MArtins e Oliveira, 2005 (FEE)

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 63 Indicadores Econômico-Ambientais na Perspectiva da Sustentabilidade Organização: Clitia Helena Backx Martins Naia Oliveira Secretaria da Coordenação e Planejamento Fundação de Economia e Estatística

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Indicadores Econmico-Ambientais na Perspectiva da Sustentabilidade

Organizao: Clitia Helena Backx Martins Naia OliveiraSecretaria da Coordenao e Planejamento

Fundao de Economia e Estatstica

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SECRETARIA DA COORDENAO E PLANEJAMENTO

SECRETARIA ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE

ISSN 1676-1375 ISBN 85-7173-038-5

INDICADORES ECONMICO-AMBIENTAIS NA PERSPECTIVA DA SUSTENTABILIDADE

Organizao: Clitia Helena Backx Martins Naia Oliveira

Documentos FEE n. 63

Porto Alegre, maio de 2005

2I39 Indicadores econmico-ambientais na perspectiva da sustentabilidade /organizado por Clitia Helena Backx Martins e Naia Oliveira. Porto Alegre : FEE; FEPAM 2005. 122 p. : graf.; tab. (Documentos FEE; n. 63) ISBN ISSN 1676-1375 Contedo: Desenvolvimento sustentvel e noo de sustentabilidade / Naia Oliveira Indicadores de qualidade de vida e de qualidade ambiental: a necessidade de integrao das dimenses social, econmica e ambiental / Clitia Helena Backx Martins Indicadores de potencial poluidor das atividades industriais no Rio Grande do Sul: uma contribuio inicial / Clitia Helena Backx et al. A construo de indicadores ambientais para a indstria: potencial poluidor e intensidade do consumo de energia eltrica / Paulo Gonzaga Mibielli de Carvalho. 1. Meio ambiente Economia Rio Grande do Sul. 2. Indicadores econmicos. 3. Desenvolvimento econmico. 4. Economia regional. I. Oliveira, Naia. Desenvolvimeto sustentvel e noo de sustentabilidade. II. Martins, Clitia Helena Backx. Indicadores de qualidade de vida e de qualidade ambiental: a necessidade de integrao das dimenses social, econmica e ambiental. III. Martins, Clitia Helena Backx et. al. Indicadores de potencial poluidor das atividades industriais no Rio Grande do Sul: uma contribuio inicial. IV. Carvalho, Paulo Gonzaga Mibielli de. A construo de indicadores ambientais para a indstria: potencial poluidor e intensidade de consumo de energia eltrica. IV. Titulo. V. Fundao de Economia e Estatstica Siegfried Emanuel Heuser. VI. Fundao Estadual de Proteo Ambiental Henrique Luis Roessler. VII. Serie. CDU 332.146.2(816.5) CIP Janira Lopes CRB10/420

Tiragem: 100 exemplares. Toda correspondncia para esta publicao dever ser endereada : FUNDAO DE ECONOMIA E ESTATSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE) Rua Duque de Caxias, 1691 Porto Alegre, RS CEP 90010-283 Fone: (51) 3216-9049 Fax: (51) 3225-0006 E-mail: [email protected] www.fee.rs.gov.br

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sta publicao resultado de um trabalho conjunto, realizado atravs do Convnio entre a Fundao de Economia e Estatstica Siegfried Emanuel Heuser (FEE) e a Fundao Estadual de Proteo Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam), com o objetivo de desenvolver indicadores que considerem as diversas dimenses da sustentabilidade. Sendo assim, o cerne deste documento consiste na construo de indicadores que contemplem as dimenses econmica e ambiental das atividades industriais do Rio Grande do Sul. O principal desafio enfrentado nessa tarefa correspondeu escassez de referenciais metodolgicos, devido ao fato de que essa abordagem de pesquisa ainda se encontra incipiente no contexto brasileiro e tambm no plano internacional. Trata-se da primeira experincia no Brasil, em nvel estadual, para a elaborao de indicadores do potencial poluidor das atividades industriais, cobrindo todos os municpios do Estado. Cabe ressaltar a orientao obtida no trabalho de pesquisa realizado anteriormente no IBGE, por Paulo Gonzaga Mibielli de Carvalho, que apontou a criao de indicadores de potencial poluidor e de intensidade do consumo de energia eltrica para atividades industriais brasileiras. A expectativa de contribuio deste estudo preencher lacunas existentes em relao a informaes que subsidiem processos decisrios nas gestes pblica e privada. Dessa forma, trata-se de um primeiro esforo de sistematizao de informaes peridicas que compatibilizem a dimenso ambiental com os diagnsticos econmicos e sociais, tendo como fundamentao terico-analtica a viso de sustentabilidade. O primeiro artigo, Desenvolvimento Sustentvel e Noo de Sustentabilidade, de Naia Oliveira, prope uma reflexo sobre a sustentabilidade, abrangendo seus princpios bsicos e suas dimenses, alm de trazer tona algumas questes sobre a relao meio ambiente e sociedade. O artigo seguinte, Indicadores de Qualidade de Vida e de Qualidade Ambiental: a Necessidade de Integrao das Dimenses Social, Econmica e Ambiental, de Clitia Helena Backx Martins, aborda a temtica dos indicadores que integram aspectos econmicos, sociais e ambientais, na perspectiva da construo de indicadores de sustentabilidade.

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O prximo artigo, desenvolvido conjuntamente por tcnicos da FEE e da Fepam, apresenta os Indicadores do Potencial Poluidor das Atividades Industriais no Rio Grande do Sul: Uma Contribuio Inicial, para os municpios gachos, em 2001, lidando com duas das dimenses da sustentabilidade, ou seja, a econmica e a ambiental. Por ltimo, apresenta-se a contribuio original de Paulo Gonzaga Mibielli de Carvalho, com o artigo A Construo de Indicadores Ambientais Para a Indstria: Potencial Poluidor e Intensidade do Consumo de Energia Eltrica.

Aod Cunha de Moraes Junior Presidente da FEE

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trabalho desenvolvido em conjunto com a FEE reflete as necessidades de mudanas exigidas pela sociedade, ao incorporar dados ambientais aos levantamentos econmicos e sociais. Consiste em um esforo de sistematizar informaes peridicas, colocando a dimenso ambiental em diagnsticos econmicos e sociais. A sistematizao desses dados os quais constituem uma ferramenta importante nos processos de tomada de deciso contribui para avaliaes integradas. Parcerias, como o caso da em tela, reforam a importncia de aes integradas do Estado, como forma de otimizar a gesto pblica nas questes ambientais. A publicao deste trabalho conjunto FEE/Fepam consolida nossa articulao institucional e representa um primeiro passo na construo de indicadores que incorporem a dimenso da sustentabilidade e orientem aes de preservao e melhoria da qualidade ambiental.

Claudio Dilda Diretor Presidente da Fepam

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As organizadoras desejam expressar seus agradecimentos ao Professor Cludio Luis Crescente Frankenberg (PUCRS), Professora Ilza Girardi (UFRGS) e ao Engenheiro Paulo Paim (Conselho Estadual de Recursos Hdricos), pela relevante colaborao como pareceristas dos textos que compem esta publicao, bem como ao colega Tlio Antnio de Amorim Carvalho, por sua participao incansvel como articulador na concretizao do trabalho conjunto entre a FEE e a Fepam.

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SUMRIO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL E NOO DE SUSTENTABILIDADE Naia Oliveira ................................................................ INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA E DE QUALIDADE AMBIENTAL: A NECESSIDADE DE INTEGRAO DAS DIMENSES SOCIAL, ECONMICA E AMBIENTAL Clitia Helena Backx Martins (FEE) .............................................................................................. INDICADORES DO POTENCIAL POLUIDOR DAS ATIVIDADES INDUSTRIAIS NO RIO GRANDE DO SUL: UMA CONTRIBUIO INICIAL Clitia Helena Backx Martins, Maria Lcia Bernardes Coelho Silva, Naia Oliveira e Rafael Bernardini Santos .................................. A CONSTRUO DE INDICADORES AMBIENTAIS PARA A INDSTRIA: POTENCIAL POLUIDOR E INTENSIDADE DO CONSUMO DE ENERGIA ELTRICA Paulo Gonzaga Mibielli de Carvalho ..............................

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL E NOO DE SUSTENTABILIDADENaia Oliveira*

IntroduoO grande desafio deste incio de milnio reverter o impasse provocado pelo conflito entre desenvolvimento e meio ambiente. A sobrevivncia da espcie humana depende de que a natureza no seja mais considerada apenas como doadora de recursos a serem explorados, como instrumento gerador de riqueza, mas, ao mesmo tempo, no se pode deixar de contemplar o atendimento das necessidades dos seres humanos, na perspectiva de um desenvolvimento que venha a consistir numa plataforma de valores e atitudes a serem realizadas, de metas definidas por cidados e tambm de critrios para determinar quais so os custos suportveis, e por quem, no bojo do processo. A criao da noo de desenvolvimento sustentvel d alento tarefa rdua de reconciliar a busca do bem-estar da atualidade com a expectativa de boas condies de vida no futuro. H muita polmica em torno da noo de sustentabilidade; mas no se trata de valid-la, o mais importante apresentar elementos que possam, ao esclarec-la, orientar o enfrentamento do impasse atual atravs de novas concepes que apontem estratgias de gesto dos recursos naturais no contexto de uma nova racionalidade socioeconmica. Este artigo pretende contribuir para uma reflexo sobre o desenvolvimento sustentvel, ressaltando a importncia da mudana de viso de mundo, com a respectiva aplicao de novos paradigmas que venham a complementar a abordagem cientfico-tecnolgica convencional. Trata-se da noo de sustentabilidade, dos princpios fundamentais que auxiliam a sua prtica e das dimenses mais abrangentes, bem como de alguns pontos sobre a relao sociedade-meio ambiente.

* Sociloga da FEE e Consultora da Fundao Gaia.

