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última análise, a estrutura íntima dopensamento de Platão é totalmente paradigmática, e que ele caracteriza as suas idéias como"paradigmas fundamentados no que é", ficará perfeitamenteclara a origem desta forma de pensar. Veremos ainda que aidéia filosófica de "bem", ou, no sentido mais estrito de áYOtüóv,esse modelo de validade universal, procede diretamente da idéiade modelo daética daareie, própria da antiga nobreza. O desenvolvimento das formas espirituais da educação homérica da nobreza, através de Píndaro atéa filosofia de Platão, é absolutamente orgânico, permanente e necessário. Não é uma "evolução" nosentido seminaturalista que a investigação histórica costuma empregar, mas um desenvolvimento essencial de uma forma original do espírito grego, que, na sua estrutura fundamental, permanece idêntico a si próprio através de todas as fases da sua história.

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Homero como educador

Conta Platão que era opinião geral no seu tempo ter sidoHomero o educador de toda a Grécia1. Desde então, a sua influência estendeu-se muito além das fronteiras da Hélade. Nem aapaixonada crítica filosófica de Platão conseguiu abalar oseu domínio, quando buscou limitar o influxo eo valor pedagógico detoda a poesia. Aconcepção do poeta como educador do seu povo- no sentido mais amplo e profundo dapalavra - foi familiar aosGregos desde a sua origem e manteve sempre a sua importância.Homero foi apenas oexemplo mais notável desta concepção gerale,por assim dizer, asua manifestação clássica. Convém levarmosasério, o mais possível, esta concepção, e não restringirmos a nossa compreensão da poesia grega com asubstituição do juízo próprio dos Gregos pelo dogma moderno da autonomia puramenteestética da arte. Embora estacaracterize certos tipos eperíodos daarte edapoesia, não deriva dapoesia grega ou de seus grandes representantes, nem é possível aplicá-la a eles.

Anão-separação entre aestética ea ética é característica dopensamento grego primitivo. Oprocedimento de separá-las surge relativamente tarde. Para Platão, ainda, alimitação do conteúdo de verdade da poesia homérica acarreta imediatamente umadiminuição no seu valor. Foi aantiga retórica que fomentou pela

1. Platão, Re/).. 6()6 E, pensa nos "adoradores de Homero", que oenaltecemnão só como fonte deprazer artístico, mas também como guia davida. Idêntica visãoem XENÓEANES, frag.9 Diehl.

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passar uma longa existência em indo/ente repouso; jmfere viver sóum anopor muf 1111 nobre, a unia vasta vicia por nada; escolhe antes executar umaúnica cição grande e magnífica, aJazer uma série de pequenas insipnfi-cáncias.

Nestas palavras revela-se o que há de mais peculiar e original no sentimento de vida dos Gregos, aquilo por que nos sentimos essencialmente unidos a eles: o heroísmo. Elas são a chave

que nos faculta a inteligência da história grega e nos faz chegar àcompreensão psicológica desta breve mas incomparável e magnífica anstéia. Na fórmula "fazer sua a beleza" está expresso comclaridade ímpar o motivo íntimo da arete helênica. E isto que, jáno tempo da nobreza homérica, distingue o heroísmo grego dosimples desprezo selvagem pela morte. E a subordinação do físicoa "ma "beleza" mais elevada. Ao trocar esta beleza pela vida, oimpulso natural do homem à auto-afirmaçãoencontra no dom desi a mais alta realização. No discurso de Diótima, no Bani/nele dePlatão, situam-se no mesmo plano o sacrifício de dinheiro e debens, a resolução dos grandes heróis da Antigüidade no esforço,no combate e na morte, para alcançarem o prêmio de uma glóriaduradoura, e a luta dos poetas e legisladores para deixarem à posteridade criações imortais do seu espírito. E ambas as coisasse explicam pelo poderoso impulso do homem mortal em busca daprópria imortalidade. Constituem o fundamento metafísico dosparadoxos da ambição humana e da ânsia de honra1". TambémAristóteles, em um hino, que ainda subsiste, a arete do seu amigoHermias - príncipe de Atarneu, que morreu por fidelidade aoseu ideal filosófico e moral —, relaciona expressamente o seu conceito filosófico da arete homérica com os modelos Aquiles eÁjax'y. E é evidente que muitos traços com quedescreve a auto-estima são tirados da figura de Aquiles. Entre os dois grandes filósofos e os poemas de Homero, estende-se a cadeia ininterruptade testemunhos da persistência da idéia de arete, própria dos primeiros tempos da Grécia.

