geral daHorta (17/06/1843), de Angra (26/07/1843), e de Ponta Delgada (19/12/1843), cit. por MATOSet al., 2008: II, 91.

27 MATOS et al., 2008: II, 92.28 MADEIRA, 1999: 206 e ss; MENDONÇA et al., 2002: 51 e ss. 29 LEITE, 1989: 56-61.

Page 396: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

boa parte, pelos diminutos mas significativos brasileiros regressados e enrique-cidos pelo comércio, também impulsionaram a saída de inúmeros açorianos queapenas em 1849, devido à descoberta do ouro americano, potenciaram novasvagas migratórias para os EUA, sem deixar, todavia, o Brasil que se manteve,com oscilações, território apelativo até finais da centúria.

A emigração açoriana para o Império do Brasil avolumava-se de tal forma,na década de 40 que, segundo informações oficiais, algumas embarcações nãosó partiam “plenamente carregadas de passageiros”, como ainda rejeitavammuitos deles, por não haver lotação suficiente30.

Se para alguns sectores de opinião este fenómeno começava a suscitarpreocupações – chegando-se a temer, com exacerbado alarmismo, o despovoa-mento de algumas ilhas – na realidade, como destacou José Silvestre Ribeiro,a emigração clara e legal não podia ser impedida pois era um direito constitu-cionalmente garantido, dado que a própria Carta abria “as portas da pátria atodos os cidadãos, permitindo-lhes sair para onde lhes conv[iesse]”31. O quedevia ser coibido era a emigração clandestina, por ser fraudulenta e perniciosa.Enquanto a primeira era livre e voluntária, a segunda resultava amiúde de estra-tagemas enganadores e de “mesquinhos interesses” que enredavam os cidadãosincautos em redes de exploradores.

A EMIGRAÇÃO CLANDESTINA

Esta face mais recôndita do fenómeno emigratório, mais complexa e difícilde aprofundar, representava, tal como o contrabando, uma violação dos direi-tos do Estado e uma afronta às autoridades. Nos Açores de Oitocentos as par-tidas clandestinas terão sido bastante elevadas e mesmo prevalecentes nas ilhasmais pequenas e periféricas.

Que motivos levavam os insulares a embarcar ilegalmente, como se de umafuga se tratasse? Em primeiro lugar, a pobreza dos implicados responsável pelafalta de recursos para pagar os passaportes e as despesas da viagem, associadaao analfabetismo e à ignorância que afastavam os populares das formalidadesdas entidades oficiais. Em segundo lugar, o isolamento de certas ilhas e locali-dades, afastadas dos centros de decisão e poder, que dificultava o acesso adeterminados serviços. Em seguida, o próprio cenário insular, que facilitava osembarques e os condicionalismos pessoais, como as situações de fuga ao recru-tamento militar, à acção da justiça ou à censura familiar e social. Por fim, a nãomenos significativa acção dos intermediários ou engajadores que faziam doinfortúnio de muitos um negócio bastante rentável. De acordo com MiriamHalpern Pereira o papel e a influência do engajador, inserido numa rede tenta-

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINA NOS AÇORES DE OITOCENTOS…

395

30 BPARPD – FGCPD, Livro 180, Ofício ao Governador Civil da Horta, 28 de Novembro de 1845,fls. 30v-31.

31 AHP – Debates Parlamentares (on-line), Sessão de 16 de Fevereiro de 1854, p. 105.

Page 397: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cular de agentes e intermediários, tornou-se fulcral, em todo o país, nos mean-dros da emigração clandestina32.

Por tudo isto, inúmeros e incontáveis açorianos rumaram ao Brasil nasmalhas da clandestinidade, presos a contratos lucrativos para os intermediários efazendeiros e caindo, por vezes, em autênticas armadilhas, porque enleados nosonho do enriquecimento fácil. Em 1845, por exemplo, alguma imprensa cla-mava contra os “exploradores de colonos” que contornavam a quaisquer medidaslegais, que por si só eram quase impossíveis de fazer respeitar num território decariz arquipelágico33. Dois anos antes, o director da Alfândega de Ponta Delgadamanifestara a sua preocupação face “à escandalosa emigração para o Império doBrasil” que, desde 1835, permitia o enriquecimento de forasteiros à custa do pre-juízo e da escravidão de inúmeros incautos que se deixavam seduzir34.

Nas ilhas do grupo central, pela proximidade entre as mesmas, os embarquesfurtivos eram tanto mais facilitados, quanto menor era também a intervençãodas autoridades. O Faial mantinha quase todo o ano ligações com o continenteamericano, devido à escala de embarcações baleeiras e outras. A ilha de S. Jorgeera outro ponto nevrálgico das partidas clandestinas não só devido à sua posiçãogeográfica (próxima do Pico, do Faial e da Graciosa), mas sobretudo por causadas suas características e isoladas fajãs, abertas sobre o mar, e que facilitavamimenso os embarques ilegais. Tanto em S. Jorge, como na Graciosa, estima-seque predominariam as saídas ilegais, facto que o próprio Governador Civil,impotente, reconheceria na década de 70, afirmando que “a emigração clandes-tina se não excedeu a legal, não lhe foi decerto muito inferior”35.

As partidas efectuavam-se durante a noite ou de madrugada, em baías,enseadas ou areais ermos e recônditos, desprovidos de qualquer fiscalização aponto de, como refere Urbano de Mendonça Dias, se dizer deste tipo de emi-gração que era “embarcar de penedo”. Sucedia com muita frequência os naviosabandonarem os principais portos das ilhas, com determinado número de pas-sageiros legalizados e, iludindo as autoridades, em vez de rumarem ao destinodeclarado, ficavam a navegar nos mares açorianos. Voltavam um ou dois diasdepois, pela calada da noite, a fim de receberem mais passageiros clandestinosque vinham ao seu encontro, em pequenos botes a remos, e em zonas previa-mente acordadas. Rapidamente as embarcações ultrapassavam a sua lotação,mas o negócio era tão rentável que não só os capitães arriscavam, com a coni-vência dos respectivos consignatários, como alguns negociantes chegavam afretar navios para proceder ao embarque ilegal de passageiros36. Alguns delesseria mesmo construídos com falsos porões e outros esconderijos para disfar-çar os ilegais, contrariando todos os regulamentos policiais em vigor.

SUSANA SERPA SILVA

396

32 PEREIRA, Miriam, 1981: 21-22. 33 O ESCUDO, n.º 51, 26 de Outubro de 1845. 34 Cit. SILVA, 2004: 278. 35 Relatório do Governador Civil de Angra de 1874. 36 SILVA, 2003: 146-147.

Page 398: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

As viagens eram feitas em péssimas circunstâncias motivando, pela falta dealimentos, de espaço e de higiene, graves enfermidades e até falecimentos37.Por isso, a fiscalização das condições e segurança das viagens para o Impériodo Brasil faziam parte integrante das funções de polícia administrativa, ema-nando esta preocupação da própria legislação régia, como as portarias doMinistério da Marinha e Ultramar, de 19 de Agosto e 9 de Dezembro de 1842e ainda de 2 de Março de 1843. Cada navio devia ser examinado “a fim de verse esta[va] capaz de navegar com segurança para o Porto do seu destino”, assimcomo se devia fiscalizar os “mantimentos e aguada” em proporção ao númerode passageiros e os respectivos despachos alfandegários, só depois devendoatribuir-se o respectivo certificado a remeter às autoridades distritais38.

Outro expediente a que recorriam os responsáveis pelo tráfico de emigrantesera o de mandarem tirar passaportes para outras ilhas do arquipélago ou entãopara outras possessões portuguesas, como Cabo Verde, e depois de ludibriaremas autoridades, rumavam com destino ao Brasil. É claro que, amiúde, algumasautoridades subalternas cooperavam directa ou indirectamente com os engajado-res e capitães sem escrúpulos, quer a troco de dinheiro ou, simplesmente, porincúria e negligência no desempenho das suas funções. Muito raramente a justiçaconseguia actuar e mesmo sucedendo capturar-se algum infractor, estes eramsempre os peões e nunca os grandes responsáveis pela rede de tráfico.

Por tudo isto, não era fácil obstar à emigração clandestina, malgrado osesforços e o empenhamento dos governadores civis, dos capitães dos portos ede alguns administradores dos concelhos.

2.1. As tentativas de controlo e repressão

Ao longo da década de 40 (e seguintes) os governadores civis dos distritosdesdobravam-se na promoção de medidas e apelos com vista a combater esteflagelo.

A partir de 1844, o Governador Civil de Angra impôs rigorosas medidasde fiscalização a passageiros, bagagens e passaportes, a bordo de todas asembarcações que demandavam o porto da cidade, sob pena de os próprioscapitães serem duramente punidos por qualquer infracção. As leis penais doreino e ilhas ainda não contemplavam medidas repressivas e punitivas, que sósurgem com a lei de 20 de Julho de 1855, mais rigorosa e precisa do que oCódigo Penal de 185239. Todavia, nem sempre a burocratização e a repressãoexcessivas resultavam nos efeitos mais desejáveis. Recusar a emissão de pas-saportes, como chegaram a fazer os responsáveis pelos distritos de Angra e

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINA NOS AÇORES DE OITOCENTOS…

397

37 SILVA, 2003: 149. 38 BPARPD – FGCPD, Livro 17, Correspondência e Ofícios dirigidos a diversas Autoridades e Pes-

soas, 1842-1846, fls. 50v-51, 54-54v. 39 Cf. SILVA, 2004: 283.

Page 399: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Horta não era, sem sombra de dúvida, o meio mais eficaz e conveniente paraobstar aos fluxos ilegais40.

Na correspondência oficial do Governo Civil de Ponta Delgada, dirigida adiversas autoridades, é possível encontrar diversos ofícios remetidos ao Capitãodo Porto para que obstasse, por todos os meios, ao embarque de passageirosclandestinos para o Império do Brasil. Alguns apelos resultavam de pedidos fei-tos por determinadas pessoas, por exemplo, credores ou oficiais de justiça, masoutros eram da própria iniciativa da autoridade, com o intuito de serem cumpri-dos os regulamentos policiais em vigor. Recomendava, pois, a máxima vigilân-cia por ocasião das visitas a bordo, bem como a colocação de subordinados “emtodos os pontos do litoral da Ilha”, após os despachos de saída dos navios maissuspeitos, para que não seguisse viagem indivíduo algum sem passaporte41.Mais ainda, lembrava o governador civil que todos os capitães dos navios quetocassem nos demais portos de S. Miguel tinham obrigação legal de se apresen-tar aos respectivos administradores dos concelhos, prática essa em que abusiva-mente eram omissos, sem declararem, como deviam, o dia ou prazo de saída42.

Reprimir e controlar eram as palavras de ordem e, para isso, a concertaçãoentre os três prefeitos ou governadores civis insulares afigurava-se fundamen-tal pois sucedia, ainda que raramente, apanharem-se emigrantes clandestinossaídos de uma dada ilha, quando o navio tocava o porto ou baía de outra43.Todas as suspeitas que pendiam sobre determinadas embarcações (como opatacho Visconde de Bruges, a barca D. Maria II ou o brigue Formosura, depoisdesignado Pedro II, o navio Triunfo Americano, entre outros), eram logodenunciadas ao homólogo mais próximo para fossem tomadas providências44.Uma das formas de cooperação passava também pela informação confidencialdos vários sinais (às vezes dez ou mais) com que, os governadores e os secre-tários gerais dos distritos, rubricavam os passaportes a fim de evitar a existên-cia de falsa documentação, crime que também afligia as autoridades45.

Advogando muitos responsáveis que os meios indirectos e persuasivos decombate à emigração clandestina seriam os mais eficazes – como por exemplo,o aumento de empregos nas obras públicas ou a divulgação de notícias nefas-tas sobre emigrantes no Brasil – não deixavam, porém, de lamentar a falta demeios à sua disposição para combater este tráfico. Especialmente, a inexistên-cia de uma embarcação de guerra que servisse, em simultâneo, de correio marí-

SUSANA SERPA SILVA

398

40 SILVA, 2004: 285-286. 41 BPARPD – FGCPD, Livro 17, Correspondência e Ofícios…, fls. 12v-13. 42 BPARPD – FGCPD, Livro 34, Correspondência dirigida a diversas Autoridades e Pessoas,

1840-1842, fl. 4; Livro 17, Correspondência e Ofícios dirigidos a diversas Autoridades e Pes-soas, 1842-1846, fls. 26-26v e 68v.

43 BPARPD – FGCPD, Livro 180, Registo dos Ofícios dirigidos à Prefeitura da Província Ociden-tal dos Açores, 1833-1854, fls. 9-9v.

44 BPARPD – FGCPD, Livro 180, Registo dos …, fl. 10. 45 BPARPD – FGCPD, Livro 180, Registo dos Ofícios…., Ofício dirigido ao Governador Civil da

Horta, 27 de Maio de 1842, fl. 21v.

Page 400: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

timo e de apoio à fiscalização dos mares e costas contra o contrabando e a emi-gração furtiva46.

Os meios materiais nunca chegariam às ilhas, mas a questão da emigraçãoclandestina nos Açores ascendeu aos debates das Cortes, por meados da centú-ria. Em 1854, diversos periódicos regionais e nacionais, noticiaram os “escan-dalosos” factos ocorridos em Pernambuco, com o patacho português Arro-gante. Esta embarcação que só tinha lotação para 80 a 100 passageiros, chegaraàquele porto brasileiro com 428 colonos a bordo, recolhidos na ilha de S.Miguel, dos quais apenas 100 possuíam passaporte. O problema, por já serantigo e reincidente, mereceu a atenção de inúmeros deputados que se pronun-ciaram contra o crescimento deste fenómeno, bem como contra os ardilososenganos a que eram sujeitos os emigrantes e as desumanas e promíscuas con-dições de uma viagem que atingia os 22 dias de mar. Para alguns representan-tes da nação afigurava-se necessária nova legislação ainda mais repressiva;enquanto que para outros as leis já existiam mas não eram devidamente aplica-das pelas autoridades competentes. Para o deputado Vellez Caldeira era obri-gação das autoridades coibirem estes abusos, efectuando o estipulado por lei,mas não só falhavam os responsáveis do local de onde o navio saíra, como tam-bém o cônsul do sítio onde o navio fora aportar47.

Sendo certo que muitas autoridades falhavam nas suas funções, sobretudoas subalternas que eram negligentes e, por vezes coniventes com os engajado-res e os próprios emigrantes, também era um facto de que nas ilhas, dadas ascondições geográficas e morfológicas, não era nada fácil combater a emigraçãoilegal. Como muito bem salientaram os deputados Silva Maia e AlbergariaFreire, não só as autoridades insulares se debatiam também com falta de meiospara combater este fenómeno, como era urgente o governo português empenhartodos os esforços necessários para promover acordos com o governo brasileiropara que, de forma concertada, debelassem este problema que, na época, mui-tos chegaram a designar por “escravatura branca”48.

BIBLIOGRAFIA

COSTA, Carreiro, 1972 – Para a História da Emigração no Distrito de Ponta Delgada. PontaDelgada: edição do Autor.

DIAS, Fátima Sequeira, 1996 – Uma Estratégia de Sucesso numa Economia Periférica. A CasaBensaúde e os Açores, 1800-1873. Ponta Delgada: Jornal de Cultura.

JOÃO, Maria Isabel, 1991 – Os Açores no Século XIX. Economia, sociedade e movimentos auto-nomistas. Lisboa: Edições Cosmos.

LEITE, José Guilherme Reis Leite, 1989 – “Emigração Clandestina dos Açores para o Brasil noSéculo XIX”. Revista de Cultura Açoriana, Lisboa, Casa dos Açores, n.º 1.

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINA NOS AÇORES DE OITOCENTOS…

399

46 BPARPD – FGCPD, Livro 180, Registo dos Ofícios..., Ofício dirigido ao Governador Civil daHorta, 27 de Maio de 1842, fl. 23.

47 AHP – Debates Parlamentares (on-line), Sessão de 16 de Fevereiro de 1854, p. 104. 48 AHP – Debates Parlamentares (on-line), Sessão de 16 de Fevereiro de 1854, p. 105-106.

Page 401: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MADEIRA, Artur Boavida, 1999 – População e Emigração nos Açores (1776-182). Cascais:Patrimónia.

MATOS, Paulo; SILVA, Susana Serpa, 2008 – “Oscilações populacionais, grupos e comporta-mentos sociais”, in História dos Açores, Angra do Heroísmo: Instituto Açoriano de Cultura,vol. II.

MENDONÇA, Luís Mendonça; ÁVILA, José, 2002 – Emigração Açoriana (sécs. XVIII a XX).Lisboa: [s.n.].

MIRANDA, Sacuntala de, 1999 – A Emigração Portuguesa e o Atlântico, 1870-1930. Lisboa:Edições Salamandra.

PEREIRA, Maria da Conceição Meireles, 2008 – “Legislação sobre emigração para o Brasil naMonarquia Constitucional”, in MATOS, Maria Izilda; SOUSA, Fernando de; HECKER,Alexandre Hecker (org.) – Deslocamentos & histórias: os Portugueses. Bauru-SP: EDUSC.p. 35-47.

PEREIRA, Miriam Halpern, 1981 – A Política Portuguesa de Emigração, 1850-1930. Lisboa:A Regra do Jogo.

RILEY, Carlos Guilherme, 2003 – “A Emigração Açoriana para o Brasil no século XIX: braçaise intelectuais”. Arquipélago-História, Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 2.ª série,vol. VII.

SERRÃO, Joel, 1982 – A Emigração Portuguesa: sondagem histórica, 4.ª ed. Lisboa: LivrosHorizonte.

SILVA, Susana Serpa, 2003 – Criminalidade e Justiça na Comarca de Ponta Delgada. Umaabordagem com base nos processos penais, 1830-1841. Ponta Delgada: Instituto Cultural dePonta Delgada.

SILVA, Susana Serpa, 2004 – “Emigração Clandestina nas Ilhas do Grupo Central por meadosdo século XIX”, in O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XX. Actas do III Coló-quio. Horta: Núcleo Cultural da Horta.

SUSANA SERPA SILVA

400

Page 402: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

401

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIADA EMIGRAÇÃO DOS CONCELHOS

A NORTE DO RIO DOURO PARA O BRASIL(1886-1891)

João Ramalho Cosme

INTRODUÇÃO

Como o próprio título indica, vamos apresentar alguns tópicos sobre a emi-gração dos naturais dos concelhos a Norte do rio Douro. Este trabalho tem porbase a pesquisa efectuada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, núcleo doGoverno Civil, onde se encontram depositados os pedidos de passaporte reque-ridos no período decorrente de 1886 a 1891. O ano de 1886 foi escolhido comotermo a quo, porque os primeiros pedidos aqui existentes reportam-se a esteano, a segunda foi seleccionada como termo ad quem porque foi o período detempo que julgámos viável para executar a nossa investigação, e cuja docu-mentação apresenta uma série contínua sem qualquer lacuna. Por conseguinte,esta investigação pautou-se pela consulta das primeiras vinte e uma caixasdaquele núcleo documental.

1. BREVES NOTAS DE ENQUADRAMENTO TEÓRICO

A migração é a variável menos natural que integra o sistema demográfico;por isso mesmo, pode dizer-se que é a variável mais “social”. A emigraçãoesteve sempre ligada à história portuguesa. Vitorino Magalhães Godinho1 refe-renciou-a mesmo como uma constante estrutural do passado português.

A partir da década de setenta de Oitocentos, ocorreu uma profunda reflexãosobre as causas explicativas, de cariz macroanalítico, sobre a emigração. Cons-tatou-se que muitas das situações não eram facilmente justificadas através dadimensão macroanalítica; por isso, reduziu-se a escala de análise. Tomou-separticular atenção à decisão de emigrar e atribui-se o papel de protagonista aoindivíduo.

1 GODINHO, 1978: 5-32.

Page 403: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

JOÃO RAMALHO COSME

402

2 REHER, 2000: 31.3 GARCÍA ABAD, 2005: 64-65.4 Primeiro Inquérito Parlamentar, Lisboa: Imprensa Nacional, 1873: 7-9.

A este propósito David Reher2, defende que as teorias macroanalíticas nãoexplicam como se produziu a selecção dos indivíduos nem como se adoptou adecisão de emigrar, nem a heterogeneidade das sociedades urbanas. Esta res-posta terá de ser procurada através da análise microanalítica, onde ocorre umaredução da escala de observação e onde o método tem em conta procedimen-tos concretos e detalhados, procurando fazer uma descrição, o mais realistapossível, do comportamento humano. Procura-se descobrir “as característicassociodemográficas do emigrante, as características das unidades familiares emque germinou a estratégia de emigrar, as características das áreas ou zonasentre as quais se estabelecem os fluxos migratórios”3.

Com base nos postulados que acabámos de referir, damos particularênfase às vantagens da utilização da metodologia microanalítica, onde as his-tórias de vida adquirem especial pertinência. O recurso a este método possibi-lita estudar a reemigração, bem como o retorno.

Convém frisar que a emigração, que vamos analisar, além de ser legal,representa também uma mobilidade de cariz particular. Por motivos de facili-dade, estas pessoas dirigiram-se para Lisboa, onde providenciaram o passa-porte, o visto no consulado brasileiro e tomavam o respectivo navio. O Pri-meiro Inquérito Parlamentar Sobre a Emigração4 apelida-a de emigração livre,por oposição à emigração contratada. Segundo este mesmo documento, a emi-gração livre inseria-se no grande princípio de liberdade de movimento dospovos, o qual, em regra, era proporcionador de benefícios económicos.

Além, do mais, estes migrantes dispunham de alguma capacidade finan-ceira para adquirir o passaporte bem como o bilhete de viagem. Este género deemigração é muito bem retratada por Ferreira de Castro, no personagemManuel da Bouça que deixou a sua terra e se dirigiu de comboio para Lisboa,onde obteve o visto e tomou o vapor com destino à terra de Vera Cruz.

2. DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DOS PEDIDOS

Começamos o nosso estudo, apresentando a distribuição do número depedidos de passaportes pelos diversos anos. Para mais facilmente se visualizara disposição cronológica dos pedidos, elaborámos o quadro seguinte:

Page 404: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA EMIGRAÇÃO DOS CONCELHOS A NORTE DO RIO DOURO PARA O BRASIL…

403

5 COSME, 2007b: 41-58; COSME, 2007a: 247-275.6 ALVES, 1994: 166. 7 ALVES, 1999: 210.

Quadro n.º 1

1886 271887 -1888 -1889 451890 1051891 71

Total 248

Anos Números absolutos

O quadro que acabamos de apresentar ajuda a perceber que o número depedidos de passaportes ganhou particular ênfase no ano de 1890, e com umvalor significativo em 1891. Esta repartição é consentânea com o movimentomigratório português desta época. Tal como já constatámos em dois trabalhosanteriores5, o ano de 1886, pautou-se por um reduzido número de pedidos,enquanto que no biénio de 1887-1888 praticamente não encontramos qualquerpedido. Foi a partir de final da década de oitenta/princípio da de noventa queocorreu um aumento significativo do número de pedidos de passaportes para oBrasil. Estes valores estão em consonância com os dados apresentados porJorge Fernandes Alves6. Este autor observou que no ano de 1890 se registouum pico máximo secundário apenas ultrapassado pelos valores de 1895.

Todavia, o recurso ao método microanalítico alerta para o fenómeno da ree-migração. Esta realidade deve ser vincada já que ela demonstra que os valoresencontrados não se reportam apenas a casos de emigração, pois detectamosalgumas repetições de pedidos de passaporte7; o que significa que o número depedidos de passaporte é superior ao quantitativo humano efectivamente saído.Nesta pesquisa, referente a um espaço de tempo muito curto, encontrámosvários casos que exemplificam cabalmente o que acabamos de escrever. Porexemplo, Manuel Elias José Marques de Andrade, natural de Amarante, pediupassaporte familiar em 21 de Janeiro de 1890. Através deste documento fica-mos a saber que o requerente pediu autorização de saída conjunta para a suamulher (Maria Isabel) e para os seus filhos (Ana, Manuel e Alda). Todos estesacompanhantes eram naturais do Rio de Janeiro. Isto quer dizer que ele já esti-vera, nesta cidade, durante algum tempo, onde se consorciou e os filhos nasce-ram. Agora, veio a Portugal a apresentar a sua novel família aos seus parentese amigos, pretendo regressar novamente ao Brasil.

Page 405: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Noutros casos, observámos que, durante estes período de seis anos que onosso trabalho abrange, alguns requerentes solicitaram o seu passaporte maisdo que uma vez. Por exemplo, o barão do Alto Marim, banqueiro, natural deMatosinhos, antigo concelho de Bouça, apresentou dois pedidos de passaportenum espaço muito reduzido de tempo. O primeiro está datado de 18 de Outu-bro de 1890 e o segundo foi assinado no dia 16 de Junho de 1891. Este exem-plo comprova a existência de uma dinâmica de mobilidade entre Portugal e oBrasil, que tem subjacente uma lógica negocial, que não pode ser enquadradacomo movimento migratório.

3. DISTRIBUIÇÃO POR SEXOS

A variável repartição por sexos é outra vertente que importa estudar. Assim,os quantitativos encontrados foram os seguintes:

JOÃO RAMALHO COSME

404

Quadro n.º 2 – Distribuição por sexos

Homens 207 83,5Mulheres 41 16,5

Total 248 100

Sexo Números absolutos %

Embora se possa concluir que os pedidos de passaporte foram feitos maio-ritariamente por homens, não se pode deixar de assinalar que cerca de 1/5 dototal dos pedidos teve mulheres como autoras.

4. ESTRATOS ETÁRIOS

Passemos agora à apresentação das idades com que os requerentes solicita-ram o respectivo passaporte. Para mais fácil organização, apresentamo-las porescalões de cinco anos.

Page 406: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA EMIGRAÇÃO DOS CONCELHOS A NORTE DO RIO DOURO PARA O BRASIL…

405

Quadro n.º 3 – Estratos etários – Homens

10-14 515-19 -20-24 1725-29 1630-34 2835-39 3540-44 3645-49 3150-54 1655-59 1460-64 365-69 370-74 375-79 1

Total 207

Estratos etários Números absolutos

Quadro n.º 4 – Estratos etários – Mulheres

10-14 215-19 220-24 1425-29 830-34 735-39 140-44 445-49 150-54 155-59 1

Total 41

Estratos etários Números absolutos

Os dados destes dois quadros são bastantes elucidativos, já que o estratomodal é bastante distinto nos dois casos. Enquanto nos homens a frequênciamais representativa se situa no estrato dos 40-44 anos, nas mulheres estamedida localizou-se nos 20-24 anos. Isto significa que havia uma diferença de20 anos entre eles.

No caso dos homens, 130 dos 207 pedidos localizaram nos escalões dos 30e 40 (30-49); ao passo que nas mulheres, 22 dos 41 situaram nos escalão dos20 (20-29) anos. A principal causa explicativa desta diferença de comporta-mentos encontra-se na proibição dos homens emigrarem antes de cumprir oserviço militar.

Page 407: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

5. ESTADO CIVIL

No que concerne ao estado civil dos requerentes de passaporte, os dadosencontrados foram os seguintes:

JOÃO RAMALHO COSME

406

8 Convém frisar que os dados do distrito do Porto estão subavaliados já que o concelho de VilaNova de Gaia integra este distrito e nós não estudámos os pedidos dos naturais deste concelho.

Quadro n.º 5 – Estado civil – Homens

Solteiro 86 41,6Casado 105 50,7Viúvo 16 7,7

Total 207 100

Estado civil Números absolutos %

Quadro n.º 6 – Estado civil – Mulheres

Solteira 30 73,2Casada 6 14,6Viúva 5 12,2

Total 41 100

Estado civil Números absolutos %

Os quantitativos apresentados permitem afirmar que mais de metade doshomens que pretendiam emigrar eram casados, ao passo que nas mulheres amaioria era solteira. Os homens casados vão procurar o sustento da sua famí-lia, os elementos do sexo feminino procuram o sustento e amparo das próprias.Algumas das requerentes foram trabalhar, porém a maior parte foi juntar-se aelementos da sua família.

6. ORIGEM GEOGRÁFICA

Outra das variáveis que importa estudar é a localidade de origem dos emi-grantes. Para uma análise mais completa apresentamos o número de pedidosdistribuídos por distritos8.

Page 408: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Passemos agora a uma informação mais pormenorizada por concelhos. Acidade do Porto, com 34 pedidos, foi de longe a que apresentou um maiornúmero de pedidos, seguindo-se-lhe Braga, Torre de Moncorvo e Arcos de Val-devez com 12 pedidos em cada uma destas localidades.

7. DESTINOS

Outra das especificidades que urge conhecer é os destinos para onde os nor-tenhos se dirigiram. Para os homens encontraram-se os seguintes dados:

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA EMIGRAÇÃO DOS CONCELHOS A NORTE DO RIO DOURO PARA O BRASIL…

407

Quadro n.º 7 – Distritos – Homens

Braga 49 23,7Bragança 15 7,2Porto 60 29,0Viana do Castelo 51 24,6Vila Real 32 15,5

Total 207 100

Estado civil Números absolutos %

Quadro n.º 8 – Distritos – Mulheres

Braga 12 29,3Bragança 3 7,3Porto 8 19,5Viana do Castelo 6 14,6Vila Real 12 29,3

Total 41 100

Estado civil Números absolutos %

Quadro n.º 9 – Destinos – Homens

Bahia 7Ceará 2Manaus 4Maranhão 7Pará 26Pernambuco 13Rio de Janeiro 136Rio Grande do Sul 1Santos 6S. Paulo 5

Total 207

Destinos Números absolutos

Page 409: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A cidade do Rio de Janeiro foi a que, mais vezes, surgiu nos pedidos de pas-saportes, seguindo-lhe as cidades do Pará e de Pernambuco. A capital brasileirafoi preferida por 136 dos 207 pedidos, o que significa 65,7% do total; isto é,quase dois terços dos pedidos teve como destino o Rio de Janeiro. Esta con-centração está certamente correlacionada com o tipo de emigrantes e a activi-dade que estes se iam dedicar.

Com a finalidade de se especificar os destinos pretendidos pelas mulhereselaborámos o quadro que se segue:

Também nas mulheres, a cidade do Rio de Janeiro foi a que surgiu maisvezes nos pedidos de passaporte. Pode, por isso, concluir-se que a cidade doRio de Janeiro era nesta altura, sem margem para dúvidas o grande centro destaemigração livre.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos pedidos de passaporte efectuados em Lisboa permite descor-tinar uma emigração individual, onde é visível que a maior parte não era agri-cultor, mas dedicava-se à actividade comercial (negociante, comerciante eempregado no comércio), e pretendia ir desempenhá-la no local para onde iaemigrar. Estas pessoas são portadoras de know how nesta área, razão pela qualsão desejados nestes espaços de destino.

A leitura dos pedidos de passaporte corrobora totalmente esta asserção. Apresença em Lisboa pode ser considerada como um tempo de aprendizagemdos conhecimentos inerentes à actividade comercial, alargando assim as hipó-teses de inserção no mercado de trabalho.

Estes homens dirigiram-se maioritariamente para os espaços com maioraglomeração demográfica, onde o negócio, precisamente apresentava melhorcondições de prosperidade.

Para a decisão de partir contribuía significativamente os conhecimentos e apresença de familiares, de amigos e de conterrâneos nos diversos destinos da

JOÃO RAMALHO COSME

408

Quadro n.º 10 – Destinos – Mulheres

Bahia 1Maranhão 1Pará 7Rio de Janeiro 31Santos 1

Total 41

Destinos Números absolutos

Page 410: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

emigração, o que muito contribuiu para a saída e a inserção nos novos espaçosdurante os primeiros tempos em que aí chegavam.

FONTES

ANTT – Governo Civil, Passaportes, caixas 1 a 21.

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Jorge Fernandes, 1994 – Os Brasileiros. Emigração e Retorno no Porto Oitocentista. Porto.ALVES, Jorge Fernandes, 1999 – “Variações sobre o”Brasileiro”. Tensões na emigração e retorno no

Brasil”. Revista Portuguesa de História, Coimbra, t. XXXIII, p. 191-222.COSME, João, 2007a – “Nótulas sobre a emigração das Ilhas Periféricas (1886-1895)”, in Actas do IV

Colóquio O Faial e a Periferia Açoriana nos séculos XV a XX, Horta: Núcleo Cultural da Horta,p. 247-275.

COSME, João, 2007b – “Nótulas sobre a emigração madeirense na segunda metade do século XIX”.Islenha, Funchal: DRAC, Funchal, n.º 41, p. 41-58.

FRANCO, António L. de Sousa, 1968 – “A Emigração e o Direito”, in Visão Cristã dos Problemas daEmigração, Encontro, V, Lisboa.

GARCÍA ABAD, Rocio, 2005 – Histórias de emigración. Factores de expulsión y selección de capi-tal humano en la emigración a la Ria de Bilbao (1877-1935). Bilbau: Universidad del País Basco.

GODINHO, Vitorino Magalhães, 1978 – “L’Émigration Portugaise (XVe-XXe siècles). Une constantestructurale et les réponses aux changements du monde”. Revista de História Económica e Social,n.º 1 (Jan.-Jun.), p. 5-32.

MARTINS, Oliveira, 1994 – Fomento Rural e Emigração, 3.ª ed., Lisboa: Guimarães Editores.REHER, David, 2000 – “La investigación en Demografia Historica: Passado, Presente y Futuro”.

Boletín de la Associación de Demografia Histórica, XVIII-II, p. 15-78.SERRÃO, Joel, 1974 – A emigração portuguesa. Sondagem histórica. Lisboa: Livros Horizonte.

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA EMIGRAÇÃO DOS CONCELHOS A NORTE DO RIO DOURO PARA O BRASIL…

409

Page 411: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 412: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

411

EMIGRAÇÃO DOS MINHOTOS PARA O BRASIL (1850-1910)

OS BEM SUCEDIDOS E OS OUTROS

Adília FernandesOdete Paiva

INTRODUÇÃO

O Minho terá sido a região portuguesa de onde saiu mais gente para o Bra-sil, desde a colonização até à emigração massiva do século XIX, tendo estaúltima alterado profundamente a face social e económica da região. Da Histó-ria à Literatura, o fenómeno da emigração/imigração é recorrente nos autoreslusos e brasileiros.

A figura do brasileiro ainda hoje faz parte do universo mental português. Asua intervenção, que passou nomeadamente pela banca, pela indústria, pelocomércio, pela construção imobiliária, pela instrução (construção de escolas esubsídios), pela saúde e assistência, fez mudar gentes e territórios. A participa-ção em irmandades, bem como a criação de vínculos com pessoas da elite foielemento de salvaguarda e trânsito social.

Gerações sucessivas de minhotos marcaram estreita ligação com o Brasil,levando para a ex-colónia um capital humano apreciável, com repercussões napirâmide etária e na malha social do Minho.

Camilo Castelo Branco, que viveu em Ceide, freguesia do concelho deFamalicão, numa casa que era do primeiro marido de Ana Plácido, um brasi-leiro de torna viagem e onde produziu grande parte da sua obra, fala-nos incon-táveis vezes da mobilidade ascendente e das representações sociais.

Em 1872, hospedou-se no hotel de Famalicão um brasileiro a quem osseus criados negros e brancos chamavam simplesmente o Sr. Comendador (…)não viera recomendado a algum dos barões da terra. Enviara adiante a reco-mendação da parelha das orcas, da caleche, dos lacaios (…) conquanto nem elenem criados declarassem os seus nomes e apelidos, os jornais do Porto haviamanunciado a chegada do maior capitalista de Pelotas, o Sr. Manuel José daSilva Guimarães (…) aí está Belchior Barnabé, o enjeitado, (…) cujo paláciose avista entre as pompas da arquitectura e das decorações (…) Conversaramsobre a guerra do Paraguai, sobre a emigração dos minhotos, sobre o estadoflorescente da indústria e agricultura portuguesa1

1 NOVELAS do Minho: 104-105; 107; 123.

Page 413: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Nem todos os emigrantes se inscreveram neste desiderato. As histórias dosbrasileiros descritas por Eça, Júlio Dinis e demais escritores portugueses coevosentrecruzam-se com as histórias de outros a quem a sorte não bafejou, relatadaspor Sousa Fernandes e mesmo por Camilo. Histórias que nos dão a conhecervivências diversas, as dos tais que não tiveram projecção, como a de um enjei-tado, que não o comendador Guimarães (a que se alude no início), rapaz esseque casou com Maria, bonita rapariga que, chegada ao Rio, foi para a prostitui-ção por razões de total carência económica. O marido, que entretanto fora parasoldado, desertou. Chamaremos estes emigrantes de os outros, por antítese aosbem sucedidos, ou seja, os fracassados, na designação de Igor Machado.

Falaremos, de igual modo, dos abrasileirados, expressão que Jorge Alvesatribui àqueles que retornavam com o dinheiro suficiente para endireitar a vida,v.g., melhorar a casa, resgatar a hipoteca, pagar as dívidas contraídas, compraralgumas terras, ou montar um pequeno negócio. E, aqui, não poderemos deixarde referir as vivências e contingências, pois nem sempre os brasileiros desucesso, aqueles que compraram quintas, fizeram palacetes, ofereceram festase banquetes, foram bem sucedidos até ao fim das suas vidas. José FranciscoTrovisqueira é disso exemplo. Teve em praça muitos dos seus bens e faleceu naprimeira casa que comprou, muito modesta face ao seu palacete, na antiga RuaFormosa, onde recebera reis, príncipes e muita aristocracia do seu tempo. Cabe,aqui, falar também em Pinto Monteiro, o Cego de Landim, personagem da obraNovelas do Minho, cuja vida foi de opulência e terminou na ladeira da pobreza,abrindo um botequim em Famalicão, onde gastou as suas últimas moedas.

1. A REALIDADE POLIÉDRICA DA EMIGRAÇÃO

Sousa Fernandes, brasileiro de sucesso, nasceu em Famalicão, no ano de1849. Aos 13 anos, emigrou para o Brasil, onde encontrou o amparo de fami-liares, passando, em pouco tempo, de simples empregado a sócio. Conseguiufazer fortuna em pouco tempo. Apesar disso, e porque presenciou o poliedro darealidade, manifestou-se um acérrimo defensor da contenção da emigração,afirmando ser: “um capital que perdemos e que desfalca por egual o nossopatrimonio e a nossa renda: o nosso patrimonio porque a propriedade ruraldecresce de valor na razão directa da somma de trabalho que falta ao seu ama-nho; a nossa renda, porque a produção do solo diminue necessariamente à faltade agentes que a promova”2. Acrescentou que “dos milhares e milhares de emi-grantes que se vão, alguns regressam ricos e felizes, é certo, outros não voltammas de lá subsidiam com recursos as suas famílias; é, porém, ponto averiguadoque não há nesta parte útil da questão vislumbre de compensação para o pesadoónus que ella acarreta ao nosso paiz”3.

ADÍLIA FERNANDES / ODETE PAIVA

412

2 Sousa Fernandes, 1998: 101.3 Sousa Fernandes, 1998: 130.

Page 414: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Para além de Sousa Fernandes, aparecem várias testemunhas que nos dãoconta da miséria por que passava a maior parte dos portugueses que chegavaàquele país e consideravam exagerada esta emigração. Disto dava conta o jor-nal famalicense A Estrela do Minho, de 23 de Novembro de 1913, no artigo deum seu colaborador que se encontrava naquele país e que fazia eco com mui-tas outras vozes.

Inúmeras situações bem distintas dessas que a História mais gosta de regis-tar, vão constatando tais preocupações.

Sousa Fernandes dá-nos conhecimento da vida de um emigrante português,José, criado da “chácara, que varria dos passeios as folhas mirradas pelo tempoe para alli sacudidas pelo débil sopro da viração”. Conta Sousa Fernandes queJosé era casado e que estava no Brasil há três meses para onde viera seduzidopor “anelos de fortuna”. Ganhava 40 mil réis mensais e a mulher 30 mil, comocriada de uma família alemã, e que só se viam aos domingos. Tinha o desejo dejuntar uns patacos e regressar à terra natal, dizendo serem suficientes cem moe-das e que precisava de dois anos para as conseguir.

Esta história tem, contudo, outro epílogo, a morte da mulher, vítima dafebre-amarela e, passado pouco tempo, a de José, na Misericórdia, com amesma enfermidade.

Fim idêntico tem Camilo, de alcunha o Quintinha, natural de Avidos, fregue-sia do concelho de Vila Nova de Famalicão, que regressou do Brasil em extremamiséria. Culto, com uma bela caligrafia, fotógrafo e pintor, mas sentindo-se umvencido da vida, isolou-se na apatia e na introversão, limitando-se a fazer leiturasao domicílio em troca de refeições.

Manuel Marques Coelho teve, também, um final pouco afortunado. Natu-ral da localidade concelhia de S. Cosme do Vale, era conhecido pelos nomes deManuel Marafona, marchante Marafona e brasileiro Marafona, alcunha queherdara do pai, emigrante como ele no Brasil. Boémio, viveu entre grandes fes-tanças, no dizer da época, emparceirando com Nuno Plácido Castelo Branco,filho natural legitimado de Camilo e Ana Plácido, conhecido igualmente poreste aspecto e a quem ajudou no rapto de uma rapariga de 17 anos com quemveio a casar. Vaidoso, fazia-se passear pela cidade, de charrette puxada por doiscavalos.

Esta forma aparatosa de viver trouxe-lhe algumas contrariedades. Proprie-tário do jornal local Progressista, apesar de ter apenas a 4.ª classe, pensou queesse facto lhe possibilitaria aceder como sócio à Assembleia Recreativa que,por gozar de grande prestígio, lhe conferiria “pergaminhos de elevação”. Porvotação, foi-lhe recusada a admissão. Apontaram-se, como razões para tal, ofacto de ser um brasileiro marchante, de se desconhecerem pormenores da suavida no Brasil e de ter uma vida local reprovável.

Marques Coelho resolveu vingar-se desta afronta. Criou uma instituiçãosemelhante à Assembleia Recreativa, o Club Camilo Castelo Branco, que veioa atrair, com os bailes que organizava, um grande número de jovens, aspectoem que rivalizava com aquela. Teve, no entanto, vida efémera. A sua triste fama

EMIGRAÇÃO DOS MINHOTOS PARA O BRASIL (1850-1910) OS BEM SUCEDIDOS E OS OUTROS

413

Page 415: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

é agravada por um acto que revoltou uma população inteira. Ao pretender fazeros seus habituais passeios a cavalo e na recusa deste em andar, ateou-lhe fogodepois de sobre ele despejar aguarrás, provocando-lhe a morte. Esta situaçãomotivou a produção de pasquins que se colavam em muros e portas. A violên-cia popular contra Marques Coelho levou-o a andar de espingarda a tiracolo ea regressar ao Brasil.

2. OS BEM SUCEDIDOS

O Brasil foi destino por excelência dos emigrantes do Minho e, no caso deVila Nova de Famalicão, considerando só a emigração legal, o Rio de Janeirotornou-se a sua escolha preferencial.

Muitos são os que na terra de chegada contam com um parente, um amigoou até um padrinho para os ajudarem a integrar-se. Partiam alguns só depois defeito o tirocínio numa casa comercial do Porto, de Guimarães, ou até de Fama-licão, muitos com reduzidos conhecimentos de leitura, de escrita e de operaçõesmatemáticas básicas.

Numa região em que a pequena propriedade é dominante, a emigraçãoenquadrava-se numa estratégia de sobrevivência e reprodução social de mui-tas famílias, e constituía um factor equilibrador entre população e recursos.Com um sistema de herança em que era dado ao chefe do agregado familiar edetentor da unidade económica o poder de eleger o herdeiro privilegiado, dei-xando-lhe o terço ou quota disponível, parte dos filhos via-se na contingênciade trabalhar para a casa, o que nem sempre era possível, ou de abandonar aunidade agrícola familiar, juntando-se a emigrantes de menor disponibilidadeeconómica.

Do seu retorno, conservam-se memórias nas escolas que edificaram parauso das populações locais, dando forte contributo para a sua alfabetização, nasMisericórdias, com o correlato apoio aos menos favorecidos, nos edifícios ditosde estilo brasileiro, no mobiliário com que os decoraram e em outro tipo deacervo tal como nas histórias de vida.

A ascensão social conseguida através do dinheiro é visível nas comendase nos títulos nobiliárquicos atribuídos, v.g. ao barão de Famalicão, ao viscondede Famalicão, este último revolucionador do traçado urbano famalicense, aoprimeiro barão de Joane. É patente, também, nos casamentos com noivas daaristocracia, por exemplo, a mulher do visconde de Famalicão, também cha-mado visconde das Águas. A sede do concelho e muitas das suas freguesiassão profundamente marcadas pela presença das casas destes brasileiros,encontrando-se entre os seus proprietários pessoas de notoriedade nacional,como a de Bernardino Machado, filho do primeiro barão de Joane e a do barãoda Trovisqueira.

Retomemos Camilo, que nos diz que Famalicão, “nesse tempo, estava naapojadura das suas prosperidades. Choviam ali brasileiros que nem maná nas

ADÍLIA FERNANDES / ODETE PAIVA

414

Page 416: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

areias da Mesopotâmia. Dos pauis alagadiços irrompiam casas de azulejosvariegados. Vila Nova era o centro da locomoção do Minho, da mercância agrí-cola, da vilegiatura dos portuenses”4.

Os bem sucedidos apresentavam, por um lado, traços distintivos e, poroutro, elementos comuns que os ligavam: partiam para o Brasil na adolescên-cia; contavam com redes de parentesco e de vicinidade na sua ida e início devida na nova terra; conheciam, graças ao sucesso económico, a ascensão social;deixavam marcas na terra de acolhimento e em Portugal.

Entre muitos casos já estudados, elegemos os seguintes, por nos pareceremparadigmáticos.

António da Silva Maia nasceu em Vila Nova de Famalicão, na segundametade do século XX. Era sobrinho do Dr. Eduardo José da Silva Carvalho ede Ricardo Carvalho. Foi emigrante no Brasil, tal como o irmão, Ricardo SilvaMaia, falecido no Rio de Janeiro, em Abril de 1906.

António Silva Maia teve sucesso na carreira comercial, no Rio de Janeiro,onde casou e constituiu família. Nesta cidade, desempenhou funções de relevo,de que se destacou a directoria da Real e Benemérita Caixa de Socorros MútuosD. Pedro V. Em Portugal, foi condecorado com a comenda de Nossa Senhorada Conceição de Vila Viçosa, vindo a ser também conselheiro.

Numa altura em que a tuberculose grassava, destacou-se pelo seu contri-buto monetário para a construção do Sanatório Silva Maia, em Famalicão,doando também o terreno e cooperando no seu equipamento e manutenção. A

EMIGRAÇÃO DOS MINHOTOS PARA O BRASIL (1850-1910) OS BEM SUCEDIDOS E OS OUTROS

415

4 NOVELAS do Minho: 154-155; 165-166.

Figura n.º 1Palacete de Bernardino Machado

Figura n.º 2Palacete do Barão da Trovisqueira, actual Museu Bernardino Machado

Page 417: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Associação promotora de que foi fundador e primeiro sócio benemérito, assu-miu a designação de Instituto Anti-Tuberculoso Silva Maia. Para além da ajudadirecta, fomentou subscrições no Rio de Janeiro, que em muito concorrerampara a obra, quer do sanatório, quer do dispensário, ambas destinadas a erradi-car a tuberculose, numa acção dirigida aos mais desfavorecidos do concelho,tal como refere o artigo 1.º dos Estatutos.

Faleceu ainda muito novo (1913), naquela cidade, onde também morreu oirmão.

António Luís Mendes, o futuro vis-conde de Gemunde, nasceu no dia 11 deNovembro de 1846, na freguesia barce-lense de Viatodos. Era filho de Luís Antó-nio Mendes e de Joaquina Ferreira daCruz e neto paterno de António José Men-des e Maria Pereira, da freguesia deGemunde. Os seus avós maternos foramManuel Ferreira da Cruz e Ana Ferreira,da freguesia de Gondifelos. Os pais, traba-lhadores rurais, viveram algum tempo emViatodos, daí o nascimento do filho nestafreguesia. Mais tarde, fixaram-se emGemunde, vindo este a falecer aqui.

António Luís vinha de Gemunde àCasa dos Paz, próximo da igreja de Brufe,aprender a ler e a escrever, calcorreandocaminhos em busca de instrumentos quemuito o ajudaram em terras brasileiras.Chegou a Niteróy aos 14 anos (1860) eempregou-se no comércio. Passados três

anos, já trabalhava por conta própria, como negociante e, graças a um emprés-timo vultuoso de um amigo, pôde investir tornando-se um importante fornecedordos serviços militares brasileiros.

Em poucos anos, dado o volume de negócios conseguido, elevou a fortuna,a par da ascenção social. Foi membro da Junta Comercial desta cidade e comer-ciante matriculado (podendo vender produtos nacionais e estrangeiros), nacidade de Niteróy. O seu prestígio trouxe-lhe a nomeação para o cargo de vice-cônsul de Portugal, nesta cidade, que o acolheu e onde sempre desenvolveu asua actividade.