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1 - Viso ecolgicaA compreenso hegemnica do mundo at os dias atuais utiliza-se da analogia que o v como uma mquina que pode ser dividida em pequenas partes. Essa viso originou-se, nos sculos XVI e XVII, com a Revoluo Cientfica liderada por pensadores como Galileu, Descartes e Newton. Eles postularam que a cincia seria apenas o estudo dos fenmenos que podiam ser medidos e quantificados e criaram o mtodo do pensamento analtico, que consiste em quebrar fenmenos complexos em pedaos, a fim de compreender o comportamento do todo a partir das propriedades de suas partes (Capra, 1998). Essas estratgias foram muito importantes e bem-sucedidas ao longo do desenvolvimento da cincia moderna, mas, hoje, devido a descobertas e avanos cientficos do final do sculo passado, o modo mecanicista de ver o mundo est sendo complementado pela viso ecolgica, tambm conhecida como holstica ou sistmica. Essa mudana de paradigma mostra que as propriedades das partes s podem ser entendidas a partir da organizao do todo, ou seja, apesar de ser possvel discernir partes individuais em qualquer sistema, essas partes no so isoladas, e a natureza do todo sempre diferente da mera soma de suas partes. Segundo Capra (1998), a viso ecolgica reconhece a interdependncia fundamental de todos os fenmenos e o fato de que, enquanto indivduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cclicos da natureza e, em ltima anlise, somos dependentes desses processos. necessrio utilizar os princpios advindos dos recentes avanos nos paradigmas e nas teorias cientficas, para buscar uma relao harmnica entre os seres humanos e a natureza, j que a inadequada convivncia com o meio ambiente resultado, em grande parte, da viso mecanicista do mundo. Sendo assim, a rea do conhecimento e das novas abordagens cientficas contribui, juntamente com os princpios ticos, sociais e econmicos, para a formao das novas propostas de desenvolvimento da sociedade.

1.1 - Antropocentrismo/ecocentrismoAs novas propostas de desenvolvimento da sociedade esto inseridas na perspectiva de uma mudana ampla que incide na cultura ocidental, que se caracteriza pela viso antropocntrica, isto , que coloca os seres humanos acima da natureza, numa hierarquia de valores. No antropocentrismo, a natureza pode e deve ser dominada para atender aos interesses da humanidade. Tal situao de domnio alienou os seres humanos do meio ambiente, levando-os ao enfrentamento da ameaa da prpria sobrevivncia. Ao ignorar os processos

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naturais, as aes humanas foram agressivas com relao natureza, levando tanto degradao do meio ambiente como sua autodestruio. Observa-se, dentro do movimento ecologista, a busca pela substituio do paradigma antropocntrico pelo biocntrico, tambm chamado de ecocntrico, onde a humanidade to importante quanto todos os demais seres do planeta. A viso ecocntrica considera os seres humanos integrantes do ecossistema geral e sujeitos s leis ecolgicas. A obedincia a essas leis impe certas limitaes, principalmente no mbito da economia e do crescimento populacional. O ecocentrismo defende o uso de tecnologias alternativas por duas razes: porque so consideradas ambientalmente menos impactantes e tambm porque so mais acessveis do que a tecnologia de ponta para as sociedades de baixo poder econmico.

2 - Sustentabilidade: princpios e dimensesUm ponto importante da viso ecolgica que tomou corpo nos ltimos 30 anos a noo de sustentabilidade. Sabe-se que, apesar de a Terra ser um organismo vivo, inteligente e auto-regulado, ela tem seus limites, j que seus recursos naturais so finitos. A natureza age atravs de fluxos circulares, sempre possibilitando a renovao dos recursos do planeta; de outra parte, o homem utiliza os fluxos unidirecionalmente, retirando de circulao os recursos naturais e devolvendo poluio. Entende-se que, dessa forma, muito em breve, enfrentaremos o esgotamento dos ecossistemas. A ao dos homens na busca do progresso no contempla a preocupao com o futuro. O crescimento infinito que a humanidade almeja no possvel, visto que a Terra finita. De acordo com Camargo (2003), a partir da Segunda Guerra Mundial, acentuou-se a preocupao com o modelo de desenvolvimento econmico e com o meio ambiente. Porm foi s no final dos anos 60 que se intensificaram as discusses sobre a relao existente entre crescimento econmico e degradao ambiental. A Conferncia de Estocolmo, em 1972, foi a primeira das grandes conferncias da Organizao das Naes Unidas (ONU) a contemplar a questo desenvolvimento e meio ambiente. No andamento dos trabalhos da Organizao, o Secretrio-Geral dessa conferncia Maurice Strong , em 1973, usou a palavra ecodesenvolvimento para caracterizar uma proposta de desenvolvimento ecologicamente orientado, mas foi Ignacy Sachs quem elaborou os pressupostos bsicos dessa noo de desenvolvimento. Sachs (2000, p. 54) afirma que Quer seja denominado de ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentvel, a abordagem fundamentada na harmonizao de

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objetivos sociais, ambientais e econmicos no se alterou desde o encontro de Estocolmo at as conferncias do Rio de Janeiro (...). importante ressaltar que a discusso sobre desenvolvimento sustentvel surge no contexto das conferncias internacionais patrocinadas pela ONU, no sentido de contemplar o combate s crises ecolgicas globais, colocando em pauta as relaes de fora no nvel poltico, evidenciando as desigualdades entre os Hemisfrios Sul e Norte. Em 1987, foi estabelecida uma definio para desenvolvimento sustentvel pelo Relatrio Brundtland: (...) o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das geraes futuras de satisfazerem suas prprias necessidades (CIB, 1999). Esse relatrio fruto de um trabalho da Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), criada em 1983 por deliberao da 38 Assemblia Geral da ONU. Desenvolvimento sustentvel deve, portanto, significar desenvolvimento social e econmico estvel, equilibrado, com mecanismos de distribuio de bens e com capacidade de considerar a fragilidade, a interdependncia e as escalas de tempos prprios e especficos dos recursos naturais. Significa, ainda, produzir utilizando os recursos de forma a respeitar a existncia e a importncia dos sistemas ecolgicos e a capacidade de recuperao e recomposio destes, criando mecanismos que permitam seu acesso por toda a sociedade (PNUD, 1999). De acordo com Acselrad (1999), a partir do Relatrio Brundtland, diversas matrizes discursivas tm sido associadas noo de sustentabilidade. O autor destacou as de eficincia, escala, eqidade, auto-suficincia e tica. A matriz de eficincia pretende combater o desperdcio da base material do desenvolvimento. A de escala prope um limite quantitativo ao crescimento econmico e presso que ele exerce sobre os recursos ambientais. A de eqidade articula analiticamente a interveno das atividades humanas no meio ambiente. A de auto-suficincia busca o fortalecimento dos mercados regionais e o desenvolvimento local. Por fim, a de tica coloca a discusso da distribuio dos bens materiais, chamando ateno para o modelo de desenvolvimento em relao aos limites dos recursos naturais. Por lidar com paradigmas relativamente recentes nas investigaes cientficas e acadmicas, a sustentabilidade ainda carece de uma maior reflexo. Ao contrrio dos conceitos analticos voltados para a explicao do real, a noo de sustentabilidade est submetida lgica das prticas, isto , articula-se a efeitos sociais desejados e a funes concretas que o discurso pretende tornar realidade objetiva (Acselrad, 1999).

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2.1 - Princpio de complexidadePara uma abordagem da sustentabilidade, necessrio ressaltar a funo do princpio de complexidade que, conforme Rohde (1995, p. 49), (...) ope-se ao reducionismo praticado de forma generalizada pelas cincias, tendo ainda que fornecer as bases para uma Razo aberta, que reformule a evoluo do fechamento racional simplificador anterior. A complexidade deve fazer frente irracionalidade e racionalidade, s racionalizaes, incerteza e ambigidade. A complexidade traz em si a necessidade de associar o objeto ao seu ambiente, de conectar o objeto ao seu observador. Prope uma reforma paradigmtica, com a unio dos campos do conhecimento, ou seja, da cultura das humanidades com a cultura cientfica, apresentando, como emblema de uma nova compreenso, a inseparabilidade da cincia e da conscincia (Morin; Le Moigne, 2000). possvel distinguir, porm no dissociar, o que cientfico do que tcnico, sociolgico ou poltico, at porque o paradigma que produz uma cultura , ao mesmo tempo, o que reproduz essa cultura (Morin; Le Moigne, 2000). A viso ecolgica, que incorpora o princpio de complexidade, v o conhecimento cientfico e o movimento poltico apoiando-se mutuamente. Os objetos da ecologia so as interlocues que existem no seio de um ecossistema entre os constituintes geolgicos, fsicos, climticos, mas tambm biolgicos, e, portanto, os microorganismos, os vegetais e os animais de todas as espcies. O ecologista estuda as interaes, formando sistemas; tem a necessidade de conhecer um pouco de biologia, de botnica e de sociologia. O conhecimento ecolgico permite dialogar com os nossos problemas e necessidades e ultrapassa os limites da superespecializao.

2.2 - Princpio de interdisciplinaridadeUm dos aspectos mais importantes para que se torne factvel o desenvolvimento sustentvel, visto que, para tal, deve haver a compreenso do todo e da inter-relao de suas partes, a interdisciplinaridade. Sendo assim, fundamental que vrios tipos de habilidades, talentos e conhecimentos faam parte da construo da sustentabilidade, dialogando entre si e buscando uma viso global para alm da especificidade de cada disciplina. Para aprofundar, pode-se dizer que a interdisciplinaridade no campo ambiental envolve questes que se colocam nas interaes entre a sociedade e a natureza; essas interaes expressam-se pelas modificaes oriundas de tcnicas e de prticas utilizadas pelos diferentes grupos sociais.

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O estudo da problemtica ambiental requer o aporte das cincias naturais, bem como das cincias humanas e sociais. O sistema natureza compreende o conjunto de componentes biolgicos e fsico-qumicos que se relacionam no interior dos grandes domnios, como atmosfera, hidrosfera e geosfera. Desse sistema, as mulheres e os homens fazem parte, na perspectiva de organismos vivos, considerados individual ou coletivamente. J o sistema sociedade abrange o conjunto de elementos e de processos cuja articulao participa na organizao, na reproduo e na evoluo das relaes sociais e dos fatos culturais. No caso dos seres humanos, a histria tem mostrado que as contradies no interior da sociedade, entre setores e classes sociais, que so a expresso de uma dada forma social de produo, condicionam e do a explicao de como essa sociedade se relaciona com a natureza. O meio ambiente na perspectiva do desenvolvimento sustentvel o campo das inter-relaes entre a natureza e a sociedade, o que aponta a necessidade do avano de uma reflexo terica metodolgica, onde a colaborao entre cincias humanas e naturais o foco central do conhecimento e da ao. Porm, para construir a abordagem interdisciplinar, preciso superar as estruturas rgidas do ensino e da pesquisa e as dificuldades de cooperao entre os diversos parceiros, tais como os polticos, os intelectuais, os empresrios, os ativistas dos movimentos ambientais, etc. Conforme Ignacy Sachs (2000, p. 60), (...) precisamos retornar economia poltica, que diferente da economia, e a um planejamento flexvel negociado e contratual, simultaneamente aberto para as preocupaes ambientais e sociais. necessria uma combinao vivel entre economia e ecologia, pois as cincias naturais podem descrever o que preciso para um mundo sustentvel, mas compete s cincias sociais a articulao das estratgias de transio rumo a esse caminho.