18. PLATÃO, B<j«/., 209 C19 Vi-ja-seo meu Amtíittlts(Berlim, 1923), p. 118. (Ed. csp. F.Cl-., México,

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Cultura e educaçãoda nobreza homérica

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Para completar e ilustrar a explicação da arete —conceitocentral da formação grega - traçaremos uma imagem da vida danobreza grega primitiva, tal como nos é apresentada pelos poemas "homéricos". Confirmamos assim os resultados que alcançamos nas invescigações anteriores.

Atualmente não é possível considerar a Ilíada e a Odisséia —fontes da primitiva história da Grécia - como uma unidade, querdizer, como obra de um só poeta, embora na prática continuemosa falar de Homero como a princípio fizeram os antigos, agrupando sob este nome diversos poemas épicos. O fato de a Grécia clássica, desprovida de senso histórico, ter separado daquela massa osdois poemas, considerando-os superiores de um ponto de vistapuramenteartístico e declarando os outros indignos de Homero,não afeta o nosso juízo científico nem pode ser considerado comotradiçãono sentido próprio da palavra. Do ponto de vista histórico,a Ilíada é um poemamuito maisantigo. A Odisséia reflete umestágio muito posterior da história da cultura. Com esta verificação, ganha a maior importânciao problemada determinação doséculo a que uma e outra pertencem. A fonte principal parachegar à solução deste problema são os próprios poemas. Apesar detoda a perspicácia consagradaa este assunto, reina quanto a ele amaior insegurança. As escavações dos últimos cinqüenta anos enriqueceram, semdúvidade modofundamental, o nosso conhecimento da Antigüidade grega, e sobretudo ofereceram-nos soluções precisas no que se refere à questão do núcleo histórico da

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tradição heróica; mas nem por issoavançamos um passo na determinação da épocaexatados nossos poemas, que vários séculos separam do nascimento das sagas.

O instrumento fundamental para a determinação das datascontinua sendo a análise dos próprios poemas. Esta análise, porém, não se orientou de início para esse fim, mas, fundada na antiga tradição segundo a qual os poemas em sua forma atualcorrespondem a uma redação bastante tardia, formulava conjecturassobre a sua forma, de cantos separados e independentes. Eraesta a chave do problema. É principalmente a Wilamowitz quedevemos o fato de ter relacionado as primeiras análises realizadassegundo um critério exclusivamente lógico e artístico, com osnossos conhecimentos históricos sobre a cultura grega primitiva.O problema fundamental consiste hoje em saber se devemos limitar-nos a considerar a Ilíada e a Odisséia como um todo, resig-nando-nos a deixar sem solução o problema, ou se elevemos levara cabo o esforço de distinguir hipoteticamente, dentro da epopéia, níveis correspondentes a idades e caracteres diversos'. Istonada tem a ver com a exigência legítima, e ainda não totalmenteconseguida, de avaliar os poemas antes de mais nada como umtodo artístico. O problema da importância e do valor de Homerocomo poeta continua de pé. Mas será impossível, por exemplo,considerara Odisséia como uma imagem da vida da nobreza primitiva, se as suas partes mais importantes procederem da segunda metade do séc. VI, como atualmente crêem cientistas qualificados2. Diante desse problema não é possível uma simples evasãocéptica. E forçoso refutá-lo de modo fundamentado, ou entãoreconhecê-lo, com todas as suas conseqüências.

