Krauss, Rosalind - Razão e Sensibilidade
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8/7/2019 Krauss, Rosalind - Razo e Sensibilidade
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Razo e SensibilidadeReflexo sobre a escultura no fim dos anos 60
Rosalind Krauss
"Lembranas.todo roteiro e toda encenao sempre foram construdos sobre ou por lembranas. preciso
que se mude isso. "Dpart dans la l'affection et le bruit neufs"Jean-Luc GODARD
Quando observo a que ponto os termos "ps-minimalismo" e desmaterializao" se
instalaram na terminologia crtica contempornea, sou levada a interrogar-me sobre a
disjuno extrema existente entre seu valor estratgico e sua capacidade de significar. De
fato, se tomo a poltica de seu uso, seu significado me escapa, por mais que ele se aplique
arte que designam.
O termo ps-minimalismo opera uma ciso de natureza histrica entre o minimalismo e
Donald Judd, Robert Morris, Frank Stella, Carl Andre, e o trabalho de uma gerao mais
jovem que comeou a se fazer conhecer no final dos anos 60. Enfatizando a diviso
temporal entre essas duas geraes de artistas, a palavra "ps-minimalismo" atesta
tambm sua funo de marco conceitual: ele assinala a uma divergncia de orientao
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(propsito, SENS) entre os dois grupos, uma mudana de sensibilidade que
corresponderia a uma mudana de tempo histrico. Da mesma forma, "desmateriali-
zao" tem uma funo de referencial cronolgico:assinala um novo episdio da histria
da arte: algumas obras se teriam liberado da priso material e concreta do "objeto". O uso
desses dois termos parece pressupor que os recortes do tempo histrico determinam o
perfil do significado e definem toda a profundidade das obras. Encontramos a mesma
hiptese quando, diante da questo: "O que significa essa pintura de Stella?", a resposta
: "trata-se de sua relao com Jasper Johns e com Barnett Newman". A pergunta tratava
da significao, a resposta -inevitavelmente- do contexto histrico. Os dois seriam ento
sinnimos? De forma alguma.
H uma ironia singular neste recurso histria como operadora de significado. Tal
postura se inscreve paradoxalmente numa tradio que se afasta da idia do ato originrio
de demolio histrica. De fato, toda leitura da arte moderna se sente, cedo ou tarde,
constrangida de virar-se para Manet e falar de seu ataque pintura histrica. Esses relatos
contentam em nos fazer reviver o momento da subverso, em que os modelos de valor
propriamente acadmico -a histria, o clacissismo - teriam sido CULBUTS para servir
de receptculo s percepes de uma conscincia moderna. Nascidos de uma estratgia
histrica, o Olympia e o Djeuner, enquanto estruturas inteiramente consagradas s
formas e s significaes do presente, teriam sido erigidas sibre os programas deixados
pelos grandes mestres. A fora desta construo teria sido depositar na ruptura histrica
um fundamento legtimo de valor
Este tipo de narrativa de singular inconstncia: ela faz de um momento em que a
histria se v revogada o prlogo de uma crnica no curso da qual esta mesma noo de
histria se fortalece. Descartada enquanto origem de valor, a histria no deixou de
permanecer nos anais da arte moderna como fonte de significado, e, conseqentemente,
de explicao. Cada empreendimento artstico s pode ser levado em conta na medida em
que aprofunda a lgica de uma conveno formal particular, substitui uma conveno
por outra ou tenta transgredir plenamente a noo de conveno. Qualquer que seja a
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posio de um dado ato artstico frente queles que o precederam, a descrio de sua
significado se encontra geralmente bem ancorado na lgica hermtica da paternidade, de
redues em filiaes estticas que compem a histria da arte moderna. O significado,
no presente, torna-se um coeficiente do passado, e explicao se insere num modelo
historicista.
