Não nos esqueçamos: o triunfo sobre a escravidão;...

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INTRODuçAO

rr!Jjcomércio escravista foi brmal, nef.1sro,

degradame, horrendo. E a escravatura era

exploradora, opressiva, e desumanizadora.

jumos, o comércio escravista e a escravarura

represemaram um dos ataques mais

duradouros, mais constames à dignidade e

auro-estima dos seres humanos em roda a

história da humanidade. Duranre quase qua­

trocenros anos, o comércio escravlsra orque­

strou a caprura e a deporração de mais de 12milhões de africanos de suas terras aos mais

longínquos camos do hemisfério ocidema\.

Também inrerrompeu a vida e as sociedades

de OLmos milhões no continente africano. Os

sistemas escravistas estabelecidos em todas as

Américas constituíram o contexto em que

ocorria a exploração e a dominação desses

povos africanos desde o século XVI até o

final do século XIX.

o intuito de apressar a destruição do

comércio escravista e da escraviJão, escravos,

negros livres e abolicionistas juntOS criaram

uma série de imagens e chamaram a atenção

do público para as mesmas. Buscando fazer

um apelo à consciência moral e à sensibili­

dade dos cidadões comuns, igrejas, chefes de

governo e tomadores de decisão, aboli­

cionistas e proponentes da anti-escravatura

criaram figuras visuais gráficas e narrativas da

natureza brutal e desumanizante do comércio

de escravos e da escravatura. Embora estas

imagens fossem mais uma crítica com relação

ao comportamento dos comerciantes de

escravos, mesttes de senzalas e capitães do

que uma descrição precisa das vidas e

cultura dos africanos escravizados,

estas imagens e perspecrivas perdu­

raram. Elas ainda vêm à mente quan­

do o comércio escravista e escravatura

são mencionados. Como conseqüên­

cia, muitos descendentes de africanos,

para não dizer a maioria, se senrem

mais embaraçados com relação à her-

ança escravisra do que orgulhosos da mesma.

Embora vitimados, explorados e oprimidos,

os escravos nas Américas foram os agentes

arivos e criativos da construção de sua

própria história, cultura e fururo político. Ao

estudar as suas vidas, podemos aprender

muito sobre o potencial que as pessoas têm

Abaixo à esquerda, We Are Men and Brethren (Nós somosHomens e Irmãos), 1838. Medalhão celebrando a emancipaçãona Guiana Britânica (Guiana) em 1838. Abaixo à direita,Liberty Proclaimed to the Captives (Liberdade Proclamada pelosCativos), 1834. Moeda comemorativa celebrando a abolição daescravatura nas índias Ocidentais Britânicas em 1834.

Divisão de Artes e Artefatos. Centro de PesquISa Schomburg em Cultura Negra,Biblioteca Pública de Nova York

Négres A Fond DeCalle, n.d. Africanosescravizados a bordode um navio negreiro.Gravação de Deroibaseada em umdesenho de JohannMoritz Rugendas.

Divisão de Artes e Artefatos,Centro de PesquISaSchomburg em CulturaNegra, Biblioteca Pública deNova York

de sobreviver e se desenvolver sobcondições desumanizadoras; a capaci­

dade dos seres humanos de confrontar

e rranscender a opressão; a habilidadedos povos opri m idos de prevalecer

sobre o mal e a injusriça, ambosendossados pelo Esrado e susrenradospor empresas e corporações; o vtver,

sobreviver e vencer frenre a condiçõesadversas aparentemenre insuperáveis.

A exposição Para Não Esquecer: aVirória sobre a Escravidão documenra

e inrerprera essas experiências dospovos escravos nas Américas, com as

suas rrajerórias cheias de obsráculos porém

sempre afirmações da vida.

