Mulher e Trabalho

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A o longo de sua história, o Brasil tem enfrentado o problema da exclusão social que

gerou grande impacto nos sistemas educacionais. Hoje, milhões de brasileiros ainda

não se beneficiam do ingresso e da permanência na escola, ou seja, não têm acesso a um

sistema de educação que os acolha.

Educação de qualidade é um direito de todos os cidadãos e dever do Estado; garantir o

exercício desse direito é um desafio que impõe decisões inovadoras.

Para enfrentar esse desafio, o Ministério da Educação criou a Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad, cuja tarefa é criar as estruturas necessárias

para formular, implementar, fomentar e avaliar as políticas públicas voltadas para os grupos

tradicionalmente excluídos de seus direitos, como as pessoas com 15 anos ou mais que não

completaram o Ensino Fundamental.

Efetivar o direito à educação dos jovens e dos adultos ultrapassa a ampliação da oferta

de vagas nos sistemas públicos de ensino. É necessário que o ensino seja adequado aos que

ingressam na escola ou retornam a ela fora do tempo regular: que ele prime pela qualidade,

valorizando e respeitando as experiências e os conhecimentos dos alunos.

Com esse intuito, a Secad apresenta os Cadernos de EJA: materiais pedagógicos para o

1.º e o 2.º segmentos do ensino fundamental de jovens e adultos. “Trabalho” será o tema da

abordagem dos cadernos, pela importância que tem no cotidiano dos alunos.

A coleção é composta de 27 cadernos: 13 para o aluno, 13 para o professor e um com

a concepção metodológica e pedagógica do material. O caderno do aluno é uma coletânea

de textos de diferentes gêneros e diversas fontes; o do professor é um catálogo de ativi-

dades, com sugestões para o trabalho com esses textos.

A Secad não espera que este material seja o único utilizado nas salas de aula. Ao con-

trário, com ele busca ampliar o rol do que pode ser selecionado pelo educador, incentivan-

do a articulação e a integração das diversas áreas do conhecimento.

Bom trabalho!

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad/MEC

Apresentação

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Sumário

TEXTO Subtema

1. Mulheres em desvantagem Relicostumes 6

2. O caso Esmeralda 8

3. Vida nova aos 60 Diversidades regionais 10

4. Novos tempos Maturidade social 11

5. Conceição das crioulasMiscigenação 14

6. Um desenho Crítica social 16

7. A carregadora de pedras Trabalhadores 17

8. Aviso da lua que menstrua Cultura suburbana 18

9. Mulheres da terraa luta dos negros 20

10. A arte da guerra para mulheres Ambiente de trabalho 22

11. “Acreditaram nele” Identidade nacional 23

12. Dupla jornada 24

13. O inevitável trabalho feminino 26

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14. Cuidado: mulheres trabalhandoImigração e culinária 28

15. O poder: masculino ou feminino? Direitos civis 30

16. Afinal, o que faz um primeiro-damo? Origens dos trabalhadores 32

17. BobagemÍndios do Brasil 34

18. Salários mais equiparados com os dos homens 35

19. Em busca de emprego Olhos da alma 36

20. Rendimentos desiguais Arte culinária 44

21. Homenagem a quem fazArte culinária 46

22. Mulheres e trabalho na história do BrasilArte culinária 48

23. A life of charity Arte culinária 51

24. “Ellas” Arte culinária 52

25. Um pouco da história do dia internacional da mulher Arte culinária 54

26. Fazem mais e ganham menos Arte culinária 56

27. Mensagem da baixa verde Arte culinária 63

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• Mulheres, Trabalho e Vida6

DesigualdadeTEXTO 1

DESVANTAGEM

Dentre os brasileiros que trabalham, asmulheres são quase a metade (42%).E são responsáveis pelo sustento de

aproximadamente um terço das famílias noBrasil. Mas também são as mais atingidaspelo desemprego. Entre a demissão de umhomem e de uma mulher, geralmente amulher é a demitida.

As mulheres que trabalham e têm suascarteiras assinadas ocupam cargos ou pos-tos de trabalho mais desqualificados do queos homens e nas funções de menor prestí-gio social. E, pior, mesmo que ocupem asmesmas funções e com mais instrução,recebem salários menores do que os ho-mens, enfrentam barreiras imensas na horada contratação, ficam menos tempo numdeterminado cargo, têm dificuldades paraserem promovidas e custam a chegar aospostos de chefia.

Segundo as últimas pesquisas do IBGE,a discriminação contra as mulheres aumen-

ta, se levarmos em conta a raça daspessoas. Dentre todas as mulheres, 44% seconsideram negras. Desse contingente, asque são chefes de família estão entre asmais pobres (muitas, inclusive, abaixo dalinha da pobreza). A renda dessas famíliaschefiadas por mulheres negras chega a ser74% inferior à renda dos domicílios chefia-dos por homens brancos. Ou seja, enquan-to a família do homem branco ganha 300reais por mês, a família da mulher negrarecebe somente 78 reais.

Na maioria dos casos, as trabalhadorasestão no setor de serviços, sem carteira assi-nada e, portanto, sem direitos garantidospelas leis. As mulheres negras estão forte-mente no trabalho doméstico, igualmente,não registrado.

Elas são a metade da população brasileira, ainda assim ganham menos do que os homens

MULHERES EM

Baseado em texto de Antonio Carlos Spis – secretário nacional deComunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Publicadoem 8 de março de 2004.

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— Precisamos reduzir os salários em50%. Infelizmente, vamos ter quedespedir um de vocês...

Fila de desempregados no centro de São Paulo (SP): mulheres são maioria.

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• Mulheres, Trabalho e Vida8

Eu estava a fim de sair da vida da rua edas drogas, mas aquela vida tinha ascoisas que me ligavam. É como al-

guém que mora há trinta anos na VilaMadalena e de repente, do nada, vai morarna Freguesia do Ó. No começo vai se sentirmal pra caramba. Eu sabia que tinha queabrir mão dos meus amigos, tinha que arru-mar pessoas diferentes, e aquilo me doíapra caramba. Então entrava numa depres-são, ficava direto na depressão, e comeceia tomar remédio.

O terapeuta falava que eu estava viven-do coisas novas, que o tempo ia conseguirmudar. Eu sentia muita vontade de usardroga, de roubar. Ficava fissurada e falava,falava, era muito nervosa.

Eu falava da minha mãe, que eu tinhamuito ressentimento. Tinha muita raiva detudo, de todos. Era como uma bola dentrode mim e um vazio do caramba. O Rafikfalava para eu mostrar os meus sentimen-tos, botar as coisas para fora. Na terapia eno Travessia, comecei a aprender a lidarcom os meus sentimentos, a lidar com opassado.

Risco soc ia lTEXTO 2

O CASO ESMERALDA

São Paulo, 23/5/2006 18h26. Meninos de rua são cataloga-

dos por assistentes da prefeitu-ra no centro da cidade. Na

foto, crianças na Praça da Sé.

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O Rafik se parece com o Enéas, aquelepolítico do “Meu nome é Enéas”. É barbu-do, careca, nariz igual ao dele, alto, magro.Mas, no primeiro dia que eu o vi, ele esta-va todo sério. Ele tem uma fisionomia sériae eu pensei: “Esse homem deve ser móestranho, mó esquisito”. Mas converseicom ele e comecei a me identificar. Depoiscomecei a me identificar com as idéias dele.

No começo eu não falei quase nadacom ele. Falei que era menor de rua, quetinha ido pra Febem, falei meu nome, faleiminhas idéias, que eu não estava gostandonada que o pessoal estava fazendo pramim, que eu queria mesmo era ir ficandona Febem, ou na rua, em qualquer lugar.Porque eu estava estranhando tudo. Faleique eu era mais feliz na frente do Rafik. Àsvezes eu xingava, mas sem violência, nãochutava as coisas. Quando eu estava loucade crack, eu dormia na sala dele.

A gente tocava no assunto de “ficar”com as meninas quando eu estava na rua ena Febem. Eu não me apaixonava por elas.Só uma vez eu me apaixonei por umamenina e fiz uma promessa pra ela: eu nãovoltaria mais pra rua. E não voltei mais. Onome dela era Roselaine, o apelido eraNani. Eu falava só dela pro Rafik. Acho queela tinha 16 anos, eu tinha 17. Ela erapequena, tinha 1,50 m mais ou menos, ca-

belo liso até os ombros. Ela era inteligente,nem usava drogas. Nem sei por que elaestava na Febem. Eu cheguei a gostar daNani. Ela me ajudou bastante, ela me disse:“Você vai ter que sair da rua e vai largardas drogas”. E foi por isso que, quando fuipra Casa de Passagem, eu não fugi.

Mulheres, Trabalho e Vida • 9

Fundação Projeto Travessia

Trecho extraído do livro Esmeralda, por que não dancei, de auto-ria de Esmeralda do Carmo Ortiz (Editora Senac).

A fundação é uma organização social queexiste em São Paulo desde 1995 e traba-lha com adolescentes e crianças em situa-ção de risco, oferecendo nova perspecti-va de vida ao buscar a garantia de seusdireitos fundamentais. Seus educadores(psicólogos, médicos, professores e out-ros profissionais especializados) promo-vem, junto a cada menino e menina, umaauto-reflexão sobre os riscos constantes aque estão sujeitos, para reconstruir coleti-vamente o sonho de um futuro melhor ea capacidade de transformar suas históri-as pessoais. Todo atendimento tem comomissão promover o retorno desses jovense crianças à escola regular, acompanhan-do-os – e também aos seus familiares –na reintegração ao convívio familiar ecomunitário.

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• Mulheres, Trabalho e Vida10

Cansada de vender produtos de casaem casa, ela foi à procura de estabili-dade aos 60 anos de idade. Mas, pas-

sados os 45, não é fácil encontrar trabalho. Segundo o Dieese (Departamento In-

tersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), profissionais na faixa de 25 a34 anos passam, em média, treze mesesdesempregados, aos 45 anos ou mais dedi-cam dezoito meses em busca de uma vaga.

Odette Pohl Caneloi, 66, há três anostrabalha em uma loja do supermercadoBarateiro, do Grupo Pão de Açúcar.

“Sei pelas minhas amigas que o precon-ceito contra o idoso é grande, acho que tivesorte. Fui muito bem recebida por aqui”,diz ela, que atua como atendente e dáinformações para os clientes.

“Confesso que me achava improdutivae fiquei com medo no começo. Mas hojevirei a conselheira da turma e fiz amigosde outras idades, coisa que já não passavamais pela minha cabeça”, comemora.

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VIDA NOVAAOSConquistas t rabalh is tas

TEXTO 3

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Trecho adaptado de matéria publicada no Caderno Equilíbrio, Folhade S. Paulo, em 11/3/2004. Adaptação: Página Viva.

Na terceira idade,mulheres procuram

emprego que dêestabilidade

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Caderno Trabalho e Meio Ambiente • 11

Ao saber que está grávida, a mulhernão pode mais ser demitida arbitra-riamente ou sem justa causa e tem

seus direitos garantidos pela lei desde a con-firmação da gravidez até cinco meses apóso parto. O salário-maternidade é pago inte-gralmente, pelo empregador – ressarcido

em seu imposto de renda – ou diretamentenas agências da Previdência Social. Emqualquer um dos casos, o período derepouso pode ser aumentado em mais qua-tro semanas – duas antes e duas depois doparto – por razões médicas.

Mulheres, Trabalho e Vida • 11

NOVOS TEMPOSEmpresas contratam mulheres durante a gravidez

Conquistas t rabalh is tasTEXTO 4

Patrícia Cavalheiro, controller da MarketingStore, de São Paulo, trabalhou até o oitavomês da gravidez.

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Texto 4 / Conquistas t rabalh is tas

• Mulheres, Trabalho e Vida12

É importante que a mulher esteja com o bebê até osseis meses, porque o leite materno é recomendadoaté esta idade, apesar de não haver um períodoespecífico para a mãe deixar de amamentar. Hácrianças, por exemplo, que mamam até um ano deidade. O leite materno é o alimento ideal para o bebêporque não há risco de contaminação, como existecom a mamadeira. Além disso, o custo é zero, e obebê pode aproveitar, ainda, o aconchego de contatocom a mãe. O leite materno é, com certeza, o melhoralimento para o bebê, e não aquelas mamadeiras deleite de vaca com maisena. O bebê que se alimenta

até os seis meses com o leite materno ganha imu-nidade e terá menos riscos de ficar doente. Quando obebê deixa de mamar tanto porque a mulher precisavoltar a trabalhar, diminui o estímulo para formaçãode leite. A mulher que trabalha fora, o tempo todo,perde a oportunidade de dar melhor alimento para oseu bebê, indispensável no começo da vida. ASociedade de Pediatria está apoiando a ampliação dalicença-maternidade por considerar que será umimportante ganho para as mães e para seus bebês.