Pertenceu a muitas associações, entre elas a Associação de Socorros àPobreza Desamparada de Niteróy, para a qual foi designado Benfeitor (1895),título por excelência. Viveu, nesta cidade, 35 anos, casando com uma cidadã doRio de Janeiro. Regressou a Portugal, já perto dos cinquenta anos. Instalou-seprovisoriamente na melhor unidade hoteleira de Famalicão e, depois, numa ricavivenda mandada construir por um capitalista desta cidade, brasileiro como

ADÍLIA FERNANDES / ODETE PAIVA

416

Figura n.º 3Instituto Anti-Tuberculoso Silva Maia.

Diploma

Page 418: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ele. Foi o primeiro famalicense a usufruir, em sua casa, de um sistema de ilu-minação pelo gás acetilene.

Destacou-se pela significativa contribuição monetária à Irmandade do Hospitalde S. João de Deus, de que se tornou Irmão Benemérito e Provedor (em 1896), àAssociação Humanitária dos Bombeiros Voluntários, de que foi Benemérito, àJunta da Paróquia, para a continuação das obras das Escolas Oficiais, escolas estasque, devido à avultada ajuda de mais brasileiros, puderam ser das melhores daregião. Assumiu a presidência da Assembleia-Geral do Clube de Caçadores (1897).

António Luís Mendes veio a ser nomeado visconde de Gemunde, em 1896,pelo rei D. Carlos, em reconhecimento da obra social que desenvolveu emFamalicão e da ajuda prestada a muitos compatriotas no Brasil, principalmentecomo vice-cônsul em Niteróy, aquando das convulsões político-sociais dosfinais da monarquia e instauração do regime republicano neste país. No anoseguinte, atribuiram-lhe a Comenda de Nossa Senhora da Conceição de VilaViçosa, a que estava inerente a regalia de Fidalgo Cavaleiro da Casa Real. Foidistinguido pelo povo famalicense com um hino expressamente composto paraele pelo director da Banda dos Bombeiros Voluntários de Famalicão, em 1896,aquando da concessão do título. A sala do Teatro Progresso ficou com o seunome – Teatro Visconde de Gemunde.

O visconde e a viscondessa de Gemunde privaram com a elite famalicense,incorporando-se nos principais eventos.

Este titular tinha casa alugada em Matosinhos, o que lhe permitia estanciarna praia e desfrutar do Porto, cidade próxima. A partir sensivelmente de 1902,passava a maior parte do ano em Lisboa, vindo no Verão para Famalicão. Em1906, adquiriu a grande Quinta de Santa Marta, em Algés, onde permanecia amaior parte do tempo, com vindas anuais à sua vila.

Faleceu em Lisboa, em 26 de Agosto de1915. Foi sepultado no cemitério da Ajuda,juntamente com o filho, nascido em Niteróye falecido em 1913. Por sua expressa von-tade, os restos mortais de ambos vieram aser trasladados para o cemitério de Gemunde,que ele mandou construir em 1896 e ondeedificou um jazigo para sepultura dos pais.Aqui repousa num sepulcro imponente, maselegante.

Vejamos, agora, o caso de José deAraújo Carvalho. Nasceu no Louro a 19 deFevereiro de 1866, filho de António deAraújo Carvalho e de Albina Rosa de Sá,trabalhadores rurais. No Rio de Janeiro, tra-balhou como empregado comercial e, maistarde em S. Paulo, como gerente de umafilial da mesma empresa. Trabalhador indó-

EMIGRAÇÃO DOS MINHOTOS PARA O BRASIL (1850-1910) OS BEM SUCEDIDOS E OS OUTROS

417

Figura n.º 4Túmulo do Visconde de Gemunde

Page 419: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

mito, fundou anos depois, com o irmão, uma empresa comercial de vinho tipocognac e outra de sabões. Com a criação da sociedade Vinhos Carvalho, quedetinha a exclusividade da importação dos vinhos do Alto Douro, José Carva-lho atingiu o seu acume como maior empresário de S. Paulo neste sector.

Em 1905, casou com Maria das Dores Alves Guimarães, natural de S. Pauloe também ela possuidora de bens consideráveis. Não tiveram filhos. Vierampara Portugal em 1910, com uma avultada fortuna. Falava-se que José deAraújo Carvalho comprava no Louro, todas as propriedades (terras e imóveis)que lá se achavam à venda.

Grande filantropo, contribuiu para minimizar as carências de muitos dosseus conterrâneos, através da distribuição de bens alimentares, empréstimo decasas de habitação e criação de postos de trabalho, o que configura a sua cons-ciência social. Fez donativos à Santa Casa de Misericórdia e ao Hospital, aju-dou monetariamente para a conservação de património civil e religioso e paraa construção de escolas. Deixou em testamento todos os seus bens à Miseri-córdia de Famalicão.

Desempenhou, entre 1919 e 1921, o cargo de senador na Câmara de VilaNova de Famalicão, na edilidade de Júlio de Araújo, brasileiro.

Conhecido como o Carvalho de Travassos, revelou-se uma personagem degrande densidade, movendo-se nos vãos da sociabilidade. Algumas das suasacções alertaram consciências e questionaram atitudes. As pagelas, em estilopanfletário, que distribuía como manifestos, em dia de feira semanal da Vila,consolidaram-no como figura que procurou aliar o seu sincretismo religioso àpragmática do seu viver em sociedade.

Falemos agora de uma “dinastia de brasileiros”, os Brandão Faria. Nafamília de José Esteves Brandão o Brasil estava muito “próximo”, pois os seus genes por lá andavam desde, pelo menos, os tios avós, Francisco5 e Antó-nio6. A avó Benta falava amiúde dos irmãos e estes descreviam-lhe a terra bra-sileira, dando dela uma visão de oportunidades. Assim, o pai e o tio partirampara o Rio de Janeiro já com a “carta de recomendação” para os tios, subscritapela avó. Por lá fizeram real a possibilidade de alcançarem êxito ao dedicarem--se a uma área tão conhecida dos portugueses nessas terras, o comércio.

Os tios avós, o barão de Faria, Francisco da Costa Faria e o comendadorAntónio da Costa Faria emigraram jovens para o Brasil, onde enriqueceram ese tornaram comerciantes de “grosso trato” na praça do Rio de Janeiro. Rece-

ADÍLIA FERNANDES / ODETE PAIVA

418

5 Francisco casou no Rio de Janeiro, com uma mulher brasileira. O barão de Faria, detentor de umaenorme fortuna, foi um homem culto e filantropo. Pensamos que a Misericórdia do Rio deJaneiro, de que foi benfeitor, possui um retrato seu. Os filhos foram figuras de relevo no Brasil eum deles, António Costa Chaves, foi banqueiro e o criador do Bairro de Ipanema, nesta cidade.

6 O comendador António da Costa Faria nasceu em Vila Nova de Famalicão, a 20 de Agostode1814. Era filho de Francisco da Costa Ortiga e de D. Teodora Maria de Faria. Casou em 6 deJaneiro de 1862, com D. Maria Amélia Lobão. Regressou, mais tarde, a Famalicão onde habitouum palacete no Campo da Feira, adquirido a outro brasileiro.

Page 420: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

beram os sobrinhos (o pai e o tio de José Brandão) que também lá casaram commulheres brasileiras, tiveram filhos e singraram na vida comercial.

Retomemos o percurso de vida de José Brandão. O pai emigrou para o Bra-sil na adolescência, talvez depois do irmãomais velho, Paulo7, que se deslocou para oRio com 13 ou 14 anos, empregando-selogo na casa de comércio do tio, o barão deFaria. Nunca regressou a Portugal. O pai deJosé Brandão singrou no Brasil ajudadopelos familiares e casou no Rio de Janeiro,com uma cidadã carioca, de quem teve, pelomenos, dois filhos, José e Heitor8. Bemsucedido nos negócios, mandou construirum palacete na zona nobre da vila de Fama-licão9. José Brandão nasceu na cidade doRio de Janeiro e aqui viveu os primeirosanos da sua infância. O seu enorme cultopela arte levou-o a investir toda a vida nestecampo, a ponto de reunir uma colecçãoreconhecida nacional e internacionalmentee da qual faziam parte peças raras.

Conhecemos estas obras pelo catálogoproduzido por uma conceituada leiloeira deLisboa, aquando da venda do seu espólio,em 1954, (pouco depois da sua morte). Dele constavam pinturas, aguarelas edesenhos, gravuras, bronzes, mármores, marfins, louças, bibelots, moedas,armaria, bengalas, móveis e lotes de objectos diversos. A título meramenteexemplificativo deste imenso e rico espólio, destacamos os trabalhos de pin-tura da escola francesa, italiana, flamenga e espanhola assinados por A. Bro-wer, Berghen, Isidore Cunetier, Diaque, W. Whyte, Marantónio, Louis AlbertDelarive, Emiliee Preyer, as aguarelas e desenhos de E. Lambert, Franc Graig,as gravuras de A. Durer, Van der Lin. Encontramos os bronzes dos mais céle-

EMIGRAÇÃO DOS MINHOTOS PARA O BRASIL (1850-1910) OS BEM SUCEDIDOS E OS OUTROS

419

7 Escreveu artigos de fundo para diferentes jornais brasileiros, principalmente para o Jornal OComércio do Rio de Janeiro e interveio na célebre questão que envolveu o Bispo de Olinda (Per-nambuco). Publicou vários livros e sustentou polémicas literárias com José Feliciano de Castilhoe com Manuel de Melo, relativamente ao catálogo do Gabinete Português de Leitura.

8 O irmão, Heitor Esteves Brandão, casou com uma filha do comendador Constantino Nunes de Sá,natural de Minhotães, Barcelos, dono de negócios no domínio da banca, no Rio de Janeiro. Foium grande capitalista e a sua firma estava representada em Famalicão por Gomes & Brandão etambém Brandão & C.ª .

9 José Salgueiro Esteves Brandão, que então vivia em Lisboa, vendeu este grande edifício, em1920, ao tio Carlos José de Faria Brandão e ao irmão Heitor Esteves Brandão. Em 1931, devidoa problemas financeiros, Heitor vendeu a sua parte ao tio Carlos. Após o falecimento deste, a 21de Dezembro de 1942, passou por legado à segunda sobrinha Marina Brandão. Anos depois foicomprado por Álvaro Folhadela Marques.

Figura n.º 5Catálogo das peças de arte

de José Brandão postas em leilão

Page 421: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ADÍLIA FERNANDES / ODETE PAIVA

420

10 No Rio de Janeiro, também trabalhavam o irmão António, como sócio na Fábrica de Gelo SantaLuzia e o Manuel como comerciante. Ambos foram agraciados com títulos nobiliárquicos, o pri-meiro com o de comendador e o segundo com o de barão de Famalicão.

11 Conta-se que alguns dos seus empregados decidiram montar uma indústria do gelo, usando osconhecimentos aprendidos, mas Bernardino Sousa encarou esse episódio como uma afronta e bai-xou tanto o preço do gelo, que essa nova fábrica se encaminhou para a insolvência. Acabou porfalir, quando ele decidiu fazer a distribuição do gelo gratuitamente.

Peças do Catálogo

bres escultores do século XX, como Pedro Jules Mene, Jean August Barre, Isi-dore Bonheur e mármores de Carrara, entre os quais sobressai um busto deCristo do século XVII, marfins dos séculos XVII e XVIII, que contam com alinda imagem de S. José e o Menino, num só bloco, e com o célebre galo deporcelana de Saxe, de Jean Joachim Kandier, que pertenceu à colecção damarquesa da Foz.

Sigamos, agora, Bernardino Ferreira da Costa e Sousa, futuro conde de S.Cosme do Vale. Nasceu, no dia 12 de Março de 1852, na freguesia de quetomou o título. Era filho de Domingos Ferreira e Francisca da Costa Marques.Emigrou para o Rio de Janeiro em 1866, com catorze anos10 e começou a tra-balhar por conta própria aos 26 anos, (1878). Recebeu a ajuda do conde de S.Salvador de Matosinhos, que também auxiliou outros emigrantes portuguesesem terras brasileiras. Em 1884, Bernardino de Sousa comprou a velha Fábricado Gelo da praia de Santa Luzia, no Rio de Janeiro e, passado pouco tempo,com a actualização dos equipamentos e outros investimentos, produzia gelosuficiente para abastecer a capital, ou seja, 36 000 quilos por dia. A indústriaprosperou e trouxe-lhe riqueza11.

Figura n.º 6Pintura da escola italiana

(século XVI ou XVII)

Figura n.º 7Busto de mármore da escola italiana

(século XVII ou XVIII)

Page 422: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Bernardino casou com Maria Dolores Josim Terám, de nacionalidadeespanhola, e não tiveram filhos. O imenso património possibilitou-lhe entre-gar-se a obras de beneficência, bem como à promoção da cultura. Pertenceu àSociedade Portuguesa de Beneficência, de que veio a ser eleito conselheiro-mordomo em 1903, ao Liceu Literário Português, que apoiou monetariamente,à criação da Caixa de Socorros Viscondessa de S. Cosme do Vale e do Mon-tepio Visconde de S. Cosme do Vale (mais tarde anexados à Associação Con-des de S. Salvador de Matosinhos e de S. Cosme do Vale). Preocupado com ajustiça social e com os direitos humanos, tornou-se membro da ConfederaçãoAbolicionista.

Foi comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa(1886), visconde (1887), conde (1902) e comendador da Ordem da Rosa,(título honorífico brasileiro). Veio para Famalicão em 1903 e ficou, tempora-riamente, no palacete dos Machados, propriedade da família de BernardinoMachado, futuro presidente da República. Instalou-se depois numa casa alu-gada da zona nobre da vila, moradia antiga e de pergaminhos e que pertencia,então, à viúva de um brasileiro com rendimentos. A seu lado, neste largo, viviao seu irmão, o comendador António Ferreira Marques de Sousa.

Reconstruiu a modesta habitação dos pais e lá passou a viver. Tornou-se omentor e principal obreiro do grandioso Edifício Paroquial para as Escolas S.Cosme do Vale, cujo funcionamento chegou a sustentar, e de mais boas obrasna freguesia.

Foi o principal benfeitor da reconstrução daIgreja matriz de Famalicão, em 1902, e promotordo embelezamento da vila, com abertura de novosarruamentos, ajudando, ainda, o Hospital daMisericórdia.

Em 1903, o conde e a condessa regressaram aFamalicão vindos de Lisboa e tiveram uma recep-ção em tudo idêntica à prestada à família real,quando aqui ficou a caminho de Braga. Surgiu naaltura o jornal Homenagem inteiramente dedicadoa este acontecimento. Na terra natal, teve idênticoacolhimento, com autoridades civis e religiosas,entre uma mole humana de conterrâneos.

Depois de se fixar em S. Cosme do Vale ia,anualmente, tratar de negócios ao Rio de Janeiro.

Faleceu em 25 de Outubro de 1909. O fune-ral foi imponente, com um grande acompanha-mento enquadrado por destacadas personalida-des e, dado que a sua acção se compaginou também ao Brasil, este país fez--se representar. O corpo ficou depositado em campa rasa, trasladado em 1911para o túmulo monumento encimado pelo seu busto e mandado construir porele nesta freguesia. A obra ficou a cargo de uma conceituada empresa por-

EMIGRAÇÃO DOS MINHOTOS PARA O BRASIL (1850-1910) OS BEM SUCEDIDOS E OS OUTROS

421

Figura n.º 8Túmulo do Conde

de S. Cosme do Vale

Page 423: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tuense12. Transformou-se, mais tarde, em jazigo de família e é, hoje, um exlibris de S. Cosme do Vale.

A imprensa e outras fontes realçam os bem sucedidos, os chamados brasi-leiros, e por vezes os abrasileirados. Contudo, muitos outros continuam reme-tidos ao total apagamento. Deles poderemos saber os nomes e aproximar-nosdos seus percursos de vida através de algumas fontes, v.g. os inventários orfa-nológicos, as execuções hipotecárias, as listas de mancebos refractários e osregistos paroquiais, quando o redactor paroquial registava à margem “ausen-tou-se para o Brasil”.

CONCLUSÃO

É incontestável que a geografia minhota não mais foi a mesma, após a idae muitas vezes vinda, dos emigrantes que demandaram terras brasileiras. Con-tribuíram para alterar o modus vivendi das regiões onde se fixaram (normal-mente as de origem), e tiveram peso em diversos sectores económicos. O her-metismo social ia-se desvanecendo com a sua presença marcante. No caso emapreço, o de Vila Nova de Famalicão, vila criada pelo liberalismo, graças aoprogresso alcançado pelo fluxo de dinheiro e investimento dos que emigrarampara o Brasil, a face desta localidade alterou-se e até o seu pólo se deslocoupara a Rua Formosa e Campo da Feira, permanecendo, actualmente, como tal.Hoje, as suas vidas são roubadas ao tempo e resgatadas, de entre outros teste-munhos, da memória das casas e das instituições a que se ligaram.

Para conhecermos os “emigrantes silenciosos”, apropriando-nos tambémde diferentes facetas dos bem sucedidos e dos remediados, é necessário intro-duzir a análise micro analítica, utilizando o cruzamento das fontes da emigra-ção, das fontes paroquiais e até notariais e fiscais. Poderemos, assim, encontrarnovas matizes da emigração para o Brasil, como a explicação da disparidade desolicitações de passaportes nas diversas localidades geograficamente próximas,a identificação de grupos familiares ou de parentes que partiram juntos ou poretapas, a detecção de vizinhos que seguiam os mesmos destinos e que iam nasmesmas embarcações, as redes de solidariedade do lado de cá e de lá.

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Jorge Fernandes, 1994a – Os Brasileiros. Emigração e Retorno no Porto Oitocentista.Porto: ed. de Autor.

ADÍLIA FERNANDES / ODETE PAIVA

422

12 Foi feito com base num projecto vindo do Rio de Janeiro e executado pela oficina de mármoresQueiroz & Costa, da Avenida Rodrigues de Freitas, n.º 9, no Porto, por cinco contos. Ficou prontoem cerca de um ano e meio e todas as pedras foram trabalhadas no local, por artistas desta casa.Esta oficina construiu outros túmulos no concelho,

Page 424: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ALVES, Jorge Fernandes, coord., 1994b – Os “Brasileiros” da Emigração. Vila Nova de Fama-licão: Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão.

ARROTEIA, Jorge Carvalho, 1983 – A Emigração Portuguesa, suas Origens e Distribuição.Lisboa: ICALP.

CARVALHO, Vasco César de, 1959 – Aspectos de Vila Nova. Biografias. Vila Nova de Famali-cão: [s.n.].

CARVALHO, Vasco César de, 1960 – Aspectos de Vila Nova. Desembargadores. Vila Nova deFamalicão: [s.n.].

CASCÃO, Rui, 1993 – “Demografia e Sociedade”, in MATTOSO, José (dir. de) – História dePortugal. Lisboa: Editorial Presença. Vol. 5, p. 425-439.

CUNHA, Cármen Alice Aguiar de Morais Sarmento, 1997 – Emigração Familiar para o Brasil.Concelho de Guimarães 1890-1914 (Uma Perspectiva Micro Analítica). Braga: Instituto deCiências Sociais da Universidade do Minho (dissertação de Mestrado).

DURÃES, Margarida, 1995 – “Necessidades económicas e práticas jurídicas: problemas datransmissão das explorações agrícolas, séculos XVIII-XX”. Ler História, n.º 29, p. 67-88.

LAGES, José Manuel, 1999 – “Os Emigrantes de Vila Nova de Famalicão. O seu papel na Con-fraria de Nossa Senhora do Carmo”, in ALVES, J. F. (coord) – Os Brasileiros da Emigra-ção, Vila Nova de Famalicão: Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, p. 46-79.

MONTEIRO, Miguel Teixeira Alves, 1996 – Migrantes, Emigrantes e Brasileiros 1834-1926.Territórios, Itinerários, Trajectórias. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidadedo Minho (Dissertação de Mestrado).

PAIVA, Odete, 2001 – S. Martinho de Avidos, Comunidade Rural do Vale do Ave, Demografia eSociedade, 1599-1995. Vila Nova de Famalicão: NEPS e CMVNF.

PAIVA, Odete, 2003 – “Teias que a Emigração Tece: “Os Brasileiros” no século XIX, uma Aná-lise Micro Analítica”, in TRINDADE, Maria Beatriz Rocha; CAMPOS, Maria Christina(orgs.) – Olhares Lusos e Brasileiros, S. Paulo, p. 47-66.

SCOTT, Ana Sílvia Volpi, 2003 – “Alternativas Locais à Emigração para o Brasil nos Finais doSéculo XIX”. Paper read at Jornadas do NEPS: Comportamentos. População e Sociedade,Guimarães: 25 a 27 de Novembro 2003.

EMIGRAÇÃO DOS MINHOTOS PARA O BRASIL (1850-1910) OS BEM SUCEDIDOS E OS OUTROS

423

Page 425: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 426: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

425

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGALPARA O BRASIL ANTES E APÓS

A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919): VARIAÇÕES E PERMANÊNCIAS

Diogo FerreiraRicardo Rocha

A emigração portuguesa é a que mais convém ao Brasil. Primeiro, porqueé um elemento correspondente ao que aqui vive, e que vai formando (…) araça brasileira. Segundo, porque o português é o único povo que suporta osrigores de todos os climas. E terceiro, porque o português aqui se encontracomo que na sua terra.

(Veiga Simões, cônsul de Portugal no Pará e no Amazonas. Jornal de Notí-cias, 4 de Setembro de 1919)

INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende estabelecer uma análise comparativa de alguns indi-cadores socioeconómicos – idade, profissão, naturalidade, sexo, etc. – relativosà emigração do Norte de Portugal para o Brasil nos anos imediatamente ante-cedentes e precedentes à Primeira Guerra Mundial, respectivamente, 1913 e1919, e assim tentar perceber variações e constantes, e encontrar factores expli-cativos, pelo menos parcialmente, para os resultados alcançados.

Os nossos resultados cingem-se à emigração legal, traduzida nos livros deregisto de passaportes e respectivos processos produzidos pelo Governo Civil doPorto, que ao presente se encontram disponíveis no Arquivo Distrital do Porto.Na verdade, tudo parece apontar que o número de portugueses entrados no Bra-sil tenha sido maior do que as estatísticas oficiais nos podem fazer acreditar, atéporque os números de saída apresentados oficialmente pelo Estado portuguêssão significativamente inferiores àqueles mostrados pelas autoridades brasilei-ras. De resto, vários estudos estimam que o total da emigração clandestina fosse,para o período em análise, superior à emigração legal. Logo, é praticamenteimpossível apurar com um mínimo de rigor o volume exacto das correntesmigratórias, pelo que optámos por nos circunscrever à emigração legal.

Page 427: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

1. PORTUGAL E BRASIL NO DEALBAR DA I GUERRA MUNDIAL

Quando teve lugar a implantação da República, o optimismo e a esperançapor uma mudança significativa na sociedade portuguesa eram sentimentoscomuns a todos os cidadãos. Porém, e começando por analisar a vida política,pode constatar-se desde logo que “o desentendimento permanente dos princi-pais líderes políticos do novo regime (…), a instabilidade política traduzida emgovernos efémeros cuja duração não excederia os três meses, e a geral incapa-cidade de preparar e executar reformas de fundo decepcionariam os que tinhamesperado da República uma grande barrela”1.

Mas não foi tudo… Logo no início da República também ocorreu um ciclode anos agrícolas medíocres que se prolongou até ao final da Grande Guerra,situação que só viria a melhorar na década de 1920. Para piorar ainda mais ascoisas, “a rotina e a resistência conservadora a qualquer espécie de inovaçãoajudavam à pobreza do apetrechamento moderno, capaz de revolucionar alavoura e a fazer acompanhar o progresso verificado noutros países”2.

Por outro lado, é possível constatar que antes da entrada de Portugal na Pri-meira Guerra Mundial, o incremento da sua indústria não se mostrou significa-tivo, uma vez que a revolução industrial quase passou ao lado de um País que,desprovido de matérias-primas, se via na contingência de as importar.

No início de 1911, multiplicaram-se as greves, assim como a violênciaentre grevistas e republicanos. Entre finais de 1910 e 1911, verificaram-se apro-ximadamente 250 greves, devido fundamentalmente às exigências dos operá-rios por melhores salários e menos horas de trabalho.

Do outro lado do Atlântico, no início da segunda década do século XX, oBrasil permanecia como um país essencialmente agrícola, mas assistia já a umcrescimento assinalável na área industrial. A instalação de fábricas no Rio deJaneiro ficou a dever-se a um conjunto diverso de factores. Segundo BorisFausto, “aí haviam-se acumulado capitais provenientes da empresa agrícola oudos negócios do comércio exterior (…). Os grandes bancos, cujas sedes esta-vam localizadas na capital do país, tinham, assim, condições de financiar outrasactividades. Além disso, o mercado de consumo tinha proporções razoáveis,abrangendo não só a cidade como a região à sua volta, servida pelas ferrovias(…). Havia problemas no suprimento de trabalhadores especializados, mas nãofaltavam operários de baixa qualificação. Eles eram recrutados entre a popula-ção pobre, os imigrantes e os migrantes internos, para quem o Rio de Janeiroera um pólo de atracção”3.

A partir de 1907, o Governo Brasileiro continuou a sua política de incentivoà imigração, tomando uma série de medidas para a promover, tendo subjacenteo objectivo de ocupar os postos vagos deixados pelos escravos com a mão-de-

DIOGO FERREIRA / RICARDO ROCHA

426

1 MEDINA, 2000: 305.2 MARQUES, 1991: 77.3 FAUSTO, 2004: 286-287.

Page 428: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

-obra imigrante, bem como incrementar a ocupação efectiva do território, emordem ao reforço da soberania nacional e à valorização económica do país. Nãofoi de estranhar, por isso, que a partir de 1908 tenha aumentado o número deimigrantes, “para atingir o seu ponto mais alto desse século em 1913”4.

Por sua vez, em Portugal, os reformadores afirmavam que a fuga de mão--de-obra para o estrangeiro representava um atentado à consciência nacional.Em 1913, a Federação Operária de Lisboa defendia mesmo a repressão dasagências como medida para travar a fuga de gente do País5.

Porém, o maior fluxo de portugueses emigrantes não provinha da capital,nem mesmo do centro ou sul do País. De facto, em vésperas da PrimeiraGrande Guerra, o mapa do Portugal migratório dividia-se com nitidez em duaszonas, resultado da distribuição demográfica, das condições de propriedade eda organização económico-social: o Norte, região que mereceu a nossa atençãoneste estudo, e que, somado às Ilhas Adjacentes, representava a zona de origemda grande maioria dos emigrantes; e o Sul, de onde se emigrava muito menos.

Todavia, apesar deste intenso fluxo migratório, especialmente a norte, oEstado pouco fazia para se obstar à emigração. A legislação que ia tratando estatemática não tinha como objectivo principal reduzir os números da emigração,procurando antes reprimir a emigração clandestina, disciplinar a acção dosrecrutadores de emigrantes, punir a intervenção dos intermediários e defendero emigrante antes, durante e depois da chegada ao país de destino.

A este facto não era certamente alheio o apoio de alguns políticos que viamnas remessas dos emigrantes uma das poucas soluções para o equilíbrio finan-ceiro do País. Por exemplo, Afonso Costa, primeiro-ministro de Portugal em1913, considerou publicamente a emigração como um “fenómeno altamentepositivo, que traz mais de 20 000 contos por ano para o Estado, chegandomesmo a propor que se dificultasse a saída dos familiares de modo a aumentaras remessas dos emigrantes”6.

Mas não era só a situação económica desesperada a motivar a saída de tan-tos milhares de portugueses. Uma razão muito mais simples presidia ao espí-rito do emigrante: a “legítima ambição por uma vida melhor, oposta à relesmediania rural, ambição fomentada periodicamente pelo retorno dos emigran-tes enriquecidos ou pseudo-enriquecidos”7, ou seja, a tentativa de procurarrepetir as experiências de sucesso de amigos e familiares, assim como um natu-ral desejo de libertação e busca de dignidade.

Esta ambição, frequentemente facilitada pelo apoio prestado pelos portu-gueses já estabelecidos em solo brasileiro, encontrava ainda suporte na activi-dade desregrada dos agentes de emigração que, em busca de lucro fácil, pinta-vam um quadro idílico que tinha muito pouco a ver com a realidade no Brasil.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919)

427

4 FAUSTO, 2006: 109.5 MARQUES, 1979: 35.6 TELO, 1990: 131-132.7 MARQUES, 1979: 35.

Page 429: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Em suma, o difícil acesso à terra no meio rural, a falta de trabalho nacidade, uma vez que o verdadeiro capitalismo tardava em instalar-se, as máscondições de vida e, em contrapartida, o poder de atracção do Brasil, dadas asrazões apontadas, “faziam o emigrante arrostar a exploração nos preços daspassagens, os riscos da travessia do oceano em condições de falta de higiene,espaço e alimentação adequados, os abusos dos agentes e companhias de enga-jamento nos preços do transporte e nos contratos de trabalho, a dificuldade decontrolo no cumprimento das leis e contratos no Brasil, pelos cônsules portu-gueses”8, num fluxo que só conheceria um abrandamento no decurso da Pri-meira Guerra Mundial.

2. PORTUGAL E BRASIL NO PÓS-PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Após muitas indecisões sobre a participação de Portugal na PrimeiraGuerra Mundial, o País acabou por entrar no conflito, com consequências bas-tante negativas. À instabilidade política que já se verificava, juntou-se uma par-ticipação desastrosa, que viria a agravar ainda mais as clivagens existentes,nomeadamente entre as diferentes forças políticas, pois não havia um consensonacional no que respeitava à posição de Portugal perante o conflito. Assim, nãofoi de estranhar que o crescimento da violência política e da instabilidadegovernativa assumissem proporções elevadíssimas, situação que se estendeupara lá do fim da Grande Guerra.

Portugal teve uma insignificante participação quantitativa na PrimeiraGuerra Mundial, mas as consequências desse conflito reflectiram-se imensa-mente no País no que respeita aos custos e sacrifícios daí resultantes. SegundoAlice Samara, “o impacto económico e social da Primeira Guerra e da políticade intervenção no teatro europeu abalaria a estrutura da República, traria àtona, de forma visível, todas as divergências e fracturas no campo republicano,entre os diferentes partidos e as divergentes posições face à guerra, bem comotodos os descontentamentos do resto da nação, face a um regime que excluíaboa parte da população…”9.

A estabilidade económica e financeira ficou comprometida em virtude dasdespesas resultantes da participação militar e da crise económica que a acom-panhou (não era possível enveredar por uma política de desenvolvimento, definanciamento de projectos de infra-estruturas, de concessão de créditos); acontracção de investimentos fazia com que o sector industrial não se desenvol-vesse, ao que não era alheia a contínua fuga de capitais que fluíam para mer-cados bolsistas, nomeadamente para o Brasil; o aumento da dívida públicatrouxe consigo uma subida dos preços, situação que se verificará pelo menosaté ao ano económico de 1919-1920, ao passo que a inflação portuguesa em

DIOGO FERREIRA / RICARDO ROCHA

428

8 LOBO, 2001: 19.9 SAMARA, 1998: 90.

Page 430: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

1919 era uma das maiores da Europa, destruindo o modo de vida daqueles quedependiam de rendimentos fixos e que ficaram praticamente na miséria.

Ou seja, “ao invés de criar uma união em torno da República, a crise de inter-venção viu nascer uma vasta fronda social que se iria opor ao regime, sendo oensaio geral para o futuro derrube”10 do regime, em 1926. Assiste-se à insatisfa-ção generalizada da população – greves, motins, levantamentos populares…

Assim, o ano de 1919 haveria de ficar na história portuguesa como umaépoca de grandes perturbações políticas. Tiveram início algumas revoltas portodo o País, mas foi no Porto que a desagregação das instituições republicanasfoi levada ao extremo, com a proclamação da Monarquia do Norte que, emborade breve duração, acabou por demonstrar a relativa força daqueles que contes-tavam o regime. O clima sindical agitou-se, aumentando os roubos e os atenta-dos pessoais, e houve ajuntamentos populares em Lisboa para a obtenção degéneros alimentícios essenciais, que rareavam.

Em resumo, o Portugal do pós-Guerra era ainda, como cinco anos antes, umPaís cujo quadro económico não se tinha alterado substancialmente desde aqueda da monarquia, apresentando várias vulnerabilidades estruturais e umabalança comercial claramente deficitária em quase todos os géneros de pri-meira necessidade. O novo regime, que a todos prometera os benefícios do pãoe do trabalho, defrontava-se com vários problemas, não podendo cumprir aspromessas feitas nas horas eufóricas da propaganda republicana. Aos factoresapontados, acrescem as inúmeras epidemias verificadas entre 1918 e 1919, des-tacando-se, pela sua mortalidade, o tifo e a gripe pneumónica, que acabarampor provocar mais vítimas do que a Grande Guerra.

Por sua vez, o Brasil assistia, no pós-Primeira Guerra Mundial, a um desen-volvimento industrial acelerado, fruto de uma política de incentivo às indús-trias observada no decorrer do conflito, dada a interrupção da concorrência deprodutos importados então verificada.

As principais cidades brasileiras estavam a desenvolver-se, por força tam-bém do afluxo de imigrantes espontâneos e de outros que trataram de sair dasactividades agrícolas. A mobilidade dos trabalhadores era uma realidade, osquais se deslocavam de uma fazenda para outra, ou para os centros urbanos, embusca de melhores oportunidades.

Vivia-se, do lado de lá do Atlântico, uma situação inteiramente oposta àportuguesa, pelo menos em termos económicos, uma vez que no Brasil tambémse verificavam contestações sociais e greves gerais, com os operários a exigi-rem, acima de tudo, reajustes nos seus salários. Com o aumento das activida-des industriais, aumentou o contingente de trabalhadores organizados, o quefortaleceu o movimento operário.

Mas a verdade é que, entre a agitação social e o progresso económico, oBrasil continuava a ser o destino preferencial da esmagadora maioria dos emi-

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919)

429

10 SAMARA, 1998: 105.

Page 431: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

grantes portugueses, lançando entre a sociedade portuguesa o debate sobre ascondições de vida e as dificuldades com que se deparavam os emigrantes, sobreas vantagens e desvantagens deste fluxo, sobre o papel da sua antiga colónia nafuga da população que, lamentavam-se alguns, prejudicava a colonização dasprovíncias ultramarinas, apelando até para uma intervenção estatal para obstara este movimento.

Em 1919, a imprensa nacional agitava-se em torno deste problema, dandovoz a personalidades directamente relacionadas com o fenómeno, como é ocaso de Veiga Simões, cônsul de Portugal no Pará e Amazonas:

A emigração portuguesa para o Brasil é talvez a única que ainda não mere-ceu uma atenção e um cuidado especiais da parte dos respectivos governos. Osportugueses emigram para o Brasil entregues à sua própria iniciativa, e poraqui ficam ao longo deste vasto litoral, concentrados em algumas cidades, aoDeus dará. Trazem, às vezes, uma recomendação para um parente, ou um con-terrâneo, e com ela arranjam uma colocação no carregamento dos navios. Pas-sam a vida, depois, de saca de café aos ombros, sem o real proveito económicopara nenhum dos dois países que podiam ter. Os que nem essa recomendaçãotrazem, arranjam-se como podem em ocupações menos rendosas ainda,levando uma existência cheia de privações, quando não de miséria. Como vê,são forças que se dispersam, que se perdem, causando ao país um enorme pre-juízo que a quase todos tem passado despercebido11.

Textos como este foram usados numa verdadeira campanha contra o Bra-sil, o que motivou a intervenção da própria embaixada desse país em Lisboa ea publicação de alguns livros para contrariar esses artigos.

O maior argumento para contrariar aqueles que consideravam a emigraçãocomo um mal estava ainda e sempre relacionada com as remessas enviadas pelosemigrantes, que ajudavam a equilibrar a nossa balança de pagamentos, ao passoque, se permanecessem em Portugal, dificilmente conseguiriam prestar um con-tributo financeiro semelhante, isto na eventualidade de encontrarem um emprego.

Havia, assim, segundo Eulália Lahmeyer Lobo, uma “contradição entre aaspiração de restringir a emigração, que prejudicava a introdução do capita-lismo, dificultando a proletarização do camponês, e a necessidade de preservara remessa de poupanças dos emigrantes que equilibrasse a balança de paga-mentos e o mercado consumidor de produtos lusos pela colónia no Brasil. Talcontradição tornava ineficaz a política anti-emigratória que, em última análise,se resumiu a preconizar a protecção ao emigrante”12.

É exemplo dessa política o decreto-lei n.º 5624, de 10 de Maio de 1919,confirmado pelo decreto-lei n.º 5886, de 19 de Junho de 1919, que visava fun-damentalmente “facilitar o repatriamento dos desempregados e proteger mais

DIOGO FERREIRA / RICARDO ROCHA

430

11 Jornal de Notícias, de 4 de Setembro de 1919.12 LOBO, 2001: 19.

Page 432: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

eficazmente os emigrantes no Brasil”13. Segundo este decreto, era igualmente“proibida a excitação pública à emigração, bem como a propaganda engana-dora e dolosa para o recrutamento individual ou colectivo de emigrantes”(artigo 10.º ), sendo “os agentes de emigração (…) obrigados a realizar comcada um dos emigrantes aliciados um contrato escrito” (artigo 12.º ). Na prá-tica, a nível governamental, como já referimos, verifica-se a aceitação da emi-gração, devido aos seus benefícios.

Não obstante, a mesma legislação enumerava, no artigo 13.º, algumassituações de proibição de emigração, casos dos indivíduos maiores de sessentaanos que pretendessem partir espontaneamente sem vínculo de trabalho; os quepadecessem de doença ou enfermidade que os impossibilitasse de trabalharpara angariar os meios necessários à sua subsistência; as mulheres solteiras,menores de vinte e cinco anos, não sujeitas ao poder paternal ou outra forma detutela, nos casos em que, por não serem acompanhadas dos seus pais, tutoresou parentes, se suspeitasse que pudessem ser objecto de tráfico; os que, semacordarem com a autoridade e assistência competente, deixassem em Portugalfilhos menores; e os menores de catorze anos desacompanhados dos pais, tuto-res ou outras pessoas por eles responsáveis.

3. A EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL A PARTIR DO GOVERNOCIVIL DO PORTO (1913 E 1919)

Nesta investigação sobre a emigração para o Brasil a partir dos passaportessolicitados no Governo Civil do Porto em 1913 e 1919, privilegiámos a emis-são do passaporte, fonte primária, avaliando os fluxos migratórios durante osanos em análise, procurando, ao mesmo tempo, caracterizar o perfil sociopro-fissional do emigrante.

Os registos de passaportes e os processos de passaportes, enquanto ele-mentos do processo legal de aquisição do passaporte, revelam-se como peçasdocumentais fulcrais para se estudar o fenómeno migratório, não obstante taisfontes, como é óbvio, não contabilizarem a emigração clandestina.

As percentagens que apresentamos nos quadros seguintes reportam-se avalores relativos e não absolutos. Ou seja, quando afirmamos que existe umavariação negativa de 12,8% nos emigrantes do sexo masculino em 1919, talnão significa que tenham viajado mais ou menos indivíduos daquele géneroface a 1913, mas apenas que houve uma diminuição relativa de homens nototal daquele ano, comparativamente ao total observado no primeiro ano emanálise.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919)

431

13 PEREIRA, 1981: 57. Ver também Diário do Governo, n.os 98 e 117.

Page 433: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

3.1. Número total de emigrantes

A proclamação da República esteve longe de estancar os fluxos emigrató-rios. Muito pelo contrário, entre 1911-1913 assiste-se à maior vaga de emigra-ção para o Brasil que Portugal conheceu, dadas as razões já apontadas, e ape-nas comparável com o êxodo para França na década de 1960. Porém, assiste--se a um abrandamento desse fluxo no decorrer da Primeira Guerra Mundial,por força da mobilização de milhares de homens, devido ao esforço de guerra,da diminuição das carreiras de navegação transoceânicas, e também das epide-mias que então grassaram em Portugal.

Logo após o final do conflito mundial, os índices de emigração para o Bra-sil voltaram a atingir valores elevados, continuando a manter esse ritmo decrescimento durante a década de 1920, embora, como podemos observar noquadro n.º 1, o número de emigrantes saídos em 1919 seja nitidamente inferiorao verificado em 1913, por estarmos no período de rescaldo da Grande Guerra.

Ainda no que respeita a este quadro, é de referir que a legislação em vigorem 1913 diferia da de 1919 no que respeita ao tipo de passaporte solicitado nosGovernos Civis. Assim, a partir de Maio de 1919 os passaportes passam a serindividuais (artigo 3.º do decreto n.º 5624), sendo difícil avaliar, a partir destesregistos, se houve ou não emigração familiar, ao contrário do que sucedia em1913 com os passaportes colectivos. Face à nova legislação, não é de admirara significativa diminuição do número de acompanhantes.

DIOGO FERREIRA / RICARDO ROCHA

432

Quadro n.º 1 – Número total de emigrantes

Gráfico n.º 1 – Número total de emigrantes

Titulares de passaportes 5 856 3 962 -32,3%Acompanhantes 1 681 757 -55,0%

Total de emigrantes 7 537 4 719 -37,5%

1913 Variação1919

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

8000

Titulares de passaportes Acompanhantes Total de emigrantes

1913 1919

7537

1681

5856

4719

757

3962

0000

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

8000

Titulares de passaportes Acompanhantes Total de emigrantes

01913 019191913 1919

Page 434: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

3.2. Distribuição dos emigrantes por género

Relativamente à distribuição dos titulares de passaportes por género, pode-mos afirmar que os homens iam em maior número para o Brasil em busca detrabalho e de fortuna, enquanto as mulheres permaneciam em Portugal.

Uma conclusão que podemos retirar neste domínio tem a ver com a menorrepresentação de homens emigrantes em 1919, fruto dos muitos mortos e feri-dos resultantes da participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial. Poroutro lado, o consequente aumento relativo do número de mulheres emigrantesem 1919 está também relacionado com a progressiva adopção do passaporteindividual, em detrimento do colectivo, ao contrário do que acontecia em 1913.Uma outra explicação prende-se com a reunificação familiar, ou seja, face aosdados recolhidos, tudo parece indicar que em 1919 as mulheres partiam para oBrasil de forma a juntarem-se aos seus maridos, que haviam rumado para solobrasileiro nos anos precedentes.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919)

433

Quadro n.º 2 – Distribuição dos titulares de passaportes por género

Gráfico n.º 2 – Distribuição dos titulares de passaportes por género

Masculino 81,6% 68,8% -12,8%Feminino 18,4% 31,2% +12,8%

1913Género Variação1919

68,8%

81,6%

18,4%

31,2%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

1913 1919

Masculino Feminino

No que diz respeito ao número de acompanhantes, é possível verificar queas mulheres viajam mais nesta condição do que os homens. A variação regis-tada entre os dois períodos em análise, embora não muito significativa, justi-fica-se com o facto de em 1919 haver mais cônjuges do sexo feminino a viajarcom passaporte individual, como veremos mais adiante, o que, naturalmente,se traduz numa diminuição face aos valores registados em 1913.

Page 435: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

3.3. Distribuição dos emigrantes por grupos etários

No que respeita à distribuição dos emigrantes por faixas etárias, as razõesque justificam os números encontrados para os dois anos em estudo são ten-dencialmente as mesmas. Na verdade, a busca de um melhor nível de vida afas-tou da Pátria muitos jovens adultos em idade activa, entre os 20 e os 30 anos,levando muitos políticos e autores a protestar contra a diminuição da mão-de--obra disponível.

Da análise do quadro n.º 4, observamos ainda um assinalável decréscimonas faixas entre os 20 e os 29 anos, as mais representativas em 1913, mas queem 1919 dão o seu lugar à faixa entre os 30-35 anos. É relativamente seguroestabelecer uma relação directa entre esta variação e as baixas causadas pelaPrimeira Guerra Mundial, pois estas idades correspondem ao principal grupoetário que partia para o conflito. Daí também o ligeiro acréscimo nas faixas etá-rias subsequentes, representadas por aqueles que durante o período da GrandeGuerra se viram impossibilitados de sair do País.

DIOGO FERREIRA / RICARDO ROCHA

434

Quadro n.º 3 – Distribuição dos acompanhantes por género

Gráfico n.º 3 – Distribuição dos acompanhantes por género

Masculino 40,5% 42,7% +2,2%Feminino 59,5% 57,3% -2,2%

1913Sexo Variação1919

40,50%42,70%

59,50%57,30%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

1913 1919

Masculino Feminino

Page 436: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Quanto aos acompanhantes, verificamos que estes, na sua esmagadoramaioria, saem de Portugal em idade muito jovem, até aos 14 anos, para iremna/para a companhia dos seus pais, que perspectivavam um futuro melhor paraesses jovens em terras brasileiras. O aumento, em termos relativos, dos acom-panhantes menores de 10 anos prende-se, mais uma vez, com a progressivaadopção do passaporte individual, ou seja, à medida que a idade aumenta, há

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919)

435

Quadro n.º 4 – Distribuição dos titulares de passaportes, por grupos etários

Gráfico n.º 4 – Distribuição dos titulares de passaportes, por grupos etários

0 – 4 0,3% 0,1% -0,2%5 – 9 0,8% 0,9% +0,1%10 – 14 8,1% 9,8% +1,7%15 – 19 8,3% 8,9% +0,6%20 – 24 27,8% 14,3% -13,5%25 – 29 19,4% 14,7% -4,7%30 – 34 13,1% 15,3% +2,2%35 – 39 9,3% 11,3% +2,0%40 – 44 5,3% 8,4% +3,1%45 – 49 3,2% 6,8% +3,6%50 – 54 1,9% 4,1% +2,2%55 – 59 1,1% 2,9% +1,8%60 – 64 0,7% 1,1% +0,4%65 – 69 0,5% 0,9% +0,5%70 – 74 0,1% 0,4% +0,3%75 – 79 0,1% 0,1% =0,0%

1913Idade Variação1919

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%

0 – 4

5 – 9

10 – 14

15 – 19

20 – 24

25 – 29

30 – 34

35 – 39

40 – 44

45 – 49

50 – 54

55 – 59

60 – 64

65 – 69

70 – 74

75 – 79

01913 019191913 1919

Page 437: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

uma maior tendência para viajar na qualidade de titular de passaporte, e nãocomo acompanhante, categoria que, com a legislação de 1919, é cada vez maisreservada a indivíduos de tenra idade. Aliás, de acordo com a referida legisla-ção, “os menores desacompanhados dos pais ou tutores” estavam obrigados àapresentação de passaporte e, logicamente, quanto mais jovens fossem, menora probabilidade de viajarem sozinhos ou acompanhados de outros indivíduosque não os pais.

DIOGO FERREIRA / RICARDO ROCHA

436

Quadro n.º 5 – Distribuição dos acompanhantes por grupos etários

Gráfico n.º 5 – Distribuição dos acompanhantes por grupos etários

0 – 4 30,5% 29,5% -1,0%5 – 9 23,3% 39,8% +16,5%10 – 14 18,8% 13,3% -5,5%15 – 19 6,8% 4,4% -2,4%20 – 24 5,5% 2,1% -3,4%25 – 29 4,5% 2,6% -1,9%30 – 34 3,7% 2,0% -1,7%35 – 39 2,8% 2,1% -0,7%40 – 44 1,5% 1,8% +0,3%45 – 49 1,4% 1,1% -0,3%50 – 54 0,7% 0,4% -0,3%55 – 59 0,2% 0,3% +0,1%60 – 64 0,1% 0,4% +0,3%65 – 69 0,1% 0,1% =0%+70 0,1% 0,1% =0%

1913Idade Variação1919

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%

0 – 4

5 – 9

10 – 14

15 – 19

20 – 24

25 – 29

30 – 34

35 – 39

40 – 44

45 – 49

50 – 54

55 – 59

mais de 60

1913 1919

+

Page 438: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

3.4. Distribuição dos emigrantes por estado civil e grau de parentesco

No que concerne ao estado civil e grau de parentesco, verifica-se que, nocaso dos titulares de passaportes, os casados vão em maior número para o Bra-sil, seguidos de muito perto pelos solteiros, registando-se uma variação mínimadas percentagens relativas entre 1913 e 1919.