2.3 - As dimenses da sustentabilidadeO planejamento do desenvolvimento orientado pela sustentabilidade precisa levar em conta outras dimenses alm da preocupao com a produtividade e com a preservao dos ecossistemas. necessrio assegur-lo num amplo espectro de questes que vo alm das questes ecolgicas. A bibliografia examinada apresenta critrios distintos de sustentabilidade parcial, que vo desde o ambiental, o tecnolgico, o econmico, o poltico, o social, o cultural, o tico at o espiritual. Optou-se pelas questes apresentadas a seguir, pois acredita-se que tm a capacidade de incorporar os aspectos fundamentais para um plano de desenvolvimento sustentvel.

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A sustentabilidade cultural prev o respeito e a afirmao das identidades existentes, onde as mudanas aconteam dentro do equilbrio entre tradio e inovao, de modo a preservar a autonomia para a elaborao de um projeto nacional integrado e original, de acordo com as especificidades locais e com uma viso planetria. A sustentabilidade social deve guiar-se pela busca de eqidade na distribuio de renda e de bens, com a finalidade de reduzir a desigualdade abismal entre os padres de vida dos ricos e dos pobres e de promover a igualdade de acesso a recursos e servios sociais e ao emprego pleno. Deve envolver tambm uma configurao socioespacial mais equilibrada das atividades econmicas e dos assentamentos humanos. A sustentabilidade econmica comporta diversificao das atividades produtivas, desenvolvimento econmico intersetorial equilibrado, segurana alimentar, contnua atualizao dos instrumentos de produo e acesso cincia e tecnologia. Uma condio importante para isso a superao das disparidades inter-regionais abrangendo inclusive as relaes Norte-Sul , numa proposta de co-desenvolvimento com base na igualdade, bem como no controle institucional efetivo do sistema financeiro internacional e na evoluo das polticas e das instituies internacionais de proteo do meio ambiente. A sustentabilidade ambiental trata da preservao dos recursos naturais na produo de recursos renovveis e da limitao na produo de recursos no renovveis, do respeito capacidade de autodepurao dos ecossistemas naturais e da reduo do volume de resduos e de poluio, atravs da conservao de energia e da reciclagem. So importantes a promoo da autolimitao do consumo de materiais por parte dos pases ricos e dos indivduos em todo o planeta e, tambm, a definio de regras para uma adequada proteo ambiental, criando uma mquina institucional, bem como selecionando instrumentos econmicos, legais e administrativos necessrios para o seu cumprimento.

3 - Sociedade e meio ambienteViabilizar, na prtica, a noo de sustentabilidade implica, tambm, a mudana de comportamentos individual e social e, fundamentalmente, transformaes nos processos de produo e de consumo. Para tanto, faz-se necessrio o desencadeamento de um processo de discusso, o comprometimento de toda a sociedade e a incorporao dessas questes pela arena poltica. Essas caractersticas tornam o desenvolvimento sustentvel um processo a ser ainda implementado (PNUD, 1999). Um dos resultados da Conferncia Rio-92 a Agenda 21, considerada a principal referncia internacional em matria de desenvolvimento sustentvel;

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seu objetivo fazer face ao dilema da relao tensa entre a espcie humana e a natureza. Conforme esse documento, (...) o desenvolvimento sustentvel pretende combater a misria humana sem repudiar a natureza ou desconsiderar as especificidades locais. Introduz o objetivo global de um crescimento econmico e social duradouro, pensado com eqidade e certeza cientfica, e que no dilapide o patrimnio natural das naes ou perturbe desastradamente os equilbrios ecolgicos (CONFERNCIA DAS NAES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1997). O relacionamento do ser humano com o seu ambiente d-se pela mediao do trabalho. O trabalho humano estabelece uma relao entre atividade fsica e meio ambiente externo e com meios de trabalho transmitidos por processos de trabalho anteriores. Essa inter-relao consiste na essncia da produo e da interao sociedade-meio ambiente. Importante aqui o processo de produo, pois este define as relaes de propriedade e/ou a apropriao dos meios de produo e da natureza (Foladori, 2001). A pobreza e a degradao do meio ambiente esto estreitamente relacionadas. Enquanto a pobreza tem como resultado determinados tipos de presso ambiental, as principais causas da deteriorao ininterrupta do meio ambiente mundial so os padres insustentveis de consumo e produo, especialmente nos pases industrializados. Motivo de sria preocupao, tais padres de consumo e produo provocam agravamento da pobreza e dos desequilbrios. (CONFERNCIA DAS NAES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1997, p. 39). Contudo no se observa uma discusso consistente sobre a forma social da produo; as questes levantadas, em geral, consideram apenas o resultado desse processo, como poluio, depredao, excedente populacional, etc. (Foladori, 2001). A relao sociedade e meio ambiente passa pela compreenso de que a espcie humana tem uma trajetria histrica, onde as contradies entre os setores e as classes sociais, que so a expresso de uma determinada forma social de produo, condicionam e explicam o comportamento em relao natureza (Foladori, 2001).

4 - Consideraes finaisNo contexto da globalizao econmica mundial em curso, observa-se a tendncia forte e dominante de desregulamentao; entretanto a crise ambiental

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aponta uma necessidade incondicional de regulamentar a relao da sociedade com o meio ambiente. As reformas neoliberais e os processos de mundializao econmica desmantelaram, em parte, as capacidades reguladoras pblicas para controlar a degradao ambiental, bem como para lidar com problemas sociais como o desemprego, a pobreza e as conseqncias da urbanizao desenfreada. Contraditoriamente, surge, na maioria dos pases, a tomada de conscincia para impulsionar um desenvolvimento socioeconmico sustentvel atravs da incorporao econmica dos recursos naturais como patrimnio ou insumo bsico. O desenvolvimento sustentvel no se realizar de forma prtica, caso no se incluam os recursos naturais como capital ou, ao menos, sejam considerados como estoque, com suas caractersticas peculiares que vo alm do capital. A noo de desenvolvimento sustentvel apresenta legitimidade nos discursos dos diversos segmentos da sociedade mundial, bem como comporta interpretaes diversas, que vo desde mecanismos de desenvolvimento limpo at experincias mais amplas, como as ecovilas, que so assentamentos humanos, orientados pelas dimenses de sustentabilidade, incluindo, dentre outras questes, as da economia solidria, que buscam incrementar um sistema produtivo e um consumo mais equilibrado, inclusive ambientalmente. importante guardar uma postura crtica em relao s dinmicas socioeconmicas concretas para a implementao das transformaes necessrias, j que esto em jogo grandes interesses internacionais. Porm, frente crise ecolgica, as polticas ambientais que do respostas aos problemas pontuais como poluio industrial, contaminao do ar, do solo e das guas, buraco de oznio, chuvas cidas, etc. tambm so necessrias. Na busca de respostas mais especficas situao ambiental, torna-se necessria a construo de indicadores que dem conta de medir a degradao e o esgotamento dos recursos naturais, bem como de ndices que apontem benefcios e custos. No se pode esquecer, no entanto, que o ponto-chave do desenvolvimento sustentvel reside na criao e na legitimidade de novos paradigmas cientfico-tecnolgicos e de novas realidades materiais, somente obtidos atravs da ampliao dos espaos da cidadania, com a implementao de regimes democrticos e com o decorrente aperfeioamento de suas instituies.

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INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA E DE QUALIDADE AMBIENTAL: A NECESSIDADE DE INTEGRAO DAS DIMENSES SOCIAL, ECONMICA E AMBIENTALClitia Helena Backx Martins*

IntroduoNeste texto, aborda-se o tema dos indicadores que relacionam aspectos econmicos, sociais e ambientais, abrangendo-se as questes que dizem respeito construo desses indicadores e sua eficcia em propiciar uma maior compreenso sobre elementos relativos ao bem-estar e qualidade de vida das populaes, bem como qualidade ambiental. Primeiramente, enfoca-se a emergncia do debate sobre a crise ambiental; em seguida, apresenta-se uma sntese sobre as origens dos indicadores sociais e sua importncia; e, por fim, tecem-se algumas consideraes sobre as noes de qualidade de vida e de qualidade ambiental e suas implicaes para a construo de indicadores que levem em conta as diversas dimenses da sustentabilidade.

1 - A crise ecolgica global e a emergncia do debate sobre o meio ambienteOs impactos antrpicos sobre a Terra tm assumido formas diferentes nas diversas etapas da evoluo humana, desde a Pr-Histria, passando pela Antigidade, pela Idade Mdia e pela Era Moderna at a contemporaneidade, de

* Economista da FEE e Professora do Departamento de Economia e do Instituto do Meio Ambiente da PUCRS. E-mail: [email protected]

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acordo com o avano das tcnicas e com o nvel dos meios de produo correspondentes a cada uma dessas pocas. A modernidade inaugurou uma relao de maior controle e de dissociao entre os seres humanos e a natureza, com as descobertas cientficas na Renascena e a racionalidade vindo em contraposio ao pensamento mgico e metafsica. A partir da, intensificaram-se a ruptura da sociedade humana com o mundo natural e a simultnea consolidao do paradigma cartesiano-newtoniano. Entre os sculos XV e XVIII, ocorreram profundas transformaes de carter tecnolgico, econmico, social e poltico, que culminaram com o advento da I Revoluo Industrial e do capitalismo como modo de produo. Nos sculos que se seguiram, a industrializao continuou seu curso na Europa e em outros pases, sempre acompanhada por processos de aumento da produo, bem como de crescimento populacional e de rpida urbanizao, o que levou ao uso intensivo e sem planejamento de recursos naturais, como minrio de ferro e carvo, em um primeiro momento, e petrleo, j na II Revoluo Industrial, dentre outros. Alm disso, os processos de produo industrial, at recentemente, no levavam em considerao a gerao de externalidades ambientais negativas1, isto , as conseqncias danosas em termos de poluio e de depleo dos recursos, em geral, socializadas para toda a comunidade. O perodo logo aps a II Guerra Mundial caracterizou-se por uma forte expanso das foras produtivas, configurando a etapa conhecida como Anos de Ouro do capitalismo2, o que representou, respectivamente: em termos quantitativos, a intensificao e o aumento da produo; em termos espaciais, a integrao dos mercados e a expanso dos parques industriais de diversos pases, inclusive no Terceiro Mundo; em termos tecnolgicos, a aplicao de novas tcnicas e processos de trabalho; em termos culturais, a difuso do padro norte-americano, com hegemoneizao dos padres de consumo para determinadas faixas da populao; e, em termos ambientais, o aumento de emisso de poluentes, a presso sobre recursos naturais no renovveis e processos desordenados de crescimento das cidades, com perda de qualidade de vida, em especial, nas metrpoles. A III Revoluo Industrial, que se manifestou de forma mais visvel a partir do ltimo quartel do sculo XX, trouxe em seu bojo processos impactantes

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Externalidade negativa ou custo social refere-se ao provocada por um agente econmico que afeta negativamente outros agentes, ou seja, como uma socializao dos custos. Os chamados Anos de Ouro do capitalismo correspondem ao perodo que vai de 1945 (ps II Guerra Mundial) at meados dos anos 70, quando ocorreram o primeiro choque do petrleo e o recrudescimento da crise econmica, que contribuiu para a contestao do modelo de Welfare State e do intervencionismo keynesiano pela corrente neoliberal.

