LEITURAS COMPLEMENTARES AULA 01 -...
Transcript of LEITURAS COMPLEMENTARES AULA 01 -...
Página 1 de 15
LEITURAS COMPLEMENTARES
AULA 01 - Abordagem Constitucional da Seguridade Social:
Composição e Reformas
Sumário
Reforma Previdenciária #1: Alteração do Artigo 195, § 5º ....................................................... 1
Reforma Previdenciária #2: Alteração na Assistência Social (Art. 203) ............................... 4
Reforma Previdenciária #3: Introdução Do Regime De Capitalização................................... 9
Os pontos (obscuros) de ancoragem da nova reforma previdenciária-assistencial ...... 12
A partir desta Coluna inauguramos uma série especial de publicações no
GEN Jurídico a respeito da Reforma Previdenciária, consubstanciada na PEC 06/2019,
entregue ao Congresso Nacional dia 20.02.2019.
A matéria é muito extensa. A minuta da PEC e suas Exposições de Motivos
possuem ao total 66 páginas, alterando inúmeros artigos e introduzindo uma gama de regras
de transição.
Assim, optamos por comentar, isoladamente, os principais dispositivos ou
blocos temáticos contidos na PEC 06/2019.
Título
Reforma Previdenciária #1: Alteração do Artigo 195, § 5º Autor Marco Aurélio Serau Junior (Doutor e Mestre em Direitos Humanos.
Diretor Científico-Adjunto do IBDP. Professor da UFPR, Professor da
Pós-Graduação em Direito Previdenciário da CERs e membro do
Conselho Editorial de diversas revistas jurídicas.)
Disponível em
http://genjuridico.com.br/2019/02/22/reforma-previdenciaria-1-alteracao-
do-artigo-195-%C2%A7-5o/
Data acesso 06/03/2019
Página 2 de 15
O primeiro tema tratado está na proposta de alteração do art. 195, § 5º, que
hoje está assim redigido:
§5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou
estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Aprovada a Reforma Previdenciária o art. 195, § 5º, ficaria com a seguinte
redação:
§5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou
estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial, sem a correspondente fonte de
custeio total.
A PEC 06/2019 provoca uma deturpação do conteúdo desse dispositivo
constitucional.
O art. 195, § 5º, da CF, é bastante conhecido como regra da contrapartida.
Isso quer dizer que não poderão ser criados, aumentados (em termos de valor pecuniário)
ou estendidos (levados a outras hipóteses até então não alcançadas pela lei, a exemplo de
atingir outras modalidades de segurados não contemplados com determinados por certo
benefício previdenciários) sem que exista prévia fonte de custeio.
O art. 195, § 5º, é, assim, uma regra orçamentária, voltada ao legislador e ao
administrador público. Não se aplica ao caso concreto, individual, mas aos agentes públicos
que atuam para moldar a política pública previdenciária e estruturar os serviços públicos
previdenciários.
Não se volta, como ficou claro, ao julgador que atua no caso concreto,
decidindo determinado pedido de concessão benefício ou revisão de benefício.
A PEC 06/2019, contudo, ignora essa concepção, bem arraigada na doutrina,
e estabelece, dentro do capítulo destinado ao custeio da Seguridade Social (o art. 195 da
Constituição Federal – portanto fora de um contexto normativo adequado), uma regra
impeditiva da atuação judicial e administrativa.
O objetivo, aqui, é impedir, sobretudo ao Poder Judiciário, de atuar em sua
função cotidiana, de hermenêutica da legislação, onde eventualmente será aplicado o
Direito Previdenciário por analogia, interpretação sistemática ou extensiva, etc., atingindo
situações que eventualmente não estavam previstas, rigorosamente, na letra fria da lei –
mas que podem ser encontradas através daqueles métodos hermenêuticos que citei, sem
ofensa a qualquer princípio ou regra do sistema jurídico.
