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MARGEM ABANDONADA MEDEAMATERIAL PAISAGEM COM ARGONAUTAS Lago de Straussberg Margem abandonada vestígio De argonautas de testa chata Cerdas de junco Galhos mortos ESTÁ ÁRVORE NÃO VAI CRESCER POR CIMA DE MIM Cadáveres de peixes Brilham na lama Caixas de biscoito monte de excremento JONTEX BELMONT Absorventes rasgados Sangue Das mulheres de Cólquida MAS VOCÊ TEM QUE TOMAR CUIDADO SIM SIM SIM SIM SIM BOCETA SUJA EU DIGO A ELA ESTE É MEU HOMEM ME FODE VEM DOCINHO Até que a Argo destrua seu crânio O navio não mais usado Pendurado na árvore hangar e lugar de defecação dos abutres à espera Acocorados nos trens Rostos de jornal e cuspe Um membro nu em cada calça olha a carne laqueada Sarjeta que custa o salário de três semanas Até que o verniz Estale Suas mulheres esquentam a comida penduram as camas nas janelas escovam O vômito dos ternos domingueiros Canos de esgoto Expelindo crianças em levas contra o avanço dos vermes Aguardente é barata As crianças mijam nas garrafas vazias Sonho de um monstruoso Coito em Chicago Mulheres lambuzadas de sangue Nos necrotérios Os mortos não olham pela janela Não tamborilam na privada 1

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MARGEM ABANDONADA MEDEAMATERIAL

MARGEM ABANDONADA MEDEAMATERIAL

PAISAGEM COM ARGONAUTAS

Lago de Straussberg Margem abandonada vestgio

De argonautas de testa chata

Cerdas de junco Galhos mortos

EST RVORE NO VAI CRESCER POR CIMA DE MIM

Cadveres de peixes

Brilham na lama Caixas de biscoito monte de excremento

JONTEX BELMONT

Absorventes rasgados Sangue

Das mulheres de Clquida

MAS VOC TEM QUE TOMAR CUIDADO SIM

SIM SIM SIM SIM

BOCETA SUJA EU DIGO A ELA ESTE MEU HOMEM

ME FODE VEM DOCINHO

At que a Argo destrua seu crnio O navio no mais usado

Pendurado na rvore hangar e lugar de defecao dos abutres

espera

Acocorados nos trens Rostos de jornal e cuspe

Um membro nu em cada cala olha a carne laqueada

Sarjeta que custa o salrio de trs semanas At que o verniz

Estale Suas mulheres esquentam a comida penduram as camas

nas janelas escovam

O vmito dos ternos domingueiros Canos de esgoto

Expelindo crianas em levas contra o avano dos vermes

Aguardente barata

As crianas mijam nas garrafas vazias

Sonho de um monstruoso

Coito em Chicago

Mulheres lambuzadas de sangue

Nos necrotrios

Os mortos no olham pela janela

No tamborilam na privada

isso que eles so Terra cagada pelos sobreviventes

ALGUNS PENDURADOS EM POSTES DE LUZ LNGUA DE FORA

NA BARRIGA O LETREIRO EU SOU UM COVARDE

Mas no cho Media o irmo despedaado

Nos braos A perita

Dos venenos

MEDEAMATERIAL PAISAGEM

COM ARGONAUTAS

Media

Jaso Meu primeiro e meu ltimo Ama

Onde est meu homem

Ama

Com a filha de Creonte mulher

Media

Com Creonte tu disseste

Ama

Com a filha de Creonte

Media

Tu disseste com a filha de Creonte Sim

Por que no com a filha de Creonte tem o poder

Decerto sobre Creonte seu pai que

O direito de moradia em Corinto pode nos dar

Ou expulsar para outro pas

Bem agora talvez abrace ele Jaso

Com splicas seus joelhos sem rugas

Por mim e seus filhos que ele ama

Tu ris ou choras ama

Ama

Senhora eu

Sou mais velha que meu chorar ou rir

Media

Como vives nas runas do teu corpo

Com os espectros de tua juventude ama

Traz um espelho Esta no Media

Jaso

Jaso

Mulher que voz

Media

Eu

No sou desejada aqui Que uma morte me leve

Trs vezes cinco noites Jaso tu no

Me quiseste Com a tua voz no

E no com a voz de um escravo nem

Com as mos ou olhar

Jaso

O que queres?