Licença-maternidade, a lei em vigor

Empregada registrada – A lei garante àmulher o direito de não trabalhar quatrosemanas antes do parto e oito semanasdepois. O salário-maternidade, equivalenteao último valor recebido pela empregada, épago durante todo esse período de licença.

Empregada doméstica – Possui direitossemelhantes à empregada registrada, coma diferença de ter que ir até uma agênciada Previdência Social requerer o salário e alicença. O valor recebido é equivalente aoúltimo salário em que houve contribuiçãoprevidenciária.

Mães adotivas – Ao adotar uma criançaou ganhar sua guarda judicialmente, amulher adquire direitos iguais aos dasgrávidas. O valor recebido varia de acordocom o vínculo empregatício que essa mãe

tem e o tempo de acordo com a idade dacriança adotada.

Trabalhadora autônoma ou contribuin-te facultativa – Nesses casos de contribui-ção em períodos alternados, a contribuintedeve pagar a Previdência por dez mesespara voltar a ter direito ao salário-mater-nidade e à licença.

O valor recebido é equivalente à médiados últimos doze salários (em um períodomáximo de quinze meses).

Parto prematuro – A mulher passa ater direito à licença e ao salário-mater-nidade no momento do parto e por maisdoze semanas.

Aborto espontâneo ou previsto em lei– risco de vida para a mãe ou estupro de-vem ser comprovados por atestado médicoe o salário-maternidade é pago por duas

O que dizem os pediatras

Extraído de matéria publicada no Jornal A Gazeta, Vitória (ES) *Dr. Ronaldo Edwaldo Martins

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Mulheres, Trabalho e Vida •13

• África do Sul: 12 semanas

• Alemanha: 14 semanas

• Argentina: 90 dias

• Canadá: até 18 semanas

• Chile: 18 semanas

• Cuba: 18 semanas

• Estados Unidos: 12 semanas

• Itália: 5 meses

• Líbano: 40 dias

• Portugal: 98 dias

• Reino Unido: até 18 semanas

• Suécia: até 450 dias

Licença-maternidade no mundo

Saiba Mais

Mães ficam mais tempo ao lado dos filhos recém-nascidos

semanas, mesmo período em que a mulherpode ficar em repouso.

Licença-paternidade – A licença-pater-nidade entrou em vigor na Constituição de1988 e representa, além de um conforto amais para os pais, um alívio para as mães.Com essa lei, o trabalhador pode ausentar-

se de seu emprego por cinco dias, períodoque não pode ser descontado de seu salário.Essa licença também serve para o pai regis-trar seu filho.

Texto adaptado de matéria publicada no Caderno Equilíbrio, Folhade S. Paulo, em 11/3/2004. Adaptação: Página Viva.

• A senadora Patrícia Saboya (PSDB – CE) apresen-tou o projeto da Sociedade Brasileira de Pediatria(SBP) no Senado, em agosto de 2005, estendendopara seis meses a licença-maternidade. O projetoagora tramita na Comissão de Direitos Humanosda casa e o relator, senador Paulo Paim (PT – RS)já declarou que vai dar parecer favorável.

• Uma vez votado na comissão, segue para aCâmara, e, se for aprovado, vai depender desanção presidencial.

• “A aprovação da lei não significa que todas asempresas serão obrigadas a estender a licença-

maternidade das funcionárias para seis meses.Somente aquelas que quiserem se inscrever noPrograma Empresa Cidadã. Como incentivo, vãoreceber descontos em tributos federais”, explicaAna Maria Ramos, presidente da SBP.

Arrecadação:500 MILHÕES: É quanto a União deixaria de arreca-dar se todas as empresas aderissem à proposta –em caráter facultativo e mediante incentivos fiscais.Esse é quase o valor gasto com o tratamento depneumonia de crianças até 1 ano.

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Da Comunidade ConceiçãoA vocês quero falarOnde o povo descobriuUm jeito novo de trabalhar

Fugindo da escravidãoAs crioulas aqui chegaramFiaram aquele algodãoE seu patrimônio compraram

CONCEIÇÃO DAS CRIOULAS

Discr iminação rac ia lTEXTO 5

Não sabiam que assim estavamFazendo do seu artesanatoPovo simples de pequena culturaO ofício que sempre desempenharam

Se antes alguém viu como insignificantesVejam agora um povo vitoriosoQue se assumem como negrosBem felizes e importantes

Andreína Afonsina dos Santos

Conceição das CrioulasA Comunidade Quilombola de Conceição das Crioulasfica no sertão central pernambucano, a 550 quilôme-tros de Recife. De acordo com o relato dos seus maisantigos moradores, a comunidade se estabeleceu noinício do século 19, por iniciativa de seis negras livres.

Hoje, em parceria com a Universidade Federal dePernambuco e o Sebrae, seus moradores desenvolvemo Projeto Imaginário Pernambucano: produção depeças artesanais de barro, caroá, palha e imbira, que,além de gerar renda, reafirmam a identidade étnicada população.

A trabalhadora negra“Na escala da discriminação, a mulher negra ocupa

posição ainda pior do que aquela ocupada pela mulherbranca e pelo homem negro.”

A somatória das discriminações resultantes do racis-

mo e do machismo atinge em cheio a mulher negra, tor-nando sua situação particularmente dramática.

O contingente de mulheres negras em atividadesdomésticas é sempre muito grande em todas as capitaispesquisadas. Em Belo Horizonte, por exemplo, o percen-tual de negras em emprego doméstico (31%) é mais queo dobro do percentual de brancas (14,2%).

No Distrito Federal, cerca de 45% das negrasencontram-se ocupadas em atividades consideradasvulneráveis.

Em Salvador, 36,2% das mulheres brancas concluí-ram o ensino universitário, contra apenas 10,9% denegras que conseguiram alcançar esse nível de ensino.

Na escala da discriminação, a mulher negra ocupaposição ainda pior do que aquela ocupada pela mulherbranca e pelo homem negro.

• Mulheres, Trabalho e VidaMulheres, Trabalho e Vida

Extraído do Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho

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Outros Quilombolas

Mulheres debulhando feijão nacomunidade do Mangal, municípiode Sítio do Mato, na Bahia.

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Feminino x mascul inoTEXTO 6

• Mulheres, Trabalho e Vida16

UM DESENHO Guto Lacaz

Extraído da revista Caros Amigos

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Sonia Biondo

Desde que conquistou o direito à jor-nada dupla de trabalho, a chamadamulher moderna ainda parece estar

longe de conseguir desfazer o mal-entendi-do que provocou a briga pela igualdadeprofissional com os homens. Não era bemisso o que desejava. Mas, no afã de se libe-rar de outras opressões, ela acabou partin-do para o mercado de trabalho como se elefosse a solução de todos os problemas finan-ceiros, conjugais, maternais e muitos outros“ais”. E pagou o preço da precipitação,claro. Agora não adianta chorar sobre o leitederramado – até porque a maior parte dasvezes continua sendo ela que vai limpar, ah,ah! Falando sério, todas nós sabemos quehá muito a fazer para promover algunsajustes e atualizações nessa relação dedireitos e deveres de homens e mulheres.Como falar sobre isso ajuda, vamos lá.

Em primeiro lugar, a questão do tempolivre. Que não existe, de fato. Aquele dita-do “descansa carregando pedras” foi feitopara ela. Trabalhando fora ou dentro de

casa, a mulher dificilmente se livra da cargadas tarefas domésticas, mesmo que não seenvolva pessoalmente. Costuma ser dela aresponsabilidade pela arregimentação dasempregadas, faxineiras, babás, jardineiros,lavadeiras, passadeiras, prestadores deserviço em geral, sem falar no abasteci-mento da casa. (...)

Depois, com o desaparecimento gra-dual da parceria patroa/empregada do-méstica, homens e mulheres terão, maiscedo do que se pensam, que lidar com aadministração do caos doméstico. Sem pri-vilégios. E a primeira providência para essefuturo cor-de-rosa começa com a educaçãoprogressista dos filhos, os novos maridos eesposas que contarão com uma boa ajudade um arsenal de maravilhas eletrônicas –entre elas, a de empregada-robô. Que nãoenguiça. Porque, se enguiçar, já sabemquem vai mandar consertar. Ou não?

A CARREGADORADE PEDRAS

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Sonia Biondo é jornalista e escritora. Texto extraído do Jornal do Brasil.

Mulheres, Trabalho e Vida •

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O que é ser mulherTEXTO 8

• Mulheres, Trabalho e Vida18

AVISO DA LUA QUE MENSTRUAElisa Lucinda

Moço, cuidado com ela! Há que se ter cautela com esta gente que menstrua... Imagine uma cachoeira às avessas: cada ato que faz, o corpo confessa. Cuidado, moço às vezes parece erva, parece hera cuidado com essa gente que gera essa gente que se metamorfoseia metade legível, metade sereia. Barriga cresce, explode humanidades e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar mas é outro lugar, aí é que está: cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita. Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente que vai cair no mesmo planeta panela. Cuidado com cada letra que manda pra ela! Tá acostumada a viver por dentro, transforma fato em elemento a tudo refoga, ferve, frita ainda sangra tudo no próximo mês. Cuidado, moço, quando cê pensa que escapou é que chegou a sua vez! Porque sou muito sua amiga é que tô falando na “vera” conheço cada uma, além de ser uma delas. Você que saiu da fresta dela delicada força quando voltar a ela. Não vá sem ser convidado

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Mulheres, Trabalho e Vida • 19

ou sem os devidos cortejos. Às vezes pela ponte de um beijo já se alcança a “cidade secreta” a Atlântida perdida. Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela. Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas cai na condição de ser displicente diante da própria serpente. Ela é uma cobra de avental.Não despreze a meditação doméstica. É da poeira do cotidiano que a mulher extrai filosofando cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso julgando a arte do almoço: Eca!... Você que não sabe onde está sua cueca? Ah, meu cão desejado tão preocupado em rosnar, ladrar e latir então esquece de morder devagar esquece de saber curtir, dividir. E aí quando quer agredir chama de vaca e galinha. São duas dignas vizinhas do mundo daqui! O que você tem pra falar de vaca? O que você tem eu vou dizer e não se queixe: VACA é sua mãe. De leite. Vaca e galinha... ora, não ofende. Enaltece, elogia: comparando rainha com rainha óvulo, ovo e leite pensando que está agredindo que tá falando palavrão imundo. Tá, não, homem. Tá citando o princípio do mundo!

Elisa Lucinda é poeta, jornalista e atriz capixaba. Do livro O Semelhante, Editora Record, 1998

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Trabalho no campoTEXTO 9

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MULHERES DA TERRAENSAIO Xandra Stefanel

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Este ensaio fotográfico com mulheresdo Acampamento Terra sem Males, doMST, foi feito dutante a gravação do

documentário Mulheres da Terra – da Lonaao Concreto, que retrata de maneira poéticaa vida daquelas que, ao lado dos homens,lutam pela tão sonhada reforma agrária.

O objetivo do vídeo-documetário émostrar que as mulheres do Movimentodesempenham os mesmos papéis que oshomens: trabalham na roça, cuidam dobarraco, dos filhos e participam das decisõesdo MST. Sob esse prisma, acampadas eassentadas contam seus sonhos e históriasque comovem e mostram como é difícilmorar debaixo de lonas para conquistar umpedaço de chão para seus filhos.

O ensaio e o documentário foramproduzidos em Cajamar e Sumaré (SãoPaulo), de março a setembro de 2003.

Mulheres, Trabalho e Vida •21

Xandra Stefanel é jornalista e locutora.Publicado na revista Caros Amigos.

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Por mais que os homens pensem noquanto sabem a respeito das mu-lheres, só uma mulher sabe como é

difícil ser mulher. Além da complexidadede nossa compleição física e emocional,como trabalhadoras, somos também prove-doras que exercem múltiplos papéis nafamília: esposa, mãe, cozinheira, faxineira,gerenciadora de crises, contadora, profes-sora, lavadeira, jardineira, motorista, enfer-meira, psiquiatra, médica, lavadora delouças e coletora de lixo.

Para competir nesse mundo dominadopor homens, nós, mulheres, sempre tive-mos de ser duplamente boas em nossastarefas e ver homens com a mesmacompetência que nós receberem saláriostrês vezes mais altos.