Página 3 de 15
No Direito Previdenciário, já escrevi em outra ocasião, é comum ocorrer
a interpretação constitucional da legislação previdenciária:
“O agasalho constitucional aos direitos previdenciários confere-lhes força normativa
diferenciada, e tratamento jurídico de primeira grandeza. Assim, é possível uma
(re)interpretação da legislação previdenciária a partir desse prisma, utilizando-se também
princípios e valores albergados no Texto Constitucional. A partir dessa matriz substantiva é
comum a utilização da ponderação de princípios e a metodologia hermenêutica pautada
pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.” (SERAU JR., Marco
Aurélio. Resolução do conflito previdenciário e direitos fundamentais. S. Paulo: LTr, 2015,
p. 77)
A partir dessa interpretação constitucional praticada pela jurisprudência
foram obtidos muitos avanços na legislação previdenciária, a exemplo da concessão do
BPC-LOAS para situações em que a renda mensal familiar per capita é superior a ¼ do
salário mínimo, ou a pensão por morte no caso das uniões homoafetivas. Vários outros
poderiam ser trazidos à colação.
A pretensão da PEC 06/2019 visa, através de uma aparência de regra
orçamentária, impedir que a jurisdição atue plenamente e, eventualmente, determine a
concessão de benefícios previdenciários ou assistenciais em hipóteses não tão diretamente
previstas em lei, mas obtidas através de interpretação sistemática, analógica, extensiva, etc,
sempre com fundamento constitucional.
Esse escopo da Reforma Previdenciária esbarra nitidamente na garantia de
amplo acesso à justiça, prevista no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que
possui uma sensibilidade maior quando se trata de ações previdenciárias, dotadas de
princípios específicos (a esse respeito, ver meu livro Curso de Processo Judicial
Previdenciário).
Por fim, a redação pretendida para o art. 195, § 5º, da CF, também impede
que a Administração Pública (pois fala em “ato administrativo”) tenha uma atuação mais
inteligente e compatível não apenas com a legalidade, mas com a juridicidade, isto é, com
todo o conjunto do ordenamento jurídico – forma de atuação que já é permitida pela Lei
9.784/99, Lei Geral de Processo Administrativo Federal.
A atuação administrativa mais eficiente e compatível com a Constituição
Federal seria útil a diminuir o número de conflitos (previdenciários) que são posteriormente
judicializados – acarretando maiores gastos públicos, com a movimentação da máquina
judiciária e, em muitas vezes, com encargos de juros moratórios e incidência de correção
monetária.
Página 4 de 15
Damos continuidade à série especial de publicações no GEN Jurídico sobre a
Reforma Previdenciária (PEC 06/2019).
Falaremos nesta coluna a respeito das alterações que se pretende promover no
campo da Assistência Social (prevista nos arts. 203 e 204 da Constituição Federal),
especialmente no benefício de prestação continuada (BPC), estabelecido no art. 203, inciso V.
O texto da proposta encontra-se ao final do artigo, no formato de anexo, para favorecer a
leitura.
A PEC 06/2019 altera a redação do inciso V e insere o inciso VI e os §§ 1º e 2º
no bojo do artigo 203. Ademais, também cria regras de transição específicas para o BPC.
Em síntese, cinde o tratamento jurídico dado ao BPC, separando nos incisos V e
VI, respectivamente, os requisitos necessários para sua obtenção no caso de PcD ou pessoas
idosas. Ademais, altera sua natureza jurídica, que deixa de ser um benefício a cargo da
Seguridade Social, passando a ser apenas uma garantia de transferência de renda – o que
compreendemos pode empobrecer seu vigor normativo e sua efetividade.
A Reforma Previdenciária também busca substituir o atual conceito de
hipossuficiência, pelo de miserabilidade, que é mais restritivo e, cremos, também pejorativo,
pois traz a ideia de “pessoas miseráveis”. Hipossuficiência é um conceito normativo mais
adequado aos objetivos constitucionais de proteção da dignidade da pessoa humana, pois
simplesmente se refere à incapacidade econômica de prover o próprio sustento ou vê-lo provido
pela família.
Título
Reforma Previdenciária #2: Alteração na Assistência Social (Art. 203)
Autor Marco Aurélio Serau Junior (Doutor e Mestre em Direitos Humanos. Diretor Científico-Adjunto do IBDP. Professor da UFPR, Professor da Pós-Graduação em Direito Previdenciário da CERs e membro do Conselho Editorial de diversas revistas jurídicas.)