Os termos "ps-minimalismo" e "desmaterializao" continuam a operar dentro deste
modelo, e por isso so construes que congelam o significado em infinitas regresses e
negaes. Nenhum dos dois rtulos permite conceber em termos realmente positivos o
contedo das obras que caracterizam. Nenhum descreve realmente a modalidade
particular da conscincia ou da realidade suscitada pelas obras que designam. Conhecer
esta modalidade permitiria pr em maus lenis a bela roupagem histrica. Basta
considerar o paradigma de significado a partir do qual opera a arte dita "ps-minimalista"
para medir a que ponto ela se ope ao contedo da forma desmaterializada do
conceitualismo e para apreender as verdadeiras continuidades semnticas que ligam o
"ps minimalismo" arte minimalista.
claro que, visto de fora, o postulado de uma continuidade entre minimalismo e ps-
minimalismo parecer evidaente. Para o observador no iniciado, as estratgias de um e
do outro so perfeitamente similares. O uso que Mel Bochner faz da srie de nmeros
cardinais, ou a maneira como Richard Serra elabora uma forma projetando chumbo
fundido no ngulo de uma parede, descolando os pedaos endurecidos, projetando o
chumbo novamente, descolando de novo... podem se parecer com a construo de uma
fileira de caixas por Judd, a um alinhamento de tijolos de Andr, diviso de uma
superfcie em tiras de Stella. Todos esses processos aprticipam de uma mesma implaca-
bilidade e testemunham a seriedade com que estes artistas, para retomar as palavras de
Judd, colocam "uma coisa depois da outra". Como as modalidades de elaborao so
aparentadas, podemos achar que irrelevante precisar que as tiras de Stella se inscrevem
num suporte de tela, enquanto Mel Bochner e Dorothea Rockburne aplicam suas marcas
diretamente na parede. Da mesma forma, pode parecer inutilmente sutil lembrar que as
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construes de Judd, Morris e Andre pe em jogo formas geomtricas racionais,
enquanto as de Serra so decorrentes de seu processo de fabricao. O observador
ingnuo, que no v ruptura entre estes trabalhos, tem dificuldades em compreender por
que um grupo distinguido do outro pelo prefixo "ps" , com valor de rtulo histrico. E
este observador ingnuo tem do seu lado o senso comum, ele est correto. O nico erro
est em enfatizar uma similaridade de procedimento em vez de uma outra, mais crucial
e igualmente manifesta, que diz respeito a um consenso sobre as condies necessrias
significao.
Apenas uma crtica ofuscada pela lgica pendular da alternncia histrica pode se
permitir negligenciar as objees de nosso observador naf. Insistindo em sublinhar a
recusa do objeto que implicam os nmeros ou as marcas de lpis traadas diretamente na
parede, este tipo de crtica faz de "desmaterializao" uma noo classificatria. Mas o
termo muito vasto para ser realmente operatrio: "desmaterializao" uma categoria
que no permite diferenciar , por exemplo, a obra de Sol LeWitt, Bochner, Rockburne e
Richard Tuttle, de outros tipos de arte que prescindem do objeto como em Robert
Barry, Joseph Kosuth ou Douglas Huebler. O termo no nos permite apreciar o quanto a
significao nos trabalhos do primeiro grupo se ope radicalmente ao tipo de contedo
(aos modelos de formulao da significao) veiculado pelos trabalhos do segundo grupo.
Pois o conceitualismo desenvolvido por este ltimo grupo mostra um profundo tradi-
cionalismo face questo da significao. Robert Barry foi perguntado, em entrevista
sobre o "Prospect 69" em que consistia seu trabalho para esta exposio:
"O trabalho feito de idias que as pessoas tero a partir da leitura desta
entrevista. A obra inacessvel ao conhecimento na sua totalidade porque ela
existe no esprito de um nmero muito grande de pessoas. Cada pessoa pode
apenas conhecer de fato a parte da obra presente em seu esprito"
A resposta de Barry um equivalente verbal da Srie de Gases Inertes, que ele realizou
no mesmo ano. As fotografias de locais nos quais supe-se que gases invisveis foram
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liberados implicam o mesmo gnero de localizao no seio da conscincia de cada um
dos diferentes espectadores: a obra deve ser completada pela adjuno de uma imagem
mental do gs (invisvel) imagem concreta da paisagem. Como cada uma dessas
imagens mentais , por natureza, privada, "Cada pessoa pode apenas conhecer de fato a
parte da obra presente em seu esprito".