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de reestruturao produtiva e de flexibilizao das relaes de trabalho; ao mesmo tempo, porm, com o fenmeno da globalizao, hbitos de consumo e modos de comportamento ocidentais foram disseminados por todo o planeta, pressionando a demanda por recursos naturais, como insumos e fontes energticas. Outrossim, a insero em mercados globais tem levado alguns pases emergentes a um esforo significativo de produo de bens para exportao, o que se explica pela necessidade de pagamento da dvida externa a que muitos desses pases se vem obrigados. Nesse caso, o crescimento das exportaes acarreta tambm uma presso sobre o uso do capital natural e o aumento das atividades industriais com maior potencial de poluio 3. Por outro lado, o debate sobre as relaes entre meio ambiente e desenvolvimento econmico, desde o ps II Guerra Mundial, foi marcado tanto por uma srie de eventos e grandes conferncias, como tambm por graves acidentes ecolgicos causados por impacto antrpico direto. Dentre eles, podem-se assinalar: - em 1949, a I Conferncia da Organizao das Naes Unidas (ONU) sobre o Meio Ambiente, que teve pouca repercusso, pelo momento histrico que se vivia, de retomada do crescimento econmico e de expanso populacional, o que chegou a ser denominado como baby-boom nos Estados Unidos; - em 1952, o acidente conhecido como Smog4, em Londres, com 1.600 mortes diretas, que provocou um amplo debate sobre a qualidade do ar na Gr-Bretanha; - em 1967, o acidente na plataforma britnica de extrao de Torrey Canyon, que lanou uma grande quantidade de petrleo no mar; - em 1968, a contaminao por mercrio, que ficou conhecida mundialmente como Mal de Minamata, na baa de mesmo nome, no Japo, reportada como o primeiro grave acidente ambiental ocasionado por contaminao industrial que levou a um processo de indenizao das vtimas; - ainda em 1968, a Conferncia da Biosfera, organizada pela UNESCO, em Paris, demarcando oficialmente o incio da conscientizao em relao ao meio ambiente nos pases capitalistas centrais; - em 1972, a publicao do relatrio Limites do Crescimento pelo Clube de Roma, incluindo projees, em grande parte, no concretizadas, mas com o mrito de alertar a sociedade para os limites de explorao do planeta;3

Carvalho (2001) e Young e Lustosa (2001) mencionam o caso brasileiro, relacionando o crescimento das atividades industriais de alto potencial poluidor na dcada de 90 com o aumento das exportaes desse setor. Refere-se combinao de fog com smoke, isto , um fenmeno de reverso trmica com contaminao do ar por emisses poluentes de automveis e indstrias.

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- tambm em 1972, a organizao da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, da qual participaram 113 pases e onde se criou o Programa das Naes Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA); - em 1973, o surgimento do conceito de ecodesenvolvimento, formulado por Maurice Strong e Ignacy Sachs (1986), o qual propugna o desenvolvimento baseado nas potencialidades de cada ecossistema, em ecotcnicas apropriadas a populaes locais, na participao dessas populaes, na reduo do desperdcio e na reciclagem dos resduos; - entre 1976 e 1986, seis graves acidentes envolvendo o meio ambiente, atravs de contaminao qumica ou nuclear o de Seveso, na Itlia, em 1976; o de Three Mile Island, nos EUA, em 1979; o de Bophal, na ndia; o de Love Canal, nos EUA; e o de Vila Soc, no Brasil, os ltimos em 1984; e o de Chernobyl, na ex-URSS, em 1986; - em 1987, a publicao do Relatrio Brundtland (Nosso Futuro Comum), divulgando o conceito de desenvolvimento sustentvel como aquele que atende s necessidades humanas presentes sem comprometer a possibilidade de as geraes futuras atenderem s suas prprias necessidades (World Comission on Environment and Development, 1987); - em 1992, a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, a Rio-92, que adquiriu uma conotao poltica e social muito mais forte do que sua anterior, em 1972; - em 2002, a Cpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentvel (Rio + 10), tambm promovida pela ONU, em Johanesburgo, frica do Sul. Contudo, mesmo com o avano do debate sobre as interaes meio ambiente-sociedade, questes fundamentais continuam na pauta das discusses. Entre estas, permanecem as indagaes sobre a viabilidade de implementao de projetos dentro do escopo do desenvolvimento sustentvel em pases capitalistas perifricos, como o Brasil, havendo dvidas sobre a possibilidade de autonomia e soberania, acesso tecnologia e recursos financeiros dos pases do Terceiro Mundo, para que estes possam seguir os caminhos da sustentabilidade (Ely, 1992). No prximo tpico, apresentam-se um breve histrico sobre o surgimento dos indicadores sociais e sua relevncia para medir e acompanhar polticas pblicas e processos de transformao social.

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2 - Origem e relevncia dos indicadores sociaisIndicadores podem ser definidos como (...) modos de representao (tanto quantitativa quanto qualitativa) de caractersticas e propriedades de uma dada realidade (processos, produtos, organizaes, servios, ...) que tm por finalidade a busca da otimizao de tomadas de deciso em relao: (a) definio do objeto de ao (o que fazer), (b) ao estabelecimento de objetivos (para que fazer), (c) s opes metodolgicas (como fazer), (d) previso de meios e recursos (com quem e com o que fazer) e (e) organizao da sistemtica de avaliao (taxao de valor), tendo como parmetro a transformao desejada daquela realidade no tempo (Observatrio de Sustentabilidade e Qualidade de Vida, 2004). As primeiras tentativas de levantar indicadores sociais ocorreram nos anos 20 e 30 do sculo XX, nos Estados Unidos, com os trabalhos pioneiros de W. F. Ogburn, que visavam caracterizar as tendncias de mudana social naquele pas. J nos anos 50, J. Drenowski e uma comisso de especialistas da ONU buscaram aperfeioar a medio de padres de vida atravs da identificao de variveis correspondentes medio e dos indicadores respectivos a essas variveis (Noll; Zapf, 1994). Em meados dos anos 60, surgiram alguns trabalhos envolvendo a elaborao de indicadores sociais que visavam verificar os efeitos provocados por programas espaciais promovidos pela NASA sobre a populao norte-americana. Os pesquisadores da poca chegaram concluso, porm, de que havia uma grande lacuna no que se referia tanto adequao de dados quanto de metodologia para medir essas repercusses (Noll; Zapf, 1994). Atribui-se ao diretor do projeto de pesquisa, Raymond Bauer, a consolidao do conceito de indicador social; para ele, indicadores sociais seriam sries estatsticas destinadas ao acompanhamento de processos sociais para conhecer melhor os valores e os objetivos de determinada sociedade (Noll; Zapf, 1994). Como Schrader complementa, (...) os indicadores sociais tm por finalidade no somente mostrar, de forma bastante precisa, a relao entre os fatos e as mudanas, mas tambm subsidiar o monitoramento dos processos sociais (Schrader, 2002, p. 11). Citando Altmann, Santagada (2004) relata que, em 1966, o Pesquisador Daniel Bell fez aluso possibilidade de criao, pelo governo norte-americano, de um sistema de contabilidade social, sendo esta a primeira proposta de sistematizao de indicadores sociais referendada por um rgo governamental. Mais para o final da dcada de 60, foi criado um rgo nacional de pesquisa nos Estados Unidos, com o objetivo especfico de apresentar anualmente um relatrio

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sobre as condies sociais do Pas, onde apareceu, pela primeira vez, a referncia quantificao da qualidade de vida da populao. Dessa maneira, apenas nos anos 60 e 70 que o conceito de indicador social se generalizou e passou a ser aplicado em pesquisas de vrios pases ocidentais, em funo, principalmente, do clima de intensa movimentao poltica e social da poca, ou seja, ainda durante os Anos de Ouro do capitalismo. Mesmo com as altas taxas de crescimento econmico, caractersticas desse perodo, levantaram-se dvidas quanto aos custos sociais acarretados pelo crescimento. Assim, ao menos nos pases desenvolvidos, o debate sobre pobreza pblica versus riqueza privada, como duas faces da mesma moeda, tornou-se corrente. Cunhou-se tambm a expresso qualidade de vida para designar no somente o acesso a bens materiais, mas a outros bens menos tangveis, como justia, participao poltica, conforto ambiental, etc. Questionava-se, portanto, a idia da sociedade afluente capitalista, em que mais, no sentido de consumo de bens materiais, deveria ser entendido automaticamente como um melhor padro de vida (Noll; Zapf, 1994). Percebe-se que, no iderio poltico dos anos 60 e 70, em pases capitalistas avanados, predominava o pensamento socialdemocrata de interveno social para o nivelamento da sociedade, o que levava possibilidade de planejar e monitorar a economia e a sociedade, sem reproduzir o modelo socialista sovitico. Nesse sentido, os indicadores sociais passaram a representar um instrumento de larga utilizao para medir o bem-estar da populao e a mudana social pretendida (Noll; Zapf, 1994). De uma maneira geral, ento, o desenvolvimento da pesquisa sobre indicadores sociais deve-se, sobretudo, necessidade de informaes para o planejamento e a execuo de polticas pblicas concernentes melhoria da qualidade de vida, buscando-se dados que possam esclarecer, da forma mais precisa possvel, a dinmica de processos e as estruturas, os objetivos, as opinies e os valores de cada sociedade especfica. Se, no princpio, esses dados eram fundamentalmente de teor econmico como o PIB per capita, por exemplo, para medir a renda mdia individual , num segundo momento, foram incorporados dados sociais e estatsticos mais abrangentes, como os relativos demografia, sade e educao. A dcada de 70 assistiu tambm ao crescente interesse das organizaes internacionais governamentais ou intergovernamentais, como a Organizao das Naes Unidas (ONU) e as organizaes afiliadas a ela, em elaborar e analisar indicadores sociais, o que contribuiu para o estabelecimento de parmetros para a comparao desses indicadores entre os diversos pases membros da ONU. Aps o incremento da discusso e da construo de indicadores sociais nos anos 70, devido ao clima poltico propcio, seguiu-se, nos anos 80, uma