Media

Morrer.

Jaso

Isto eu ouvi muitas vezes.

Media

Este corpo no significa

Mais nada para ti Queres beber meu sangue Jaso

Jaso

Quando isso vai acabar

Media

Quando comeou Jaso

Jaso

O que eras tu antes de mim mulher

Media

Media

Tu me deves um irmo Jaso

Jaso

Dois filhos eu te dei por um irmo

Media

Tu A mim Tu os amas Jaso teus filhos

Queres t-los novamente teus filhos

Teus eles so O que pode ser meu tua escrava

Tudo em mim teu instrumento tudo de mim

Por ti eu matei e gerei

Eu tua cadela tua puta eu

Eu degrau da escala da tua glria

Untada com teu excremento Sangue dos teus inimigos

E se em memria de teu triunfo

Sobre meu pas e meu povo que foi minha traio

De suas vsceras queres tranar uma coroa

Em tuas fontes elas so tuas

Minha propriedade as imagens dos mortos

Os gritos dos esfolados minha posse

Desde que me fui da Clquida minha ptria

Em tua trilha de sangue sangue de meus iguais

Em minha nova ptria a traio

Cega para as imagens para os gritos surda

Eu fui at que rompeste a rede

Tranada do meu e teu gozo

Que era nossa morada agora meu estrangeiro

Em suas malhas deslocada estou

As cinzas de teus beijos nos lbios

Entre os dentes a areia de nossos anos

Sobre minha pele s meu prprio suor

Teu hlito um fedor de cama alheia

Um homem d sua mulher a morte de despedida

Minha morte no tem outro corpo que o teu

s meu homem ainda sou tua mulher

Podia arranc-la de ti a tua puta

A quem me denunciaste e minha

Traio que foi teu gozo Graas tua

Traio que me devolve os olhos

Posso ver o que vi as imagens Jaso

Que com as botas da tua tropa tu

Pintaste sobre minha Clquida Ouvidos novamente

Para ouvir a msica que tocaste

Com as mos da tua tropa e com as minhas

Que fui tua cadela e tua puta

Sobre corpos ossos tmulos de meu povo

E meu irmo Meu irmo Jaso

Que atirei no caminho de teus perseguidores

Esquartejado por estas minhas mos de irm

Para tua fuga do pai roubado

Meu e dele Amas teus filhos

Tu me deves um irmo Jaso

Quem mais amais O co ou a cadela

Se ao pai lanais olhos lnguidos

E sua nova cadela e ao rei

Dos ces em Corinto aqui seu pai

Talvez vosso lugar seja em seu cocho

Toma Jaso o que me deste

Os frutos da traio de teu smen

E embucha nas entranhas da tua puta

Meu presente nupcial para teu casamento e dela

Ide com o pai que vos ama E de modo

Que ele ignore a me a brbara

Porque vosso caminho ascendente a molesta

No quereis sentar-vos mesa alta

Eu fui a vaca leiteira vossa banqueta agora

Quereis Vossos olhos no vejo brilharem

luz da alegria dos ventres saciados

O que vos mantm ainda presos brbara

Que vossa me e vossa mcula

Atores sois vs filhos da traio

Cravai vossos dentes em meu corao e ide

Com vosso pai que o fez antes de vs

Deixa-me Jaso as crianas mais um dia

E ao meu prprio deserto quero ir

Tu me deves um irmo Jaso

No por muito tempo posso odiar o que tu amas

O amor vem e vai No fui prudente em

Esquecer isso Entre ns nenhum rancor

Meu vestido de noiva toma como presente de npcias

Para a tua

Penosa me sai a palavra dos lbios noiva

Que teu corpo vai abraar chorar

Nos teus ombros por vezes suspirar em xtase

O vestido do amor minha outra pele

Bordado com as mos saqueadas do

Ouro da Clquida e tinto de sangue

Do banquete nupcial de pais irmos filhos

Deve teu novo amor vestir como

Em minha pele Perto de ti assim estarei

Perto de teu amor bem longe de mim

Vai agora para tuas novas npcias Jaso

Quero fazer a noiva em tocha nupcial

Vede vossa me vos propicia agora um espetculo

Quereis v-la arder a nova noiva

O vestido de noiva da brbara prprio para

Com pele estranha unir-se mortalmente