Disponível em
http://genjuridico.com.br/2019/02/25/reforma-previdenciaria-alteracao-assistencia-social-art-203/
Data acesso 06/03/2019
Página 5 de 15
Em relação às PcD, o Texto Constitucional passa a exigir avaliação
biopsicossocial para caracterização da deficiência.
Essa previsão a respeito de avaliação biopsicossocial, realizada por equipe
multiprofissional e interdisciplinar, decorre do conceito de deficiência adotado na Convenção
da ONU de 2007, da qual o Brasil é signatário, e já possuía reflexo na legislação previdenciária
nacional na Lei Complementar 143/2015 (aposentadoria especial da PcD) e na Lei Brasileira de
Inclusão (LBI).
Quanto ao critério de miserabilidade (sempre adotada a ressalva expressa
acima), a PEC 06/2019 exige “renda mensal integral per capita familiar interior a um quarto
do salário mínimo”. Porém, a regra é mais restritiva que a atual, pois se estabelece que “o valor
da renda mensal recebida a qualquer título por membro da família do requerente integrará a
renda mensal integral per capita familiar”.
Esse critério bastante abrangente, no sentido de que os valores recebidos a
qualquer título por qualquer membro da família integram a renda mensal familiar, permite
afastar a excludente prevista no artigo 34 do Estatuto do Idoso (que exclui do cálculo da renda
familiar as aposentadorias de até um salário mínimo recebidas por um membro da família).
Parece excluir, também, a possibilidade de outras formas de comprovação da
hipossuficiência, doravante miserabilidade, o que já é admitido pelo Poder Judiciário, com
segurança, desde o julgamento pelo STJ do REsp repetitivo 1.112.557/MG (veja-se, quanto a
isso, explicação específica em meu livro Curso de Processo Judicial Previdenciário).
Ao restringir outras formas de comprovação da miserabilidade, essa pretensão
da Reforma Previdenciária acaba por esbarrar nas garantias de amplo acesso à justiça e de
independência jurisdicional, muito relevantes nas ações previdenciárias.
A PEC 06/2019, por fim, ainda traz expressivas regras de transição em relação
ao BPC.
Nestas, estabelece-se que não cabe o abono anual para esse benefício e, mais
grave, estabelece-se um critério progressivo, fásico no dizer da PEC 06, em relação ao valor do
BPC.
Este será pago no montante de R$ 400,00 (quatrocentos reais) para a pessoa em
situação de miserabilidade com 60 anos de idade, aumentando de valor progressivamente, até
que chegue no valor correspondente ao salário mínimo para as pessoas com 70 anos de idade.
A PEC 06/2019 propõe um gatilho automático de idade: sempre que houver
aumento da expectativa de sobrevida dos brasileiros, o que é constatado pelo IBGE, haverá um
ajuste das idades previstas no art. 203, ou seja, poderá ser exigido mais do que 70 anos para a
concessão do BPC.
Outra situação inadequada trazida nas regras de transição para o BPC reside na
definição de miserabilidade a partir não somente da faixa de renda, mas também da
Página 6 de 15
inexistência de patrimônio familiar. A PEC define que só caberá o BPC quando houver
patrimônio familiar inferior a R$ 98.000,00 (noventa e oito mil reais), que hoje correspondem a
aproximadamente 100 salários mínimos.
Ora, a pretensão da PEC, neste trecho, é de que as pessoas dilapidem seu
patrimônio familiar (certamente bastante humilde, considerado o parâmetro estabelecido),
normalmente acumulado ao longo de toda uma vida e em geral consistente apenas no imóvel de
moradia familiar, antes de requerer ou fazer jus o BPC.
Essa situação afronta diretamente o princípio da dignidade humana, visto
que promove a miserabilidade, determinando a dilapidação de patrimônio familiar e
efetivamente reduzindo as pessoas à condição de miserabilidade que passará a ser exigida pela
norma – não somente aquele que pretende obter o BPC, mas todos seus familiares, pois a
redução de patrimônio afetará a todo o núcleo familiar, inclusive as pessoas não elegíveis para
o BPC, como as que não sejam idosas ou não sejam PcD.
Finalmente, as regras de transição para o BPC ainda promovem ampliação do
que se considera núcleo familiar para fins de cálculo da renda mensal per capita em relação ao
rol hoje previsto no art. 16 da Lei 8.213/91.