1. A propensão expressa a renunciar por completo à análise de Homero manifesta-se em trabalhos recentes como o de F. DORNSEiFF, Archahche Mythener-zãhlitng (Berlim, 1933) e F. JACOBY, "Die geistige Physiognomie der Odissee",DieAntike, vol. 9, 159.

2. E. SCI IWARTZ, Die Odysiee (Munique, 1924), p. 294, e WILAMOWITZ,Die llcimkehr dei Otlysseiis (Berlim, 1927), especialmente pp. 171 ss.: "Quem emquestões de linguagem, religião ou costumes mistura a Ilíada e a Oiliaéia.quem, com Arisrarco, as separa do resto como V£CÍ)T£pOV, não pode pretenderser levado em conta."

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Não posso, naturalmente, dar aqui uma análise pessoal daquestão. Mas julgo ter demonstrado que o I canto da Odisséia —aceito pela crítica, depois de Kirchoff, como uma das últimas elaborações da epopéia —já era considerado obra de Homero porSólon, e mesmo, pelo que tudo indica, antes do seu atcontado[594], isto é, no séc. VII, pelo menos\

Wilamowitz teve de aceitar nos seus últimos trabalhos queo prodigioso movimento espiritual dos sécs. VII e VI nãoexerceuqualquer influênciana Odisséia, o que não é fácil de explicar, nemmesmo com a sua sugestão de que os últimos poemas rapsódicossejam eruditos e alheados da vida'. Por outro lado, o racionalismoético e religioso que domina a totalidade da Odisséia, na sua forma atual, deve ser muito mais antigo na Jônia, pois é no começodo séc. VI que nasce a filosofia natural milesiana, para a qual oestado social e a visãogeográficae política da Odisséia nãose apresentam como fundo adequado5. Parece-me fora de dúvida que aOdisséia, quanto ao essencial, já devia existir no tempo de Hesío-do. Estou persuadido, aliás, de que as análises filológicas realizaram sobre o nascimento da grande épica descobertas fundamentais, cuja legitimidade é necessário manter, ainda que acapacidade da nossa fantasia construtiva e da nossa lógicacríticanuncachegasse a resolver por completoo mistério. O desejo compreensível dos investigadores de quererem saber mais do queaquilo que realmente podemos saber acarretou freqüentemente odescrédito injustificado da investigação como tal. Hoje, quandoum livro ainda fala, como este, em níveis mais primitivos daIlíada, precisa apresentar fundamentação nova. Acho que possooferecê-la, embora não aqui. Conquanto a Ilíada dê no conjuntouma impressão de maior antigüidade que a Odisséia, isso não

3. Ver o meu ensaio Sol/ms Eunamit, Sitz. Berl. Akad., 1926, pp. 73 ss. Também F.JACOBY (op. cit., p. 160) aduz argumentossimples que nos levam a umterminus antequem ainda mais recuado.

4. Wilamowitz, op. cit., p. 178.5. Wilamowitz, op. cit., p. 182 supõe (contra a sua opinião em Humerische

Vntersiichiingen, p. 27) que a "Telamaquia"nasce na península e falade um "círculocultural coríntio". Não me convencem as suas razões. (Cf, também concra,JACOBY,op. cit.,p. 161).

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pressupõe necessariamente que tenha surgido na sua forma atual,como grande epopéia, numa época muito distante cia época daOdisséia na sua forma definitiva. A Ilíada, nessa forma, foi naturalmente o grande modelo de toda a épica posterior, mas as linhasda grande épica fixam-se numa épocadeterminada c imprimem-se de preferência em outra matéria. Aliás, é preconceitoderivadodo romantismo e da sua concepção característica da poesia popular, considerarartisticamente superior a poesiaépica mais primitiva. E neste preconceito contra as "redações" surgidas no termoda evolução épica (as quais foram poeticamente subestimadas epropositadamente diminuídas, em vez de se tentar compreendero seu sentido artístico) que se fundam, em grande parte, a desconfiança do "homem de são entendimento" em relação à crítica,e o cepticismo que em todas as épocas brota das contradições nosresultados da investigação. Mas esta desconfiança não pode ter aúltima palavra num problema tão decisivo, em que a própriaciência precisa rever constantemente os seus próprios fundamentos, mesmo porque não podemos mais nos manter tão distantesdo nosso objetivo, como o fez a crítica, por tão longo tempo.