Essa noo do privado, de um vnculo constitutivo entre a significao e o espao mental
do indivduo, impregna ainda o pensamento de Heubler, Aprofundando as idias de
Barry sobre a natureza privada da experincia, Heubler nega ao tempo e ao espao seu
status de realidade transpessoal. " Do meu ponto de vista, declara, perfeitamente correto
dizer que o tempo aquilo que cada um de ns diz que ele , em qualquer momento
dado" Para tomar um outro exemplo, Lucy Lippard escreve sobre as cartas postais "I got
up" ou os telegramas "I am alive" de On Kawara:
"O fascnio exercido pelas notaes precisas e obsessivas de Kawara quanto
sua situao no mundo (tempo e espao) deve-se ao fato de que elas permitem
que a cada vez se convena de que o artista est so e salvo. Ao mesmo tempo,
as notaes so desprovidas de qualquer pathos, sua objetividade testemunhando
o isolamento voluntrio que caracteriza o modo de vida assim como a obra do
artista"
"Objetividade" um predicado curioso quando se trata de qualificar a idia profun-
damente subjetiva de que ns s podemos tomar algum como vivo (ou acordado)
porque ele no-lo diz. Assim como Barry e Huebler, On Kawara situa a arte nos limites
daquilo que o positivismo lgico chamou de "linguagem protocolar" a das impresses
sensoriais, das imagens mentais e das sensaes privadas. Esta linguagem implica a
impossibilidade de verificao exterior do significado das palavras que utilizamos para
designar nossa experincia privada: a significao prisioneira desse registro de
impresses sobre uma tela de controle do prprio indivduo. Segundo os termos da
linguagem protocolar, meu "verde" e minha "enxaqueca" designam aquilo que vejo e
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sinto, assim como seu "verde" e sua "enxaqueca" designam algo que voc possui. O
cartar distinto de nossos "verdes" vem das diferenas de nossas retinas, e nenhum de
ns tem meios de verificar os fatos separados a que se referem nossas palavras. De
acordo com este raciocnio, se pode considerar impossvel verificar o sentido destas
palavras: "tempo" ou 'verde" significam ento, "aquilo que cada um de ns diz que ele ,
em qualquer momento dado" .
esta noo de privado e de linguagens privadas que distinguem esses artistas da arte
minimalista/ps-minimalista, e por isso importante explorar as diversas formas passa-
das e presentes da linguagem privada e compreender suas implicaes. De incio, no
surpreende que os artistas imersos na "linguagem protocolar" se interessem muito pela
inteno. Pensemos nestas afirmaes de Kosuth:
As obras de arte so proposies analticas. Vistas em seu contexto enquanto
arte , elas no fornecem nenhuma informao de ordem factual. Uma obra de
arte uma tautologia, no sentido em que uma apresentao das intenes do
artista: este diz que tal obra arte, o que significa dizer que ela uma definio
de arte. Portanto, que ela seja arte uma verdade a priori.
A construo exclusiva da obra de arte em torno da noo de inteno faz referncia
direta noo de interioridade, a um espao mental privado. "Este um retrato de Iris
Clert se assim o digo" telegrafou Rauschenberg em 1961. Esta idia de ato artstico
circunscrito e definido pela inteno se apia geralmente em uma leitura especfica de
Duchamp da Fonte, por exemplo, urinol colocado sobre um pedestal e assinado
"R.Mutt / 1917". Esta leitura que se atm questo da inteno pode ser resumida mais
ou menos da seguinte forma:
A obra de arte acabada resultado de um processo de formao, de fabricao, de
criao. Em certo setido, ela a prova de que se completou um processo, assim como a
pegada na terra prova da passagem de um indivduo. A obra de arte , portanto, ndice
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de um ato de criao que tem suas razes na inteno de fazer uma obra. A inteno aqui
entendida como uma espcie de evento mental preexistente, inacessvel viso, mas
testemunhado pela obra aprs coup. Os readymades so freqentemente interpretados
como representaes ou hipstases da pura inteno: como os objetos em questo no
foram construdos pelo artista, mas unicamente escolhidos por ele, o status artstico do
objeto residiria apenas na sua capacidade de registrar esta deciso e de, por assim dizer,
dar conta desta deciso no mundo fsico. De acordo com tal leitura, a Fonte de Duchamp
funciona como uma expresso da inteno que tinha o artista de fazer uma obra.