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fase de estagnao desse tipo de pesquisa social, em parte causada pelas crticas feitas por polticos conservadores ao modelo de Welfare State em vrios dos pases centrais do capitalismo. A partir dos anos 90, contudo, vem ocorrendo uma revitalizao do movimento de indicadores sociais, no qual se destaca a participao da ONU e de seus rgos afiliados. Atravs da criao de comisses que realizam estudos e anlises especficos, as Naes Unidas tm recomendado a adoo de indicadores para o monitoramento de polticas e aes sociais e ambientais nos pases-membros, em conformidade com os diversos acordos e pactos estabelecidos na srie de grandes conferncias internacionais e de cpula promovidas pela ONU, como a Conferncia Rio-92 sobre meio ambiente e desenvolvimento e a reunio de cpula sobre desenvolvimento social em Copenhaguen, em 1995 (Santagada, 2004). Por outro lado, a abordagem atual de uso dos indicadores no se coloca tanto no sentido de interveno unilateral do governo para as transformaes, porm no de esclarecer a sociedade e proceder a um monitoramento da mudana social efetuada pela prpria coletividade, no que se poderia aproximar do conceito de modernizao reflexiva delineado por Anthony Giddens e Ulrich Beck.5 As novas propostas de pesquisa sobre indicadores evidenciam tambm que importante que no se opere apenas com indicadores do tipo objetivo (referindo-se mais a dados concretos, como taxa de alfabetizao, taxa de mortalidade infantil, etc.) ou, ao contrrio, somente com os de carter subjetivo (os que enfatizam a avaliao individual sobre fatos sociais), mas, sim, com uma combinao dos dois (Noll; Zapf, 1994). Em resumo, pode-se dizer que os indicadores sociais tiveram sua etapa de fundao nos anos 60, a de crescimento nos anos 70 e a de estagnao nos 80. Dos anos 90 em diante, observa-se uma retomada da investigao sobre o tema, porm em outras bases. A reconsiderao sobre conceitos de bem-estar e qualidade de vida, ligados agora a uma viso ecolgica, ou seja, integrando as dimenses social, econmica e ambiental do desenvolvimento sustentvel, uma das tendncias fortes que tm despontado no cenrio da pesquisa sobre indicadores.

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A reflexividade social explicada por Giddens como (...) o uso de informaes sobre as condies de atividade como um meio de reordenar e redefinir regularmente o que essa atividade (Giddens, 1996, p.101). Assim sendo, a reflexividade diz respeito capacidade das pessoas de tomarem decises, levando-se em conta as transformaes das estruturas.

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3 - Qualidade de vida e qualidade ambiental: como medi-las?Neste item, renem-se algumas definies sobre qualidade de vida e qualidade ambiental, na tentativa de se apontarem critrios para a determinao de indicadores socioeconmico-ambientais. A discusso sobre a essncia da boa vida para o ser humano antiga, podendo-se encontrar essa referncia em Aristteles; em argumento contrrio viso do senso comum de que a boa vida aquela que inclui prazer, honra e riqueza, o filsofo reforou a idia de que o completo bem-estar humano somente alcanado quando a vida tem um propsito ou funo, que, ele sugere, seja a atividade racional plena ou perfeita (Megone, 1990). A noo atual de qualidade de vida pode estar associada a diversas vises, podendo-se pens-la em termos absolutos ou relativos. Assim, o que essencial para uma boa qualidade de vida em um pas ou em uma regio pode no ser em outra. Observa-se, contudo, um esforo no sentido de identificar certos fatores bsicos para poder se chegar a um denominador comum no que tange a condies universais mnimas de vida. Esses fatores so usualmente includos na montagem de indicadores sociais com os quais se pretende avaliar padres de vida em diferentes pases, tendo como exemplo mais conhecido o ndice de Desenvolvimento Humano das Naes Unidas. De acordo com a ONU, a qualidade de vida est relacionada satisfao do cidado, abrangendo o acesso e a garantia de atendimento a servios de sade e de educao, bem como alimentao, ao trabalho, segurana e participao na comunidade. Assim, nessa acepo, a qualidade de vida entendida como um bem ou um produto essencial satisfao das necessidades de um indivduo ou de uma coletividade. A idia de necessidade, como exigncia inevitvel e imprescindvel, no entanto, no se restringe a uma dimenso estritamente econmica, abarcando, efetivamente, tanto itens tangveis como no tangveis (Ferreira, 1995). Por sua vez, na avaliao da qualidade socioambiental, considera-se a gravidade dos problemas ambientais existentes conforme o impacto que tal problema tenha sobre a sade da populao e de acordo com o grau de dano que ele possa trazer no sentido de agravar o esgotamento de recursos naturais, essenciais para uma biosfera sustentvel (Hardoy; Satterthwaite, 1990). Para Gallopn (1982), a qualidade ambiental definida com base na anlise do ambiente humano, ou seja, em funo da qualidade de vida dos seres humanos. Como o autor ressalta, convm distinguir entre os componentes objetivos e subjetivos da qualidade ambiental, em termos respectivos de: qualidade ambiental estimada, isto , a avaliao das condies ambientais baseada em juzos de

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valor intersubjetivos; e qualidade ambiental percebida, relativa avaliao subjetiva da qualidade ambiental efetuada pelos indivduos. Guimares (1984) refora essa idia de que as percepes sobre o meio ambiente dificilmente podem ser captadas somente atravs da anlise de medidas estritamente objetivas, coletadas revelia das experincias e das vises dos indivduos afetados. Na sua concepo, o recorte subjetivo, atravs dos depoimentos da populao, constitui-se, portanto, em um elemento imprescindvel para a determinao de prioridades referentes qualidade ambiental, que no prescinde, contudo, de estatsticas e de outros dados quantitativos na avaliao socioambiental. Entretanto, para prevenir e minimizar problemas socioambientais, Vieira (1992) sugere que se estimule a pesquisa de indicadores de qualidade socioambiental considerados compatveis com uma abordagem estrutural das causas da problemtica ambiental. Sachs (1986) sugere a pesquisa e a utilizao de novos indicadores socioeconmicos e ambientais, com maior alcance do que os tradicionais indicadores econmicos, que possibilitem determinar a taxa de explorao da natureza decorrente das atividades humanas e o grau de normalidade dos ciclos ecolgicos de renovao dos recursos. A construo de indicadores e ndices que levem em conta a problemtica ambiental est relacionada com as concepes mais atuais sobre qualidade de vida e bem-estar, que abrangem itens como a qualidade do ar e da gua para consumo humano e a preservao das chamadas amenidades ambientais, como as paisagens naturais. Por outro lado, pensando-se em termos de concepo e execuo de polticas econmicas, torna-se cada vez mais importante e urgente ter-se o parmetro da limitao dos estoques de recursos naturais que servem como insumos de produo, alm de se contabilizarem e internalizarem os custos referentes poluio causada pelas atividades produtivas. Nesse sentido, como assinala De Carlo (1999), faz-se necessria a incorporao da dimenso ambiental no sistema de informaes estatsticas do Pas. A existncia desses sistemas, integrando aspectos econmicos e ambientais, contribui para o monitoramento e a avaliao do grau de sustentabilidade dos padres de desenvolvimento. Sua utilizao ocorre tanto para o controle do uso dos recursos naturais e preservao dos ecossistemas no Pas, como para registrar os efeitos ambientais das atividades econmicas e os efeitos econmicos das polticas ambientais. Alm disso, essas informaes econmico-ambientais podem ter um papel fundamental para a modificao das percepes da populao sobre o estilo de desenvolvimento vigente, influenciando a opinio pblica e os planejadores sobre a relevncia da preservao do meio ambiente.

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O surgimento de propostas para a criao de indicadores ambientais ou de sustentabilidade tem se dado desde o final da dcada de 80, tendo em comum a meta de fornecer subsdios para a formulao de polticas pblicas e processos de tomada de deciso no setor pblico ou no privado, bem como a de dar consistncia e funcionalidade ao conceito de sustentabilidade. Assim sendo, as tentativas de construo desse tipo de indicadores seguem trs vertentes: a biocntrica consistindo em indicadores biolgicos, fsico-qumicos ou energticos de equilbrio ecolgico dos ecossistemas ; a econmica abrangendo avaliaes monetrias do capital natural e do uso dos recursos naturais ; e uma terceira, que combina aspectos do ecossistema natural com aspectos relativos ao sistema econmico e da qualidade de vida humana, aproximando-se mais da idia de ndices de sustentabilidade (Braga; Freitas; Duarte, 2002). interessante observar que, sendo um processo relativamente recente, a construo de indicadores com a dimenso ambiental tem passado por diversas tentativas de adequao para se poder chegar a um refinamento metodolgico, sendo que vrias questes relevantes ainda se colocam para os pesquisadores que atuam na sua elaborao. Uma delas diz respeito ponderao dos componentes e dos indicadores para a construo de ndices, que se traduz na deciso sobre o que tem mais ou menos importncia na determinao da sustentabilidade.

4 - Comentrios finaisNo decorrer deste texto, procurou-se evidenciar aspectos relativos construo de indicadores como instrumentos para medir a qualidade de vida e a qualidade ambiental. No caso especfico dos indicadores socioambientais, estes vm aos poucos sendo incorporados nas anlises sobre bem-estar da populao. A introduo da problemtica ambiental nos sistemas nacionais e internacionais de indicadores de extrema importncia para a anlise dos processos atuais de desenvolvimento, alm de proporcionar elementos essenciais para a elaborao de projetos e polticas pblicas. Nesse sentido, requer-se o aprofundamento de pesquisa que leve obteno das variveis e dos dados adequados para se chegar elaborao sistematizada de indicadores que integrem as dimenses social, econmica e ambiental, como uma das formas possveis de contraposio s situaes de risco ao meio ambiente.