Mais assinalável é o aumento, em 1919, da percentagem relativa de viúvos,esmagadoramente do sexo feminino, variação que se fica, certamente, a deveràs mortes dos respectivos maridos no conflito mundial.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919)

437

Quadro n.º 6 – Distribuição dos titulares de passaportes por estado civil

Gráfico n.º 6 – Distribuição dos titulares de passaportes por estado civil

Casados 49,3% 47,7% -1,6%Solteiros 47,9% 46,8% -1,1%Viúvos 2,7% 5,1% +2,4%Divorciados 0,1% 0,4% +0,3%

1913Estado civil Variação1919

2,7%0,1% 0,4%

49,3% 47,9%47,7%46,8%

5,1%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

Casados Solteiros Viúvos Divorciados

1913 1919

Quanto ao estado civil dos acompanhantes, estes são maioritariamente sol-teiros, quer em 1913, quer em 1919, havendo um acréscimo neste último ano,justificado pelo facto de irem mais filhos na companhia de seus pais e, ao mesmotempo, menos cônjuges, que passam a viajar com passaporte individual. Estasconclusões são corroboradas pela análise da distribuição dos acompanhantespor grau de parentesco (Quadro n.º 8), que nos revela que os filhos, já esmaga-doramente maioritários em 1913, vêem a sua importância acrescida em 1919,muito por força da menor representatividade das mulheres casadas que, com anova legislação, eram obrigadas a viajar com passaporte individual sempre quenão fossem acompanhadas dos respectivos maridos.

Page 439: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

DIOGO FERREIRA / RICARDO ROCHA

438

Quadro n.º 7 – Distribuição dos acompanhantes por estado civil

Gráfico n.º 7 – Distribuição dos acompanhantes por estado civil

Casados 19,9% 12,8% -7,1%Solteiros 80,1% 87,2% +7,1%

1913Estado civil Variação1919

19,9%

80,1%87,2%

12,8%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

1913 1919

Casados Solteiros

Quadro n.º 8 – Grau de parentesco dos acompanhantes

Gráfico n.º 8 – Grau de parentesco dos acompanhantes

Filhos 78,1% 84,7% +6,6% Cônjuges 19,1% 12,8% -6,3% Irmãos 1,5% 1,5% =0,0% Enteados 0,8% 0,5% -0,3% Netos 0,2% 0,4% +0,2% Criados 0,2% 0,1% -0,1% Pais 0,1% 0,0% -0,1%

1913Estado civil Variação1919

78,1%

19,1%

1,5% 1,3%1,5% 1,0%

12,8%

84,7%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Filhos Cônjuges Irmãos Outros

1913 1919

Page 440: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

3.5. Distribuição dos titulares de passaportes por naturalidade

Analisemos agora a distribuição dos titulares de passaportes por naturali-dade. Se é certo que este trabalho analisa os registos de passaporte emitidospelo Governo Civil do Porto, o que por si só explica que os 13 concelhos maisrepresentativos, para ambos os períodos em análise, pertencem em exclusivo aodistrito do Porto, não é menos verdade que, mesmo considerando o total daemigração portuguesa nestes anos, o Norte do País continue a ser, nas palavrasde Paulo Guinote, a “área mais duramente afectada pelo aumento do custo devida (…) com uma pressão demográfica excessiva relativamente à estrutura dapropriedade”, despovoando-se gradualmente14. Aliás, mesmo o campo“Outros” que, pela natureza deste trabalho, achamos não ser pertinente especi-ficar, engloba na sua quase totalidade concelhos do Norte de Portugal.

De destacar que em 1919 há uma distribuição e dispersão geográfica maisacentuadas, com mais concelhos representados, facto explicável por uma maiormobilidade da população e por um acréscimo de indivíduos que, embora natu-rais de outros concelhos, passaram a residir no Porto e arredores, pelo que,compreensivelmente, apresentavam o seu pedido de emissão de passaporte aoGoverno Civil do Porto.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919)

439

14 GUINOTE, 1990: 182.

Quadro n.º 9 – Distribuição dos titulares de passaportes por naturalidade

Porto 10,7% 11,0% +0,3%Gaia 9,5% 7,9% -1,6%Póvoa de Varzim 7,1% 4,1% -3,0%Vila do Conde 6,3% 3,5% -2,8%Amarante 6,1% 2,7% -3,4%Baião 5,0% 3,7% -1,3%Gondomar 4,7% 3,6% -1,1%Penafiel 4,5% 3,6% -0,9%Santo Tirso 4,5% 4,4% -0,1%Marco de Canaveses 3,9% 2,4% -1,5%Maia 3,7% 3,7% =0,0%Matosinhos 3,6% 3,3% -0,3%Paredes 3,6% 3,4% -0,2%Outros 26,8% 43,0% +16,2%

1913Concelho Variação1919

Page 441: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

3.6. Distribuição dos titulares de passaportes por profissão

Passemos agora à análise da distribuição dos titulares de passaportes por pro-fissão. A partir dos dados apresentados, verifica-se, como seria de esperar, face àdiversidade de profissões e denominações profissionais existente, que a classe“Outros” tem a percentagem mais elevada em ambos os períodos analisados.

Independentemente disso, verificamos que as classes mais representativas,quer em 1913, quer em 1919, provêm do sector primário, nomeadamente a dos“Trabalhadores”, referência genérica composta essencialmente por indiferen-ciados e trabalhadores rurais, facto que traduz a realidade socioeconómica doPortugal de então e que se explica pelas más condições de vida no campo, quemotivavam aquelas populações a procurar outros destinos.

Os nossos números vão de encontro às palavras de Oliveira Marques,quando este afirma que “de Portugal, como dos outros países, saíam massashumanas subalternas, de condição agrícola ou, às vezes, do pequeno comércioda província, de empregados na construção civil, de ocupados em profissõesdomésticas. Era gente desprovida de capacidade técnica para a direcção eorientação das grandes tarefas do comércio e da indústria. Saíam desesperadaspelo fraco rendimento das suas propriedades miniparceladas, pelo escasso graude desenvolvimento comercial e industrial do país que lhes tolhia o acesso aoutras profissões dentro dele, pelo aumento sem parar do saldo fisiológico, pelaindiferença do Estado e das classes possidentes em as ajudar”15.

É curioso, no entanto, verificar que em 1919 há um aumento das profissõesligadas ao sector terciário, especialmente ao comércio e aos negócios, sendo

DIOGO FERREIRA / RICARDO ROCHA

440

15 MARQUES, 1979: 34-35.

Gráfico n.º 9 – Distribuição dos titulares de passaportes por naturalidade

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

1913 1919

Page 442: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

este, muitas vezes, um factor de medição do sucesso do imigrante, uma vezque, como refere Boris Fausto, a ascensão social media-se então pelo “aban-dono da vida agrária, para se estabelecerem em cidades participando das acti-vidades comerciais ou industriais”16, como donos dos seus próprios negóciosou como operários. Todavia, importa referir, nas cidades “nem todos terãooportunidades para participar realmente num processo de ascensão social”17.

Esta evolução, embora seja ainda necessária mais alguma reflexão e estudopara a sua cabal explicação, parece ficar a dever-se ao facto de cada vez maisjovens se dirigirem para o Brasil em busca de um emprego nos estabelecimen-tos já abertos por familiares ou conterrâneos, e também pelo aumento donúmero de estabelecimentos comerciais ocorrido no Brasil durante e após a Pri-meira Guerra Mundial, que trouxe consigo um incremento nas oportunidadesde trabalho no sector terciário. Finalmente, não nos podemos esquecer damudança de paradigma no sector laboral em Portugal, pois, ainda que de formalenta, com a passagem dos anos, verifica-se uma tendência para um progressivoabandono do sector primário em favor do sector secundário, e deste em favordo terciário.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919)

441

16 FAUSTO, 2006: 145.17 FAUSTO, 2006: 145.

Quadro n.º 10 – Distribuição dos titulares de passaportes por profissão

Trabalhador 14,5% 15,4% +0,9% Pedreiro 6,5% 2,3% -4,2% Lavrador 6,4% 2,1% -4,3% Carpinteiro 5,4% 3,0% -2,4% Empregado comercial 4,9% 7,5% +2,6% Pescador 2,8% 0,8% -2,0% Jornaleiro 2,8% 0,4% -2,4% Agricultor 2,7% 0,3% -2,4% Trolha 2,3% 0,3% -2,0% Negociante 2,1% 8,0% +5,9% Proprietário 1,9% 8,1% +6,2% Alfaiate 1,4% 1,2% -0,2% Marítimo 0,6% 1,0% +0,4% Outros/Domésticas/Menores 45,7% 49,6% +3,9%

1913Profissão Variação1919

Page 443: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

3.7. Distribuição do total de emigrantes por destino no Brasil

Vamos agora analisar o último dos quadros apresentados, que se reporta àdistribuição do total de emigrantes por destino no Brasil. Da análise do quadro,verificamos que a menção genérica “Brasil” decresce em 1919, devido a ummaior rigor do amanuense, em conjunto com uma maior exigência legislativa.Desta situação decorre também o aumento, em 1919, da percentagem relativade emigrantes com destino ao Rio de Janeiro, cidade que acolheu o maior con-tingente de portugueses nos dois anos em análise, representando sempre maisde metade dos emigrantes lusos.

É certo que a maioria das cidades brasileiras estava a crescer, mas muitoespecialmente o Rio de Janeiro e São Paulo, que, pela sua dimensão, oportuni-dades de trabalho e salários mais altos, constituíam óbvios pólos de atracção.Estas cidades ofereciam um campo aberto ao artesanato, ao comércio de rua, àspequenas fábricas familiares, aos profissionais liberais e ao serviço doméstico.

Todavia, no que se refere a São Paulo, este destino verifica, de 1913 para1919, uma diminuição significativa nos fluxos migratórios, quer em termosrelativos, quer em termos absolutos. Embora este dado exija ainda mais algumtrabalho de investigação da nossa parte para ser compreendido na sua totali-dade, tudo parece apontar para a adopção, pelas autoridades do Estado de SãoPaulo, de uma legislação mais restritiva face à imigração.

De ressalvar ainda a importância de Santos, por se tratar de uma cidade por-tuária, acolhendo assim, pelo menos numa fase inicial, um volume significativode emigrantes portugueses.

DIOGO FERREIRA / RICARDO ROCHA

442

Gráfico n.º 10 – Distribuição dos titulares de passaportes por profissão

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

1913 1919

Page 444: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

CONCLUSÃO

Podemos afirmar que 1913, como 1919, são anos em que se encontram osdois elementos fundamentais e sempre presentes nos casos de emigraçãomaciça: fenómenos de repulsão no país de origem (Portugal) e fenómenos deatracção no país de acolhimento (Brasil), que se explicam nas posições oficiaisou oficiosas em ambos os Estados.

Se em Portugal, a emigração era importante para possibilitar um equilíbrioda balança de pagamentos, funcionando como “uma válvula de escape que ate-nuou as tensões sociais”18, e evitando situações de descontentamento explosi-vas, no Brasil, o recurso à mão-de-obra portuguesa era tido como crucial parao país, tanto nas zonas rurais (substituição da mão-de-obra escrava nas grandesplantações agrícolas, povoação dessas mesmas zonas e construção da rede viá-ria que ligasse os núcleos agrícolas) como nas zonas urbanas (mão-de-obra

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919)

443

18 PEREIRA, 1981: 52.

Gráfico n.º 11 – Distribuição do total de emigrantes por destino no Brasil

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Rio deJaneiro

S. Paulo Santos Brasil Pará Manaus Baía Pernambuco Rio Grandedo Sul

Outras

1913 1919

Quadro n.º 11 – Distribuição dos titulares de passaportes por profissão

Rio de Janeiro 59,0% 68,2% +9,2% S. Paulo 15,0% 7,8% -7,2% Santos 7,4% 7,6% +0,2% Brasil 5,8% 1,4% -4,4% Pará 3,6% 6,6% +3,0%Manaus 2,8% 3,4% +0,6% Baía 2,0% 1,1% -0,9% Pernambuco 1,9% 2,7% +0,8% Rio Grande do Sul 1,2% 0,3% -0,9% Outras 1,3% 0,9% -0,4%

1913Profissão Variação1919

Page 445: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

para o comércio, indústria e grandes obras públicas), sendo apreciada “pela suaqualidade e pela sua capacidade de se tornar num elemento integrador e fomen-tador da coesão nacional (…), ao invés de se tornar num factor de fragmenta-ção social e económica, como acontecia face a comunidades imigrantes deoutras proveniências europeias”19.

Todavia, se os elementos de atracção e repulsa eram os mesmos em ambosos anos, a verdade é que, no que respeita à emigração de Portugal para o Bra-sil antes e após a Grande Guerra, nem tudo permaneceu igual. Tentaremos, emocasião futura, aprofundar as explicações dadas nesta ocasião, sustentando-ascom mais elementos e fontes adicionais, esperando, no entanto, ter de algumaforma prestado um contributo para a percepção e explicação da influência quea Primeira Guerra Mundial exerceu sobre o fluxo migratório de Portugal parao Brasil, nomeadamente, na alteração de algumas das suas características.

Mas podemos já adiantar que, como tivemos oportunidade de ver, muitoembora este conflito não tenha alterado radicalmente os paradigmas destefenómeno, que vinham já do século XIX, a verdade é que acabou por deixaralguns reflexos: menos gente a viajar, mas mais dispersa geograficamente; umadistribuição etária mais equitativa, traduzida no aumento sensível da idademédia do emigrante; um peso crescente do sector terciário; e um aumentomuito significativo da representatividade da mulher, entre outros. Ou seja, esta-mos diante de uma série de variações que, embora pequenas, são perfeitamenteobserváveis e todas elas, como tentámos explicar nas páginas anteriores, direc-tamente influenciadas pelo maior conflito bélico que o mundo havia até entãoregistado.

FONTES

Arquivo Distrital do Porto. 1913 e 1919. Livros de registo de passaportes do Governo Civil doPorto. Livros 3406-3411 e 3420-3423, 10 volumes.

Arquivo Distrital do Porto. 1913 e 1919. Maços com processos de passaportes. Maços 1772--1794 e 1855-1876, 45 maços.

DIÁRIO do Governo, n.º 98 de 10 de Maio de 1919; n.º 117 de 19 de Junho de 1919.A EMIGRAÇÃO para o Brazil. Jornal de Notícias, 4 de Setembro de 1919, 32.º ano, n.º 207.

BIBLIOGRAFIA

BARBOSA, Rosana, 1997 – “Um panorama histórico da imigração portuguesa para o Brasil”.Arquipélago, Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 2.ª série, vol. VII.

FAUSTO, Boris, 2004 – História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.FAUSTO, Boris, 2006 (dir.) – “O Brasil republicano: Sociedade e instituições (1889-1930)”, in His-

tória Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. vol. IX, tomo III.

DIOGO FERREIRA / RICARDO ROCHA

444

19 SANTOS, 2006: 241.

Page 446: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

GUINOTE, Paulo, 1990 – “A sociedade: da agitação ao desencanto”, in António Reis (dir.) –Portugal Contemporâneo. Lisboa: Publicações Alfa. vol. III.

LIMA, Adolfo, 1929 – Emigração. Seu regímen e passaportes. Famalicão: Tipografia Minerva.LOBO, Eulália Maria Lahmeyer, 2001 – Imigração Portuguesa no Brasil. S. Paulo: HUCITEC.MARQUES, A. H. de Oliveira, 2006 – Breve História de Portugal, 6.ª ed. Lisboa: Editorial Pre-

sença.MARQUES, A. H. de Oliveira, 1991 (coord.) – “Portugal – Da monarquia para a República”, in

SERRÃO, Joel; MARQUES, António H. de Oliveira (dir.) – Nova História de Portugal.Lisboa: Editorial Presença, vol. XI.

MARQUES, A. H. de Oliveira, 1979 (dir.) – História da 1.ª República Portuguesa. As estrutu-ras de base. Lisboa: Iniciativas Editoriais.

MATTOSO, José (org.), 1994 – História de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, vol. VI.MEDINA, João, 2000 – “A democracia frágil: a primeira República Portuguesa (1910-1926)”,

in TENGARRINHA, José (org.) – História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP:UNESP; Lisboa: Instituto Camões.

PEREIRA, Miriam Halpern, 1981 – A Política Portuguesa de Emigração: 1850-1930. Lisboa:A Regra do Jogo.

REIS, António, 1990 (dir.) – Portugal Contemporâneo. Lisboa: Publicações Alfa, vol. III.SAMARA, Alice, 1998 – “O impacte económico e social da Primeira Guerra em Portugal”, in

TEIXEIRA, Nuno Severiano (org.) – Portugal e a Guerra – História das intervenções mili-tares portuguesas nos grandes conflitos mundiais do século XX. Lisboa: Edições Colibri.

SANTOS, Paula, 2006 – “A emigração do distrito de Viseu para o Brasil. As principais fontesdocumentais”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Isménia Lima (orgs.) – Portugueses noBrasil: Migrantes em dois atos. Rio de Janeiro: Muiraquitã.

SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia Lima, 2006 (orgs.) – Portugueses no Brasil: Migran-tes em dois atos. Rio de Janeiro: Muiraquitã.

TELO, António José, 1990 – “A busca frustrada do desenvolvimento”, in REIS, António (dir.) –Portugal Contemporâneo. Lisboa: Publicações Alfa, vol. III.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRA MUNDIAL (1913 E 1919)

445

Page 447: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 448: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

447

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGALPARA O BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DEREGISTO DE PASSAPORTES DO GOVERNO

CIVIL DO PORTO (1935-1945)

Paulo AmorimSílvia Braga

INTRODUÇÃO

As migrações constituem um dos fenómenos mais importantes das RelaçõesInternacionais. Sendo uma constante multissecular da História de Portugal eincontornável no estudo das relações Portugal-Brasil pelo seu impacto aos níveispolítico, económico e social, escolhemos como objecto de estudo deste trabalho,a análise e caracterização da emigração do Norte de Portugal para o Brasil desdemeados da década de trinta até ao fim da Segunda Guerra Mundial (1935-1945),através do levantamento, tratamento e análise dos dados recolhidos nos Livros deregisto de passaportes do Governo Civil do Porto que integram o acervo docu-mental do Arquivo Distrital do Porto. Recorrendo a métodos estatísticos de inter-pretação dos dados obtidos é esboçado um perfil do emigrante do Norte de Por-tugal para o Brasil, dando conta do volume dos efectivos migratórios e da suaimportância no movimento migratório português, da sua distribuição por género,por estado civil, por grupos etários, por naturalidade, pela sua classificação socio-profissional e por destino. A evolução dos fluxos migratórios, neste período,reflectem condicionalismos endógenos e exógenos resultantes da evolução polí-tica e económica internacional e nacional, que simultaneamente são factores derepulsa e atracção que potenciam e se reflectem na emigração portuguesa para oBrasil, num período particular da História – crise económica internacional, aGuerra Civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial – em que a emigração tran-satlântica é condicionada, assistindo-se a uma redução acentuada do volume deefectivos emigratórios portugueses para o Brasil.

1. VOLUME DOS EFECTIVOS MIGRATÓRIOS REGISTADOSPELO GOVERNO CIVIL DO PORTO PARA O BRASIL E A SUAIMPORTÂNCIA RELATIVA NO CONTEXTO NACIONAL.

O período compreendido entre 1935 e 1945, que constitui o objecto deestudo desta investigação, apresenta uma das maiores quebras do movimento

Page 449: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

migratório português para o Brasil da história contemporânea portuguesa comopodemos constatar no Quadro e Gráfico n.º 1, registando-se apenas 22 478 emi-grantes que solicitaram passaporte junto do Governo Civil do Porto, tendo oBrasil como destino. Não foram, assim, contabilizados os registos de passa-portes para outras partes do mundo.

PAULO AMORIM / SÍLVIA BRAGA

448

Quadro n.º 1 – Volume dos efectivos migratórios registados pelo Governo Civil do Portopara o Brasil (1935-1945)

1935 2 254 10%1936 2 456 11%1937 2 698 12%1938 2 226 10%1939 5 271 23%1940 4 029 18%1941 2 150 10%1942 530 2%1943 28 0%1944 245 1%1945 591 3%

Total 22 478 100%

Ano N.º de emigrantes %

Gráfico n.º 1 – Volume dos efectivos migratórios registados pelo Governo Civil do Portopara o Brasil (1935-1945)

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945

Page 450: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

De acordo com a estatística nacional da emigração portuguesa, apresentadapelo Instituto Nacional de Estatística1, no período de 1935-1945 registam-se 98 662 emigrantes, dos quais 76 762 (78%) têm por destino o Brasil.

O levantamento por nós efectuado neste estudo, que diz respeito a 22 478emigrantes abrange, assim 23% do total da emigração portuguesa deste período,e 29% do total dos efectivos migratórios nacionais para o Brasil. A redução donúmero de emigrantes registados no Governo Civil do Porto, acompanha, pois,a baixa da emigração legal nacional, que teve igualmente, nos anos de 1943--1944, quanto ao Brasil, os seus valores mais baixos.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DE REGISTO DE PASSAPORTES…

449

Quadro n.º 2 – Volume dos efectivos migratórios nacionais comparados ao volume dosefectivos migratórios registados no Governo Civil do Porto (1935-1945)

1935 9 140 6 917 76% 2 254 26% 33%1936 12 484 10 470 84% 2 456 21% 23%1937 14 667 11 613 79% 2 698 20% 23%1938 13 609 9 314 68% 2 226 18% 24%1939 17 807 16 322 92% 5 271 30% 32%1940 13 226 12 260 93% 4 029 30% 23%1941 6 260 5 891 94% 2 150 34% 36%1942 2 214 1 926 87% 530 24% 28%1943 893 502 56% 28 3% 6%1944 2 424 341 14% 245 10% 72%1945 5 938 1 206 20% 591 12% 60%

Total 98 662 76 762 78% 22 478 23% 29%

Ano

Emigração nacional

Total TotalCom destino

ao Brasil

% do TotalNacional com

destino ao Brasil

% do TotalNacional

% do TotalNacional com

destino ao Brasil

Emigração Registada no Governo Civil do Porto com destino ao Brasil

Gráfico n.º 2 – Volume dos efectivos migratórios nacionais comparados ao volume dosefectivos migratórios registados no Governo Civil do Porto (1935-1945)

1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 19450

5000

10000

15000

20000

Emigração G. C. Porto p/ o Brasil Emigração nac. p/ o Brasil Emigração nacional

1 PORTUGAL – Anuário Demográfico: 1946. Lisboa: Tipografia Portuguesa, 1947.

Page 451: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

2. DISTRIBUIÇÃO DOS EMIGRANTES COM DESTINO AO BRASILPOR GÉNERO

A análise dos registos de passaportes do Governo Civil do Porto permite--nos efectuar a distribuição dos emigrantes por sexo ou género, constatando-seque 15 359 (68,33% dos titulares) são do sexo masculino, e apenas 7119(31,67% dos titulares) são do sexo feminino. O número de titulares do sexomasculino corresponde a mais do dobro dos titulares do sexo feminino. Estaredução no número de mulheres, para além das restrições jurídicas já previstasna lei portuguesa, pode ter ficado a dever-se à insegurança internacional que édespoletada com o início da Segunda Guerra Mundial. Por um lado, não podiaser acautelada a navegação segura, por outro, as dificuldades económicasacrescidas com uma guerra na Europa que tomaria proporções mundiais e asconsequentes carências no que respeita ao abastecimento, que mais tarde oumais cedo se iriam agravar, levaram os homens a arriscar tentar a sua sorte nooutro lado do Atlântico.

PAULO AMORIM / SÍLVIA BRAGA

450

Quadro n.º 3 – Distribuição dos efectivos migratórios por género (1935-1945)

Feminino 7 119 31%Masculino 15 359 68%

Total 22 478 100%

Género N.º de emigrantes %

Gráfico n.º 3 – Distribuição dos efectivos migratórios por género (1935-1945)

Feminino7 119 (32%)

Masculino15 359 (68%)

Do total de efectivos migratórios femininos podemos depreender que se tra-tará, tanto de mulheres com intenção de se reunirem com os maridos já estabe-lecidos no Brasil, como daqueles que emigram juntamente com eles. O modelode passaporte individual dificulta a percepção dos agrupamentos familiares, jáque não são feitas referências ao agregado familiar, nem existem, muitas vezes,nos registos um apelido comum. Quanto às mulheres solteiras, deduzimos queseguem juntamente com os seus familiares, ou que se vão juntar às respectivasfamílias no destino, estando também incluídas as crianças e as menores de 16anos, cujo estado civil não foi indicado nos registos de passaportes.

Page 452: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

3. DISTRIBUIÇÃO DOS EMIGRANTES COM DESTINO AO BRASILPOR ESTADO CIVIL

Com base na análise dos registos de passaportes do Governo Civil do Porto(1935-1945) pudemos realizar a sua distribuição por estado civil, o que nos per-mite conhecer, em termos percentuais, o peso relativo dos casados, solteiros,viúvos e divorciados.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DE REGISTO DE PASSAPORTES…

451

Quadro n.º 4 – Distribuição dos efectivos migratórios por estado civil (1935-1945)

Casado 10 986 49%Solteiro 10 597 47%Viúvo 776 3%Divorciado 119 1%

Total 22 478 100%

Estado civil N.º de emigrantes %

Gráfico n.º 4 – Distribuição dos efectivos migratórios por estado civil (1935-1945)

Solteiro10 597 (47%)

Divorciado119 (1%)Viúvo

776 (3%)Casado

10 986 (49%)

No que diz respeito ao estado civil dos 22 478 titulares de passaportes regis-tados com destino ao Brasil, 10 986 são casados, o que representa 49% do totalde emigrantes; 10 597 são solteiros, representando 47% do total, incluindo-seneste grupo as crianças e os menores de 16 anos cuja identificação do estado civilnão vem discriminada no respectivo registo. Observam-se 776 titulares viúvos, oque equivale a cerca de 3% dos emigrantes, e contabilizam-se ainda 119 titularesde passaportes divorciados, correspondendo a aproximadamente 0,5% do total,assistindo-se, neste período, a uma tendência para a mudança de mentalidade euma gradual diminuição do preconceito em relação ao divórcio.

4. DISTRIBUIÇÃO DOS EMIGRANTES COM DESTINO AO BRASILPOR GRUPOS ETÁRIOS

As fontes consultadas permitem-nos, também, efectuar a distribuição dos22 478 titulares de passaportes por grupos etários.

Page 453: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

No Quadro n.º 5 apresentamos as idades dos emigrantes agrupadas emintervalos de 5 anos, tanto dos homens como das mulheres. Destacamos que atendência das idades, nas mulheres, acompanha a dos homens. Pela análise doquadro constituído verificamos que a mediana encontra-se entre os indivíduoscom idades compreendidas entre os 20-24 anos, logo seguido pelo grupo etáriocompreendido entre os 25-29 anos, abrangendo estes dois grupos 37% do totaldos titulares de passaportes. Destes dados pode-se inferir que a emigraçãoexige gente jovem, mas que também partem crianças, adolescentes e idosos queviajam geralmente na companhia de familiares, ou que se pretendem reunircom a família já instalada no Brasil. A percentagem de população jovem até aos19 anos corresponde a 20% do total de emigrantes. Incluídos neste valor encon-tram-se os menores de 14 anos, normalmente familiares, viajando na compa-nhia da família ou pretendendo reunir com a mesma já instalada no Brasil, eque representam aproximadamente 9% do total de emigrantes. O grupo etário15-19 anos de idade representa quase 12%, sendo constituído, na sua maioria,por jovens já com alguma experiência profissional ou, pelo menos, aprendizesnalgum ofício, quando não estudantes. Os adultos com mais de 50 anos reve-lam estar abaixo dos 10% do total dos titulares de passaportes.

PAULO AMORIM / SÍLVIA BRAGA

452

Quadro n.º 5 – Distribuição dos efectivos migratórios por grupos etários (1935-1945)

0 – 4 6 5 11 0,05%5 – 9 41 46 87 0,39%10 – 14 1 054 767 1 821 8,10%15 – 19 1 811 785 2 596 11,55%20 – 24 3 260 961 4 221 18,78%25 – 29 2 976 1 038 4 014 17,86%30 – 34 1 850 916 2 766 12,31%35 – 39 1 355 734 2 089 9,29%40 – 44 974 531 1 505 6,70%45 – 49 820 448 1 268 5,64%50 – 54 535 335 870 3,87%55 – 59 362 224 586 2,61%60 – 64 162 136 298 1,33%65 – 69 99 100 199 0,89%70 – 74 36 52 88 0,39%75 – 79 15 34 49 0,22%80 – 84 2 5 7 0,03%85 – 89 0 2 2 0,01%90 – 94 1 0 1 0,01%

Total 15 359 7 119 22 478 100%

IdadeNúmero de Emigrantes

%TotalFemininoMasculino

Page 454: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Deste modo, de acordo com esta análise, podemos concluir que estamosperante uma população emigrante jovem, constituída maioritariamente poradultos, ou seja, por emigrantes em idade activa, pelo que admitimos ser umaemigração que procura, fundamentalmente, encontrar no Brasil trabalho e ren-dimentos para a subsistência e sustento da família.

5. DISTRIBUIÇÃO DOS EMIGRANTES COM DESTINO AO BRASILPOR NATURALIDADE

A análise dos registos de passaportes permitiu-nos apurar a naturalidade detodos os 22 478 titulares de passaportes que requereram o seu passaporte noGoverno Civil do Porto com destino ao Brasil, entre 1935 e 1945.

Privilegiámos a naturalidade dos titulares dos passaportes e não a sua resi-dência, uma vez que, na generalidade, os emigrantes declaram a sua residênciano distrito do Porto, de acordo com as directivas legais que estipulavam a obri-gatoriedade de solicitação do passaporte no Governo Civil da naturalidade ouresidência dos que pretendiam emigrar.

Do leque dos 342 concelhos de naturalidade declarados – no continente,ilhas e estrangeiro – como África (sobretudo as colónias portuguesas deAngola, Moçambique e Santo Tomé e Príncipe), Alemanha, América do Norte,Brasil, Espanha, França e Timor, entre outros, destacámos os 40 concelhosmais representativos da naturalidade dos emigrantes.

Optámos por indicar os 40 concelhos mais representativos, em primeirolugar por uma questão de critério, ou seja, estes são os 40 concelhos que regis-tam um número de emigrantes superior a três dígitos, e em segundo lugar, deforma a ser possível percepcionar mais facilmente a razão pela qual nos referi-mos neste trabalho ao Norte de Portugal e não apenas ao concelho do Porto.Efectivamente, agrupámos no indicador “outros concelhos” cerca de três cen-

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DE REGISTO DE PASSAPORTES…

453

Gráfico n.º 5 – Distribuição dos efectivos migratórios por grupos etários (1935-1945)

+ 8075-7970-7465-6960-6455-5950-5445-4940-4435-3930-3425-2920-2415-1910-145-090-4

20 15 10 5 0 5 10

MULHERESHOMENS

Page 455: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tenas de municípios tanto do Norte de Portugal como de outras regiões do país,mas que individualmente apresentam muito fraca representatividade (inferior a1% cada um), apesar de, no seu todo, assumirem 33% da totalidade de titularesde passaportes.

Verifica-se através do Quadro e Gráfico n.º 6 que a maioria dos emigrantessão, a um primeiro nível, naturais do distrito do Porto e, em seguida, do Nortede Portugal, uma vez que 7 423 (33%) dos mesmos lhe diz respeito, sendo 461(2%) de Amarante, 654 (3%) de Baião, 226 (1%) de Felgueiras, 534 (2%) deGondomar, 211 (1%) de Lousada, 360 (2%) da Maia, 327 (1%) do Marco deCanaveses, 317 (1%) de Matosinhos, 183 (1%) de Paços de Ferreira, 321 (1%)de Paredes, 380 (2%) de Penafiel, 998 (4%) do Porto, 799 (4%) da Póvoa deVarzim, 358 (2%) de Santo Tirso, 155 (1%) de Valongo, 600 (3%) de Vila doConde e 539 (2%) de Vila Nova de Gaia.

Dos 22 478 registos levantados verificámos que o concelho do Porto sedestaca como a maior fonte de mão-de-obra para o Brasil (4%), seguindo-se osconcelhos de Cinfães (4%), Póvoa de Varzim (4%), Resende (3%), Baião (3%)e Vila do Conde (3%). Estes seis concelhos representam 21% do total de efec-tivos migratórios para o Brasil registados pelo Governo Civil do Porto. Con-tudo, podemos dizer que todo o Norte de Portugal se encontra representado.

PAULO AMORIM / SÍLVIA BRAGA

454

Quadro n.º 6 – Distribuição dos efectivos migratórios por naturalidade (1935-1945)

Porto 998 4,44%Cinfães 871 3,87%Póvoa de Varzim 799 3,55%Resende 771 3,43%Baião 654 2,91%Vila do Conde 600 2,67%Santa Maria da Feira 547 2,43%Vila Nova de Gaia 539 2,40%Gondomar 534 2,38%Castro Daire 527 2,34%Barcelos 485 2,16%Amarante 461 2,05%Vila Real 397 1,77%Penafiel 380 1,69%Maia 360 1,60%Santo Tirso 358 1,59%Esposende 343 1,53%Marco de Canaveses 327 1,45%Paredes 321 1,43%Lamego 320 1,42%Matosinhos 317 1,41%Chaves 315 1,40%Valpaços 305 1,35%

Concelho N.º de emigrantes %

(continua na página seguinte)

Page 456: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

6. CLASSIFICAÇÃO SOCIOPROFISSIONAL DOS EMIGRANTESCOM DESTINO AO BRASIL

A partir dos registos de passaportes, foi-nos possível apurar a classificaçãosocioprofissional dos emigrantes que os solicitaram junto do Governo Civil doPorto para rumarem ao Brasil nos anos de 1935-1945.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DE REGISTO DE PASSAPORTES…

455

Quadro n.º 6 – Distribuição dos efectivos migratórios por naturalidade (1935-1945) (continuação)

Arouca 278 1,24%Ponte de Lima 269 1,20%Vila Nova de Famalicão 260 1,15%Armamar 234 1,04%Felgueiras 226 1,00%Mirandela 225 1,00%Arcos de Valdevez 221 0,98%Vila Verde 212 0,94%Lousada 211 0,94%Alijó 209 0,93%Fafe 209 0,93%Viana do Castelo 207 0,92%Monção 197 0,87%Castelo de Paiva 191 0,85%Paços de Ferreira 183 0,81%Valongo 155 0,69%Cantanhede 121 0,54%Outros Concelhos 7 341 32,70%

Total 22 478 100%

Concelho N.º de emigrantes %

1

10

100

1000

10000

Port

oC

infã

esP.

de

Var

zim

Res

ende

Bai

ãoV

. do

Con

deS.

M. d

a Fe

ira

V. N

. de

Gai

aG

ondo

mar

Cas

tro

Dai

reB

arce

los

Am

aran

teV

ila R

eal

Pena

fiel

Mai

aSa

nto

Tir

soE

spos

ende

M. d

e C

anav

eses

Pare

des

Lam

ego

Mat

osin

hos

Cha

ves

Val

paço

sA

rouc

aPo

nte

de L

ima

V. N

. de

Fam

alic

ãoA

rmam

arFe

lgue

iras

Mir

ande

laA

rcos

de

Val

deve

zV

ila V

erde

Lou

sada

Alij

óFa

feV

iana

do

Cas

telo

Mon

ção

Cas

telo

de

Paiv

aPa

ços

de F

erre

ira

Val

ongo

Can

tanh

ede

Out

ros

conc

elho

s

Gráfico n.º 6 – Distribuição dos efectivos migratórios por naturalidade (1935-1945)

Page 457: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Através destas fontes, podemos verificar que existe um elenco muito extensode denominações das actividades socioprofissionais dos emigrantes registados –excedendo as trezentas e oitenta designações – atendendo a que os funcionáriosque registavam os emigrantes usavam, por vezes, critérios distintos quanto à pro-fissão daqueles que pretendiam levantar os seus passaportes. Face a esta reali-dade, agrupámos diferentes designações de uma profissão numa só categoria,fazendo equivaler, por exemplo, os lavradores e os trabalhadores agrícolas a agri-cultores; os pescadores e os marinheiros a marítimos; os tamanqueiros a sapatei-ros; as modistas a costureiras; os manipuladores de pão e os confeiteiros a padei-ros; os caiadores, os estucadores, os pintores e os trolhas a trabalhadores da cons-trução civil; os joalheiros, os cravadores e os relojoeiros a ourives, entre outros.

Mantivémos autónomas as categorias dos comerciantes (que integram osnegociantes) e dos empregados comerciais, já que configuram dois grupossociais distintos, quer quanto à média das idades, quer quanto à situação eco-nómica e familiar, integrando geralmente a categoria dos empregados comer-ciais, os jovens solteiros.

Nesta análise das profissões, para que se consiga ter uma boa percepção dasdiversas categorias, optámos por levar em consideração as profissões que regis-tam mais de 10 emigrantes nelas inseridos, o que nos permite inclusive, fazermais facilmente uma avaliação comparativa das profissões mais ou menoscomuns ligadas à emigração do Norte de Portugal.

Para este estudo, foram apenas contabilizados os emigrantes que referemexercer uma actividade, sendo que não contabilizámos neste grupo os profis-sionalmente inactivos, os estudantes, os menores, e as domésticas que, emboranão sejam contemplados como uma categoria profissional, totalizam 3 214 titu-lares de passaportes.

PAULO AMORIM / SÍLVIA BRAGA

456

Quadro n.º 7 – Distribuição dos efectivos migratórios por classificação socioprofissional(1935-1945)

Agricultor(a) 6 713 34,85%Empregado(a) Comercial 2 195 11,39%Carpinteiro 1 431 7,43%Trabalhador da construção civil 1 053 5,47%Proprietário(a) 836 4,34%Comerciante 719 3,73%Costureira 629 3,27%Industrial 297 1,54%Serviçal 263 1,37%Cozinheiro(a) 238 1,24%Alfaiate 190 0,99%Serralheiro 170 0,88%Barbeiro 161 0,84%Sapateiro 125 0,65%

Profissão N.º de emigrantes %

(continua na página seguinte)

Page 458: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Se observarmos as diferentes profissões mencionadas nos pedidos de pas-saporte, apesar do sector terciário contar com 30% do volume global de titula-res de passaportes, verificamos que o sector que mais contribuiu com mão-de--obra activa para o Brasil foi o sector primário (43% do total) – composto por6 713 agricultores, 122 marítimos, 18 lenhadores e 13 mineiros.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DE REGISTO DE PASSAPORTES…

457

Quadro n.º 7 – Distribuição dos efectivos migratórios por classificação socioprofissional(1935-1945) (continuação)

Marítimo 122 0,63%Padeiro 112 0,58%Motorista 104 0,54%Ourives 89 0,46%Serrador 79 0,41%Empregado de Escritório 75 0,39%Ferreiro 74 0,38%Electricista 29 0,15%Estivador 28 0,15%Lavadeira 24 0,12%Moleiro 23 0,12%Carvoeiro 21 0,11%Lenhador 18 0,09%Carregador 16 0,08%Picheleiro 15 0,08%Oleiro 14 0,07%Mineiro 13 0,07%Corticeiro 11 0,06%Litógrafo 11 0,06%Cimenteiro 10 0,05%Outras profissões 3 356 17,42%

Total 22 478 100%

Profissão N.º de emigrantes %

1

10

100

1000

10000

Agr

icul

tor(

a)

Em

p. C

omer

cial

Car

pint

eiro

Tra

b. d

a co

nst.

civi

l

Prop

riet

ário

(a)

Com

erci

ante

Cos

ture

ira

Indu

stri

al

Serv

içal

Coz

inhe

iro(

a)

Alf

aiat

e

Serr

alhe

iro

Bar

beir

o

Sapa

teir

o

Mar

ítim

o

Pade

iro

Mot

oris

ta

Our

ives

Serr

ador

Em

p. d

e E

scri

tóri

o

Ferr

eiro

Ele

ctri

cist

a

Est

ivad

or

Lav

adei

ra

Mol

eiro

Car

voei

ro

Len

hado

r

Car

rega

dor

Pich

elei

ro

Ole

iro

Min

eiro

Cor

ticei

ro

Litó

graf

o

Cim

ente

iro

Out

ras

prof

issõ

es

Gráfico n.º 7 – Distribuição dos efectivos migratórios por naturalidade (1935-1945)

Page 459: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O sector secundário, que corresponde a 27% dos emigrantes profissional-mente activos, está representado por 4 164 emigrantes, destacando-se os car-pinteiros (1 431) e os trabalhadores da construção civil (1 053).

Observando o quadro construído e o respectivo gráfico, constatamos facil-mente que os agricultores são, de facto, os que mais peso têm na emigraçãoregistada pelo Governo Civil do Porto, entre 1935 e 1945, representando 35%da totalidade dos titulares que exercem actividade profissional.

Isto demonstra bem a estrutura económica em que assentava a economiaportuguesa neste período. A agricultura é o sector predominante, a revelar asdificuldades com que o país se defrontava, sobretudo, devido a uma industria-lização lenta e tardia comparativamente aos restantes países europeus.

É importante realçar também que a maior parte da emigração registada atra-vés dos livros de registo de passaportes é, como vimos, proveniente de regiõesdo Norte de Portugal e não apenas da cidade do Porto. Ou seja, esses emigran-tes eram originários de zonas rurais, ou pelo menos de regiões menos dinâmicaseconomicamente, onde a actividade predominante era a agricultura. Instalar-se--iam na zona urbanizada do Porto, procurando novas oportunidades de trabalho,ou simplesmente deslocar-se-iam a esta cidade para fazerem o pedido de passa-porte quando não o conseguissem fazer na sua área de residência.

Os empregados comerciais (2 195) são, de seguida, os mais representativos(11%) que, como referimos, correspondem a uma camada jovem, interessadaem procurar além-fronteiras maior sustento para ajudar as suas famílias. Ocomércio é a actividade predominante na cidade do Porto, verificando-se queos naturais desta cidade são a fatia mais representativa da totalidade de titula-res empregados na área comercial.

PAULO AMORIM / SÍLVIA BRAGA

458

Quadro n.º 8 – Distribuição dos efectivos migratórios por sector de actividade (1935-1945)

Sector Primário 6 866 43%Sector Secundário 4 254 27%Sector Terciário 4 788 30%

Total 22 478 100%

Sector N.º de emigrantes %

Gráfico n.º 8 – Distribuição dos efectivos migratórios por sector de actividade (1935-1945)

Sector Terciário4 788 (30%)

SectorSecundário

Sector Primário6 866 (43%)

Page 460: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

7. DISTRIBUIÇÃO DOS EMIGRANTES POR DESTINO NO BRASIL

Foi-nos possível apurar o destino, no Brasil, dos 22 478 emigrantes regis-tados no Governo Civil do Porto, neste período.

De acordo com a informação registada nos passaportes, o Rio de Janeiroconstitui o porto de chegada privilegiado pelos nossos emigrantes, com 15 909(70%) pedidos de passaporte para esse Estado. O Estado de São Paulo é o des-tino imediatamente preferido (21%), contando com 4 877 emigrantes.

Pará, Pernambuco, Amazonas, Rio Grande do Sul e Baía são destinos esco-lhidos por (6%) 1 290 dos emigrantes.

“Outros destinos no Brasil” (2%) engloba destinos de pouca expressãoquantitativa como Ceará e Paraná, entre outros.

No entanto, não podemos esquecer que os valores apresentados nem semprese assumem como os reais trilhos que, após a chegada, os emigrantes percor-riam. É manifestamente difícil conhecer os pormenores dos seus trajectos, apósa chegada ao destino, pelo que estes dados reflectem somente “a porta deentrada” dos emigrantes no Brasil. Isto é, os portugueses, chegados ao porto dedestino, tanto podiam acabar por se fixar nessas cidades portuárias, comopodiam decidir deslocar-se para outras regiões, à procura de uma oportunidadede trabalho. Também não será descabido imaginar que muitos teriam a inten-ção, não de se estabelecer nas cidades onde aportavam, mas procurar chegar, apartir dali, ao seu destino principal, com vista a reunir com a família ou ami-gos, ou seguir em direcção a localidades onde tivessem conseguido contrato detrabalho através das agências em Portugal.

Importa realçar que, apesar disto, Rio de Janeiro e São Paulo eram os Esta-dos, cujas principais cidades se encontravam em franca expansão industrial,onde a maioria dos emigrantes (92%) se instalava, ansiando ter a sorte de versurgir uma oportunidade de trabalho. E são efectivamente estes os Estados,onde ainda hoje as comunidades de origem portuguesa são mais numerosas.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DE REGISTO DE PASSAPORTES…

459

Quadro n.º 9 – Distribuição dos efectivos migratórios por destino no Brasil (1935-1945)

Rio de Janeiro 15 909 70%São Paulo 4 877 21%Pará 385 2%Pernambuco 344 2%Amazonas 254 1%Rio Grande do Sul 173 1%Baía 164 1%Outros destinos no Brasil 372 2%

Total 22 478 100%

N.º de emigrantesDestinos no Brasil %

Page 461: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

CONCLUSÃO

O contacto estabelecido entre os diferentes povos, as diversas culturas ecivilizações ao longo do tempo, permite-nos perceber o mundo como ele hojese nos apresenta, entender as relações entre os Estados, os laços que os unem,o intercâmbio e as trocas que realizam, compreender que, mesmo antes darevolução dos transportes ocorrida no século XIX e a sua sofisticação ao longodo século XX, a distância não constituiu, de modo algum, um obstáculo àcomunicação e à interligação sociocultural entre as Nações, cujas consequen-tes interdependências económicas e tecnológicas verificadas actualmente sãodelas resultado. É nesta perspectiva que as migrações representam um dosfenómenos mais significativos das relações internacionais.

Portugal é disso exemplo, uma vez que os portugueses foram dos povos quemais precocemente se lançaram em movimentos migratórios internacionais. Oimpério português mantido durante séculos nos quatro cantos do mundo com-prova-o. Muito embora os fluxos migratórios contemporâneos difiram inteira-mente nas motivações, comparativamente à época dos Descobrimentos, colo-nialismo e imperialismo, julgamos pertinente dar relevo à intensidade dasmigrações portuguesas em meados do século XX e a sua evolução, sobretudono período em que nos debruçámos (1935-1945), já que se trata de uma fasepouco estudada no que respeita a este tema.

Se a imigração em Portugal se reveste de especial importância nas últimasdécadas, a verdade é que a emigração portuguesa para o Brasil marcou pro-fundamente a sociedade da segunda metade do século XIX e da primeirametade do século XX. Ela inseriu-se, afinal, no fenómeno das grandes migra-ções europeias desta época, que se dirigiam fundamentalmente para o conti-nente americano.

O nosso trabalho procurou, neste sentido, dar um contributo rigoroso e ori-ginal para o conhecimento da emigração portuguesa no século XX com destinoao Brasil, ou seja, para um país que acolhia mais de 90% dos emigrantes doNorte de Portugal. Para o efeito, analisámos a emigração saída pelo distrito doPorto no período compreendido entre 1935 e 1945 e em que, por via da afluên-

PAULO AMORIM / SÍLVIA BRAGA

460

Gráfico n.º 9 – Distribuição dos efectivos migratórios por destino no Brasil (1935-1945)

Baía1%Pará

2%

Pernambuco2%

Amazonas1%

Rio Grande doSul1%

São Paulo21%

Outros destinosno Brasil

2%

Rio de Janeiro70%

Page 462: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cia e instalação nesta cidade de gentes das mais diversas regiões do Norte dePortugal, solicitando ao Governo Civil do Porto passaporte para o Brasil, esta-mos em condições de falar de uma emigração que, justamente, diz respeito atoda essa região.

O estudo realizado, baseado em fontes originais como são os Livros deregisto de passaportes do Governo Civil do Porto, permitiu-nos, então, perce-ber que a emigração do Norte de Portugal, entre 1935 e 1945, acompanhou astendências do fenómeno migratório nacional e europeu, que se pautou por umdecréscimo acentuado nos efectivos migratórios, fruto da grave recessão eco-nómica, provocada pela crise de 1929, e do agravamento do clima de tensãoentre as potências europeias, que desencadeou a Segunda Guerra mundial,numa época em que as disputas ideológicas tomavam proporções mais sérias,mas que manteve a histórica e tradicional referência do Brasil como destinoprivilegiado da emigração portuguesa.

Analisados os dados levantados relativos aos registos de passaportes noperíodo entre 1935 e 1945, estamos em condições de concluir mais concreta-mente que, de um universo de 22 478 passaportes com destino ao Brasil, regis-tados pelo Governo Civil do Porto, este representa 23% da emigração totalnacional verificada no mesmo período. Simultaneamente, da emigração nacio-nal registada para o Brasil entre 1935 e 1945, aquela que foi registada peloGoverno Civil do Porto também para o Brasil representou 29% desse total.

Quanto à sua caracterização, podemos dizer que a emigração do Norte dePortugal, entre 1935 e 1945, registada pelo Governo Civil do Porto, se tratoude uma emigração essencialmente masculina (68%), equilibrada entre os sol-teiros e os casados (47% de solteiros para 49% de casados do total de emi-grantes para o Brasil), com idades compreendidas entre os 20 e os 29 anos deidade (17% do total registado), oriunda predominantemente dos concelhos dePorto, Cinfães, Póvoa de Varzim e Resende (15% do total de emigrantes regis-tados) e maioritariamente ligada ao sector primário (43% da população activaconsiderada no nosso estudo), sendo a agricultura a actividade mais represen-tada (35%).