Depois da batalha dos sexos travada noséculo anterior, as mulheres estão maisseguras do que nunca em seu eu feminino.

Recentemente eu estava em Sydney,na Austrália, e tive a atenção despertadapor um anúncio que dizia: “Antes, euqueria me casar com um milionário.Agora, quero ser milionária”. Esta não éuma atitude expressa apenas naAustrália e nos Estados Unidos; tornou-se um fenômeno internacional – umacorrente de feminilidade universal queatravessa e ultrapassa culturas e fron-teiras internacionais.

Conquistas femininasTEXTO 10

• Mulheres, Trabalho e Vida22

A escritora Chin-Ning Chu nasceu na China, mas vive desde 1969nos Estados Unidos. Trecho do livro A Arte da Guerra paraMulheres, tradução de Venuza Capilo.

A ARTE DAGUERRAPARA MULHERES

Chin-Ning Chu

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Ogerente do setor em que eu traba-lhava me chamou um dia na saladele e disse: ‘Você está prestes a ser

mandada embora, porque não serve maispara a empresa. Se quiser manter o empre-go, tem que dar uma saidinha comigo,senão vai para o olho da rua’. Saí choran-do da sala dele e fui falar com um colega.Em seguida, ele me viu contando a essecolega que fui assediada. Ele pegou comforça no meu braço e disse que eu ia pagarcaro por ter contado o que aconteceu. Osmeus colegas de trabalho viram, mas pormedo de represália não fizeram nada. A

história acabou chegando até a diretoriado banco e fomos chamados para falarsobre o assédio. Ele negou, disse inclusiveque era muito religioso, casado e quejamais faria uma coisa dessas. Como eunão tive como provar o assédio, ele come-çou a me ameaçar, dizendo que faria detudo para me demitir. Ele conseguiu queeu fosse demitida em maio deste ano. Comdez anos de trabalho, o banco preferiuacreditar nele do que em mim.

xxxxxxxxxxxxxxTEXTO XX

Mulheres, Trabalho e Vida • 23

Assédio sexualTEXTO 11

Desemprego e humilhação rondam asvítimas, que muitas vezes preferem osilêncio por causa da dificuldade emprovar a conduta criminosa do chefe

“ACREDITARAM NELE”

“Trabalhei seis anos como operadora de telemarketing e, depois de ficar um mês afastada por um problema de tendinite, fui transferida para a área administrativa, em novembro do ano passado. Foi aí que minha vida no

trabalho se transformou num inferno.”

Vanessa Pessoa e Alfredo Luís Dolci

Fonte P Extraído do Diário de S. Paulo - 12 de outubro de 2003.

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Trabalho e famí l iaTEXTO 12

• Mulheres, Trabalho e Vida24

Odilema feminino deixou de ser a clássicaescolha entre dedicação à carreira ou àfamília. O objetivo agora é encontrar a fór-

mula de se organizar para dar conta, e bem, dasduas funções. Esse é o resultado de uma pesquisarealizada pela SEC, Secretary Search & Traininig,empresa especializada no recrutamento de profis-sionais de secretariado, com 270 executivas esecretárias de todo o país.

Realizada via Internet, durante o mês defevereiro de 2002, a pesquisa mostrou que 71%das entrevistadas tentariam organizar melhor oseu tempo se a vida pessoal interferisse e causas-se prejuízos à sua ascensão profissional; 19% sepreocupariam somente com a carreira; e apenas 1%jogaria tudo para o alto e apostaria na família, casamento e filhos. Novepor cento não saberiam o que fazer ou buscariam outras soluções.

A pesquisa mostrou também que 59% das mulheres acreditam ter pos-sibilidade de administrar quase sempre as jornadas de trabalho na empre-sa e em casa, enquanto 35% afirmam conseguir sempre. Somente 2,5%admitem não conseguir. A maior parte das entrevistadas, 67%, diz receberem todas as ocasiões o apoio de sua família (marido, filhos, pais), estimu-lando novas conquistas profissionais.

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DUPLAEstudo mostra que administrar o tempo hoje é a maior preocupação da mulher

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Mulheres, Trabalho e Vida • 25

E os filhos? – A última pergunta propõeuma opção com apelo emocional; entre ir àtradicional apresentação de final de ano dofilho na escola e comparecer a uma reuniãona empresa, 71% responderam que iriam à

reunião, 23% iriam à apresentação e 6% nãoresponderam.

“Não há como recuar diante das imposiçõesque o mercado de trabalho apresenta e das exi-

gências que a própria carreira tem estabelecidoà mulher executiva nestas últimas décadas”,diz a headhunter Stefi Maerker, coordenadora

da pesquisa. “Os resultados apresentados pelanossa enquete demonstram que as mulheres che-

garam a um ponto em que precisam mudar rotinas e se adaptar àquelesque convivem ao seu lado se não quiserem abrir mão de suas conquistas.”

[...]Para Stefi, na nova estrutura, a mãe não pode ser a única responsável

pelas tarefas familiares. “Sem a divisão de responsabilidades, a mulhernão consegue trabalhar.”

Adaptado de texto de Maura Campanilli publicadono jornal Estado de S. Paulo, 9/5/2002

JORNADA

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DesigualdadeTEXTO 13

• Mulheres, Trabalho e Vida26

Amulher pobre, cercada por uma mo-ralidade oficial completamente des-ligada de sua realidade, vivia entre

a cruz e a espada. O salário miúdo e regu-lar de seu marido chegaria a suprir asnecessidades do mês só por um milagre.Mas a dona de casa, que tentava escapar àmiséria por seu próprio trabalho, arriscavasofrer o pejo da “mulher pública”.

Em vez de ser admirada por ser “boatrabalhadora”, como o homem emsituação parecida, a mulher comtrabalho assalariado tinha dedefender sua reputação contra apoluição moral, uma vez que oassédio sexual era lendário. Umamoça de 19 anos apresentou a quei-xa de que na casa de sua madrasta eramuito maltratada: “até para comer [...]concorria, pois trabalhava em uma fábricade louças”. Outra mulher, empregadadurante quatro anos em uma fábrica defiação de tecidos, foi obrigada a chamaramigos para atestar que “tinha se compor-tado muito bem na aludida fábrica” – nessecaso, a situação virou contra seu marido,pois o curador-geral perguntou “a razãopela qual o requerido permitiu que sua

esposa trabalhasse numa fábrica”. Asmulheres que trabalhavam nas tarefascaseiras tradicionalmente femininas, lava-deiras, engomadeiras, pareciam corrermenos perigo moral do que as operáriasindustriais, mas, mesmo nesses casos, sem-pre as ameaçava a acusação de serem mãesrelapsas. Vide a crítica insinuada por umdepoente: “para a requerente trabalhar, eranecessário que o menor ficasse em casa da

avó paterna ou outras pessoas, nãoreceber assim uma educação comodevia...”.

A norma oficial ditava que amulher devia ser resguardada em

casa, se ocupando dos afazeresdomésticos, enquanto os homens as-

seguravam o sustento da família trabalhan-do no espaço da rua. Longe de retratar arealidade, tratava-se de um estereótipocalcado nos valores da elite colonial, e àsvezes espelhado nos relatos de viajanteseuropeus, que serviam de instrumentoideológico para marcar a distinção entre asburguesas e as pobres. Basta aproximar-seda realidade de outrora para constatar quemulheres pobres sempre trabalharam forade casa. Com a industriali- zação, chega-

O INEVITÁVEL TRABALHO FEMININO

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Mulheres, Trabalho e Vida • 27

ram, junto com as crianças, a compor maisda metade da força de trabalho em certasindústrias, notadamente nas de tecidos. Asestatísticas sobre o Rio Grande do Sul em1900 mostram que cerca de 42% da popu-lação economicamente ativa era feminina:as mulheres trabalhavam principalmenteem “serviços domésticos”, mas sua atuaçãoera também importante nas “artes e ofíci-os” (41,6%), na indústria manufatureira(46,8%), e no setor agrícola. No censo de1920, tanto “artes e ofícios” como “serviçosdomésticos” tinham sido absorvidos dentroda rubrica “diversas” – pessoas que vivemde suas rendas, serviços domésticos, profis-sões mal definidas –, mas ainda 49,4% dapopulação economicamente ativa (PEA) doEstado e 50,8% da PEA em Porto Alegreconstavam como feminina. Na indústria, asmulheres ocupavam 28,4% das vagas noEstado, e 29,95% na capital.

Em nossos dossiês, apareceram poucasoperárias industriais, talvez porque as famí-

lias operárias acharam outras vias pararesolver disputas conjugais. Mas não faltamexemplos de trabalho feminino: lavadeira,engomadeira, ama-de-leite, cartomante.Uma mulher vivia de sua banquinha nomercado público, outra “fornecia comidapara fora a pessoas na zona” junto ao seuamásio que distribuía as viandas (marmi-tas). Ironicamente, apesar de ser evidenteque em muitos casos a mulher trazia osustento principal da casa, o trabalho femi-nino continuava a ser apresentado pelosadvogados e até pelas mulheres como ummero suplemento à renda masculina. Semser encarado como profissão, seu trabalho,em muitos casos, nem nome merecia. Eraocultado, minimizado em conceitos geraiscomo “serviços domésticos” e “trabalhohonesto”.

Trecho extraído do livro História das Mulheres no Brasil, de Marydel Priore. Editora Contexto, 2004

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Compet ição prof iss ionalTEXTO 14

• Mulheres, Trabalho e Vida28

Renato Pompeu

As mulheres sempre trabalharam, emcasa, na agropecuária e nas fábricas– mas foi só no último século que elas

entraram para valer nas profissões que exi-gem formação intelectualizada, até entãodomínio exclusivo dos homens. Essa situa-ção gerou, no campo da realidade concre-ta, movimentos pelo direito das mulheresao voto nas eleições, pela igualdade nossalários (a função igual deveria correspon-der a salário igual) e pela liberação da mu-lher adulta em relação ao pai, da mulhercasada em relação ao marido, com o esta-belecimento da igualdade no direito defamília, já consagrada em grande parte dospaíses. As mulheres, com o precioso auxíliodos anticoncepcionais, alcançaram tambémuma liberdade sexual nunca vista. Emsuma, essa situação gerou, na realidadeconcreta, diferentes ondas de movimentosfeministas.

Em praticamente todos os campos osmovimentos feministas foram sendo vitori-osos, a maioria da mão-de-obra, particular-

mente da mão-de-obra intelectualizada, éhoje feminina. Elas, porém, ainda não sãorepresentadas na proporção adequada nosquadros de chefia e, embora seja crescen-te, ainda não é grande a presença demulheres em cargos políticos, e, maisainda, em cargos militares.

Mas, principalmente, o campo em queas mulheres estão menos avançadas é o daigualdade salarial. Em todos os países e emtodas as profissões as mulheres na mesmafunção ganham menos do que os homens.Essa situação é atribuída por muitas mulhe-res ao preconceito contra sua supostamenor assiduidade por causa da menstrua-ção, da gravidez, da amamentação e outrascaracterísticas femininas. Mas na verdadea desigualdade do salário entre os gênerostem origens materiais e históricas. Durantemilênios o homem foi considerado oresponsável pelo sustento da mulher efilhos. Então, o salário a ele atribuído era onecessário para sustentar, não apenas a sipróprio, mas também à mulher e os filhos.Se alguma mulher se candidatasse a umemprego, se supunha que ela já tinha um

CUIDADO: MULHERESTRABALHANDO

Pesquisa conclui que é mais difícil trabalhar com elas

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Mulheres, Trabalho e Vida •29

pai ou marido quegarantia a sua sobre-vivência básica e queassim ela só necessitaria deuma renda suplementar paraoutras despesas que quisesse fazer.

Isso se mantém até hoje: quandoa mulher procura um emprego, se supõeque já haja homens na sua família traba-lhando e garantindo a renda familiar e queela precise apenas de um complemento. Aprova de que este raciocínio é correto estána aceitação, por parte da mulher, de umsalário menor do que o atribuído aohomem na mesma função, salário que ohomem não aceita e que, portanto, amulher também poderia não aceitar. Masela aceita o salário menor exatamenteporque a situação pressuposta de fato refle-te uma situação concreta que, se já foi maisreal no passado, continua a ser real nopresente: a mulher de fato, na maioria doscasos, precisa de uma renda menor do quea do homem, ainda considerado comoesteio da família.