Nesse sentido, passa a exigir que a renda mensal obtida por madrastas e
padrastos, residentes no mesmo teto, componha a renda mensal familiar. Essa nova exigência
colide com o art. 226, da Constituição Federal, que assegura a autonomia na constituição do
arranjo familiar, que não pode ser afetado pelo Estado. Com efeito, não se pode admitir que, em
regra, as rendas de padrastos e madrastas sejam direcionadas para o núcleo familiar. Ignora-se
outras possibilidades de constituição familiar e “força-se” aí uma figura de família recomposta.
Pode ser, quanto a isso, que os filhos menores não dependam da renda de
padrastos e madrastas, mas que percebam pensão alimentícia dos respectivos genitores; mesmo
que não esteja presente a renda derivada de pensão alimentícia, pode haver de um determinado
arranjo familiar em que os padrastos e madrastas não se comprometam economicamente
naquele teto. Não é uma situação rara na realidade social brasileira.
As alterações que se pretende efetuar no art. 203 da Constituição Federal fazem
parte de um panorama mais amplo da proposta de Reforma Previdenciária, que promove
uma constitucionalização de diversos temas previdenciários e assistenciais até hoje objeto de
legislação ordinária. Aqui, se busca constitucionalizar os requisitos etários e critérios de
hipossuficiência econômica; a definição do núcleo familiar e os valores dos benefícios que
serão creditados aos beneficiários; as impossibilidades de cumulação de benefício e
descabimento do abono anual.
Nossa Constituição Federal é considerada, com razão, prolixa. Mas a extensão
do Texto Constitucional sempre teve a ver com o objetivo de resguardar melhor os direitos das
pessoas, eximindo-os da ameaça de supressão ou restrição por parte do legislador ordinário. O
Página 7 de 15
movimento promovido pela PEC 06/2019, que atinge outros benefícios
previdenciários, constitucionaliza tópicos jurídicos com o objetivo de restringir e engessar
direitos fundamentais, o que é contraditório com a Teoria Geral de Direitos Fundamentais e os
princípios do Direito Constitucional.
******
“Art. 203. (…)
V – garantia de renda mensal, no valor de um salário-mínimo, à pessoa com deficiência, previamente
submetida à avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, que
comprove estar em condição de miserabilidade, vedada a acumulação com outros benefícios assistenciais e
previdenciários, conforme disposto em lei; e
VI – garantia de renda mensal de um salário-mínimo para a pessoa com setenta anos de idade ou mais que
comprove estar em condição de miserabilidade, que poderá ter valor inferior, variável de forma fásica, nos
casos de pessoa idosa com idade inferior a setenta anos, vedada a acumulação com outros benefícios
assistenciais e com proventos de aposentadoria, ou pensão por morte dos regimes de previdência social de
que tratam os art. 40 e art. 201 ou com proventos de inatividade e pensão por morte decorrentes das
atividades de militares de que tratam os art. 42 e art. 142, conforme dispuser a lei.
§1º Para os fins do disposto nos incisos V e VI do caput,:
I – considera-se condição de miserabilidade a renda mensal integral per capita familiar inferior a um quarto
do salário-mínimo e o patrimônio familiar inferior ao valor definido em lei;
II – o valor da renda mensal recebida a qualquer título por membro da família do requerente integrará a
renda mensal integral per capita familiar.
§2º O pagamento do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência previsto no inciso V do
caput ficará suspenso quando sobrevier o exercício de atividade remunerada, hipótese em que será admitido
o pagamento de auxílio-inclusão equivalente a dez por cento do benefício suspenso, nos termos previstos em
lei.”
CAPÍTULO VII
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS RELACIONADAS À ASSISTÊNCIA SOCIAL E A OUTRAS MATÉRIAS
Transferência de renda à pessoa com deficiência em condição de miserabilidade
Art. 40. Não será devido abono anual para a pessoa com deficiência beneficiária da renda mensal e do
auxílio-inclusão a que se referem o inciso V do caput e o § 2º do art. 203 da Constituição.
Página 8 de 15
Transferência de renda à pessoa idosa em condição de miserabilidade
Art. 41. Até que entre em vigor a nova lei a que se refere o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição, à
pessoa idosa que comprove estar em condição de miserabilidade será assegurada renda mensal de R$ 400,00
(quatrocentos reais) a partir dos sessenta anos de idade.