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INDICADORES DO POTENCIAL POLUIDOR DAS ATIVIDADES INDUSTRIAIS NO RIO GRANDE DO SUL: UMA CONTRIBUIO INICIALClitia Helena Backx Martins* Maria Lcia Bernardes Coelho Silva** Naia Oliveira*** Rafael Bernardini Santos****

1 - IntroduoA importncia das pesquisas que levam construo de indicadores de sustentabilidade reside na capacidade de tentar responder a novas questes que vm emergindo nas reas ambiental, social e econmica. Nesse contexto, alguns autores, dentre eles Jannuzzi e Gracioso (2002), apontam a existncia de lacunas em relao a informaes para o planejamento pblico e para o diagnstico social, em especial nas temticas referentes a meio ambiente, qualidade de vida e pobreza. Com relao ao tema recursos naturais e meio ambiente, considera-se que ele no est ainda suficientemente coberto nos sistemas estaduais de estatsticas, o que se explica, em parte, pelas carncias estruturais e organizacionais dos rgos pblicos em cada estado brasileiro, bem como de referenciais terico-analticos. Entretanto, conforme Senra, citado em Jannuzzi (2002), os institutos brasileiros de estatstica tm-se aberto s novas demandas trazidas por usurios de informaes e, ao mesmo tempo, tm-se mostrado mais pr-ativos na criao e na distribuio de novos produtos. Alinhada a essa posio, a Fundao de Economia e Estatstica (FEE), juntamente com a Fundao Estadual de Proteo Ambiental (Fepam), ambos* Economista da FEE e Professora da PUCRS. ** Engenheira Qumica da Fepam. *** Sociloga da FEE. **** Estatstico da FEE.

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rgos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, elaborou o ndice de Dependncia das Atividades Potencialmente Poluidoras da Indstria (Indapp-I) e o ndice de Potencial Poluidor da Indstria (Inpp-I) para os municpios gachos, para 2001, lidando com duas das dimenses da sustentabilidade: a econmica e a ambiental. Trata-se de um primeiro esforo para contribuir para um sistema de informaes peridicas que incorpore dados ambientais aos j tradicionais levantamentos econmicos e sociais, fornecendo subsdios para processos decisrios das gestes pblica e privada. O presente artigo compe-se da Metodologia para a construo dos ndices dos principais enfoques da anlise, com recortes de cunho geogrfico e poltico-administrativo, e das Consideraes finais, com perspectivas de aprofundamento no sentido de criao de indicadores e de ndices de sustentabilidade.

2 - MetodologiaCom o objetivo de construir o ndice de Potencial Poluidor da Indstria, fez-se mister, primeiramente, a elaborao dos indicadores de potencial poluidor (PP) da indstria, do ndice de Dependncia das Atividades Potencialmente Poluidoras da Indstria e do ndice do Valor Adicionado Bruto da Indstria (IVAB-I), conforme descrito a seguir.

2.1 - Indicadores de potencial poluidor da indstriaOs indicadores de potencial poluidor da indstria consistem nos percentuais da produo industrial por nvel de potencial poluidor (alto, mdio e baixo). Estes foram calculados para cinco categorias de unidades geogrficas municpios, Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), aglomerados urbanos, regies hidrogrficas e Estado para o ano de 2001. So inspirados nos indicadores de potencial poluidor elaborados por Carvalho (2001) e Carvalho e Ferreira (1992), com uma metodologia distinta. Apresentar-se-, agora, a seqncia de passos metodolgicos seguidos at a obteno desses indicadores.

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2.1.1 - Classes da Classificao Nacional das Atividades Econmicas (CNAE) quanto ao potencial poluidorO primeiro passo consistiu em qualificar, quanto ao potencial poluidor, as 281 Classes1 da indstria na Classificao Nacional das Atividades Econmicas da Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) (IBGE, 2004). Para faz-lo, adotou-se a classificao de potencial poluidor das atividades econmicas utilizadas pela Fepam, no enquadramento dos empreendimentos para fins de licenciamento ambiental (FEPAM-RS, 2004). Essa classificao tem origem em estudo de Perrit (1981), que fornece, de forma qualitativa, a potencialidade poluidora segundo cinco parmetros de poluio hdrica e de poluio atmosfrica relativos s diferentes tipologias industriais do IBGE poca, pressupondo-se que cada tipo apresenta uma produo mdia e tecnologia convencional. Para cada parmetro, foram atribudos pesos, de acordo com seus efeitos nocivos ao meio ambiente, e, a seguir, valores em funo das caractersticas do ramo industrial, obtendo-se, ao final, as classificaes qualitativas de potencial poluidor hdrico e atmosfrico. Posteriormente, a Fepam uniu essas duas classificaes, inserindo tambm um terceiro elemento, relativo aos efeitos dos resduos slidos, e associando a cada atividade econmica um grau de potencial poluidor (alto, mdio ou baixo). Essa juno foi feita tomando-se, predominantemente, uma posio conservadora, ao se agregarem em apenas uma as potencialidades poluidoras hdrica, atmosfrica e de resduos slidos. A classificao do potencial poluidor das atividades reflete o comportamento mdio quanto ao risco de comprometimento no ambiente. A utilizao da classificao de potencial poluidor de atividade no considera o porte do empreendimento, o grau de avano tecnolgico especfico ou dos equipamentos de controle adotados. Outro fator limitante o fato de essa informao no ser desagregada por tipo de poluio ou poluente. Vale ressaltar que, ao se efetuar a compatibilizao da CNAE com a classificao da Fepam, elas no se ajustaram de forma perfeita, havendo situaes em que uma classe de atividade econmica da CNAE correspondia a mais de uma atividade econmica da Fepam. Nesses casos, sempre se optou por classificar a atividade com o potencial poluidor mais alto das atividades econmicas correspondentes na classificao da Fepam. A Tabela 1 fornece um resumo, por Divises da CNAE, das classificaes feitas.

1

A Classe da CNAE 14.22-2 Extrao e refino de sal marinho e sal-gema foi desconsiderada, pois h incompatibilidade desta com a classificao da Fepam.

36Tabela 1 Divises e nmero de classes da CNAE NMERO DE CLASSES DA CNAE DIVISES DA CNAE 10 - Extrao de carvo mineral .................................... 11 - Extrao de petrleo e servios correlatos ............. 13 - Extrao de minerais metlicos .............................. 14 - Extrao de minerais no-metlicos ....................... 15 - Fabricao de produtos alimentcios e bebidas ...... 16 - Fabricao de produtos do fumo ............................ 17 - Fabricao de produtos txteis ............................... 18 - Confeco de artigos do vesturio e acessrios .... 19 - Preparao de couros e fabricao de artefatos de couro, artigos de viagem e calados ....................... 20 - Fabricao de produtos de madeira ....................... 21 - Fabricao de celulose, papel e produtos de papel 22 - Edio, impresso e reproduo de gravaes ...... 23 - Fabricao de coque, refino de petrleo, elaborao de combustveis nucleares e produo de lcool .......................................................................... 24 - Fabricao de produtos qumicos ........................... 25 - Fabricao de artigos de borracha e plstico ......... 26 - Fabricao de produtos de minerais no-metlicos 27 - Metalurgia bsica .................................................... 28 - Fabricao de produtos de metal, exclusive mquinas e equipamentos ................................................ 29 - Fabricao de mquinas e equipamentos .............. 30 - Fabricao de mquinas para escritrio e equipamentos de informtica ............................................. 31 - Fabricao de mquinas, aparelhos e materiais eltricos ................................................................... 32 - Fabricao de material eletrnico e de aparelhos e equipamentos de comunicaes ............................. 33 - Fabricao de equipamentos de instrumentao mdico-hospitalares, instrumentos de preciso e pticos, equipamentos para automao industrial, cronmetros e relgios ............................................ 34 - Fabricao e montagem de veculos automotores, reboques e carrocerias ........................................... 35 - Fabricao de outros equipamentos de transporte 36 - Fabricao de mveis e indstrias diversas ........... 37 - Reciclagem ................................................................ TOTAL .............................................................................. Potencial Poluidor Alto 1 2 7 3 18 0 13 1 1 0 3 0 4 29 1 4 12 14 28 4 11 0 Mdio 0 0 0 0 17 1 0 2 6 4 5 8 0 5 2 6 0 3 0 0 3 3 Baixo 0 0 0 0 1 0 7 2 0 1 0 4 0 0 3 1 0 0 0 0 0 1 Total 1 2 7 3 36 1 20 5 7 5 8 12 4 34 6 11 12 17 28 4 14 4

0 10 8 5 0 179

5 1 2 7 0 80

0 0 0 0 2 22

5 11 10 12 2 281

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Comisso Nacional de Classificao. CNAE/CNAE-Fiscal 1.0. Disponvel em: http://www.cnae.ibge.gov.br/cgi-bin/cnae-prd.dll/html

37

2.1.2 - Obteno do valor da produo industrialPara medir a produo industrial, utilizou-se o seu Valor Adicionado Bruto (VAB). O Produto Interno Bruto (PIB) industrial no foi usado, pois, em nvel setorial, calcula-se apenas o VAB. No obstante, no h desvantagens em utilizar o VAB ao invs do PIB, visto que eles so muito prximos em valor, devido similaridade dos conceitos medidos por um e outro. O VAB mede a produo a preos do produtor (produo total menos consumos intermedirios), enquanto o PIB reflete o mesmo conceito a preos de mercado. Assim, a nica diferena entre ambos est no cmputo dos impostos indiretos e dos subsdios; ou seja, o PIB igual produo, mais impostos indiretos, menos subsdios. Justifica-se, dessa maneira, o clculo apenas do VAB quando se trata de setores, uma vez que se valoram os impostos e os subsdios somente para o agregado da economia. O VAB industrial dos municpios e do Estado calculado pela FEE (FEE, 2004). O VAB industrial das demais unidades geogrficas (Coredes, regies hidrogrficas e aglomerados urbanos) obtido por agregao dos valores dos municpios que os compem. Por fim, o ndice do VAB por unidade geogrfica obtido tomando-se o valor do Estado em 2001 como base.

2.1.3 - Obteno da produo industrial por classe da CNAEO valor da produo industrial, em cada unidade geogrfica, foi rateado segundo as Classes (agregao em cinco dgitos) da CNAE. Utilizaram-se, como variveis de rateio, as sadas contbeis totais e o Valor Adicionado Fiscal (VAF)2 das classes de atividade econmica industrial em cada unidade geogrfica. A varivel mais correta para se executar esse rateio seria o faturamento total de cada classe de atividade econmica por unidade geogrfica. No entanto, essa varivel pouco confivel do ponto de vista estatstico, pois pode haver grandes variaes de um ano para o outro em uma determinada classe de atividade econmica. Em vista disso, utilizou-se a varivel sadas contbeis totais (de cada classe de atividade econmica por unidade geogrfica), por ter um comportamento semelhante ao do faturamento total e por ser mais confivel em funo dos critrios aludidos acima. Ainda assim, essa varivel apresentava algumas discrepncias de valor de um ano para o outro. Em vista disso, usou-se o VAF (considerado confivel) como varivel de controle para corrigir discrepncias nas sadas contbeis totais. Em situaes2

Dados fornecidos para a FEE pela Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul.

