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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Instituto de Ciências Exatas e da Terra Departamento de Física Curso de Especialização em Perícia de Acidentes de Trânsito A IMPORTÂNCIA DOS LAUDOS PERICIAIS NA PREVENÇÃO DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO Nildeson Cândido da Silva Orientador: Prof. Dr. Romildo J. Ramos Rondonópolis-MT Abril/2006 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSOInstituto de Ciências Exatas e da Terra

Departamento de FísicaCurso de Especialização em Perícia de Acidentes de Trânsito

A IMPORTÂNCIA DOS LAUDOS PERICIAIS NA PREVENÇÃO DOS ACIDENTES

DE TRÂNSITO

Nildeson Cândido da Silva

Orientador: Prof. Dr. Romildo J. Ramos

Rondonópolis-MT

Abril/2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSOInstituto de Ciências Exatas e da Terra

Departamento de FísicaCurso de Especialização em Perícia de Acidentes de Trânsito

A IMPORTÂNCIA DOS LAUDOS PERICIAIS NA PREVENÇÃO DOS ACIDENTES

DE TRÂNSITO

Monografia submetida àCoordenação do Curso de Pós-graduaçãode Perícia em Acidentes de Trânsito “latusensu”, promovido pela UniversidadeFederal de Mato Grosso como requisitoparcial para obtenção do grau deEspecialista em Perícia de Acidente deTrânsito.

Nildeson Cândido da Silva

Rondonópolis-MTAbril/2006

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Dedico a Rosália Cândido da Silvaque, sem instrução e recursosfinanceiros e com coragem e lutaobstinada conseguiu transformar-menum homem de verdade, sincero e,principalmente, honesto.

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AGRADECIMENTOS

Neste momento, quero agradecer primeiramente a Deus, pela força ecoragem para que eu pudesse concluir este trabalho.

À minha família que sempre me incentivou a não desistir.

Ao Professor Doutor Romildo Jerônimo Ramos, pelo carinho e compreensão

em todos os momentos que me orientou e motivou a concluir mais esta etapa.

Enfim, a todos que participaram deste longo percurso da minha vida, o meu

muito obrigado!

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“Se eu pudesse deixar algum presente a

você, deixaria aceso o sentimento de

amar a vida dos seres humanos. A

consciência de aprender tudo que foi

ensinado pelo tempo afora. Lembraria

os erros que foram cometidos para que

não mais se repetissem. A capacidade

de escolher novos rumos. Deixaria para

você, se pudesse, o respeito àquilo que

é indispensável: além do pão, o

trabalho. Além do trabalho, a ação [...]”

(Mahatma Gandhi)

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RESUMO

A Constituição Federal de 5 de outubro1988, art. 1°, III, consagrou a dignidade dapessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Dito de outromodo, elevou os Direitos Fundamentais ao grau de máxima importância noordenamento jurídico nacional. Por outro lado, em seu art. 5°, estabeleceu comoDireitos Fundamentais a segurança e a liberdade de ir e vir, de transitar. Todavia,por uma série de fatores, o trânsito, de forma geral, tornou-se um ambientedemasiadamente perigoso. Nesse sentido, buscando criar mecanismos quegarantam aos cidadãos o direito fundamental de ir e vir em segurança, foi editado oCódigo de Trânsito de 1988. Uma de suas inovações é o rigor das normas e aseveridade das penas, o que lhe confere efeito pedagógico fundamental. Todavia,de nada adiantaria esta “severidade pedagógica” sem a certeza de punição para oseventuais infratores. Nesse sentido, é que ganha notoriedade o papel da perícia,imprescindível, tanto do ponto de vista jurídico como lógico, para a elucidação dosacidentes de trânsito e, por conseguinte, para a punição e prevenção dos mesmos.

Palavras-chaves: Direitos Fundamentais, acidentes de trânsito, perícia, prevenção.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................8

1. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO...............................................................10

1.1 Considerações Iniciais..........................................................................................10

1.2 A Dignidade da Pessoa Humana como Fundamento do Estado.........................14

1.3 A Segurança como Direito Fundamental..............................................................17

2. DISCIPLINA JURÍDICA..........................................................................................20

2.1 A Sistemática do CPP..........................................................................................20

2.2 Disciplina Jurídica da Perícia...............................................................................22

3. O LAUDO PERICIAL NOS CRIMES DE TRÂNSITO.............................................31

3.1 Considerações iniciais..........................................................................................31

3.2 Do homicídio culposo...........................................................................................33

3.3 Dos outros crimes................................................................................................37

CONCLUSÃO............................................................................................................42

REFERÊNCIAS.........................................................................................................43

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INTRODUÇÃO

É sabido que o Brasil vive um momento ímpar de sua história constitucional.

Um direito fundamental presente nas Constituições Democráticas é o direito

de se locomover. Outro direito fundamental é o de segurança. Locomover-se com

segurança, portanto, é um direito fundamental.

As estatísticas de acidentes de trânsito, entretanto, têm demonstrado que se

do ponto de vista formal existe um direito fundamental a um trânsito seguro, na

realidade está acontecendo algo bem diferente. O trânsito, na verdade, tem se

transformado numa armadilha mortal. É nesse contexto que deve ser compreendida

a edição do Código de Trânsito de 1988.

Todavia, pouco se pode esperar de uma lei se não se lhe der aplicabilidade

efetiva. De nada adiantaria aumentar as sanções penais se não forem estas penas

efetivamente implementadas. De outro lado, sem um devido processo legal

devidamente constituído, sem provas não se pode identificar o autor, não se pode

punir, não se pode prevenir.

Este trabalho pretende, a partir de uma análise de dados estatísticos, da

Constituição Federal de 1988, do Código Penal, do Código de Processo Penal, bem

como do Código de trânsito, justamente chamar a atenção para a importância da

atividade pericial na prevenção dos acidentes de trânsito, já que a certeza da

punição passa necessariamente, de forma especial nos crimes de trânsito, pela

realização de exame pericial.

Para isto foi confeccionado um texto que se subdivide em três partes a)

Estado Democrático de Direito; b) disciplina jurídica; c) o laudo pericial nos crimes de

trânsito. Na primeira parte, já que a atividade pericial é uma atividade

desempenhada pelo Estado, são estudadas as características básicas do Estado

Democrático de Direito. Aí, se constata que os Direitos Fundamentais

consubstanciam-se em um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Na segunda parte, passa-se ao estudo da disciplina jurídica do exame

pericial dentro do Código de Processo Penal, já que este Diploma Legal é

subsidiário em relação ao Código de Trânsito. Pretende-se, com isto, entre outras

coisas, precisar a) em modalidades de crimes é obrigatória a realização do exame,

b) quem é responsável pela elaboração do exame pericial; c) como ele deve ser

feito; d) qual o seu valor probatório.

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Finalmente, na terceira parte, com base em dados estatísticos e na leitura de

alguns dispositivos do Código de Trânsito, passa-se à discussão do valor probatório

do exame pericial dentro dos acidentes de trânsito.

A Metodologia a ser adotada para sua execução será o do uso de pesquisas

bibliográficas. Serão utilizadas obras de diversos autores, bem como artigos da

internet voltados para o assunto em questão. Ao final, foram registradas obras lidas

e bibliografia de livros que poderão auxiliar na realização da monografia. Ressalte-

se, ainda, que as obras serão consultadas tendo fonte de pesquisa as bibliotecas de

Instituições de Ensino Superior – Universidade Federal de Mato Grosso, Centro de

Ensino Superior de Rondonópolis –, algumas obras de posse do especializando,

empréstimos de professores e amigos.

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1. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1.1 Considerações Iniciais

A história constitucional brasileira, na expressão de Gustavo Amaral, foi

profundamente marcada pela insinceridade normativa1. Já no seu início, bastante

conturbado por sinal, se fez notar aquele que talvez seja seu traço mais

característico: “uma infindável sucessão de violações da legalidade constitucional”2.

É que D. Pedro I, inconformado com o teor “excessivamente liberal” do projeto da

primeira Constituição nacional – confeccionado por uma Assembléia Constituinte

reunida desde 3 de maio de 1823 – bem como, sem traquejo para enfrentar os

embates políticos ocasionados ao longo da discussão do referido projeto, acabaria

ordenando o cerco militar que poria fim às ambições liberais da referida

Assembléia3. Vindo, posteriormente, a outorgar o texto definitivo que vigoraria até

1889, momento em que o país iniciaria sua história republicana.

Com a Constituição de 1891 o Brasil formalmente4 consagrava-se como uma

democracia republicana. Todavia, tanto uma como outra idéia, não representavam

conquistas éticas consagradas no altar da evolução histórica, mas sim, a expressão

da dominação de uma oligarquia que se enriquecera demais para se submeter aos

caprichos de um império escravocrata e decadente. Assim, embora nominalmente

ascendesse à condição de uma democracia republicana, na prática, o cenário

político, continuava marcado pelos mesmos vícios do período monárquico.