§1º A pessoa que estiver recebendo a renda na forma prevista no caput ao completar setenta anos de idade, e
desde que atendidos os demais requisitos, fará jus à renda mensal de um salário-mínimo prevista no inciso
VI do caput do art. 203 da Constituição.
§2º As idades previstas neste artigo deverão ser ajustadas quando houver aumento na expectativa de
sobrevida da população brasileira, nos termos do disposto no § 4º do art. 201 da Constituição.
§3º É vedada a acumulação da transferência de renda de que trata este artigo com outros benefícios
assistenciais e com proventos de aposentadoria ou pensão por morte dos regimes de previdência social de
que tratam os art. 40 e art. 201 da Constituição ou com proventos de inatividade e pensão por morte de que
tratam os art. 42 e art. 142 da Constituição, observadas as condições estabelecidas em lei.
§4º Não será devido abono anual para a pessoa idosa beneficiária da renda mensal de que trata este artigo.
Condição de miserabilidade
Art. 42. Até que entre em vigor a nova lei a que se referem os incisos V e VI do caput do art. 203 da
Constituição, serão observados os seguintes critérios, em complemento ao disposto no § 1º do referido
dispositivo:
I – para verificação da condição de miserabilidade, o patrimônio familiar deverá ser inferior a R$ 98.000,00
(noventa e oito mil reais); e
II – para fins do disposto neste artigo, considera-se que a família é composta pelo requerente e, desde que
vivam sob o mesmo teto, por:
1. cônjuge ou companheiro;
2. pai ou mãe;
3. irmãos solteiros;
4. filhos e enteados solteiros; ou
5. menores tutelados
Parágrafo único. Na ausência dos membros da família a que se refere a alínea “b” do inciso II, a família
poderá ser composta por madrasta e padrasto do requerente, desde que vivam sob o mesmo teto.
Página 9 de 15
Damos continuidade à série especial de publicações no GEN Jurídico sobre a
Reforma Previdenciária (PEC 06/2019).
Nesta coluna trataremos do árduo tema do regime de capitalização, introduzido
pelo art. 201-A, que consta da PEC 06/2019, que também cria disposições transitórias nessa
matéria:
Art. 201-A. Lei complementar de iniciativa do Poder Executivo federal
instituirá novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de capitalização,
na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir, com a
previsão de conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva individual para o
pagamento do benefício, admitida capitalização nocional, vedada qualquer forma de uso
compulsório dos recursos por parte de ente federativo.
O texto das disposições transitórias encontra-se ao final do artigo, no formato de
anexo, para favorecer a leitura.
O objetivo do art. 201-A, transcrito acima, é estabelecer um novo modelo
previdenciário no ordenamento jurídico brasileiro, baseado unicamente no regime financeiro
de capitalização individual, ao contrário do regime de repartição, fundado na solidariedade, que
até hoje deu a tônica do modelo de Seguridade Social brasileiro – conforme se verifica da atual
redação dos artigos 194 e 195 da Constituição Federal.
A PEC 06/2019 cria esse novo regime previdenciário, pautado pela
capitalização individual, mas remete o tema à legislação futura, exigindo Lei Complementar
que trate de certos aspectos que serão as suas características principais: contribuição definida
(sabe-se o quanto é recolhido, mas não se delimita o benefício a receber, que dependerá do
saldo constante da reserva individual); conta vinculada para cada trabalhador (isto é,
Título
Reforma Previdenciária #3: Introdução Do Regime De Capitalização
Autor Marco Aurélio Serau Junior (Doutor e Mestre em Direitos Humanos. Diretor Científico-Adjunto do IBDP. Professor da UFPR, Professor da Pós-Graduação em Direito Previdenciário da CERs e membro do Conselho Editorial de diversas revistas jurídicas.)
Disponível em
http://genjuridico.com.br/2019/02/26/reforma-previdenciaria-introducao-do-regime-de-capitalizacao/
Data acesso 06/03/2019
Página 10 de 15
capitalização individual, sem qualquer perspectiva de solidariedade); proibição da utilização
desses recursos pelo Governo.