O mais antigo dos dois poemas mostra-nos o predomínioabsoluto do estado de guerra, tal como devia ser no tempo dasgrandes migrações das tribos gregas. A Ilíada fala-nos de ummundo situado num tempo em que domina exclusivamente o espírito heróico da arete, e corporifica este ideal em todos os seusheróis. Junta numa unidade ideal indissolúvel a imagem tradicional dos antigos heróis, transmitida pelas sagas e incorporadaaos cantos, e as tradições vivas da aristocracia do seu tempo, quejá conhece a vida organizada da cidade, como provam principalmente as pinturas de Heitor e dos Troianos. O valente é sempre onobre, o homem de posição. A luta e a vitória são para ele a distinção mais alta e o conteúdo próprio da vida. A Ilíada descrevesobretudo este tipo de existência, condicionada, evidentemente,pela sua matéria. A Odisséia, ao contrário, tem poucas ocasiõespara descrever o comportamento dos heróis na luta. Porém, se háalguma coisa definitivamente certa sobre a origem da epopéia, éo lato de os mais antigos cantos heróicos celebrarem as lutas e façanhas dos heróis e ciea Ilíada ter tirado a sua matéria de canções

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e tradições desse gênero. No seu próprio conteúdo encontra-se amarcada sua maior antigüidade. Os heróis da Ilíada, que se revelam no seu gosto pela guerra e na sua aspiraçãoà honra como autênticos representantes da sua classe, são, todavia, quanto ao restoda sua conduta, acima de tudo grandes senhores, com todas assuas excelências, mas também com todas as suas imprescindíveis debilidades. É impossível imaginá-los vivende em paz:pertencem ao campo de batalha. Fora dele só os vemos naspausas do combate, nas suas refeições, nos seus sacrifícios, nosseus conselhos.

A Odisséia oferece-nos outro quadro. O motivo do regressodo herói, o nostos, que se liga de modo tão natural à guerra deTróia, conduz à representação intuitivae à terna descrição da suavida na paz. Estes cantos são, em si, antiqüíssimos. Contudo, erapara o lado humano da vida dos heróis que se dirigia, de preferência, o interesse de uma época posterior, cujosentir se alheavadas descrições sangrentas de batalhas e experimentava a necessidade de refletir a sua própria vida nos destinos e nas personagens das velhas sagas. Quando a Odisséia pintaa existência do herói depois da guerra, as suas viagens aventurosas e a sua vidacaseira com a família e os amigos, inspira-se na vida real dos nobres do seutempoe projeta-a com ingênua vivacidade numaépoca mais primitiva. Ela é, deste modo, a nossa fonte principal paraconhecermos a situação da antiga cultura aristoctática. Pertenceaos Jônios, em cuja terra nasceu, mas podemos considerá-la típicaquanto ao que nos interessa. Vê-se claramente que as suas descrições não pertencem à tradição dos velhos cantos heróicos, mas assentam na observação direta e realista dascoisas contemporâneas.A matéria destas cenas domésticas não se encontra, nem em grau

mínimo, na tradição épica. Esta liga-se aos próprios heróis e aosseus feitos, não à pacífica descrição dos acontecimentos comuns.A introdução destes elementos novos não é o resultado de umanova matéria, mas foi a própria escolha da matéria que derivoudo gosto de uma época mais contemplativa e dada às satisfações da paz.