Verificámos que os destinos preferenciais e mais significativos foram, tam-bém de acordo com a orientação de décadas anteriores, os Estados do Rio deJaneiro e São Paulo, que acolheram mais de 92% da emigração registada peloGoverno Civil do Porto.

Em modo de conclusão, relevamos o facto de os Livros de registo de pas-saportes que serviram de suporte ao nosso estudo corresponderem, assim, afontes históricas incomparáveis. É uma documentação original, totalmenteexcepcional no contexto europeu, à qual tivemos o privilégio de aceder, e cujainformação recolhida torna este trabalho único quanto à temática da emigraçãoportuguesa contemporânea.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DE REGISTO DE PASSAPORTES…

461

Page 463: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

FONTES

Fontes manuscritas

Arquivo Distrital do Porto – Livros de registo de passaportes do Governo Civil do Porto, livros3492 a 3512. 1935-1939 (27 volumes).

Arquivo Distrital do Porto – Maços com Processos de Passaportes, maços 2207 a 2332 (67maços); Maços 2255 a 2332, 1935-1939 (146 maços).

Fontes impressas

PORTUGAL. Instituto Nacional de Estatística. 1940-1946 e 1951. Anuário Demográfico. Lisboa:Tipografia Portuguesa. 8 volumes.

BIBLIOGRAFIA

Monografias

ARROTEIA, Jorge Carvalho, 2006 – A emigração portuguesa: síntese histórica e geográfica.Aveiro: Universidade de Aveiro.

BAGANHA, Maria Ioannis; PEREIRA, Miriam Pereira; SILVA, Maria Beatriz Nizza da; MARA-NHÃO, M. José (orgs.), 1993 – Emigração e Imigração em Portugal. Algés: Fragmentos.

CASTLES, Stephen; MILLER, Mark, 2003 – The age of migration. New York: Palgrave Mac-millan.

FAUSTO, Boris, 2004 – História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.GONÇALVES, Williams da Silva, 2003 – O Realismo da Fraternidade Brasil-Portugal: Do Tra-

tado de Amizade ao caso Delgado. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade deLisboa.

LOBO, Eulália Maria Lahmeyer, 2001 – Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: EditoraHucitec.

OLIVEIRA, César, 1991 – Da ditadura militar à implantação do salazarismo, in REIS, António(dir.) – Portugal Contemporâneo. Lisboa: Publicações Alfa. vol. IV.

PEREIRA, Miriam Halpern, 1981 – A Política Portuguesa de Emigração: 1850-1930. Lisboa:A Regra do Jogo.

ROSAS, Fernando, 1992 – Portugal e o Estado Novo (1930-1960), in SERRÃO, Joel; MARQUES,A. H. de Oliveira (dir.) – Nova História de Portugal. Lisboa: Editorial Presença. vol. XII.

ROSAS, Fernando, 1994 – O Estado Novo (1929-1974), in MATTOSO, José (dir.) – História dePortugal. Lisboa: Círculo de Leitores. vol. VII.

SERRÃO, Joaquim Veríssimo, 2003 – História de Portugal (1941-1951). Lisboa: EditorialVerbo. vol. XV.

SERRÃO, Joel, 1974 – A Emigração Portuguesa. Sondagem histórica. 4.ª ed. Lisboa: LivrosHorizonte.

SERRÃO, Joel, 1976 – Testemunhos sobre a Emigração Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte.SOUSA, Fernando; MARTINS, Ismenia (org.), 2006 – Portugueses no Brasil: Migrantes em

dois atos. Rio de Janeiro: Muiraquitã.SOUSA, Fernando; MARTINS, Ismenia, PEREIRA, Conceição Meireles (orgs.), 2007 – A Emi-

gração Portuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento.SOUSA, Fernando; MATOS, Maria Izilda; HECKER, Alexandre (org.), 2008 – Deslocamentos

e histórias: os Portugueses. São Paulo: EDUSC.

PAULO AMORIM / SÍLVIA BRAGA

462

Page 464: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Artigos de atlas, dicionários e enciclopédias

BAGANHA, Maria Ioannis, 1996 – Emigração, in ROSAS, Fernando; BRITO, J. M. Brandão(dir.) – Dicionário de História do Estado Novo. Venda Nova: Bertrand Editora. vol. I.

BAGANHA, Maria Ioannis, 1999 – Emigração, in BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filo-mena (coord.) – Dicionário de História de Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas. vol. VII.

EMIGRAÇÃO, in SERRÃO, Joel (dir.), 1971 – Dicionário de História de Portugal. Lisboa: Ini-ciativas Editoriais. vol. II.

EMIGRAÇÃO, 1978, in Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa; Rio de Janeiro:Editorial Enciclopédia. vol. IX.

MIGRAÇÕES, 2005, in SOUSA, Fernando (dir.) – Dicionário de Relações Internacionais.Porto: Edições Afrontamento, CEPESE.

Artigos de publicações em série

ALVES, Jorge Fernandes, 2000 – “Atalhos Batidos – A Emigração Nortenha para o Brasil”. Ata-laia – Revista do CICTSUL, Lisboa: Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Socie-dade da Universidade de Lisboa, n.º 6-7.

ARROTEIA, Jorge, 1981 – “Portugal e a Emigração”. Cadernos da Revista de História Econó-mica e Social, Lisboa, Sá da Costa Editora, 1-2, p. 7-30.

BAGANHA, Maria Ioannis, 1991 – “Uma imagem desfocada – a emigração portuguesa e as fon-tes sobre a emigração”. Análise Social, Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universi-dade de Lisboa, 112-113, p.723-739.

MARTINS, Ismênia de Lima, 2007 – “Relações e Registros sobre a Imigração Portuguesa no Riode Janeiro. Uma Análise Crítica das Fontes”. População e Sociedade, Porto: CEPESE/Edi-ções Afrontamento, n.º 14, Parte I, p.69-88.

MARTINS, Maria da Graça Lopes Fernandes, 2007 – “A Emigração do Nordeste Transmontanopara o Brasil no início do Século XX”. População e Sociedade, Porto: CEPESE/EdiçõesAfrontamento. n.º 14, Parte I, p. 257-281

PEREIRA, Miriam Halpern, 1990 – “Algumas observações complementares sobre a política deemigração portuguesa”. Análise Social, Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universi-dade de Lisboa, 108-109, p. 735-739.

PEREIRA, Miriam Halpern, 2007 – “A emigração portuguesa para o Brasil e a geo-estratégia dodesenvolvimento euro-americano”. População e Sociedade, Porto: CEPESE/Edições Afron-tamento, n.º 14, Parte I, p. 41-50.

RODRIGUES, Teresa; PINTO, Maria Luís Rocha, 2002 – “Migrações no Portugal do séculoXX”. Ler História, Lisboa: ISCTE. n.º 43, p. 179-202

SOUSA, Fernando, 2007 – “A União Europeia e as migrações”. Lusíada. Relações Internacio-nais, Lisboa: Universidade Lusíada Editora, n.º 6-8, p. 17-29.

SOUSA, Fernando; MATOS, Maria Izilda; HECKER, Alexandre (orgs.), 2008 – “A Emigraçãodo Norte de Portugal para o Brasil: uma primeira abordagem (1834-1950)”. Deslocamentose Histórias: os Portugueses, São Paulo: EDUSC/CEPESE, p. 27-34.

Artigos de publicações em série electrónicas

ARROTEIA, Jorge Carvalho, 2001a – “As comunidades portuguesas no mundo”. RevistaJANUS 2001 – Anuário de Relações Exteriores [em linha]. Lisboa: Observatório de Rela-ções Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa e jornal Público. [referência de 24 deMaio de 2008]. Disponível na Internet em http://www.janusonline.pt/portugal_mundo/port_2001_3_2_1_h.html.

ARROTEIA, Jorge Carvalho, 2001b – “Aspectos da emigração portuguesa”. Scripta Nova.Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales [em linha]. [referência de 18 de Marçode 2008]. Disponível na Internet em http://www.ub.es/geocrit/sn-94-30.htm.

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DE REGISTO DE PASSAPORTES…

463

Page 465: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

OLIC, Nelson Bacic, 2002 – “Fluxos migratórios contemporâneos”. Revista PANGEA, Quinze-nário de Política, Economia e Cultura [em linha]. [referência de 10 de Maio de 2008]. Dis-ponível na Internet em http://www.clubemundo.com.br/revistapangea/show_news.asp?n=132&ed=4.

PAULO AMORIM / SÍLVIA BRAGA

464

Page 466: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

465

A EMIGRAÇÃO LEGAL NO CONCELHO DE BOTICAS (1960/88) – CARACTERIZAÇÃO

PROFISSIONAL E MOBILIDADE

Maria Ortelinda Barros Gonçalves

INTRODUÇÃO

A emigração é um fenómeno social que sob diferentes formas aparece aolongo da história humana. Embora, os emigrantes tenham experiênciascomuns, a própria emigração é um fenómeno diverso e complexo. Os emi-grantes podem ser diferenciados pelo género, classe social, etnicidade, pelarazão da emigração, pela idade, pela forma de migração, pela natureza einfluência na economia global/local.

Com o incremento da mobilidade proporcionada pelo desenvolvimento dosmeios de transporte e das novas tecnologias de informação e comunicação, asmigrações internacionais são um dos principais factores de transformação e dedesenvolvimento dos países e/ou regiões.

No século XIX e na primeira metade do século XX, os portugueses emi-graram para o Brasil e, depois, para a Europa, com destaque para a França. Masfoi desde o fim da II Guerra Mundial, e sobretudo nos princípios dos anos ses-senta do século XX, que se processou o movimento emigratório, com ampli-tude mais notória. O pujante desenvolvimento económico verificado nasnações europeias industrializadas, no pós-guerra até aos anos setenta, gerou umalargamento do mercado de trabalho a que a população nacional era incapaz desatisfazer, obrigando à procura de mão-de-obra nas periferias europeias,nomeadamente mediterrânicas, da qual Portugal faz parte. Oportunidades deemprego e oferta de melhores salários na Europa desenvolvida, proximidadegeográfica dos locais de destino e ainda razões de ordem política (regime sala-zarista e guerra colonial em África) configuram-se como macro determinantesda emigração de todas as regiões do nosso país, principalmente das áreas ruraisou menos desenvolvidas.

A pouca riqueza económica, o duplo isolamento – altitude e interioridade–, a escassez e precariedade de alternativas locais, de ocupação/rendimentoassim como o aparecimento de outras questões concorrentes nomeadamente asredes migratórias condicionaram e condicionam também a população barrosã aencontrar na emigração resposta às suas necessidades, participando naqueleêxodo internacional.

Page 467: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

De onde, para onde, quem emigra no concelho de Boticas1, no período de1960/1988? Com o objectivo de procurarmos resposta a estas questões, con-sultámos os dados presentes nos passaportes dos emigrantes, atinentes aoespaço e tempo referidos e cuja análise apresentamos.

CARACTERIZAÇÃO PROFISSIONAL E MOBILIDADE GEO-GRÁFICA NO CONCELHO DE BOTICAS2

Na população em estudo não foi encontrada notória discrepância no pro-cesso emigratório por género. Assiste-se, somente, a uma ligeira predominân-cia masculina (52,8% de homens face a 47,2% de mulheres).

MARIA ORTELINDA BARROS GONÇALVES

466

1 Boticas integra-se no Alto Trás-os-Montes e com Montalegre constitui a região do Barroso.2 Os quadros deste capítulo foram elaborados, com base nos dados dos passaportes diferidos aos

emigrantes no período compreendido entre 1960 e 1988 e consultados no Arquivo Distrital deVila Real.

Quadro n.º 1 – Número de casos de emigração por género

Masculino 970 52,8 52,8Feminino 866 47,2 100

N.º de casosGénero Frequências Relativas (%) Total

Quadro n.º 2 – Estado civil/género do indivíduo

FemininoMasculinoEstado Civil Total

Género do indivíduo

No respeitante à correlação entre as variáveis “género” e “estado civil”encontramos uma ligeira predominância da emigração feminina, quando seobservam os emigrantes solteiros invertendo-se a tendência quando a análiserecai sobre os indivíduos casados.

Solteiro 437 437 87445,5% 50,8% 48,0%

Casado 503 376 87952,3% 47,3% 48,2%

Divorciado 5 2 70,5% 0,2% 0,4%

Viúvo 16 46 621,7% 5,3% 3,4%

Total 961 861 1822100,0% 100,0% 100,0%

Page 468: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

No que concerne à “idade de emigração” propriamente dita, constata-seque são sobretudo os jovens adultos que se lançam na aventura que constituipartir para um país estranho. De facto, apenas os adolescentes com menos de18 anos provam ser a excepção à regra, ao diferenciarem-se enquanto repre-sentantes do sangue novo – que, aparentemente, potencia a emigração. E são,efectivamente, a nota dissonante, ao reunirem uma ínfima percentagem de7,3% de indivíduos que decidem emigrar. De resto, porém, 38,6% dos indiví-duos que optaram pela emigração ostentam idades compreendidas entre os 18e os 31 anos, sendo que o intervalo etário entre os 18 e os 24 anos de idade, porsi só, representa 22,5% desse total. Aliás à medida que a idade vai avançando,a tendência é para que a apetência para emigrar vá evoluindo na direcção inver-samente proporcional. Nesse sentido, enquanto que a faixa etária compreendidaentre os 32 e os 45 anos concentra apenas 23% de indivíduos em fase migrató-ria, o próprio intervalo compreendido entre os 45 e os 59 anos não englobamais do que 17,4% da população. Finalmente, somente 13,7% de indivíduoscom idade superior a 59 anos continuam a encarar a emigração como uma deci-são passível de ser incluída nos seus planos de vida.

A EMIGRAÇÃO LEGAL NO CONCELHO DE BOTICAS (1960/88) – CARACTERIZAÇÃO PROFISSIONAL E MOBILIDADE

467

Quadro n.º 3 – Número de casos de emigração por idade

Menos de 18 anos 134 7,3 7,3Entre 18 e 24 anos 412 22,5 29,8Entre 25 e 31 anos 295 16,1 45,9Entre 32 e 38 anos 213 11,6 57,5Entre 39 e 45 anos 209 11,4 68,9Entre 46 e 52 anos 169 9,2 78,1Entre 53 e 59 anos 150 8,2 86,3Mais de 59 anos 251 13,7 100

N.º de casosIdade de Emigração Frequências Relativas (%) Total

Não encontrámos diferenças expressivas no respeitante à idade de emigra-ção por género dos indivíduos (Anexo I).

O processo de recolha de dados, com o intuito de procedermos a esteestudo, proporcionou-nos uma extensa lista de profissões referidas pelos pró-prios indivíduos, no momento em que solicitavam o passaporte. A dimensão ea dispersão da lista, levou-nos a ponderar um processo de agrupamento dosindivíduos em grandes categorias profissionais, eliminando assim, quer osdados residuais, quer a grande dimensão de valores assumidos para a variável,quer ainda, eventuais imprecisões no processo analítico. Para criar estas cate-gorias, foi utilizado o modelo desenvolvido por Augusto Santos Silva que,numa situação idêntica, optou igualmente pela criação de categorias profissio-nais, tendo estas sido adaptadas à realidade estudada no presente trabalho.

Assim, relativamente ao número de casos de emigração por “categoria pro-

Page 469: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

fissional”, destacamos a forte presença de uma categoria em particular – a dasdomésticas –, que concentra 44,6% da população em estudo. Por outro lado,são os camponeses e os operários agrícolas os mais próximos deste valor,representando 30% no conjunto das categorias profissionais consideradas. Osproprietários, por seu turno, já só constituem 6,7% do total analisado. E as res-tantes categorias profissionais apresentam valores bem mais modestos, porquedispersos por todas elas.

MARIA ORTELINDA BARROS GONÇALVES

468

Quadro n.º 4 – Número de casos de emigração por categoria profissional

Proprietários 122 6,7 6,7Empresários e Dirigentes 15 0,8 7,5Profissionais Intelectuais e Científicos 23 1,3 8,8Técnicos e Profissionais de Enquadramento Intermédio 17 0,9 9,7Empreg. do Comércio, Administrativos e dos Serviços 42 2,3 12Artesão e Comerciantes 97 5,3 17,4Camponeses e Operários Agrícolas 546 30 47,3Operários não Agrícolas 49 2,7 50Membros da Igreja 31 1,7 51,7Membros do Exército e das Forças Policiais 12 0,7 52,4Estudantes 54 3 55,4Domésticas 813 44,6 100

N.º de casosCategoria Profissional Frequências Relativas (%) Total

Considerando a freguesia de residência da população no momento da emi-gração, constatamos que os indivíduos em análise apresentam-se mais oumenos uniformemente distribuídos pelas diferentes freguesias que constituemo concelho em estudo. Observamos, porém, o predomínio da freguesia de Boti-cas (sede de concelho) como principal plataforma de partida para o estrangeiro.Tal facto confirma a teoria de Portes que refere que os mais pobres raramenteemigram; fazem-no aqueles de certos recursos mais afectados pela disparidadedentro do país de partida, entre expectativas de vida moderna e os meios eco-nómicos para as alcançar. A este respeito, Castles reforça que as classes maispobres tendem a emigrar menos porque não dispõe de capital económico e decapital cultural para conhecer as oportunidades existentes, nem de capitalsocial (ou redes) para, com sucesso, encontrar trabalho e lidar com um novoambiente.

Atentando, agora, ao “ano de emigração”, destacamos, dois momentos departicular relevo no que se refere ao movimento emigratório em análise. Den-tre esses momentos, o período que decorre entre 1980 e 1985 é especialmentepertinente, uma vez que concentra 42,2% dos actos de emigração legal. Algunsanos antes, entre 1968 e 1973, já se verificara um surto emigratório semelhante

Page 470: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

e que convirá igualmente destacar, muito embora se tivesse revestido de meno-res dimensões do que aquele a que se assistiu posteriormente, no início dosanos oitenta. Os dados apresentados são respeitantes apenas à emigração legal.De facto, a década de sessenta do século XX correspondeu ao período de maiorsurto emigratório mas com carácter clandestino por motivos de ordem política(regime salazarista e guerra colonial em África). No caso de Boticas a clan-destinidade do fenómeno emigratório foi favorecida pela proximidade geográ-fica fronteiriça.

Os anos mais fortes em termos de saída do país foram, também eles, inter-calados por uma fase de quebra do movimento, registando-se uma percentagemde emigração de apenas 5,4% entre 1974 e 1976 e outra de 6,1% entre 1977 e1979, reflexo do declínio económico dos países europeus de imigração provo-cado pela crise petrolífera de 73.

A EMIGRAÇÃO LEGAL NO CONCELHO DE BOTICAS (1960/88) – CARACTERIZAÇÃO PROFISSIONAL E MOBILIDADE

469

Quadro n.º 5 – Número de casos de emigração por freguesia

Alturas de Barroso 123 7,2 7,2Ardãos 69 4 11,2Beça 235 13,7 24,9Bobadela 92 5,4 30,3Boticas 277 16,2 46,4Cerdedo 51 3 49,4Codeçoso 41 2,4 51,8Covas do Barroso 125 7,3 59,1Curros 33 1,9 61Dornelas 120 7 68Fiães do Tâmega 52 3 71Granja 62 3,6 74,6Pinho 122 7,1 81,7São Salvador de Viveiro 51 3 84,7Sapiãos 148 8,6 93,4Vilar 92 5,4 98,7Fora de Boticas 22 1,3 100

N.º de casosFreguesia de emigração Frequências Relativas (%) Total

Gráfico n.º 1 – Número de casos por ano de emigração

112

420

164178

355

242266

99

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

Antes de1968

1968-70 1971-73 1974-76 1977-79 1980-82 1983-85 Após 1985

Page 471: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Relativamente ao ano de emigração por género, apesar de não se teremverificado diferenças muito expressivas, destacamos o predomínio masculinona emigração antes de 1968, atenuando-se as diferenças entre os emigrantes de1968 a 1970.

A partir de 1980, predominou a emigração feminina. Esta tendência de pro-gressiva feminização dos fluxos emigratórios, encontra justificação no reagrupa-mento familiar e na procura de mão-de-obra imigrada feminina nos países deacolhimento. Assim, entre 1980 e 1982, os emigrantes do concelho de Boticasrepresentavam 25,1% de mulheres emigrantes e apenas 20,9% de homens,enquanto que entre 1983 e 1985 estes valores foram de 21,1% e 17,7% respecti-vamente. Após 1985 volta a verificar-se um equilíbrio generalizado por género.

MARIA ORTELINDA BARROS GONÇALVES

470

Quadro n.º 6 – Ano de emigração/género do indivíduo

FemininoMasculinoAno de emigração Total

Género do indivíduo

Antes de 1968 127 51 17813,1% 5,9% 9,7%

Entre 1968 e 1970 162 104 26616,7% 12,0% 14,5%

Entre 1971 e 1973 117 125 24212,1% 14,4% 13,2%

Entre 1974 e 1976 47 52 994,8% 6,0% 5,4%

Entre 1977 e 1979 58 54 1126,0% 6,2% 6,1%

Entre 1980 e 1982 203 217 42020,9% 25,1% 22,9%

Entre 1983 e 1985 172 183 35517,7% 21,1% 19,3%

Após 1985 84 80 1648,7% 9,2% 8,9%

Total 970 866 1836100,0% 100,0% 100,0%

A análise do perfil dos emigrantes do concelho de Boticas a partir dadécada de 1960 incorreria no risco de tornar-se demasiado superficial se não seconsiderasse e avaliasse convenientemente os destinos norteadores dessemesmo movimento de emigração. Porque, no fundo, é precisamente esseúltimo objectivo – o de alcançar um dado país – que está na base dos esforçosempreendidos pela população em causa. E, logo numa primeira abordagem, oque se nos impõe é a fatia considerável de indivíduos (58,9%) que opta por nãodefinir a priori o país ou países onde pretenderão instalar-se, factor reveladorda grande incerteza do seu destino. Estes, ao invés de efectuarem uma selecçãomais ou menos criteriosa face a um tão vasto leque de possibilidades, deixam

Page 472: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tudo em aberto ao assinalar a opção “todos os países/diversos países”. Impor-tará ainda referir aqueles que, tal como os anteriores, não citam qualquer paísem particular, fazendo antes referência, num caso, aos “países com quem Por-tugal mantém relações diplomáticas” (15,8%) e, noutro, aos “países da Europa”(0,5%). De resto, a população em análise proporciona uma numerosa listagemconstituída por 37 países em que, se alguns se revelam destinos mais comuns,outros há que são apenas opções esporádicas e, portanto, com uma presençafortemente residual. Começando, naturalmente, pelos países mais referencia-dos, é possível encontrar, por ordem decrescente de importância: a França(15,8%), a Espanha (15,3%), a Alemanha (7%), a Itália (6,4%), a Suíça (6,4%),a Inglaterra (5,9%), a Bélgica (5,9%), a Holanda (5,4%), os E.U.A. (5,1%), oBrasil (4,1%), o Canadá (3,1%), a Dinamarca (2,7%), o Luxemburgo (2,1%) oua Noruega (1,6%). Por outro lado, com um valor relativo inferior a 1% face aototal de países considerados, é possível deparar com países tão diversificados edíspares como a Venezuela, a Argentina, Andorra, a África do Sul, a Áustria, aGrécia, a Turquia, Marrocos, a Finlândia, a Irlanda, a Austrália, o Mónaco, oIraque, a Islândia, Gibraltar, o Egipto, o Líbano, Israel, o México, o Japão ou aPalestina (Anexo II).

A preferência pela França como destino da emigração portuguesa, e de quea população em estudo não é excepção, tem sido uma constante desde a décadade 60 do século XX e deve-se a três principais factores: “a não exigência dequalquer tipo de qualificações ou experiência anterior por parte dos emprega-dores franceses; a aceitação pelas autoridades daquele país de entradas emsituação de total clandestinidade; a relativa facilidade de legalização de situa-ções de estadia e de trabalho por parte das autoridades francesas e subsequen-temente portuguesas”3.

Verifica-se um resultado curioso quando se analisa o país de destino dosemigrantes, à luz do género do indivíduo. Analisando somente os países quemais casos registaram (a análise recai só nestes, pois, dada a extensa lista depaíses indicados, só os mais mencionados apresentam resultados expressivos),constata-se que há uma tendência generalizada para que estes países sejammais referenciados por homens do que por mulheres. Assim, temos como casoscom diferenças mais notórias, a Alemanha (citada por 10,6% dos homens con-tra 3% das mulheres), a Espanha (20,3% contra 9,7%), a Itália (9,2% contra3,3%) e a Holanda (8,1% dos homens, em comparação com os 2,3% dasmulheres). Também nos destinos Bélgica, Brasil, E.U.A., França, Inglaterra,Suíça e na abrangente opção referente aos países com quem Portugal mantémrelações diplomáticas, a tendência patente é semelhante. Somente na opção“diversos/todos os países” se verifica um comportamento inverso. Aqui, con-tam-se 54,6% dos homens contra 63,6% das mulheres, o que pode ser expli-cado pelo facto de esta ser (como se verá mais à frente) uma opção utilizada

A EMIGRAÇÃO LEGAL NO CONCELHO DE BOTICAS (1960/88) – CARACTERIZAÇÃO PROFISSIONAL E MOBILIDADE

471

3 TRINDADE, 1982: 11.

Page 473: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

essencialmente a partir do pós-25 de Abril, período a partir do qual se verificauma superior taxa de emigração feminina, levando a que também mais mulhe-res tivessem em linha de conta esta opção.

A variação da opção assinalada pelos indivíduos estudados, no que ao paísde destino diz respeito, segundo o ano de emigração, merece também uma aná-lise atenta. Assim, antes de mais, deve-se estabelecer um ponto divisório paraa análise, com o 25 de Abril de 1974, como eixo de estudo. Isto porque, a par-tir de 1974 é insistentemente referida a opção de resposta, “diversos/todos ospaíses”, como o demonstram as respostas obtidas nos períodos compreendidosentre 1974 e 1976 e entre 1977 e 1979, em que esta opção foi escolhida, res-pectivamente, por 74,7% e 64,3% dos indivíduos. Ainda assim, a sua utilizaçãointensifica-se entre 1980 e 1982 (98,8%), para, a partir de 1983, ser mesmoestendida a todos os emigrantes.

Obviamente, a utilização desta opção vem enviesar a análise a partir de1974, até porque estes valores surgem aliados aos da opção “países com quemPortugal mantém relações diplomáticas”, que, nos intervalos de 1974 a 1976 ede 1977 a 1979, têm, respectivamente, 21,2% e 31,3%, reduzindo as referên-cias a outros países a valores meramente residuais.

No período que antecedeu a revolução de Abril, é possível verificar que,daqueles que emigraram antes de 1968, 94,4% citam Espanha como um país dedestino, 58,4% a França, 46,6% a Alemanha, 43,8% a Suíça e o mesmo valorpara a Itália, 43,3% a Inglaterra, 38,8% a Bélgica e 38,2% a Holanda, para alémde um extenso número de outros países com valores não tão expressivos.Torna-se, porém impossível uma análise evolutiva, pois, a partir de 1968, odestino mais referenciado (países com quem Portugal mantém relações diplo-máticas), é mais uma vez pouco concreto, quanto ao país ou países para ondeos indivíduos se deslocaram. Mais uma vez, há um envies amento na análise,uma vez que se torna impossível levar a cabo uma visão comparativa, daquelaque foi a evolução dos destinos dos emigrantes de Boticas ao longo dos anos.Nos intervalos de 1968 a 1970 e de 1971 a 1973, este destino foi citado, res-pectivamente por 45,1% e 45,5% dos indivíduos, reduzindo imediatamente aexpressividade de países como a Espanha e a França (os mais referenciados nointervalo temporal anterior), entre 1968 e 1970, para 41% e 31,6%, respectiva-mente. Entre 1971 e 1973, a única resposta com alguma representatividade émesmo a França (40,1%), sendo as demais, meramente residuais (Anexo III).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Boticas é um território muito envelhecido. Em 4 décadas especificamenteno período 1960-2001 o grupo de idade jovem (0-14 anos) perdeu praticamenteo mesmo que ganhou o grupo de idade idosa (>65 anos). Este duplo envelhe-cimento afirma-se como uma tendência dominante da realidade concelhia. Ovisível carácter cumulativo de recessão demográfica atribui ao concelho de

MARIA ORTELINDA BARROS GONÇALVES

472

Page 474: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Boticas a denominação de “espaço rural profundo”. O concelho tem vindo aperder população. Grande parte desta perda resultou da tendência de o índicede atractividade4 das freguesias que integram o espaço em estudo registar valo-res desde 1960 cada vez mais negativos. Tal facto confirma-nos que a emigra-ção tem-se constituído como o principal factor responsável pelas divergênciasdemográficas.

A análise dos resultados da aplicação recente de um inquérito por questio-nário5 por nós dirigido a 300 indivíduos em percurso emigratório no concelhode Boticas permitiu-nos reforçar a ideia de que as redes emigratórias locaistêm-se auto sustentado mantendo-se o fluxo essencialmente para França, Espa-nha, Alemanha, Brasil, E.U.A e Canadá. Factores estruturais continuam a esti-mular a emigração. A inexistência prática a nível local de políticas integradasde desenvolvimento rural, tem alimentado o contínuo surto emigratório conce-lhio dando corpus às teorias que consideram os fluxos de trabalho como resul-tado da pobreza e do atraso nas regiões de partida.

BIBLIOGRAFIA

ARROTEIA, J. Carvalho, 1993 – A emigração portuguesa – suas origens e distribuição. Lisboa:Livraria Bertrand.

BÖHNING, W. R., 1983 – “Elements of Theory of International Economic Migration to Indus-trial Nation States”, in M. Kritz e C. keely (eds.) – Global Trends in Migration: Theory andresearch on International Population Movements. New York: Center for Migration Syudies.

BORJAS, G., 2000 – Economics of Migration, International Encyclopedia of the Social andBehavioral Sciences. London.

CASTLES, S.; DAVIDSON, A., 2000 – Citizenship and Migration: Globalisation and the Poli-tics of Belonging. London: Macmillan.

GEDDES, A., 2003 – The Politics of Migration and Immigration in Europe. London: Sage Publi-cations.

GONÇALVES, M. Ortelinda B., 2003 – Emigração, Retorno e Desenvolvimento Sustentável noBarroso. Porto: Universidade Aberta (dissertação de Mestrado em Relações Interculturais).

GONÇALVES, M. Ortelinda B., 2007 – Desenvolvimento em Meio Rural – Contributos da Emi-gração e do Regresso. Aplicação ao Concelho de Boticas na Região Barrosã. Lisboa: Uni-versidade Aberta (dissertação de doutoramento em Geografia Humana)

GREFFE, Xavier, 2002 – Le Développement Local. Paris: Éditions de l’Aube/DATAR.LEE, E., 1996 – A Theory of Migration, in R. Cohen (ed.), Theories of Migration. Cheltenham:

Edward Edgar Publishing Limited.PORTES, Alejandro, 1999 – Migrações Internacionais – Origens, Tipos e Modos de Incorpora-

ção. Oeiras: Celta Editora.RAMOS, M. C. Pereira, 2003 – “Le Portugal, pays relais de la migration en Europe”. Revue

Migrations Études, Direction de la Population e des Migrations (DPM), Paris: ed. ADRl, n.º116, aoüt-sept, p. 1-16.

A EMIGRAÇÃO LEGAL NO CONCELHO DE BOTICAS (1960/88) – CARACTERIZAÇÃO PROFISSIONAL E MOBILIDADE

473

4 GONÇALVES, 2007.5 Tornou-se essencial delinear as características demográficas e sociais da população inquirida, ten-

tando conhecer o contínuo fluxo emigratório presente, principalmente a nível de destinos, moti-vações, expectativas, e atitudes comportamentais nas vertentes social, económica e financeira.

Page 475: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz, 1982 – Da Emigração às Comunidades Portuguesas. Lis-boa: Edições Conhecer.

SILVA, Augusto Santos, 2000 – Cultura e desenvolvimento: estudos sobre a relação entre o sere o agir. Lisboa: Edições Celta.

SIMMONS, A. B., 1987 – Explaining Migration: Theory at the crossroads. Louvain: UniversitéCatholic.

MARIA ORTELINDA BARROS GONÇALVES

474

Page 476: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A EMIGRAÇÃO LEGAL NO CONCELHO DE BOTICAS (1960/88) – CARACTERIZAÇÃO PROFISSIONAL E MOBILIDADE

475

Anexo I – Idade de emigração/género do indivíduo

ANEXOS

FemininoMasculinoIdade de emigração Total

Género do indivíduo

Menos de 18 anos 55 79 1345,7% 9,1% 7,3%

Entre 18 e 24 anos 180 232 41218,6% 26,8% 22,5

Entre 25 e 31 anos 174 121 29518,0% 14,0% 16,1%

Entre 32 e 38 anos 123 90 21312,7% 10,4% 11,6%

Entre 39 e 45 anos 127 82 20913,1% 9,5% 11,4%

Entre 46 e 52 anos 107 62 16911,1% 7,2 9,2%

Entre 53 e 59 anos 75 75 1507,7% 8,7% 8,2%

Mais de 59 anos 127 124 25113,1 14,3% 13,7%

Total 968 865 1833100,0% 100,0% 100,0%

Page 477: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA ORTELINDA BARROS GONÇALVES

476

Anexo II – Número de casos de emigração por categoria profissional

N.º de casosCategoria profissional Frequências Relativas (%)

Alemanha 129 7Bélgica 108 5,9Brasil 76 4,1Espanha 281 15,3E.U.A. 94 5,1França 290 15,8Inglaterra 109 5,9Luxemburgo 39 2,1Suíça 117 6,4Venezuela 5 0,3Argentina 4 0,2Canadá 56 3,1Diversos/Todos os Países 1081 58,9Andorra 10 0,5Itália 118 6,4África do Sul 5 0,3Áustria 16 0,9Dinamarca 50 2,7Grécia 13 0,7Holanda 99 5,4Noruega 30 1,6Suécia 55 3Turquia 8 0,4Marrocos 9 0,5Finlândia 6 0,3Irlanda 10 0,5Austrália 1 0,1Mónaco 8 0,4Iraque 1 0,1Islândia 1 0,1Santa Fé 1 0,1Gibraltar 1 0,1Egipto 3 0,2Líbano 1 0,1Israel 1 0,1México 2 0,1Japão 1 0,1Palestina 2 0,1Países da Europa 9 0,5Países com quem Portugal

mantém relações diplomáticas 290 15,8

Page 478: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A EMIGRAÇÃO LEGAL NO CONCELHO DE BOTICAS (1960/88) – CARACTERIZAÇÃO PROFISSIONAL E MOBILIDADE

477

Anexo III – Países de destino/género do indivíduo

FemininoMasculinoPaíses de destino

Género do indivíduo

Alemanha 103 10,6% 26 3,0%Bélgica 81 8,4% 27 3,1%Brasil 58 6,0% 18 2,1%Espanha 197 20,3% 84 9,7%E.U.A. 68 7,0% 26 3,0%França 171 17,6% 119 13,7%Inglaterra 85 8,8% 24 2,8%Luxemburgo 30 3,1% 9 1,0%Suíça 92 9,5% 25 2,9%Venezuela 4 0,4% 1 0,1%Argentina 3 0,3% 1 0,1%Canadá 40 4,1% 16 1,8%Diversos/Todos os Países 530 54,6% 551 63,6%Andorra 9 0,9% 1 0,1%Itália 89 9,2% 29 3,3%África do Sul 5 0,5%Áustria 14 1,4% 2 0,2%Dinamarca 41 4,2% 9 1,0%Grécia 10 1,0% 3 0,3%Holanda 79 8,1% 20 2,3%Noruega 23 2,4% 7 0,8%Suécia 43 4,4% 12 1,4%Turquia 7 0,7% 1 0,1%Marrocos 8 0,8% 1 0,1%Finlândia 4 0,4% 2 0,2%Irlanda 9 0,9% 1 0,1%Austrália 1 0,1%Mónaco 4 0,4% 4 0,5%Iraque 1 0,1%Islândia 1 0,1%Santa Fé 1 0,1%Gibraltar 1 0,1%Egipto 2 0,2% 1 0,1%Líbano 1 0,1%Israel 1 0,1%México 1 0,1% 1 0,1%Japão 1 0,1%Palestina 1 0,1% 1 0,1%Países da Europa 6 0,6% 3 0,3Países com quem Portugal mantém relações

diplomáticas 162 16,7% 128 14,8%

Page 479: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 480: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

479

O TESTAMENTO DE VICENTE JOSÉ DE ALMEIDA GUIMARÃES, NEGOCIANTE

VIMARANENSE NO BRASIL (1792)

António José de Oliveira

INTRODUÇÃO

Ao desenvolver a nossa pesquisa no fundo notarial do Arquivo MunicipalAlfredo Pimenta, com vista à realização da nossa dissertação de doutoramentoem História de Arte, compulsámos documentação que julgamos de interessepara a história da emigração entre Guimarães e o Brasil. Aproveita-se esta oca-sião para trazer à luz documentação, na qual encontramos como principalinterveniente Vicente José de Almeida Guimarães (1754-1792), negociantevimaranense no Brasil. Neste artigo pretendemos trazer alguns dados sobre avida de Vicente José de Almeida Guimarães, através do assento de baptismo,do seu testamento e do respectivo assento de óbito. Estas três fontes manuscri-tas inéditas, constituem uma importante fonte documental, não apenas para oaprofundamento do estudo deste negociante, tanto em termos pessoais, comoprofissionais, mas também para podermos retirar alguns elementos para oestudo da emigração vimaranense para o Brasil.

1. BREVE NOTA SOBRE VICENTE JOSÉ DE ALMEIDA GUIMA-RÃES (1754-1792)

Vicente Guimarães nasceu a 3 de Novembro de 1754, no lugar de Selho, dafreguesia de Santa Eulália de Fermentões, do termo de Guimarães1. Filho legí-timo de António Luís da Maia e de Josefa Lopes, foi baptizado a 6 de Novem-bro, pelo vigário Francisco Xavier. Foram seus padrinhos Vicente de Carvalho,seu tio, um conceituado mestre pedreiro galego radicado em Fermentões; emadrinha Domingas Francisca, mulher de Domingos do Vale, do lugar deSelho2.

1 Arquivo Municipal Alfredo Pimenta (Guimarães) (A.M.A.P.) – Registo Paroquial, P-289, fls.121-121v, Santa Eulália de Fermentões. Vide apêndice documental, doc. n.º 1.

2 Foram testemunhas: o padrinho e Jerónimo Lopes.

Page 481: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Com 10-11 anos, Vicente Guimarães é transportado para o Brasil, regres-sando mais tarde à sua terra Natal. No Brasil, mais concretamente na cidade deMariana deixa descendência, mantendo aí uma agência de negócios. Em 1792,Vicente Guimarães encontrava-se como assistente em casa do seu tio e padrinho,Vicente José de Carvalho, no lugar da Calçada, freguesia de Fermentões. A 13 deJulho de 1792, Vicente Guimarães achando-se na casa de Vicente José de Carva-lho, determina fazer o seu testamento. A 22 de Julho de 1792, com 37 anos,Vicente Guimarães falecia na casa do seu tio, com todos os Sacramentos3. Doisdias depois seria sepultado na Ordem Terceira de São Francisco, de Guimarães.

2. O TESTAMENTO DE VICENTE GUIMARÃES: ESTRUTURAINTERNA

Devido à destruição a que estão sujeitos os testamentos, por serem docu-mentos avulsos, e pela subtracção dos mesmos por parte dos herdeiros para nãoserem obrigados a cumprir as claúsulas, torna-se difícil, por vezes, encontrarum corpo homogéno de testamentos. No caso concreto de Vicente Guimarãespossuímos apenas uma cópia do seu testamento, datada de 23 de Julho de 1792,lançada por autoridade de justiça, pelo tabelião José Pedro de Barros Costa, apedido de Vicente José de Carvalho4. Através desta fonte documental existenteno fundo notarial do Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, temos conhecimentodo teor do testamento, bem como dos respectivos: auto de aprovação e termode abertura. Nesse manuscrito é também mencionada a petição de Vicente deCarvalho e correspondente despacho exarado.

Através desse traslado, temos conhecimento que o testamento de VicenteGuimarães foi redigido por Manuel António de Carvalho e Silva, mercador navila de Guimarães, a 13 de Julho de 1792, na casa de Vicente José de Carvalho.

Por seu turno, o auto de aprovação do testamento foi celebrado no mesmodia, pelo tabelião Luís António de Abreu, que se deslocou à casa de Vicente deCarvalho. O tabelião refere que na presença das testemunhas5 e do testador“natural desta freguezia nogociante que foi nas Americas e ao prezente asis-tente nesta caza de pé e com alguma molestia”, lhe fora entregue o seu testa-mento, que ele havia ditado a Manuel da Silva, por lhe ser penoso escrever.Após todas as disposições legais, o tabelião rubrica todo o testamento, bem

ANTÓNIO JOSÉ DE OLIVEIRA

480

3 A.M.A.P. – Registo paroquial, P-297, fls. 59-61, Santa Eulália de Fermentões. Vide apêndicedocumental, doc. n.º 3.

4 AMAP – Nota do tabelião José Pedro de Barros Costa, N-1311, fls. 48v-53v. Vide apêndicedocumental, doc. n.º 2. Foram testemunhas presentes: João Marinho de Queirós Viseu, escrivão“que foi neste juizo do geral” e Cristóvão José Batista, familiar do tabelião

5 São testemunhas presentes: João Rodrigues Paiva, da rua de São Dâmaso (Guimarães), AntónioPeixoto de Freitas, do sítio da Cruz de Pedra, arrabalde de Guimarães; António Manuel, oficialde Vicente José de Faria, cutileiro; Manuel da Costa e João do Vale, do lugar da Conceição (fre-guesia de Fermentões).

Page 482: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

como o auto de aprovação, que ocupam na totalidade seis folhas de papel. Otestador, o tabelião e as testemunhas assinam no final do auto de aprovação.Neste auto é especificado que este testamento revogava todos os documentos eúltimas disposições que antes deste tenha celebrado o testador.

Pela mesma cópia, sabemos que no dia do falecimento de Vicente Guima-rães, o tabelião José Pedro de Barros Costa, deslocou-se à casa de Vicente Car-valho “aonde se achava o falecido constante do dito testamento”com o intuitode abrir o testamento, segundo o despacho do Doutor João de Sousa da Sil-veira, vereador e juiz da ordenação da vila e termo de Guimarães. Perante astestemunhas6 e de Vicente Carvalho que apresentou o testamento, o tabeliãoconfirmava o seguinte: “abrindo o na prezença das testemunhas abaixo asigna-das o achei fichado e lavrado na forma do costume escrito por Manoel Antoniode Carvalho e Silva homem de negocio da dita villa o qual se achava escrito emseis meias folhas de papel com a da aprovação feita pelo taballiam Luis Anto-nio de Abreu sem vicio borrão nem entrelinha nem couza que duvida faça deque tudo dou fé”.

Na cópia do testamento, é também exarado a petição de Vicente Carvalhoque solicitava que mediante a apresentação do testamento do Vicente Guima-rães, qualquer tabelião ou escrivão o pudesse abrir e o copiasse para evitarqualquer “descaminho e evitar controvercias que possãoa acontecer e depois decopiado o entregue ao suplicente porque julga ser seu testamenteiro”7. No finaldesta petição é transcrito um despacho favorável ao requerente.

De seguida, analisaremos pormenorizadamente a estrutura interna do testa-mento de Vicente Guimarães, que subdividimos em: prólogo, preâmbulo reli-gioso, disposições espirituais ou legados pios, disposições materiais ou herançae escatocolo.

2.1. Prólogo

Após a feitura do sinal da cruz, o testador é identificado como: Vicente Joséde Almeida Guimarães, assistente em casa de seu tio Vicente José de Carvalho,morador no lugar da Calçada, da freguesia de Santa Eulália de Fermentões.

Declarava que era solteiro, sendo filho de António Luís de Almeida e deJosefa Maria Lopes moradores na freguesia de Fermentões.

O TESTAMENTO DE VICENTE JOSÉ DE ALMEIDA GUIMARÃES, NEGOCIANTE VIMARANENSE NO BRASIL (1792)

481

6 São elas: Manuel José Mendes Pereira, inquiridor no juízo geral de Guimarães; José AntónioMarques, caixeiro do capitão António José de Macedo; Manuel Soares, meirinho, da vila de Gui-marães; e Manuel Ribeiro, lavrador, do lugar do Assento, da freguesia de Fermentões.

7 AMAP – Nota do tabelião José Pedro de Barros Costa, N-1311, fls.48v-53v. Vide apêndice docu-mental, doc.n.º 2. Nesta petição é referido “que elle tinha em sua caza a seu sobrinho (…) o qualfaleceo agora da vida prezente com testamento (…)”.

Page 483: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

2.2. Preâmbulo religioso

Depois da abertura dos documentos oficiais do género, com a referência àSantíssima Trindade é feita a encomendação da alma. O testador recomenda-seao seu Anjo da Guarda e à Virgem Nossa Senhora do Rosário, que por ele inter-cedam, pois, é um verdadeiro Cristão e como tal, deseja salvar a sua alma.Acerca do seu estado de saúde, Vicente Guimarães declarava que se achavacom “molestia que Deos Nosso Senhor foi servido dar me mas com todo o meuperfeito juizo e entendimento”8.

Determinava fazer o seu testamento, porque temia a morte “que a todos hecomua”.

Relativamente a considerações sobre a sua vida, declarava que com a idadede 10/11 anos saíra da companhia dos pais e fora transportado para a América,“donde por minha agencia de negocio ganhei todo o meu cabedal e não porherança alguma que tivesse de parentes nem tam pouco couza alguma que rece-besse dos meus pais”.

2.3. Disposições espirituais ou legados pios

O testamento descreve minuciosamente o ritual fúnebre que desejava: pre-tendia ser amortalhado com o hábito de Nossa Senhora do Carmo e sepultadona Capela da Ordem Terceira de São Francisco, de Guimarães9. O seu corposeria acompanhado desde a casa de seu tio até à sepultura pela Ordem Terceirade São Francisco, e por todas as irmandades da vila de Guimarães que o qui-sessem com pelo menos mais de 12 irmãos10.

Solicitava ao seu testamenteiro que na cidade de Mariana (Brasil) “faraavizo a dita ordem (Carmo)11 para me fazerem meos sufrágios e se lhe pagar oque eu dever como tambem a todas as mais irmandades que tenho na mesmacidade que se fara publico pela noticia ou avizo”.

No dia do seu enterro, estipulava que se fizesse um ofício na capela daOrdem Terceira de São Francisco com as comunidades da vila de Guimarães“que costumão asistir e pela esmola do costume”12. As cerimónias religiosasconstariam ainda da celebração dos seguintes ofícios: 200 missas por sua alma($200 réis cada); 100 missas pelas almas das pessoas “com quem tenho tido

ANTÓNIO JOSÉ DE OLIVEIRA

482

8 No auto de aprovação, sabemos que lhe era penoso escrever e por isso a seu rogo redigira o tes-tamento Manuel António da Silva, mercador da rua dos Mercadores (Guimarães).

9 Aos administradores desta ordem legava de esmola 48$000 réis.10 Às irmandades que o acompanhassem deixava 4$800 réis.11 Nas disposições espirituais, o testador afirmava que era irmão professo de Nossa Senhora do

Carmo, na cidade de Mariana.12 No seu assento de óbito redigido por Manuel António Mendes, vigário de Fermentões, é anotado

à margem que foram celebrados três ofícios de 10 padres (AMAP, Registo paroquial, P-297, fls.59-61, Santa Eulália de Fermentões. Vide apêndice documental, doc. n.º 3).

Page 484: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

contas” ($150 réis cada); 100 missas pelas almas dos seus parentes falecido($150 réis cada). No dia do seu enterro, mandava que se desse esmola aospobres. Tudo o resto relativo ao seu funeral deixava à disposição do seu testa-menteiro.

Pedia ao testamenteiro que satisfizesse 12$800 réis ao Senhor de Matosi-nhos duma promessa que lhe devia. Rogava, ainda ao seu testamenteiro, queeste desse duas moedas de ouro aos dois padres, que o assistissem quando esti-vesse agoniando. Estipulava que se fizesse uma festa a Nossa Senhora do Rosá-rio, na freguesia de Fermentões, com missa cantada e Senhor Exposto. Para oefeito, doava à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário 6$400 réis, da qual erajuiz no presente ano.

2.4. Disposições materiais ou herança

No testamento, Vicente Guimarães iniciava as suas disposições materiaisinformando que “por fragilidade humana e mizeria minha” tinha de MariaFrancisca Vilaça da Encarnação, solteira, moradora na cidade de Mariana trêsfilhos, a saber: Sebastião, Ana e Inácio. Estes seus filhos foram expostos esegundo Vicente Guimarães sua mãe “sabe muito bem aonde elles existem seainda os não tiver em seu poder”. O testador indicava que tinha em seu poderas certidões de baptismo dos seus filhos. Vicente Guimarães instituía os seusfilhos como seus legítimos e universais herdeiros nas duas partes da suaherança.