O art. 115 que se busca inserir no ADCT é expresso no sentido de que
esse regime de capitalização que se quer criar é alternativo ao RGPS e ao RPPS, isto é: ou a
pessoa estará inserida nesse novo regime previdenciário ou nos tradicionais modelos de
Previdência Social (INSS ou regimes de). Além disso, o art. 115, § 1º, faz menção expressa
aos “segurados obrigatórios do novo regime de previdência social”.
Esse formato colide com o que já se encontra previsto no artigo 202 da
Constituição Federal: regimes de previdência complementar que são expressamente autônomos,
mas facultativos e complementares aos regimes básicos de proteção social. O impulso que a
Reforma Previdenciária pretende dar ao regime de capitalização pura, com quebra do princípio
da solidariedade, deve levar a que os regimes de previdência complementar tratados no art. 202
da CF percam sentido ou fiquem sem grande envergadura.
O art. 115 que se pretende introduzir no ADCT reproduz as garantias e
condições que o regime de capitalização deve seguir, conforme destacadas no próprio art. 201-
A, e avança indicando que haverá a garantia de piso mínimo de benefício, no valor
correspondente ao salário mínimo quando este substituir o salário de contribuição ou o
rendimento do trabalho.
Esse regime de capitalização valerá também para os servidores públicos, no
âmbito dos regimes próprios, conforme redação proposta para o art. 40, § 6º, da Constituição:
§6º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão para o
regime próprio de previdência social o sistema obrigatório de capitalização individual previsto
no art. 201-A, no prazo e nos termos que vierem a ser estabelecidos na lei complementar
federal de que trata o referido artigo.
Em geral, teme-se pelas consequências sociais que possam advir da adoção
abrupta de um sistema de capitalização, visto que doravante será imediata e obrigatória, em
termos ainda não conhecidos, pois dependentes da futura Lei Complementar.
******
Como ainda não existe o regime de capitalização pura mencionado no art. 201-A da PEC 06/2019, não há
que se falar em regras de transição. Assim, altera-se o ADCT – Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, inserindo-se o art. 115:
Art. 115. O novo regime de previdência social de que tratam o art. 201-A e o § 6º do art. 40 da Constituição
será implementado alternativamente ao Regime Geral de Previdência Social e aos regimes próprios de
previdência social e adotará, dentre outras, as seguintes diretrizes:
I – capitalização em regime de contribuição definida, admitido o sistema de contas nocionais;
Página 11 de 15
II – garantia de piso básico, não inferior ao salário-mínimo para benefícios que substituam o salário de
contribuição ou o rendimento do trabalho, por meio de fundo solidário, organizado e financiado nos termos
estabelecidos na lei complementar de que trata o art. 201-A da Constituição;
III – gestão das reservas por entidades de previdência públicas e privadas, habilitadas por órgão regulador,
assegurada a ampla transparência dos fundos, o acompanhamento pelos segurados, beneficiários e
assistidos dos valores depositados e das reservas, e as informações das rentabilidades e dos encargos
administrativos;
IV – livre escolha, pelo trabalhador, da entidade ou da modalidade de gestão das reservas, assegurada a
portabilidade;
V – impenhorabilidade, exceto para pagamento de obrigações alimentares;
VI – impossibilidade de qualquer forma de uso compulsório dos recursos por parte de ente federativo; e
VII – possibilidade de contribuições patronais e do trabalhador, dos entes federativos e do servidor, vedada
a transferência de recursos públicos.
§1º A lei complementar de que trata o art. 201-A da Constituição definirá os segurados obrigatórios do novo
regime de previdência social de que trata o caput.
§2º O novo regime de previdência social, de que trata o caput, atenderá, na forma estabelecida na lei
complementar de que trata o art. 201-A da Constituição, a:
I – benefício programado de idade avançada;
II – benefícios não programados, garantidas as coberturas mínimas para:
maternidade;
incapacidade temporária ou permanente; e
morte do segurado; e
III – risco de longevidade do beneficiário.
Página 12 de 15
Pretendemos com este artigo refletir sobre aquilo que chamamos, à falta de uma
expressão melhor, de “pontos de ancoragem” da nova proposta de reforma do sistema
previdenciário-assistencial brasileiro.