Mas há quem diga que a carga emoti-va feminina tanto pode ser positiva comonegativa: tanto pode gerar uma competiti-vidade destrutiva maior do que entre oshomens como pode gerar colaboraçãoconstrutiva em grau maior, também, do que

entre os homens. Épreciso levar em

conta essas diferençaspara as mulheres, como os

homens, se darem melhor emseus trabalhos. No livro In the Company of Women:

Turning Workplace Conflict into PowerfulAlliances (Na Companhia Das Mulheres:Transformando Conflitos No Trabalho EmAlianças Poderosas) as autoras Pat Heim eSusan Murphy sugerem que as mulherescultivam o hábito de torturar umas àsoutras no ambiente de trabalho. Parachegar a essa conclusão, elas pesquisarama rotina de cem das maiores multinacionaisdos Estados Unidos e entrevistaram maisde mil homens e mulheres. Concluíram queas mulheres são menos transparentes emais ardilosas que os homens, e não supor-tam ver o sucesso de uma colega de equi-pe. Dizem ainda que as mulheres não estãosatisfeitas com alguma coisa, têm mais difi-culdades que os homens de dizer às claraso que as está incomodando e acabamapelando para táticas ou subterfúgiosobscuros. Ficam maquiando, articulando,jogando verde e agredindo indiretamente.São artíficios tipicamente femininos.

Renato Pompeu é escritor e jornalista.

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Moacyr Scliar

Já tivemos e temos, no Brasil, vereado-ras, deputadas, prefeitas, governado-ras, ministras. Mas nunca tivemos,

como no Chile, uma mulher na presidên-cia. Faria diferença?

Quando eu entrei na Faculdade deMedicina de Porto Alegre, as moças repre-sentavam menos que 10% da turma.Naquela época, havia um hino, popularentre os alunos, que dizia: “Medicina,papa-fina/ não é coisa pra menina”. Hoje,metade das turmas de estudantes demedicina para as quais dou aula são dosexo feminino. É uma proporção justa,como é justa a composição do ministério

da presidenta do Chile, Michelle Bache-let: 50% são mulheres. Afinal, as mulhe-res são metade, ou mais, da população.No passado, contudo, a realidade demo-gráfica era sacrificada por causa de umasuposta divisão de tarefas. Mulherestinham de ficar em casa, cuidando dosfilhos. Isso mudou. O casamento ocorremais tarde, quando ocorre, o número defilhos é menor (em média 2,1 no Brasil)e, muito importante, as mulheres entra-ram no mercado de trabalho, o que cor-responde tanto a uma necessidade pesso-al como ao achatamento salarial quetornou a renda familiar insuficiente.Resultado: há mulheres em todas as pro-fissões, inclusive nas militares.

Feminino x mascul inoTEXTO 15

• Mulheres, Trabalho e Vida30

O PODER:MASCULINO OU FEMININO?

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Mas a política resiste. Já tivemos etemos, no Brasil, vereadoras, deputadas,prefeitas, governadoras, ministras. Masnunca tivemos, como no Chile, uma mu-lher na presidência. Faria diferença?

A resposta não é tão óbvia, como mos-tra o caso de Margaret Thatcher, a “Damade Ferro”. Aliás, só este apelido já é meioamedrontador. Que homem namorariauma mulher feita deste duro metal? Só oSuperman, talvez, o Homem de Aço, emesmo assim do contato entre os dois sai-ria muita faísca. A senhora Thatcher foiduríssima no governo. Pôde ser duríssima,porque o poder lhe permitia. Aí está acoisa: o poder não é masculino nem femi-nino. O poder – aquele poder consolidadoao longo de séculos, aquele poder que setraduz em uma verdadeira cultura – temseus mecanismos próprios, como o desco-brem todos aqueles que, eleitos, chegam aogoverno. Porque o poder não se exerce novazio e sim em estruturas preexistentes,que têm a tendência a se perpetuar. Comodizem os americanos, “you think by the seatof your pants”, você pensa conforme acadeira sobre a qual estão as suas calças(notem o machismo: saia ou vestido nãosão mencionados). É isso, a propósito, quefaz mudar a conversa de palanque.

Estamos falando de uma coisa que exis-te, mas não estamos falando de inevitabili-dade. O poder é assim, mas ele pode sertransformado, como o mundo se transfor-

mou. Não se trata de substituir o podermasculino por poder feminino; trata-se demodificar o poder mediante as lições que as mulheres, à custa de muito sofrimento,aprenderam. Mulheres aprenderam a cui-dar, e cuidar é a principal obrigação dequem governa. Michelle Bachelet tem vá-rias credenciais para isso: é mulher, é umapolítica experiente. Ah, sim, é médica, espe-cializada em saúde pública. Na faculdade,deve ter ouvido dizer que medicina não écoisa pra menina. Provou que é. E provarátambém, assim o esperamos, que políticapode ser coisa para mulheres.

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Foto

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Moacyr Scliar é escritor gaúcho. Coluna do jornal Zero Hora de Porto Alegre

A presidenta do Chile, Michelle Bachelet, na foto durante a revista à guarda presidencial brasileira, em 11 de abril de 2006, é a primeira mulher no cargo, no país andino.

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• Mulheres, Trabalho e Vida32

Feminino x mascul inoTEXTO 16

AFINAL, O QUE FAZ UM“PRIMEIRO-DAMO”?I

magine a cena: um presidente eleito pelopovo concede uma entrevista coletiva.Chega pronto para falar dos planos de

governo, mas uma das primeiras perguntasfoge completamente do assunto.

– Presidente, como o senhor pretendegovernar sem ter um amor a seu lado?

Parece improvável, não é? Mas, em setratando de uma presidenta separada, oslimites entre público e privado são outros.Tanto que a presidenta eleita do Chile,Michelle Bachelet, ouviu exatamente essapergunta. E saiu-se bem:

– Espero que você faça a mesma per-gunta aos meus ministros solteiros.

Para a deputada federal Yeda Crusius(PSDB), essa possibilidade é remota:

– O homem não é inquirido, porquenormalmente ele é casado, e se tem um oumais amores, isso é muito aceito (risos). Amulher é mais transparente: casa se quer,não casa se não quer.

A vida amorosa das casadas tambématiça a curiosidade. Quando era ministrado Planejamento, em 1993, Yeda surpreen-

deu-se com o interesse em saber como eraseu marido, o economista Carlos Crusius.No dia da posse, ciente de que onde ia osjornalistas o seguiam, ele brincou com umamigo:

– Nasci para primeiro-damo. No outro dia, a expressão estava cunha-

da nos jornais. Na ficção, a situação gerouuma divertida saia-justa: no seriado Com-mander in Chief (exibido no Brasil pelocanal pago Sony), o marido da presidentaamericana Mackenzie Allen (personagemencarnada por Geena Davis) levou um cho-que quando conheceu seu gabinete, todorosa e feminino.

Mas a discussão vai além dos comen-tários bem-humorados e da ficção. NoChile, debateu-se seriamente como ficariao cerimonial de eventos oficiais, já que apresidenta é separada. Quando o maridoexiste também se pergunta: afinal, o quefaz um “primeiro-damo”? No caso dosmaridos das chefes de Estado hoje, o estri-tamente necessário. Limitam-se a acompa-nhar as mulheres em solenidades e algu-

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mas viagens e seguem com sua rotina detrabalho normalmente.

– Quem sabe esse não é o primeiropasso para libertar as primeiras-damas,para que elas possam manter seu trabalho,seguir suas vidas? – especula a deputadafederal Maria do Rosário (PT).

Quando os papéis se invertem na polí-tica, não é o marido que causa constrangi-mentos. Em casa, Maria do Rosário contacom o apoio do marido para cuidar da fi-lha, Maria Laura, 6 anos, quando está emBrasília. Nas ruas, quem se aproxima são ossimpatizantes. Machismo mesmo só enfren-

tou dos próprios colegas, geralmente numaatitude exageradamente protetora.

– Muitas vezes, quando colegasquerem discordar de mim, dizem “Mariazi-nha...”. Não é preciso falar no diminutivocom as mulheres – diz Maria do Rosário,que não descarta a hipótese de disputar aprefeitura da Capital em 2008. – Queremosrespeito e gentileza, mas também ser trata-das como iguais.

Adaptado de texto publicado pelo Jornal Zero Hora, Porto Alegre (RS).Caderno Donna, 5 de março de 2006. Adaptação: Página Viva.

Trabalho e Meio Ambiente • 33

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O que é ser mulherTEXTO 17

• Mulheres, Trabalho e Vida34

BOBAGEMCéu

minha belezanão é efêmeracomo o que eu vejoem bancas por aíminha naturezaé mais que estampaé um belo samba que ainda está por virbobagem pouca– besteirarecíproca nula– a gente esperamero incidente– corriqueiroser mulher– a vida inteira

A compositora se apresenta,orgulhosa do que a faz umser ímpar

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Conquistas t rabalh is tasTEXTO 18

Mulheres, Trabalho e Vida • 35

Adiferença a mais da média salarialnos homens do Brasil, em relação àdas mulheres, tem diminuído cada

vez mais rapidamente nas últimas déca-das. A vantagem masculina no País era de50% nos anos 1990, mas em março de2006 o Fundo de Desenvolvimento dasNações Unidas para a Mulher lançou orelatório “O Progresso das Mulheres noBrasil”, segundo o qual a diferença se tinhareduzido para 30%.

Além disso, já faz alguns anos que asmulheres constituem a maioria dos alunose dos formados nos cursos de todos osníveis no País, fundamental, secundário esuperior. No ensino superior, os homens sótêm constituído maioria nos ramos deExatas, mas mesmo assim é crescente onúmero de mulheres nessas disciplinas. Deacordo com o IBGE, 28% dos domicíliossão chefiados por mulheres.

Renato Pompeu é jornalista e escritor.

Mulher está assumindo liderança no mercado de trabalho

Renato Pompeu

SALÁRIOSMAIS

EQUIPARADOSCOM OS DOS

HOMENS

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EM BUSCA DEEMPREGO

Mulher e desempregoTEXTO 19

• Mulheres, Trabalho e Vida36

A saga das mulheresque procuram subemprego

Plim-plim. Vassoura e pano nas mãos, toda terça-feira aparece a Marinete natelinha esfregando um pouco, lavando um pouco, ao som da música-tema querepete “ela é dona do jogo”, a personagem da Rede Globo: uma diarista. Daí aidéia. Ver como é a rotina das mais de 5,3 milhões de pessoas, 93% mulheres,que vivem de organizar, varrer, limpar, esfregar o que outros deixam pra trás.Fui procurar trabalho.

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1o Dia

Otemplo sagrado da peregrinaçãopelo emprego de baixa renda,em São Paulo, é a rua Barão de

Itapetininga, Centrão da cidade. Chegode manhã cedo. Cerca de vinte ho-mens-sanduíche exibem anúncios detrabalho, muitos deles com caixas aber-

tas de papelão aos pés, onde todo diacentenas de pessoas, homens e mulhe-res, atiram seus currículos. Eu, desavi-sada, não tenho o que oferecer. A solu-ção vem em pouquíssimo tempo:“Fazemos currículo a 1,50” “Fazemoscurrículo com foto”, são muitas placas,um enxame, de todas as cores.

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As agências de emprego, das mais picare-tas às mais sérias, se espremem nas ruas

que cercam a Barão junto com oficinas dexerox e “composição” de currículo, fotos3x4, médicos laborais, advogados trabalhis-tas e agências de empréstimo (“Sem dinhei-ro? Resolva já o seu problema! Não precisade fiador”). Paro diante de uma parede for-rada de anúncios de emprego, a maioriaescrita a mão, pedindo vendedoras, opera-doras de telemarketing, secretárias bilín-gües, motoristas. Faxineira, nada.

Um senhor, aparentemente o “guarda-dor dos cartazes”, calvo e barrigudinho,anda de um lado para outro, dizendo: “Temmuita coisa aí que não é séria, eles cobrampara pegar seu currículo, vai nessa que éséria, vai nessa, eu conheço”. Confio nohomem quando ele vem perguntar o queestou procurando.

– Faxineira. – Eu tenho um trabalho pra você. Um

amigo meu tem um escritório aqui perto,mas é só pra o fim de semana, tudo bem?

– Tudo bem, eu preciso trabalhar. – Então espera aqui que eu vou pegar

a chave com ele, te levo lá pra você ver...Vou? Não vou? Ele volta já pegando no

meu braço:– Vamos? É quando aparece, não sei de onde,

uma negra corpulenta, elegante. Pula naminha frente.

– Então eu vô junto. Não é trabalho defaxinera? Eu também tô procurando.