Sobre democracia nominal, veja-se Celso Antônio Bandeira de Mello:

Estados apenas formalmente democráticos são os que, inobstanteacolham nominalmente em suas Constituições modelos institucionais

1 AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha: em busca de critérios Jurídicos para lidar com a escassez derecursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 7 ss.2 BARROSO, Luiz Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história. A nova interpretaçãoconstitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. p. 2.3 MAIOR, A. Souto. História do Brasil. São Paulo: São Paulo Editora S. A., 1974. p. 221 ss.4 Em estudo sobre a Democracia, Celso Antônio Bandeira de Mello classifica os Estados em formalmentedemocráticos, substancialmente democráticos e em transição para a democracia. Neste estudo, dá, mesmo oBrasil atual, como exemplo de Estado formalmente consitucional. Ver: BANDEIRA DE MELLO, CelsoAntônio. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centrode Atualização Jurídica, V, I, n° 4, julho, 2001. Disponível em: http://www.direitopúblico.com.br. Acesso em:10 de janeiro de 2006.

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– hauridos dos países política, econômica e socialmente maisevoluídos – teoricamente aptos a desembocarem em resultadosconsonantes com os valores democráticos, neles não aportam.Assim, conquanto seus governantes (a) sejam investidos emdecorrência de eleições, mediante sufrágio universal, para mandatostemporários; (b) consagrarem uma distinção, quando menos material,entre as funções legislativa, executiva e judicial; (c) acolham, emtese, os princípios da legalidade e da independência dos órgãosjurisdicionais, nem por isso, seu arcabouço institucional consegueultrapassar o caráter de simples fachada, de painel aparatoso, muitodistinto da realidade efetiva. 5

O período de vigência da nova Constituição coincide com o que a história

nacional tradicionalmente chamou de “Republica das Oligarquias”. Como o próprio

título está a sugerir, trata-se de um momento marcado pelo predomínio econômico e

político absoluto das oligarquias, notadamente daquelas ligadas à grande produção

do café que se concentrava principalmente em São Paulo, Minas Gerais e Rio de

Janeiro.

Neste momento, inúmeros expedientes, alguns mais visíveis à população

outros menos, acabaram por neutralizar as conquistas democráticas estampadas na

Constituição. Assim, se o voto passou a ser o instrumento de acesso ao poder

político, a corrupção eleitoral e o fato de ser aberto e exercido por uma população

substancialmente concentrada na zona rural, reduto histórico do coronelismo,

acabaram por transformá-lo num instrumento de dominação social. Da mesma

forma, se havia um capítulo dedicado à consagração dos Direitos Humanos

Fundamentais, na prática, o que predominava mesmo era a brutalidade

institucionalizada nos e pelos órgãos estatais de segurança pública.

Mesmo as mais elevadas autoridades da República encontravam-se ligadas

à violação dos Direitos Humanos. Com efeito, Segundo Domingos Meirelles, numa

manhã de quart-feira, 17 de novembro, lá pelas 5:00 da manhã, na então capital da

República, Rio de Janeiro, entrava em circulação uma edição especial do jornal “O

Globo” voltada para a denúncia de várias arbitrariedades levadas a efeito pelo

governo de Artur Bernardes. Era a primeira vez que o público tomava conhecimento

do terror que havia amparado o governo do Presidente Artur Bernardes. A

reportagem iniciava-se com um relato acerca dos vários expedientes utilizados por

5 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. Revista DiálogoJurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, V, I, n° 4, julho, 2001. Disponível em:http://www.direitopúblico.com.br. Acesso em: 10 de janeiro de 2006.

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aquele governo, para omitir da opinião pública informações acerca do evento

envolvendo a sublevação dos tenentes em São Paulo, iniciada a 5 de julho de 1924.

Consoante Domingos Meirelles:

As revelações mais surpreendentes, entretanto, estão no capítuloreservado à Polícia Política. O Globo denuncia a existência de umaverdadeira fábrica de suicídios nos porões da Polícia Central. Muitospresos, depois de impiedosamente torturados pelos investigadoresda 4ª Delegacia Policial, suicidavam-se na prisão. Foi o queaconteceu com o empresário Conrado Borlido Niemeyer, acusado defornecer explosivos para a confecção de bombas. Prostrado, caídocomo um trapo no chão, Conrado Borlido Niemeyer arquejava,golfando sangue, depois de espancado por seus algozes. Ascostelas haviam afundado com o soco, um braço estava quebrado ea cabeça sangrava muito. Após rápido conciliábulo, os policiaischamaram um médico-legista. O prisioneiro não conseguiriasobreviver depois de tantas sevícias. A solução foi a costumeira:suicidar o preso. Conrado foi atirado por uma das janelas [...] 6

Os exemplos, na verdade, são inesgotáveis e, sem esforço, podem ser

colhidos ao longo dos quase dois séculos de emancipação política brasileira. Já nas

décadas finais do século XX, a situação permanecia inalterada. Para Gustavo

Amaral, no referido período:

Havia, então, uma insinceridade normativa, onde os enunciadosfreqüentemente assumiam formas lapidares para serem em seguidasolapados ou esvaziados por outras regras ao passo que outras“normas”, como as duas citadas acima, evidentemente não eram“para valer”.Somando-se a isso a existência de um verdadeiro poder fora esuperior à constituição, enfeixados pelos mesmos que detinham opoder executivo, temos que antes da Ordem Jurídica de 1988 aproteção constitucional do cidadão perante o Estado era frágil,dirigida mais ao varejo dos casos corriqueiros do que a questõessensíveis [...] 7

O importante a se registrar de toda essa história constitucional brasileira é

que o panorama acima retratado permaneceria inalterado até 1988, momento da

promulgação da atual Constituição Federal. Aqui, se chega a um dado

importantíssimo. É que, muito embora, por conta de vários fatores, entre eles as

constantes alterações levianas do texto constitucional, bem como a utilização de

6 MEIRELLES, Domingos. As noites das grandes fogueiras: uma história da Coluna Prestes. 2 ed. Rio deJaneiro: Record, 1995. p. 609.7 AMARAL, Gustavo. op. cit. p. 9.

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inúmeros e suspeitos expedientes de interpretação para esvaziar-lhe o conteúdo, um

importante segmento da doutrina constitucional, embora reconhecendo toda esta

problemática, vê, com arrebatador otimismo, em oposição histórica a quase dois

séculos de ilegitimidade renitente do poder, de falta de efetividade das múltiplas

constituições um novo momento constitucional. Luiz Roberto Barroso, por exemplo,

já declarou que o “constitucionalismo vive um momento sem precedentes, de

vertiginosa ascensão científica e política”.8

Fala-se mesmo, como é o caso de Paulo Ricardo Schier, num “novo

constitucionalismo”. Veja-se:

[...] não sem razão, chegou-se mesmo a um momento, atualmente,de falar-se em um “neoconstitucionalismo”, ou seja, um novomomento da dogmática e pensamento constitucionais que,conquanto não uniforme, compila determinados “avanços” da teoriaconstitucional. 9

Outro dado de extrema relevância reside no fato de que a estes períodos –

pós e anterior a 1988 – estão, respectivamente, associados o positivismo e o pós-

positivismo. Nesse sentido, veja-se, ainda, Paulo Ricardo Schier:

Viveu-se no Direito, por longos e longos anos, sob o quarto escuro eempoeirado do positivismo jurídico. Sob a ditadura dos esquemaslógico-subsuntivos de interpretação, da redução do direito aenunciados lingüísticos, da repulsa aos fatos e à vida em relação atudo que se dissesse jurídico [...]Precisou o neoconstitucionalismo trazer a luz e as águas reparadorasao mundo do Direito. Agora, fala-se do pós-positivismo, dainevitável intervenção da moral na solução dos casos difíceis [...]

Pode-se, portanto, perceber no centro das mudanças a idéia de justiça, que

deixa de ser considerada objeto de especulações metafísicas e passa a ganhar

importância jurídica concreta. Nesse sentido Luiz Roberto Barroso. Cite-se:

8 BARROSO, Luiz Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro deAtualização Jurídica, v. I, n° 6, setembro, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em:16 de janeiro de 2006.9 A expressão foi colhida na leitura de artigo do Professor Paulo Ricardo Schier. SCHIER, Paulo Ricardo. NovosDesafios da Filtragem Constitucional no Momento do Neoconstitucionalismo. Revista Eletrônica de Direito doEstado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 4, outubro/novembro/dezembro, 2005. Disponível naInternet: http://www.direitodoestado.com.br. Acessado em:

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A nova interpretação constitucional assenta-se em um modelo deprincípios, aplicáveis mediante ponderação, cabendo ao intérpreteproceder à interação entre fato e norma e realizar escolhasfundamentadas, dentro das possibilidades e limites oferecidos pelosistema jurídico, visando à solução justa para o caso concreto. 10

Daí a necessidade de se submeter o objeto deste trabalho a uma análise

prévia das características gerais do Estado brasileiro. Estado que, em última

instância irá regular toda a atividade relacionada à elaboração de perícias. É isto que

se passa a fazer.

1.2 A Dignidade da Pessoa Humana como Fundamento do Estado

A Constituição Federal da República de 1988 consagrou, art.1°, III, o

princípio da dignidade humana, como um dos fundamentos do Estado Democrático

de Direito.

Fundamento é aquilo sobre o qual algo se assenta, é a base, o lastro de

sustentação. Já por dignidade, pode-se entender um conjunto de atributos

intelectuais, físicos e morais que, juntos, possibilitam a plena realização da vida

humana.

De outro lado, Estado Democrático de Direito, para além da impressão de

legalidade inculcada pelo Estado de Direito, implica comprometimento com amplas e

efetivas transformações políticas, econômicas e, sobretudo, transformações de

índole social.