Para tanto, enfocaremos quatro pontos que julgamos fundamentais para a
reflexão pretendida, a saber: a) Rompimento do Solidarismo Social; b) Esvaziamento da
Seguridade Social; c) Redução Drástica dos Valores dos Benefícios e, c) O Sistema de Gatilho
Instituído.
O primeiro ponto é o mestre e guia de toda a arqueologia apesentada pela PEC
n. 6/19. Trata-se da substituição, paulatina, do sistema de proteção social vigente desde as
Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), de corte bismarkiano, calcado na solidariedade
social, pelo sistema privado de capitalização individual, aos moldes das conhecidas cadernetas
de poupança. Este desiderato encontra-se no $ 6º do artigo 40 da CF: “A União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municipios instituirão para o regime próprio de previdência social o
sistema obrigatório de capitalização individual previsto no art. 201-A, no prazo e nos termos
que vierem a ser estabelecidos na lei complementar federal de que trata o referido artigo.”.
A ideia de que este “novo modelo”, para usar a expressão utilizada pelo
Ministro Paulo Guedes na exposição de motivos que acompanham o texto proposto (item 1, ao
final), é de fortalecimento da poupança nacional, apontando que este modelo, à exemplo dos
Estados Unidos (item 2, ao final), teríamos uma Constituição mais sintética e aprimorada.
Título
Os pontos (obscuros) de ancoragem da nova reforma previdenciária-assistencial
Autor Marco Aurélio Serau Junior (Doutor e Mestre em Direitos Humanos. Diretor Científico-Adjunto do IBDP. Professor da UFPR, Professor da Pós-Graduação em Direito Previdenciário da CERs e membro do Conselho Editorial de diversas revistas jurídicas.)
José Ricardo Caetano Costa (Doutor em Serviço Social pela PUCRS e Professor Adjunto da Universidade Federal de Rio Grande. Advogado Previdenciarista)
Disponível em http://www.previdenciatotal.com.br/integra.php?noticia=12867&fbclid=IwAR1mJMedOxjSJwNUvGuxEoimT1c2Eu8ZspRs2hhyxgQk84E6eijjEvrYErA
Data acesso 06/03/2019
Página 13 de 15
Devemos, inicialmente, indagar se a população brasileira, especialmente os
Deputados que a representam, pois são eles que irão apreciar inicialmente o modelo proposto,
compreendem o que significa esta mudança de paradigma. Não se trata meramente de um jogo
opositor entre solidarismo versus individualismo. Trata-se, isto sim, de avaliar a própria
viabilidade de um sistema que é gestionado pelas instituições bancárias e financeiras, hoje as
principais devedoras da Seguridade Social, em um pais de instabilidade institucional como o
Brasil, em que a garantia do emprego está mais próxima à ficção, em que o Estado não possui o
mínimo rigor na fiscalização e cobrança das obrigações empresariais e fiscais.
O segundo ponto nos reporta ao conceito de Seguridade Social constante na
CF/88, como um conjunto integrado de ações que envolvem todos os entes e a sociedade civil,
enquanto política pública redistributiva que abarca a Saúde, Previdência e Assistência Social.
Nesta perspectiva trazida pela PEC em comento, a Previdência perde sua condição de política
pública e social, passando a ser um mero sistema de poupança individual.
Esta novel sistemática encontra-se estampada claramente na redação dada ao
artigo 201-A, em que o “novo regime de previdência social” será “organizado com base em
sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de carácter obrigatório para
quem aderir, com a previsão de conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de
reserva individual para pagamento do benefício.”
Insta indagar se os prefeitos, especialmente das cidades de pequeno e médio
portes, já se indagaram dos efeitos deletérios da perda dos benefícios provindos da previdência
e assistência social, que também será afetada diretamente, uma vez que em praticamente todos
estes municípios superam os aportes do FPM?
Nesta estruturação nova proposta, a Assistência Social passa à condição de
mera filantropia aos miseráveis, sem qualquer comunicação com o sistema previdenciário.
Aliás, é de se frisar que o processo de habilitação profissional restou extirpado do novo
sistema, atingindo diretamente os deficientes que dependem desse processo para a inserção no
mundo do trabalho.
Gostariamos de chamar a atenção para o terceiro ponto, no que respeita aos
valores dos benefícios. Isso porque a sistemática adotada pela PEC apresentada ao Congresso
Nacional reafirma o Fator Previdenciário (Lei n. 987/99), unindo-o aos sistemas de pontos
instituídos inicialmente pela Lei n. 13.183/15.