A escravidão hoje em diaO comércio rransarlânrico de escravos e o

sisrema de escravarura que ele criou rinha

sido abolido no final do século XlX.Conrudo, a escravidão ainda é uma reali­

dade diária para milhões de pessoas no

mundo inreiro. As ações Unidas definem a

escravidão como sendo o srarus ou a

condição de uma pessoa sobre a qual sejam

exercidos qualquer ou rodos os poderes de

propriedade. O Grupo Americano Conrr'a a

Escravidão esrima que há pelo menos 27

milhões no mundo moderno. Ourras esri­

marivas chegam a 200 milhões. Elas

incluem escravos que se rarna propriedade

pessoal, escravidão por dívidas, domésricas e

prosriruras, crianças e mulheres que são ven­

didas em mercados aberros e crianças e

migranres. Eles se enconrram em pra rica­

menre cada país e conrinenre do mundo.

Um Povo NovoA esmagadora maioria das pessoas de origem

africana nos Esrados Unidos são descen­

denres de escravos. Praricamenre rodos são

descendenres de pelo menos um parenre que

foi escravizado por ourro ser humano. Os

povos africanos nas Américas, especialmenre

aqueles que vivem nos Esrados Unidos, são,

no enrreranro, um povo muiro complexo no

senrido biológico, érnico, e culrural. A

maioria descendem de duas ou mais ernias

africanas. a sua formação genérica esrão

incluídos, rambém, europeus, indígenas

americanos e, ocasionalmenre, asiáricos.

Uma das mais impressionantes conseqüên­

cias da experiência de escravidão dos

africanos foram os processos pelos quais eles

se rarnaram um povo novo-um novo povo

americano. Sua herança africana parrilhada,

o racismo e as rrajerórias comparrilhadas no

ariveiro criaram as idenridades em comum

duranre a escravidão.

A ÁFRICA:

A LONGA MARCHA

0,tre 1500 e a década de 1860, milhõesde africanos foram capturados, escravizados e

transportados além mar, e do outro lado do

Atlântico tornaram-se a força de trabalho

dominante nas economias coloniais euro­

americanas. Para a vasta maioria desses

africanos, o processo da escravidão iniciou-se

no imerior ,do litoral ocidental e da parte

central da Africa. Alguns foram capturados

em guerras ou ataques e vendidos de um

comerciante ao ourro até chegarem à cosraatlfln tica. Eles eram obrigados a marchar do

interior sob a ameaça de armas, algcmados, e

ficavam presos sob condições desumanas em

forralezas escravistas ou em outros dcpósitos

aré que f()sscm vcndidos para serem levadm

às Américas. Embora milhões morressem no

caminho, os milhões que sobreviviam e tran-

scendiam a sua opressão construíram as

bases da experiência africana nas Américas.

o COMÉRCIO

ESCRAVISTA

Womércio escravista transatlântico foi

um farol' fundamental ao desenvolvimento

das economias coloniais européias nas

Américas do século XVI ao XIX. Também

foi fundamental ao descnvolvi mcnto do

mundo moderno como nós o conhecemos.

Referido com freqüência como o "comér­

cio triangular," ele ligava as economias de

quatro continentes e do Caribe numa

economia mundial do Atlântico. As ativi-

Gravadura de uma seção transversal donavio negreiro Brookes baseado emLiverpool. Inglaterra, 1789.

e PP

dades comerciais de troca ocorriam em três

fases. Os navios deixavam os portos do litoralocidental europeu carregados de bcns comer­

ciais desrinados à África. A Espanha,Portugal, a Holanda, a Inglaterra, e a França

dominavam o comércio.

Chegando à África, os capitães dos navios

trocavam suas mercadorias por africanoscativos. As armas de fogo e a pólvora

chegaram a dominar o comércio, mas osprodutos têxteis, as contas e outras mer­cadorias, bem como o rum, também figu­

ravam de forma proeminente. A segunda

etapa do comércio triangular, a chamada

"Travessia do Meio," transportava as cargas

de africanos cativos para o outro lado do

Atlântico para venda nas Américas. A etapa

fi nal do comércio triangular era das

Américas à Europa. Os navios carregavam

mcrcadorias-principalmente ptodutos agrí­

colas cultivados à base do trabalho escra­

vo-para os ponos da Europa, onde eles

funcionavam como o combustível para o

desenvolvimento das manufatllras européias.

O açúcar era o produto dominante, seguido

pelo algodão, o café, o tabaco e o arroz.