Destarte, consoante a redação dada ao art.1°, III, da Constituição Federal de

1988, o Estado nacional, tem como um de seus pilares, talvez o mais relevante, a

plena realização da vida humana. Tanto assim, que, logo em seguida, no art.3°, o

legislador constitucional pátrio tratou de estabelecer diretrizes intervencionistas e

garantidoras desta dignidade. Nesse sentido, obriga o Estado brasileiro a construir

uma sociedade livre, justa e solidária; a garantir o desenvolvimento nacional; a

erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

10 BARROSO, Luiz Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro deAtualização Jurídica, v. I, n° 6, setembro, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em:16 de janeiro de 2006.

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regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Na doutrina constitucional pátria, o significado do princípio da dignidade

humana tem sido ora interpretado como sendo uma regra que condensa todas as

dimensões dos direitos fundamentais – os individuais clássicos, bem como aqueles

de fundo econômico e social –, já que em última análise estes podem ser

compreendidos como o conjunto de direitos que visa assegurar a dignidade

humana11.

Nesta razão, por exemplo, vai a doutrina do professor Uadi Lammmêgo

Bulos:

A dignidade da pessoa humana é o valor supremo que agrega emtorno de si a unidade dos demais direitos e garantias fundamentaisdo homem, expressos nesta Constituição. Daí envolver o direito àvida, os direitos pessoais tradicionais, mas também os direitossociais, os direitos econômicos, os direitos educacionais, bem comoas liberdades públicas em geral. 12

Na mesma direção vão os ensinamentos de José Afonso da Silva, para

quem:

A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai oconteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde odireito à vida. [...]Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar atodos existência digna (art.170), a ordem social visará a realizaçãoda justiça social (art.193), a educação, o desenvolvimento da pessoae seu prepara para o exercício da cidadania (art.205) etc., não comomeros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdonormativo eficaz da dignidade da pessoa humana. 13

No mesmo sentido, ainda, o pensamento de Alexandre de Moraes:

[...] a dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos egarantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas.Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepçõestranspessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdadeindividual. 14

11 VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1997. p. 19.12 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 81.13 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 109.14 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 51.

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Todavia, para os professores Ives Gandra Martins e Celso Ribeiro Bastos o

princípio da dignidade humana, apesar de parecer, não se confunde com os direitos

fundamentais, veja-se:

A referência à dignidade da pessoa humana parece conglobar em sitodos aqueles direitos fundamentais, quer sejam os individuaisclássicos, quer sejam os de fundo econômico e social.Em última análise, a dignidade tem uma dimensão também moral.São as próprias pessoas que conferem ou não dignidade às suasvidas.Não foi este sentido, todavia, o encampado pelo constituinte. O queele .é que o Estado se erige sob a noção da dignidade da pessoahumana.Portanto, o que ele está a indicar é que um dos fins do Estadopropiciar as condições para que as pessoas se tornem dignas.15

De outro lado, se há discordância quanto ao significado do princípio inserto

no art.1°, III, da Constituição Federal, a doutrina concorda que se trata de um

princípio dotado de excepcional relevância para o ordenamento jurídico pátrio.

Devendo, destarte, funcionar como bússola não só para o exegeta do texto

constitucional, como também, para o legislador. Cite-se:

A dignidade da pessoa humana, enquanto vetor determinante daatividade exegética da Constituição de 1988, consigna umsobreprincípio, ombreando os demais pórticos constitucionais, comoo da legalidade (art.5°, III), o da liberdade de profissão (art.5°, XIII), oda moralidade administrativa (art.37). Sua observância é, pois,obrigatória para a interpretação de qualquer norma constitucional,devido à força centrípeta que possui, atraindo em torno de si oconteúdo de todos os direitos básicos e inalienáveis do homem. 16

Fora do âmbito da Constituição Federal, o princípio da dignidade humana

tem encontrado ressonância na doutrina. É o que se pode ver na seara penal.

Fernando Capez, por exemplo, confere-lhe posição de princípio de onde promanam

todos os demais princípios que orientam o Direito Penal.

15 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva,1988. p. 425.16 BULOS, Uadi Lammêgo. op. cit. p. 81-82.

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Ainda, segundo o referido doutrinador, todo o Direito Penal deve ser

pensado, construído, e implementado em consonância com a dignidade da pessoa

humana. Segue citado:

[..] do Estado Democrático de Direito parte o princípio reitor de todo oDireito Penal, que é o da dignidade humana, adequando-o ao perfilconstitucional do Brasil e erigindo-o à categoria de Direito PenalDemocrático. Da dignidade humana, por sua vez, derivam outrosprincípios mais específicos, os quais propiciam um controle dequalidade do tipo penal, isto é, sobre o seu conteúdo, em inúmerassituações específicas da vida concreta. 17

Por fim, registre-se alguns julgados amparados no princípio da dignidade

humana:

a) habitação – “A habitação é elemento necessário da própriadignidade da pessoa humana, encontrando-se erigida emprincípio fundamental de nossa República” (STJ, Resp, 213.422-BA (199900406674), rel. Min. José Delgado).

b) Portador de Vírus HIV – “É possível o levantamento do FGTSpara fins de tratamento de portador do vírus HIV (...), pois não sepode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim considerá-lacom temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador,mormente perante o preceito maior insculpido na ConstituiçãoFederal garantidor do direito à saúde e a dignidade humana (STJ,Resp 249.026-PR, rel. Min. José Delgado).

c) Alienação Fiduciária em garantia – “Decreto de prisão civil dadevedora que deixou de pagar dívida bancária assumida com acompra de um automóvel-taxi, que se elevou em menos de 24meses, de R$ 18.700 para R$ 86.858,24, a exigir que o total daremuneração da devedora, pelo resto do tempo provável de vida,seja consumido com pagamento de juros. Ofensa ao princípio dadignidade da pessoa humana, aos dispositivos da LICC sobre ofim social da aplicação da lei e obediência aos bons costumes”(STJ, HC 12.547/DF, rel. Min Ruy Rosado de Aguiar). [...] 18

1.3 A Segurança como Direito Fundamental

O país, nas últimas décadas, em função de uma série de fatores, tem

presenciado uma escalada vertiginosa nos índices de acidente de trânsito. Ano após

ano, nada obstante o discurso de enfrentamento firme e, por vezes, obstinado das

17 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 12.18 BULOS, Uadi Lammêgo. op. cit. p. 82.

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autoridades e da sociedade, os números têm apontado para uma sensível e

perigosa agudização do problema.

De outro lado, a Constituição Federal de 1988, no caput do seu art.5°,

estabeleceu o seguinte:”Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade”.

Ao inserir a palavra segurança no referido artigo, o legislador

constitucional erigiu a segurança à condição de direito fundamental. Dito de outra

maneira, não se pode pensar em dignidade da pessoa humana sem o gozo efetivo

deste direito, a segurança. Nem se precisa dizer que esta segurança inclui também a

tutela da incolumidade pública no espaço relativo ao trânsito.

Neste sentido, o Código de Trânsito, Lei n° 9.503, de 23 de setembro de

1997, no seu art.1°, §2°, estabeleceu que:”O trânsito, em condições seguras, é um

direito de todos [...]”. Além disso, no seu art.28, ressalta a necessidade dos

motoristas atentarem para “a segurança do trânsito”.

É justamente nesse movimento de busca de segurança para o trânsito que

se pode inserir o tema aqui perseguido. Afinal de contas, como, se poderá constatar

pelas leituras seguintes, o laudo pericial se consubstancia num poderoso e eficaz

instrumento de que dispõe a Justiça para solucionar os problemas nascidos nos

acidentes de trânsito. E não apenas problemas de ordem técnica, mas, também,

como desdobramento, problemas de ordem social. Já que, como bem salientam

inúmeros autores de nomeada, a solução justa e eficaz da Justiça se traduz num

eficiente instrumento de pacificação social.

A insegurança no trânsito é um dado insofismável. Os números são

preocupantes. Acerca dos custos sociais destes acidentes – delitos –, Damásio de

Jesus registrou o seguinte:

O custo destes delitos é muito elevado. A cada ano registram-se:50.000 mortes em acidentes de trânsito; 11.000 mortes poratropelamento; 323.000 feridos, dos quais 193.000 com lesõescorporais permanentes. Custo dos acidentes nas rodovias federais: 5bilhões. Sem falar no seguro do veículo e de pessoas funcionalismopúblico, campanhas, custos operacionais etc. 19

19 JESUS, Damásio E. de. Crimes de trânsito: anotações à parte criminal do código de trânsito (Lei n.9.503, de 23 de setembro de 1997). 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 16.

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Portanto, o que busca proteger com a regulamentação do trânsito, antes

do patrimônio moral e material do indivíduo, são os valores sociais. Com efeito,

Heleno Cláudio Fragoso ressalta esta mesma dimensão, veja-se:

[...] um esquema conceitual, visando proporcionar uma soluçãotécnica de nossa questão; é o bem humano ou da vida social que seprocura preservar, cuja natureza e qualidade depende, sem dúvida,do sentido que a norma tem ou que a ela é atribuído, construindo, emqualquer caso, uma realidade contemplada pelo direito [...] 20

No próximo capítulo se analisará a disciplina do laudo pericial no Código de

Processo penal.

20 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 278.