Parece bastante lgico dizer que "a arte a expresso de alguma coisa", e questo
"expresso de que?" responder : "expresso do artista, daquilo que ele tinha em mente
ou expresso da maneira como ele viu algo." No caso do Expressionismo Abstrato essas
respostas devem ter sido particularmente pertinentes, j que as primeiras leituras de
Pollock e De Kooning lhes fizeram grande eco. (ainda que, no caso de Pollock, comen-
trios posteriores tenham abandonado essa concepo.) Nesta lgica da "expresso", os
crticos, de incio, consideravam cada marca inscrita sobre a tela como emanando de um
Mim privado de onde provinha a inteno e deixar esta marca. Nesse sentido, a superfcie
da obra se assemelhava a um mapa, transcrevendo as tendncias contraditrias da
personalidade do artista, do seu Mim inviolvel.
Aqui comea a aparecer o tipo de tradicionalismo que eu atribua a certas formas de arte
conceitual. De fato, possvel esboar um vnculo entre a maneira como a inteno/ex-
presso ode constituir um modelo temporal e a maneira como o ilusionismo pictrico
pode constituir um modelo espacial
Consideremos diversos tipos de espaos ilusionistas: a grade ortogonal da perspectiva
clssica, o continuum mais nebuloso da paisagem atmosfrica, a profundidade infinita,
indeterminada, da abstrao geomtrica. Em cada uma dessas imagens, o espao um
dado prvio necessrio visibilidade dos eventos pictricos das figuras e dos objetos
representados. Ns supomos que o fundo (o ltimo plano) de uma pintura preexiste de
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alguma forma s figuras; e mesmo depois que as figuras esto dispostas no fundo, parece-
nos que ele "continua" por trs delas para servir-lhes de suporte. Na pintura ilusionista "o
espao" constitui uma categoria cuja existncia precede o conhecimento daquilo que ele
encerra; neste sentido, um paradigma da conscincia que o fundo sobre o qual os
objetos so constitudos. Ao nvel mais abstrato, a representao pictrica uma espe-
culao sobre a natureza da figurao. Esta no seria possvel no fosse a graa de
conscincia funcionando no seio de um espao mental preexistente, um espao que
permitiria todas as relaes, todas as diferenciaes, todas as constituies de entidades
perceptveis. portanto um cartesianismo bem parado que serve de fundo ao ilusionismo
ocidental.
Assim, da mesma forma como a inteno pode ser, como dissemos, assemelhada a um
evento mental necessariamente privado, interno, exteriorizado atravs da seleo de
objetos, os objetos que aparecem no interior de um espao pictrico podem ser vistos
como emergentes de um conjunto de coordenadas interiorizadas e previamente orde-
nadas. medida em que nos deslocamos na histria da pintura para a arte americana do
ps-guerra, quer dizer, do expressionismo abstrato, estes dois espaos prvios ( o fundo
da tela e o espao mental privado dotado de intenes) se fundem e se tornam cada vez
mais tema dos prprios trabalhos
claro que a significao de uma tentativa que procure minar o ilusionismo no pode ser
dissociada da bagagem que acompanha a representao pictrica no Ocidente. A rejeio
do ilusionismo implica em um desvio fundamental na noo de conscincia constitutiva e
de toda "linguagem protocolar" de um Mim privado: a recusa definitiva de um espao
que precede a experincia, que espera passivamente para ser ocupado, e de um modelo
psicolgico no qual o Mim j se encontra provido de significaes antes de qualquer
contato com o mundo exterior. . Se queremos falar do anti-ilusionismona arte dos anos
60, no podemos limitar nosso discurso a uma ideologia da forma
Comumente se diz que a pintura de Frank Stella estruturada de maneira dedutiva, no
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sentido de que todas as diferenciaes internas da superfcie derivam da configurao dos
seus limites. Assim, nas primeiras pinturas negras, como Die Fahne hoch, notamos como
Stella parte dos pontos mdios das cotas verticais e horizontais, e , pela repetio regular
de listras, organiza os quatro quadrantes da tela em um conjunto duplo inverses
espelhadas. Nas pinturas em alumnio mais recentes, em que as telas comeam a tomar
formas especficas, as listras, em uma espcie de progresso centrpeta, fazem eco de
forma ainda mais evidente forma do suporte e parecem depender ainda mais de sua
configurao literal. No parece ser muito difcil notar essas coisas, nem adicionar que
essa superfcie, que se repete como flashes regulares a configurao das suas bordas,
teve por efeito demitir o espao ilusionista e alcanar a planaridade. Diremos ento que
se trata da planaridade de um objeto, de uma coisa no lingstica: e nisso estaremos
errados, como sempre acontece quando nos contentamos com meias verdades. Anda no
dissemos o suficiente.