Feridas e cicatrizes do bom veneno

E fogo cospe a cinza que foi meu corao

A noiva jovem Lbrica retesa-se a pele

Pela idade no devastada por nenhuma prole

Sobre seu corpo escrevo agora meu espetculo

Quero ouvir-vos rir quando ela gritar

Antes da meia-noite ela arder em chamas

Nascer meu sol sobre Corinto

Quero ver-vos rir quando ele nascer

Com meus filhos partilhar minha alegria

Agora entra o noivo na cmara nupcial

Agora deita aos ps de sua jovem noiva

O vestido de noiva da brbara o presente nupcial

Embebido em meu suor de resignao

Agora pavoneia-se a puta ao espelho

Agora tapa-lhe os poros o ouro da Clquida

Planta-lhe na carne uma selva de facas

O vestido de noiva da brbara festeja npcias

Com tua Jaso virgem noiva

A primeira noite minha a ltima

Agora ela grita Tendes ouvido para o grito

Assim gritava quando em meu ventre estveis Clquida

E grita ainda Tendes ouvido o grito

Ela queima Rides Quero ver-vos rir

Meu espetculo um comdia Rides

Como lgrimas para a noiva Ah meus pequenos

Traidores No por nada chorastes

De meu corao cortar-vos eu quero

Meu corao Minha memria Meus queridos

Devolvei meu sangue de vossas veias

Em meu ventre de volta vs vsceras

Hoje dia de pagamento Jaso Hoje

Tua Media cobrar suas dvidas

Podeis rir agora A morte um presente

De minhas mos deveis receb-la

Inteira abatida atrs de mim eu tenho

O que chamava ptria agora atrs de ns meu estrangeiro

Que no se vos torne ptria por ironia

Com estas minhas mos humanas Ah

Tivesse eu permanecido o animal que Fui

Antes que um homem me fizesse sua mulher

Media A brbara agora enjeitada

Com estas minhas mos brbaras

Mos maculadas marcadas imundas muitas vezes

Partir em duas a humanidade eu quero

E no meio vazio habitar Eu

No mulher No homem Por que gritais Pior que a Morte

ser velho Beijareis a mo

Que vos presenteia a morte se conhecsseis a vida

Isso foi em Corinto Quem sois Quem vos

Vestiu nos corpos de meus filhos

Que animal se esconde em vossos olhos

Fingis de mortos A me no enganais

Atores sois mentirosos e traidores

Habitados por ces ratos cobras

Latem e chiam e sibilam Eu ouo bem

Ah eu sou astuta eu sou Media Eu

No tendes mais sangue Tudo agora silncio

Os gritos da Clquida tambm emudecidos e nada mais

Jaso

Media

Media

Ama Conheces este homem

PAISAGEM COM ARGONAUTAS

Devo falar de mim Eu quem

De quem se fala quando

Se fala de mim Quem est

Na chuva de excremento dos pssaros Na pele calcinada

Ou outro Eu estandarte

Andrajo sangrento desfraldado Flutuar

Entre nada e Ningum desde que haja vento

Eu escarro de homem Eu escarro

De mulher Lugar-comum em cima de lugar-comum Eu inferno

de sonhos

Que leva meu nome acidental Eu medo

Do meu nome acidental

MEU AV FOI IDIOTA NA BECIA

Eu minha viagem martima

Eu minha anexao Minha

Caminhada pelos subrbios eu Minha morte

Na chuva excremento dos pssaros na pele calcinada

A ncora o ltimo cordo umbilical

Com o horizonte desaparece a memria da costa

Pssaros so despedida so reencontro

A rvore abatida lavra a cobra o mar

Fino entre o eu e o no mais eu o casco

O MAR A NOIVA DO MARINHEIRO

Os mortos dizem esto no fundo de p

Nadadores eretos Descansam at os ossos

Acasalamento dos peixes no trax estripado

Cracas no crnio

Sede fogo

Chama-se gua o que queima a pele

Fome mastiga a gengiva sal os lbios

Obscenidades excitam a carne s

At que o homem agarra o homem

Calor de mulher uma cantilena

As estrelas sinais frios

O cu exerce glida vigilncia

Ou o desembarque infeliz Contra o mar sibila

O estalo das latas de cerveja

DA VIDA DE UM HOMEM

Lembrana de uma batalha de tanques