Ele se afasta resmungando, e ela diz:“Tá te enganando!” E estava. Desapareceuna multidão.

“Todo mundo qué se aproveitá, fia,olho aberto!” Agradeço demais e ela sedespede: “A gente se cruza por aqui”.“Tomara que não, né?”

2o Dia

Coloco um anúncio no Estadão, mais porfidelidade à verdade do que por exibi-

cionismo: “Diarista bilíngüe com experiên-cia internacional. Preço a combinar. Tel. ...”.Afinal, na abertura de A Diarista não é atra-vés de um classificado que a Marinete ofe-rece sua força de trabalho?

Chovem ligações.Só mulheres, algumas desesperadas,

procurando trabalho. Os recados não paramde chegar na caixa postal, e o que bate àporta não é trabalho, mas o desemprego.Não, essa reportagem não será sobre “a vidade uma diarista”. Será sobre desemprego.

Segunda-feira volto à Barão, não semantes ligar para dezenas de agências deserviço doméstico para ouvir que não hátrabalho de diarista. Todo mundo querempregada para dormir na casa. Em umadelas recebo um tiquinho de esperança.“...aparece aqui com currículo, RG, CPF,comprovante de residência e atestado deantecedentes criminais”. É assim: se quiser

Mulheres, Trabalho e Vida • 37

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• Mulheres, Trabalho e Vida38

Texto 19 / Mulher e desemprego

ser uma empregada “empregável”, tem deprovar que não é bandida, o que é no míni-mo humilhante (o Congresso Nacionalaprovou em dezembro projeto de lei dodeputado federal Luiz Alberto, do PT daBahia, proibindo a exigência; agora está noSenado).

Na Barão atiro currículosem todas as caixas e começoa peregrinação nas salinhas,uma por uma, para ouvir jo-vens recepcionistas repetindo:“Mora onde? Fuma? É casa-da? Tem filhos?”, até os pés doerem. Seishoras, volto para casa. Arrasada. O cansaçoé físico e mental.

Não tenho muita simpatia por estatísti-cas. Elas tentam colocar um sem-númerode angústias, vergonhas, desesperos, emnúmeros. Em junho, uma pesquisa doIbope apontou que a maior preocupaçãodos eleitores paulistanos, 66% deles, era odesemprego. Viviane Forrester, uma france-sa que nem botou os pés por aqui, em seulivro O Horror Econômico, coloca de formamelhor: pesa sobre os ombros de cadadesempregado a vergonha pelo própriodesemprego.

Toca o celular: é de uma agência deempregos.

– Você se interessa por uma vaga deoperadora de telemarketing? São mais decem vagas, pagam de 380 a 600 reais,dependendo da firma.

– Claro que topo! – Bom, você foi selecionada. Agora é só

trazer amanhã o seu RG, CPF, carteira detrabalho, comprovante de residência e aprimeira parcela para o curso de treina-mento, no valor de 49 reais.

– Como assim, primeiraparcela?

– É para o curso, quedura cinco dias, e o valor éde duas parcelas de 49 reais.Olha, a vaga já está garanti-da, mas o curso vai estar

dando todas a ferramentas... – Esquece. – Certeza?Certeza. Pensando bem, nunca estive

na tal agência. Agora sei, pelo menos, paraonde vão os currículos atirados nas caixasde papelão na Barão. Toca o telefone denovo: currículo selecionado, auxiliar decozinha, amanhã às 9 com documentos.

3o Dia

No bufê, uma moça loira, gordinha edecidida diz que não precisa ter expe-

riência, basta vontade de aprender e dis-posição de ficar até tarde, porque no fimdo ano as encomendas dobram. O esque-ma é 6 x 1, o que significa que só folgamosno domingo, enquanto as horas extras sãoamontoadas num “banco de horas” que dádireito a folga, depois. O salário, 400 reais– 330 com os descontos.

“Agora sei, pelomenos, para ondevão os currículos

atirados nas caixasde papelão”

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Visto avental e touca branca no banhei-ro dos empregados, um pardieiro: roupaspenduradas, o chão lodoso, a privada suja,o armário de ferro entulhado de aventais.Tudo fede a mofo, urina, umidade. Desto-ando do nosso “cantinho”, a cozinha élinda e limpíssima, toda azulejos brancos emesas de madeira, pilhas epilhas de fôrmas de bolo,assadeiras, potes, panelas,mais fornos e geladeiras in-dustriais. Cinco mulheres ves-tidas exatamente como eu.Entretidas em sovar a massa,conversam pouco. Me atrapa-lho na primeira tarefa, penei-rar uma bacia enorme de farinha de rosca,que leva duas horas e algumas câimbraspara terminar. O suor escorre pelo rosto, osbraços doem e as histórias da simpáticaNéia me embalam. O filho de 3 anos, cujopai “assumiu e sumiu”, fica com a mãeenquanto ela trabalha até as 10 horas, àsvezes até perde o trem. Mas ficar longe dofilho tão pequeno dói. As outras, também,cada uma dá um jeito com os filhos – sãocunhadas, avós, tias, parentes, os filhosmais velhos cuidando dos mais novos – e asaudade é unânime naquela cozinha.

Em pouco tempo, a mesa central vaisendo coberta por travessas cheias de enro-lados, esfihas, folhados, docinhos, salga-dos, pães, tudo douradinho e cheirando umabsurdo, e a fome é maior porque não

podemos comer nenhum. Nosso almoço éuma marmita fria e murcha – arroz, feijão,frango, polenta.

Nem vinte minutos de- pois, retoma-mos o serviço. Quando afinal batem 6horas, já não me agüento em pé e malconsigo disfarçar. Mas a supervisora diz que

eu posso voltar amanhã, ésó antes passar na agência eassinar contrato, levando aminha carteira de trabalho.Não volto.

4o Dia

De novo na rua, chama aatenção um cartaz escri-

to a mão: “Precisa-se moças com ou semexperiência”. Ligo para o número, e umcarioca me explica que é pra fazer bijute-ria. É na Liberdade, a “Chinatown” paulis-tana. O tal me recebe de camisa aberta ecorrente no pescoço, olha de cima a baixoe chama o menino: “Leva ela até a monta-gem”. E pra mim: “Diz pra patroa que eumandei ela pegar você”. Atravessamos arua até um predinho baixo, de corredorescuro, pintura descascando e lixo por todocanto. A “patroa” vem me receber, os cabe-los desgrenhados, baforando um cigarro.“O trabalho é fácil, começa às 8 da manhãe eu vou precisar que fique até tarde.Domingo tem folga...” As janelas fechadas,tacos soltos no chão, as paredes rabiscadaspor lápis de cor, e entramos num quartinho

Mulheres, Trabalho e Vida • 39

“Um cartaz escrito amão: Precisa-se moçascom ou sem experiên-

cia. Ligo para onúmero, e um cariocame explica que é pra

fazer bijuteria”

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onde seis rostos de meninas me olham,curiosos. É onde vou trabalhar. Elas sãonegras, mulatas, as mãos rápidas. A janelaque dá para a rua está coberta por umpapelão e a fumaça de muitos cigarrosnubla o ambiente.

A patroa explica que paga condução,mas tem de levar marmita. Pra cada dúziade conjunto (doze colares e 24 brincos), elapaga 1,50 real.

Dia seguinte chego cedo. Quem meensina o serviço é Shirley, comdois brincos enormes desemente, camiseta justinha,batom, uma princesa de 21anos. Cortar os fios de seloni-te, amolecer em água quente,prender o fecho com alicate,e seguir a ordem, bolinhaprateada, pedrinha verde,caninho verde, mais uma pedrinha, maisum caninho, pingente, pedrinha, caninho,bolinha. Vou seguindo como posso, é verda-de que sou bem mais devagar que as outrase minha mesa é uma bagunça. Ao som dosberros da patroa:

– Suas lerdas! Quando termino a primeira dúzia de

colares e brincos verdes, já são 10 e meia:1 real e 50 ganhos.

Dia seguinte é tudo diferente. A patroa não está e a casa fica nas nossas mãos.Ouvimos volume máximo, a Rádio Suces-so, que repete o refrão de Zeca Pagodinho:

“Você sabe o que é caviar? Nunca vi nemcomi, eu só ouço falar”. O menu: arroz,feijão e macarrão, tudo misturado. Voufazendo meus colares, rosa, vermelho,azul... Naiara, a cabeça cheia de cachaça evinho San Tomé, fala sem parar:

– Mó brisa, mano, tô brisada!Conta que a mãe costumava bater sua

cabeça na parede quando ela dedurava aopai as escapadas noturnas – a mãe se pros-tituía escondido. Como naquela noite em

que entregou a filha a umhomem: “Faz o que elemandar”. Naiara tinha 8 anos.Na lembrança, ela grita, ri,gesticula nervosamente.Promete que vai matar a mãe.Está “brisada”.

No terceiro dia decido irembora, quando a patroa chega

e avisa que seremos todas revistadas diaria-mente, além de que trabalharemos “dedomingo a domingo”. A patroa me diz paravoltar outro dia, buscar meu dinheiro. Ototal: 22,50 reais, que no terceiro diaconsegui fazer cinco dúzias. Jamais foiresgatado, e é com pena que digo que ficoucom ela.

5o Dia

Não parei de procurar, aqui e ali, um tra-balho temporário para o Natal. O

comércio fervia e me sorria com um cartazque dizia: “Você quer vencer na vida?

• Mulheres, Trabalho e Vida40

Texto 19 / Mulher e desemprego

A janela que dá para a rua

está coberta porum papelão e

a fumaça de muitos cigarros nubla o ambiente.

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Venha fazer parte da nossaequipe!” A loja de sapatos daTeodoro Sampaio, agitada ruacomercial da cidade, pagava 5por cento sobre o que eu ven-desse, e mais nada. Nem otransporte.

Começo numa sexta-feirade sol. Chego à vitrine cheiade variados sapatos, tênis,chinelos, botas, e sou manda-da para o fundo da loja, espe-rar ao lado de duas meninastão ansiosas como eu, que o supervisor vaifalar com a gente, já está a caminho.Dentro da loja é um corre-corre, dezenasde vendedores com a camiseta verde,uniforme da loja. Esperamos. Esperamos.Esperamos.

Horas. Finalmente o tal supervisor dáo ar da graça. Explica tudo de novo – 5 porcento, das 8 às 18, marmita, temporário,entusiasmo etc. – em cinco minutos, e nosmanda para o estoque. Que é um pesade-lo. Na sobreloja, uma estreita sala, comuma mesa de madeira, serve de refeitório,enquanto o banheiro sujo com só um vasoé a área privativa onde os vendedores setrocam. Um grande filtro fornece água –que é descontada dos salários, 2 reais decada vendedor por semana. Nas salas aolado, o estoque: um enorme labirinto escu-ro de caixas, amassadas, abertas, coloridas,velhas, novas, empilhadas pelo caminho,

onde couberem, o cheiro desapato novo ardendo o nariz. Odesafio, aqui, é saber onde estácada sapato, e pegar rápido onúmero certo antes que o clien-te se aborreça. Por isso, ficamoshoras ali, decorando a posiçãode cada marca. Antes de irembora, nossas bolsas sãorevistadas.

Segunda-feira. Chego naloja, marmita na mão, mas soubarrada. O gerente me chama

de canto: lá no escritório não aprovarammeus documentos. Como assim, se estãotodos em dia? Por quê? Nada. A únicaresposta repetida e repetida era que eles,no escritório, são assim mesmo.

É verdade que nem tudo estava negronaqueles dias. Afinal, eu dispensara umpromissor posto de trabalho, numa clínicade massoterapia onde a recepcionista,educada, me explicou com a maior ciência:

– Trabalhamos com massagem tera-pêutica, em que você vai estar massagean-do o corpo do cliente. Ela é antiestresse,relaxante, antinervosismo. E também faze-mos a massagem tailandesa, conhece?

– Não.– Também é massagem no corpo do

cliente, só que na tailandesa você vai estarusando partes do seu corpo, coxas, náde-gas, seios, para a massagem. Só de calci-nha.

Mulheres, Trabalho e Vida • 41

Chego na loja,marmita na mão,mas sou barrada.

O gerente mechama de canto: láno escritório nãoaprovaram meusdocumentos. Por

quê? Nada. A únicaresposta é que eles,no escritório, são

assim mesmo.

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Page 42: Mulher e Trabalho

Diante do meu constran-gimento, ela avisa que atailandesa é obrigatória, nãopode fazer só da outra. Nãopaga condução, mas dá refei-ção.