Os signos que assombram as primeiras pinturas de Stella so mais do que simples
significantes de suas formas literais. Die Fahne hoch! e Luis MiguelDominguin so
estruturadas de forma dedutiva, mas as duas pinturas chegam configurao particular de
uma cruz. Podemos, claro, pensar que isso acidental. Tambm podemos considerar
que por acaso que a Cruz se assemelhe ao signo mais primitivo de um objeto num
espao: a vertical da figura projetada contra um a linha horizontal de um fundo
indefinido. Mas a relao tridirecional [the three way relationship] que se estabelece na
superfcie listrada destes quadros permitem argumentar em favor de uma conexo lgica
entre o aspecto cruciforme de toda figurao(1), de toda inteno de localizar uma coisa
em seu mundo, e a maneira como o signo convencional neste caso, a Cruz natu-
ralmente oriundo de um referente do mundo. Cada tela nos pe na presena , no da
capacidade de Stella de inventar formas, nas de um emblema particular oriundo do
repertrio comum dos signos cruzes, estrelas, encadeamento de anis, etc. que
pertencem, por assim dizer, linguagem do mundo. Com essas pinturas, Stella apresenta
um relatrio convincente da gnese inicial desses signos, do modo como se encontram
engendrados em uma srie de operaes naturais e lgicas
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Parece ento que a lgica da estrutura dedutiva indissocivel da lgica do signo.As duas
parecem se sustentar mutuamente e exigem que levemos em conta a histria natural da
linguagem pictrica [pictorial language] enquanto tal. O verdadeiro sucesso dessas
pinturas no s estarem totalmente imersas na significao, mas tambm fazer a
significao depender apenas de sua superfcie(2) no apenas do exterior, do pblico,
mas tambm de um espao que no de modo algum um significante do a priori ou do
carter privado da inteno.
A significao da eliminao do ilusionismo operada por Stella(3) s pode ser
compreendida em sua relao com a vontade de manter toda significao no interior das
convenes (semiolgicas) de um espao pblico de pr em evidncia a forma como o
espao ilusionista pde servir de modelo para um espao privado, para um espao do
Mim, este concebido como uma entidade constituda antes de seu contato com o mundo.