A terça parte da sua herança, repartia em partes iguais, aos seguintes fami-liares: à sua irmã Maria, casada com António José; à sua irmã Ana, casada comPedro José; às suas primas Teresa Luísa, Maria Bernarda, Eugénia, Joana,Antónia e Maria Joana, filhas do seu tio e padrinho Vicente Carvalho; e à suaprima Mariana, filha de Francisco Portela13.

À sua tia Teodora que vivia solteira e pobre, vizinha do seu tio Vicente Car-valho, deixava a quantia de 50$000 réis. Ao seu tio e padrinho legava todos osseus bens móveis, roupas e trastes de seu uso “pelo bom amor e trato que metem feito e atualmente faz na minha molestia”.

No que concerne à cobrança de dívidas, declarava que na cidade deMariana lhe ficara devendo João Ribeiro Dias o resto de uma escritura, cujaquantia lhe haveria de cobrar Sebastião Rodrigues Sete14.

Declarava igualmente que tinha realizado uma sociedade com SebastiãoRodrigues Sete e o Doutor Inácio José de Sousa Rebelo, ambos moradores emMariana. No entanto, por cartas e avisos que dos dois teve, a sociedade ficarasem efeito. Deste modo, mandara liquidar a quantia de 37$500 cruzados emfazendas que foram entregues em Lisboa, a Manuel de Sousa Freire, que as

O TESTAMENTO DE VICENTE JOSÉ DE ALMEIDA GUIMARÃES, NEGOCIANTE VIMARANENSE NO BRASIL (1792)

483

13 Trata-se de um pedreiro natural da Galiza, cunhado de Vicente José de Carvalho.14 Na cobrança desta dívida seriam abonadas as despesas que Sebastião Sete tivesse.

Page 485: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

enviaria para o Rio de Janeiro, como pagamento antecipado que recebera deSebastião Sete e do Doutor Inácio Rebelo. Esclarecia que existiam outras con-tas particulares que o seu testamenteiro ajustaria com Sebastião Sete.

Por lhe ter sido “percizo abontar a esta freguezia (Fermentões)”, em Lis-boa, entregara a Manuel de Sousa Freire, negociante na corte, por “confiarmuito da sua amizade honra e inteireza”, todos os seus “particulares”. Estesbens pessoais seriam entregues “com tempo conveniente”. Para evitar quealguns dos seus parentes menos afeiçoados do seu tio maculassem a sua ver-dade e reputação, declarava que não trouxera de Lisboa dinheiro por não o tere estar empregue em negócios. No seu percurso diário até ao Porto utilizarauma carta de abono para as suas despesas.

Instituía o seu tio Vicente José de Carvalho como seu testamenteiro,pedindo-lhe que logo que falecesse, este remetesse por correio seguro efechado para o seu testamenteiro em Lisboa, todos os pápeis que lhe perten-ciam. Na cidade de Lisboa pedia em primeiro lugar, a Manuel de Sousa Freireque fosse o seu testamenteiro; em segundo lugar, a Luís António RodriguesSete; e por último, a Manuel de Miranda Correia. Como prémio do seu traba-lho deixava 400$000 réis ao que aceitasse ser seu testamenteiro. Imediata-mente, após o seu falecimento, mandava que o seu tio avisasse em Lisboa aostestamenteiros referidos, a sua morte remetendo-lhe uma cópia do seu testa-mento.

Mandava que os seus testamenteiros dessem cumprimento às disposiçõesdo seu testamento no termo de dois anos, após a sua morte. Sendo-lhes neces-sários mais tempo solicitava que recorressem à justiça. O testamenteironomeado em Lisboa, seria obrigado a pagar ao seu tio toda a despesa do seufuneral e missas e a enviar uma procuração a Guimarães.

De registrar é o sentimento familiar que o testador nutria em relação aosseus pais, como podemos observar, pelas suas próprias palavras: “Declaro queeste meu testamento o mandei escrever lembrando me sempre que a alma héhuma só esta ponho na maons de Deos para ma salvar e por isso desapaixonadoe por isso foi feito mais por satisfação de quem não sabe o como meos pais setem portado comigo nam estranhe o não lhe deixar nada faço esta declaraçãoalem de ter com elles gasto no discurço de vinte annos mil cruzados pois lhesmandava dar todo o percizo alem de huma moeda de ouro cada mes, e chigandoa esta terra os achei pobres e tam distituhidos de moveis que os pratos paracomer os comprei e por isso me derão bastante serteza de que mal aplicavão oque se lhe fazia”.

2.5. Escatocolo

Este testamento é redigido a 13 de Julho de 1792, na casa de Vicente Joséde Carvalho, sita no lugar da Calçada, freguesia de Santa Eulália de Fermen-tões, por Manuel António de Carvalho e Silva, mercador em Guimarães. No

ANTÓNIO JOSÉ DE OLIVEIRA

484

Page 486: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

final deste documento assinam o testador e o redactor. Através deste docu-mento, Vicente Guimarães revogava qualquer outro testamento anterior.

CONCLUSÃO

Neste trabalho, procurámos analisar um dos elementos fundamentais parao estudo da emigração vimaranense para o Brasil: os testamentos.

O estudo do testamento de Vicente Guimarães permitiu-nos ter uma pers-pectiva multifacetada deste emigrante vimaranense: da sua visão da morte e doAlém; das suas crenças e devoções; das suas mentalidades e comportamentos;dos seus sentimentos familiares; das suas expressões afectivas em relação aalguns familiares; da recordação de familiares falecidos; da reconstituição dasua descendência e do seu grupo doméstico; da sua mobilidade entre Portugale o Brasil; da avaliação da sua fortuna; da composição e valor dos seus lega-dos; e das suas relações vicinais.

APÊNDICE DOCUMENTAL15

Documento n.º 1

1754, Novembro, 3 – Santa Eulália de Fermentões.

AMAP, Registo paroquial, P-289, fls.121-121v, Santa Eulália de Fermentões

“16Aos tres dias do mes de Nobenbro de mil e setecentos e sincoenta, e quatroannos nasceo Vicente Joze filho legitimo de Antonio Luis da Maia e Jozefa Lopes dolugar de Selho. Em os seis dias do dito mes o baptizei, e pos lhe os Santos Oleos. Foipadrinho Vicente de Carvalho da Calssada e madrinha Domingas // (fl.121v) Franciscamolher de Domingos do Valle do lugar de Selho. Testemunhas o mesmo padrinho eJeronimo Lopes do Brinzel todos desta freguezia, e para constar fiz este assento, queasigno era ut supra.

(Assinado:) O Vigario FRANCISCO XAVIER(Assinado:) VICENTE DE CARVALHO(Assinado de cruz:) JERONIMO + LOPES”

O TESTAMENTO DE VICENTE JOSÉ DE ALMEIDA GUIMARÃES, NEGOCIANTE VIMARANENSE NO BRASIL (1792)

485

15 Os critérios usados na transcrição dos documentos em apêndice, foram os seguintes: desdobra-mento de abreviaturas sem assinalar as palavras reconstituídas; separação de palavras unidasindevidamente; actualização do uso das maiúsculas e minúsculas; colocação do sinal (...) no lugarde palavras com dificuldade de leitura; indicação do final de cada página do original, usando-seo sinal //.

16 Escrito na margem esquerda: “Vicente Joze”.

Page 487: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Documento n.º 2

1792, Julho, 23 – Guimarães.

AMAP – Nota do tabelião José Pedro de Barros Costa, N-1311, fls.48v-53v.

“Copia do testamento de Vicente Jozé de Almeida Guimarais asistente no lugar daCalçada da freguezia de Santa Eulalia de Fermentoens do termo desta villa lançado porauthoridade de justiça.

Em nome de Deos Amen. Saibam quantos este publico instromento de copia de tes-tamento lançado por authoridade de justiça ou como em direito milhor lugar haja emais firme valiozo seja virem que sendo no anno do nascimento de Nosso Senhor JezusChristo de mil e setecentos e noventa e dois annos aos vinte e tres dias do mes de Julhodo dito anno nesta villa de Guimarais em o meo escritorio ahi pello thio de digo (sic)em o meo escritorio da parte de Vicente Joze de Carvalho me foi requerido lançace otestamento nesta nota na forma que estava mandado pela petição e despacho ao diantecopiado, o qual lancei que he o seu theor o seguinte:

Jezus Maria Joze. Em nome da Santissima Trindade Padre filho e Espirito Santo emque creio, eu Vicente Joze de Almeida Guimarais asistente em caza de meu thio VicenteJozé de Carvalho deste lugar da Calçada freguezia de Santa Eulalia de Fermentoens dotermo desta villa de Guimarais por me achar com molestia que Deos Nosso Senhor foiservido dar me mas com todo o meu perfeito juizo e entendimento, e temendo a morteque a todos he comua detremino fazer meu testamento na forma e maneira seguinte. Pri-meiramente emcomendo a minha alma ao meu Anjo da Goarda e a Virgem NossaSenhora do Rozario para me ponhão na prezença do meu Criador para me salvar // (fl.49)salvar. Declaro que sou solteiro porque nunca fui cazado e sou filho de Antonio Luis deAlmeida e de Jozefa Maria Lopes moradores nesta mesma freguezia. Declaro que dehidade de des para honze annos sahi da companhia dos ditos meus pais e fui transportadopara America donde por minha agencia de negocio ganhei todo o meu cabedal e não porherança alguma que tivesse de parentes nem tam pouco couza alguma que recebesse dosditos meus pais. Declaro que sendo Deos servido levarme da vida prezente quero sersepultado na capela da Ordem Terceira do Patriarca Sam Francisco na villa de Guimaraise pesso e rego aos admenistradores da mesma ordem mandem na dita capela sepultura ea mesma ordem me acompanhará deste lugar athe a mesma capela para o que lhe deixode esmola quarenta e oito mil reis. Declaro que sou terceiro profeço de Nossa Senhora doCarmo na cidade de Marianna nos Brazil e no mesmo habito quero ser amortalhado eenterrado e meu testamenteiro fara avizo a dita ordem para me fazerem meos sufragios ese lhe pagar o que eu dever como tambem a todas as mais irmandades que tenho namesma cidade que se fara publico pela noticia ou avizo que for a dita ordem. Declaro quedeixo as irmandades da villa de Guimarais aquelas que quizerem vir a este lugar acom-pamhar meu corpo athe a sepultura sejão ellas quais forem que trarão de doze irmãos parasima lhes deixo quatro mil e oitocentos reis por huma so vez. Declaro que no dia do meuenterro se me fará hum oficio na capela da dita ordem terceira com as comonidades damesma villa que costumão asistir e pela esmola do costume, como tambem se me porãomissas gerais na mesma capela no dia do meu // (fl.49v) no dia do meu enterro de esmolade duzentos reis cada huma e tudo o mais respeito ao meu funeral deixo ma dispozição

ANTÓNIO JOSÉ DE OLIVEIRA

486

Page 488: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

do meu testamenteiro. Deixo se me digão duzentas missas pela minha alma de esmola deduzentos reis cada huma e assim mais cem missas pela alma daquelas peçoas com quemtenho tido contas comforme a minha tenção como tambem outras cem pela almas detodos os meos parentes falecidos e estas e estas e as das peçoas com quem tido contas deesmola de cento e sincoenta reis. Deixo que meu testamenteiro me satisfará a quantia dedoze mil e oitocentos reis ao Senhor de Matozinhos perto do Porto que he promessa queeu lhe pormeti. Deixo mais que se me fará huma festa a Nossa Senhora cantada e SenhorExposto e se lhe darão a mesma irmandade a quantia de seis mil e quatrocentos reisesmola de juiz que sou no prezente anno. Deixo que meu testamenteiro dará aos douspadres que me asistirem quando eu estiverem agonizando duas moedas de quatro mil eoitocentos reis de esmola. Deixo que no dia do meu enterro se dará esmola aos pobres dedes reis grandes e pequenos. Declaro que por fragilidade humana e mizeria minha tive deMaria Francisca Vilaça da Incarnação tambem solteira moradora na cidade de Miriannaem o Brazil tive tres filhos a saber, Sebastiam, Anna, e Ignacio, os quais foram expostose sua mai sabe muito bem adonde elles existem se ainda os não tiver em seu poder, e emmeu poder se achão as certidoins dos baptismos dos ditos meos filhos os quais institituopor meos legitimos e universais herdeiros nas duas partes do meu hirario. Declaro que namesma cidade de Marianna adonde existe com o meu negocio me ficou devendo JoaoRibeiro Dias o resto de huma escritura cuja quantia a avia de cobrar Sebastiam RodriguesSete de que dará conta com a verdade e enteireza que costuma abonadas as despezas quetiver // (fl.50) que tiver feito. Declaro que como o dito Sebastiam Rodrigues Sete e o Dou-tor Ignacio Joze de Souza Rebelo ambos moradores na dita cidade tratamos huma socie-dade que consta das nossas clarezas e por cartas e avizos que dos ditos tive ficou esta denenhum efeito e comforme a sua ordem entregues na cidade de Lisboa a Manoel deSouza Freire lhe carregesse em fazendas para o Rio de Janeiro a quantia de trinta e setemil e quinhentos cruzados emportancia que dos mesmos havia recebido. Declaro quecom o dito Sebastiam Rodrigues a mais algumas contas particulares que meu testamen-teiro ajustará estando pelo que der o dito Sebastiam. Declaro que na cidade de Lisboa fizhuma carregação de fazenda para o Rio de Janeiro e por me ser percizo abontar para estafreguezia entreguei todos os meos particulares ao senhor Manoel de Souza Freire nego-cinate na dita corte por comfiar muito da sua amizada honra e inteireza e com esta declaráe entregará com tempo comveniente o que me pertencer. Deixo a terça parte de meu hira-rio que bulgarmente se chama a minha herança depois de se saber quanto ella emporta àminhas irmaas Maria cazada com Antonio Jozé, Anna cazada com Pedro Jozé e a minhasprimas filhas de meu thio e padrinho Vicente Joze de Carvalho e de sua mulher que bema ser Thereza Luiza e Maria Bernarda e Eugenia e Joanna e a Antonia e Maria Joannacomo tambem a minha prima Marianna filha de Francisco Portella e de sua mulher quedepois de liquida a terça parte de minha herança se repartirá por todas igoais tanto minhasirmaas, como primas. Deixo todos os meus moveis roupas e trastes de meu uso a meupadrinho e thio Vicente Joze de Carvalho com quem asisto pelo bom amor zelo e tratoque // (fl.50v) que me tem feito e atualmente faz na minha molestia e por isso qualqueroutro parente herdeiros testamenteiro não hajão de empetrar esta minha ultima livre ederadeira vontade. Declaro que não trouxe de Lisboa para esta dinheiros pelo não ter eestar empregado em negocio como já disse sim trouxe carta de abono para se me asistircom o meu percizo diario da cidade do Porto cuja declaração faço para que alguns demeus parentes menos afeiçoados de meu thio Vicente não maculem a sua verdade e repu-tação. Deixo a minha thia Teadora que vive no estado de solteira pobre vezinha do dito

O TESTAMENTO DE VICENTE JOSÉ DE ALMEIDA GUIMARÃES, NEGOCIANTE VIMARANENSE NO BRASIL (1792)

487

Page 489: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

meu thio Vicente a quantia de sincoenta mil reis que se tirarão da minha terça e senãoesperará pelo liquido della para se lhe fazer a entrega e pagamento. Declaro que este meutestamento o mandei escrever lembrando me sempre que a alma hé huma só esta ponhona maons de Deos para ma salvar e por isso desapaixonado e por isso foi feito mais porsatisfação de quem não sabe o como meos pais se tem portado comigo nam estranhe onão lhe deixar nada faço esta declaração alem de ter com elles gasto no discurço de vinteannos mil cruzados pois lhes mandava dar todo o percizo alem de huma moeda de ourocada mes, e chigando a esta terra os achei pobres e tam distituhidos de moveis que os pra-tos para comer os comprei e por isso me derão bastante serteza de que mal aplicavão oque se lhe fazia. Declaro pesso e rogo em primeiro lugar ao senhor Manoel de SouzaFreira morador na cidade de Lisboa queira ser meu testamenteiro e em segundo lugar aosenhor Luis Antonio Rodrigues Sete, e em terceiro lugar ao senhor Manoel de MirandaCorrea ambos tambem moradores na cidade de Lisboa queirão // (fl.51) queirão por mefazer merce esmola aseitar esta minha testamentarea e em premio do seu trabalho lhedeixo quatrocentos mil reis e o que aseitar esta testamentarea mandará logo procuraçama esta villa de Guimarais para que dentro do tempo haja de fazer aseitação cujos testa-menteiros que no meio naquela cidade e em rezão dela ter o meu sobtalecimento do nego-cio e para de prezente me comcorrer com os meus funerais e mais algumas couzas quehajão de acontecer nesta terra peço e rogo a meu thio e padrinho Vicente Joze de Carva-lho queira ser meu testamenteiro, e logo que eu faleça fara avizo para Lisboa aos testa-menteiros asima declarados sem perda de tempo remetendo lhe huma só copia deste tes-tamento e logo o que qualquer dos ditos haja de aseitar lhe remeterá pelo correio seguroe fichada todos os meos papeis que forem achados e digão a meu respeito e no cazo deque os meus testamenteiros asima nomiados na cidade de Lisboa não queirão aseitar estetestamentaria o ficará sendo de toda ella o dito meu thio Vicente Joze de Carvalho aosquais que aseitarem eu os aprovo e dou todos os poderes com livre e geral admenistraçãoe nesta forma hei por findo este meu testamento que quero valha e se cumpra tudo o quenelle se contem inteira e inviolavelmente por ser minha ultima e deradeira vontade por-que só esta quero valha tenha força e vigor, e revogo outro qualquer testamento que antesdeste tenha feito e pesso e rogo a justisas de Sua Magestade a que o conhecimento destepertencer o cumprão e faça cumprir como nelle se conthem e pedi a Manoel Antonio deCarvalho e Silva mercador na villa de Guimarais que este me escrevesse e comigo asig-nou hoje neste lugar da Calçada // (fl.51v) da Calçada desta freguezia dita aos treze deJulho de mil e setecentos e noventa e dois annos. Declaro que os ditos meos testamen-teiros nomiados darão comprimento a este meu testamento no termo de dois annos con-tados des o dia do meu falecimento e sendo lhe percizo mais tempo recorrerrão as justi-ças para lho facultar. Declaro que aseitando esta testamentaria alguns dos testamenteirosnomiados da cidade de Lisboa pagará a meu thio Vicente Joze de Carvalho tambem meutestamenteiro nesta toda despeza que elle fizer com o meu funeral e missas que deixo enesta forma finda este testamento como já disse hoje hera ut supra. // Vicente Jose deAlmeida Guimarais // Manoel Antonio de Carvalho Silva //.

Auto de aprovação // Saibam quantos este publico instromento de auto de aprova-ção deste testamento cedula codecilio ultima e deradeira vontade ou como em direitomilhor lugar haja virem como no anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo demil e setecentos e noventa e dois annos aos treze dias do mes de Julho neste lugar daCalçada freguezia de Santa Eulalia de Fermentoens deste termo da villa de Guimaraiscazas de morada de Vicente Joze de Carvalho aonde eu tabelliam vim e ahi prezente

ANTÓNIO JOSÉ DE OLIVEIRA

488

Page 490: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Vicente Joze de Almeida Guimarais natural desta freguezia nogociante que foi nas Ame-ricas e ao prezente asistente nesta caza de pé e com alguma molestia peçoa que reco-nheço pelo proprio de que dou fé, pelo qual na prezença das testemunhas ao diantenomiadas e asignadas me foi dado este papel dizendo me hera seu testamento cedulacodicilio ultima deradeira vontade que elle havia ditado e por lhe ser penozo a escrevera seu rogo lhe escrevera Manoel Antonio de Cravalho e Silva mercador da rua dos Mer-cadores // (fl.52) dos Mercadores da dita villa e depois de escrito elle testador o lera epelo o achar na forma em que o havia ditado elle o asignara com aquele rogado e comotal declara ser a sua ultima e deradeira vontade que quer valha como testamento cedulae codicilio ultima e deradeira vontade ou como em direito milhor lugar haja e nestaforma pedia as justiças de Sua Majestade que Deos Goarde de hum e outro foro lhofação cumprir e goardar e que por este revoga todos os testamentos e ultimas disposi-çoins que antes deste tenha feito pois só quer que este valha tenha força e vigor em juizoe fora delle requerendo me lho aseitasse e aprovasse o quel eu taballiam lhe aseitei eaprovo e hei por aprovado tanto quanto em direito devo e posso e Sua Majestade queDeos Goarde manda e fica o dito testamento com este auto tudo escrito em seis folhasde papel com esta todas numeradas e rubricadas pelas cabeças com o meu cognomeAbreu. Sem couza que duvida faça que por mim não fique rezervado a que foram teste-munhas prezentes chamadas e rugadas por parte do testador João Rodrigues Paiva da ruade Sam Damazo da dita villa Antonio Peixoto de Freitas do sitio da Cruz da Pedra ara-balde desta dita villa Antonio Manoel ofecial de Vicente Joze de Faria cutileiro destesitio Manoel Lopes da Costa do lugar da Comceição desta freguezia e João do Valle domesmo lugar e freguezia que aqui asignarão com o testador lido este a todos por mimLuis Antonio de Abreu taballiam que o escrevi em publico e razo que asignei e declaroque o testador se acha com todo o seu perfeito juizo e entendimento que Deos lhe deode que dou fé dito o declarei. Em fé de verdade lugar do signal publico // Luis Antoniode Abreu // João Rodrigues Paiva // Antonio Manoel // Vicente Joze de Almeida Gui-marais // Manoel Lopes da Costa // Antonio Peixoto de Freitas // João do Valle//.

Termo de abertura do testa // (fl.52v) do testamento retro. Anno do nascimento deNosso Senhor Jezus Christo de mil e setecentos e noventa e dois annos aos vinte e doisdias do mes de Julho do dito anno neste lugar da Calçada freguezia de Santa Eulalia deFermentoins do termo da villa de Guimarais aonde eu taballiam fui vindo para efeitode abrir o testamento retro e em virtude do despacho ao diante do Doutor João de Souzada Silveira veriador e juis pela ordenação na dita villa e seu termo por Sua Majestadeque Deos Goarde e na morada de Vicente Joze de Carvalho aonde se achava o felecidoconstante do dito testamento pelo mesmo Vicente Joze de Carvalho me foi aprezentadoo dito testamento e abrindo o na prezença das testemunhas abaixo asignadas o acheifichado e lavrado na forma do costume escrito por Manoel Antonio de Carvalho e Silvahomem de negocio da dita villa o qual se achava escrito em seis meias folhas de papelcom a da aprovação feita pelo taballiam Luis Antonio de Abreu sem vicio borrão nementrelinha nem couza que duvida faça de que tudo dou fé a que foram testemunhas pre-zentes Manoel Joze Mendes Pereira inqueredor no juizo geral da dita villa e Joze Anto-nio Marques caixeiro do capitão Antonio Joze de Macedo e Manoel Joze de Macedodigo (sic) Manoel Soares meirinho do (…)17 da villa de Guimarais e Manoel Ribeirolavrador do lugar do Asento desta freguezia de Santa Eulalia que todos aqui asignarão

O TESTAMENTO DE VICENTE JOSÉ DE ALMEIDA GUIMARÃES, NEGOCIANTE VIMARANENSE NO BRASIL (1792)

489

17 Palavra de difícil leitura.

Page 491: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

comigo Joze Pedro de Barros Costa o escrevi em fé dever de lugar do signal publicoJoze Pedro de Barros Costa // Manoel Joze Mendes Pereira // Joze Antonio Marques //Manoel Soares // Manoel Ribeiro //.

Petição. Dis Joze digo (sic) dis Vicente Joze de Carvalho morador na Calçada fre-guezia de Santa Eulalia de Fermentoins deste termo que elle tinha em sua caza a seusobrinho Vicente Joze // (fl.53) Vicente Joze de Almeida de Guimarais o qual faleceoagora da vida prezente com testamento e porque para se saber quais são suas dispozi-çoins perciza que qualquer escrivão ou tabaliam a quem esta se aprezentar vá abrir odito testamento e o copie em sua nota de verbo ad verbum para o qua não haja desca-minho e evitar controvercias que possão acomtecer e depois de copiado o entregue aosuplicente porque julga ser seu testamenteiro pelo que pede a vossa merce seja servidode mandar que vá já o dito taballiam abrir o testamento e depois o deite em sua nota naforma que se requer e que o dito taballiam por fé da (…)18 recebera merce.

Despacho. Qualquer taballiam a quem esta for aprezentada vá fazer a abertura dotestamento e o lance na sua nora na forma requerida // Silveyra//

E não se continha mais em o dito testamento aprovação avertura e petição e des-pacho nella que eu Joze Pedro de Barros Costa tabelliam do publico judicial e notasnesta villa de Guimarais e seu termo por sua Majestade que Deos Goarde bem fiel-mente aqui copiei do proprio que outra vez entreguei ao suplicante Vicente Joze de Car-valho que este de como a recebeo asignou no fim deste e a elle me reporto que fica naverdade sem couza que duvida faça que rezervado por mim nam fica, que com o theorde tudo este comferi e comsertei com outro ofecial de justisa comigo abaixo asignado,e por verdade em fé da mesma nos asignados e no dia mes como ut supra,e foram tes-temunhas prezentes João Marinho de Queiros Vizeu escrivam que foi neste juizo dogeral, e Christovam Joze Baptista meu familiar que todos aqui asignarão comigo JozéPedro de Barros Costa taballiam que o escrevi.

(Assinado:) JOZE PEDRO DE BARROS COSTA(Assinado:) JOÃO MARINHO DE QUEIROS VIZEU(Assinado:) CHRISTOVAM JOZE BAPTISTA // (fl.53v)(Assinado:) Recebi o proprio testamento VICENTE JOZE DE CARVALHO(Assinado:) (…)19 GONÇALO DIAS DE CASTRO”

Documento n.º 3

1792, Julho, 24 – Santa Eulália de Fermentões.

AMAP, Registo paroquial, P-297, fls.59-61, Santa Eulália de Fermentões.

“20Aos vinte e dois dias do mes de Julho do anno de mil e setecentos e noventa edois falleceu com todos os sacramentos Vicente Joze de Almeida solteiro natural desta

ANTÓNIO JOSÉ DE OLIVEIRA

490

18 Palavra de difícil leitura.19 Palavra de difícil leitura.20 Escrito na margem esquerda: “Vicente Joze de Almeida Guimarães solteiro da Calçada. Disse a

missa d’alma. Fes ce 1.º oficio de 10 padres 2.º e 3.º ”.

Page 492: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

freguezia assistente em caza de seu padrinho Vicente de Carvalho do lugar da Calçadadesta mesma freguezia e aos vinte e quatro dias do sobredito mes e anno foi sepul //(fl.59v) sepultado na capella dos Terceiros da Ordem de Sam Francisco da villa de Gui-maraens, fes testamento em o quall nomiou por seus unicos, e universaes herdeiros atres filhos que teve de Maria Francisca Villassa da Incarnassão solteira moradora nacidade de Mariana em o Brazil a saber Sebastião, Anna, e Ignacio, os quaes forãoexpostos, e os nomiava como dito he seus legitimos, e universaes herdeiros das duaspartes do seu hirario. E que por rezão de ter na cidade de Lisboa o seu estabalecimentode negocio instituhia por seu, digo (sic) rogava, e pedia em primeiro lugar a Manoel deSouza Freire morador na dita cidade de Lisboa quizece ser seu testamenteiro, e emsegundo lugar a Luis Antonio Rodrigues Sete, e em terceiro lugar a Manoel de MirandaCorrea ambos tambem moradores na dita cidade de Lisboa, e em premio de seu traba-lho lhe deixava quatrocentos mil reis, e o que aseitace mandaria logo a esta villa pro-curassão para dentro do tempo houvese de fazer aseitação. E que para de prezente lheconcorrece com os seus funeraes, e mais alguas couzas que houvecem de acontecernesta terra pedia, e regova a seu thio, e padrinho Vicente Joze de Carvalho quizece serseu testamenteiro, e no cazo que os testamenteiros nomiados na cidade de Lisboa nãoquizecem aseitar esta testamentaria o ficaria sendo de toda ella o dito thio Vicente Jozede Carvalho. E que queria ser sepultado na capella da Ordem Terceira do PatriarchaSam Francisco na villa de Guimaraens, e pedia e rogava aos administradores da mesmaordem lhe dessem na dita capella sepultura, e a mesma ordem o acompanhacemdaquelle lugar athe a mesma capella para o que lhe deixava // (fl.60) de esmolla qua-renta e oito mil reis. E que hera terceiro professo de Nossa Senhora do Carmo na cidadede Mariana no Brazil, e no mesmo habito queria ser amortalhado, e enterrado, e queseu testamenteiro faria avizo a dita ordem para lhe fazerem seus sufragios, e se lhepagar o que elle devese como tambem a todas as mais irmandades que tem na mesmacidade, cujo avizo se faria publico pelo que fosse a dita ordem. E que deixava às irman-dades da villa de Guimaraens aquellas que quizesem vir a este lugar e acompanhar seucorpo athe à sepultura fosse quaesquer que fossem, que levacem de doze irmãos parasima, lhe deixava quatro mil e oitocentos reis por huma só ves. E que no dia do seuinterri se lhe faria hum officio na capella da dita Ordem Terceira com as comunidadesda mesma villa que costumão asestir pela esmolla do costume, e se lhe porião missasgeraes na dita capella no dia de seu interro, de esmolla de duzentos reis cada huma, etudo o mais respeito ao seu funeral o deixava na despozissão de seu testamenteiro. Dei-xou mais que se lhe, dirião digo (sic) que se lhe disecem duzentas missas pela sua almade esmolla de duzentos reis cada huma. E asim mais cem missas pela alma daquellaspessoas com quem tinha tido contas conforme a sua tenção delle testador, como tam-bem outras cem pellas almas de todos os seus parentes falecidos, e aquelas, e estas, deesmollla de cento e sincoenta reis. E que seu testamenteiro lhe satisfaria a quanthia dedoze mil e oitocentos reis ao Senhor de Matozi (fl. 60v) Mathozinhos perto do Portoque hera promessa que lhe tinha prometido. E que se fara huma festa a Nossa Senhorado Rozario desta freguezia com missa cantada, e Senhor Exposto, e se lhe dara àmesma irmandade a quanthia de seis mil e quatrocentos reis de esmolla de juis que heno prezente anno. E que seu testamenteiro desse a dois padres que lhe asestissemquando elle estivese agonizando duas moedas de quatro mil e oitocentos reis deesmolla. E que darião no dia se seu interro esmolla aos pobres a des reis aos grandes,e pequenos. E deixou a tersa parte de seu hirario que vulgarmente se chama heransa

O TESTAMENTO DE VICENTE JOSÉ DE ALMEIDA GUIMARÃES, NEGOCIANTE VIMARANENSE NO BRASIL (1792)

491

Page 493: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

dipois de se saber quanto ella importa a suas irmans Maria cazada com Antonio Joze,e Anna cazada com Pedro Joze e as suas primas filhas de seu thio Vicente Joze de Car-valho, e a filha de seu thio Francisco Portella as quais todas no dito seu testamento porseus nomes expressamente declara, E que deixava a sua thia Theodora que vive noestado de solteira prove, e vezinha do dito seu thio Vicente Joze de Carvalho a quan-thia de sincoenta mil reis que se tirarião da sua terssa, e se não esperaria pelo liquidodella para se lhe fazer a intrega, e pagamento. E não constava mais emquanto ao pio, epara constar fis este assento que asigno era ut supra, e retro,

(Assinado:) O Vigario MANOEL ANTONIO MENDES”

ANTÓNIO JOSÉ DE OLIVEIRA

492

Page 494: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

493

A EMIGRAÇÃO NA PARÓQUIA DE SANTOANDRÉ DA CAMPEÃ (1848-1900)

Celeste Castro

FONTES

O presente trabalho pretende ser uma tentativa para relacionar a emigraçãocom a família e a herança familiar, no âmbito da História Local. Trata-se deuma análise da emigração da paróquia da Campeã, com destino ao Brasil, noperíodo de tempo compreendido entre 1848 e 1900.

A pesquisa foi efectuada no Arquivo Distrital de Vila Real, nos Livros dosRegistos de Passaportes, onde fizemos o levantamento da informação relativa-mente aos naturais de Campeã que pediram passaporte com destino ao Brasil.Utilizámos, também, a informação recolhida na base de dados que elaborámospara um anterior trabalho de investigação, sobre as famílias da freguesia deCampeã1, e que cruzámos com os registos dos indivíduos que solicitaram opassaporte para o Brasil.

Para o período de 52 anos que considerámos (1848-1900), criámos umatabela2 – tipo de registo individual – onde figura o nome, a idade, o sexo, oestado civil, a data de nascimento, a residência, a profissão, o saber ler, a filia-ção, o nome do cônjuge, o nome e a residência do abonador. Paralelamente aeste registo, criou-se um outro com as informações do destino: o engajamento,os acompanhantes, a data de emissão do passaporte e o número de família cor-respondente.

Os registos de passaportes foram levantados num total de 34 livros em bomestado de conservação, ainda que com séries incompletas. Trata-se de umaimportante fonte manuscrita que nos oferece a identificação dos viajantes, porvezes de uma forma expressiva e completa, enriquecida com pormenores,como os sinais particulares. Noutras situações, deparamo-nos com o laconismoe a imprecisão das informações.

Os livros de registos de passaportes começam a referenciar Santo André daCampeã, no ano de 1848. Assim, para o período de 1848 a 1900 é-nos apre-sentado o seguinte movimento anual de registo de passaportes:

1 Utilizou-se a metodologia de reconstituição de paróquias de Norberta Amorim (AMORIM,1991).

2 Ver Anexo 1.

Page 495: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Na análise dos registos dos passaportes da Campeã, constatou-se umaumento nas décadas de 1880 e 1890, que coincidiu com o desenvolvimento doBrasil, que procurava então a autonomização económica através do fortaleci-mento da economia de exportação dominada inicialmente pelo café, e logodepois pela borracha. A necessidade da construção de melhores vias de comu-nicação – caminho-de-ferro, estradas – e portos, exigiu um maior esforço físicodos trabalhadores.

2. A PARÓQUIA DE SANTO ANDRÉ DA CAMPEÃ

A paróquia da Campeã pertence à província de Trás-os-Montes, distrito deVila Real. É limitada a Noroeste pelo concelho de Mondim de Bastos e a Oestepelo concelho de Amarante.

Ladeada pela serra do Marão e Alvão, esta região atinge uma altitude de1400 metros, sendo em termos geológicos caracterizada pela existência dealguma ardósia e xisto duro. O principal meio de subsistência é a agricultura e

CELESTE CASTRO

494

Quadro n.º 1 – Registos de passaportes relativos a naturais da paróquia de Santo André da Campeã, por ano (1848-1900)

1848 1 1877 381853 6 1878 21854 4 1879 101855 5 1880 251856 2 1881 241857 14 1882 361858 1 1883 431859 14 1884 111860 8 1885 171861 1 1886 161862 10 1887 121864 1 1888 451865 1 1889 261866 1 1890 271867 1 1891 301868 1 1892 271869 1 1893 171870 2 1894 81871 11 1895 251872 4 1896 251873 1 1897 51874 4 1898 161875 11 1899 51876 21 1900 11

Anos Anos

Page 496: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

a criação de gado. Este vale verdejante é, sem dúvida, um dos mais produtivosem virtude de ser formado por terras de aluvião, arrastadas pelas correntes cau-dalosas que no Inverno descem as vertentes da serra, e por ser cortado porpequenos mas numerosos ribeiros.

A emigração nesta paróquia não difere da emigração do resto do Norte de Por-tugal. Emigra-se sobretudo por razões económicas e sociais; emigra-se para fugiràs más colheitas, às dívidas acumuladas, à filoxera, ao oídio, entre outras causas.

O contingente de emigrantes da Campeã não foge aos modelos existentesnoutras paróquias, logo, o emigrante continua a ser predominantemente dosexo masculino. Apenas um pequeno número de pedidos de passaportes é feitopor mulheres – 48 num total de 627 pedidos de passaportes.

No que concerne aos indivíduos do sexo masculino, e através da análise doQuadro n.º 2, verifica-se que a emigração toca sobretudo as camadas maisjovens da população, com o estado civil de solteiros e com força e ânimo paratentar escapar ao infortúnio da vida e procurar a concretização dos seus sonhos.

A EMIGRAÇÃO NA PARÓQUIA DE SANTO ANDRÉ DA CAMPEÃ (1848-1900)

495

Quadro n.º 2 – Titulares de passaportes por estado civil – Homens (1840-1900)

CasadosAnos Solteiros DesconhecidoViúvos Total

1848 1 0 0 0 11853 2 2 0 2 61854 4 0 0 0 41855 5 0 0 0 51856 1 0 0 1 21857 11 1 1 1 151858 1 0 0 0 11859 8 5 1 0 141860 7 1 0 0 81861 1 0 0 0 11862 6 4 0 0 101864 0 1 0 0 11866 0 0 1 0 11867 1 0 0 0 11868 1 0 0 0 11869 1 0 0 0 11870 1 1 0 0 11871 6 1 2 2 111872 3 1 0 0 41873 0 1 0 0 11874 2 1 0 0 31875 8 3 0 0 111876 11 7 1 0 191877 20 15 0 0 351878 1 1 0 0 21879 8 2 0 0 101880 12 11 0 2 251881 6 15 0 3 24

(Continua na página seguinte)

Page 497: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A pouca diferença que existe entre o número de emigrantes solteiros (252)e o número de emigrantes casados (240) torna-se pouca significativa, na medidaque se verifica um número considerável de indivíduos (76) cujo estado civil édesconhecido.

Estes emigrantes casados, depois de organizarem a sua vida no Brasil eterem, aí, uma vida social e económica estabilizada vão chamar para junto desi a esposa e os filhos. Assiste-se, desta forma, à união das famílias no outrolado do Oceano.

Ao observar o Quadro n.º 3, deparamos com o aumento de pedidos de pas-saportes. Aqui, a mulher emigra para se unir ao marido, ao pai e aos restantesfamiliares. Emigra, porque o seu trabalho é uma mais-valia, na economiadoméstica. Estas trabalham em casas, nas fábricas, nos serviços domésticos,nas suas pequenas hortas após o horário laboral, onde o cultivo das hortaliçase frutas seriam um complemento no seu magro salário.

CELESTE CASTRO

496

Quadro n.º 2 – Titulares de passaportes por estado civil – Homens (1840-1900) (continuação)

CasadosAnos Solteiros DesconhecidoViúvos Total

1882 5 24 0 4 331883 12 28 0 2 421884 4 6 0 0 101885 5 10 0 1 161886 7 9 0 0 161887 3 7 0 1 111888 17 24 0 0 411889 13 7 0 4 241890 15 4 1 2 221891 2 3 0 20 251892 4 6 2 13 251893 4 0 0 10 141894 5 2 0 1 81895 11 5 0 5 211896 10 8 0 2 201897 2 1 2 0 51898 0 12 0 0 121899 3 2 0 0 51900 2 9 0 0 11

Totais 252 240 11 76 579

Page 498: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Para o período observado, o destino dos emigrantes é maioritariamente oBrasil, embora se encontrem registos de passaportes para África (8) e paraFrança (1).

A EMIGRAÇÃO NA PARÓQUIA DE SANTO ANDRÉ DA CAMPEÃ (1848-1900)

497

Quadro n.º 3 – Titulares de passaportes, por estado civil – Mulheres (1840-1900)

CasadosAnos Solteiros DesconhecidoViúvos Total

1865 0 1 0 0 11874 0 0 0 1 11876 2 0 0 0 21877 0 2 1 0 31882 0 3 0 0 31883 0 0 0 1 11884 0 1 0 0 11885 0 1 0 0 11887 0 1 0 0 11888 0 3 1 0 41889 0 1 1 0 21890 0 4 1 0 51891 0 0 1 4 51892 0 0 0 2 21893 0 1 1 1 31895 1 2 0 1 41896 0 5 0 0 51898 1 2 0 1 4

Totais 4 27 6 10 48

Quadro n.º 4 – Local de destino, no Brasil (1840-1900)

Destino Número

Rio de Janeiro 217Santos 5S. Paulo 23Pernambuco 3Minas Gerais 5Rio Grande do Sul 1Desconhecido 359

Total 618

Através dos registos de passaportes, e sempre que o amanuense registava osdestinos, este manteve-se direccionado para a cidade do Rio de Janeiro (217).

O governo brasileiro, a partir do porto do Rio de Janeiro, dirigia os emi-grantes para outros locais, criando outros pólos de atracção. É verdade que ascompanhias de navegação, procuravam satisfazer os desejos da maioria dos

Page 499: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

emigrantes deslocando-os para os principais portos brasileiros, tendo em contaa imposição de determinadas carreiras, alegando condições técnicas, portuáriase financeiras, que determinavam, por sua vez, o desembarque dos emigrantesnum determinado porto em detrimento doutro.

3. FAMÍLIA PEREIRA BISPO

Emigrar, não era um acto individual, era uma atitude pensada em família.Quando decidia emigrar, o pretenso emigrante deixava o seu mundo, a sua segu-rança e carregava nas suas costas as esperanças e as contas de toda a família.

Analisando as famílias da região da Campeã e dentro do universo dos emi-grantes, destacamos duas famílias. Através do cruzamento de dados (passapor-tes e famílias) procurou-se traçar os seus percursos, adivinhando as suas angús-tias e esperanças.

A família Pereira Bispo3 é um bom exemplo do que acabamos de referir.António Pereira Bispo, nascido a 6 de Junho de 1771, era filho de José Luís

Serqueira Monção, natural de Monção, e tinha como profissão soldado. Suamãe chamava-se Luísa Ribeiro e era natural e residente no lugar de Balça.

António, proprietário, casou com Caetana Alves, em 12 de Fevereiro de 1803.O quinto dos seus oito filhos, Joaquim, emigrou para o Brasil no ano de 1859 parase reunir com o seu filho, Manuel, que se encontrava no Brasil, desde 1853.

Joaquim Pereira Bispo, lavrador, era natural e residente no lugar de Balça.Casara com Joaquina Correia, do lugar de Estalagem Nova, em 27 de Dezem-bro de 1838, da qual teve sete filhos. O primogénito Manuel Pereira Bispo, nas-cido em 10 de Novembro de 1839, pediu o passaporte para o Brasil em 15 deNovembro de 1853, com a idade de 14 anos (que segundo o registo de passa-porte apresentava o rosto com sinais de bexigas). Foi abonado por seu tio,Manuel Joaquim Pereira Bispo, natural de Balça, mas residente em Vila Real,que pediu o passaporte, anos mais tarde, com destino ao Brasil.

A 11 de Março do ano de 1859, Joaquim Pereira Bispo, de 44 anos (pai),foi ao encontro do seu filho Manuel no Brasil e levou o segundo filho AntónioPereira Bispo, com a idade de 17 anos (que se refere apresentar uma cicatriz natesta). Segundo o livro de registo de passaportes, estes foram “engajados pelocontrato de locação que apresentou e abonado por documentos legais e compe-tentes”4.

Joaquim Pereira Bispo ausentou-se para o Brasil deixando a esposa grávidade quatro meses e suas filhas: Engrácia, de 13 anos; Bibiana, de 8 anos e Ana,de 7 anos. A esposa, Joaquina ,veio ter um rapaz, que nasceu no dia 13 de Julhode 1859, já o pai se encontrava no Brasil a quem foi dado o nome de Joaquim.

CELESTE CASTRO

498

3 Ver Anexo 2.4 ADVR – Livro de Registo de Passaportes, 11 de Março de 1859.

Page 500: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Quando este perfez 13 anos pediu o passaporte para ir ter com o seu pai eirmãos (Manuel e António). Assim, em 11 de Março de 1872, foi para o Brasilsaindo pela barra da cidade de Lisboa, abonado por documentos legais.

Através dos documentos, voltamos a ter notícias desta família anos maistarde. No dia 1 de Dezembro de 1876, Manuel Pereira Bispo, o primeiro emi-grante desta família, filho primogénito de Joaquim e Joaquina, pediu novamenteo passaporte, apresentando-se como casado e a saber escrever e ler. De regressoao Brasil, levou sua irmã, Bibiana, de 25 anos, solteira, que pediu o seu passa-porte no mesmo dia em que o seu irmão o fez. Nesta data, foi também pedido opassaporte para Vitória, solteira, de 23 anos, também pertencente à família.

Pediu igualmente passaporte para o Brasil, o seu cunhado António MartinsCarvalho, casado com Ana, jornaleira, tendo-o feito de novo, em 10 de Setem-bro de 1880.

Esta família é uma como tantas outras, que através do seu trabalho adquiri-ram um estatuto, e convenceram os seus familiares a emigrar. Embora fossesabido que o Brasil era tido como uma terra inóspita e pouco aconselhável paraas mulheres, tradicionalmente mais vocacionadas para as lides da casa e da terra.No entanto, e apesar desse facto, o lado feminino da família também emigrou.

É de salientar que o tio Manuel, comerciante, que vivia em Vila Real, abo-nou o seu sobrinho Manuel Pereira Bispo e Manuel Martins5.

4. OS IRMÃOS RODRIGUES6

Os testamentos são fontes importantes para o conhecimento do passado,dando informações sobre a vida familiar do testador, as suas preferências espi-rituais, os seus receios e segredos na hora da morte permitindo, ainda, fazer umbalanço dos bens materiais que possuía.

Os testamentos seguem um formulário, onde temos o prólogo, o preâm-bulo, as disposições espirituais, a distribuição do legado e as assinaturas dastestemunhas. O prólogo incluía a saudação e a identificação do testador,seguido do preâmbulo religioso, com a encomendação, a invocação, as consi-derações sobre o estado de saúde, sobre a vida e a morte e, finalmente, a razãodo testamento. Logo após, determinavam-se as disposições espirituais como aescolha da mortalha e do lugar da sepultura indicação do acompanhamento ouconstituição do corteja fúnebre, número de ofícios e missas com as respectivasintenções, legados de caridade e legados religiosos. Terminada a parte reli-giosa, iniciavam-se as disposições materiais, com a enumeração dos herdeirose legatários, a atribuição da terça, o pagamento e a cobrança de dívidas, areserva do usufruto, a estipulação de encargos e pensões e a nomeação dos tes-

A EMIGRAÇÃO NA PARÓQUIA DE SANTO ANDRÉ DA CAMPEÃ (1848-1900)

499

5 Manuel Martins, filho de Manuel Martins e de Maria Martins, pediu o passaporte em 15 deNovembro de 1853, com 14 anos.

6 Ver Anexo 3.

Page 501: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

tamenteiros. Para finalizar indicavam-se as testemunhas, o escrivão, o lugar daredacção e a data.

O testamento de Francisco Rodrigues7, datado de 14 de Novembro de1840, enquadra-se nesta apresentação.

Assim, Francisco Rodrigues, solteiro e sem herdeiros directos, encontrando--se bastante doente, nomeou Joaquina Rodrigues, mulher de seu irmão ManuelRodrigues, como testamenteira. Deixa legados aos sobrinhos Hipólito, José,António, Silvestre, Ana e Maria. O sobrinho mais velho, Hipólito, recebeu ocapote de pano, o casaco e chapéu fino, os botins, uma caixa, uma sorte naBouça do Rego e uma leira de tojo atrás do Côtto e, ainda, a quantia de 12 milréis. Silvestre recebeu 2400 mil réis, em dinheiro, e um souto em Val Grande.

No referido testamento estava, contudo, estipulado que os herdeiros sóreceberiam a herança, quando a testamenteira recebesse as quantias que lheeram devidas e após o cumprimento dos legados espirituais, consoante a von-tade expressa pelo finado.

Cruzando estes dados com os dos registos de passaporte e das famílias,verificámos que os sobrinhos de Francisco Rodrigues, já proprietários de bens,pediram, anos mais tarde, o passaporte para emigrar, para o Brasil.

Hipólito José Rodrigues, com 33 anos de idade, pediu o passaporte àcomarca de Vila Real para se ausentar para o Brasil, por um período de 90 dias.Assim, “aos 18 dias do mês de Março de 1848, nesta Vila Real, se concedeupassaporte para sair deste reino (...) para a cidade do Rio de Janeiro, Impériodo Brasil”8.

Em 19 de Março de 1959, o seu irmão Silvestre Rodrigues foi ao seuencontro. É o sétimo filho do casal, solteiro, nascido em 27 de Agosto de 1830.Tinha 29 anos quando se ausentou, e como tal foi abonado por documentoslegais e competentes pelos quais mostrou que não ia engajado como colono.