– Ah, e no final da massa-gem nós trabalhamos comrelaxamento manual.

– Como assim? – nãoconsegui segurar.

Ela faz o gesto: punheta.O pagamento, por sessão, éde 10 reais por meia hora (o cliente paga80) e 20 reais para uma hora (o clientepaga 110). Digo que vou ligar depois. Semperspectivas, sigo para a última alternati-va: empresa de promoções.

6o Dia

Sento às 7 da manhã na frente de umsobrado branco, junto a uma centena de

meninas, sonolentas, na calçada. Elas vêmde todos os cantos da cidade para aguar-dar a sua vez de serem chamadas. Gisele, acoordenadora, explica que o trabalho é sópara os fins de semana, e o pagamento, 20reais, sai no dia 15 do mês seguinte.

– Topa?– Topo.

Subo a escada até uma pequena salaonde quarenta meninas se espremem defrente para um homem de meia-idade. Eleanda, impaciente, de um lado para outro,

vez ou outra se vira para ogrupo assustado e aponta:

– Você, você, você evocê.

O silêncio é total. Elasevitam olhar para o homem:a possibilidade de não serescolhida é terrível, significa20 reais a menos no fim domês. Não demoro a serchamada, vou formar filajunto às outras para recebero uniforme – calça justa

azul, camisa branca de gola, boné azul. Sigopara outra salinha onde pilhas e pilhas defolhetos se misturam a outra dezena demeninas, atrapalhadas, tentando vestir ouniforme. Como a porta não fecha de tantagente, nos trocamos sob os olhares dosmotoristas.

Na perua, nove meninas entre 14 e 16anos se espremem nos bancos de trás.Quarenta minutos depois chegamos a SãoBernardo, município que faz fronteira aosul de São Paulo. Nossa tarefa, descubrocom surpresa, vai ser vigiar um banner. Issomesmo: ficamos o dia todo, cada uma emuma esquina, paradas, olhando uma placa.Para a fiscalização não levar, já que é proi-bido pendurar banners naquela cidade.Sozinhas, o sol forte na cabeça, de pé.Sentar, nem pensar, nem ao menos encos-tar num muro: são as regras.

42 • Mulheres, Trabalho e Vida

Texto 19 / Mulher e desemprego

“Nossa tarefa,descubro com

surpresa, vai servigiar um banner.

Ficamos o dia todo,uma em cada esquina,olhando uma placa.Para a fiscalizaçãonão levar, já que éproibido pendurarbanners naquela

cidade.”

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– Se você passar mal, liga pra central– avisa o motorista antes de me deixar,abandonada, na minha esquina, e ali fico.

Reparo que ninguém me olha. Os olha-res passeiam pela placa, param no númerode telefone, e simplesmente me pulam. Semexceção. Na paisagem urba-na, não existo; o uniformeme torna, de fato, invisível– é a “invisibilidade públi-ca”, fenômeno que o psicó-logo Fernando Braga obser-vou ao trabalhar junto comos garis da USP.

7o Dia

Domingo subo na Kombipara o último dia dessa jornada. Vou

distribuir panfletos com duas alegres meni-nas, ambas de 17 anos.

Paramos numa esquina da avenidaRudge e nos dividimos por faixa. Vez ououtra passa o supervisor na Kombi. Ali, nofarol, quem faz a propaganda dos condo-mínios de luxo é a Thaís, do Capão Redon-do, que dorme num cômodo com os seteirmãos mais novos; é a Tatiane, de Paraisó-polis, que também divide o quarto com osirmãos, quatro, num andar erguido sobre alaje da casa da mãe.

Chove torrencialmente, e na cidadecentenas de meninas como nós nem seagüentam de felicidade porque podemparar para descansar em algum abrigo. Nós

nos escondemos no banheiro do Sam’sClub, e é ali que eu descubro que as duassão evangélicas – Tatiane é da Assembléiade Deus e Thaís, da Comunidade Evangéli-ca Pleno – quando gritam, emocionadas,“aleluia!” para a chuva que lava tudo à

nossa volta. Na perua de volta elas

dormem, cansadas. Eu segu-ro: quero ouvir Maria, 15anos, muito empolgada,contar como se divertiu comos meninos que faziam mala-barismo no farol.

– Eles ganharam tantacoisa, bolacha, pão, pirulito,refrigerante... e dividiram

tudo com a gente!Só isso pra melhorar o dia, depois de

ela ter dado de cara com a professora dematemática.

– Nem sei a cor que fiquei, não sabiaonde enfiar a cara. Que vergonha!

Saindo da Kombi, as pernas bambas,volto para casa devagar, na cabeça a

música-chiclete do programa de televisão:“ela é dona do jogo...”. Ela, ela quem?

Mulheres, Trabalho e Vida • 43

Natália Viana é jornalista. Extraído da reportagem “Os trabalhos eos dias”, publicado na revista Caros Amigos, jan/2005.

“Chove torrencialmente,

e na cidade centenasde meninas como nós

não se aguentam de felicidade porque podem parar para

descansar em algum abrigo.”

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Foto

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RENDIMENTOSDESIGUAIS Mulheres ganham,

em média, 60% do querecebem os homens, pelamesma tarefa.

DesigualdadeTEXTO 20

• Mulheres, Trabalho e Vida44

Trabalhadores e trabalhadorasem linha de montagem naindústria automotiva.

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Em 1996, o rendimento médio dasmulheres brasileiras, de 585 reaiscorrespondia a 60% do obtido pelos

homens que era de 995 reais. Apesar darecuperação observada após a contençãoda inflação, ainda não foi alcançado ovalor real de 1989, quando era apenas30% inferior.

Se for considerado o rendimento porhora trabalhada, esse diferencial tambémpersiste. Em 1996, as mulheres recebiam,em média, 3,50 reais por hora e os homens,5 reais. Isso demonstra que o menor pata-

mar de remuneração verificado para elasnão pode ser atribuído apenas, como sepoderia supor, a uma jornada menor detrabalho (39 horas para mulheres e 46horas semanais para homens).

As diferenças de rendimentos entrehomens e mulheres verificam-se emtodos os setores de atividade econômica,por posição na ocupação e, inclusive, emgrupos de ocupações semelhantes.

Mulheres, Trabalho e Vida • 45

Info

graf

e

Adaptado de texto publicado no site do Dieese (www.dieese.org.br).

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Page 46: Mulher e Trabalho

Trabalho domést icoTEXTO 21

• Mulheres, Trabalho e Vida46

HOMENAGEM A QUEM FAZ

A escritora lembra,

minuciosa, cada pessoa

que a homenageia

com seu trabalho

Ana Miranda

Benditos sejam os que fazem os trabalhos do cotidiano, o queseria de mim se não tivesse o padeiro que assa o meu pão e ocaminhoneiro que traz o meu leite até o mercado, e o gari que

varreu a rua na frente da minha casa e o ciclista que traz o meu jor-nal, o que seria de mim sem a minha faxineira e o lavador de meucarro, e o japonês que cultivou as orquídeas da minha varanda, oque seria de mim sem o marceneiro que fabricou esta mesa, ooperário que girou os parafusos da minha geladeira, o carteiro quetraz as minhas cartas, o balconista da loja de informática onde com-prei esta tela, e a minha manicure e o sapateiro da esquina que tro-cou a sola de meu sapato de estimação, o que teria sido de mimsem a minha Irene, dona Irene acordava antes de todo mundo emcasa, vestia seu uniforme e avental, prendia os cabelos, penduravaseus brincos de pingentes, passava batom, pintava as sobrancelhascom lápis e ia para a cozinha, tomava seu cafezinho, preparava ocafé da manhã, punha a mesa, ia buscar o jornal no portão, davacomida aos cachorros, varria as varandas, parava a olhar uma flor-zinha, aguava as plantas e gramados, sempre cantando, rindo, arru-mava a casa varria limpava arrumava as camas, ia para a cozinha,cantando, cozinhava, uma comida caseira dos deuses, se eu estavafechada no escritório escrevendo e pensava Ah que vontade detomar um café, chegava nesse instante a Irene com um café fresco,cantando, rindo, à uma e meia ela me chamava para um almoço

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Page 47: Mulher e Trabalho

dos deuses, depois Irene lavava a louça, sempre alegre, enxugavae guardava, limpava a cozinha, lavava roupa a maioria a mão, epassava a ferro, as camisas engomadinhas, guardava as roupas,preparava um lanche, engraxava os sapatos, pregava os botões,depois fazia um jantar dos deuses, lavava a louça enxugava guar-dava, cantava cantava, pano de chão na cozinha, vidros limpos,um trabalho incessante, valioso, precioso, cada dia uma em-preitada, uma ordenação profunda do mundo, da sociedade, umtrabalho generoso, que me deu asas até a delicadeza dos confins,me libertava deste mundo para ir em busca de outros, me liberta-va do tempo e do espaço, de todo um emaranhado de vestígiosda minha memória, e minhas lágrimas não eram de cebola, masnessa liberdade eu deixava de viver algumas das coisas mais har-moniosas e calmantes da vida, como por exemplo lavar folhas dealface em água fria, no verão, ou derramar vinho no corpo de umperu para a ceia de Natal.

Trabalho e Meio Ambiente • 47

Publicado na revista Caros Amigos.

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• Mulheres, Trabalho e Vida48

TEXTO XX Histór ia do t rabalho feminino

MULHERES ETRABALHO

NA HISTÓRIADO BRASIL

TEXTO 22

(...) A presença feminina foi sempredestacada no exercício do pequeno comér-cio em vilas e cidades do Brasil Colonial.Desde os primeiros tempos, em lugares co-mo Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo,estabeleceu-se uma divisão de trabalhoassentada em critérios sexuais, em que ocomércio ambulante representava umaocupação preponderantemente feminina.A quase exclusiva presença de mulheresnum mercado onde se consumiam gênerosa varejo, produzidos muitas vezes naprópria região colonial, resultou da conver-gência de duas referências culturais deter-minantes no Brasil. A primeira delas estárelacionada à influência africana, uma vez

Um mercado feminino nas Minas Gerais

Mary del Priore

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Page 49: Mulher e Trabalho

que nessas sociedades tradicionais asmulheres desempenhavam tarefas dealimentação e distribuição de gêneros deprimeira necessidade. O segundo tipo deinfluência deriva da transposição para omundo colonial da divisão de papéis sexu-ais vigentes em Portugal, onde a legislaçãoamparava de maneira incisiva a participa-ção feminina. Às mulheres era reservado ocomércio de “doces, bolos, frutos, melaço,hortaliças, queijos, leite, marisco, alho,polvilhos, hóstias, agulhas, alfinetes,roupas usadas. Dessa forma, conjugam-sedois padrões que irão atuar na definição dolugar das mulheres no Brasil.

•Pintores como o bávaro Rugendas e o

francês Debret captaram em vários de seusdesenhos e aquarelas nas viagens peloBrasil da primeira metade do século 19 apresença das negras em torno de vendas,em atividades ambulantes ou sob tendasonde vendiam gêneros de consumo. Seuspequenos utensílios, a presença das crian-ças, formas de convívio, modalidades deprodutos estariam evidenciadas nessaiconografia da vida urbana de algumascidades brasileiras desse tempo.

•As vendas se multiplicariam indiscrimi-

nadamente pelo território. Estabelecimen-tos comerciais dotados de grande mobili-

dade faziam chegar às populações traba-lhadoras das vilas e das áreas de minera-ção aquilo que importava ao seu consumoimediato: toda sorte de secos (tecidos, arti-gos de armarinho, instrumentos de traba-lho) e molhados (bebidas e comestíveis emgeral). As vendas eram quase sempre o larde mulheres alforriadas ou escravas quenelas trabalhavam no trato com o público.

O destaque da presença feminina nocomércio concentrava-se nas mulheres queeram chamadas de “negras de tabuleiro”.Elas infernizaram autoridades de aquém ede além-mar. Todos os rios de tinta despe-jados na legislação persecutória e punitivanão foram capazes de diminuir seu ânimoem Minas Gerais e pelo Brasil afora.

•“Negras de tabuleiro” foi a designação

que acompanhou pelo Brasil colonial aque-las mulheres dedicadas ao comércio ambu-lante. Se aqui e ali há registros de que in-comodavam as autoridades, seja porquefugiam com facilidades às medidas fiscali-zadoras, seja porque sua conduta moraldesagradava, foi nas Minas do século 18que sua atuação alcançou dimensões maisgraves. (...) Este expressivo espaço da parti-cipação feminina representou enormesinconvenientes diante dos poderes ordena-dores da capitania. Sua mobilidade e arapidez com que se multiplicavam comoopção de vida (uma vez que se exigiam

Mulheres, Trabalho e Vida • 49

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Page 50: Mulher e Trabalho

para o negócio pouco capital e alguma cora-gem) ameaçavam comprometer considera-velmente os rendimentos da faina espera-dos pela fazenda real e pelos proprietáriosde minas.