Algema de escravosusada nos E.U.A., em1780.Coleção Draln. Wal!erboro.Carolina do Sul

A travessia do meioMais de 27.000 das estimadas 50.000 via­

gens que se calcula tenham sido feitas da

África às Américas foram documentadas, e

estima-se que 9,5 milhões de africanos

sobreviveram à "Travessia do Meio" esc

estabeleceram em todas as Américas. A

viagem podia durar de um a três meses. Era

uma experiência amedrontadora e

degradante; capitães e marinheiros a bordo

de navios na "Travessia do Meio" acor­

rentavam os homens no porão e sujeitavam

adultos, mulheres e crianças a castigos e

abusos. Mais de 18% morriam ou se suici­

davam a caminho. Os outros travaram com

sucesso a luta contra sua opressão e

desumanização e sobreviveram a viagem tor­

tuosa e plantaram nas Américas as scmentes

humanas das quais evoluiu a população

afro-americana. Hoje, a prole produzida

pelos 9.5 milhões de sobreviventes chega a

totalizar entre 150 e 200 milhões de pessoas

em todo o hemisfério. São elas a primeira e

a mais fundamenral evidência da virória dos

negros sobre a escravidão.

o TRABALHO ESCRAVO E

Os SISTEMAS ESCRAVISTAS

~obrevivênciada maioria das econo­

mias coloniais européias nas Américas do

século XVI aré o final do século XIX depen­

dia dos escravos. A maioria desres eram

imporrados para rrabalhar nas fazendas de

açücar, rabaco, algodão, café e arroz. Mais da

merade rrabalhavam nas fazendas de açücar

no Brasil e no Caribe enrre o século XVI e o

final do século XIX. Nos Esrados Unidos, as

f:lzendas de rabaco na Virgínia e em

Maryland e de arroz nas Carolinas (do Norre

e do Sul) dominavam a economia colonial,

mas após a Guerra Revolucionária o algodão

se espalhou pelo Sudesre dos Esrados Unidos.

Todos esses produros eram culrivados para

exporração e a maioria da mão-de-obra

africana rrabalhava nessas empreiradas.

Toralizando a maioria da população colonial

das Américas (os migranres africanos

somavam 5,5 vezes mais pessoas do que os

europeus), os africanos rrabalhavam em ofí­

cios especializados, sem i-especializados e sem

especialização. Homens, mulheres e crianças

rrabalhavam, e seu valor de mercado era

dererminado pelas suas habilidades e o seu

porencial de arrecadar lucros.

A LUTA CONTRA A

ESCRAVIDÃO E A SUA

ABOLIÇÃO

Wrema cenrral da hisrória negra no hem­

isfério ocidenral rem sido a lura pela liber­

dade. Do período no cariveiro no conrinenre

arê a "Travessia do Meio," ao período de

escravarura nas Américas, a busca pela liber­

dade foi o faror cenrral de morivação no

comporramenro social, polírico, econômico e

culrura. Embora a maioria dos africanos eram

escravizados legalmenre pela vida inreira, bem

como os seus filhos, eles usavam muiras

maneiras de se liberarem a si próprios e as

suas famílias da escravidão. Alguns fugiram

para a cidade para o norre do país, aos pân­

ranos ou para as monranhas. Ourros organi­

zaram ou parriciparam de rebeliões. Ourros

ainda realizaram aros de resisrência diária.

Alguns se volunrariaram para o serviço mili­

rar em rroca da promessa de liberdade. E por

fim, OLmos rrabalharam e ganharam dinheiro

suficienre para comprar a sua liberdade.

Mais para o final do século XVTII, as bases

morais, éricas e ideológicas do comércio de

escravos começaram a desmoronar.

Sociedades humanirárias e de abolição

começaram a aparecer no hemisfério ociden­

ral e na Europa, revolras e revoluções

Death of Captain Ferrer, the Captaln of the Amistad (Morte do Capitão Ferrer, o Capitão do Amlstad), Julho de 1839. Litografia em A Hlstory of the Amlstad CaptlVes(Uma HIstória dos Cativos do Amistad) de John W. Barber, 1840. Africanos capturados freqüentemente se revoltavam nos navIos negreiros. Embora algemas, correntese revólveres fossem usados para aprisioná-los, às vezes eles venciam aqueles que os haviam capturado.