Tanto Hipólito como seu irmão Silvestre, só depois de receberem e cum-prirem com os legados pios é que tiveram possibilidades financeiras para emi-grarem. Desta família, ficaram na Campeã os restantes irmãos: Ana, nascida a9 de Abril de 1817, José, nascido a 20 de Julho de 1822, Maria, nascida a 4 deMaio de 1825 e António, nascido a 26 de Agosto de 1827.

O estudo que temos feitos em torno da freguesia de Santo André da Cam-peã, permitiu-nos conhecer o percurso de duas famílias cujos elementos procu-raram na emigração para o Brasil a resposta para os seus desejos de uma vidamelhor. Deixando tudo para trás, lançaram-se num novo mundo, à procura dumsonho… que não sabemos se terá sido concretizado.

CELESTE CASTRO

500

7 ADVR – Livro de Registo de Testamentos, Testamento de Francisco Rodrigues, solteiro, Aveção-zinho, 14 de Novembro de 1840.

8 ADVR – Livro de Registo de passaportes, 1848.

Page 502: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

FONTES MANUSCRITAS

Arquivo Distrital de Vila Real (ADVR) – Livros de registo de passaportes, 1836-1900.ADVR – Paróquia de Santo André da Campeã, Livros de registo de nascimento, 1760-1885.ADVR – Paróquia de Santo André da Campeã, Livros de Registo de casamentos, 1814-1881.ADVR – Paróquia de Santo André da Campeã, Livros de registo de óbitos, 1834-1884.ADVR – Livros de registo de testamento – 1728-1747; 1750-1781; 1789-1802; 1802-1861.

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Jorge, 1994 – Os Brasileiros: emigração e retorno no Porto oitocentista. Porto: ed. doAutor.

AMORIM, Norberta, 1991 – Uma metodologia de reconstituição de paróquias. Braga: Univer-sidade do Minho.

CASTRO, Maria Celeste Alves, 2001 – A emigração na paróquia de Santo André da Campeã.Braga: Universidade do Minho (dissertação de mestrado).

A EMIGRAÇÃO NA PARÓQUIA DE SANTO ANDRÉ DA CAMPEÃ (1848-1900)

501

Page 503: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ANEXOS

CELESTE CASTRO

502

Anexo I – Registo de passaporte de Manuel Pereira Bispo

Registo de passaporte

■ NOME: Manuel Pereira Bispo■ IDADE: 14 anos SEXO: M EST. CIVIL: Solteiro■ DATA NASC.: 10-11-1839 SIT. NASCIMENTO: Legítimo■ RESIDÊNCIA: Balça SABE ESCREVER: Desc.

■ PAI: Joaquim José Pereira Bispo■ MÃE: Joaquina Correia

■ ABONADOR: Manuel Joaquim Pereira Bispo■ RESID. ABONADOR: Campeã – Vila Real■ Destino: Brasil Engajamento:■ N.º Família: 841 Data de emissão: 15-11-1853■ Observações: Emigrou seu pai e irmão cód. 39; seu tio cód. 124; seu irmão cód. 86;

sua irmã cód. 125

Anexo II – Família Pereira Bispo

Família Pereira BispoJosé Luís S. MonçãoNat.: MonçãoProf.: Soldado

Rosa CorreiaFiho natural – Fontes

José Correia 07-08-1796Estalajadeiro

Caetana Alves

– Josefa 24-02-1767– Margarida 23-09-1768– António Pereira Bispo – 06-06-1771

Proprietário

– Maria 17-12-1804– Agostinho 05-05-1807– Joaquim 28-05-1810– Joaquim José Pereira Bispo 18-01-1815 (Brasil)– Manuel 15-08-1817 (Brasil 1876)– Ana 19-06-1820– Vitória 22-04-1824

– Manuel 13-01-1805– Maria 01-08-1807– Ana 18-08-1810– António 22-07-1813– Manuel 01-09-1819– Joaquina Correia 14-09-1819

– Manuel 01-11-1839 (Brasil 1853; 1876)– António 08-12-1841 (Brasil 1859)– Engrácia 30-10-1846– Ana 05-10-1848– Bibiana 04-12-1851 (Brasil 1876)– Ana 05-02-1852– Joaquim 13-07-1859 (Brasil 1872)

Vitória Alves 15-03-1778

Francisco Alves Matias Maria Josefa MatiasLuísa Ribeiro

55

5

5

5

7-08-1796

16-02-1803

27-12-1838

Page 504: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

A EMIGRAÇÃO NA PARÓQUIA DE SANTO ANDRÉ DA CAMPEÃ (1848-1900)

503

Anexo III – Irmãos Rodrigues

Os irmãos RodriguesAntónio RodriguesProf. Alferes

– Manuel 15-15-1779– José 08-11-1781– Luís 30-01-1784– Francisco 26-07-1786– Joaquim 11-08-1788– António 16-01-1790– Ana 09-12-1792

– Hipólito José Rodrigues 06-08-1815 (Brasil)– Ana 09-04-1817– Maria 19-06-1819– José 20-07-1822– Maria 04-05-1825– António 26-08-1827– Silvestre Rodrigues 27-08-1830 (Brasil)

Joaquina Alves Dinis Rodrigues 22-08-1787

Manuel Alves do Outeiro Marta DinisLiberata Rodrigues

5 5

5

27-12-1838

Page 505: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 506: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

505

OS BRASILEIROS DE PAREDES – DOIS PERCURSOS DE BENEFICÊNCIA

E ESQUECIMENTO

Alda Neto

Quem foram? O que fizeram? Porque foram esquecidos pelas suas comu-nidades? Estas são as perguntas que as próximas gerações farão ainda que osbrasileiros tenham o seu nome inscrito em avenidas e ruas dos seus locais deorigem. É preciso trazê-los à memória, porque a vida das pessoas, depois damorte, dissolve-se no tempo se não for a História.

Os brasileiros de Paredes destacaram-se não só no panorama concelhio,mas também nos territórios brasileiros que um dia os receberam. Estes homenspartiram das várias freguesias do concelho de Paredes, na segunda metade doséculo XIX e nas duas primeiras décadas do século seguinte e, no Brasil, dedi-caram-se, sobretudo, à actividade comercial e industrial. No presente estudo,vamos debruçar-nos sobre duas personagens, Adriano Moreira de Castro (Lou-redo) e Zeferino Lourenço Martins (Cete).

Entre 1888 e as duas primeiras décadas do século XX, houve um cresci-mento das correntes e fluxos migratórios provenientes da Europa, em direcçãoao Brasil. As actividades urbanas (comércio e indústria), nomeadamente na

Figura n.º 1 – Adriano Moreira de Castro(Santa Casa da Misericórdia de Paredes)

Figura n.º 2 – Zeferino Lourenço(Santa Casa da Misericórdia de Paredes)

Page 507: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

cidade do Rio de Janeiro, tornaram-se a principal ocupação da comunidadeportuguesa. No entanto, os portugueses deslocaram-se para todo o territóriobrasileiro e ocuparam-se das mais variadas actividades desde a agricultura àindústria ou até mesmo à política.

Um exemplo de um emigrante penafidelense que se destacou pelo seupapel político, enquanto representante português (vice-cônsul) na cidade deSantos, no Estado de São Paulo, foi Zeferino Lourenço Martins. Natural doconcelho de Penafiel, emigrou para o Brasil, onde adquiriu grande prestígiosocial entre as comunidades portuguesa e brasileira. Adriano Moreira de Cas-tro emigrou para o Brasil, como tentativa de fuga a um futuro agrícola. Os seusprogenitores eram caseiros numa propriedade agrícola, na freguesia de Lou-redo, concelho de Paredes. Por volta de 1872, emigrou para a cidade de Belém,no Estado do Pará, onde se destacou na actividade comercial. Começou porpequenas actividades no ramo da panificação, para, poucos anos depois da suachegada, fundar uma empresa na área do comércio, que se transformou numadas mais importantes do Estado do Pará.

• QUEM FORAM?• O QUE FIZERAM?

Adriano Moreira de Castro e Zeferino Lourenço Martins que nos propomosestudar neste trabalho constituem um exemplo de beneficência nas suas terrasde origem, mas são simultaneamente um exemplo do esquecimento a que osseus conterrâneos os votaram.

Adriano Moreira de Castro nasceu a 9 de Dezembro de 1858, no lugar deSobradelo, freguesia de Louredo, e com catorze anos de idade partiu para oBrasil. Desembarcou na cidade de Belém do Pará, onde começou por seraprendiz no comércio para, alguns anos mais tarde, criar a empresa Araújo,Castro & C.ª. Esta empresa tornou-se numa das mais importantes empresas,nos finais do século XIX, no Estado do Pará. O seu regresso a Portugal teráocorrido por volta de 1901. Após a sua chegada, encaminhou-se para a fregue-sia de Louredo, onde começou por adquirir um grande número de terrenos,tendo utilizado um deles para a construção de “uma linda e apalaçada vivendada Castrália, que é um folgar de olhos pelas belezas que aí encerra”1. Desdelogo, começou a sua actividade filantrópica junto dos mais carenciados da suafreguesia e concelho, mas também dos concelhos vizinhos.

A 27 de Janeiro de 1912 foi eleito presidente da Comissão MunicipalAdministrativa do Concelho de Paredes. Durante a curta duração do seu man-dato, uma vez que solicitou a exoneração do cargo em Abril do mesmo ano, deuinício à construção de uma escola de instrução primária em Louredo, que pos-teriormente ofereceu à freguesia.

ALDA NETO

506

1 A BEHETRIA de Louredo, n.º 2, 22 de Janeiro de 1922.

Page 508: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Do ponto de vista ideológico, este brasileiro afirmou-se como um defensordos ideais republicanos. A sua posição republicana era bastante conhecida, deforma que a imprensa apresentava-o como um legítimo defensor dos ideais.Adriano Moreira de Castro teve uma curta passagem pelo poder político, masdestacaram-se algumas medidas que tomou como a já referida construção daescola de Louredo e o pagamento integral do azeite necessário à iluminação dasua aldeia natal. Aquando da inauguração da escola de Louredo, em 1918,Moreira de Castro organizou uma grandiosa festa, na sua vivenda Castrália. Paraesta festa, convidou muitas pessoas, entre eles os jornalistas dos mais importan-tes periódicos portuenses como O Comércio do Porto e o Jornal de Notícias.

Zeferino Lourenço Martins, contemporâneo de Adriano Moreira de Castro,nasceu na freguesia de Galegos, concelho de Penafiel, no ano de 1858, filho deJosé Lourenço Borges e Maria Martins Coelho. Emigrou para o Brasil bastantejovem, destacando-se rapidamente no comércio de peles. Instalou-se no Estadode São Paulo, onde se tornou uma personagem de grande prestígio, sendonomeado vice-cônsul, na cidade de Santos, nos finais do século XIX. Devido àsua actividade junto dos outros emigrantes portugueses, Zeferino LourençoMartins recebeu, por decreto de 11 de Julho de 1909, do rei D. Manuel II, otítulo de barão de Lourenço Martins2.

Tal como aconteceu com Adriano Moreira de Castro, também o barão Lou-renço Martins se destacou nos meios lisboetas, como transparece de vários arti-gos publicados em jornais nacionais, como por exemplo o República. A sua

OS BRASILEIROS DE PAREDES – DOIS PERCURSOS DE BENEFICÊNCIA E ESQUECIMENTO

507

2 ZÛQUETE, 1960: 699.

Figura n.º 3 – Escola EB1 de Louredo (fotografia Alda Neto)

Page 509: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

actividade filantrópica foi por diversas vezes homenageada, como aconteceuem 1927, por ter custeado, na íntegra, as obras de carpintaria no Quartel dosBombeiros Voluntários de Cete.

Quando faleceu em 1934, a sua morte foi noticiada por vários periódicos,entre os quais O Progresso de Paredes que a ele se refere nos seguintes termos:

Zeferino de Lourenço Martins (Barão de Lourenço Martins) era natural dafreguesia de Galegos, do visinho concelho de Penafiel, filho de José LourençoBorges e D. Maria Martins Coelho. Morreu com a idade de 72 anos.

Há uma frase que, embora banal, se pode aplicar com todo o rigor do seusentido: Desaparece sem deixar uma aversão, uma inimizade, uma mal que-rença. As casas de beneficência perdem com aquele chorado e caritativohomem, um dos seus melhores amigos. A sua bolsa estava constantementeaberta para, ao nosso Hospital da Misericórdia e á Corporação dos BombeirosVoluntários de Paredes, oferecer avultados donativos3.

Os brasileiros de torna-viagem de Paredes eram, geralmente, oriundos domeio rural, e, quando regressavam, instalavam-se nas terras de origem ou nou-tras escolhidas por eles, como foi o caso de Zeferino Lourenço Martins. Quantoa Adriano Moreira de Castro, construiu a sua casa na freguesia de Louredo, localde onde era natural, enquanto o barão de Cete, natural da freguesia de Galegos,concelho de Penafiel, acabou por se instalar na freguesia de Cete, onde construiua sua habitação. As suas habitações transformaram-se em espaços de tertúlia emque participavam intelectuais e músicos, contribuindo com as festas que aí orga-nizavam para uma constante animação da região. Relativamente à Castrália, estarecebeu personagens ilustres como o Alfredo Magalhães, ministro da InstruçãoPública em 1918, o bispo do Porto, D. António Augusto de Castro Meireles,entre os anos de 1929 e 1942, ou mesmo o importante milionário brasileiro Leó-nidas de Castro, grande amigo de Adriano Moreira de Castro. Significativa-mente, em 1901, o compositor musical Álvaro Teixeira Lopes criou uma valsaem honra de Adriano Moreira de Castro, à qual deu o nome de Castrália. Por suavez, Zeferino Lourenço Martins também terá organizado algumas festas em suacasa, mas sobre estas existe pouca informação na imprensa.

A própria decoração das habitações no seu interior e nos jardins envolven-tes reflecte uma preocupação em demonstrar o sucesso obtido. No seu interior,destacam-se as pinturas murais que decoram as paredes da sala de jantar da Cas-trália, ilustrativas do ambiente que deixou no Brasil e do qual sente saudades.Nestas paredes, estão representadas imagens insólitas como os flamingos, ouuma extensa avenida rodeada de edifícios neoclássicos e de palmeiras. Por outrolado, este emigrante procura ilustrar o interior da sua habitação com imagensalusivas à música, ou mesmo à geografia (globo). No exterior, encarregou-se decolocar imagens simbólicas alusivas ao comércio (deus Hermes) e à indústria.

ALDA NETO

508

3 O PROGRESSO de Paredes, n.º 195, 22 de Setembro de 1934.

Page 510: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Evidenciando o nível de instrução que adquiriu quer em Portugal quer no Bra-sil, na casa de Adriano Moreira de Castro existiam livros, revistas e instrumentosmusicais, como é o caso de um piano. Adriano Moreira de Castro é um exemplodos brasileiros que se instalam nos meios rurais e procuram trazer alguma dina-mização à vivência social e cultural destas regiões. Por seu lado, e embora Zefe-rino Lourenço Martins não tivesse optado, na sua casa, por uma decoração tão efu-siva, esta destaca-se na localidade pelas linhas sóbrias que a caracterizam.

OS BRASILEIROS DE PAREDES – DOIS PERCURSOS DE BENEFICÊNCIA E ESQUECIMENTO

509

Figura n.º 4 – Castrália – Louredo, Paredes (fotografia Alda Neto)

Figura n.º 5 – Villa Martins – Cete, Paredes (fotografia Alda Neto)

Page 511: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

No conjunto, estes brasileiros destacaram-se pela sua actividade de benefi-cência, mas também pelo papel preponderante que desempenharam na vidapolítica da região e mesmo do país. Gostavam de afirmar o seu conhecimentono âmbito da política, deslocando-se por isso à sede do concelho para partici-par em tertúlias com outros brasileiros e intelectuais da região. A imprensa doconcelho patrocinada por si, serve-lhe de meio de propaganda por ocasião dealguma doação ou de uma actividade filantrópica.

Adriano Moreira de Castro destacou-se pelos textos que redigiu para aimprensa local, como A Behetria de Louredo, jornal onde publicou alguns con-tos subordinados ao tema do emigrante português que partiu para o Brasil embusca de fortuna e aí enriqueceu, regressando a Portugal, país onde veio ainvestir o seu dinheiro em obras de benemerência. Paralelamente, redigiuvários textos, durante a década de 1920 para o Almanaque Luso-Brasileiro, edi-tado pela Parceria A. M. Pereira. Dentre estes textos destacam-se poemas dehomenagem aos portugueses que ficaram na cidade de Belém do Pará4.

Adriano Moreira de Castro e Zeferino Lourenço Martins foram importan-tes impulsionadores da abertura de vias de comunicação em Louredo e Cete ePaço de Sousa, respectivamente. Adriano Moreira de Castro foi um dos habi-tantes de Louredo que se empenhou na construção da estrada municipal queligava esta freguesia à de Sobrosa. Por seu lado, Zeferino Lourenço Martinsincentivou o alargamento da estrada municipal que atravessava a freguesia deCete, assim como se empenhou pessoalmente na abertura de uma avenida queconduzisse o visitante desde a estação do caminho-de-ferro de Cete até ao Mos-teiro de Paço de Sousa. Estas avenidas criadas por iniciativa destes homenspossuem actualmente o seu nome5.

Um dos aspectos que mais marcou o perfil dos brasileiros de torna-viagemfoi a actividade filantrópica, que se estendeu às mais variadas áreas, desde oapoio à instrução até à solidariedade social (asilos, hospitais, igrejas e auxílioaos mais pobres). Esta imagem de benemérito nem sempre corresponde ao perfilque se construiu do brasileiro, já que este é frequentemente apresentado comoum avarento. No entanto, a análise mais atenta dos seus percursos de vida per-mite verificar, hoje, que muitos dos brasileiros não se enquadraram, pela acti-

ALDA NETO

510

4 O brasileiro Adriano Moreira de Castro foi um constante impulsionador da imprensa regional,destacando-se como colaborador mas também como principal financiador. Um dos principaisexemplos é o jornal A Behetria de Louredo, publicado entre os anos de 1921 e 1922, que erafinanciado por si. Nas colunas da imprensa local foram publicados, também, alguns textos escri-tos por Adriano Moreira de Castro. Este jornal era distribuído gratuitamente pelo concelho deParedes. Em determinadas ocasiões tornou-se o principal defensor do emigrante, como foi o casoda aquisição dos terrenos do passal de Louredo, onde viria a ser construída a escola de Louredo.

5 “O carro pára. Toma-se uma carreteira mal gradada onde a generosidade do illustre Barão da Casade Cêtte (Zeferino Lourenço Martins) está mandando fazer á sua custa uma ampla e rasgada ave-nida que vae da estrada onde apeamos até junto do Mosteiro. (…) Deus queira que a freguezia dePaço de Souza saiba comprehender o nobre e magnânimo gesto do snr. Barão de Cêtte e lh’o agra-deça em perdurável gratidão” (FREIRE (MARIO), s.d.: 52-53).

Page 512: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

vidade beneficente que desenvolveram, nessa visão. É de notar, contudo, quemuitos dos actos de filantropia tinham como principal objectivo a obtenção dadesejada comenda ou título nobiliárquico.

Relativamente aos concelhos de Paredes e de Penafiel, concelhos ruraissituados na proximidade do Porto, a filantropia dos brasileiros registou-se emvariados aspectos, desde o patrocínio às Misericórdias, às igrejas e confrarias,até ao incentivo da instrução dos mais jovens e dos mais velhos através daconstrução/melhoria de escolas até ao financiamento de bolsas de estudo.

Tal como aconteceu em diversas Misericórdias do norte do país, também ade Paredes beneficiou da grande ajuda destes emigrantes, salientando-se não sóAdriano Moreira de Castro e Zeferino Lourenço Martins, como também ocomendador António Pereira Inácio e Elias Moreira Neto.

O Hospital da Misericórdia foi construído com grandes ajudas monetáriasdos brasileiros, entre eles Adriano Moreira de Castro e Zeferino LourençoMartins, barão de Cete. Os retratos destes dois brasileiros foram colocados nagaleria dos Irmãos Beneméritos da Irmandade da Misericórdia de Paredes,onde ainda hoje estão expostos. O barão Lourenço Martins foi um importantebenemérito da Irmandade da Misericórdia de Paredes e de Penafiel, assimcomo dos Bombeiros Voluntários de Cete e de Paço de Sousa. Organizou pedi-tórios quer no Brasil quer nos concelhos de Paredes e Penafiel para construir oHospital que se destinava a servir a população necessitada de cuidados médi-cos. Durante a década de 1930, este brasileiro de torna-viagem patrocinou asconsoadas que eram atribuídas anualmente aos doentes que se encontravam noHospital da Misericórdia de Paredes. Como é referido no jornal O Progresso deParedes, a 29 de Julho de 1933, este homem foi “o primeiro a concorrer parao Novo Pavilhão – “do nosso querido Hospital”, citando-o: “feito o Novo Pavi-lhão haverá mais movimento, já podem contar que terei de dar mais do quedou, anualmente”6. Adriano Moreira de Castro, foi, também, um importantebenemérito da Misericórdia de Paredes, na medida em que se empenhou emhonrar outros brasileiros paredenses através das suas doações. O brasileiroJerónimo de Barros (jornalista, natural de Sobrosa, emigrante no Brasil, funda-dor e director do jornal A Redenção), esquecido pelos seus conterrâneos, logoapós a sua morte, foi homenageado por este através da doação de uma quantiaavultada, para a construção de uma parede no Hospital. As doações à Miseri-córdia de Paredes e ao seu Hospital tornaram-se uma constante durante a vidade Adriano Moreira de Castro, a quem deixou, após a sua morte, 20 contos, porvontade expressa em testamento.

Na época, a instrução escolar era escassa devido ao pequeno número deescolas existentes, sobretudo no Norte do País, onde as escolas do sexo femi-nino eram praticamente inexistentes. As escolas constituem um outro exemploda actividade beneficente dos brasileiros, tendo dado início, na segunda

OS BRASILEIROS DE PAREDES – DOIS PERCURSOS DE BENEFICÊNCIA E ESQUECIMENTO

511

6 O PROGRESSO de Paredes, n.º 135, 29 de Julho de 1933.

Page 513: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

metade do século XIX, a um movimento de construção de escolas de forma apromover a aprendizagem das primeiras letras. Apesar da escassez de meiospara a instrução, coube, assim, aos brasileiros um papel preponderante ao pro-curarem dotar as suas terras de origem de escolas para ambos os sexos (comoé o caso de Adriano Moreira de Castro que construiu a escola de Louredo) ouao patrocinaram cursos de alfabetização de adultos, como foi o caso do barãoLourenço Martins na freguesia de Cete. Estes emigrantes, ao patrocinarem ainstrução, procuraram demonstrar o seu valor e os seus benefícios na sua acti-vidade profissional e no seu sucesso.

Foi isso que fez o brasileiro Adriano Moreira de Castro que procurou criaras condições para que as crianças da sua aldeia natal pudessem frequentar asescolas. Para além das condições criadas, Adriano Moreira de Castro doou àsua freguesia natal um edifício para servir de escola para a aprendizagem dasprimeiras letras destinada a ambos os sexos, e para residência dos professores.É importante, ainda, referir que, no concelho de Paredes, foram construídasvárias escolas por iniciativa dos brasileiros recém-regressados que, procuraramdotar as principais freguesias destes espaços. Uma das escolas mandada cons-truir pelo Conde Ferreira, foi erigida na freguesia de Castelões de Cepeda, sededo concelho de Paredes.

Em 1912, a Câmara Municipal de Paredes recebeu a doação de cerca de3000 m2 do passal da freguesia de Louredo, para a construção de uma escola.No entanto, a Câmara não possuía meios económicos que lhe permitissem levara cabo este projecto. Adriano Moreira de Castro, enquanto presidente daComissão Municipal Administrativa do concelho de Paredes adquiriu o terrenodoado à Câmara e iniciou a construção da escola para ambos os sexos. O con-junto projectado englobava a escola e as habitações para os professores. Deimediato, iniciou o processo de pedido de autorização para construir a escola,que deveria estar pronta no prazo de cinco anos. A Comissão Administrativa doConcelho de Paredes concedeu-lhe as autorizações necessárias e o brasileirocomprometeu-se a comportar todos os custos necessários à construção do edi-fício. Nos anos seguintes, preocupou-se em adquirir o material escolar neces-sário, desde as carteiras às cadeiras, e mesmo aos mapas. Em 1917, doou aescola à freguesia, durante uma sessão da Câmara Municipal, sessão esta emque entregou as chaves da escola ao Presidente da Câmara. No final da sessãocamarária, decidiu-se dar a conhecer ao ministério da Instrução Pública, estaatitude de beneficência em prol do desenvolvimento do concelho. No anoseguinte, em 1918, foi publicada a doação no Diário do Governo.

A escola abriu as suas portas em Outubro de 1918, após uma grandiosarecepção organizada por Adriano Moreira de Castro e na qual estiveram presen-tes as principais personagens do concelho, entre elas José Coimbra Pacheco,proprietário do solar da Venda, mais tarde Estância de Saúde de Louredo, e ofuturo bispo do Porto, D. António Augusto de Castro Meireles. A escola foi com-pletamente mobilada bem como dotada de material didáctico necessário para osalunos, desde uma colecção de mapas de Portugal e das suas colónias, até um

ALDA NETO

512

Page 514: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

conjunto de estampas sobre a História de Portugal. O ministro da InstruçãoPública, Dr. Alfredo de Magalhães, não esteve presente nesta inauguração, masenviou um cartão felicitando Adriano Moreira de Castro por esta iniciativa.

OS BRASILEIROS DE PAREDES – DOIS PERCURSOS DE BENEFICÊNCIA E ESQUECIMENTO

513

O jornal República, no dia 12 de Outubro de 1918, publicou um artigosobre o Adriano Moreira de Castro e a inauguração da escola, salientandosobretudo a defesa da instrução como um valor republicano, “Depois do pão, aeducação é a primeira necessidade do povo” (frase transcrita na fachada prin-cipal da escola). Desta forma, Adriano Moreira de Castro é exaltado como ummodelo dos ideais republicanos, assentes sobretudo na instrução e na educaçãodo povo. Este brasileiro defendia o alargamento da instrução a todas as classessociais, ajudando para tal os mais necessitados através da concessão de bolsasde estudo, ou mesmo da dádiva dos materiais necessários, como é ainda hojerecordado por algumas pessoas da freguesia.

Após a inauguração do edifício, Adriano Moreira de Castro instituiu dona-tivos anuais para que os jovens mais necessitados pudessem frequentar a escolae criou prémios de mérito escolar, que eram atribuídos na festa de Natal que,anualmente, se realizava na escola. Esta atitude de beneficência ficou registadanuma pequena placa colocada na frontaria do edifício. A escola, para além de

Figura n.º 6 – Notícia da inauguração da Escola de Lourenço (Jornal de Notícias, 8 de Outubro de 1918)

Page 515: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

um espaço destinado ao ensino das letras, veio a constituir, nos anos seguintes,um espaço para actividades culturais, como os saraus promovidos pela Tuna deCristelo.

É de salientar, que, do edifício construído no início do século XX, poucoresta actualmente, uma vez que sofreu obras de grande envergadura que modi-ficaram por completo o seu interior. No entanto, apesar desta intervenção, amemória de que a escola resultou de uma acção beneficente permanece, semque seja recordado o nome do seu autor, o brasileiro Adriano Moreira de Cas-tro, esquecido quer pelas entidades municipais quer pela população.

Contudo, na sua época, a acção de Adriano Moreira de castro foi reconhe-cida. Em 1936 recebeu o título de Cavaleiro da Ordem da Instrução Públicaconferido pelo general Óscar Carmona.

Quanto ao barão Lourenço Martins, este destacou-se pelo incentivo dado àalfabetização de adultos na freguesia de Cete, criando para tal um curso noc-turno e prémios para os melhores alunos. O barão Lourenço Martins procurou,desta forma, contribuir para a diminuição da taxa de analfabetismo entre osadultos em Portugal. No jornal O Progresso de Paredes, este homem foi refe-rido como o grande benemérito da instrução popular na freguesia de Cete, sócomparável a Vitorino Leão Ramos, um outro brasileiro de Cete que se empe-nhou na aquisição dos terrenos e posterior construção da escola do Verdeal.

A afirmação do sucesso destes homens que fizeram fortuna no Brasil, tam-bém, se materializou com a participação nas festas e romarias da sua terra natal.Esta participação foi, sobretudo, monetária, e permitia que o emigrante agra-desse ao santo da sua devoção as benesses obtidas no Brasil. No concelho deParedes, na freguesia de Louredo, a 7 de Outubro de 1901, o brasileiro AdrianoMoreira de Castro realizou uma festa em honra de São Sebastião, em cumpri-mento de uma promessa. O artigo publicado no jornal O Comércio de Penafielsalienta a grandiosidade da procissão: “Á noute queimou-se um vistosíssimofogo de artificio, preso e do ar, no pittoresco largo fronteiro á egreja que seachava profusamente illuminado, bem como a frontaria da egreja. Durante ofogo tocaram com muita correcção duas bandas de música e foram lançados aoar muitos aeróstatos”7.

O barão Lourenço Martins destacou-se pela ajuda monetária que conseguiureunir, enquanto vice-cônsul na cidade de Santos, para auxiliar as vítimas de umterramoto que ocorreu no Ribatejo em 1909. Entre os portugueses na cidade deSantos, o Barão conseguiu amealhar cerca de 17 contos de réis, que foram entre-gues ao tesoureiro da Comissão de Socorros aos sobreviventes do Ribatejo8.

No concelho de Paredes, tal como acontece em Penafiel e noutras regiõesdo Norte do país, as pessoas tendem a esquecer-se da acção desenvolvida emprol do progresso da sua terra por estes brasileiros, que continuam a ser enca-

ALDA NETO

514

7 O COMÉRCIO de Penafiel, n.º 2656, 9 de Outubro de 1901.8 O PENAFIDELENSE, n.º 3191, 10 de Agosto de 1909.

Page 516: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

rados como personagens camilianas. É preciso, por isso, recuperar a memóriadestes homens e das suas acções, uma vez que os brasileiros de torna-viagemconstituíram um importante motor da sociedade portuguesa nos finais de Oito-centos e na primeira metade do século XX. Homens como Adriano Moreira deCastro e Zeferino Lourenço Martins, que se destacaram nas suas comunidadesnão podem ser esquecidos, na medida em que se perderá não só a memória dassuas acções, mas também uma parte da história local.

Como refere Ricardo Jorge, na sua obra Brasil!Brasil!, o brasileiro consti-tui uma personagem que se destacou no panorama português pelo sua benefi-cência, mas também pela mudança do panorama do Norte do país.

O tenente-coronel José Ribeiro da Costa Júnior assinou um artigo no jornalO Progresso de Paredes, em 1925, intitulado Os Brasileiros, onde salienta otrabalho desenvolvido por estes homens que regressaram do Brasil, enriqueci-dos quer económica quer culturalmente:

No concelho de Paredes estão bem patentes as produções resultantes dodinheiro dos brasileiros, por exemplo temos: na sede do concelho, (…) asescolas oficiais semi – Conde de Ferreira; (…); em Louredo a Castrália e a suamola; (…).

Se Camilo tivesse podido contar o ouro que todos os anos os ‘brasileiros’fazem pesar na nossa balança económica e influir tão beneficamente na nossasituação financeira;

Se Camilo tivesse anotado, de norte a sul do nosso país, o que os ‘brasi-leiros’ tem feito de útil e de belo, mesmo de grandioso, em vivendas, quintas,estradas, igrejas e hospitais!...

Se Camilo tivesse feito uma estatística dos pobres socorridos, das famíliasremediadas e das doenças tratadas com o dinheiro dos ‘brasileiros’!...

Se Camilo, tudo isto tivesse visto e pesado, teria por certo feito escrever,á sua pena sublime incomparável, obras maravilhosas de louvor e gratidãopelos ‘brasileiros’.

Comparem-se agora com estes beneméritos, essa alcateia de vampiros queabruptamente surgiram neste lindo país, durante e depois da guerra, e, queaproveitando-se das facilidades do crédito e da desvalorização da moeda tãorapidamente fizeram fortuna que o povo os alcunhou de novos-ricos. Estesdiferençam-se bem dos ‘brasileiros’ como o egoísmo da filantropia como aavareza da generosidade.

Os ‘brasileiros’ enriquecem o país com o ouro que nos mandam, os novos-ricos empobrecem-nos com o ouro que exportam. Aqueles criaram a abas-tança, a parcimónia no viver, estes desenfrearam o luxo e o prazer de gastar.Os primeiros encheram o país de escolas e obras de beneficência, os últimosabriram nas cidades os clubes de depravação e desviaram da honestidademilhares de raparigas9.

OS BRASILEIROS DE PAREDES – DOIS PERCURSOS DE BENEFICÊNCIA E ESQUECIMENTO

515

9 O NOVO PAREDENSE, Paredes, n.º 57, 5 de Abril de 1925.

Page 517: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

O autor do artigo compara o tipo social criado pela literatura portuguesa daépoca, nomeadamente por Camilo Castelo Branco, com o emigrante portuguêsque tendo regressado rico, se preocupou em beneficiar a sua comunidade local.De acordo com o tenente-coronel José Ribeiro da Costa Júnior, os brasileiros detorna-viagem são diferentes dos “novos-ricos” que surgiram em Portugal, nosfinais do século XIX, na medida em que se preocuparam em dotar as suas comu-nidades com infra-estruturas que impregnaram algum desenvolvimento, e não selimitaram a esbanjar o dinheiro angariado no Brasil. No entanto, é necessárioreferir que estes emigrantes procuraram um reconhecimento social junto dascomunidades locais, através destas constantes dádivas à população ou às institui-ções existentes (Irmandade da Misericórdia, jornais, escolas, Câmara Municipal).

Como refere Maria Conceição Meireles Pereira, a emigração portuguesarevestiu-se de histórias de sucesso e de insucesso. Construíram-se fortunas epercursos notáveis. No entanto, houve muitos caminhos que, por várias razões,não foram concretizados10. O grande objectivo destes emigrantes portuguesesque partiam com destino ao Brasil era o regresso com um pé-de-meia que lhespermitisse demonstrar, na sua terra de origem, o sucesso obtido. Desta forma,e como refere Ferreira de Castro, na sua obra Emigrantes, é preciso descontarpor cada um que regressa rico, milhares de desgraçados que perderam a vidaou esmolaram o repatriamento. Outros regressaram enriquecidos, demons-trando desta forma o sucesso da sua vivência no Brasil, mas tal como muitosportugueses que lá morreram no esquecimento, também estes têm vindo a seresquecidos pelas comunidades de onde eram naturais. Se os seus actos de filan-tropia ficaram registados na memória dos seus contemporâneos e familiares, otempo tem-se encarregado de a apagar.

Os brasileiros de Paredes apresentados neste artigo, constituem dois impor-tantes exemplos destes emigrados que, abanando a árvore das patacas, conse-guiram realizar o sonho do Brasil. Regressados à sua terra natal, contribuírampara a melhoria das condições de vida da população. Contudo, sobre eles, hoje,pouco se guarda na memória colectiva local. “Os ‘brasileiros’ merecem pois asminhas homenagens e daqui os saúdo efusivamente”11.

É necessário levar a cabo um trabalho de investigação consistente que per-mita o conhecimento das actividades desenvolvidas localmente pelos brasilei-ros de torna-viagem. É importante que o esquecimento a que foram votadosseja ultrapassado e, que lhes seja conferido o lugar que merecem no âmbito daHistória Local.

ALDA NETO

516

10 PEREIRA, 2000: 359-369. 11 O NOVO PAREDENSE, Paredes, n.º 57, 5 de Abril de 1925.

Page 518: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Jorge Fernandes, 1989 – “Emigração Portuguesa: o exemplo do Porto nos meados doséculo XIX”. Revista de História, Porto: Centro de História da Universidade do Porto, vol.IX, p. 267-289.

BARREIRO, José do, 1924 – Monografia de Paredes. Porto: Tipografia Barros e Costa. BASTO, Artur de Magalhães, 1958 – “Faça-se justiça ao ‘Brasileiro’ que o Romantismo tanto

caluniou”. O Tripeiro, V série, ano XIV, n.º 8, p. 225-227.COSTA JÚNIOR, José Ribeiro da, 1947 – A Árvore das Patacas: romance com uma descrição

da vida no Rio de Janeiro há 50 anos. Lisboa: [s.n.].FREIRE (MARIO), João Paulo, [s.d.] – Terra Lusa – Impressões de Viagem. Braga: Raul Gui-

marães & C.ª – Editores.JORGE, Ricardo, 1930 – Brasil! Brasil!. Lisboa: Empresa Literária Fluminense. LEAL, Joaquim da Rocha, 2002 – História Concisa da Santa Casa da Misericórdia de Paredes.

Paredes: Santa Casa da Misericórdia de Paredes.MEIRELES, Maria da Conceição, 2000 – “Os Brasileiros Notáveis e… os outros”, in Os Brasi-

leiros de Torna-Viagem. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobri-mentos Portugueses, p. 359-369.

SOUSA, António Gomes de; COELHO, Manuel Ferreira, 1990 – Temas Penafidelenses (Subsí-dios para a Monografia de Paredes). Penafiel: Câmara Municipal de Penafiel.

ZÛQUETE, Afonso Eduardo Martins, 1960 – Nobreza de Portugal e do Brasil. Lisboa, Rio deJaneiro: Editorial Enciclopédia. vol. II, p. 699.

OS BRASILEIROS DE PAREDES – DOIS PERCURSOS DE BENEFICÊNCIA E ESQUECIMENTO

517

Page 519: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 520: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

519

CONCLUSÕES

O trabalho que agora se publica sobre a Emigração do norte de Portugalpara o Brasil, intitulado Nas duas margens: os portugueses no Brasil, editadopelo CEPESE, contou com investigadores portugueses, brasileiros e espanhóisque se têm centrado, nas suas investigações, sobre o complexo fenómeno daemigração/imigração para o Brasil, através do levantamento e análise dos fun-dos documentais disponíveis num e no outro lado do Oceano. Assumindo-secomo uma importante plataforma de encontro e de debate, este Projecto dina-mizou as relações há muito estabelecidas entre os investigadores de vários paí-ses, permitindo, uma vez mais a aferição de metodologias e o enriquecimentoda problemática.

Nesse sentido, foram apresentadas mais de trinta textos, que, no conjunto,possibilitaram novos dados e achegas sobre a questão da emigração/imigraçãopara o Brasil, contribuindo, decisivamente, para o alargamento do seu conhe-cimento nas suas múltiplas vertentes. Desde a identificação das fontes, à aná-lise quantitativa e qualitativa da informação até à apresentação das bases dedados já existentes e/ou a criar, foram vários os temas em análise, amplamentediscutidos nos debates que tivemos a oportunidade de realizar.

Procurando responder ao desafio lançado no III Seminário Internacional,realizado em São Paulo e em Santos, em Novembro de 2007, alguns dos inves-tigadores presentes centraram a sua análise no ano de 1912, permitindo estabe-lecer as bases para um estudo comparativo entre os dados disponíveis nos paí-ses de partida e no país de destino da emigração, o Brasil. Este cruzamento deinformação mostrou-se fundamental para a caracterização dos fluxos migrató-rios, de forma continuada, fundamentada e rigorosa, e deve ser tido como umprincípio norteador da investigação a desenvolver.

Além do levantamento e análise estatística dos dados que ainda existem dis-persos em muitos arquivos, foi também preocupação evidenciada por algunsinvestigadores a caracterização socioeconómica das comunidades dos emigran-tes/imigrantes nos diferentes estados brasileiros, bem como o estudo do asso-ciativismo que dentro dessas comunidades se assumiram como importantesmeios de integração no Brasil e da manutenção da sua identidade. Neste ponto,procurou-se perceber de que forma as comunidades estrangeiras se organizarame participaram na organização socioeconómica e política do território brasileiro.

Aliado ao fenómeno da migração, surgiu, ainda, como preocupação de aná-lise, o estudo dos impactos da emigração para o Brasil nas regiões de origem,ao nível do desenvolvimento socioeconómico local. Nessa linha de problema-

Page 521: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

CONCLUSÕES

520

tização, procuraram-se encontrar novos mecanismos de análise do fenómenodo retorno dos emigrantes (compulsivo e/ou por vontade própria) bem como dainfluência que os “brasileiros de torna-viagem” exerceram nos diversos secto-res da sociedade em que se reintegraram, desde a economia até à política à cul-tura e arquitectura, assumindo-se como elementos essenciais para o desenvol-vimento local.

Com a publicação deste trabalho que resulta de uma reflexão aprofundadade investigadores portugueses e brasileiros sobre a Emigração para o Brasil,ressalta uma vez mais o muito que ainda há a fazer em torno desta questão.Com perseverança, trabalho e o reforço do diálogo não só com o Brasil comocom outros países europeus onde o mesmo fenómeno se verificou, quer aonível dos resultados quer ao nível das metodologias de investigação, é neces-sário colocar objectivos cada vez mais ambiciosos e exigentes que permitamrelançar questões e abordagens.

Por último, fazemos questão de sublinhar a importância do diálogo luso--brasileiro que, pela investigação que tem vindo a ser desenvolvida por acadé-micos e investigadores de vários países, tem contribuído para o debate científiconuma perspectiva abrangente, permitindo apontar rumos de investigação parale-los e convergentes, nomeadamente através da planificação do estudo de fontescomplementares existentes nos arquivos de ambos os países. A continuaçãodesta abordagem metodológica possibilitará o cruzamento dos dados, a aferiçãodos resultados e o levantamento sistemático da informação tendo em vista novasproblematizações e interpretações, a exigir, assim, a continuidade do projecto deinvestigação e dos seminários que anualmente o CEPESE, em colaboração coma FAPERJ e com outras instituições universitárias, tem realizado.

Page 522: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

521

FINAL REMARKS

The work that is now published about Emigration from the North of Portu-gal to Brazil, intitled On both sides: the Portuguese in Brazil, organized byCEPESE, had the participation of Portuguese, Brazilian and Spanish resear-chers that focused their investigations on the complex phenomenon of emigra-tion/immigration to Brazil, through the survey and analysis of documentaryfunds available in both sides of the Ocean. As an important platform for meet-ing and discussion, this project promoted the long-established relationshipsbetween researchers from different countries, allowing once again the measu-rement methodologies and the enrichment of the research on the theme.

Thus, more than thirty works were presented, which allowed new data andsurveys on the issue of emigration/immigration to Brazil, contributing decisi-vely to the expansion of the subject in its multiple aspects. The identificationof sources, the quantitative and qualitative analysis of information, the presen-tation of existing databases and the creation of new ones were some of the the-mes widely discussed.

To respond to the challenge of the III International Seminar held in SãoPaulo and Santos, in November 2007, some of these researchers focused theiranalysis in the year 1912, allowing to establish the basis for a comparativestudy between the data available in the departure and destination countries ofemigration – Portugal and Brazil. This combination of information proved tobe crucial for the characterization of migratory flows, in a permanent, moti-vated and rigorous way, and should be taken as a guide line of the research todevelop.

Besides the survey and statistical data analysis, many of it still scattered inmany archives, it was also highlighted the socioeconomic characteristics of thecommunities of emigrants/immigrants in the different Brazilian states, and thestudy of associations that were created within these communities as importantmeans of integration in Brazil and for the maintenance of their identity. At thispoint, we tried to understand how the foreign communities were organized andparticipated in the social and political organization of the Brazilian territory.

Together with the migratory phenomenon, another study took place: theimpact of emigration towards Brazil in the regions of origin, at a socioeconomiclevel. We tried to find new mechanisms for examining the phenomenon of retur-ning emigrants (compulsive and/or by free will) and the influence that the “Bra-zilians of torna-viagem” had in different sectors of society, from the economy topolitics, culture and architecture, all of them essential for local development.

Page 523: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

This publication once again highlights how much is yet to be done on thisissue, but, with perseverance, work and by strengthening the dialogue not onlywith Brazil but with other European countries where the same phenomenonoccurred, it is necessary to place more ambitious and demanding goals onfuture approaches.

Finally, we are keen to stress the importance of the Portuguese-Braziliandialogue that, through the research that has been developed by academics andresearchers from several countries, has contributed to the scientific debate in anin-depth perspective, allowing to point out new research directions, particularlythrough the planning of the study of additional sources available in the archi-ves of both countries. The continuation of this approach allows the crossing ofdata, the measurement of results and the systematic survey of information, loo-king for new problems and interpretations, requiring therefore the continuity ofthe research project and the seminars held each year by CEPESE, in collabora-tion with FAPERJ and other universities.

FINAL REMARKS

522

Page 524: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

RESUMOS / ABSTRACTS

Page 525: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 526: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

525

RESUMOS

FERNANDO DE SOUSA/MARIA JOSÉ FERRARIA

A emigração portuguesa para o Brasil e as oigens da Agência Abreu (1840)

A emigração portuguesa para o Brasil, no século XIX, só pode ser entendida como a conti-nuação de um processo multissecular iniciado no século XVI e que, ao longo do tempo, comaltos e baixos, se prolongou até praticamente aos nossos dias. Quer sob a forma de coloniza-ção/emigração durante o Império Português (1500-1822), quer sob a forma de emigração pro-priamente dita a partir da independência do Brasil (1822), exigindo sempre, de 1709 em diante,a emissão de um passaporte para quem pretendesse ausentar-se de Portugal para aquele territó-rio, esta longa emigração iludiu as leis da proibição ou restrição de cá e de lá, e ignorou asmudanças dos regimes políticos que ocorreram em cada um dos países nos últimos dois séculos.

Estas breves considerações vêm a propósito do percurso de um português que cedo emigroupara o Brasil e regressou a Portugal como outros tantos brasileiros para fundar, no Porto, em1840, a Agência Abreu, a mais antiga empresa de viagens portuguesa, uma das mais antigas domundo, e que, nas mãos da mesma família, veio até aos nossos dias. Importa, assim, caracterizara emigração portuguesa para o Brasil entre 1836-1843, traçar o perfil do seu fundador BernardoLuís Vieira de Abreu e explicar as razões que estão na origem da Agência Abreu, a qual, durantelargas décadas, teve na emigração transoceânica a sua principal actividade.

Palavras-chave: Emigração; Brasil; passaportes; legislação, Agência Abreu.

ISMÊNIA DE LIMA MARTINS

A movimentação de portugueses no Brasil: 1808 a 1842. A Base Lusa do Arquivo Nacional

O trabalho que agora se publica, apresenta a base de dados montada para comportar os dadosoriginalmente extraídos do fundo da polícia da Corte, 1808-1842, existente no Arquivo Nacio-nal. Comportando 63 189 registos, o instrumento terá abrangência sobre 96 volumes de livros deregistos produzidos pela Polícia da Corte para controlo da movimentação de estrangeiros, tantoem deslocamentos para o interior quanto para o exterior do país. A estrutura básica dos dadosincluídos compreende: nome e sobrenome, naturalidade, idade, características físicas, estadocivil, ocupação/profissão, moradia, local de trabalho, data de chegada, procedência, tipo deembarcação, nacionalidade da embarcação, nome da embarcação, comandante, razão da vinda,destino, data do registo, observações e notação. Finalmente, serão apontadas as possibilidadesdeste instrumento de pesquisa, que se encontra disponibilizado on-line, resultado do ConvénioCEPESE/FAPERJ/Arquivo Nacional.

Palavras-chave: Brasil; Arquivo Nacional; imigração portuguesa; registos de passaporte.

Page 527: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

RESUMOS/ABSTRACTS

526

JORGE CARVALHO ARROTEIA

Emigrantes e irmandades de origem portuguesa no Brasil: as Santas Casas de Miseri-córdia

Criadas nos finais do século XV por acção da Rainha D. Leonor, a Irmandade da Confrariade N.ª S.ª da Misericórdia de Lisboa, cedo se espalhou por todo o território do reino, nas princi-pais cidades e vilas, difundindo-se com o movimento dos Descobrimentos, a várias praças ecidades fundadas pelos portugueses. Assim acontece com o Brasil, sendo que, desde a chegadados portugueses a este território até à data da sua independência, foram fundadas mais de umadezena de irmandades em território brasileiro. Esta acção segue o modelo centralizador da admi-nistração portuguesa durante o período colonial, mas prossegue após a independência, respon-dendo a muitas solicitações assistenciais e outras, da população local e emigrante. Relacionar omovimento de criação das Santas Casas de Misericórdia com a emigração portuguesa no Brasil,constitui uma linha de pesquisa enriquecedora, a qual beneficia do levantamento orientado pelaProf.ª Doutora Yara Aun Khoury (2004), da PUC-SP, no âmbito das celebrações dos 500 anos doBrasil.

Palavras-chave: Brasil; emigração portuguesa; irmandades; Santas Casas de Misericórdia.