O fato de a Odisséia observar e representar no seu conjuntotima classe, a dos nobres senhores, com os seus palácios e casario,

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representa um progresso na observação artística da vida e dos seusproblemas. Aepopéia torna-se romance. Se aperiferia daimagemdo mundo da Odisséia nos arrasta para a fantasia aventureiradospoetas, para as sagas heróicas e mesmo para o mundo do fabulosoe do maravilhoso, é com tanto maior força quea suadescrição dasrelações familiares nos aproxima da realidade. Ecerto quenão faltam nela traços maravilhosos —como a descrição do régioesplendor do palácio de Menelau ou da morada dos reis feaces, em contraste com a rústica simplicidade da mansão senhoria! de Ulisses—os quaisse inspiravam evidentemente nasvelhas lembranças dofausto e no amorà arte dos grandes senhores e dos poderosos reinos da antigüidade micênica, ou mesmo nos modelos coevos doOriente. Sem dúvida, a imagem da nobreza que a Odisséia nos dádistingue-se claramente, pelo seu realismo vital, da que nos dá aIlíada. Comodissemos, a nobreza da Ilíada é na sua maiorparteuma imagem ideal da fantasia, criada com a ajuda dos traçostransmitidos pela tradição dos antigos cantos heróicos. Domina-a, na sua totalidade, o ponto de vista que determinou a formadaquela tradição, isto é, o espanto perante a arete sobre-humanados heróis da Antigüidade. Só um ou outro traço realista e político, como a cena de Tersites, revela o tempo relativamente tardiodo nascimento da Ilíada na sua forma atual. Nessa cena, Tersites,o "atrevido", adota na presençados nobres mais proeminentesumtom desdenhoso. Tersites é a única caricatura realmente malicio

sa de toda a obra de Homero. Mas tudo revela que os nobres seconservavam ainda no seu pedestal quando principiaram estesprimeiros ataques de uma nova época. É certo que faltam naOdisséia estes rasgos isoladosde inovação política. A comunidadedeftaca é regida, naausência do rei, poruma assembléia do povodirigida pelos nobres, e a cidade dos Feaces é a pintura fiel deuma cidade jônica sob domínio de um rei. Mas é evidente que anobreza é para o poeta um problema social e humano que elecontemplade uma certadistância6. Isto habilita-o a pintá-la ob-

6. Os rapsodos não pertenciam, provavelmente, à classenobre. Na lírica, naelegia e no iambo, pelo contrário, encontramos com freqüência poetas aristocráticos (WILAMOWITZ, op. cit., p. 175).

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jetivamente como um todo, com aquela quente simpatia apesarda aguda crítica aos maus representantes da classe, pelo valor daconsciência e formação dos verdadeiros nobres, tornando indispensável para nós o seu testemunho.

A nobreza da Odisséia é uma classe fechada, com intensaconsciência dos seus privilégios, do seu domínio e dos seuscostumes e modos de vida refinados. Em vez das grandiosas paixõesdas figuras sobre-humanas e dos trágicosdestinos da Ilíada, deparamos no novopoemacom grande número de figuras de estaturamais humana. Todos têm algo de humano e amável; nos seusdiscursos e experiências domina o que a retóricaposteriorapelidoude ethos. O intercâmbio entre os homens tem qualquer coisa dealtamente civilizado. Éo quevemos nodiscreto e seguro procedimento de Nausícaa ante a surpreendente aparição de Ulisses, nu,náufrago e implorandoproteção; no comportamento de Telêmacopara com o seu hóspede, Mentes; no palácio de Nestor e Menelau; na casa de Alcínoo, no hospitaleiro acolhimento dispensado ao famoso estrangeiro, e na inenarrável e cortês despedida de Ulisses, ao separar-sede Alcínoo e sua esposa, assim comono encontro do velho porqueiro Eumeu com o seu antigo amo,transformado em mendigo, e no seu comportamento para comTelêmaco, o jovem filho do seu senhor. A autêntica formação interior nestascenas destaca-se numa correção de formaque se revela em outras ocasiões e apresenta numa sociedade em que as maneiras e a conduta distintas eram tidas no mais alto apreço.Mesmo as formas de tratamento entre Telêmaco e os pretendentesviolentos e altivos são, apesar do ódio recíproco, de umacortesiairrepreensível. Nobres ou plebeus, todos os membros desta sociedade conservam o distintivo comum do decoro em todas assituações. A vergonhosa conduta dos pretendentes é constantementeestigmatizadacomouma ignomíniaparaeles e paraa suaclasse. Ninguém pode contemplá-la sem indignação e é, depois,severamente expiada. Mas, ao lado das palavras que condenam asua temeridade e violência, fala-se dos nobres, ilustres e valorosospretendentes. Apesarde tudo, continuam a ser, para o poeta, senhores eminentes. O seu castigo é rigorosíssimo, porque a suaofensa é duplamentegrave. E, emborao seudelito seja umaman-