OIVlsao de Manuscntos. Arquivos e livros Raros. Centro de Pesquisa Schomburg em Cultura Negra. BIt loteca Pública de Nova York

escravas surgiram e estados recém-formados

e sociedades decretaram leis de aboliçáo da

escravatura. Os escravos tomaram proveito

destas oportunidades e as utilizaram para

libertar a si mesmos e aos seus familiares. A

Guerra Civil e a 13a. Emenda à constiruiçáo

americana deram fim à escravatura nos

Estados Unidos e por volta de 1890 a

escravidáo tinha sido abolida no hemisfério

como um todo.

Escravos que aboLiram a escravaturaUm dos maiores grupos de escravos que

conseguiram a vitória sobre a escravidáo foi

aqueles que roubaram a si mesmos-os que

fugiam levando consigo o valor que seus

"donos" haviam pago por eles, o valor do

trabalho que os "senhores" esperavam deles

extrair, bem como o valor de seu conheci­

mento e habilidades. Em todos os lugares

onde existia a escravidáo, os escravos sempre

fugiam. Mais de 50.000 escravos fugiram

por ano no Sul dos Estados Unidos antes daGuerra Civil. A maioria retornava, era puni­

da el ou renegociava seu relacionamento

com a instiruiçáo da escravatura. Mas o seu

ato de fugir expunha a fundamental insta­

bilidade dos regimes escravistas e o grau em

que esses regimes dependiam do africano

escravizado, e náo o contrário.

Uma minoria significativa de fugitivos

desaparecia no meio de comunidades de

negros livres no Sul, no arte e no

estrangeiro. Outros se estabeleceram no

meio de comunidades indígenas e se

tornaram envolvidos de forma ativa nas

suas lutas contra os regimes coloniais inva­

sores. Outros ainda fugiam e criavam novas

quilombos onde instiruíam seus próprios

sistemas de governo e organização social,

administrando suas próprias vidas.

Quilomhos vibrantes, altamente organi­

zadas, se desenvolveram na Jamaica, no

Suriname, no Brasil, na Colômbia, e na

Carolina do Norte nos Estados Unidos. Os

descendel1tes desses quilombos ainda levamvidas dinâmicas, enraizadas na sua ances­

trai idade e herança cultural dos qui lombos,

na Jamaica e no Suriname.

O processo de colonização das Américas as

tornou uma zona de guerra perpétua. Além

das expedições militares realizadas contra

os povos indígenas, as potências coloniais

\

européias estavam constantemente em

guerra el1tre si, disputando o espólio da

"descoberta" e da colonização-terras,

ouro, prata, e os outros recursos naturais

das populações indígenas. Essa mobilização

militar sem fim oferecia a alguns escravos

oporrunidades de perseguir a sua busca

pela liberdade por meio do serviço militar.

Eles se alistavam no serviço voluntário

sempre que a aferra da liberdade fosse um

dos prêmios. Lutaram ao lado dos ingleses

e dos coloniais narre-americanos durante a

Revolução Americana porque ambos os

lados ofereciam a liberdade àqueles que os

serviam. Lutaram também, e pela mesma

razão, em ambos os lados da Guerra Civil.

AJguns se armavam e lutavam pela própria

liberdade. Os quilombos em todas as

Américas deflagravam campanhas de guerra

de guerrilha e, às vezes, guerras de escala

plena contra os colonialistas europeus. os

Estados Unidos, rebeldes como Gabriel

Prosser, Nat Turner e Denmark Vesey plane-

Le Code NOlr, ou Recuell Des ReglemansRendus, Paris, França, 1742. Este com­pêndiO de leiS francesas que remonta a1685 registra, em um só lugar. todas asleiS eSCrItas para governar a diSCiplina eo COmérCIO de escravos nas colóniasfrancesas das Américas. Este foi um doscódigos escravistas mais abrangentes Jápublicado.