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2. DISCIPLINA JURÍDICA

2.1 A Sistemática do CPP

Dentro da sistemática do Código de Processo Penal, a atividade do perito –

aquele habilitado técnica e juridicamente para elaborar perícias – se insere dentro do

capítulo das provas. É aí que se concentram as atividades destinadas à coleta de

elementos voltadas para a formação da convicção do juiz que, até então, encontra-

se no escuro. Ou, às vezes em situação mais complicada, pois, ao receber a petição

inicial é-lhe contada uma versão dos fatos, a do autor. Posteriormente, o réu, na

contestação da ação (quando houver), lhe apresenta uma nova versão. Pronto está

o juiz entre a “verdade” de um e do outro.

A coisa é mais complicada ainda quando se leva em consideração que às

vezes nem mesmo as partes envolvidas numa demanda jurídica têm real

consciência da “verdade” e, buscam a justiça, justamente na expectativa de que

obter uma solução para o impasse. Daí a importância do tema provas, via de

conseqüência das perícias, dentro do moderno processo penal, já que é através

delas que se poderá chegar a um resultado “verdadeiro”, “justo”, já que a prova

“destina-se à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o

deslinde da causa” 21. Mormente no atual Estádio jurídico-político brasileiro, qual

seja, o de um Estado Democrático de Direito que repudia a idéia da tortura os outros

consagrados “meios de prova” dos regimes ditatoriais. Antes de qualquer coisa,

portanto, a perícia representa também a garantia de um processo democrático.

Fernando Capez conceitua prova da seguinte maneira::

Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelojuiz (CPP, arts. 156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex.,peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca daexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação.

21 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 260.

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Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepçãoempregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade deuma alegação. 22

Avançando mais na questão das provas, vale ressaltar ainda, o na atual

sistemática do processo penal, em consonância com o princípio da verdade real que

o norteia, não se estabelecem limitações aos meios de prova. É o que se extrai da

redação dada pelo artigo 155, veja-se: “No juízo penal, somente quanto ao estado

das pessoas, serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil”.

Todavia, registre-se, a não existência de limitações aos meios de prova não

se consubstancia em regra absoluta. Com efeito, a Constituição Federal de 5 de

outubro de 1988, art. 5°, LVI, estabeleceu o seguinte:”são inadmissíveis, no

processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.23 Entre os meios ilícitos pode-se

citar, por exemplo, a confissão obtida mediante tortura, esta criminalizada pela Lei n°

9.455/97. Veja-se o art. 10 da referida lei:”Constitui crime realizar interceptação de

comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da

Justiça, sem autorização judicial [...]”. 24

Art. 1° Constitui crime de tortura:I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,causando-lhe sofrimento físico ou mental:a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítimaou de terceira pessoa; [...] 25

Outro exemplo de provas ilícitas consubstancia-se na captação de uma

conversa por meio do crime de interceptação telefônica prevista na Lei n. 9.296/96.

Com efeito, o art. 1° da referida lei estabelece:“

Além do princípio da verdade real, são também norteadores26 do capítulo

das provas os: a) princípio da auto-responsabilidade das partes; b) princípio da

audiência contraditória; d) princípio da aquisição ou comunhão da prova; e) princípio

da oralidade.

22 CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 26023 Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Edições Vértice, 2005. p. 24.24 SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE, Fabiano. Leis penais especiais anotadas.Campinas: Millenium, 2001. p. 288.25 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Crimes hediondos, tóxicos, terrorismo, tortura. 2 ed. São Paulo:Saraiva, 2002. p. 93.26 CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 276.

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Segundo o princípio da auto-responsabilidade das partes, são elas as

responsáveis pelas conseqüências advindas dos atos de prova. Assim, se não as

produzirem ou se ao produzi-las o fizerem com erros, são elas os únicos

responsáveis.

O princípio da audiência contraditória encontra seu lastro da Constituição

Federal, inc. LV :” aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e

recursos a ela inerentes”. 27

O princípio da aquisição ou comunhão da prova estabelece regra segundo a

qual a prova que vier a ser produzida passa a integrar o processo, irradiando seus

efeitos não apenas para aquele responsável por sua juntada aos autos, mas, sim,

para todas as partes.

Segundo o princípio da oralidade “deve haver a predominância da palavra

falada (depoimentos, debates, alegações); os depoimentos são orais, não podendo

haver a substituição por outros meios, como as declarações particulares”.28

Por princípio da concentração entenda-se a busca de concentrar a produção

das provas numa só audiência.

O princípio da publicidade encontra também sua sustentação no texto da

Constituição Federal, inc. LX, nos seguintes termos: “a lei só poderá restringir a

publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse

social o exigirem”. 29

Finalmente, o princípio do livre convencimento motivado “as provas não são

valoradas previamente pela legislação; logo, o julgador tem liberdade de apreciação,

limitado apenas aos fatos e circunstâncias constantes nos autos”. 30

2.2 Disciplina Jurídica da Perícia

O art.291, caput, do Código de Trânsito preceitua:

Art.291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores,previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do CódigoPenal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser

27 Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Edições Vértice, 2005. p. 24.28 CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 277.29 Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Edições Vértice, 2005. p. 24.30 CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 277.

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de modo diverso, bem como a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995,no que couber.

Por sua vez, conforme já assinalado acima, o Código de Processo Penal

disciplina as provas estabelecendo seus princípios norteadores, quais as suas

modalidades, bem como as maneiras pelas quais elas podem ser produzidas.

Devendo-se ressaltar que é proibida a produção de provas que violem as normas

legais ou princípios de natureza processual. A Constituição Federal, por exemplo,

em seu art.5°, LVI, dispõe:”são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por

meios ilícitos”.

Especial relevância probatória nos acidentes de trânsito – homicídio

culposo e lesões corporais culposas, por exemplo – adquire a perícia, já que tais

acidentes deixam vestígios, exigindo a realização do exame de corpo de delito.

Segundo Julio Fabbrini Mirabete, por corpo de delito entenda-se o

seguinte: ”conjunto de vestígios materiais deixados pela infração penal, a

materialidade do crime, aquilo que se vê, apalpa, sente, em suma, pode ser

examinado através dos sentidos”. 31

Com efeito, o art.158 do Código de Processo Penal fala na sua

indispensabilidade, veja-se:”Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o

exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo suprí-los a confissão do

acusado”. Segundo Fernando Capez: “Nesse caso, faltante o exame, enseja-se a

ocorrência de nulidade” 32. O corpo de delito não deve ser confundido com o exame

de corpo de delito, que se refere à atividade realizada pelos peritos para a

comprovação dos vestígios materiais deixados pela infração.

O exame de corpo de delito pode ser direto ou indireto. O direito é

efetuado sobre o objeto do delito e o indireto é aquele realizado a partir de

informações prestadas por testemunhas. Às vezes tal exame fica impossibilitado de

ser realizado, como nas infrações que não deixam vestígios ou naquelas em que

esses desaparecem. Somente nestas hipóteses, o exame pode ser dispensado e

substituído por um exame indireto, que em regra é realizado por meio de oitiva de

testemunhas.

Registre-se, ainda, que o exame de corpo de delito poderá ser feito em

qualquer dia e a qualquer hora, sendo aconselhável realizá-lo logo que a autoridade

31 MIRABETE, Julio Fabbrini. op. cit. p. 217.32 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 294.

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tenha conhecimento da infração. Obviamente, será mais precisa a perícia se

realizada próxima da consumação do delito. A única exceção existe em relação ao

exame necroscópico, que deve ser realizado pelo menos seis horas depois do óbito,

salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feito

antes daquele prazo, o que declararão no auto (art. 162 do Código de Processo

Penal). Na hipótese de lesão corporal grave em razão da incapacidade da vítima

para as ocupações habituais por mais de 30 dias, deverá ser realizado um outro

exame, chamado de complementar, após o trigésimo dia (art. 129, § 1°, I, do Código

Penal e art. 168, § 2°, do Código de Processo Penal). Veja-se:

Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sidoincompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinaçãoda autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento doMinistério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.§ 1° No exame complementar, os peritos terão presente o auto decorpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou ratificá-lo.§ 2° Se p exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art.129, § 1°, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra oprazo de 30 (trinta) dias, contado da data do crime.§ 3° A falta de exame complementar poderá ser suprida pela provatestemunhal.

Por fim, ressalte-se que os peritos, como sujeitos auxiliares da Justiça,

também são passíveis de suspeição.

No magistério do professor Julio Fabbrini Mirabete, pode-se encontrar a

seguinte lição:

Deixando o crime vestígios materiais (delicta facti permanentis), éindispensável o exame de corpo de delito direto, elaborado porperitos para se comprovar a materialidade do crime, sob pena denulidade. O exame destina-se à comprovação, por perícia, doselementos objetivos do tipo, que diz respeito, principalmente, aoevento produzido pela conduta delituosa, ou seja, do resultado, deque depende a existência do crime [...] 33

Outro não tem sido o entendimento dos Tribunais pátrios, veja-se:

STF:”Habeas Corpus. Estelionato. Ausência de exame de corpo dedelito nos documentos falsificados para obtenção da vantagem

33 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 416.

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indevida. Nulidade. Indispensabilidade da diligência nos crimes quedeixam vestígios, enquanto estes existirem (art.158). Princípio daverdade real. Ordem concedida para anular as decisões da justiçaestadual, devendo ser proferida nova sentença após a realização doexame pericial” (RT 672/388).