Minha caminhada pelos subrbios eu

Entre os escombros e entulhos cresce

O NOVO Cubculos para foder com aquecimento central

O tubo da imagem vomita mundo na sala

Deteriorao faz parte do plano O continer

Serve de cemitrio Vultos nos escombros

Nativos do concreto Parada

Dos zumbis perfurados de anncios

Nos uniformes da moda de ontem cedo

A juventude de hoje fantasmas

Dos mortos da guerra que acontecer amanh

MAS O QUE RESTA PATROCINADO PELAS BOMBAS

No esplndido acasalamento de albumina e zinco

As crianas fazem paisagens de lixo

Uma mulher o conforto habitual

NO MEIO DAS COXAS

A MORTE TEM UMA ESPERANA

Ou o sonho iugoslavo

Entre esttuas quebradas em fuga

De uma catstrofe desconhecida

A me a reboque a velha com a canga

O FUTURO acompanha em couraa enferrujada

Um bando de atores passa em marcha

VOCS NO PERCEBEM QUE ELES SO PERIGOSOS SO

ATORES CADA P DE CADEIRA VIVE UM CACHORRO

Lama de palavras de meu

Corpo sem dono abandonado

Como sair da mata espessa

Dos meus sonhos que cresce lenta

Silenciosa ao meu redor

Um farrapo de Shakespeare

No paraso das bactrias

O cu uma luva caando

Mascarado de nuvens de arquitetura desconhecida

Descanso na rvore morta As irms papa-defunto

Meus dedos brincando na vagina

noite na janela entre cidade e paisagem

Assistamos a morte lenta das moscas

Como Nero pairava exultante sobre Roma

At o carro passar Areia no cmbio

Um lobo na estrada quando ele se despedaou

Viagem de nibus ao amanhecer direita e esquerda

As irms se evaporando sob o vestido O meio-dia

Empoava suas cinzas sobre minha pele

Durante a viagem ouvamos a tela rasgar

E vamos as imagens entrando umas nas outras

As matas ardiam em EASTMAN COLOR

Mas a viagem no tinha chegada NO PARKING

Com um olho Polifemo controlava

O trnsito no nico cruzamento

Nosso cais era um cinema morto

As estrelas em concorrncia apodreciam sobre a tela

Na bilheteria Fritz Lang estrangulava Boris Karloff

O vento sul brincava com velhos cartazes

OU O DESEMBARQUE INFELIZ Os negros mortos

Cravados como estacas no atoleiro

Nos uniformes de seus inimigos

DO YOU REMEMBER DO YOU NO I DONT

O sangue seco

Fumega ao sol

O teatro da minha morte

Estreou quando eu estava entre as montanhas

No meio dos companheiros mortos sobre a pedra

E acima de mim surgiu o esperado avio

Sem refletir eu sabia

Que aquele aparelho era

O que minhas avs chamavam de Deus

A presso do ar varria os cadveres do plat

E tiros espocavam em minha fuga cambaleante

Eu sentia MEU sangue escapando de MINHAS veias

E MEU corpo se transformando na paisagem

DA MINHA morte

PELAS COSTAS O PORCO

O resto lrica Quem tem os melhores dentes

O sangue ou a pedra

O texto requer o naturalismo da cena. MARGEM ABANDONADA pode ser apresentada durante o funcionamento de um Peep Show, MEDEAMATERIAL em um lago em Straussberg, que pode ser uma piscina barrenta em Beverly Hills ou as instalaes de banho de uma clnica de repouso. Como MAUSER pressupe uma sociedade que rompe limites, em que um condenado morte pode transformar sua verdadeira morte em uma experincia coletiva no palco, PAISAGEM COM ARGONAUTAS pressupe as catstrofes nas quais a humanidade trabalha. A paisagem pode ser uma estrela morta, onde uma misso de resgate de um outro tempo ou de um outro espao ouve uma voz e encontra um morto. Como em qualquer paisagem, o Eu neste trecho do texto coletivo. A simultaneidade dos trs textos pode ser encenada livremente.

Traduo: * Christiane Roehrig

Marcos Renaux

* Colaboraram Gabriel Villela, Mrcio Meirelles, Vera Holtz e Guilherme Leme.

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