(...)A prostituição parece ter sido adotada

como prática complementar ao comércioambulante. No entanto, constituía atributodas escravas, empurradas muitas vezes aesse caminho pelos seus proprietários. Umdos casos que se conhece aparece na denún-cia feita pelo visitador episcopal contra Cata-rina de Sousa, preta alforriada, acusada deobrigar com castigo a suas escravas (...) quelhe dêem jornal todos os dias de serviço edomingos e dias santos dobrado jornal (...)Se a prática do uso do sistema de jornais (oescravo dispunha de relativa autonomiapara angariar rendimentos a serem pagos aoseu senhor) regulando as relações entresenhores e escravas pode sugerir uma situa-ção mais amena, em se tratando das mulhe-res escravas elas suportariam uma duplaexploração: sexual e econômica. A escravi-dão revelaria então uma de suas faces maisperversas.

• Mulheres, Trabalho e Vida50

Texto 22 / H istór ia do t rabalho feminino

As “negras de tabuleiro” marcam a presença femi-nina no pequeno comércio das vilas e cidades doBrasil colonial. A distribuição de gêneros e alimen-tos a varejo, feita por mulheres, tornou-se vitalpara o abastecimento da zona mineradora. Extraído e adaptado do livro História das Mulheres no Brasil,

Editora Contexto, São Paulo, 2000.

Acervo Iconographia

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Page 51: Mulher e Trabalho

TEXTO XXTEXTO XX Mulheres famosasTEXTO 23

She was born Agnes Gonxha Bojaxhiuin 1910 in Skopie, Yugoslavia. Sinceher father was a co-owner of a cons-

truction firm, her family lived comfortablywhile she was growing up. In 1928 shesuddenly decided to become a nun andtraveled to Dublin, Ireland, to join theSisters of Loreto, a religious order foundedin the 17th century. After studying at theconvent for less than a year, she left tojoin the Loreto convent in the city ofDarjeeling in northeast India. On May24th, 1931, she took the name of Teresain honor of St. Teresa of Lisieux.

Mother Teresa is among the mostwell-known and highly respected womenin the world in the latter half of the 20thcentury. In 1948 she founded a religiousorder of nuns in Calcutta, India, calledthe Missionaries of Charity. Through thisorder, she dedicated her life to helpingthe poor, the sick, and the dying around

the world, particularly those in India. Herselfless work with the needy brought hermuch acclaim and many awards, includingthe Nobel Peace Prize in 1979.

Mother Teresa died of a heart attackon September 5th, 1997.

A LIFE FOR CHARITYIf we really want to love we must learnhow to forgive. (words by Mother Teresa)

Mulheres, Trabalho e Vida • 51

GLOSSARYAmong. entre.Co-owner. segundo dono / sócio.Dying. moribundo.Highly. altamente.Latter. último, mais recente.Needy. necessitado.Nun. freira.Selfless. generoso, não egoísta.Sick. doente.Suddenly. de repente.Well-known. conhecido.

Extraído de www.ewtn.com/motherteresawords.htm

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52 • Mulheres, Trabalho e Vida

TEXTO XXTEXTO XX o que é ser mulherTEXTO 24

Nadie sabe cómo hacen con el tiempotrabajan y trabajanlavan planchan cosen barren limpian cocinanbañanpeinan sacan piojos hacen camas buscan preciosamasaneducan llevan los chicos a la escuela van al trueque,buscan los chicos de la escuela, compran amasancocinan lavan planchan ytrabajan y trabajanel día se convierte en noche sin parar de trabajar.Ellas sueñan con otro mundo para sus hijossueñan algo mejormucho mejorsueñanpara ellosy con ellosNo se quedan…saben que el hambre no tiene esperay salentímidamente porque creen que no saben que nopuedenque no debencon miedoporque presienten que si les pasa algo nadie va apoder hacer todo lo que hacen ellasEllas con los sueños escondidosEllas con las ganas apretadascon los permisos contadoscon las prisiones de los mandatosLes han dicho que en la casa es donde deben estar

“ELLAS”Nancy Slupsky

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pero nadie les ha regalado nada como para seguiraguardando ahí sentadasMientras las panzas de sus hijos aúllan de hambrelos sueños estánPero hay que escarbarlos detrás de tantocotidianoPrimero el ahorael ahora urgenteel ahora presentey por eso salenporque sus hijos les ponen alasMotoressus hijos impulsan las pocas fuerzas que elescaso alimento les socava.Pero esas fuerzas se juntanun sueño despierta al otro.Salen a la callea reclamara decir presentea marcar que no son fantasmas ni cifras ni seresperdidos en lugares perdidosa descubrir que valen y a aprender a gritarloa mostrar que la dignidad es una actitud de vidaY salenY se juntan y se juntanen los barrios en las calles en las rutas.Y construyen…esos sueños que tanto sueñan para ellasY para sus hijos.

Mulheres, Trabalho e Vida • 53

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es:A

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Nancy Slupsky es poeta y activista argentina.

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Conquistas femininasTEXTO 25

• Mulheres, Trabalho e Vida54

Renato Pompeu

ODia Internacional da Mulher, come-morado desde o início do séculoXX, é uma data que remete a todo

um período de lutas por melhores condi-ções de trabalho, diminuição da jornada detrabalho, principalmente das trabalhadorasamericanas, pelo direito à educação e aovoto feminino. As trabalhadoras america-nas vinham comemorando um Dia da Mu-

lher para marcar um calendário de lutas.Em 1911, em Nova York, dezoito dias de-pois do Dia da Mulher, em março, houveum grande incêndio numa conhecida in-dústria têxtil, a Triangle Schirwaist Com-pany, cujo patrão, como era comum fazerà época, trancou a porta de saída à chave,o que num andar alto e num ambiente semventilação e com materiais inflamáveis, tor-nou-se fatal. Quando os bombeiros chega-ram 147 operárias já haviam morrido. Apósessa tragédia a solidariedade entre as tra-

UM POUCO DA HISTÓRIA DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Primeiro congresso feministarealizado no Brasil, 1922.

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Page 55: Mulher e Trabalho

balhadoras estreitou-se e suaslutas deram origem às primei-ras leis de proteção à vida eaos direitos das trabalhadoras.

Mas, já em 1910, ClaraZetkin, socialista alemã, pro-pôs que o Dia da Mulher setornasse “uma jornada especi-al, uma comemoração anual demulheres, seguindo o exemplodas companheiras americanas”.Sugeria ainda que o tema principal fosse aconquista do direito ao voto. Surge, então,o Dia Internacional da Mulher. A partir daí,as operárias européias e russas assumiramessa data que, em 1914, foi comemoradano dia 8 de março. Consolidando essa data,em 1917, no dia 23/02 no calendáriogregoriano (ou 8 de março) as operáriasrussas desencadearam uma greve geral,cujas manifestações precipitaram a Revolu-ção Russa.

Depois das grandes guerras, na décadade 1960, os movimentos de libertação dasmulheres em todo o mundo retomaramessas comemorações. No Brasil, em plenaditadura, a partir dos anos 1970 o movi-mento de mulheres ressurge colado às lutaspela democracia e em 1975, quando a ONUorganizou uma Conferência Mundial deMulheres, o movimento de mulheres reto-ma as lutas coletivas mais abertamente.

Renato Pompeu é jornalista e escritor.

Mulheres, Trabalho e Vida • 55

Em reconhecimento dessas lutas, o dia 8 demarço foi instituído pela ONU, em 1977, comoDia Internacional da Mulher o que nos dá aoportunidade de fazer um balanço dos pro-gressos e conquistas a respeito do lugar ocu-pado pelas mulheres e dos obstáculos à suacidadania e levar o conjunto da sociedade edos governos a refletirem sobre as formas de

enfrentar as desigualdades de gênero, ou seja,entre homens e mulheres, em diversas áreas, eelaborarem políticas públicas anti-discrimina-tórias, além de promover ações para a conquis-ta da cidadania plena das mulheres, melhoran-do a qualidade de vida de todas e todos econstruindo uma sociedade mais justa.

Calendário oficial

Comício feminista realizado na Esplanada

do Castelo, RJ, em 1933.

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Page 56: Mulher e Trabalho

DesigualdadeTEXTO 26

• Mulheres, Trabalho e Vida56

FAZEM MAIS E GANHAM MENOS

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Aconquista do espaço feminino nomercado de trabalho fez com que asmulheres hoje representem uma par-

cela superior a 45% da população economi-camente ativa em cada uma das regiões pes-quisadas. Embora uma parte significativados trabalhadores de ambos os sexos te-nham baixo nível de escolaridade, asmulheres têm um perfil educacional maiselevado que a parcela masculina e a propor-ção daquelas que concluíram o 2o grau oualcançaram o ensino superior é maior que averificada entre os homens.

A presença da mulher no mercado detrabalho reproduz o padrão de incorpora-ção que se registra entre os homens. Amais intensa participação ocorre na faixaetária entre 25 e 39 anos, quando percen-tuais que viriam entre 65% e 78% dasmulheres estão ocupadas ou mostramdisponibilidade para trabalhar. Essa parti-cipação demonstra que os papéis de mãe ede principal responsável pelos afazeresdomésticos não têm sido impedimentopara parcela significativa das mulheres,

ainda que seja necessário desdobrar-separa conciliar ambas as atividades.

Dificuldades iguais

Homens e mulheres enfrentam, atual-mente, dificuldades para obter uma ocupa-ção, tanto que as taxas de desemprego sãoelevadas para ambos. No entanto, emboraainda estejam em menor quantidade nomercado de trabalho, as taxas de desem-prego feminino são sempre superiores àsregistradas para os homens. Assim,enquanto entre as mulheres as taxas dedesemprego ultrapassam o patamar de18,2%, para os homens esse percentual caipara 12,3%. As peculiaridades de cadaregião determinam grandes diferençasentre o nível de desemprego de homens emulheres: a taxa de desemprego femininochega a ser 48% superior à registrada entreos homens e, mesmo onde essa diferençase reduz, ainda é de 21%.

Ao se combinar sexo e idade, verifi-ca-se que as maiores dificuldades paraobtenção de um emprego ocorrem para

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A situação das mulheres em mercados metropolitanos

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as mulheres jovens. Mais de 30% destasmulheres, com idade entre 16 e 24 anos,em todas as regiões analisadas, encontram-se desempregadas. Entre os rapazes namesma faixa etária o patamar reduz-separa 22,4%. No entanto, a mais intensapresença de homens e mulheres com idadeentre 25 e 39 anos na força de trabalho fazcom que sejam maiores os diferenciaisentre as taxas de desemprego de ambos ossexos para essa faixa etária, justamente amais produtiva.

Maior nível de escolaridade costumaser um fator que aumenta a possibilidadede obter um trabalho, tanto que as taxas dedesemprego tendem a diminuir para ho-mens e mulheres que têm mais anos deestudo. No caso das mulheres, porém, aimportância desse fator precisa ser relativi-zada, uma vez que o maior grau de instru-ção do sexo feminino – as mulheres, emtodo o país, tendem a estudar mais que oshomens – não implica menor taxa de de-semprego que para os homens. Dessa for-ma, as taxas de desemprego para as mulhe-res com nível universitário são, no mínimo,30% superiores às dos homens com essenível de instrução.

O mercado de trabalho, aparentemen-te, define determinadas funções comomais femininas. Assim, os postos de traba-lho ocupados pelas mulheres estão, emgrande parte, relacionados às atividadesantes desempenhadas no interior do domi-

cílio, tais como serviços pessoais, educa-ção, alimentação e saúde, que, juntos,ocupam mais de 22% do total das mulhe-res que trabalham nas diversas regiõesmetropolitanas estudadas. Além disso,entre 16% e 21% do total das ocupadasnessas regiões estão diretamente ligadasaos serviços domésticos, como emprega-das mensalistas e diaristas.