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Versão de umleilão de escravos,Versailies,Kentucky, U.S.A.

Amostra dá N )t'

Plttn'an Colle( "on

javam rebeliões ou pegavam em armas paraderrubar os regimes escravisras. Os rebeldeshaitianos Toussaim, Dessalines and

Chrisrophe riveram êxiro e criaram a primeira

república negra no hemisfério após derroraras forças milirares da França apoleônica, daInglaterra e da Espanha enviados para sufocar

a primeira rebelião escrava viroriosa nasAméricas. O espectro da Revolução do Haiti

perrurbava a paz de cada regime escravista dasAméricas até que fosse abolida a escravatura,e a Revolução do Haiti inspirou os negros em

ourras sociedades escravocratas a pegar emarmas para lu tar pela sua liberdade.

As sociedades escravistas repetidamen te pro­

mulgavam leis que proibiam os negros deacumular propriedades ou de participar ematividades lucrativas para seu ganho próprio.

Ao mesmo tempo, essas leis documemavam ofaro de que os escravos estavam muiro ocupa­dos e envolvidos com a aquisição de bens,

serviços e propriedades.

Nas fazendas em todas as Américas, parcelas

de terras eram designadas para uso dosescravos onde cultivavam comida afim de

suplememar a alimentação própria e dos sen­hores. Indivíduos e famílias empreendedores

faziam dessas parcelas, que freqüenremenre serornavam propriedades de vários hectares, assuas próprias fazendas, nas quais trabalhavam

após o trabalho forçado e nos fins de sem­ana. Muiros ganhavam o suficiente para

adquirir bens e para comprar de volra a pro­priedade de si mesmos e de suas famílias. Osindivíduos que se especializavam em cerros

trabalhos qualificados eram terceirizados porseus senhores por períodos de curta ou de

longa duração. Eles também usavam as suaseconomias para adquirir bens e para comprarde volta a sua liberdade.

No enrretanto, os negros livros no Norte e

no Sul dos Estados Unidos criavam eadministravam os próprios seus negócios,compravam residências e outros bens

imóveis, e em lugares como Louisiana eCarolina do Sul, até eram donos e admin­

istradores de fazendas de escravos. Após aGuerra Civil, os negros se apressaram para

guardar suas economias no Banco dosHomens Livres (Freedman's Bank). Até1872, sete anos após o final da Guerra Civil,

uns 70.000 depositantes em rodos osEstados Unidos haviam acumulado depósi­

ros que rotalizavam mais de US 3 milhões.

Abolição do comércio escravo e daescravaturaOs indivíduos que compravam, herdavam ou

adquiriam escravos por outros meios tinhamo direito de libertá-los. AJguns exerciam essedireito, concedendo a liberdade a indivíduos

africanos escravizados como também a gru­

pos. Os primeiros e mais consistentes dosabolicionistas foram os escravos que afir­mavam que a escravatura estava errada. Os

Quakers publicaram um manifesro conde­nando a escravidão em 1688, e em 1775

organizaram a primeira sociedade aboli­cionista nos Estados Unidos. Inspirados pelas

correntes ideológicas das revoluções Francesae norte-americana, os oponentes daescravidão na Pensilvânia, ova York,

Massachussetts e Virgínia Fundavam associ­ações abolicionistas que incentivavam a liber­

tação de escravos por meio de testamenros ouescrituras. Antes da Guerra Civil, mais de

200.000 none-americanos se filiaram àsv,írias associações anti-escravistas e aboli­cionistas e deflagraram campanhas ideológi­

cas e políticas contra a instituição da escra­vatura. Quando Abraham Lincoln Foi eleito

Presidenre dos Estados Unidos, deFendendouma plataForma anti-escravisra, a Carolina doSul se retirou da União, assim engatilhando o

início da Guerra Civil.

Enquanto isso, nações recém independenres eas potências colonialistas européias maissangüíneas aboliram a escravidão e o comér­

cio escravista em todas as Américas. O Haiti

aboliu a escravidão na nova república em1804. A Argentina (l853), a Colômbia(1851), a América Central (1824), o Estado

de ova York nos Estados Unidos (1827), eAs índias Ocidentais Britânicas (1834), todos

haviam abolido a escravidão antes queLincoln pronunciasse sua Proclamação daEmancipação (1863), estatuto que libertou

apenas os escravos nos estados do Sul queFaziam parte da ConFederação separatista.