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

Migrações sociais, transmigrações políticas e receptividade imigracional

O objetivo central deste texto é estabelecer uma forte relação entre as dimensões políticas eos processos migratórios. No caso específico, trata-se de focar a transmigração da família realportuguesa para o Brasil, onde esteve pelo período de 13 anos, e o estabelecimento de condiçõesfavoráveis para o desenvolvimento da imigração portuguesa no Brasil durante o século XIX, namedida em que representou uma continuação do regime político (Império) e, sobretudo, umacontinuação dinástica (Braganças), elementos que, certamente, tornaram acolhedor o territóriobrasileiro para aqueles portugueses que se dispuseram a emigrar.

Palavras-chave: Imigração; transmigração; Braganças, D. Pedro II; abertura dos portos.

GLADYS SABINA RIBEIRO

Portugueses e a luta pelo alargamento de direitos e pela cidadania no final do séculoXIX e início do século XX

Pretende-se analisar a participação dos imigrantes portugueses nos movimentos sociais definais do século XIX e inícios do XX, em busca de uma igualdade democrática através da inser-ção na sociedade brasileira. Nossa perspectiva é a de que a cidadania não se remete apenas aosdireitos políticos, mas tem dimensões relativas aos direitos sociais e direitos humanos ao se travaruma luta pela equidade social. Nesse sentido, as liberdades, como as de associação, de livre exer-cício profissional e de expressão, assumiriam sentido específico tendo no Judiciário um impor-tante um canal de expressão. Estas demandas teriam significado especial em momento de pretensaigualdade democrática, como no primeiro período republicano, que, contudo, demonstrou-se oca-sião de excepção política constante com estados de sítio decretados justamente em função do ale-

Page 528: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

RESUMOS/ABSTRACTS

527

gado perigo à ordem, consubstanciado pelo intenso movimento social. Portanto, ao analisar a par-ticipação dos portugueses nos movimentos sociais e o recurso à Justiça pretendemos avançar nasreflexões sobre a necessidade de alargarmos o conceito de cidadania, ultrapassando a sua divisãoem direitos políticos, civis e sociais. Pretendemos reforçar a ideia que a cidadania deve apontar nadirecção das identidades construídas no movimento social e o seu entendimento deve mapear asexpectativas de vivências das liberdades dentro de uma sociedade democrática. A luta políticapode ser entendida como forma de alargamento de direitos, onde o indivíduo nem é cooptado peloEstado nem meramente aceita ou reivindica a concessão de direitos.

Palavras-chave: Imigrante português; cidadania; Primeira República; império.

MARIA APPARECIDA FRANCO

PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

Os trabalhadores portugueses na cidade portuária de Santos, no final do século XIX

O presente estudo pretende conhecer os trabalhadores portugueses imigrados para a cidadeportuária de Santos, que passava por intensa transformação, sobretudo pela grande exportação decafé, que impulsionava a modernização do porto e buscava superar as inúmeras epidemias quesacrificavam a população. Os portugueses formaram a principal corrente imigratória estrangeirana região das últimas décadas do século XIX a meados do século XX. Visou-se, neste primeiromomento, o levantamento dos trabalhadores das principais instituições da cidade, tais como aEmpresa Melhoramentos do Porto de Santos (depois Cia. Docas de Santos); da Cia. City (con-cessionária dos transportes coletivos) e dos hospitais da Santa Casa de Misericórdia de Santos (oprimeiro do Brasil) e de Hospital Santo Antônio, da Sociedade de Beneficência Portuguesa. Aintenção foi traçar um perfil dos mesmos, procurando saber quem eram, de que regiões são oriun-dos, seu grau de instrução, suas relações com os espaços de trabalho, seus principais problemas(multas, demissões, internações), como a grande rotatividade do trabalho e a fuga das epidemias.Um estudo crítico das fontes e do potencial das mesmas também se fez necessário, a fim demelhor compreender a presença desses trabalhadores no meio santista e sua relação com acidade.Um dos principais problemas para o pesquisador são as falhas de dados contínuos nasfontes e as lacunas de informação, nos livros de registro funcional e nos de resumo de freqüên-cia (livro do ponto).

Palavras chave: Trabalhadores portugueses; registro funcionais; Santos; Brasil.

FREDERICO ALEXANDRE HECKER

A repressão aos imigrantes portugueses em São Paulo: os subversivos e os outros

Neste artigo pretende-se, por meio da documentação reunida pela polícia política paulista,interpretar alguns dos sucessos relativos à história política da imigração portuguesa, justamenteno período em que sua presença nas transformações sociais brasileiras tornava-se fundamental:dos anos 1920, até o momento da instalação do governo varguista do Estado Novo (1937).

Palavras-chave: Imigração portuguesa; polícia política; história política.

Page 529: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

RESUMOS/ABSTRACTS

528

ADELINA PILOTO/ANTÓNIO MONTEIRO DOS SANTOS

Vilacondenses na fundação e engrandecimento do Real Hospital Português de Per-nambuco

Em meados do século XIX uma mortífera epidemia de cholera-morbus assolou o Brasil,martirizando de forma particularmente dramática o Estado de Pernambuco. Face a essa terrívelrealidade que chegava a ceifar mais de cem vidas diárias em todo o país, a comunidade portu-guesa liderada pelo Dr. José de Almeida Soares Lima Basto decidiu fundar em 1855, o Real Hos-pital de Beneficência no Recife, para tratar gratuitamente as vítimas da moléstia. Desde a suafundação, e ao longo dos mais de 150 anos de existência, muitos naturais de Vila do Conde, àsemelhança de outros portugueses solidários e altruístas, têm concedido generosos donativos edesempenhado cargos da mais alta responsabilidade nessa instituição.

Palavras-chave: Hospital; beneficência; Pernambuco.

CRISTINA DONZA CANCELA

Imigração portuguesa, casamento e riqueza em Belém (1870-1920)

Neste artigo, analiso a imigração portuguesa para Belém durante os anos de 1870 a 1920,período de desenvolvimento e crise da economia da borracha. Observo o perfil dessa imigraçãoquanto ao gênero, a origem e a atividade exercida, destacando os motivos do deslocamento, osarranjos necessários para que ele ocorresse, a presença feminina e as cartas trocadas pelos casais.Investigo ainda as alianças matrimoniais e familiares e a inclusão dos comerciantes portuguesesjunto às famílias proprietárias de terra e gado da elite local.

Palavras-chave: Imigração portuguesa; Amazônia; família.

FERNANDA PAULA SOUSA MAIA

Os “brasileiros” de torna-viagem e as relações Portugal Brasil na década de 1930 –estudo de caso

Com fortes raízes na região Noroeste do continente português que, desde o século XVII, viumuita da sua população excedente cruzar o Atlântico em demanda do Brasil, seria, no entanto, ape-nas no século XIX que a emigração para o território americano registaria um volume quantitativomais significativo, factor responsável e determinante para o debate que a partir de então suscitou.Embora inserida numa era de migração de massas que afectou toda a Europa, a emigração portu-guesa para a antiga colónia americana, agora nação independente, não deixaria de ser vista, peloEstado, como um fenómeno isolado, expressão sintomática de uma vivência patológica da socie-dade portuguesa. Talvez assim se perceba melhor a tendência do discurso oficial para, pelo menosaté à década de 1940, acentuar a noção de decadência na análise deste fenómeno. Ora, nesta comu-nicação, a partir de uma abordagem biográfica, pretende-se evidenciar o papel do emigrante portu-guês no Brasil (o conhecido brasileiro) enquanto protagonista no processo de desenvolvimento dasrelações Portugal-Brasil durante a década de 1930, ou seja, nos alvores do Estado Novo.

Palavras-chave: Emigração; Brasil; relações Portugal-Brasil.

Page 530: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

RESUMOS/ABSTRACTS

MARIA DE NAZARÉ SARGES

Os Portugueses na cidade: trabalho e cotidiano (Belém – 1900)

No início dos anos 1900 o estado do Pará recebeu um expressivo contingente de imigrantesportugueses. Alguns vinham com a passagem subvencionada e embarcados na maioria, pelo portode Leixões. Sob o forte apelo da propaganda imigrantista do governo paraense, os portugueses che-gando à cidade de Belém não demonstraram interesse em se fixar no campo, como determinavamos contratos de trabalho, visto que pouquíssimos eram lavradores. Na cidade exerceram várias ati-vidades, desde vender peixes pelas ruas até carregar pianos ou lavar as casas de pessoas ricas,embora muitas vezes tenham se tornado donos de estabelecimentos comerciais. Também é evidenteque desenvolveram estratégias de solidificação de uma certa identidade lusitana por meio de cria-ção de associações como o Grêmio Literário Português ou de gazetas como O Luzitano, e A Colô-nia Portuguesa, entre outros. Mas é no universo do trabalho que eles irão desenvolver suas práti-cas cotidianas de resistência, de conciliação e de adaptação à nova terra e aos novos costumes.

Palavras-chave: Pará; Belém; Portugueses; migração; trabalho.

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

Emigración y asociacionismo español en Brasil

Brasil es el tercer país americano que más inmigrantes españoles recibe, fundamentalmenteen las dos últimas décadas del siglo XIX y tres primeras del XX. Como en Argentina o Cuba, losespañoles llevarán a cabo en Brasil un amplio proceso asociacionista que comienza a mediadosdel XIX centrado en la beneficencia y la ayuda mutual y que va ampliando sus objetivos y ser-vicios en la etapa de emigración en masa, incidiendo también en los recreativos y culturales. Seráun asociacionismo generalmente étnico globalmente español, pero también están presentes lasasociaciones regionales, fundamentalmente las constituidas por la colectividad más amplia, lagallega. La segunda ola inmigratoria tras la Segunda Guerra Mundial revitalizará esos espaciosde sociabilidad que el corte de la corriente inmigratoria había debilitado y dará lugar a muchosotros que desde los años sesenta protagonizarán un proceso de fusión que trata de incrementar sureducida influencia en la colectividad española.

Palavras-chave: Emigración; inmigración; asociacionismo; colectividad española.

MARIA DA GRAÇA MARTINS

Fontes para o estudo da emigração: o caso do nordeste transmontano (1901-1920)

É objectivo deste artigo apresentar e comentar algumas das características das fontes esta-tísticas nacionais que serviram de base ao estudo da emigração do distrito de Bragança, nas duasprimeiras décadas do século XX, dando especial destaque aos Livros de Registo de Passaportes,então sob a tutela do Governo Civil. Um outro conjunto de fontes históricas permitiu, ainda, aanálise qualitativa do fenómeno emigratório transmontano, como os boletins de emigração e aimprensa regional, preciosos mananciais de informação sobre a temática e a vida deste distritode interior fronteiriço que contribuiu com um forte contingente emigratório para ao Brasil.

Palavras-chave: Emigração; fontes estatísticas; livros de registo de passaportes, imprensaregional; Bragança.

Page 531: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

YVONE DIAS AVELINO

Heróis no mar, heróis na terra: Vila Madalena, um porto seguro

O presente artigo é resultado parcial de uma pesquisa em andamento, que estuda um bairroda cidade de São Paulo, que passou por várias transformações através das décadas, sendo nesterecorte nosso foco iluminador o processo da imigração portuguesa para este território. Muitosforam os intelectuais que se interessaram em narrar os acontecimentos que ocasionaram a trans-formação no bairro de Vila Madalena. Nenhum porém, salvo melhor juízo, se debruçou na temá-tica da imigração portuguesa. Através da técnica da Documentação Oral, além de outras fontesutilizadas, traremos a visão desses imigrantes, que ajudaram a construir esta vila, outras vilas eesta cidade. Esse tema da imigração para o Continente Americano, especificamente o Brasil,pode ser abordado sobre o prisma de enfoques diversificados. É frutífero nesse universo analisá-lo de forma macro, buscando suas estruturas e razões do deslocamento na Europa. Não deixa deser também importante adotar um enfoque mais micro, mais pontual, olhando e analisando a tra-jetória de famílias e suas localizações em diferentes regiões, que é o que nos propomos fazer nanossa pesquisa, e que agora, sintetizamos neste artigo. Nesta pequena reflexão, nossa intenção élançar o foco iluminador sobre algumas famílias de imigrantes portugueses, que chegaram nosprimeiros anos do século XX, numa seqüência até os anos 60, para a cidade de São Paulo, e queajudaram a construir o bairro de Vila Madalena, onde se instalaram.

Palavras-chave: Vila; história; i/emigração; memória.

LENÁ MEDEIROS DE MENEZES

A “onda” emigratória de 1912: dos números às trajetórias

O artigo coloca em destaque a emigração portuguesa para o Brasil em 1912. Nessa pers-pectiva, discute a importância da proclamação da República em Portugal para a elevação dosnúmeros relativos à emigração, cotejando os números existentes em Portugal e no Brasil. Diver-sos métodos são utilizados para demonstrar como os fatores políticos ganharam destaque na con-juntura que enquadrou a mudança de regime em Portugal, enriquecendo o empurra-puxa (pull-push) com histórias de vida baseadas em processos de expulsão movidos contra anarquistas por-tugueses residentes no Brasil, emigrados entre 1911 e 1913.

Palavras-chave: Emigração portuguesa; imigração portuguesa no Brasil; 1912; proclama-ção da República em Portugal; anarquismo.

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

Associações portuguesas no Rio de Janeiro: aspectos sociais e financeiros em 1912

Com base em estatísticas oficiais de assistência social, são apresentados dados quanto aquantidade, sexo e nacionalidade de membros, capital social, receita e despesa, tipos de dispên-dio e número de beneficiados das associações portuguesas existentes em 1912 no Rio de Janeiro.A análise avalia a importância e a ação dessas entidades tanto em relação a elas mesmas quantoem relação a congêneres não portuguesas.

Palavras-chave: Brasil, imigração portuguesa, associativismo.

RESUMOS/ABSTRACTS

530

Page 532: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS/SÊNIA BASTOS

Portugueses em São Paulo. registros e ingressos (1912): Hospedaria do Imigrante – listasde bordo e livros de registro

A análise dos registros de ingressos de portugueses em São Paulo, por meio das listas geraisde desembarque de passageiros e dos livros da Hospedaria para o ano de 1912, permite vislumbraro seu movimento nos portos de Santos (12 273) e do Rio de Janeiro (3 595). Há que se destacar asobreposição das listas de bordo dos navios custodiadas pelos arquivos das duas cidades, visto quemuitos desembarcaram no Rio de Janeiro, seguindo para a Hospedaria, em uma nova embarcação(no que resulta a duplicação das listas). Na Hospedaria do Imigrante de São Paulo observam-se lis-tas de bordo de 524 diferentes embarcações, que trouxeram à Hospedaria 16 781 lusos (que embar-caram em 274 diferentes embarcações ao longo do ano) provenientes, principalmente, dos portosde Lisboa, Leixões, Madeira e Vigo. Cotejadas ao livro de registros de imigrantes da Hospedaria,pode-se constatar a permanência do fluxo ao longo do ano, com maior incidência de seu desem-barque no Brasil nos primeiros cinco meses (9 832), especialmente em janeiro (2 520) e maio (2129). O não conhecimento da escrita (15 103), o predomínio de solteiros (9 663), e de homens (9555) corrobora o que tem sido apontado pelos estudos acerca da imigração portuguesa para o Bra-sil. A amostra indica que 1 445 lusos não foram aceitos como colonos, mas as fontes consultadasnão permitem acompanhar suas trajetórias, indicando os limites da análise.

Palavras-chave: Imigração portuguesa; Hospedaria do Imigrante.

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

Emigração familiar para o Brasil do distrito de Braga, no ano de 1912

No Arquivo do Governo Civil de Braga, informatizámos os registos de pedido de passaportepara o Brasil, de todo o distrito de Braga, no ano de 1912. Esta base de dados permite-nos conta-bilizar o fluxo emigratório legal desta área geográfica, neste espaço temporal, e apresentar o res-pectivo tratamento estatístico das variáveis sexo, estado civil, idade, profissão, destino, tipo depassaporte (se individual ou colectivo) e constituição dos passaportes colectivos. Apresentaremosassim, para o ano de 1912, e por concelhos, tabelas e gráficos com os titulares de passaporte indi-viduais e colectivos por sexos; os acompanhantes dos passaportes colectivos por sexos; parentescodos acompanhantes em relação ao titular do passaporte; estado civil dos titulares dos passaportescolectivos; idade dos titulares dos passaportes colectivos e seus acompanhantes; profissões dostitulares de passaportes colectivos e, ainda, o destino no Brasil destes grupos familiares.

Concluiremos com uma abordagem comparativa entre os diversos concelhos do distrito deBraga, agora estudados, e o concelho de Guimarães cujo estudo está já concluído, apresentandoos percentuais de emigrantes que partiram integrados em grupos familiares.

Palavras-chave: Emigração familiar; Brasil; Braga, 1912.

MARIA DA CONCEIÇÃO MEIRELES PEREIRA/PAULA MARQUES DOS SANTOS

Legislação sobre emigração para o Brasil na I República

Na sequência do estudo sobre a legislação portuguesa relativa à emigração para o Brasil noperíodo da Monarquia Constitucional, este trabalho visa apresentar o enquadramento normativo

RESUMOS/ABSTRACTS

531

Page 533: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

que sobre a mesma matéria foi produzido durante a I República. A recolha da informação nasColecções de Legislação e nos Diários do Governo suscitou a compilação de mais de meia cen-tena de diplomas legais que são analisados nos seus aspectos mais expressivos em articulaçãocom o contexto político-social da época, pelo que se divide este período cronológico em quatrofases: os alvores do novo regime; os anos da I Guerra Mundial; a época posterior à guerra; osúltimos anos da República.

Na primeira fase avultam os temas do serviço militar e da emissão de passaportes, os quaisprevalecem na segunda fase, dado o contexto bélico, aliados ao reforço do serviço de fiscaliza-ção e prevenção da emigração clandestina. O terceiro momento é crucial em termos de produçãolegislativa da República nesta matéria, haja em vista a publicação do importante e extensodecreto de 10 de Maio de 1919, completado em 19 de Junho seguinte pelo Regulamento Geraldos Serviços de Emigração. Os últimos anos da República são marcados pela publicação devários diplomas cuja natureza era preponderantemente rectificativa (a título definitivo ou provi-sório) ou clarificadora da doutrina vigente sobre a matéria em questão.

Palavras-chave: Emigração; legislação; Portugal; I República; Brasil.

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

A imprensa regional como fonte para o estudo da emigração para o Brasil – Lamegona primeira metade do século XX

A importância da imprensa periódica como fonte para a História Contemporânea é hojeinquestionável. Formando e/ou amplificando opiniões, a imprensa regional reveste-se de espe-cial importância no interior do país. É o caso do concelho de Lamego, que, localizado na regiãode Trás-os-Montes e Alto Douro, sente de forma intensa o fenómeno da emigração para o Bra-sil, ao longo da primeira metade do século XX. Um fenómeno de grande impacto social e eco-nómico a que a imprensa local, evidentemente, não pôde ficar indiferente. O levantamento dainformação que fizemos de forma sistemática nos jornais da cidade de Lamego, sede de conce-lho, permitiu-nos confirmar que, tal como acontece em outras localidades, também aqui se veri-ficam, para o período cronológico referido, distintos posicionamentos face à emigração para oBrasil. A imprensa constitui assim um complexo barómetro das sensibilidades locais relativa-mente a essa questão que importa equacionar. Para além de as identificar e sistematizar, procu-raremos, neste estudo, entender os condicionalismos da imprensa que justificam os diferentesdiscursos, bem como apreender o papel que esta, voluntária ou involuntariamente, assumiu, nasua área geográfica de influência, como importante agente motivador ou desmotivador da emi-gração para o Brasil.

Palavras-chave: Imprensa; emigração; fontes; Trás-os-Montes, Alto Douro.

PAULA MARQUES DOS SANTOS

A emigração do distrito de Viseu em direcção ao Brasil (1854-1973)

Esta comunicação pretende apresentar uma análise das fontes documentais existentes noArquivo Distrital de Viseu sobre a emigração. Após o levantamento deste fundo documental,consideramos importante estabelecer as suas características básicas, bem como identificar possí-veis diferenças na informação fornecida, de acordo com o período cronológico. Neste artigo

RESUMOS/ABSTRACTS

532

Page 534: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

apresentaremos a análise das duas grandes fontes documentais existentes no Arquivo Distrital deViseu – os livros de registo de passaporte e os processos individuais.

Palavras-chave: Emigração; Viseu; fontes documentais.

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

Ilustres de cá e lá. Regressados do Brasil no Porto de Oitocentos

Durante séculos, o Brasil apresentou-se como a árvore das patacas para muitos portugue-ses: milhares partiram para terras de Vera Cruz, onde organizaram novas vidas; alguns enrique-ceram; uns quantos regressaram ao solo pátrio. Entre esses brasileiros de torna-viagem, conta-ram-se três famílias, cujos caminhos intercruzaram-se ao longo de todo o século XIX: os Cala-zans Rodrigues, os Forbes e os Bessa. No Brasil, ocuparam cargos palatinos e de governança,estatuto que mantiveram após o seu regresso ao Porto; aqui, deixaram marca na cidade, desdelogo na opulenta Casa de São Lázaro.

Palavras-chave: Calazans Rodrigues; Barões de Taquary; Forbes; Bessa (Francisco PintoBessa e Joaquim de Bessa Pinto); Rio de Janeiro.

SUSANA SERPA SILVA

Emigração legal e clandestina nos Açores de Oitocentos (da década de 30 a meados dacentúria)

No segundo quartel do século XIX, os fluxos emigratórios açorianos demandavam preferen-cialmente o Brasil, na sequência das levas já verificadas no século XVIII, ainda que estas tenhamtido incentivo régio, ao contrário do que se verificou em Oitocentos. A independência daqueleterritório, em 1822, não representou um entrave para os emigrantes insulares que, por via legalou por intermédio de estratagemas ilícitos, partiam em busca de novos horizontes. As preocupa-ções das autoridades face a este fenómeno, em crescendo, demonstram, entre outros aspectos, asdificuldades sentidas no controlo e repressão da emigração clandestina, em especial.

Palavras-chave: Emigração; destinos; clandestinidade; autoridades; Açores.

JOÃO RAMALHO COSME

Subsídios para a história da emigração dos concelhos a Norte do rio Douro para o Bra-sil (1886-1891)

Esta comunicação tem por base a investigação que realizámos no Arquivo Nacional da Torredo Tombo, núcleo do Governo Civil de Lisboa, onde estão depositados os pedidos de passapor-tes requeridos na capital do reino. É uma análise de cariz microanalítico, onde estudamos as peti-ções feitas, entre 1886 e 1891, pelos naturais das localidades a norte do rio Douro.

Palavras-chave: Brasil; emigração; Norte do rio Douro.

RESUMOS/ABSTRACTS

533

Page 535: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ADÍLIA FERNANDES/ODETE PAIVA

Emigração dos minhotos para o Brasil (1850-1910). Os bem sucedidos e os outros

Trataremos, neste artigo, da emigração para o Brasil entre a segunda metade do século XIX ea primeira década do século XX, centrando-nos no concelho de Vila Nova de Famalicão, no dis-trito de Braga. Foi feita uma abordagem em que utilizámos diversos tipos de fontes, de que desta-camos os dados da paróquia reconstituída pelo método da reconstituição de paróquias, de NorbertaAmorim, os registos de passaportes e a imprensa local da época. Tal como o título sugere, falare-mos de alguns brasileiros, os tais bem sucedidos, mas também dos outros, alguns dos outros, dei-xando interrogações e caminhos possíveis para os resgatar do esquecimento, tendo sempre a visãode conjunto, mas privilegiando a micro análise. Usando o estudo de caso, poderemos seguir emlonga duração a história de vida do emigrante e tentar encontrar estratégias seguidas por eles e suasfamílias, numa aproximação à compreensão dos múltiplos eixos da questão emigratória.

Palavras-chave: Emigração; Famalicão; Brasil; 1850-1910.

DIOGO FERREIRA/RICARDO ROCHA

A emigração do Norte de Portugal para o Brasil antes e após a I Guerra Mundial (1913e 1919): variações e permanências

Este trabalho pretende estabelecer uma análise comparativa de alguns indicadores socioe-conómicos – idade, profissão, naturalidade, sexo, etc. – relativos à emigração do Norte de Por-tugal para o Brasil nos anos imediatamente antecedentes e precedentes à Primeira Guerra Mun-dial, respectivamente, 1913 e 1919, e assim tentar perceber variações e constantes, e encontrarfactores explicativos, pelo menos parcialmente, para os resultados alcançados.

Palavras-chave: Portugal; Brasil; emigração; variações; Grande Guerra.

PAULO AMORIM/SÍLVIA BRAGA

A emigração do Norte de Portugal para o Brasil através dos livros de registo de pas-saportes do Governo Civil do Porto (1935-1945)

Este estudo, subordinado ao tema A Emigração do Norte de Portugal para o Brasil através dosLivros de Registo de Passaportes do Governo Civil do Porto (1935-1945), apresenta os resultadosdo levantamento e tratamento estatístico dos elementos identificativos referentes aos emigrantes,cujos passaportes foram requeridos no Governo Civil do Porto entre 1935 e 1945. O objectivo destetrabalho é traçar o perfil do emigrante do Norte de Portugal para o Brasil, dando conta do volumedos efectivos migratórios e da sua importância no movimento migratório português, da sua distri-buição por destino, por naturalidade, por género, por estado civil, por grupos etários e pela sua clas-sificação socioprofissional. A emigração portuguesa para o Brasil é uma componente estrutural daHistória contemporânea portuguesa, em geral, e das relações Portugal-Brasil, em particular, desta-cando-se o papel da cidade do Porto enquanto palco de afluência de gentes das mais diversas regiõese estratos sociais, que se serviram do seu porto para rumar ao Brasil em busca do Eldorado.

Palavras-Chave: Emigração; imigração; Portugal; Brasil; passaporte.

RESUMOS/ABSTRACTS

534

Page 536: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA ORTELINDA BARROS GONÇALVES

A emigração legal no concelho de Boticas (1960/88) – caracterização profissional emobilidade

Migrações: de onde, para onde, quem emigra no concelho de Boticas no período de1960/1988. Com o objectivo de procurarmos resposta para estas questões, consultamos os dadospresentes nos passaportes dos emigrantes, atinentes ao espaço e tempo referidos. Os resultadosdesta análise constituem, em parte, o cerne do entendimento dos movimentos migratórios inter-nacionais da população local, bem como das suas implicações demográficas e económicas locais.

Palavras-chave: Boticas; emigração; implicações demográficas e económicas locais.

ANTÓNIO JOSÉ DE OLIVEIRA

O testamento de Vicente José de Almeida Guimarães, negociante vimaranense no Bra-sil (1792)

Neste artigo pretendemos trazer alguns dados sobre a vida de Vicente José de Almeida Gui-marães (1754-1792), negociante vimaranense no Brasil, através do seu assento de baptismo, doseu testamento e do respectivo assento de óbito. Natural da freguesia de Santa Eulália de Fer-mentões (concelho de Guimarães), emigrou para o Brasil, onde deixou descendência, regres-sando mais tarde à sua terra natal. Faleceu na casa do tio e padrinho, Vicente José de Carvalho,um conceituado mestre pedreiro galego radicado em Guimarães. Estas três fontes manuscritasinéditas, constituem uma importante fonte documental, não apenas para o estudo biográfico destenegociante, tanto em termos pessoais, como profissionais, como para o estudo da emigraçãovimaranense para o Brasil.

Palavras-chave: Guimarães; Mariana (Brasil); negociante; testamento; brasileiro.

CELESTE CASTRO

A emigração na paróquia de Santo André da Campeã (1848-1900)

Muitos foram os emigrantes do norte de Portugal que largaram da barra do Douro ou Tejo,em direcção ao Brasil. Estes tinham um sonho em comum, fossem homens ou mulheres, novosou velhos – regressar e, de preferência com meios suficientes para construir uma casa com ter-reno e proporcionar aos seus uma vida confortável. Trataremos, no presente estudo, de duasfamílias oriundas do distrito de Vila Real, no interior de Portugal, possuidoras de bens, que emi-graram, no séc. XIX, para o Brasil. Dois percursos familiares, onde a opção perante as vicissitu-des da vida foi a emigração e o reencontro da família, no outro lado do Oceano.

Palavras-chave: Emigração; família; testamento; Vila Real.

RESUMOS/ABSTRACTS

535

Page 537: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ALDA NETO

Os brasileiros de Paredes – dois percursos de beneficência e esquecimento

Os brasileiros de Paredes sobre os quais nos vamos debruçar no nosso estudo, foram figu-ras de destaque não só no panorama concelhio, mas também nos territórios brasileiros que osreceberam. Estes homens partiram do concelho de Paredes com destino ao Brasil, na segundametade do século XIX e no primeiro quartel do século XX. Após o seu regresso, contribuírampara obras de beneficência quer ao nível de construção de escolas quer de ajuda aos mais neces-sitados. Adriano Moreira de Castro e o barão de Lourenço Martins são dois exemplos de emi-grantes portugueses no Brasil que tiveram um percurso de sucesso, quer nesse país, quer em Por-tugal.

Palavras-chave: Paredes; emigração; filantropia; instrução; Misericórdia.

RESUMOS/ABSTRACTS

536

Page 538: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

ABSTRACTS

FERNANDO DE SOUSA/MARIA JOSÉ FERRARIA

The Portuguese emigration to Brazil and the origins of the Agência Abreu (1840)

Portuguese emigration to Brazil, in the 20th century, can only be understood as a permanentprocess initiated in the 16th century until the present. Under the setting of colonization/emigra-tion during the Portuguese Empire (1500-1822), or under the form of emigration after the Inde-pendence of Brazil (1822), always requiring, since 1709, a passport emission, this emigrationdeluded the prohibition and restrictive laws of both countries and ignored the political regimechanges of the last two centuries.

This explanation is essential for one to understand the role of a Portuguese individual thatwent to Brazil very young and returned to Portugal to establish, in 1840, the Agência Abreu, theoldest travel agency of Portugal, one of the oldest in the world and that remains in the samefamily in the present.

Keywords: Emigration; Brazil; passports; legislation; Agência Abreu.

ISMÊNIA DE LIMA MARTINS

Portuguese movements in Brazil: 1808-1842. The National Archive Database

Our work presents a database elaborated in order to do a statistic treatment of the data foundin the documentation of the Royal Court police that is kept in the National Archive. With 63 189registries, this database includes 96 volumes of registration books, created to control the foreig-ner’s movements in Brazil. The basic structure includes the following items: name and surname,birthplace, age, physical signs, marital status, professional occupation, address, job address, arri-val date, origin, type of ship, ship nationality, ship name, the name of the ship captain, the rea-son to go to Brazil, the final destination, the registration date and observations. At the end, wehighlight the potentialities of this research instrument, which is on-line, after theCEPESE/FAPERJ/Arquivo Nacional protocol.

Keywords: Brazil; National Archive; Portuguese immigration; passports registry.

JORGE CARVALHO ARROTEIA

Emigrants and Portuguese brotherhoods in Brazil: the Misericórdias

Created at the end of 15th century, by Queen D. Leonor, the Brotherhood of N.ª S.ª da Mise-ricórdia de Lisboa was rapidly spread throughout the kingdom, in the main towns and villages,in the context of the Portuguese Discoveries movement. This also happens in Brazil since the

537

Page 539: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Portuguese arrival to this territory until its independence, a period where more than ten brother-hoods were founded. This action follows the centralized model of the Portuguese administrationduring the colonial period, that after its independence tries to answer to many requests of assis-tance, of local and foreign population. We compare the “Misericórdias” dissemination to Portu-guese emigration in Brazil, a very rich research, that began with the survey of Prof. Yara AunKhoury (2004), PUC-SP, in the scope of the celebrations of the 500 years of Brazil.

Keywords: Brazil; Portuguese emigration; brotherhoods; Misericórdias.

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

Social migrations, political transmigrations and immigration receptiveness

The central purpose of this text is to establish a strong relation between the political dimen-sions and migratory processes. In the specific case, the point is to focus the transmigration of thePortuguese Royal Family to Brazil, where it stayed for 13 years and the establishment of favo-rable conditions to the development of the Portuguese immigration to Brazil during the 19th cen-tury, as a continuation of the political system (Empire) and, above all, a dynastic continuation(Braganças), elements that, certainly, turned Brazil into a very welcoming territory for those Por-tuguese that were prepared to emigrate.

Keywords: Immigration; transmigration; Braganças; Pedro II; opening up the ports.

GLADYS SABINA RIBEIRO

Portuguese and the struggle for the enlargement of the rights and citizenship at the endof the 19th century and the beginning of the 20th century

We intend to analyze the Portuguese immigrant’s participation in the social movements, atthe end of the 19th century and the beginning of the 20th century, looking for the democratic equa-lity through its insertion in the Brazilian society. Our perspective is that citizenship isn’t just poli-tical rights, but it has some dimensions related to social and human rights when fighting for asocial equality. Thus, some rights such as of association, professional or opinion freedom becamevery important and had in the judiciary way an expression channel. During the republican periodwe assisted many occasions of political exceptions, many siege states to prevent the alleged order’sdanger, because of the intense social movement.

By analyzing the Portuguese participation in these movements and the possibility to appealto Justice, we intend to contribute for the research about the need to enlarge the citizenship con-cept, surpassing its division in political, civil and social rights. We intend to reinforce the ideathat citizenship must point to the built identities in social movement and its comprehension mustshow the expectations created to live these kind of rights and freedoms. The political strugglecan be understood as a way to enlarge rights, where the individual isn’t neither coed-opt by Statenor accepts or demands the concession of rights.

Keywords: Portuguese immigrant; citizenship; First Republic; empire.

RESUMOS/ABSTRACTS

538

Page 540: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA APPARECIDA FRANCO PEREIRA/MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

Portuguese workers in the port town of Santos, in the end of the 19th century

Santos, in the 19th century, was developing a process of huge transformations because ofthe coffee export and the consequent modernization of its infrastructures, but it is also true thatback in those days, many epidemic diseases affected the region. It is precisely within these sce-narios that our presentation intends to study the Portuguese workers in the port city of Santos. Infact, the Portuguese constituted one of most important migratory flows in this region, from the19th century to 20th century. Being so, our main goal is to build a survey on the workers of themajor town institutions, such as the Firm Melhoramentos do Porto de Santos (later known asCia. Docas de Santos); the Cia. City (concessionaire of the public transports) and the Santa Casade Misericórdia de Santos Hospital (the first in Brazil) and the Santo Antônio Hospital, of theSociedade de Beneficência Portuguesa. The purpose was to know who were these workers, fromwhich region they came, their level of instruction, their essential problems in a new country,among other interesting items.

Keywords: Portuguese workers; registers; Santos; Brazil.

FREDERICO ALEXANDRE HECKER

Portuguese immigrants repression in S. Paulo: the subversives and the others

This work intends, through the documentation gathered by the political police of São Paulo,to interpret some of the successes on the political history of Portuguese immigration, preciselyduring the period in which their presence in the Brazilian social transformations was crucial: theyears 1920, until the establishment of the varguista government of the Estado Novo (1937).

Keywords: Portuguese immigration; police policy; political history.

ADELINA PILOTO/ANTÓNIO MONTEIRO DOS SANTOS

Distinguished Vila do Conde inhabitants in the Royal Charity Portuguese Hospital ofPernambuco

In the middle of the 19th century a deadly cholera-morbus plague devastated Brazil, dra-matically destroying the state of Pernambuco. Regarding that terrible reality that could, in a day,kill more than one hundred lives in the region, the Portuguese community led by José de AlmeidaSoares Lima Basto decided to found, in 1855, the Royal Charity Hospital. Its purpose was to takecare of the victims, saving many lives. Since its foundation and throughout more than 150 years,many friendly and unselfish Vila do Conde inhabitants have been giving generous donations tothat institution where they have played highly responsible tasks, and even supervising the insti-tution.

Keywords: Charity; hospital; Pernambuco.

RESUMOS/ABSTRACTS

539

Page 541: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

CRISTINA DONZA CANCELA

Portuguese immigration, marriage and wealth in Belém (1870-1920)

This article analyses Portuguese immigration between 1870 and 1920, a period in whichAmazônia experienced the development and the crisis of rubber economy. This study discus-ses the immigrants profile in relation to gender, origin and professional activity highlightingreason for immigration, all the necessary arrangements for the journey, women participationand letters exchanged between husbands and wives. Among the others topics under investiga-tion we approach: marriage and family, and the inclusion of Portuguese merchants in the localelite dominated by landowners.

Keywords: Portuguese immigration; Amazônia; family.

FERNANDA PAULA SOUSA MAIA

The brasileiros de torna viagem and the relations Portugal-Brazil in the 1930’s – a casestudy

With strong roots in the Northwest region of Portugal, which, since the 17th century, saw itsexceeding population leaving to Brazil, it was only in the 19th century that emigration to Ameri-can territory became very important, in terms of quantitative volume. This fact increased thedebate on the theme. Portuguese emigration towards Brazil, although a part of an immense Euro-pean movement, was seen by Portuguese governments as a singular phenomenon that expresseda pathological tendency of the Portuguese society. That is perhaps the reason to better unders-tand the negative view of the official political discourse about the theme until the 1940. We pre-sent in this paper the role of the Portuguese emigrant during the decade of 1930, as an exampleof how the relations between the two countries developed within this context of social tendency.

Keywords: Emigration; Brazil; Portugal-Brazil relations.

MARIA DE NAZARÉ SARGES

Portuguese in the city: work and everyday life (Belém, 1900)

In the early XX century, the Brazilian state of Pará received a remarkable contingent of Por-tuguese immigrants. Some of them had their travel tickets subventioned by the Pará governmentand most of them embarked on the Port of Leixões, Portugal. Under the strong appeal by the“immigrantist” propaganda made by the Para’s government, the Portuguese immigrants didn’t goto the rural areas, since that most of them never worked in agriculture. In the city of Belém (thecapital of the State), they performed many activities, from selling fish on the streets to carryingpianos or cleaning the rich people’s houses. Nevertheless, some immigrants even became ownersof commercial houses. Their activities in the city show that they invested in a certain “lusitan”identity throught the creation of ethnical associations, as the Grêmio Literário Português, andnewspapers like O Luzitano and A Colônia Portuguesa, among others. But it’s in the labor con-text that they would develop their everyday practices of resistance, conciliation, and adaptationto the new land and new costumes.

RESUMOS/ABSTRACTS

540

Page 542: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Keywords: Pará; Belém; Portuguese; immigration; labor.

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

Emigration and Spanish associationism in Brazil

Brazil is the third American country in the number of Spanish immigrants received, particu-larly in the last two decades of the 19th century and during the first three of the 20th century. Simi-larly as in Argentina or Cuba, the Spanish immigrants developed in Brazil a wide associationistprocess which begins in the mid-19th century and focuses on charity and on reciprocal assistance,broadening more and more its goals and services during the stage of massive emigration, and alsoemphasizing the leisure and cultural aims. It is a generally ethnic and globally Spanish associa-tionism, with the regional associations being present, though, basically those made up by the lar-gest community, the Galician one. The second immigration wave after the Second World Wargives a new impetus to those places for social exchange that the power struggle had weakened.Also, it gives rise to many other places which, from the 1960’s onwards, will be in the middle ofthe fusion process that tries to increase its reduced influence in the Spanish community.

Keywords: Emigration; immigration; associationism; Spanish community.

MARIA DA GRAÇA MARTINS

Sources for the study of emigration. The Northeast of Trás-os-Montes (1901-1920) – acase study

The purpose of this work is to present and analyse some of the features of the national datasources which supported the study of emigration from the district of Bragança, on the first twodecades of the 20th century, with a special relevance to the register books of passports, in thatepoch under the responsibility of the governo civil. Other aspect that drawn our attention is thequalitative analysis of the migratory phenomenon in Trás-os-Montes, especially if we considerthe emigration statistics and the regional press, precious sources of information about the themeand the life of the interior district border, which has contributed strongly for the migratory con-tingent that left to Brazil.

.Keywords: Emigration; statistic sources; register books of passports; regional press; Bra-

gança.

YVONE DIAS AVELINO

Heroes in the sea, heroes in the land: Vila Madalena, a safe port

This article is the partial result of a research about a specific neighbourhood of S. Paulo.This neighbourhood has suffered several changes through the years that allow to understand theimmigration process to Brazil. Many people showed their interest to know what happenedthrough the years in Vila Madalena neighbourhood. But none of them studied the Portugueseimmigration. Through the oral documentation technique, among other sources, we will bring to

RESUMOS/ABSTRACTS

541

Page 543: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

light the vision of those immigrants that helped to build this neighbourhood as many others inthis town.

The immigration to America, and especially to Brazil, can be studied from different pers-pectives. We can analyze it from a macro analysis standpoint, trying to find its structures andbasic reasons to migrate from Europe to our continent. But it is also important to study it from amicro analysis standpoint, looking for the families’ trajectories and their location in differentregions, as we did in our article. We intend to study some families of Portuguese immigrants thatarrived in the first years of the 20th century until the 1960’s to S. Paulo and helped to build theVila Madalena neighbourhood.

Keywords: Ville; history; immigration; emigration; memory.

LENÁ MEDEIROS DE MENEZES

Emigration in 1912: from the numbers to the trajectories

This paper highlights the Portuguese emigration to Brazil during the year of 1912. It analy-ses the impact of the new Portuguese Republic in the increase of emigration. For this matter, thispaper compares the numbers in emigration/immigration both in Portugal and in Brazil. Severalmethods are used to show how politics had an important role in the rise of these numbers. Here,the “pull-push” is enriched by individual stories. These are based on the process of expulsionmoved against Portuguese anarchists who emmigrated to Brazil and lived there between 1911and 1913.

Keywords: Portuguese emigration; Portuguese immigration in Brazil; 1912; Portugueserepublic’s arrival; anarchism.

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

Portuguese associations in Rio de Janeiro: social and finantial aspects in 1912

Based on official statistics of social assistance, it is presented the quantity, sex and nationa-lity of the members, capital, income and expenditure, types of expenditure and number of bene-ficiaries of the existing Portuguese associations in 1912 in Rio de Janeiro. The analysis evalua-tes the importance and action of these entities in relation to themselves and in relation to othernon-Portuguese associations.

Keywords: Brazil; Portuguese immigration, associationism.

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS/SÊNIA BASTOS

Portuguese immigrants in São Paulo – records and registration (1912): lists of on-board and entries books

The work analyses the Portuguese Immigrants entrance records in São Paulo, through thegeneral lists of disembarked passengers and the Immigrants’ Lodge book of 1912, which offers

RESUMOS/ABSTRACTS

542

Page 544: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

a glimpse of the movement at the ports of Santos (12 273) and Rio de Janeiro (3 595). It is impor-tant to report the superimposition of boarding lists of crafts observed in the files of both cities,because many immigrants disembarked in Rio de Janeiro and then steered into the Lodge, aboardanother ship (that proceeding resulted in the duplication of the lists). At São Paulo Immigrants’Lodge it’s possible to verify boarding lists of 524 different crafts, which brought into the Lodge16 781 Portuguese immigrants (that embarked in 274 different crafts along the year) coming,mainly, from the ports of Lisbon, Leixões, Madeira and Vigo. Compared to the records of theImmigrants’ Lodge book, it’s possible to find out the permanence of this flux throughout the year, with a higher incidence of landing in Brazil in the first five months (9 832), especially inJanuary (2 520) and May (2 129). The lack of knowledge of writing (15 103), the predominanceof unmarried people (9 663) and men (9 555) reinforce what has been targeted by the studiesabout Portuguese immigration to Brazil. The sample indicates that 1 445 immigrants were notaccepted as settlers, however, the consulted sources do not allow to follow their trajectories.

Keywords: Portuguese immigration; immigrants’ Lodge.

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

Family Emigration to Brazil – Braga district (1912)

The Arquivo do Governo Civil de Braga provides all the records of the passport requests toBrazil, for all over the Braga district in 1912. As part of this project, these records were digitali-sed and organised as a database to allow for the accounting of the legal migratory flows and sta-tistical processing of the following variables: sex, marital status, age, occupation, destination,passport type (individual or collective) and deployment of collective passports. We will thus pre-sent tables and graphs with: individual and collective passport holders by sex; the companionsof the collective passport by sex; the kinship ties of the companions to the passport holder; mari-tal status, age, occupation and destination of the collective passport holders and their companions(where applicable).

We conclude our work with a comparative analysis of the several municipalities of theBraga district, including the Guimarães municipality, whose study was already finished, presen-ting the percentage of emigrants which have departed as part of family groups.

Keywords: Family emigration; Brazil; Braga; 1912.

MARIA DA CONCEIÇÃO MEIRELES PEREIRA /PAULA MARQUES DOS SANTOS

Legislation on emigration to Brazil during the First Republic

Following the study on the Portuguese legislation regarding emigration to Brazil during theConstitutional Monarchy, this work aims to provide the legal framework that on the same subjectwas produced during the First Republic. The survey of information in the collections of legisla-tion and in the Government Gazette allowed the compilation of more than half hundred pieces oflegislation that are discussed in its most expressive aspects, toghether with the social-political con-text of the time. Hence, it was decided to divide this time period in four stages: the dawn of thenew regime, the years of the First World War, the post-war era, and the last years of the Republic.

In the first phase, we approach the themes of military service and the issuing of passports, whichprevail in the second stage, given the context of war, coupled with the expansion of services

RESUMOS/ABSTRACTS

543

Page 545: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

for monitoring and prevention of illegal emigration. The third period is crucial in terms of legisla-tive output of the Republic in this area, due to the publication of the important and extensive decreeof May 10, 1919, completed on June 19 following by the Rules of the Bureau of Emigration. Thelast period of the Republic is marked by the publication of several pieces whose nature was predo-minantly as an amendment (permanently or temporarily) or to clarify the current doctrine on the mat-ter in question.

Keywords: Emigration; legislation; Portugal; First Republic; Brazil.

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

Regional press as a source for the study of emigration to Brazil – Lamego during thefirst half of the XX century

The importance of the press as a source for Contemporary History is, nowadays, a veryexpressive reality. Especially from the reading of regional press it is possible to get a betterunderstanding of the images people make of several subjects as well as to observe in which waythe opinions transmitted by the papers affect the public opinion. This is the case of Lamego, acity integrated in the region of Trás-os-Montes and Alto Douro, particularly affected by emigra-tion towards Brazil during the first half of the XX century. The systematic research we havemade through the journals published in Lamego, allowed us to verify that different opinions werestated regarding the emigration phenomenon to Brazil. This is, after all, the aim of our presenta-tion: to try to present some conclusions based on the press discourse – sometimes in favour,sometimes against – around this important subject.

Keywords: Press; emigration, Trás-os-Montes; Alto Douro; sources.

PAULA MARQUES DOS SANTOS

Emigration from Viseu district to Brazil (1854-1973)

Our investigation intends to analyze the documental sources concerning emigration, exis-ting in Viseu Public Archive. After the survey of those sources, it is now important to determineits main characteristics, as well as to identify eventual differences in these data, according to thechronological period. In this article we present the two major documental sources – the passportregistration books and the individual files to acquire passport.

Keywords: Emigration; Viseu; documental sources.

MANUEL DE SAMPAYO PIMENTEL AZEVEDO GRAÇA

Distinguished people from Portugal and Brazil. Arriving from Brazil in Porto duringthe XIX century

For centuries, Brazil was the source of riches for many Portuguese: thousands sailed to thelands of Vera Cruz, where they built their new lives; some got rich; a few returned to their father-

RESUMOS/ABSTRACTS

544

Page 546: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

land. Between those brasileiros de torna-viagem – as they were called back in Portugal – therewere three families, whose paths crossed all through the 19th century: the Calazans Rodrigues,the Forbes – of Scottish ancestry – and the Bessa. In Brazil, they occupied court offices andgovernance posts, a status that they managed to maintain after their return to Porto; here, theyleft their mark, beginning with the opulent Manor House of São Lázaro.

Keywords: Calazans Rodrigues, Barões de Taquary; Forbes; Bessa (Francisco Pinto Bessae Joaquim de Bessa Pinto); Rio de Janeiro.

SUSANA SERPA SILVA

Legal and clandestine emigration in Azores during the second quarter of the 19th century

In the second quarter of the 19th century, the migratory flows from Azores were predomi-nantly to Brazil, following the movements of the 18th century, even if with royal incentive, whichdidn’t happen it that moment. The independence of Brazil, in 1822, didn’t stop this emigration,by legal or illegal ways. The authority worries regarding this growing phenomenon show the difficulty felt to control and to repress, particularly the clandestine emigration.

Keywords: Emigration; destinies; authorities; clandestine situation; Azores.

JOÃO RAMALHO COSME

Some remarks about emigration from Municipalities up North of river Douro to Brazil(1886-1891)

This work is the result of our research in the National Archive of Torre do Tombo, in theGoverno Civil of Lisbon, where a survey of the requested passports of this kingdom’s capitalexists. It is a micro-analytical analysis, in which we study all the petitions between 1886 and1891 done by the people from the region north of Douro river.