STJ: “Se a imputação concerne a falso material, com os documentostidos como falsificados estando encartado nos autos, impõe-se oexame de corpo de delito, nos termos do art.158, do CPP. Ainobservância da formalidade induz nulidade absoluta (arts.564, III, b,e 572, do CPP” (RSTJ 32/277).

TJSC: “Tratando-se de infração que deixou vestígios materiais, nãose comprovando tenham os mesmos desaparecido, seráindispensável o exame de corpo de delito, não se admitindo aconfissão do acusado nem a prova testemunhal. Admite-se o examede corpo de delito indireto (art.167, do CPP), quando os vestígiostenham desaparecido e a prova testemunhal seja uniforme ecategórica, de forma a excluir qualquer possibilidade de dúvidaquanto à existência dos vestígios” (JCAT 69/453). 34

Do exposto acima, pode-se perfeitamente ter uma idéia da importância

do laudo pericial na consecução dos fins a que se propõe o processo penal. Ora, se

o processo tem por último escopo encontrar a verdade dos fatos, e, se a verdade

dos fatos apreciados pelo Juiz, está subordinada às provas, por óbvio, o laudo

pericial realiza função que transcende à importância técnica e ganha expressão de

eminente relevo social.

Por perícia, Rogério Lauria Tucci compreende o seguinte:

Em síntese, prova pericial, ou perícia, consiste na modalidade deprova em que a pessoa especializada é instada à colheita deelementos instrutórios, cuja percepção depende de conhecimentostécnicos, científicos ou artísticos. 35

Segundo Ranvier Feitosa Aragão:

A perícia é um processo técnico-comportamental, cientificamentesistemático na revelação da prova da qual emanam as percepções eas conclusões dos fatos produtores do inteligente convencimentopericial, cuja finalidade precípua é a formulação de juízos técnico-científicos que, valorados juridicamente, devem levar aoconvencimento do juiz no seu livre julgamento. 36

34 MIRABETE, Julio Fabbrini. op. cit. p. 416.35 TUCCI, Rogério Lauria apud ARAGÃO, Ranvier Feitosa. Acidentes de trânsito: aspectos técnicos e jurídicos.3 ed. Campinas: Millenium, 2003. p. 30.36 ARAGÃO, Ranvier Feitosa. op. cit. p. 30.

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São realizadas as perícias ou na fase administrativa da persecução penal

(inquérito policial), ou na fase judicial e sempre por dois peritos oficiais com

conhecimento técnico e específico sobre determinado assunto, e, conforme já

assinalado acima, serão realizadas obrigatoriamente, sob pena de nulidade, se a

infração deixar vestígios, não podendo supri-la a confissão do acusado.

Caso não existam peritos oficiais, o exame poderá ser realizado por duas

pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, escolhidas, de

preferência, entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do

exame exigido para o caso. Tais peritos obrigar-se-ão a prestar compromisso de

bem e fielmente desempenhar o encargo. Veja-se o art.159:

Art.159. Os exames de corpo de delito e as outras perícias serãofeitos por dois peritos oficiais.§ 1° Não havendo peritos oficiais, o exame será realizado por duaspessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior,escolhidas, de preferência, entre as que tiverem habilitação técnicarelacionada à natureza do exame.§ 2° Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem efielmente desempenhar o encargo.

É indispensável que a perícia seja realizada por dois peritos, havendo,

inclusive Súmula n° 361 do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, com o

seguinte teor: “no processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito,

considerando-se impedido o que tiver funcionado anteriormente na diligência de

apreensão”.

Via de regra, os peritos são nomeados pelo próprio juiz que preside a

instrução do processo. Entretanto, no exame determinado por carta precatória, a

nomeação dos peritos far-se-á no juízo deprecado. Todavia, se houver, no caso de

ação penal privada, acordo entre as partes, essa nomeação poderá ser feita pelo

juízo deprecante, conforme autoriza o art. 177 do Código de Processo Penal, Após a

análise dos peritos – tanto oficiais como não oficiais, será elaborado, no prazo

máximo de 10 dias – podendo haver prorrogação, em casos excepcionais, a

requerimento do perito, art. 160 do Código de Processo Penal – um laudo contendo

minuciosa descrição acerca de tudo o que foi examinado, bem como respostas aos

quesitos formulados.

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Existem dois sistemas de apreciação do laudo pericial: vinculatório e

liberatório. No primeiro caso, o juiz está obrigado a acolher as conclusões trazidas

ao processo pelo laudo pericial, daí a expressão vinculado, já que se trata de uma

vinculação ao laudo. No segundo caso, as conclusões esposadas no laudo pericial

não vinculam a decisão do juiz, já que este pode rejeitá-lo no todo ou em parte e

desde que haja a respectiva fundamentação. O art. 182 do Código de Processo

Penal adotou o sistema liberatório. Cite-se: “O Juiz não ficará adstrito ao laudo,

podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”. Assim a jurisprudência de

alguns tribunais: Veja-se:

STJ: O magistrado não fica vinculado ao laudo pericial médicoapresentado, podendo apreciar livremente o conjunto probatório, naformação da sua convicção (RSTJ 65/194).

TJRS: A rejeição do laudo pericial encontra amparo no art. 182 da leipenal adjetiva, que se ajusta ao sistema do livre convencimento,enunciado no art. 157 do mesmo diploma e pelo qual não está o juizsubmisso a critérios valorativos e apriorísticos da prova, sendo livrena sua escolha e aceitação.

Todavia, há que se ressaltar que a enorme precisão desse tipo de prova, há

casos que não podem mesmo ser levados adiante sem a sua confecção, tem, na

prática exigido uma decisão lastreada em seus elementos. Assim, por estar

superado o modelo do Estado-autoritário, muito embora não esteja adstrito ao laudo

pericial e possa, por isso, do conjunto do material probatório colher elementos que

formem um convencimento que inclusive contrarie o que foi extraído do laudo

pericial, faz-se necessário que o juiz motive a sua escolha, que, na sentença decline

as razões que o levaram a optar por essa prova e a recusar as conclusões colhidas

junto à perícia.

É o art. 93, IX da Constituição Federal que declara:

[...] todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serãopúblicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena denulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, àspróprias partes e a seus advogados [...] (grifo nosso)

Além do dispositivo constitucional que obriga à motivação das decisões, a

manobra processual de desconsiderar prova pericial, pode, sem o amparo de uma

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motivação, constituir-se também em flagrante e injusta violação do art. 5°, LV da

Constituição Federal, que assegura aos acusados o contraditório e a ampla defesa:

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são

assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela

inerentes”.

Tão importante tem sido a prova pericial em alguns casos específicos que a

jurisprudência de alguns tribunais pátrios tem sido construída no sentido da

exigibilidade de exames periciais. Veja-se:

TJSP: Não há dúvida de que o julgador não está adstrito àscondições periciais, podendo delas divergir. Contudo, para que talocorra é necessário e imprescindível que motive fundamentalmente asua divergência, demonstrando o erro, a imprecisão e a incoerênciado laudo. Isso porque o livre convencimento não significa arbítrio quese leve a prolatar uma sentença em inteiro desacordo com a provatécnica não invalidada por qualquer outro elemento probatório (RT474/292).

JCCB.159 RESPONSABILIDADE CIVIL - ERRO MÉDICO - NÃO-COMPROVAÇÃO DO ERRO PELO LAUDO PERICIAL -IMPOSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADEOBJETIVA - INEXISTÊNCIA - 1. Impossibilidade de indenizaçãopor erro médico não comprovado pelo laudo pericial.Inexistência de culpa. Excluída a responsabilidade objetiva, poiso ato praticado não foi causa determinante do resultado eporque não houve dano. 2. Apelação improvida. (TRF 4ª R. - AC97.04.13615-3 - RS - 4ª T. - Rel. Juiz José Germano da Silva - DJU23.06.1999 - p. 888) (negritei e grifei)

PROVA - Ação de indenização frente a hospital por erro médico -Necessidade de prova pericial - Recurso a que se dá provimentopara que seja produzida. (TJSP - AI 113.097-4 - São João da BoaVista - 1ª CDPriv - Rel. Juiz Luís de Macedo - 09.11.1999 - v.u.)(negritei e grifei)

RESPONSABILIDADE CIVIL DE ESTABELECIMENTOHOSPITALAR - RESPONSABILIDADE CIVIL DE MÉDICO - ERROMÉDICO - PROVA PERICIAL - NEXO DE CAUSALIDADE -INEXISTÊNCIA - AUSÊNCIA DE CULPA - APELAÇÃO -REPARAÇÃO DE DANOS - ERRO MÉDICO - PROVA PERICIAL -AUSÊNCIA DE CULPA - Não é possível responsabilizar oprofissional da medicina pelo cometimento de erro médico, se aprova pericial produzida afasta a existência de nexo causal entre acirurgia a que a apelante foi submetida e as seqüelas de cujopadecimento a mesma se queixa. Por via de conseqüência, senenhuma falha técnica foi constatada na conduta do médico quetratou da paciente, com mais razão ainda, há de ser afastada

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qualquer responsabilidade da instituição oficial de assistênciamédica, que não contribuiu de qualquer forma para o sofrimentoda autora. Apelação a que se nega provimento. (TJRJ - AC5222/96 - Reg. 270697 - Cód. 96.001.05222 - Capital - 10ª C.Cív. -Rel. Des. Afrânio Sayão - J. 13.051997)

Ressalte-se, ainda, que as questões acima levantadas não são relevantes

apenas para o âmbito do Direito Penal, onde serão apuradas as conseqüências

penas do acidente de trânsito, mas também no âmbito civil, onde poderão ser

apuradas as respectivas indenizações morais e materiais.