Esta concepo do Mim j era questionada no final dos anos 50 por Becket e pelo
Nouveau Roman. Ela era tambm um ponto de partida particularmente importante para a
filosofia do segundo Wittgenstein, para quem os jogos de linguagem eram uma terapia
que visava a romper o lao lgico entre significao e pensamento. No Caderno marrom,
por exemplo, Wittgenstein pergunta o que significa dizer que conhecemos uma melodia:
que, antes de cant-la, ns a assobiamos rapidamente em silncio? Ou que temos uma
imagem da partitura na cabea uma imagem mental da melodia e que lemos as notas
enquanto cantamos? Nosso conhecimento desta melodia depende de a termos estocado
em algum lugar dentro de ns, como prolas alinhadas num fio e prontas a serem
extradas de nossas bocas? Ou deve-se simplesmente ao fato de cantar a melodia, ou de
ouv-la muitas vezes para poder dizer: "Assim est certo" ? Nas Investigaes filosficas,
a questo da melodia e de como saber onde ela est localizada quando afirmamos
conhec-la estendida s imagens da memria e aos fundamentos de toda pretenso de
conhecimento. Wittgenstein procurou muitas e muitas vezes romper os vnculos entre as
certezas implicadas por tais afirmaes e a imagem de um espao mental no interior do
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qual definies e regras seriam conservadas a espera de serem aplicadas. Seu trabalho,
em decorrncia, consistia em destruir a concepo de um espao mental privado (a
acessvel somente ao Mim ) no qual as significaes e as intenes existiriam antes de
serem lanadas no espao do mundo. Wittgenstein nos intima a aceitar um modelo de
significao livre de toda tentativa de legitimao de um Mim privado.
A caracterstica essencial da arte americana no fim dos anos 60 foi ter posto em jogo a
verdade deste modelo. Conseqentemente, analisar a obra de Stella, Morris, Judd ou
Andre unicamente como um projeto de reorganizao formal passar ao largo da
significao mais fundamental deste trabalho. Ademais, corremos o risco de no
compreender ou de interpretar erradamente a maneira como esta mesma noo de
significao persiste em parte da arte do presente.
A obra de Mel Bochner, por exemplo, consiste em uma tentativa de projetar o fato
lingstico sobre o fato perceptivo no para sublinhar o carter no substancial de um
em oposio materialidade do outro, mas para demonstrar experimentalmente o quanto
eles se encontram em relao de fecundao recproca. Em Mesurements, Group B, 1967,
Bochner inscreveu nas paredes de uma sala suas dimenses , fazendo assim aparecer o
espao sobre a imagem de sua prpria pura [blueprint], sem que seja possvel perceber a
anterioridade de um em relao outra. O ilusionismo anulado na experincia deste
objeto em extenso (a parede) que serve de base extenso aritmtica e extenso de
uma geometria abstrata encarnada por essas cotas, atravs das quais a dimenso de
projeta no mundo.
Em Axioma da Indiferena, um conjunto de proposies lingsticas posta em relao
com um conjunto de fatos fsicos, um corroborando o outro. Uma parede, que divide a
obra ao meio, separa seus oito elementos em dois grupos de quatro, o que torna invisvel,
de um lado e de outro, a configurao global da forma fsica ou da proposio verbal da
obra. A integridade da forma e a integridade da entidade proposicional tornam-se uma
questo de reconstruo, de memria. Esta aparece aqui como dependente da linguagem,
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da mesma forma como a linguagem um coeficiente da exterioridade, ou seja, de uma
presena sempre potencial. "A experincia imediata, escreve Bochner, no se constitui
num domnio independente. As lembranas so tipos de restos, no de sensaes mas de
verbalizaes passadas". Alm disso, Axiom of Indifference, como 7 Properties of
Between formam entidades compostas nas quais a proposio verbal e o fato fsico acon-
tecem em um nico ato de percepo. A verificao portanto imediata, e a obra funcio-
na como uma espcie de modelo que permite atribuir a um enunciado o valor de verdade
pblica. Esteticamente, estas obras esto ligadas a uma concepo mais ampla da noo
de modelo: seu objeto antes de tudo insistir na exterioridade, no carter pblico do espao
no qual residem a verificao e a significao
Assim, minha tese que, na ltima dcada, certos artistas manifestaram a necessidade de
explorar a exterioridade da linguagem e, em conseqncia, da significao. Na mesma
poca, essa necessidade encontrou paralelo no trabalho de certos escultores : a descoberta
do corpo como exteriorizao completa no Mim.
(...)