Keywords: Brazil; emigration; north of Douro river.

ADÍLIA FERNANDES/ODETE PAIVA

Emigration from Minho region to Brazil (1850-1910). Successful people and the others

We will analyze the emigration to Brazil, between the second half of the 19th century andthe first ten years of the 20th century, especially from Vila Nova de Famalicão, Braga. We madean approach using different kinds of sources, from which we enlighten the parochial data, rebuiltby parish reconstitution method, of Norberta Amorim, the passports and the local and contem-porary press. We will approach some well succeeded brasileiros, but also some that were for-gotten. We will privilege the micro analysis. With a case study, we’ll be able to follow the storyof the emigrant life and try to find some strategies followed by them and their families.

Keywords: Emigration; Brazil; Famalicão; 1850-1910.

RESUMOS/ABSTRACTS

545

Page 547: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

DIOGO FERREIRA/RICARDO ROCHA

Emigration from the North of Portugal to Brazil before and after World War I (1913and 1919): variations and permanencies

This work intends to establish a comparative analysis of some socioeconomic indicators – age,profession, marital status, birthplace, gender, etc. – regarding the emigration from the North of Por-tugal to Brazil in the years preceding and following World War I, respectively, 1913 and 1919, inorder to understand the influence that this conflict had in the characteristics of migratory flows and,at the same time, to attempt to find some of the reasons that explain the obtained results. Ourresearch is limited to the legal emigration, by means of the passport record-books and processesproduced by the Civil Government of Porto, currently available at the District Archive of Porto,since it is impossible to determine with some accuracy the exact numbers of clandestine emigrants.

Keywords: Portugal; Brazil; emigration; variations; World War.

PAULO AMORIM/SÍLVIA BRAGA

Emigration from the North of Portugal to Brazil through the passport record-booksfrom Porto’s Civil Government (1935-1945)

This work, aims to present the results of the survey, treatment and analysis of the emigrant’sdata gathered at the passport record-books from Porto’s Civil Government, which are part of thedocumental collection of the Porto District Archive. Through the use of statistical methods ofinterpretation of the data, we mean to draw a general profile of the emigrant from the North ofPortugal going to Brazil between 1935 and 1945, highlighting its importance in the Portuguesemigratory movement, the volume of the departing individuals, their distribution by destination,birthplace, gender, marital status, age groups and social and professional classification. Portu-guese emigration to Brazil is one of the most important phenomena for the analysis of contem-porary Portuguese History, in general, and Portugal-Brazil relations, in particular. The city ofPorto performed as a central stage for the influx of people from different regions of northern Por-tugal, people with different social backgrounds, choosing to emigrate in search of Eldorado.

Keywords: Emigration; immigration; Portugal; Brazil; passport.

MARIA ORTELINDA BARROS GONÇALVES

Legal emigration in Boticas (1960/88). Professional characterization and mobility

Migration: where from; where to; who emigrated in the Boticas municipality in the periodof 1960/1968. In order to search for answers for these questions, we looked through the data ins-cribed into the emigrants’ passports to get information about the period of time and the territoryabove mentioned. The results of this research are to a certain extent the main reason for unders-tanding the migration movements of the subject population as well as its local implications.

Keywords: Boticas; emigration; local demographic and economical implications.

RESUMOS/ABSTRACTS

546

Page 548: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

CELESTE CASTRO

Emigration in Santo André da Campeã (1848-1900)

There were many who migrated from the north of Portugal to Brazil. They all had the samedream, men or women, young or old – to return with enough means to build their own house andto give their family a better life. We are going to study two families from Vila Real, in the inte-rior region of Portugal, already with some possessions, who migrated to Brazil in the 19th cen-tury. Two family stories, where the option for a better life implied emigration and gathering withtheir family across the other side of the Ocean.

Keywords: Emigration; Vila Real, family, will.

ALDA NETO

The brasileiros from Paredes: two exemples of beneficence and forgetfulness

The brasileiros from Paredes, the theme of our presentation, achieved an important role notonly in the municipal context, but also at the Brazilian territories where they settled in. Thesemen departed to Brazil from the municipality of Paredes during the second half of the 19th cen-tury and the first quarter of the 20th century, After their return, they represented important casesof charity and beneficence, by supporting the construction of schools and helping those in need.Adriano Moreira de Castro and the Baron of Lourenço Martins constitute two examples of Por-tuguese emigrants in Brazil with a successful life both in Brazil as in Portugal.

Keywords: Paredes; emigration; philanthropy; instruction; assistance.

RESUMOS/ABSTRACTS

547

Page 549: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 550: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

SOBRE OS AUTORES

Page 551: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 552: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

551

FERNANDO DE SOUSA

Professor catedrático da Universidade do Porto e da Universidade Lusíada do Porto. Presi-dente do CEPESE.

Licenciado e doutor em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Publicações mais recentes: O Brasil, o Douro e a Real Companhia Velha (1756-1834). Porto:CEPESE, 2008 (em parceria); A Real Companhia Velha. Companhia Geral das Vinhas do AltoDouro (1756-2006). Porto: CEPESE, 2006; Félix Pereira de Magalhães. Um político do Libe-ralismo português (1794-1876). Lisboa, Assembleia da República, 2007; O Brasil, o Douro e aReal Companhia Velha (1756-1834). Porto, CEPESE, 2008 (em parceria); Espólio FotográficoPortuguês (coord.). Porto: CEPESE, 2008.

MARIA JOSÉ FERRARIA

Professora do ensino básico e secundário. Investigadora do CEPESE.Licenciada e mestre pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Doutoranda em

Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Lusíadado Porto.

Publicações mais recentes: “A emigração do Distrito do Porto para o Brasil (1880-1882),preliminares de um estudo”, in MARTINS, Ismênia; SOUSA, Fernando (orgs.) – Portugueses noBrasil: Migrantes em dois atos. Rio de Janeiro, Muiraquitã, 2006, p. 231-238; “A emigração doDistrito do Porto para o Brasil (1880-1890)”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia deLima (org.) – A emigração portuguesa para o Brasil, Porto: Cepese/Edições Afrontamento,2007, p. 279-282 (em parceria); “Os Negócios da Companhia dos Vinhos com o Brasil (1831-1842)”, in SOUSA, Fernando de (coord.) – A Companhia e as Relações Económicas com o Bra-sil, a Inglaterra e a Rússia. Porto: CEPESE, Real Companhia Velha, 2008, p. 279-282 (em par-ceria); “A emigração portuguesa para o Estado de São Paulo através dos livros de passaportes doGoverno Civil do Porto (1880-1893): percursos de uma diáspora (1880-1893)”, in MATOS,Maria Izilda; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (org.) – Deslocamentos & Histórias:os Portugueses. Bauru: EDUSC, 2008 (em parceria).

ISMÊNIA DE LIMA MARTINS

Professora do Curso de Pós-Graduação em História da UFF – Universidade Federal Flumi-nense. Coordenadora de Editoriação e Acervo da FAPERJ

Licenciada e bacharel em História pela Universidade Federal Fluminense. Doutora em His-tória pela Universidade de S. Paulo.

Membro da Comissão Editorial de várias revistas na área da História.Publicações mais recentes: História: Estratégias de Pesquisa. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2001;

“Memória e História: o caso de São Lourenço dos Índios”, in Nuevas perpsepctivas teoricas ypraticas. La Habana: Instituto de História de Cuba, 2005; “O imigrante e a historiadora”, inMARTINS, Ismênia de Lima; SOUSA; Fernando de (org.) – Portugueses no Brasil: migrandesem dois atos. Niterói: Muiraquitã, 2006. p. 15-26.

Page 553: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

SOBRE OS AUTORES

552

JORGE CARVALHO ARROTEIA

Professor catedrático da Universidade de Aveiro.Licenciado em Geografia pela Universidade de Lisboa e doutor em Ciências Sociais pela

Universidade de Aveiro.Publicações mais recentes: “Notas sobre o povoamento e a demografia do concelho de Peso

da Régua”. População e Sociedade, n.º 10, 2003, p. 197-213; A IGCES e o sistema de acçãosocial no contexto da lei de desenvolvimento e qualidade do ensino superior. Lisboa: Inspecção--Geral da Ciência e do Ensino Superior – MCES, 2004; A população portuguesa: memória econtexto para a acção educativa. Aveiro, Universidade de Aveiro, 2007; Educação e desenvol-vimento: fundamentos e conceitos. Aveiro, Universidade de Aveiro, 2008.

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

Professor titular da Universidade do Sagrado Coração, São Paulo.Licenciado e doutor em História pela Universidade de São Paulo.Publicações mais recentes: “A expansão européia oitocentista: emigração e colonização”, in

SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia (org.) – A emigração portuguesa para o Brasil.Porto: CEPESE, Ed. Afrontamento, 2007. p. 13-40; “Barradas de Carvalho nas lentes da PIDE”,in MATOS, Maria Izilda; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (org.) – Deslocamento &História: os portugueses. Bauru: EDUSC, 2008. p. 371-380; “O novo imperialismo britânico eo fenômeno Brasil”. Revista USP, v. 79, 2008, p. 22-33; Uma colônia entre dois impérios: aabertura dos portos brasileiros 1800-1808. Bauru: EDUSC, 2008.

GLADYS SABINA RIBEIRO

Professora do Departamento e da Pós-Graduação em História da UFF – Universidade Fede-ral Fluminense. Coordenadora executiva do CEO (Centro de Estudos de Oitocentos)/ PRONEX–CNPq-FAPERJ.

Mestre em História pela UFF e doutora em História pela UNICAMP.Publicações mais recentes: “O imigrante e a imigração portuguesa no acervo da justiça federal

do Rio de Janeiro (1890-1930)”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia (org.) – A emigraçãoportuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE, Ed. Afrontamento, 2007. p. 121-141 (em parceria); “Imi-gração” (verbete), in VAINFAS, Ronaldo; NEVES; Lúcia Bastos Pereira das (org.) – Dicionário doBrasil Joanino. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008 (em parceria); “O funcionamento da Comissão MistaBrasil – Portugal do Tratado de Paz e Aliança de 1825 e os sequestros de bens”, in MATOS, MariaIzilda; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (org.) – Deslocamentos & Histórias: os portu-gueses. Bauru, SP: EDUSC, 2008. p. 171-188 (em parceria); “Nação e Cidadania em alguns jornaisda época da abdicação: uma análise dos Jornais O Repúblico e o Tribuno do Povo”, in LESSA,Mônica Leite; FONSECA, Silvia Brito (org.) – Entre a Monarquia e a República: Imprensa, pen-samento político e historiografia (1822-1989). Rio de Janeiro: EDUERJ, 2008. p. 35-60.

MARIA APARECIDA FRANCO PEREIRA

Professora do Mestrado em História da Educação da Universidade Católica de SantosLicenciada em Pedagogia e História pela Universidade Católica de Santos e em Filosofia,

Page 554: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

SOBRE OS AUTORES

553

pelo Centro Universitário Assunção, São Paulo. Mestre em História Económica e doutora emHistória Social pela Universidade de São Paulo.

Publicações mais recentes: História da mulher na história (coord. e co-autoria). Santos:Leopoldianum, 1997; Santos, História & Café (coord. e co-autoria). Santos: Leopoldianum,1998; “Fontes para o esrtudo da presença portuguesa em Santos”, in SOUSA, Fernando de;MARTINS, Isménia (coord.) – A Emigração Portuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE, Ed.Afrontamento, 2007. p. 283-290 (em parceria); “Portugueses no alto comércio santista no inícioda República Velha”, in MATOS, Maria Izilda; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre(org.) – Deslocamentos & Histórias: os portugueses. Bauru, SP: EDUSC, 2008. p. 119-130.

MARIA SUZEL GIL FRUTUOSO

Foi professora da Universidade Católica de Santos, Unisantos, de Março de 1983 a Dezem-bro de 2006. Pesquisadora do LIAME: Laboratório de Informação, Arquivo e Memória da Edu-cação.

Licenciada em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UniversidadeCatólica de Santos. Mestre em História pela USP –Universidade de São Paulo.

Publicações mais recentes: “Santos e a Imigração: um estudo de perfis femininos lusos”, inHistória da mulher na história (coord. e co-autoria). Santos: Leopoldianum, 1997; “Fontes parao esrtudo da presença portuguesa em Santos”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Isménia(coord.) – A Emigração Portuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE, FAPERJ, 2007. p. 283-290(em parceria); “A presença portuguesa no comércio de Santos”, in MATOS, Maria Izilda;SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (org.) – Deslocamentos & Histórias: os portugue-ses. Bauru, SP: EDUSC, 2008. p. 141-154.

FrEDERICO ALEXANDRE HECKER

Professor de História Contemporânea – UNESP/Universidade MackenziePublicações mais recentes: “Uma História do Brasil para Refletir”. Revista de História

(UFES), v. 1, 2001, p. 32-52; “Dalla ditatura corporativa alla democrazia liberale: posizioni con-flittuali all’interno della sinistra brasiliana” in PASETTI, Matteo (org.) – Progetti Corporativi tra leDue guerre mondiali. Roma: Carocci editore, 2006, p. 245-455; “Propostas de esquerda para umnovo Brasil: o ideário socialista do pós-guerra”; in FERREIRA; Jorge; REIS; Daniel Aarão (org.) –As esquerdas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, v. 2, p. 21-52; “Polícias e polí-ticas autoritárias tanto lá como cá”, in MATOS, M. Izilda; SOUSA, Fernando de; HECKER, Ale-xandre (org.) – Deslocamentos & histórias: os portugueses. Bauru – SP: Edusc, 2008, p. 381-390.

MARIA ADELINA AZEVEDO PILOTO

Professora do ensino básico e secundário. Investigadora do CEPESE.Licenciada e mestre em História pela faculdade de Letras da Universidade do Porto. Dou-

toranda da mesma faculdade.Publicações mais recentes: Naufrágios – História Trágico-Marítima de Vila do Conde,

1588-2006, Vila do Conde: Câmara Municipal de Vila do Conde, 2007 (em parceria); “A emi-gração de Vila do Conde para o Brasil (1865-1875)”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismé-nia (coord.) – A Emigração Portuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE, Ed. Afrontamento, 2007.p. 371-384 (em parceria).

Page 555: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

SOBRE OS AUTORES

554

ANTÓNIO MONTEIRO DOS SANTOS

Paleógrafo. Investigador do CEPESE.Publicações mais recentes: Naufrágios – História Trágico-Marítima de Vila do Conde,

1588-2006, Vila do Conde: Câmara Municipal de Vila do Conde, 2007 (em parceria); “A emi-gração de Vila do Conde para o Brasil (1865-1875)”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismé-nia (coord.) – A Emigração Portuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE, Ed. Afrontamento, 2007.p. 371-384 (em parceria).

CRISTINA DONZA CANCELA

Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e do Laboratório de Antro-pologia da Universidade Federal do Pará-UFPA.

Publicações mais recentes: “Destino cor-de-rosa, tensão e escolhas: os significados do casa-mento em uma capital amazônica (Belém 1870-1920)”. Cadernos Pagu, UNICAMP, vol. 30, 2008.p. 301-328. http://www.scielo.br/pdf/cpa/n30/a16n30.pdf; “Família, Riqueza e Contratos de Dota-ção na Belém da Borracha”. Histórica: Revista On-line do Arquivo Público do Estado São Paulo,Ed. n.º 19, fevereiro, 2007. http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edi-cao19/materia02/ “Uma cidade...muitas cidades: Belém na economia da borracha”, in ConheçaBelém, co-memore o Pará. Belém: Editora da Universidade Federal do Pará, 2008, p. 79-82.

FERNANDA PAULA SOUSA MAIA

Professora de História e Geografia de Portugal e investigadora do CEPESE.Licenciada e mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e dou-

tora em História pela Universidade Portucalense.Comissária científica das exposições “Os Brasileiros de torna-viagem no Norte de Portugal”

e “Portugal de relance – a viagem: encontro de dois povos”. Publicações mais recentes: “O Processo de Construção da Legitimidade Parlamentar no Por-

tugal da Primeira Metade de Oitocentos”. Noroeste. Revista de História. Actas do CongressoInternacional de História: Territórios, Culturas e Poderes. Vol. 2, Braga: Universidade do Minho;Núcleo de Estudos Históricos, 3, 2007, p. 687-694; “As Eleições Portuguesas em Finais doSéculo XIX: entre o Ser e o Parecer”. Tombo de Memórias, Penafiel: Arquivo Municipal, Ano5, n.º 11 (Jan.-Dez. 2007), p. 15-16; “A Guerra Civil da Patuleia e o Burgo Portuense: na encru-zilhada de dois percursos”. Boletim, Porto: Liga dos Amigos do Museu Militar do Porto, n.º 8,2008, p. 27-32; Prefácio, in ALVES, Paulo Bruno – A Folha: jornal diocesano de Viseu (1901--1911). Viseu: Palimage, 2008. p. 21-23.

MARIA NAZARÉ SARGES

Professora Associada da Universidade Federal do Pará.Licenciada em História pela Universidade Federal do Pará, mestre em História pela Universi-

dade Federal de Pernambuco e doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas.Publicações mais recentes: “La Belle Époque en la Amazonia en la época del caucho”, in

PÉREZ, José Manuel Santos e PETIT, Pere (eds.) – La Amazonia Brasileña en Perspectiva his-tórica. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2006. p. 91-108; “Do traçado de Landi ao plas-

Page 556: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

SOBRE OS AUTORES

555

mador da cidade: a obra historiográfica de Augusto Meira Filho”, in FONTES, Edilza (org.) –Diálogos entre História, Literatura & Memória. Belém: Paka-Tatu, 2007. p. 329-344; “O Coly-seu: arena de touros e toureiros do além-mar – Belém do Pará (1894-1900)”, in MATOS, MariaIzilda, SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (org) – Deslocamentos & Histórias: os por-tugueses. Bauru, SP: Edusc, 2008. p. 321-338.

JUAN ANDRÉS BLANCO RODRÍGUEZ

Professor Catedrático de História Contemporânea, Universidade de Salamanca.Publicações mais recentes: De Zamora a Cuba. Memoria de la emigración zamorana. III,

Salamanca, Junta de Castilla y León/Diputación de Zamora/Caja España, 2007 (em parceria);Gestión económica y arraigo social de los castellanos en Cuba, Valladolid, Junta de Castilla yLeón, 2008 (em parceria); La emigración castellana y leonesa. Actas del primer congreso sobrela emigración castellana y leonesa. Salamanca, UNED/Junta de Castilla y León, 2008 (em par-ceria); “Historia Contemporánea de Castilla y León”, en GARCÍA, Juan José (coord.) – Historiade Castilla. De Atapuerca a Fuensaldaña. Madrid, La Esfera de los Libros, 2008 (em parceria).

MARIA DA GRAÇA LOPES FERNANDES MARTINS

Directora académica do ISLA – Instituto Superior de Línguas e Administração de Bragança.Investigadora do CEPESE.

Licenciada em História pela Faculdade de letras da Universidade de Lisboa, mestre e dou-tora em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Publicações mais recentes: “A Emigração do Distrito de Bragança e a imprensa regional, nolimiar do século XX”. População e Sociedade, Porto: CEPFAM, n.º 5, 1999, p. 121-166; “Tra-jectórias geográficas dos emigrantes transmontanos no limiar do século XX”. Revista CulturalDomus, Bragança: ISLA, n.º 3-4, 1999, p. 175-249; “Níveis de alfabetização dos emigrantestransmontanos no limiar do século XX”. Revista Cultural Domus, Bragança: ISLA, n.º 5/6, 2000,p. 91-126; “A emigração do Nordeste Transmontano para o Brasil no início do século XX”, inSOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia de Lima (org.) – A emigração portuguesa para oBrasil. Porto: Cepese/Edições Afrontamento, 2007, p. 257-281.

YVONE DIAS AVELINO

Professora titular no Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo – PUC-SP e Coordenadora do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade – NEHSC– da PUC-SP.

Licenciada em Ciências Humanas (História), mestre em História Social e doutora em His-tória Económica pela Universidade de São Paulo.

Publicações mais recentes: O Colégio de Piratininga. São Paulo: Edições Loyola, 2007(Apresentação, Prefácio, Posfácio); “Saúde Pública e Cidade: Territórios de Exclusão Social,Memórias, Tensões e Poderes”, in XIX Encontro Regional de História – ANPUH. São Paulo,2008; “Vila Madalena e a Imigração Portuguesa: Cultura, Trabalho, Religião e Cotidiano”, inDeslocamentos & Histórias: Os Portugueses. São Paulo: Bauru, EDUSC, 2008, p. 293-302;“Entrevista – Ditadura Salazarista”. Revista Ditaduras e Golpes no Século XX. 15/09/2008 (Jor-nalista Sheyla Pereira). São Paulo: Editora Escala. 2008.

Page 557: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

LENÁ MEDEIROS DE MENEZES

Professora titular de História Contemporânea na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Licenciada em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em História

Social das Ideias pela Universidade Federal Fluminense. Doutora em História Social pela Uni-versidade de São Paulo.

Publicações mais recentes: “Les Portugais en tant que représentation de l’immobilisme dansla modernisation républicaine au Brésil (1890-1920)”, in BENZONI, Maria Matilde; FRANK,Robert; PIZETTI, Silvia Maria (org.) – Images des peuples et histoire des relations internatio-nales du XVIe siècle à nos jours. Paris: Publications de la Sorbonne/Edizioni Unicopli, 2008, p.271-280; “A imigração européia como passaporte para o progresso e a civilização no Brasil doséculo XIX”, in CANCINO, Hugo; MORA, Rogelio de la (org.) – Ideas, Intelectuales y para-digmas en América Latina, 1850-2000. Xalapa/Veracruz: Universidad Veracruzana, 2008, p.396-416; “A imigração nos anúncios de jornais do Rio de Janeiro: facetas parisienses do sonhocivilizatório”, in LESSA, Mônica Leite; FONSECA, Sílvia; BRITO, Carla P. de (org.) – Entre aMonarquia e a República: Imprensa, Pensamento Político e Historiografia (1822-1889). Rio deJaneiro: EdUERJ, 2008, p. 221-241, “Imigração e Negócios: comerciantes portugueses segundoos registros do Tribunal de Comércio da Capital do Império (1851-1870)”, in MATOS, MariaIzilda; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (org.) – Deslocamentos & Trajetórias: osportugueses. São Paulo: EDUSC, 2008, p. 103-118 (em parceria).

VITOR MANOEL MARQUES DA FONSECA

Professor do Curso de História da Universidade Gama Filho, na Universidade Federal doRio de Janeiro (Biblioteconomia), na Fundação Getúlio Vargas (Mestrado Profissionalizante emBens Culturais e Projetos Sociais) e no Curso de Especialização em Planejamento, Direção eOrganização de Arquivos (Arquivo Nacional/Universidade Federal Fluminense). Técnico Supe-rior no Arquivo Nacional do Brasil.

Mestre e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense.Vice-presidente do Comité de Normas Profissionais e Boas Práticas do Conselho Interna-

cional de arquivos (ICA/UNESCO) e presidente da Câmara Técnica de Normalização da Des-crição Arquívistica do Conselho Nacional de Arquivos.

Publicações mais recentes: “Monumentos à imigração: as sedes das Associações portugue-sas no Rio de Janeiro, em inícios do século XX”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismêniade Lima (org.) – A emigração portuguesa para o Brasil. Porto: Cepese/Edições Afrontamento,2007, p. 417-436; “Imigração: identidade e integração, 1903-1916”, in MATOS, Maria Izilda;SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (org.) – Deslocamentos & Histórias: os portugue-ses. São Paulo: EDUSC, 2008, p. 357-370.

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS

Professora titular da PUC-SP – Pontíficia Universidade Católica de São Paulo e da Univer-sidade Mackenzie. Pesquisadora do CNPq.

Doutora em História pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorada pela UniversitéLumiere Lyon 2. França. Recebeu o prêmio SESI-CNI de Teses Universitárias pelo trabalhoTrama e Poder (1994) e o Prêmio Clio (2008).

Publicações mais recentes: Trama e Poder, 6.ª ed. Sette Letras, 2005; Dolores Duran: Expe-riências Boêmias em Copacabana nos anos 50. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2005; Ancora de

SOBRE OS AUTORES

556

Page 558: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

emoções. Bauru: EDUSC, 2005; Histórias e Deslocamentos: os portugueses. Bauru, SP: Edusc,2008 (co-org.).

SÊNIA REGINA BASTOS

Professora titular do Mestrado em Hospitalidade e do curso de Turismo da UniversidadeAnhembi Morumbi. Diretora Científica da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação emTurismo – ANPTUR. Editora da Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo – RBTur.

Licenciada, mestre e doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Publicações mais recentes: “Hospitalidade e história: a cidade de São Paulo em meados do

século XIX”, in DENCKER, Ada de Freitas Maneti – Hospitalidade: cenários e oportunidades.São Paulo: Pioneira Thomson Leanirg, 2003; “Patrimônio cultural e hospitalidade: subsídios aoplanejamento turístico”, in DENCKER, Ada de Freitas Maneti – Planejamento e gestão emturismo e hospitalidade. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004; “Negociantes e caixeirosna cidade de São Paulo em meados do século XIX”, in MATOS, Maria Izilda, SOUSA, Fernandode; HECKER, Alexandre (org) – Deslocamentos & histórias: os portugueses. Bauru, SP:EDUSC, 2008, p. 131-141; “Cidade e hospitalidade: o Bairro de Santa Ifigênia em São Paulo”.Os Urbanitas, São Paulo, v.5, 2008, p. 1-17 (em parceria).

CARMEN ALICE AGUIAR DE MORAIS SARMENTO

Investigadora de CEPESE.Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Mestre em His-

tória das Populações pela Universidade do Minho.Publicações mais recentes: “Destinos da emigração do Minho para a América do Sul, entre

1890-1914”, in Actas do V Encontro Internacional da Língua e Culturas Lusófonas. BuenosAires: Universidad Argentina da la Empresa, 1998; “Minha querida marida – subsídios para oestudo da família emigrante através das cartas de chamada”, in Actas do Congresso Maia, His-tória Regional e Local, Fórum da Maia, 1998; Um exercício de cruzamento de fontes: identifi-cação de uma família emigrante do concelho de Guimarães (1903-1913), in MATOS, MariaIzilda, SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (org) – Deslocamentos & histórias: os por-tugueses. Bauru, SP: EDUSC, 2008, p. 87-99.

MARIA DA CONCEIÇÃO MEIRELES

Professora associada no departamento de História e Estudos Políticos e Internacionais daFaculdade de letras da Universidade do Porto. Directora da revista População e Sociedade. Vice--presidente do CEPESE.

Licenciada, mestre e doutora em História pela Faculdade de Letras da Universidade doPorto.

Publicações mais recentes: “O Brasileiro no Teatro musicado português – duas operetasparadigmáticas”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia de Lima (coord.) – A Emigraçãoportuguesa para o Brasil. Porto: Ed. Afrontamento, CEPESE, 2007, p. 449-466; “Um Rio paraDois Países. Tratados luso-espanhóis sobre o Rio Douro”, in PEREIRA, Gaspar Martins (org.) –Livro sobre o Rio Douro. Porto: Águas do Douro e Paiva, 2008; O Brasil, o Douro e a Real Com-panhia Velha (1756-1834). Porto: CEPESE, 2008 (em parceria); “Legislação sobre a emigração

SOBRE OS AUTORES

557

Page 559: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

para o Brasilç na Monarquia Constitucional”, in MATOS, Maria Izilda, SOUSA, Fernando de;HECKER, Alexandre (org) – Deslocamentos & histórias: os portugueses. Bauru, SP: EDUSC,2008, p. 35-48.

PAULA MARQUES DOS SANTOS

Professora auxiliar na Universidade Lusíada do Porto e professora equiparada a coordena-dora na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Lamego. Investigadora do CEPESE.

Licenciada em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada do Porto e doutora emHistória pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Publicações mais recentes: “A emigração do distrito de Viseu para o Brasil – as principais fon-tes documentais”, in MARTINS, Ismênia de Lima; SOUSA, Fernando de (org.) – Portugueses noBrasil: migrantes em dois actos. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2006; “The Portugal-Brazil Relations(1930-1945) – The relationship between the two national experiences of the Estado Novo”, in E--journal of Portuguese History. Vol. 4, number 2, Winter 2006 (http://www.brown.edu/Depart-ments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph); “A emigração do distrito de Viseu para o Brasil entreas duas guerras mundiais (1918-1940) ”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia (coord.) –A Emigração Portuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE. 2007, p. 319-335; Os Portugueses no Bra-sil durante a Segunda Guerra Mundial – a questão da nacionalidade e a naturalizaçãon obrigatória,in MATOS, Maria Izilda, SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (org) – Deslocamentos &histórias: os portugueses. Bauru, SP: EDUSC, 2008, p. 391-406.

ISILDA BRAGA DA COSTA MONTEIRO

Investigadora do CEPESE.Licenciada e mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Dou-

tora em História pela Universidade Portucalense.Publicações mais recentes: “Os “Brasileiros” de torna-viagem como agentes culturais. O

caso de Lamego na primeira metade do século XX”, (em parceria) http://www.museu-emigran-tes.org/seminario-comunicacao-f-maia.htm; “A emigração para o Brasil e a fuga ao recrutamentomilitar”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Isménia (coord.) – A Emigração Portuguesa parao Brasil. Porto: CEPESE, FAPERJ, 2007, p. 385-400; “A Câmara dos Pares na Regeneração –reavaliação do seu papel político”. NW. Noroeste. Revista de História, Braga: Núcleo de EstudosHistóricos da Universidade do Minho, vol. II, Março 2007, p. 695-706; Lousada – Percursos deMemória, Porto: Reviver Editora, 2008 (em parceria);

MANUEL DE SAMPAYO AZEVEDO GRAÇA

Técnico Superior de História da Arte na Câmara Municipal do Porto.Licenciado em História, Variante de Arte, e Mestre em História da Arte em Portugal, pela

Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Publicações mais recentes: Forbes de Portugal e outros mais… .Porto: Centro de Estudos

de Genealogia, Heráldica e História da Família da Universidade Moderna do Porto., 2002; “JúlioJosé de Brito, arquitecto e engenheiro civil – um artista no Porto”, in FERREIRA-ALVES, Natá-lia Marinho – Artistas e Artífices no Mundo de Expressão Portuguesa. Porto: CEPESE, 2008, p.145-162.

SOBRE OS AUTORES

558

Page 560: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

SUSANA PAULA FRANCO SERPA SILVA

Professora auxiliar no departamento de História da Universidade dos Açores.Doutora em História pela Universidade dos Açores.Publicações mais recentes: Criminalidade e Justiça na Comarca de Ponta Delgada. Uma

abordagem com base nos processos penais, 1830-1841. Ponta Delgada: Instituto Cultural dePonta Delgada, 2003; “Emigração Clandestina nas Ilhas do Grupo Central por meados do séculoXIX”, in O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XX. Actas do III Colóquio. Horta:Núcleo Cultural da Horta, 2004; Violência, Desvio e Exclusão na Sociedade Micaelense Oito-centista (1842-1910). Açores: Universidade dos Açores, 2007 (dissertação de doutoramento).

JOÃO DOS SANTOS RAMALHO COSME

Professor Auxiliar de nomeação definitiva na Faculdade de letras da Universidade de Lisboa.Licenciado em História e em Direito pela Universidade de Lisboa. Mestre e doutor em His-

tória pela Universidade de Lisboa.Publicações mais recentes: História da Polícia de Segurança Pública. Das origens à actua-

lidade. Lisboa: Edições Sílabo, 2006; “Olivença (1640-1715). População e Sociedade”. Revistade Estudios Extremeños, T. LXII, N. II, Mayo-Agosto, Diputación de Badajoz, 2006, p. 753-824;“As Preocupações Higio-Sanitárias em Portugal (2.ª metade do século XIX e princípio do XX)”.Revista da Faculdade de Letras. História, Porto, III Série, vol. 7, 2006, p. 181-195; “Nótulassobre a emigração das Ilhas Periféricas (1886-1895)”, in Actas do IV Colóquio O Faial e a Peri-feria Açoriana nos séculos XV a XX. Horta: Núcleo Cultural da Horta, 2007, p. 247-275.

ADÍLIA FERNANDES

Investigadora do CEPESE.Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Mestre em Histó-

ria pela Universidade do Minho. Doutoranda na Universidade do Minho.

ODETE PAIVA

Professora do Ensino Secundário.Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Mestre em Histó-

ria pela Universidade do Minho. Doutoranda na Universidade do Minho.

RICARDO MIGUEL NUNES ROCHA

Investigador do CEPESE.Licenciado em Relações Internacionais da Universidade Lusíada do Porto. Doutorando em

História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Publicações mais recentes: Dicionário de Relações Internacionais (coord. Fernando de

Sousa), 2.ª ed. Porto: CEPESE, 2008; A Real Companhia Velha. Companhia Geral das Vinhasdo Alto Douro (1756-2006). Porto: CEPESE, 2006 (colaboração); “Os Ingleses e a Companhia

SOBRE OS AUTORES

559

Page 561: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

do Alto Douro nas vésperas das Invasões Francesas (1804-1805)”, in A Companhia e as Rela-ções Económicas de Portugal com o Brasil, a Inglaterra e a Rússia. Porto: CEPESE, Real Com-panhia Velha, 2008. p. 319-364 (em parceria); “A Rússia e a Companhia do Alto Douro. Umbalanço dramático de três décadas de relações comerciais (1805)”, in A Companhia e as Rela-ções Económicas de Portugal com o Brasil, a Inglaterra e a Rússia. Porto: CEPESE, Real Com-panhia Velha, 2008. p. 365-401 (em parceria).

DIOGO TEIXEIRA GUEDES FERREIRA

Bolseiro de investigação da FCT. Investigador do CEPESE.Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada do Porto. Doutorando

em História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Publicações mais recentes: O Património Cultural da Real Companhia Velha. Porto:

CEPESE, 2005 (colaboração); A Real Companhia Velha. Companhia Geral das Vinhas do AltoDouro (1756-2006). Porto: CEPESE, 2006 (colaboração); “Os Ingleses e a Companhia do AltoDouro nas vésperas das Invasões Francesas (1804-1805)”, in A Companhia e as Relações Eco-nómicas de Portugal com o Brasil, a Inglaterra e a Rússia. Porto: CEPESE, Real CompanhiaVelha, 2008. p. 319-364 (em parceria); “A Rússia e a Companhia do Alto Douro. Um balançodramático de três décadas de relações comerciais (1805)”, in A Companhia e as Relações Eco-nómicas de Portugal com o Brasil, a Inglaterra e a Rússia. Porto: CEPESE, Real CompanhiaVelha, 2008. p. 365-401 (em parceria).

PAULO JORGE RIBEIRO DE AZEVEDO AMORIM

Docente da Universidade Lusíada do Porto. Investigador do CEPESE.Licenciado e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada do Porto. Dou-

torando em Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universi-dade Lusíada do Porto.

Publicações mais recentes: A Real Companhia Velha. Companhia Geral das Vinhas do AltoDouro (1756-2006). Porto: CEPESE, 2006 (colaboração); “A emigração do Distrito do Portopara o Brasil (1880-1890)”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia de Lima (org.) – Aemigração portuguesa para o Brasil, Porto: Cepese/Edições Afrontamento, 2007, p. 279-282(em parceria); “Os Negócios da Companhia dos Vinhos com o Brasil (1831-1842)”, in SOUSA,Fernando de (coord.) – A Companhia e as Relações Económicas com o Brasil, a Inglaterra e aRússia. Porto: CEPESE, Real Companhia Velha, 2008, p. 279-282 (em parceria); “A emigraçãoportuguesa para o Estado de São Paulo através dos livros de passaportes do Governo Civil doPorto (1880-1893): percursos de uma diáspora (1880-1893)”, in MATOS, Maria Izilda; SOUSA,Fernando de; HECKER, Alexandre (org.) – Deslocamentos & Histórias: os Portugueses. Bauru:EDUSC, 2008 (em parceria).

SÍLVIA CRISTINA AZEVEDO BRAGA

Investigadora do CEPESE.Licenciada e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada do Porto. Dou-

toranda em Relações Internacionais na Universidade Lusíada do Porto.

SOBRE OS AUTORES

560

Page 562: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

MARIA ORTELINDA BARROS GONÇALVES

Professora do Ensino Secundário.Licenciada em Geografia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Mestre em

Relações Interculturais e doutora em Geografia Humana pela Universidade Aberta.Publicações mais recentes: “Mobilité Geographique et Devoloppement Local au Portugal”

in Actas do Colloque Internacional, Population et Travail. Dynamiques démographiques et acti-vités, Universidade de Aveiro: AIDELF (Association Internationale des Démographes de LangueFrançaise, em colaboração com a APD (Associação Portuguesa de Demografia), 2006, p. 1-12(em parceria); “Educação: Unidade ou Diversidade Regional em Portugal”. Revista da Associa-ção de Professores de Geografia, Lisboa: APOGEO, n.º 33, 2007, p. 20-25; “Multiple Citizens-hip: Case Studeies Among Individual Citizens in Portugal”, in PITKAANEN, Pirkko; KALE-KIN-FISHMAN Devorah (eds.) – Multiple State Membership and Citizenship in the Era ofTransnational Migration, Sense Publishers, Rotterdam/Taipei, 2007, p. 41-65 (em parceria);Migrações e Desenvolvimento. Porto: CEPESE, 2009.

ANTÓNIO JOSÉ OLIVEIRA

Professor do Ensino Básico e Secundário. Investigador do CEPESE.Licenciado pela Universidade Portucalense, mestre em História e Cultura Medievais pela

Universidade do Minho. Doutorando em História da Arte na Faculdade de Letras da Universi-dade do Porto.

Publicações mais recentes: “Elementos para a história do Convento da Costa: artistas eobras (1598-1784) ”. Poligrafia, Arouca: Centro de Estudos D. Domingos de Pinho Brandão, n.º11/12, 2004/2005, p. 87-134; “A actividade de entalhadores, douradores e pintores do Entre-Douro-e-Minho em Guimarães (1572-1798)”, in Actas do VII Colóquio Luso-Brasileiro de His-tória de Arte: artistas e artífices e a sua mobilidade no Mundo de Expressão Portuguesa. Porto:Departamento de Ciências e Técnicas do Património da Faculdade de Letras da Universidade doPorto, 2005, p. 69-91; “A actividade de escultores e pintores na Colegiada de Guimarães (1687--1730)”. Veduta: Revista de Estudos em Património Cultural. Guimarães: Oficina, n.º 1, 2007,p. 4-9; “A actividade de Pedro Coelho, mestre escultor e entalhador, na Colegiada de Guimarães(1687-1713)”, in MARINHO, Natália Ferreira-Alves (coord.) – Artistas e artífices no mundo deexpressão portuguesa. Porto: CEPESE, 2008, p. 33-42.

CELESTE CASTRO

Arquivista nos Serviços Municipalizados de Electricidade, Água e Saneamento da Maia.Investigadora do CEPESE.

Licenciada em Ciências Históricas – Ramo Científico e Ramo Património pela UniversidadePortucalense. Mestre em História das Populações pela Universidade do Minho.

Publicações mais recentes: A emigração na paróquia de Santo André da Campeã – 1848 –1900. Braga: Universidade do Minho (dissertação de mestrado)

ALDA HELENA SILVA NETO

Professora do Ensino Básico e Secundário. Investigadora do CEPESE.Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

SOBRE OS AUTORES

561

Page 563: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 564: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

CATÁLOGO DAS PUBLICAÇÕESDO CEPESE

Page 565: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 566: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

REVISTA POPULAÇÃO E SOCIEDADE

Page 567: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 568: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

LIVROS DE ACTAS

Relações Portugal-EspanhaCooperação e IdentidadeI Encontro Internacional

CEPESEFRAH2000

Relações Portugal-EspanhaUma História paralela, um destinocomum?II Encontro Internacional

CEPESEFRAH2002

Relações Portugal-EspanhaO Vale do Douro no Âmbito dasRegiões Europeias

CEPESEEdições Afrontamento2006

Artistas e Artífices e a sua Mobilidade no Mundo de ExpressãoPortuguesa

CEPESE2005

Artistas e Artífices no Mundo de ExpressãoPortuguesa

CEPESE2008

Page 569: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Os Arquivos do Vinhoem Gaia e Porto

CEPESE2000

Os Arquivos da Vinha e do Vinho no Douro

CEPESEEdições Afrontamento2003

O Vinho do Porto emGaia & Companhia

CEPESEEdições Afrontamento2005

O Património Histórico-Cultural da região de Bragança-Zamora

CEPESEEdições Afrontamento2005

O Património Cultural da região de Bragança-Zamora

CEPESEAssociação Ibérica dos Municípios Ribeirinhosdo Douro2008

A Companhia e as Relações Económicas de Portugalcom o Brasil, a Inglaterra e a Rússia

CEPESEEdições Afrontamento2008

Page 570: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

COLECÇÃO ECONOMIA E SOCIEDADE

A Indústria das Sedasem Trás-os-Montes(1835-1870)

CEPESEEd. COSMOS2001

A População Portuguesa no Século XIX

CEPESEEdições Afrontamento2004

COLECÇÃO OS PORTUGUESES NO MUNDO

A Comunidade Lusíada em Joanesburgo

CEPESEFronteira do Caos2009

Migrações e Desenvolvimento

CEPESEFronteira do Caos2009

Page 571: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

História da Indústria dasSedas em Trás-os-Montes

CEPESEEdições Afrontamento2006

Os Presidentes da CâmaraMunicipal do Porto

CEPESE2009

Desafios da Democratizaçãono Mundo Global

CEPESEEdições Afrontamento2004

Estudos e Ensaios emHomenagem a EuricoFigueiredo

CEPESEEdições Afrontamento2005

PUBLICAÇÕES AUTÓNOMAS

Dicionário de RelaçõesInternacionais (2.ª edição)

CEPESEEdições Afrontamento2008

Page 572: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Os Novos Descobridores

CEPESE2008

O Arquivo da CompanhiaGeral da Agricultura dasVinhas do Alto Douro –Real Companhia Velha

CEPESE2003

O Património Cultural da Real Companhia Velha

CEPESE2004

Portugueses no Brasil:Migrantes em dois atos

CEPESEFAPERJ2006

Deslocamentos & Histórias: Os Portugueses

CEPESEEDUSC2008

A Emigração Portuguesapara o Brasil

CEPESEEdições Afrontamento2007

Page 573: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

Francisco José Resende[1825-1893]

CEPESEEdições Afrontamento2007

Espólio Fotográfico Português

CEPESE2008

Dicionário de Artistas e Artífices do Norte de Portugal

CEPESE2008

A Real Companhia Velha.Companhia Geral daAgricultura das Vinhas doAlto Douro (1756-2006)

CEPESE2006

O Brasil, o Douro e a RealCompanhia Velha

CEPESE2008

Page 574: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

573

ÍNDICE

INTRODUÇÃO Fernando de Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

INTRODUCTIONFernando de Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL E AS OIGENS DA AGÊNCIA ABREU (1840)Fernando de Sousa/Maria José Ferraria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

MOVIMENTAÇÃO DE PORTUGUESES NO BRASIL: 1808 A 1842. A BASE LUSA DO ARQUIVONACIONAL

Ismênia de Lima Martins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

EMIGRANTES E IRMANDADES DE ORIGEM PORTUGUESA NO BRASIL: AS SANTAS CASASDE MISERICÓRDIA

Jorge Carvalho Arroteia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

MIGRAÇÕES SOCIAIS, TRANSMIGRAÇÕES POLÍTICAS E RECEPTIVIDADE IMIGRACIONALJosé Jobson de Andrade Arruda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

PORTUGUESES E A LUTA PELO ALARGAMENTO DE DIREITOS E PELA CIDADANIA NO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX

Gladys Sabina Ribeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

OS TRABALHADORES PORTUGUESES NA CIDADE PORTUÁRIA DE SANTOS, NO FINALDO SÉCULO XIX

Maria Apparecida Franco Pereira/Maria Suzel Gil Frutuoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

A REPRESSÃO AOS IMIGRANTES PORTUGUESES EM SÃO PAULO: OS SUBVERSIVOS E OS OUTROS

Frederico Alexandre Hecker . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

VILACONDENSES NA FUNDAÇÃO E ENGRANDECIMENTO DO REAL HOSPITALPORTUGUÊS DE PERNAMBUCO

Adelina Piloto/António Monteiro dos Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

IMIGRAÇÃO PORTUGUESA, CASAMENTO E RIQUEZA EM BELÉM (1870-1920) Cristina Donza Cancela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

OS “BRASILEIROS” DE TORNA-VIAGEM E AS RELAÇÕES PORTUGAL-BRASIL NA DÉCADADE 1930 – ESTUDO DE CASO

Fernanda Paula Sousa Maia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163

OS PORTUGUESES NA CIDADE: TRABALHO E COTIDIANO (BELÉM – 1900)Maria de Nazaré Sarges . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177

Page 575: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

574

EMIGRACIÓN Y ASOCIACIONISMO ESPAÑOL EN BRASILJuan Andrés Blanco Rodríguez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189

FONTES PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO: O CASO DO NORDESTE TRANSMONTANO (1901-1920)

Maria da Graça Martins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213

HERÓIS NO MAR, HEROÍS NA TERRA: VILA MADALENA, UM PORTO SEGUROYvone Dias Avelino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227

A “ONDA” EMIGRATÓRIA DE 1912: DOS NÚMEROS ÀS TRAJETÓRIASLená Medeiros de Menezes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237

ASSOCIAÇÕES PORTUGUESAS NO RIO DE JANEIRO: ASPECTOS SOCIAIS E FINANCEIROSEM 1912

Vitor Manoel Marques da Fonseca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249

PORTUGUESES EM SÃO PAULO. REGISTROS E INGRESSOS (1912): HOSPEDARIADO IMIGRANTE – LISTAS DE BORDO E LIVROS DE REGISTRO

Maria Izilda Santos de Matos/Sênia Bastos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269

EMIGRAÇÃO FAMILIAR PARA O BRASIL DO DISTRITO DE BRAGA, NO ANO DE 1912Carmen Alice Aguiar de Morais Sarmento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289

LEGISLAÇÃO SOBRE EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NA I REPÚBLICAMaria da Conceição Meireles Pereira/Paula Marques dos Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307

A IMPRENSA REGIONAL COMO FONTE PARA O ESTUDO DA EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL– LAMEGO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX

Isilda Braga da Costa Monteiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329

A EMIGRAÇÃO DO DISTRITO DE VISEU EM DIRECÇÃO AO BRASIL (1854-1973)Paula Marques dos Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 349

ILUSTRES DE CÁ E LÁ: REGRESSADOS DO BRASIL NO PORTO DE OITOCENTOSManuel de Sampayo Pimentel Azevedo Graça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363

EMIGRAÇÃO LEGAL E CLANDESTINA NOS AÇORES DE OITOCENTOS (DA DÉCADADE 30 A MEADOS DA CENTÚRIA)

Susana Serpa Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA EMIGRAÇÃO DOS CONCELHOS A NORTE DO RIO DOURO PARA O BRASIL (1886-1891)

João Ramalho Cosme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 401

EMIGRAÇÃO DS MINHOTOS PARA O BRASIL (1850-1910). OS BEM SUCEDIDOS E OS OUTROS

Adília Fernandes/Odete Paiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 411

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ANTES E APÓS A I GUERRAMUNDIAL (1913 e 1919): VARIAÇÕES E PERMANÊNCIAS

Diogo Ferreira/Ricardo Rocha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 425

A EMIGRAÇÃO DO NORTE DE PORTUGAL PARA O BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DE REGISTO DE PASSAPORTES DO GOVERNO CIVIL DO PORTO (1935-1945)

Paulo Amorim/Sílvia Braga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 447

ÍNDICE

Page 576: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da

575

A EMIGRAÇÃO LEGAL NO CONCELHO DE BOTICAS (1960/88) – CARACTERIZAÇÃO PROFISSIONAL E MOBILIDADE

Maria Ortelinda Barros Gonçalves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 465

O TESTAMENTO DE VICENTE JOSÉ DE ALMEIDA GUIMARÃES, NEGOCIANTE VIMARANENSE NO BRASIL (1792)

António José de Oliveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 479

A EMIGRAÇÃO NA PARÓQUIA DE SANTO ANDRÉ DA CAMPEÃ (1848-1900) Celeste Castro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 493

OS BRASILEIROS DE PAREDES – DOIS PERCURSOS DE BENEFICÊNCIA E ESQUECIMENTOAlda Neto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 505

CONCLUSÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 519

FINAL REMARKS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 521

RESUMOS/ABSTRACTS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 523

SOBRE OS AUTORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 549

CATÁLOGO DAS EDIÇÕES DO CEPESE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 563

ÍNDICE

Page 577: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da
Page 578: NAS DUAS MARGENS. OS PORTUGUESES NO BRASIL … · -Brasil. No âmbito do Programa de Contratação de Doutorados Ciência 2008 está, ainda, a ser desenvolvido por Isilda Braga da