Pois bem, no âmbito do direito privado o panorama acima retratado

praticamente se repete. Com efeito, o art.131 do CPC, que contemplou o sistema do

convencimento racional ou motivado do magistrado, estabelece que o juiz é livre

para apreciar a prova, podendo se valer de um espécie para desatar o processo,

desprezando uma outra que se revele imprestável para o esclarecimento dos fatos

controvertidos. Veja-se:

Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos ecircunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelaspartes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lheformaram o convencimento.

O artigo acima transcrito declara, no âmbito do Direito Civil, o princípio do

livre convencimento e, entre outras letras, prevê que o juiz é livre na apreciação da

prova, podendo se valer de uma espécie para desatar o processo, desprezando uma

outra que se revele imprestável para o esclarecimento dos fatos controvertidos.

Repise-se, todavia, que este poder conferido ao magistrado não é ilimitado,

já que a Constituição Federal exige que toda a decisão judicial seja fundamentada,

de modo que ao juiz é imposto o dever de motivar o pronunciamento que valoriza

determinadas provas, desprestigiando outras espécies.

Dispõe o dispositivo que o juiz, para formar seu convencimento e proferir

decisão, não está livre de forma absoluta. Pois, se o Código de Processo Civil, por

um lado, lhe confere liberdade, por outro, delimita a extensão dessa liberdade.

Assim, o juiz , para chegar às suas conclusões e decidir a causa pode, livremente,

interpretar fatos e circunstâncias, porém desde que constante de provas existentes

nos autos, nunca se valendo de informações e conhecimentos que estejam fora dos

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autos. Justamente por isso, o mesmo Código exige, no artigo 458, que a sentença

seja fundamentada, isto é, que conste dela a fonte de onde o juiz tirou as suas

deduções, porquanto tais fontes não podem ser outras senão as provas constantes

dos autos do processo.

Nem por isso, todavia, pode-se dizer que a liberdade concedida ao juiz seja

letra morta, porque, na verdade, essa liberdade existe, inclusive facultando que as

conclusões do juiz se fundem em fatos e circunstâncias não alegados pelas partes,

mas desde que constante dos autos.

Existe, portanto a liberdade, porém não absoluta, e a limitação imposta pelo

Código de Processo Civil é sobremaneira salutar e democrática, pois se ao juiz fosse

conferida a faculdade de, discricionariamente, formar o seu convencimento, seria

implantar-se a tirania judiciária, com a negação e a ineficácia de todo o direito de

defesa.

Desde que os fatos e circunstâncias constem da prova existente no

processo, o juiz pode, livremente, valer-se deles para tirar as suas conclusões, ainda

que não tenham sido alegadas pelas partes, mas fundamentando a sua decisão e

apontando, na sentença, as fontes em que se baseou. De outra forma, isto é, se o

juiz pudesse valer-se de fatos e conhecimentos oriundos de acontecimentos extra-

autos, a sua função deixaria de ser a de julgador. Seria mera testemunha.

A limitação imposta ao livre convencimento do juiz não se restringe, porém,

ao estatuído no art. 131, de só se poder valer das provas dos autos para proferir a

sua decisão. Outras restrições há no Código, como, por exemplo, a constante do art.

366, onde está disposto que não prevalecerá aquela liberdade de interpretação

quando a lei considerar determinada forma como substância do ato. Assim, por

exemplo, numa demanda em que se discute a propriedade de um imóvel, não pode

o juiz, por maiores provas que existirem em contrário, deixar de reconhecer o

domínio em favor daquele que possua uma escritura devidamente formalizada, para

reconhecê-lo em favor de quem somente apresentou prova testemunhal, mesmo que

essa prova seja em grande quantidade e produzida por pessoas do mais alto

conceito, uma vez que, pelo Código Civil, a propriedade se prova por um dos

documentos hábeis para esse fim, como a escritura.

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3. O LAUDO PERICIAL NOS CRIMES DE TRÂNSITO

3.1 Considerações iniciais

O exame pericial se insere dentro de um contexto maior jurídico que é o do

Direito Penal e do Direito Processual. É aí que são dados os nortes da matéria.

Segundo Fernando Capez:

O Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém afunção de selecionar os comportamentos humanos mais graves eperniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valoresfundamentais para a convivência social, e descrevê-los comoinfrações penais, cominando-lhes, em conseqüência, as respectivassanções [...] 37

Mais adiante, o referido autor considerou o seguinte:

A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais parasubsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade,a propriedade etc., denominados bens jurídicos. Essa proteção éexercida não apenas pela intimidação coletiva, mais conhecida comoprevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aosprováveis infratores do risco da sanção penal, mas sobretudo pelacelebração de compromissos éticos entre o Estado e o indivíduo,pelos quais se consiga o respeito às normas, menos por receio depunição e mais pela convicção da sua necessidade e justiça. 38

O exame pericial aumenta a precisão do Direito Penal. Nesse sentido, pode-

se dizer que realiza não só a função de ampliar o poder intimidatório do Direito

Penal, como também acaba por fortalecer os laços de confiança entre o cidadão e o

Estado.

Todavia, não se deve olvidar de que a prevenção punitiva-intimidatória

aplicada de forma isolada, desacompanhada de outras políticas públicas, tem

demonstrado perceptíveis sinais de fracasso. Nesse sentido é preciso investir

também em outras formas de prevenção social, como, por exemplo, estudos

37 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1.38 CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 1.

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referentes à própria dinâmica social dos acidentes a) o comportamento do motorista

e do pedestre; b) as condições de segurança da via e do veículo. O que, no Brasil,

segundo Letícia Marin e Marcos S. Queiroz, ainda é pouco significativo. Veja-se:

Os estudos sobre acidentes de trânsito (AT) no Brasil são escassos,as ações de prevenção e controle estão apenas iniciando e pouco seconhece a respeito do comportamento do motorista e do pedestre,das condições de segurança das vias e veículos, da engenharia detráfego, dos custos humanos e ambientais do uso de veículosmotorizados e das conseqüências traumáticas resultantes dos AT.Este artigo pretende dimensionar os trabalhos mais relevantes sobreesse tema, em nível nacional e internacional, visando contribuir parao desenvolvimento dessa área de estudo. 39

Talvez uma de significativa importância seja a da educação da população.

Na verdade, o próprio Código de Trânsito estabeleceu dispositivos que cuidam do

assunto educação. Veja-se;

Art.74. A educação para o trânsito é direito de todos e constitui deverprioritário para os componentes do Sistema Nacional de Trânsito.§ 1°. É obrigatória a existência de coordenação educacional em cadaórgão ou entidade componente do Sistema Nacional de Trânsito.§ 2°. Os órgãos ou entidades executivos de trânsito deverãopromover, dentro de sua estrutura organizacional ou medianteconvênio, o funcionamento de Escolas Públicas de Trânsito, nosmoldes e padrões estabelecidos pelo COTRAN. [...]

Art. 76. A educação para o trânsito será promovida na pré-escola enas escolas de 1°, 2° e 3° graus, por meio de planejamento e açõescoordenadas entre órgãos e entidades do Sistema Nacional deTrânsito e de Educação, da União, dos Estados, do Distrito Federal edos Municípios, nas respectivas áreas de atuação.

Parágrafo único. Para a finalidade prevista neste artigo, o Ministérioda Educação e do Desporto, mediante proposta do COTRAN e doConselho de Reitores das Universidades Brasileiras, diretamente oumediante convênio promoverá:I – a adoção, em todos os níveis de ensino, de um currículointerdisciplinar com conteúdo programático sobre segurança detrânsito;II – a adoção de conteúdos relativos à educação para o trânsito nasescolas de formação para o magistério e o treinamento deprofessores e multiplicadoes;III – a criação de corpos técnicos interprofissionais paralevantamentos e análises de dados estatísticos relativos ao trânsito;

39 MARIN, Letícia e QUEIROZ, Marcos S. A atualidade dos acidentes de trânsito na era da velocidade: umavisão geral. Cad. Saúde Pública. [online]. jan./mar. 2000, vol.16, no.1 [citado 22 Março 2006], p.7-21.Disponível na World Wide Web:

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IV – a elaboração de planos de redução de acidentes de trânsito,com vistas à integração universidades-sociedade na área de trânsito.

Com estas considerações passa-se a análise dos crimes em espécie

previstos no Código de Trânsito e suas relações com a perícia.

3.2 Do homicídio culposo

O crime de homicídio reflete a conduta daquele que suprime o processo vital

de alguém de forma artificial. Nesse tipo penal, dá-se ataque ao direito à vida que se

consubstancia no direito de não ter o processo vital interrompido senão pela morte

espontânea e inevitável40. Na modalidade culposa, advém não da vontade de

produzir ou de assumir o risco de produzir o resultado41 morte, mas, sim, de uma

conduta que, por ser imprudente, negligente ou imperita42, acaba por levar à

supressão da vida de outrem.