A significao na obra de muitos escultores minimalistas de deve forma como elas se
tornam um enunciado metafrico do Mim mergulhado na experincia. Por exemplo, os
trs L-Beans de Robert Morris (1965) servem como uma espcie de analogia com a forma
como a inteno e a significao dependem fundamentalmente do corpo no instante em
que ele emerge no mundo a cada particularidade de seus movimentos e gestos . De fato,
pouco importa se compreendemos ou no que os trs L (em p, deitado ou apoiado em
suas extremidades) so idnticos: na verdade impossvel perceb-los como tal. Nossa
experincia da forma de cada L depende evidentemente da sua orientao no espao que
a obra divide com nosso prprio corpo: assim que o tamanho dos L se modifica
segundo a relao especfica do objeto com o cho, em termos de escala global como em
termos de comparao interna entre cada um dos braos dos L. Segundo Marcia Tucker,
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os L-Beans fazem pensar
na manipulao de volumes por uma criana, como se fossem imensas peas de
um jogo de construo, A necessidade de modificao e de explorao das
possibilidades inerentes prpria forma caracterstica da viso sincrtica da
criana, na qual o aprendizado de uma forma pode ser transposta a qualquer
variante desta forma
Mas esta anlise, parece, vai precisamente ao encontro da experincia real que temos da
obra: ela coloca a idia de identidade sobre um mundo de diferenas. Em certo sentido,
camos na armadilha daquilo que Morris chama de "constante conhecida", esta unidade
cartesiana ideal que o trabalho em questo leva precisamente a considerar como um
resqucio nostlgico das formas de explicao passadas. Raciocinar em termos de
"constante" ignorar o modo como essa mesma "constante" se remete, na escultura, a
uma espcie de fico que sai de cena pouco a pouco para dar lugar noo de diferena
absoluta, no seio da especificidade do espao real. . Se inscrevendo no espao da
experincia esse que nosso prprio corpo ocupa os L-Beans anulam as coordenadas
axiomticas de todo espao ideal. Recorremos a essas coordenadas quando pensamos o
espao como uma grade perfeita cujas linhas, todavia, parecem se confundir na
profundidade por causa de nosso ponto de vista particular. Tudo se tornar claro,
pensamos, se podermos nos imaginar sobrevoando o espao e corrigindo as distores de
nossa perspectiva restabelecendo assim o paralelismo absoluto da grade. Mas a
significao da experincia da profundidade no reside em nada no postulado deste
sobrevo ideal
Como escultor, Morris sempre tentou pr e cheque a diagramtica. Nas peas compostas
de elementos de fibra de vidro feitas em 1967-1968, ele evita que a configurao
especfica da obra aparea como uma figura algo destacado do "fundo" da estrutura
"real" do objeto. De fato, enquanto uma estrutura interna fixa poderia reforar no
espectador a noo de um Mim anterior a qualquer experincia, estas unidades, por serem
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separadas e permutveis, sugerem a idia de um Mim existente somente nesta
experincia momentnea de exterioridade
Em seus escritos, Morris aborda freqentemente o contexto conceitual de seus trabalhos e
o dos artistas de que prximo. Num de seus primeiros ensaios, "Notas sobre Escultura",
ele evoca seu interesse particular por fortes gestalts tridimensionais. "A caracterstica de
uma gestaslt, escreve, que uma vez estabelecida, todas as informaes que a ela dizem
respeito, como gestalt, se esgotam (no procuramos, por exemplo, a gestaltde uma
gestalt)." A crtica que se desenvolveu em torno do minimalismo desde o fim dos anos 60
interpretou estranhamente estas palavras como se elas revelassem uma espcie de
cartesianismo latente. A gestaltseria uma unidade ideal, imvel, que perduraria alm das
particularidades da experincia, tornando-se o fundamento de toda experincia. Isso
ignorar as noes mais fundamentais da gestalt, segundo as quais as propriedades da "boa
gestaltdependem inteiramente de seu contexto. A significao de um trapzio, e portanto
de sua gestalt, depende de ele ser visto como figura bidimensional ou como um quadrado
deitado, visto em perspectiva significao que no pode de forma alguma anteceder a