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em que as sadas contbeis totais apresentassem valor inferior ao do VAF, elas tinham seus valores igualados ao VAF (uma vez que este no pode superar as sadas contbeis totais). Esse procedimento corrigiu boa parte das discrepncias, e as restantes no foram alteradas, j que no se pde definir se as grandes variaes realmente haviam ocorrido, ou se eram originadas por algum tipo de erro desconhecido. Todavia essas situaes foram raras.

2.1.4 - Obteno dos indicadores de potencial poluidorUma vez qualificadas as Classes da CNAE da indstria, de acordo com o seu potencial poluidor, e obtidos os valores de produo industrial das mesmas por unidade geogrfica, tornou-se simples o clculo dos indicadores de potencial poluidor, como definidos anteriormente.

2.1.5 - Ajustes metodolgicos adicionaisUtilizaram-se os dados de 2001 referentes s sadas contbeis totais e ao VAF, imprescindveis no cmputo dos indicadores, visto que as informaes de 2002 ainda no haviam sido criticadas. Quanto s regies hidrogrficas, que tambm tiveram os indicadores de potencial poluidor calculados, procedeu-se a alguns ajustes relativos aos municpios pertencentes s mesmas, pois alguns municpios possuem rea em mais de uma das regies. Definiu-se, nesse caso, de acordo com a localizao da sede municipal e com a maior percentagem de territrio do municpio na rea de drenagem da regio hidrogrfica escolhida. As excees so: (a) os municpios em que a sede e a rea do territrio esto igualmente distribudas em mais de uma regio hidrogrfica e que foram, assim, includos aleatoriamente em uma determinada regio hidrogrfica trata-se dos Municpios de Cruz Alta e Carazinho, includos na regio hidrogrfica do Uruguai; de Passo Fundo, na regio do Guaba; e de Encruzilhada do Sul, na regio da Bacia Litornea; (b) os municpios em que a classificao se mostrava inconsistente, devido ao fato de que estes ficavam isolados de suas respectivas regies hidrogrficas, provocando o efeito visual de ilhas no mapa das regies hidrogrficas foram os casos do Municpio de So Jos dos Ausentes, que foi realocado da regio hidrogrfica do Uruguai para a do Guaba, e do Municpio de Lavras do Sul, da regio hidrogrfica da Bacia Litornea para a do Uruguai.

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2.2 - ndice de Dependncia das Atividades Potencialmente Poluidoras da IndstriaO ndice de Dependncia das Atividades Potencialmente Poluidoras da Indstria foi elaborado para possibilitar a diferenciao entre unidades geogrficas com indicadores de potencial poluidor muito prximos. Essa necessidade se evidenciou quando da tentativa de analisar os Municpios de Santa Cruz do Sul e Novo Hamburgo. Ao tentar se estabelecer qual municpio estaria em uma situao melhor quanto ao potencial poluidor, chegou-se a um impasse. Santa Cruz do Sul possua o menor percentual de alto potencial poluidor, porm Novo Hamburgo apresentava um maior percentual de baixo potencial poluidor. Qual estaria em melhor situao? Para resolver essa questo e outras semelhantes, elaborou-se um nico ndice, com o qual fosse possvel ordenar os municpios segundo a sua dependncia das atividades potencialmente poluidoras. Para resolver o dilema apontado acima, a princpio, necessitar-se-ia de um instrumento que apontasse o nvel de concentrao da produo industrial nas classes de potencial poluidor, ou seja, um ndice que aferisse a concentrao da produo nessas classes. Num primeiro momento, pensou-se em utilizar algum dos ndices clssicos de concentrao, como, por exemplo, os ndices de Hirschman-Herfindahl, Portocarreiro, Rosenbluth ou a entropia, bem detalhados em Hoffmann (1998) e Souza (1977). Esses ndices so tradicionalmente utilizados em estudos de concentrao industrial e podem ser aplicados tanto para medir a concentrao de um setor especfico da indstria (utilizando dados de produo de cada empresa por exemplo), quanto para a concentrao da indstria como um todo (utilizando dados de produo de seus subsetores por exemplo); ou mesmo em anlises de concentrao espacial (utilizando dados de produo de unidades geogrficas por exemplo). No entanto, para alcanar o objetivo proposto, a concentrao no poderia ser mensurada exatamente da forma como descrita nos exemplos acima. Nenhum dos ndices anteriormente citados possua a caracterstica desejada: medir a concentrao da produo industrial orientada segundo os nveis das classes de potencial poluidor das atividades econmicas da mesma. Ou seja, mensurar, alm do nvel de concentrao, a direo em que esta se d, se no sentido das classes com mais alto ou mais baixo potencial poluidor. Com esse objetivo traado, construiu-se o Indapp-I, inspirado nos conceitos dos ndices clssicos de concentrao descritos acima, acrescentando-se a caracterizao da direo dessa concentrao. Apresentar-se-, agora, de forma genrica, a seqncia de passos metodolgicos seguidos na elaborao desse ndice de concentrao orientado. Posteriormente, este foi utilizado com as variveis de potencial poluidor das

40

atividades econmicas da indstria e com o Valor Adicionado Bruto destas, a fim de se obter o Indapp-I.

2.2.1 - Obteno do ndice de concentrao orientadoPrimeiramente, foi necessrio definir as duas variveis com as quais se desejava trabalhar, quais sejam: a varivel da qual se obteria a concentrao orientada (o Valor Adicionado Bruto da indstria) e a varivel que daria a direo dessa concentrao (o potencial poluidor). Nos ndices clssicos de concentrao, esta ltima varivel era sempre nominal (uma vez que no se necessitava de uma orientao para o clculo da concentrao). Exemplos dessas variveis nominais foram descritos anteriormente (empresas de um determinado setor da indstria, unidades geogrficas de uma determinada regio, etc.). No presente desenvolvimento, no entanto, necessitava-se de uma varivel mensurada em nvel ordinal (o potencial poluidor), justamente para que a direo em que se calcularia a concentrao fosse dada. Definidas as duas variveis com as quais se trabalharia a varivel de concentrao (o Valor Adicionado Bruto da indstria) e a varivel de direo (o potencial poluidor) , tomou-se dos ndices clssicos, citados anteriormente, o objeto de clculo do pretendido ndice de concentrao orientado: a participao da varivel de concentrao nas classes da varivel de direo, que definida da seguinte forma

yi =

xi

xj =1

k

(1)j

onde yi a participao de X na classe zi; X a varivel na qual a concentrao ser computada, ou seja, a varivel de concentrao; Z a varivel de direo, que mensurada, minimamente, em nvel ordinal, possuindo, assim, k classes (z1, z2, ..., zk), as quais esto ordenadas segundo o seu nvel de grandeza, de forma que a primeira classe indique a classe de mais alto nvel e a classe k indique a classe de mais baixo nvel; X(zi) = xi a funo que define os valores de X nas k classes de Z. Pretendia-se que esse novo ndice tivesse valor mximo quando toda a concentrao se desse na classe de mais alto nvel da varivel de direo. E,

41

de forma anloga, que tivesse valor mnimo quando toda concentrao se desse na classe de mais baixo nvel da varivel de direo. Inspirado no ndice de Gini, que toma as diferenas entre todas as observaes da varivel em estudo para efetuar o clculo de seu ndice de desigualdade, computaram-se todas as diferenas do tipo expresso em (2) abaixo. Ou seja, todas as diferenas entre as participaes da varivel de concentrao nas classes da varivel de direo, que atendessem seguinte lei: so computadas somente diferenas de participao de uma classe mais alta para uma classe mais baixa da varivel de direo. E justamente essa regra que introduz o carter de orientao na formulao do ndice e que faz atender s pretenses citadas no pargrafo anterior.

(yi - yj), com i, j C e com i < jonde C = {1, 2, ..., k} o conjunto dos ndices das classes de Z.

(2)

Assim, a situao em que essas diferenas atingissem os maiores valores possveis de forma simultnea indicaria concentrao completa na classe de mais alto nvel da varivel de direo. E, de forma anloga, quando essas diferenas atingissem, simultaneamente, os menores valores possveis, haveria concentrao completa na classe de mais baixo nvel da varivel de direo. Pretendia-se tambm que, quando essas diferenas fossem, simultaneamente, as maiores possveis, o ndice construdo atingisse seu valor mximo e, quando menores possveis, o ndice atingisse seu valor mnimo. Fez-se mister, ento, escolher uma funo que agregasse essas diferenas de tal forma que os pressupostos delineados fossem atendidos. A soma seria uma funo que poderia ser usada para a construo do ndice. No entanto, como se percebe em (3), essa funo introduziria pesos diferenciados nas participaes da varivel de concentrao na varivel de direo quando agregadas.I = ( y1 y 2 ) + ... + ( y1 y k ) + ( y 2 y 3 ) + ... + ( y 2 y k ) + ... + ( y k 1 y k ) = I = (k 1) y1 + (k 3) y 2 + (k 5 ) y 3 + ... + [k (2k 1)]y k = I=

(k 2i + 1)yi =1

k

(3)i

onde I o ndice de concentrao orientado.

42

Em vista disso, optou-se pelo produto como funo agregativa das diferenas, a fim de se compor o ndice. Porm, como se tratava de diferenas de percentuais (participaes), estas podem variar no intervalo [-1;1], o que uma inconvenincia em se tratando de produtos, uma vez que no se poderia definir antecipadamente qual seria o sinal do resultado. Para garantir-se que as diferenas teriam sempre sinal positivo, somou-se uma constante a todas elas. Escolheu-se o nmero 2, o que se pode justificar de duas formas: primeiro, porque eliminaria os sinais negativos; e, segundo, porque faria com que as diferenas variassem no intervalo [1 ; 3], o que extremamente desejvel em se tratando de produtos. O limite inferior desse intervalo traz benefcios ao cmputo do ndice, uma vez que, quando as diferenas fossem mnimas, estas seriam iguais a 1, que o elemento neutro da multiplicao. Ou seja, o ndice no seria incrementado quando as diferenas fossem mnimas, tendo seu valor aumentado somente quando isso no acontecesse. Todavia simplesmente se efetuar o produto dessas diferenas acrescidas de 2 afetaria a escala do ndice. Em vista disso, optou-se por extrair a raiz C 2 (a k raiz n-sima, onde n = C 2 , o total de diferenas computadas) do resultado do k produto, a fim de que a escala no fosse alterada. Dessa forma, chegou-se seguinte expresso:

I = Ck2

{ i , j C | i > j}

(y

i

y j + 2)

(4)

O ndice acima definido possui as seguintes propriedades: a) atinge valor mximo quando h concentrao completa na classe de maior nvel da varivel de direo, e esse valor igual a

Mx (I ) = Ck 3(k - 1)2 Ck2 - (k - 1)2

(

)

(5)

b) atinge valor mnimo quando h concentrao completa na classe de menor nvel da varivel de direo, e esse valor igual a

Min (I ) =

C2 k

1(k - 1)2 C 2 - (k - 1) k

(

)

(6)

43

Porm, como se desejava que o ndice variasse no tradicional e mais amigvel intervalo de zero a um, aplicou-se a transformao linear (7) sua expresso anterior (4). Essa transformao utiliza os valores mximo (5) e mnimo (6) da formulao anterior, a fim de alterar os seus limites de variao:

2 C 2 (yi - y j + 2 ) - C k 1(k - 1)2 C k2 - (k - 1) k { i, j C | i > j} I = 2 2 Ck 2 3(k - 1)2 C k - (k - 1) - C k 1(k - 1)2 C k2 - (k - 1)

(

(

( )) (

(

)) ))

(

(7)

Dessa forma, obteve-se a expresso final do ndice de concentrao orientado, o qual varia no intervalo de zero a um, onde o valor de zero acontece quando a concentrao se d toda na classe mais baixa da varivel de direo, e de um quando se d na classe de maior nvel.