Apenas a aprovação da 13a Emenda àConstituição (1865), após a Guerra Civil,pôs fim à escravatura nos Estados Unidos. A

abolição da escravatura no Brasil, em 1888,aboliu a escravatura de uma vez por todas no

hemisFério ocidental.

o triunfo sobre a escravidãoOs novos aFro-americanos eram mais do que

simplesmente pessoas transFormadas biologi­ca e genencamenre. o contexto daescravidão, eles inventaram uma nova cultura

escrava aFro-americana. Em lugar das línguas

Négre & Négresse dans une Plantation porJohann Moritz Rugendas. Publicado em Voyageplttoresque dans le BresJl. Paris, cerca de 1835.

Dlvlsao de Artes e Artefatos. Cenln de pp ~!Jlsa SCllomburg emCultura Negra, BiblIOteca Publlr;a de Nova YOfk

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africanas diversas que eles trouxeram consigo,

eles inventaram novas linguagens para se

comunicar uns com os outros e com os seus

mestres coloniais. Um grupo especial de lín­

guas africanas do Novo Mundo criadas pelos

escravos, o Black English, crioulo e papia­

mento, entre outrOS, são sínteses de vocab­

ulários europeus e estruturas gramaticais basi­

camente africanas. Os escravos também

trouxeram o conhecimento e a tecnologia das

suas culturas, especialmente em botânica,

medicina, agricultura, navegação e ferraria.

Foi dentro dos confins das habitações negras

que africanos de backgrounds variados cri­

aram as suas novas relações sociais e formas

culturais. No contexto das condições mais

opressivas e desumanizadoras possíveis da

senzala, eles formularam novas regras de

comportamentos éticos e morais e promover­

am a cooperação e assistência mútua entre

eles para poder sobreviver e afirmar as suas

próprias identidades, valores e ideais. Foi

neste espaço que eles criaram novas relaçõesde família e sociedade. Foi neste espaço que

eles afi rmaram a sua fé em Deus e o seuamor por uns aos outros. Quanto mais eles se

desenvolveram e afirmaram os seus valoresculturais exclusivos e práticas, mais eles pud­

eram resistir ao controle e à opressão dosbrancos. O sentido de solidariedade se desen­

volveu neste espaço e encorajou os escravos a

se unir e proteger-se a si mesmos das práticasmais desumanizadoras da escravidão. Asnovas culturas inventadas por eles incenti­

vavam a auro-estima, coragem e confiança

nos indivíduos e no grupo.

VIDA FAMILIAR EDESENVOLVIMENTO SOCIAL

Wque permanece em grande parte silen­ciado e freqüentemente sub-apreciado é o

fato de que os povos africanos inventavam ecriavam as condições de vida familiar

durante a escravidão. Eles apreciavam inten­

samente os laços conjugais e sagrados cria­

dos pelo matrimônio. Eles sustentavam e

alimentavam os laços familiares mesmo

quando separados uns dos outros. Entre as

suas mais altas prioridades após ganhar a

liberdade, sobretudo depois da abolição da

escravatura, estava a de localizar os membros

da família que haviam se perdido e afirmar

o amor uns pelos outros. Durante o período

imediatamente após a emancipação, prolif­

eravam as cerimônias civis e/ou religiosas,

formais e recém legalizadas, de casamento.

Os negros livres-ex-escravos e seus descen­

dentes, muitos deles fugitivos-construíram

as bases da vida institucional negra nas

Américas durante o período da escravatura.

os Estados Un idos, eles fundaram as igrejas

Africana Metodista Episcopal Sião (A.M.E.

Zion) e Africana Metodista Episcopal

(A.M.E.), bem como numerosas e pioneiras

igrejas negras batistas. Os primeiros jornais e

revisras políricas e lirerárias negros surgiram

duranre esse período como oposirores da

escravarura e porra-vozes da liberdade. A vida

polírica organizada dos africanos nos Esrados

Unidos rem suas raízes no movimenro da

Convenção Nacional do Negro em 1830.