De vital importância registrar que parte substancial das causas que têm

levado a acidentes de trânsito, mais especificamente 80%43, são proveniente de erro

humano. Erros que derivam de condutas negligentes (falta de atenção ao trânsito),

imprudentes (falta de cuidado no trânsito) ou imperitas (falta de habilitação para o

trânsito). Cite-se:

Imperícia, na condução do veículo, na avaliação dos sinais, dasdistâncias, da potências dos veículos na via, da capacidade defrenagem, na subestimação da velocidade e dos resultados de umacolisãoImprudência, na ingestão de bebida alcoólica em excesso, antes dedirigir, na fadiga produzida por dirigir demasiadamente ou sob efeitode substâncias alucinógenas, nas ultrapassagens proibidas (maiorcausa nas rodovias, no abuso da velocidade, na falta de condiçõesdo veículo, no desrespeito à sinalização.Negligência, na falta de cuidados no dirigir, olvidando-se que se estádiante de uma arma carregada, sem que se tenham os cuidados quenormalmente se teria se de fato estivesse com um revólver às mãos,cruzando-se em sentido contrário a outros veículos, igualmente emvelocidade, como bólides, sem se perceber que a vítima pode ser opróprio motorista, ele mesmo.

40 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Curso de direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 56.41 FÜHRER, Maximilianus Cláudio; FÜHRER, Maxiliano Roberto Ernesto. Resumo de direito penal. 20 ed. SãoPaulo: Malheiros Editores, 2002. p. 33.42 JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 52.43 CARNEIRO, Joseval. Comentários ao código de trânsito brasileiro: comentários, doutrina, jurisprudência,tabelas e cálculos, gráficos com as normas gerais de circulação. São Paulo: LTr, 1998. p. 18.

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Basicamente estas as causas dos acidentes. 44

No Código de Trânsito, art. 302, encontra-se descrito da seguinte maneira:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibiçãode se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículoautomotor.

Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção deveículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se oagente:I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;II – praticá-lo em faixa de pedestre ou na calçada;III – deixar de prestar socorro, quando possível faze-lo sem riscopessoal, à vítima do acidente;IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindoveículo de transporte de passageiros.

O dispositivo em tela traz pena de detenção de dois a quatro anos.

Conforme magistério de Luiz Regis Prado “A pena é a mais importante das

conseqüências jurídicas do delito”. 45 Ocorre que, na esperança de aumentar o efeito

preventivo geral, desestimulador do evento lesivo fatal, o legislador elevou os limites

mínimo e máximo da pena do homicídio culposo previsto no Código Penal, art. 121,

§ 3°, que é de detenção de um a três anos, para detenção de dois a quatro anos.

Além disso, do aumento da pena em abstrato, estabeleceu conjuntamente a

previsão de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para

dirigir veículo automotor. Situações que ainda poderão ser majoradas de um terço

até a metade em face da incidência de uma das hipóteses previstas no parágrafo

único.

Desta forma, o homicídio culposo previsto no Código de Trânsito Brasileiro

passa a dividir espaço no cenário penal com seu similar o homicídio culposo com

previsão no art. 121, § 3° do Código Penal. Neste diploma, a pena é de um a três

anos de detenção, também por imprudência, negligência e imperícia. Nessa hipótese

o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o

próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária,

perdão judicial.

44 CARNEIRO, Joseval. op. cit. p. 19.45 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2000. p. 341.

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Esta modalidade de homicídio culposo pode ter a pena aumentada de 1/3,

se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou

se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as

conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante.

Todavia, pouco ou nenhum efeito pode ser esperado daí se não se punir

realmente o eventual infrator. Aliás, a punição sem presteza e celeridade, na

verdade, produz justamente um efeito contrário ao que se espera com a aplicação

da pena. Punir tardiamente ou, o que é pior, punir injustamente pode trazer

conseqüências dramáticas para a sociedade. De um lado a não punição ou a

punição tardia reforça o ânimo de cometer crimes tanto daqueles que já os

praticaram como daqueles que apenas imaginam em praticá-los. De outro lado, a

punição injusta revolta a sociedade sendo que esta, ao invés de ver a Justiça como

uma aliada, passa a enxergar e a encontrar nela uma fonte de inúmeros e temerosos

sentimentos. Assim, para produzir seus efeitos esperados, a de prevenir o crime,

bem como a de ressocializar o condenado é necessário rapidez e precisão.

É justamente neste espaço que ganha relevância a realização do exame

pericial, já que, de forma especial no acidente de trânsito, é ele que conseguirá

compor um panorama probatório suficientemente robusto para fazer frente à

complexidade dos fatos. Obviamente que nem todas as vítimas fatais em acidentes

de trânsito decorrem de homicídio culposo, todavia, pode-se ter uma idéia da

freqüência deste tipo penal veja-se abaixo um quadro de estatística fornecido pela

Polícia Rodoviária Federal e que tem por objeto de estudos os acidentes de trânsito

ocorridos nas rodovias federais. Cite-se:

Estatística de Acidentes de Trânsito nas Rodovias Federais do país 1998 - 2002

Fonte: Polícia Rodoviária Federal

Resumo 1998 1999 Variação98/99 2000 Variação

99/00 2001 Variação00/01 2002 Variação

01/02Vítimasfatais 6.801 6.588 -3,13% 6.543 -0,68% 5.710 -12,73% 6.176 8,16%

Condutores 2.963 2.955 -0,27% 2.936 -0,64% 2.397 -18,36% 2.595 8,26%Passageiros 2.153 2.103 -2,32% 2.095 -0,38% 1.744 -16,75% 1.892 8,49%

Pedestre 1.685 1.530 -9,20% 1.512 -1,18% 1.298 -14,15% 1.317 1,46%Vítimasnão fatais 60.358 61.763 2,33% 60.536 -1,99% 58.107 -4,01% 59.615 2,60%

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A doutrina classifica o homicídio como crime material. Trata-se de figura

delitiva que só se consuma com a produção de um resultado natural, crime que

deixa vestígios. Tal resultado natural, seus vestígios, de outro lado, conforme já

verificado em outro momento deste trabalho, torna obrigatório o exame de corpo de

delito que se consubstancia no meio hábil para a constatação da materialidade do

delito. Vale ressaltar que, segundo o Código de Processo Penal, tal exame não pode

ser substituído nem mesmo pela confissão do acusado.

Ressalte-se, ainda, que, conforme já dito anteriormente, o Código de

Processo Penal prevê a realização de duas espécies de exame de corpo de delito a)

exame de corpo de delito direto; exame de corpo de delito indireto.

O exame de corpo delito direto é de realização obrigatória nos crimes que

deixam vestígios, como é o caso da figura delitiva que ora segue sendo estudada.

Sendo que este realiza-se mediante inspeção e necrópsia no cadáver, na busca da

causa mortis, bem como o exame pericial do local do acidente, este buscando

identificar os fatores que condicionaram a sua ocorrência.

Segundo Osvaldo Negrini Neto, o objetivo do exame pericial no acidente de

trânsito é de, a partir de um determinado efeito conhecido, identificar as causas

desconhecidas. Veja-se :

O principal objetivo da perícia de acidentes de trânsito é estabelecera causa, as causas, do acidente. Todos os passos anteriores, desdeo levantamento do local, têm por objetivo final esta questão. [...]Para os nossos objetivos, entederemos como causa todo ato, ouconduta, que produziu um determinado efeito sem a qual este nãoteria ocorrido. 46

Para Joseval Carneiro é de extrema complexidade a atividade pericial, já que

cada acidente traz um panorama probatório singular que para ser devidamente

perscrutado exige inclusive um certo feeling do profissional. Cite-se:

No local do acidente examina-se a via, seu pavimento, suasinalização, largura. Verificam-se os veículos. A situação antes doacidente, durante o acidente e pós acidente, estabelecendo-se oponto de aproximação, o ponto de colisão ou de impacto, a sede dos

46 NEGRINI NETO, Osvaldo. Dinâmica dos acidentes de trânsito: análises e reconstituições. Campinas:Millenium, 2003. p. 149.

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danos e a posição de repouso ou final. Examinam-se as condiçõesde estática e dinâmica do acidente. Verifica-se a extensão dosdanos, diretamente ou por fotografias apensadas aos autos. Estima-se a velocidade provável, pela extensão dos danos, à falta demedições outras de frenagem, posição de impacto, desbordamento eposição final, confrontando-se com a sinalização e suas restrições.São vários os fatores a considerar. O perito não pode resumir-seao visum et repertum, ou seja, ver e dizer. Há que sentir (feeling)o acidente em seus meandros. 47 (negrito nosso)

Tamanha é a importância da prova pericial em matéria de acidentes de

trânsito, que o extinto Tribunal de Alçada do Paraná já decidiu: “Tratando-se de

indenização por ato ilícito, resultante de acidente de trânsito, até prova em contrário

prevalecem as conclusões do laudo técnico”. 48

De resto, acerca da importância do laudo pericial, veja-se o comentário de

Ranvier Feitosa Aragão:

Destacando a sua ascendência sobre as demais provas, eminentesexperts lecionam que, em face dos recursos técnicos, científicos eartísticos cada vez mais amplos de que dispõe o perito, o laudopericial é sem dúvida um excepcional meio de prova e, se nemsempre aponta o delinquente, na maioria das vezes esclarece o fato,proporcionando ao Juiz garantias para uma segura e conscienteconvicção. 49

3.3 Dos outros crimes

Na Exposição de Motivos do Código Penal, a figura delitiva da lesão corporal

encontra-se “definido como ofensa à integridade corporal ou saúde, isto é, como

todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do

ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental”. 50

A lesão corporal viola a incolumidade física da vítima. Desde que as lesões

produzidas no acidente de trânsito não levem a um resultado fatal, isto é, à morte,

esta-se em face de uma lesão corporal que, se não pretendida direta ou

indiretamente pelo autor, constitui-se em culposa.