2.2.2 - Obteno do ndice de Dependncia do Potencial Poluidor da Indstria (Indapp-I)Utilizando o ndice acima definido com as variveis de potencial poluidor das atividades econmicas da indstria como varivel de direo e o Valor Adicionado Bruto da indstria como varivel de concentrao, obtm-se o Indapp-I. Nessa contextualizao, a varivel de direo (o potencial poluidor) possui trs (k = 3) classes ordinais (alto, mdio e baixo). Assim, a forma de clculo do Indapp fica: Indapp-Ii,t = onde3

( y A,i ,t y M ,i ,t + 2)(y A,i ,t y B ,i ,t + 2)(y M ,i ,t y B ,i ,t + 2) 3 23

(8)

18 23

yA,i,t a participao do VAB das atividades econmicas da indstria de alto potencial poluidor da unidade geogrfica i no tempo t; yM,i,t a participao do VAB das atividades econmicas da indstria de mdio potencial poluidor da unidade geogrfica i no tempo t; yB,i,t a participao do VAB das atividades econmicas da indstria de baixo potencial poluidor da unidade geogrfica i no tempo t; A Tabela 2 pode servir de guia para se compreender melhor os resultados fornecidos pelo Indapp-I. Nela, constam valores extremos e intermedirios dos indicadores de potencial poluidor e o respectivo Indapp-I para unidades

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geogrficas fictcias. Com esses resultados, pode-se avaliar o critrio analtico do ndice, o qual no computa apenas o indicador de alto potencial poluidor, mas tambm o mdio e o baixo, para que se possa indicar, com maior objetividade, que unidades geogrficas esto em melhor ou pior situao quanto ao tema em estudo.

Tabela 2 Indicadores de potencial poluidor por nvel, Indapp-I e ordem de classificao por unidades geogrficas fictcias UNIDADES GEOGRFICAS A B C D E F G H I J K L M FONTE: FEE/NIS. INDICADORES DE POTENCIAL POLUIDOR (%) Alto 100 70 50 70 20 33 50 10 0 0 20 10 0 Mdio 0 20 50 10 70 33 0 70 100 50 10 20 0 Baixo 0 10 0 20 10 33 50 10 0 50 70 70 100 Indapp-I ndice 1,0000 0,8304 0,7796 0,7727 0,5554 0,5438 0,5126 0,4984 0,4095 0,2874 0,2792 0,2397 0,0000 Ordem 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

2.3 - ndice de Potencial Poluidor da Indstria e ndice do Valor Adicionado Bruto da IndstriaO ndice de Potencial Poluidor da Indstria foi elaborado visando atender a uma lacuna de anlise deixada pelo Indapp-I. Este mostra a dependncia de uma determinada unidade geogrfica quanto s atividades industriais potencialmente poluidoras, mas essa dependncia no indicada de forma absoluta, mas, sim, relativa. Por exemplo, dois municpios podem ser totalmente distintos quanto ao tamanho de sua produo industrial e, ainda assim, possurem o mesmo Indapp-I, uma vez que, como esse um ndice relativo, esses dois municpios podem ter o mesmo nvel de dependncia das atividades industriais potencialmente poluidoras, sem, no entanto, terem o mesmo potencial poluidor.

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Dessa forma, fez-se necessria a mensurao do tamanho da indstria, atravs do ndice do Valor Adicionado Bruto da Indstria, o qual calculado como um nmero-ndice tradicional com base igual ao valor do VAB do Estado em 2001, como mostrado em (9):

IVAB - I i,t =onde

VAB - I i,t x 100 VAB - I RS,2001

(9)

IVAB-Ii,t o ndice do Valor Adicionado Bruto da Indstria da unidade geogrfica i no tempo t; VAB-I i,t o Valor Adicionado Bruto da Indstria da unidade geogrfica i no tempo t; VAB-IRS,2001 o Valor Adicionado Bruto da Indstria do Estado do Rio Grande do Sul no ano de 2001. Assim, o Inpp-I foi obtido combinando-se o Indapp-I com o IVAB-I. Ou seja, construiu-se um ndice que computasse, de forma conjunta, o tamanho da indstria com o nvel de dependncia das atividades industriais potencialmente poluidoras de uma determinada unidade geogrfica. Esse cmputo consistiu no produto dos dois ndices mencionados acima, como se mostra em (10): Inpp-Ii,t = IndappI i,t x IVAB-I i,t onde Inpp-Ii,t o ndice de Potencial Poluidor da Indstria da unidade geogrfica i no tempo t; Indapp-Ii,t o ndice de Dependncia do Potencial Poluidor da Indstria da unidade geogrfica i no tempo t; IVABIi,t o ndice do Valor Adicionado Bruto da Indstria da unidade geogrfica i no tempo t. Assim, obteve-se, de fato, uma medida do tamanho do potencial poluidor das atividades econmicas da indstria por unidade geogrfica. (10)

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3 - Anlise do ndice de Dependncia das Atividades Potencialmente Poluidoras e do ndice de Potencial Poluidor da Indstria no Rio Grande do Sul 2001A anlise do Indapp-I e do Inpp-I3 foi realizada a partir de dois enfoques: - um enfoque geral, que contempla a realidade do Estado e de todos os municpios gachos, destacando-se aqueles que apresentam situaes especiais referentes aos ndices; - um enfoque que leva em considerao trs divises geogrfico-poltico-administrativas, que so os Coredes, os aglomerados urbanos e as regies hidrogrficas do Estado.

3.1 - Enfoque geralA distribuio interna da produo industrial gacha entre atividades de alto, mdio e baixo potencial poluidor apresenta um quadro em que 65% do VAB da indstria correspondem a atividades de alto PP; cerca de 30%, a mdio PP; e aproximadamente 5%, a atividades de baixo PP. Em termos dos ndices, observa-se que o Indapp-I para o Estado como um todo corresponde a 0,837719, enquanto o Inpp-I , conseqentemente, 83,771888, j que este ltimo indicador reflete o peso da produo industrial (aqui, no caso, 100% do VAB) multiplicado pelo Indapp-I respectivo. Verifica-se que, em quatro municpios gachos, o Indapp-I igual a 1 Arroio do Padre, Baro do Triunfo, Boa Vista do Cadeado e Canudos do Vale , o que significa que toda a sua atividade industrial apresenta alto potencial poluidor. Contudo o VAB industrial desses quatro municpios baixo, e portanto, sua contribuio para o VAB total do Estado insignificante. Nesse sentido, o Inpp-I de cada um deles , respectivamente, 0,000106 para Arroio do Padre; 0,000081 para Baro do Triunfo; 0,001880 para Boa Vista do Cadeado; e 0,000023 para Canudos do Vale. Para situar os tipos de atividades industriais desses quatro municpios, de alto potencial poluidor, remete-se classificao adotada, da CNAE-IBGE. Constata-se que, no Municpio de Arroio do Padre, a produo industrial corresponde fabricao de tubos de ferro e ao e a abate de reses e preparao de produtos de carnes; no Municpio de Baro do Triunfo, encontra-se a fabricao3

As tabelas referentes aos ndices encontram-se no Anexo.

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de esquadrias de metal; no Municpio de Boa Vista do Cadeado, a produo industrial concentra-se nas reas de abate de reses e preparao de produtos de carne; por fim, em Canudos do Vale, as atividades industriais so a extrao de pedra, areia ou argila, a fabricao de produtos qumicos inorgnicos e a fabricao de mquinas e equipamentos para a agricultura e a avicultura e obteno de produtos animais. No outro extremo, dois municpios apresentam Indapp-I e Inpp-I igual a zero, o que significa que toda a sua atividade industrial apresenta baixo potencial poluidor. Estes consistem em Cerro Grande e Novo Tiradentes, ambos com atividades concentradas na confeco de peas do vesturio; porm importante ressaltar que sua produo industrial pouco significativa no contexto estadual. Por outro lado, ordenando atravs do Inpp-I, verifica-se que os cinco municpios no limite superior (que contribuem mais fortemente para o VAB industrial gacho) so: - Canoas, que, no Indapp-I, se coloca em 35 lugar (0,980690) e, por seu peso industrial no Rio Grande do Sul, apresenta o maior Inpp-I, correspondente a 11,358577; - Triunfo, com Indapp-I de 0,999582 e Inpp-I equivalente a 7,326983; - Caxias do Sul, com Indapp-I de 0,864335 e Inpp-I de 7,106384; - Porto Alegre, com Indapp-I de 0,829360 e Inpp-I igual a 5,966837; e - Rio Grande, com Indapp-I de 0,998468 e Inpp-I de 4,078171. Fazendo o detalhamento das atividades industriais predominantes em cada um desses municpios, tem-se, no caso de Canoas, uma produo industrial baseada, principalmente, nos ramos ligados produo de leos vegetais em bruto, no refino de petrleo, na fabricao de mquinas e aparelhos de refrigerao e ventilao de uso industrial, na fabricao de tratores agrcolas e na fabricao de peas e acessrios para o sistema motor. Em Triunfo, elas correspondem fabricao de produtos petroqumicos bsicos, de resinas termoplsticas e de elastmeros. J em Caxias, destaca-se a fabricao de caminhes e nibus, de cabines, carrocerias e reboques para caminho, de peas e acessrios para o sistema de freios e de peas e acessrios de metal para veculos automotores. Alm dessas atividades, pode-se citar o a