Escravos e negros livres organizavam negó­

cios-resrauranres, farmácias, joalharias,

lavanderias, gráficas e gravadoras, e associ­

ações funedrias. As funedrias fundadas

duranre a escravidão evoluíram-se em empre­

sas de seguros, com donos negros. As

sociedades liredrias, os maçons negros livres e

os companheiros avulsos-"odd fellows"­

são rodos produros do período da escravarura

anres da Guerra Civil.

RELIGIÃO

QS:!{maioria dos escravos não conseguia

susrenrar nas Américas as suas práricas reli­

giosas africanas rradicionais. No Caribe e na

América Ccnrral c do Sul, eles invcnraram

formas religiosas africanas do

Novo Mundo-novas sínreses

de formas africanas diversas

ou sínreses de práricas reli­

giosas africanas e crisrãs,

geralmenre carólicas. São

exemplos o candomblé e a

umbanda no Brasil; o vudu

no Hairi, na Louisiana e

em OLlrras comunidades

francofonicas; a sanrería

em Cuba e Puerro Rico; o

xangô em Trinidad e

Grenada.

Nos Esrados Unidos,

missionários, pregadores

e fazendeiros proresranres renravam

urilizar a religião para prevenir a rebelião, e

não para salvar as almas africanas. Os que fre­

qüenravam os culros desrinados aos escravos

recebiam a insrrução de que eles haviam

nascido para a escravidão e que deviam rra-

Uma reunião em um acampamento negreiro no Sul dos E.U.A.,Harper's Weekly, 10 de agosto de 1872, E.UA Em reuniõesde orações feitas em segredo, os Africanos aprisionados inven­taram novas formas de práticas rei igiosas cristãs.

DIVisão de Fotografias e Impressões, Centro de PesqUisa Schornburg em CulturaNegra. Blblloleca Publica de Nova York

Olaudah Equiano [Gustavus Vasa], cerca de1745-1797. O filho de um chefe de uma tribo noleste da Nigéria, Equiano fOI capturado e levado àVirgínia, onde ele fOI comprado e transportado àInglaterra. Em 1761, ele foi vendido à um Quaker naPhiladelphia, e em 1766 ele comprou a sua liberdade.A sua muito admirada autobiografia InterestmgNarrative (Narrativa Interessante), teve oito ediçõesbritânicas, uma publicação Americana durante a suavida e dez publicações póstumas, incluindo traduçõesao holandês e ao alemão.

Manuscritos, Divlsao de ArquIvos e LIvros Raros. Centro de Pesqul';ôSchornburg em Cultura Negra, Biblioteca Pública de Nova York

balhar e servir lealmente os seus senhores;

nunca deveriam desobedecer, mentir ou

roubar. A maioria dos escravos não se iludi­

am com rais ensinamenros. Além disso,

revolrados com o esrilo da rei igião ensi nada

pelos "senhores," eles formulavam novas

idéias e práricas de cul ro nas senzalas. Os

escravos pregadores que aprendiam a ler a

Bíblia nela encontravam rrechos liberradores

e afirmarivos da vida, e nas suas freqüenres

reuniões de louvor nos sábados e domingos,

eles pregavam esse evangelho liberrador.

Quando fundiam-se com as reminiscências

de suas formas africanas de culro, essas

reun iões de louvor rornavam-se experiências

religiosas africanas do Novo Mundo.

LÍNGUA, ALFABETIZAÇÃO

E EDUCAÇÃO

Wescravos provinham de diversas cul­

ruras e falavam uma mulriplicidade de lín-

guas ao chegar nas Américas. Muiros se

rornaram bilingües e rrilingües, falando duas

ou mais línguas coloniais ou indígenas além

de suas línguas marernas. Em rodos os

lugares onde cxisria a escravidão, os escravos

criaram novas línguas que fundiam aspecros

de sua rradição lingüísrica africana com o

vocabulário da língua do colonizador. Essas

línguas crioulas consriruem os fundamenros

das línguas que os povos africanos falam

hoje nas Américas.