Façamos uma regressão histórica para entender o contexto destes dois
mecanismos, para melhor compreender sua utilização combinada.
O Fator Previdenciário foi criado em fins de 2009, pelo então presidente
Fernando Henrique Cardoso, como uma forma de revidar a não utilização da idade mínima
quando da edição da Emenda Constitucional n. 20/98. É uma metodologia às avezas em que o
cálculo das rendas punem aqueles que começam cedo a trabalhar, ou seja, notadamente os mais
pobres e vulneráveis. Perpassou por duas décadas, sendo amainado seus efeitos deletéritos pela
Página 14 de 15
Lei n. 13.183/15, promulgada ainda no Governo de Dilma Rousseff, que instituiu um
pontuação conhecida como Fórmula 85/95. Segundo esta metodologia, os homens teriam que
alcançar os 95 pontos e as mulheres os 85, não esquecendo que o mínimo de contribuição seria
35 e 30, respectivamente.
Com isso, mesmo diante do aumento gradativo da pontuação, que está
atualmente em 86/96 pontos, os segurados poderiam obter uma valor melhor quando da
aposentadoria, vez que não utiliza-se a alíquota do FP.
Com efeito, não há dúvidas que a Lei n. 13.183/15 foi uma forma de amainar
os efeitos drásticos da Lei n. 9876/99, tão criticada, tão atacada, mas até então não revogada.
Pois bem. A PEC proposta, diferentemente da PEC 287/16 intentada
anteriormente, solidifica e pereniza a metodologia do Fator Previdenciário, quando da
utilização das 80% das maiores contribuições, de julho de 1994 até o pedido do benefício,
agregando, ainda, em vários benefícios a pontuação trazida pela Lei n. 13.183/15, como
requisito à obtenção das aposentadorias.
Esta sistemática encontra-se desde a regra de transição do RGPS para quem já
está no sistema (35 anos contributivos para homem e 30 para mulher), mais 96 e 86 pontos
respectivamente para ambos. E não para por ai: o aumento gradativo leva esta pontuação para
100 pontos (mulher) e 105 pontos (homem), em 2023, em pontuação antes não cogitada.
O mesmo ocorre para os servidores públicos, nas aposentadorias especiais dos
deficientes e naquelas decorrentes do exercício de atividades nocivas à saúde (exceto todas as
atividades periculosas e penosas, não consideradas como nocivas).
Não pode passar desapercebido, por seu turno, que a renda destes benefícios
passam a ser de 60% da média aritmética simples, conforme a metodologia prevista no FP,
acrescido de minguados 2% por ano trabalhado que excedam os 20 anos. Há de se frisar que a
possiblidade da integralidade, para quem ingressou no serviço público antes de 31/12/03, torna-
se praticamente impossível pela inclusão de idade mínima (tal como na regra de transição que
exige no mínimo 60 anos para mulher e 65 anos para homem). Veja-se, neste exemplo, que a
idade mínima para o requerimento é de 56 e 61 anos, respectivamente. Essa sistemática é por
demais ardilosa e nociva: a servidora que possui os 56 anos pode se aposentar mas receberá, se
não tiver os 60 anos, pouco mais da metade de seu salário.
Por fim, gostaríamos de chamar a atenção no “gatilho” utilizado em
praticamente todos os benefícios previstos na PEC n. 6/19, inclusive nos assistenciais,
repetidamente assim exposto: “Lei complementar estabelecerá a forma como a pontuação
referida ... será ajustada após o término do período de majoração a que se refere o ...., quando o
aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira atingir os sessenta e cinco anos de
idade.”
Com efeito, já temos suficientes estudos acumulados que nos permitem
relativizar este critério trazido pelas tabelas do IBGE. Seja no que respeita a especificidade da
Página 15 de 15
população (vulnerável) que utiliza e depende destas políticas públicas, seja pela própria
metodologia utilizada nestas aferições. Logo, se achamos absurdo retroagirmos a idade inicial
de 70 anos para pedido dos benefícios assistenciais, assim como o era quando da edição da Lei
n. 9872/93, essa idade pode ainda ser mais elevada futuramente.