experincia. O prprio Morris destaca : "Trata-se de aspectos da apreenso que no
coexistem com o campo visual, e sim so efeitos dele)
De diferentes formas e com estratgias diversas, Juss, Andre, e Flavin tambm atacam a
persistncia do cartesianismo em suas obras, fazendo a significao depender do espao
exterior. Esta idia de fuso na experincia, de uma realizao do Mim na exteriorizao,
evidente nas Prop Pieces que Serra comea a fazer em 1969. Em uma metfora
surpreendentemente abstrata, estas sobras sugerem um processo constantemente
renovado do corpo buscando sua prpria coeso, atravs de uma forma que percebida
como atingindo (en train de atteindre) a coeso. A precariedade particular dessas Prop
Pieces, feitas de elementos distintos, evocam uma tenso entre a unidade conceitual de
formas simples e as condies reais de sua unio fsica in situ. One Ton Prop (House of
Cards) um cubo (portanto uma forma "ideal") percebido ao mesmo tempo como
dependente da manuteno de certas condies reais. House of Cards trata tambm do
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espao interior como se ele fosse constantemente acessvel a uma viso exterior, e como
se ele fosse inteiramente definido pelo ato de percepo do equilbrio que constri seu
exterior. . Assim, a interioridade (o "Para Si") se torna claramente uma funo da
exterioridade (o "Para o Outro").(4)
Godard disse uma vez que a maior parte dos filmes se revelam uma forma de lembrana,
e que todos pareciam estranhamente conjugados no passado. Para evit-lo, ele preferia
no escrever seus filmes com antecedncia, e esperar a noite anterior filmagem para
esbo-la, obrigando seus atores a improvisar no momento da gravao. O que ele
procurava era a desordem, as passadas em falso, do presente vivido. Assim fazendo,
Godard definia uma sensibilidade para a qual a histria, enquanto narrao no passado,
era ento obsoleta.
Este ensaio comeou com outro caso de rejeio da histria, o caso de Manet. Agora vejo
que foi um mau exemplo. A conduta de Manet era profundamente histrica : consistia em
se livrar do contedo de uma histria em particular, mas no da forma da histria. Afim
de criticar o passado, de torn-lo caduco ou simplesmente de ultrapass-lo, Manet tinha
que incorpor-lo em sua obra. Era necessrio que o prottipo dos grandes mestres
servisse de fundo para as formas do presente. A histria transparecia por trs dessa
justaposio. A significao do presente se construia sobre os restos incorporados do
passado.
O objetivo deste ensaio era, antes de mais nada dar conta das razes pelas quais tal
procedimento se tornou inaceitvel aos olhos de certos artistas desses ltimos 10 anos.
Citei os nomes de alguns, mas claro que h muitos outros. Para eles, nada de continuar
propondo a superao de uma determinada posio anterior. Fazer arte em resposta a uma
formulao do passado histrico fechar-se no espao solipsista da memria. Eis porque
esses artistas no propem, por exemplo, uma nova concepo de inteno : isso os faria
cair na arapuca de um espao mental privado j balizado na velha concepo. O espao
no qual eles existem, aquele a que devem responder, precisamente o espao em que a
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8/7/2019 Krauss, Rosalind - Razo e Sensibilidade
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significao se constri no momento mesmo de sua projeo no mundo. E a arte que
criam s pode fazer o mesmo.
(1)Pictoriality Seguindo a argumentao da autora sobre a interrelao entre um
referente de figurao (horizonte/figura) e um referente simblico (a cruz) no dispositivo
convencional de Stella, o termo Pictoriality poderia ser traduzido tanto como
"pictorialidade" quanto por "figurao"
(2) Johns, com as bandeiras, os nmeros e, em especial, as pinturas com as cores
nomeadas, parece fazer a mesma coisa: construir um discurso que emerge apenas
dos fatos bidimensionais da tela, projetando-se dela para a "linguagem do mundo"
(3) para Krauss, portanto, o ilusionismo no se ope abstrao, nem o
antiilusionismo pode ser identificado na maior parte das tendncias modernistas.
Talvez possamos pensar em excees como o dadasmo e o Construtivismo Russo
(4) Trata-se, portanto, de uma arte verdadeiramente ps-expressionista