Nos Esrados Unidos, escravos e ex­

escravos-freqüen remen re fugiri vos-publi­

cavam livros, narrarivas pessoais, poesias,

prosa, ensaios, comenrário social e jornais.

Uma conringenre maior aprendia a ler e

escrever o suficienre para forjar os passes e

OlUros documenros necessários para escapar

ou para poder ir e vir livremenre.

Ouranre a escravidão, a modalidade de edu­

cação formal predominanremenre acessível

aos cscravos era a de serem aprendizes de

alguma profissão. Indivíduos selccionados

eram aprendizes de mesrres de um ofício

para aprender a sua profissão. Com o

rempo, uma percenragem considerável do

rrabalho qualificado nas fazendas e nas áreas

urbanas era fornecida por escravos ou negros

livres que haviam aprendido seu ofício por

meio do sisrema de aprendizagem. As

primeiras escolas para negros foram fun­

dadas em Chariesron, Carolina do Sul

(1695) c em ova York (1704). A escola de

Africanos Livres de ova York, fundada em

1787, formou algumas das principais lider­

anças negras do século XIX. A Universidade

Lincoln, primeira universidade hisrorica­

menre negra nos esrados Unidos, foi funda­

da em 1854. No espaço de duas décadas

,lpÓS o finai da Guerra Civil, uma vasra rede

de universidades ncgras havia sido esrabele­

cida por e para a primeira geração de home­ns e mulhcres livres.

CULTURA EXPRESSIVA

Wescravos a bordo dos navios negreiros

freqüenremenre eram obrigados a dançar.

Uma vez ou mais por dia, alguns deles eram

rrazidos do porão e recebiam rambores para

rocar, enquanro os ourros canravam e

dançavam. A dança era visra como uma

forma de exercício físico que ajudava a man­

rer a saúde dos africanos duranre a viagem da

"Travessia do Meio." O que os capirães dos

navios não sabiam era que esse rirual, por

vezes diário, provavelmenre fornecia uma das

bases da conrinuidade da culrura expressiva

de marriz africana no Novo Mundo.

Os escravos no Caribe e na América do Sul

consrruíam seus ri ruais, fesrivais e reuniões

sociais religiosas e seculares com base nas

canrigas, nas danças e nos rirmos que eles

invenravam. A maioria das formas musicais

e das danças do Caribe e da América do Sul

rem suas raízes nessas criações africanas do

ovo Mundo.

Nos Esrados Unidos, as formas dominanres

de música americana e de dança popular são

de marriz africana. Os rambores eram

proibidos em muiras comunidades escravas

nos Esrados Unidos quando os "senhores"

descobriam que eles podiam ser urilizados

rambém como um meio de comunicação

secrera. Enrreranro, não era possível suprim­

ir a sensibilidade rírmica africana. o lugar

dos rambores, os escravos subsriruíam o

barer palmas, o "parrin' juba" e o barer o pé

para reproduzir os complexos mui ri-rirmos

dos rambores africanos. As danças popu­

lares-jigs, shuffles, breakdowns, shake­

downs e backsreps-bem como o griro e

ourras expressões religiosas, eram dançadas

ao acompanhamenro do violino e do banjo,

além de ossos, cabaças e ourros insrrumen­

ros fei ros à mão.

Os escravos deixaram a sua estampa culturalem outros aspectos da cultura norte-ameri­cana. As formas de falar do Sul trazem fone

inAuência dos padrões de linguagem inven­tadas pelos escravos. A culinária sulista é uma

culinária afro-americana, criada por escravos.A poesia, os sermões, a oratória e outras for­

mas de literatura oral no idioma popularafro-americano, incluindo aí o rap contem­

porâneo, têm suas raízes nos gêneros literáriosde oratória desenvolvidos por escravos.

Finalmente, embora os códigos escravistas

determinassem regras muito restritivas de sevestir para reforçar sua identidade, os

escravos apropriavam os estilos europeus eos tornavam seus, criando nesse processoestilos distintamente afro-americanos de

moda e de adereços pessoais.