Terra dos homens

Os empregos na indústria e na constru-ção civil são essencialmente masculinos,sendo insignificante o percentual das vagasocupadas pelas mulheres, em particular,neste último setor. No setor industrial, apresença feminina é bem menor que amasculina e apenas no ramo têxtil – ondea presença da mulher é, historicamente,significativa – há relativamente mais mu-lheres que homens trabalhando. A partici-pação da mulher no setor industrial,porém, cresce e se diversifica na medida emque a indústria tem mais peso econômicopara a região. Nesse caso, há inclusiveredução das diferenças entre os gêneros.

A absorção de trabalhadores de ambosos sexos é bem mais equilibrada no comér-cio. A proporção de mulheres ocupadasneste setor é, em geral, levemente menorque as respectivas parcelas observadasentre os homens, diminuindo essas diferen-ças naquelas regiões onde esse setor temmaior peso relativo.

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No que se refere à forma de relaçãode trabalho, as mulheres, da mesma formaque os homens, trabalham, em sua maio-ria, como assalariadas. A proporção, po-rém, é menor. Apenas o emprego domés-tico é uma forma de relação de trabalhopreenchida quase exclusivamente pormulheres. Só na região metropolitana deRecife o percentual de mulheres quetrabalham no serviço doméstico é inferiorao de autônomas, em geral a segundaforma de relação de trabalho mais encon-trada nas diferentes regiões metropolita-nas, quando não se leva em consideraçãoo sexo. Entre as mulheres também é rele-vante – ao menos em parte das regiõespesquisadas – a participação do trabalho

não remunerado em negócio de parentes.A atuação como empregadora, porém, éuma alternativa bastante restrita para asmulheres.

O detalhamento das formas de contra-tação do trabalho assalariado mostra que aconcentração pelo setor público é muitomais importante entre as mulheres queentre os homens, embora o setor privadoseja o principal empregador para ambos ossexos. A contratação com carteira assinadarepresenta a maior parcela dos assalaria-dos de ambos os sexos nas empresas priva-das, ainda que exista uma proporção nãodesprezível de homens e mulheres contra-tados sem carteira, e portanto sem asgarantias trabalhistas mínimas contempla-das pela CLT. Essa forma de desproteçãoafeta mais relativamente o trabalhadorassalariado do sexo masculino.

Um outro aspecto importante, queevidencia as desigualdades entre gêneros,são as ocupações exercidas como assala-riados por ambos os sexos. As mulheres eos homens assalariados exercem ocupa-ções com diferentes níveis de qualificaçãoe hierarquia, e a maior parte desses ocupa-dos está em funções semiqualificadas naexecução, isto é, são trabalhadores direta-mente vinculados a atividades-fim da em-

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Linha de montagem defábrica de chuveiros.

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presa, mas que exercem funções repetiti-vas e de pouca complexidade.

As diferenças entre os gêneros se mani-festam quando se levam em consideraçãoos diversos subgrupos de ocupações. Entreas mulheres, o peso das ocupações qualifi-cadas na execução das atividades de escri-tório e serviços gerais, nas áreas de apoio,e das atividades de planejamento e organi-zação, dentre as funções de direção eplanejamento, é maior que entre os home-ns. Para estes são relativamente mais reser-vadas ocupações de direção e gerência,ocupações de execução semiqualificadas enão-qualificadas, bem como atividades deapoio classificadas como não-operacionais.

Essas diferenças evidenciam que, se deum lado as mulheres assalariadas têm tido

acesso a postos de trabalho mais qualifica-dos, ainda têm menores possibilidades deocupar posições hierarquicamente superio-res (direção e gerência), situação quetambém é refletida na sua pouca expressãocomo empregadora.

As jornadas médias de trabalho, embo-ra altas, são bem menores que as executa-das pelos homens, tanto para o total deocupados como entre os assalariados. Entreestes últimos, porém, as distâncias entre otempo de trabalho de homens e mulherestendem a diminuir. As jornadas médias detrabalho das mulheres, em todas as re-giões, estão próximas a quarenta horassemanais e cerca de 30% das ocupadas ede 20% a 32% das assalariadas trabalhammais que 44 horas por semana.

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Trabalhadoras no Estaleiro Barcas-Rodriquez,em Niterói – RJ Fo

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1Os maiores diferenciais, entre ambosos sexos, do acesso às ocupaçõessegundo níveis de qualificação e

hierarquia são verificados em São Paulo ePorto Alegre, regiões onde o setor indus-trial e o trabalho assalariado no segmen-to privado têm maior peso, enquanto asmenores desigualdades estão em Recife eSalvador, onde o mercado de trabalho émenos diversificado. A situação do Distri-to Federal aproxima-se da registrada nasduas primeiras regiões, mas em conse-qüência do peso do setor público; e BeloHorizonte registra pontos assemelhadosaos encontrados em Salvador e Recife.

2Quanto maior o peso das ocupaçõesindustriais nos mercados metropolita-nos, maiores são os percentuais de

mulheres ocupadas no setor, bem comomais diversificadas suas funções. Com isso,as diferenças entre gêneros se reduzem. Nosmercados de trabalho metropolitanos deSão Paulo e Porto Alegre, 15% das mulhe-res estão ocupadas na indústria, o quecorresponde a, aproximadamente, 60% dopercentual de homens que trabalham nosetor. Já em Recife, Salvador e Distrito Fede-ral, essa proporção entre as mulheres caipara 2% a 6% e não chega nem à metadedo total de homens ocupados neste setor.

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MAIS POR MENOS

Orendimento médio das trabalhado-ras é, em todas as regiões analisa-das, menor que o dos homens, quer

atuem como ocupadas, quer como assala-riadas. Esse dado resulta das diferenças nascaracterísticas dos postos de trabalhoocupados por ambos os sexos e de possíveisdiscriminações de gênero na hora da fixa-ção dos rendimentos.

Além de diferenças entre o desempre-go, a ocupação e os rendimentos de homense mulheres, os dados evidenciam a desi-gualdade existente no mercado de traba-lho das seis regiões pesquisadas. De manei-ra sintética, os principais aspectos a seremdestacados são:

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3A crescente precariedade dos postosde trabalho é denominador comum aambos os gêneros em todas as regiões

metropolitanas, da mesma forma que asaltas taxas de desemprego. Nos mercadosmenos estruturados (Recife e Salvador) sãoverificados os maiores percentuais de homense mulheres em postos de trabalho conside-rados mais vulneráveis, e ocorrem as maio-res diferenças entre os gêneros. Nessas duasregiões, o patamar de mulheres em situa-ções vulneráveis está em torno de 50%,enquanto entre os homens situa-se em 35%,o que representa uma diferença acima de14 pontos percentuais. Nas regiões de PortoAlegre e Distrito Federal, o patamar devulnerabilidade para cada sexo é bemmenor, bem como se reduz a diferença entreeles. Entre as mulheres este patamar estáem torno de 35% a 36%, e entre os homensvai de 24% a 27%. Para São Paulo e BeloHorizonte verifica-se uma situação interme-diária com proporções de 42% entre asmulheres e de 30% para os homens.

Em Recife e Salvador, entre 25% e 30%das mulheres estão desempregadas, en-quanto para os homens estas taxas perma-necem em torno de 18% e 25%. Nas de-mais regiões, as taxas de desemprego dasmulheres, ainda que altas, caem para valo-res entre 18% a 23%. Porto Alegre, Recifee São Paulo registram as maiores desigual-

dades das taxas de desemprego de homense mulheres, enquanto em Salvador e BeloHorizonte estão as menores diferenças. ODistrito Federal apresenta-se numa situa-ção intermediária.

Os rendimentos também apresentam,ao lado da disparidade encontrada entre osdois sexos, acentuadas diferenças inter-regionais. Mulheres e homens, nas regiõesmetropolitanas de Recife e Salvador, têmrendimentos significativamente menoresque os registrados para os trabalhadores deSão Paulo e do Distrito Federal.

4Finalmente, apesar das diferençasindicadas por este estudo, fica claroque existem denominadores comuns

a ambos os gêneros, uma vez que,enquanto força de trabalho, estão inseri-dos em mercados marcados pela falta deoportunidades de emprego, pela desestru-turação e pela crescente precariedade dospostos de trabalho ocupados.

Texto publicado no Boletim Dieese – Edição Especial Março/2006 – A situação das mulheres em mercados de trabalho metropolitanos.

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“Nós, mulheres do grupo Baixa Verde,Queremos em nosso livro uma mensagem deixar.Contar como vivem as mulheres da família Reca,Lutando, trabalhando, os filhos educando, cozinhando e lavando,No roçado plantando sementes e árvores,Para que, onde uma mata morre, outra irá crescer.Plantando o SAF para nos alimentar e também para venderE, assim, podermos viver.Preservar as matas para respirar um ar mais puro.Sem falar nos remédios naturais que a mata nos oferece.O cantar dos pássaros, o perfume das flores, esta tranqüilidade,Tudo isso e muito mais que segura a gente longe do agito da cidade.As mulheres do nosso Reca e as de todo o nosso Brasil lutam pelos direitos iguais.Mulheres simples, de um coração bondoso,de uma simplicidade no olhar, com mente administradora,Mas que, por ser caipira, muitas vezes não consegue se expressar.”

Grupo Mulheres da Baixa Verde

Trabalho no campoTEXTO 27

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MENSAGEM DA BAIXA VERDE

Do livro Nosso Jeito de Caminhar – projeto RECA - 2003

Foto: Cláudio Facchini

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ExpedienteComitê Gestor do ProjetoTimothy Denis Ireland (Secad – Diretor do Departamento da EJA)Cláudia Veloso Torres Guimarães (Secad – Coordenadora Geral da EJA)Francisco José Carvalho Mazzeu (Unitrabalho) – UNESP/UnitrabalhoDiogo Joel Demarco (Unitrabalho)

Coordenação do ProjetoFrancisco José Carvalho Mazzeu (Coordenador Geral)Diogo Joel Demarco (Coordenador Executivo)Luna Kalil (Coordenadora de Produção)

Equipe de Apoio TécnicoAdan Luca ParisiAdriana Cristina SchwengberAndreas Santos de AlmeidaJacqueline BrizidaKelly MarkovicSolange de Oliveira

Equipe PedagógicaCleide Lourdes da Silva Araújo Douglas Aparecido de CamposEunice RittmeisterFrancisco José Carvalho MazzeuMaria Aparecida Mello

Equipe de ConsultoresAna Maria Roman – SPAntonia Terra de Calazans Fernandes – PUC-SPArmando Lírio de Souza – UFPA – PACélia Regina Pereira do Nascimento – Unicamp – SPEloisa Helena Santos – UFMG – MGEugenio Maria de França Ramos – UNESP Rio Claro – SPGiuliete Aymard Ramos Siqueira – SPLia Vargas Tiriba – UFF – RJLucillo de Souza Junior – UFES – ESLuiz Antônio Ferreira – PUC-SPMaria Aparecida de Mello – UFSCar – SPMaria Conceição Almeida Vasconcelos – UFS – SPMaria Márcia Murta – UNB – DFMaria Nezilda Culti – UEM – PROcsana Sonia Danylyk – UPF – RSOsmar Sá Pontes Júnior – UFC – CERicardo Alvarez – Fundação Santo André – SPRita de Cássia Pacheco Gonçalves – UDESC – SCSelva Guimarães Fonseca – UFU – MGVera Cecilia Achatkin – PUC-SP

Equipe editorialPreparação, edição e adaptação de texto: Editora Página Viva

Revisão:Ivana Alves Costa, Marilu Tassetto, Mônica Rodrigues de Lima, Sandra Regina de Souza e Solange Scattolini

Edição de arte, diagramação e projeto gráfico: A+ Desenho Gráfico e Comunicação

Pesquisa iconográfica e direitos autorais: Companhia da Memória

Fotografias não creditadas: iStockphoto.com

Apoio

Editora Casa Amarela

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro. SP, Brasil)

Mulher e trabalho / [coordenação do projeto

Francisco José Carvalho Mazzeu, Diogo Joel Demarco,

Luna Kalil]. -- São Paulo : Unitrabalho-Fundação

Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho ;

Brasília, DF : Ministério da Educação. SECAD-Secretraria de

Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007,

-- (Coleção Cadernos de EJA)

Vários colaboradores.

Bibliografia.

ISBN 85-296-0061-4 (Unitrabalho)

ISBN 978-85-296-0061-1 (Unitrabalho)

1. Livros-texto (Ensino Fundamental) 2. Mulheres -

Trabalho I. Mazzeu, Francisco José Carvalho.

II. Demarco, Diogo Joel. III. Kalil, Luna. IV. Série.

07-0417 CDD-372.19

Índices para catálogo sistemático:

1. Ensino integrado : Livros-texto :

Ensino fundamental 372.19

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