47 CARNEIRO, Joseval. op. cit. p. 23.48 CARNEIRO, Joseval. op. cit. p. 243.49 ARAGÃO, Ranvier Feitosa. Acidentes de trânsito: aspectos técnicos e jurídicos. 3 ed. Campinas: Millenium,2003. p. 361.50 Código Penal. São Paulo: Rideel, 1995.

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Trata-se também de figura delitiva que se consuma por resultados concretos,

que deixam vestígios e que, portanto, exigem a confecção de exame pericial.

No Código de Trânsito, a lesão corporal culposa se encontra descrita no art.

303, nos seguintes termos:

Art. 303 Praticar lesão corporal culposa na direção de veículoautomotor:Penas – detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ouproibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículoautomotor.Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço à metade, seocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior.

O quadro estatístico citado acima registra, nas rodovias federais brasileiras,

entre os anos de 1998 e 2002, um total de 243.570 vítimas não fatais de acidentes

de trânsito, sendo que para o ano de 1998 60.358; 1999 61.763; 2000 60.536; 2001

1.298; 2002 59.615. Não sendo fatais trata-se lesões corporais.

É imperioso verificar que à lesão insignificante aplica-se o princípio da

insignificância, não sendo, portanto, punível o ato. A equimose, rouxidão sob a pele,

e o hematoma, equimose com inchaço, constituem lesão corporal. Na hipótese de

lesão corporal culposa – acidente causado por excesso imprudente de velocidade –

a graduação das lesões não será considerada, mesmo que tenha conseqüências

graves. No caso, são consideradas lesões corporais culposas.

As lesões corporais leves e as culposas, a seu turno, pela regra do art. 88 da

Lei 9.099/1995, Juizados Especiais, procedem mediante representação, ação penal

pública condicionada a representação

Outro dos crimes em espécie previsto no Código de Trânsito é aquele que,

no art. 306, disciplina a conduta daquele que dirige sob efeito de álcool ou

substância de efeito análogo. Cite-se:

Art. 306 Conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência deálcool ou de substância de efeitos análogos, expondo a danopotencial a incolumidade de outrem.Penas – detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ouproibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículoautomotor.

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Letícia Marín e Marcos S. Queiroz informam que o álcool está intimamente

relacionado com acidentes de trânsito. Cite-se:

Várias pesquisas apontam uma forte relação entre a ingestão deálcool e AT. Há estudos que observam que concentrações de50mg/100ml de álcool no sangue podem provocar inaptidão para acondução de veículos (OMS, 1984). Exames post-mortem de rotinaem acidentados de trânsito observam que uma percentagemimportante dos motoristas mortos apresentam alcoolemia elevada.Em vários países, o álcool é responsável por 30% a 50% dosacidentes graves e fatais (OMS, 1984), o que é corroborado pelosdados do CDC (1993), os quais apontam presença de álcool em 50%de AT fatais e graves. Em contraste, o álcool só está presente em15% dos acidentes sem lesão (CDC, 1993). 51

Mais adiante, os mesmos autores continuam:

Em 1993, no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual deCampinas, estudo realizado com cem doentes traumatizadosescolhidos aleatoriamente para realização de etanolemia observouque 36 estavam alcoolizados, sendo a maioria jovens de 15 a 35anos, e, entre estes, vinte tiveram acidente automobilístico(Mantovani et al., 1995).

Registre-se que também na figura delitiva da condução de veículo automotor

em via pública, sob o efeito de álcool ou de substância de efeito análogo, também

tem sido exigido o exame de constatação de embriagues.

Aqui há uma questão interessante a ser discutida que a do confronto que se

estabelece entre a necessidade de preservação da ordem pública em face dos

direitos subjetivos públicos dos motoristas. É que muito embora exista o tipo penal

dirigir embriagado a sua efetividade esbarra na necessidade de prova pericial.

Poderia, nesse caso, o motorista ser obrigado fisicamente a realizar o exame de

dosagem de álcool? A resposta não é fácil, pois, se por um lado existe o tipo penal,

de outro, existe também um princípio geral de direito consagrado que é o garantir o

acusado o a possibilidade de não fazer prova contra si mesmo. Ora se ninguém, em

matéria de direito, é obrigado a fazer prova contra si mesmo como se pode obrigar o

motorista suspeito de direção alcoólica a fazer um exame pericial que, em última

análise, será usado contra ele mesmo num processo.

51 MARIN, Letícia e QUEIROZ, Marcos S. A atualidade dos acidentes de trânsito na era da velocidade: umavisão geral. Cad. Saúde Pública. [online]. jan./mar. 2000, vol.16, no.1 [citado 22 Março 2006], p.7-21.Disponível na World Wide Web:

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Figura curiosa que foi inserida no art. 312 do Código de Trânsito e que diz

respeito à obrigação de, por parte dos envolvidos no acidente, ou de qualquer

pessoa que tenha interesse indireto no acidente, conservar intacto o conjunto fático

que compõe a cena material do acidente. Cite-se:

Art. 312 Inovar artificiosamente, em caso de acidente automobilístico,com vítima, na pendência do respectivo procedimento policialpreparatório, inquérito policial ou processo penal o estado de lugar,de coisa ou de pessoa, a fim de induzir a erro o agente policial, operito, ou juízo:Pena – detenção, de seis meses a um ano, ou multa.Parágrafo único. Aplica-se o dispositivo neste artigo, ainda que nãoiniciados, quando da inovação, o procedimento preparatório, oinquérito ou processo, aos quais se refere.

Note-se, portanto, que, no caso de acidentes automobilísticos com vítima, a

alteração dos vestígios materiais com a finalidade de induzir perito a erro constitui

crime.

Destarte, o legislador, sabiamente, elevou o conjunto do material probatório

decorrente de um acidente de trânsito à condição de bem jurídico a ser tutelado pelo

Direito Penal. O Direito Penal, argumenta a doutrina, constitui aquele ramo do Direito

Público destinado a tutelar os bens mais relevantes do corpo social. Cite-se:

O Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém afunção de selecionar os comportamentos humanos mais graves eperniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valoresfundamentais para a convivência social, e descrevê-los comoinfrações penais [...] 52

No mesmo sentido Luiz Flávio Gomes. Veja-se:

[...] do ponto de vista social (dinâmico) o Direito penal é um dosinstrumentos do controle social formal por meio do qual o Estado,mediante um determinado sistema normativo (as leis penais), castigacom sanções de particular gravidade (penas ou medidas desegurança e outras consequências afins) as condutas desviadasofensivas a bens jurídicos e nocivas para a convivência social [...] 53

52 CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1.53 GOMES, Luis Flávio. Direito penal: parte geral. São Paulo:RT; IELF; 2003. p. 13.

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Assim, ao inserir a preservação dos vestígios materiais do acidente de

trânsito no rol dos bens protegidos pelo Direito Penal, o legislador, na verdade,

apenas confirmou a enorme importância do exame pericial para a sua justa

elucidação.

Nota-se, portanto, que nas figuras acima assinaladas, o exame pericial se

coloca de forma imperiosa para a solução. De outro lado, o que se tem por certo é

que as soluções das questões jurídicas colocadas pelo trânsito estão intimamente

ligadas às soluções dos problemas sociais levantados aí. Daí, a conclusão deste

trabalho, o do laudo pericial como um poderoso instrumento científico e jurídico ao

lado democracia.

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CONCLUSÃO

Na primeira parte o trabalho procurou demonstrar que, segundo o próprio

Texto Constitucional, bem como dos estudos doutrinários desenvolvidos a partir daí,

o Brasil vive um novo momento. Momento este que não se caracteriza apenas pela

existência de uma nova Constituição, mas, também pelas transformações sociais

concretas que a acompanharam.

Com efeito, procurando atender aos anseios e clamores populares por uma

democratização mais ampla e efetiva, bem como se adequar às exigências de um

novo modelo de educação que, sem esquecer o compromisso com a inclusão sócio-

econômica, tem se centrado na compreensão e superação dos desafios e tensões

humanas postas por um mundo cada vez mais complexo, o Direito – norma, ensino

e corpo de profissionais – tem buscado trilhar novos caminhos. Caminhos que têm

levado à superação do paradigma “normativista-tecnicista”, à humanização de seus

operadores, à centralidade dos direitos humanos, à construção de uma cultura

jurídica crítica e ao fortalecimento da democracia.

Nesse movimento de transformação, conforme já salientado acima, os

Direitos Fundamentais ganham importância central. É justamente procurando

adequar o trânsito a este novo espírito Constitucional de proteção à pessoa humana

que o legislador pátrio editou o Código de Trânsito. De outro lado, um estudo dos

crimes em espécie previstos do referido Código, especialmente do homicídio culposo

e da lesão corporal culposa, destaca a enorme importância dos exames periciais na

solução e, portanto, prevenção social e jurídica de tais eventos.

Ressalte-se, de resto, que o legislador, no Código de trânsito, elevou a

atividade pericial à condição de bem jurídico protegido pelo Direito Penal, portanto,

de bem jurídico de relevância social significativa.

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