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cha negra na honra da sua posição, éeclipsado pela brilhante everdadeira distinção das figuras principais, rodeadas de toda asimpatia imaginável. Os pretendentes não mudam ojuízo favorável aos nobres. Ocoração do poeta está com os homens que representam a elevação da sua cultura e costumes, e isso se percebepasso a passo. Acontínua exaltação que faz das suas qualidadestem, sem duvida alguma, uma intenção educativa. Oque delesnos diz é para ele um valor em si; não é um miliat indiferentemas constitui uma parte essencial da superioridade dos seus heróis. Asua forma de vida é inseparável da sua conduta edas su-ismaneiras eoutorga-lhes uma dignidade especial, que se manifesta através das suas nobres e grandes façanhas, e da sua atitudeirrepreensível ante a felicidade e miséria alheias. O seu destinoprivilegiado está em harmonia com aordem divina do mundo eos deuses lhes dispensam a sua proteção. Irradia cont.nuamenteda nobreza da sua vida um valor puramente humano.

Avida sedentária, aposse de bens eatradição são os pressupostos da cultura da nobreza7. Estas três características possibilitam atransmissão das formas de vida de pais para filhos. Segundo os imperativos dos costumes da nobreza, afinalidade do jovemconsciente do seu padrão deve ser aderir a esse "adestramento"distinto. E, apesar de na Odisséia existir um sentimento de humanidade para com as pessoas comuns eaté para com os mendigosapesar de faltar aorgulhosa eaguda separação entre os nobres eoshomens do povo, eexistir apatriarcal proximidade de senhores eservos, não se pode imaginar uma educação eformação conscientefora da classe privilegiada. Oadestramento como formação dapersonalidade humana, mediante oconselho constante eadireçãoespiritual, éuma característica típica da nobreza de todos os tempos epovos. Só esta classe pode aspirar àformação da personalidade humana na sua totalidade, oque não se pode conseguir sem ocultivo consciente de determinadas qualidades fundamentaisNao basta crescer, como as plantas, de acordo com os usos e costumes dos antepassados. Aposição eodomínio preeminente dos

7. Falta uma investigação especial sobre odesenvolvimento da relação entrepropriedade eareie. Na Odisséia encontraria precioso material.

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nobres acarretam a obrigação de estaiturar os seus membros desde a mais tenra idade segundo os ideais válidos dentro do seu círculo. A educação converte-se aqui, pela primeira vez, em formação, istoé, na modelação do homem integral de acordo com umtipo fixo. A importância de um tipo desta natureza para a formação do Homem esteve sempre presente na mente dos Gregos. Esta idéia desempenha um papel decisivo em toda a cultura nobre, quer se trate do %aXòc, xctya0óç dos Gregos, dacortesia da Idade Média cavaleiresca, ou da fisionomia social doséc. XVIII, tal como nos é apresentada por todos os retratos convencionais da época.

A mais alta medida de todo o valor da personalidade humana é ainda, na Odisséia, o ideal herdadoda destreza guerreira; masa ele se junta a elevada estima das virtudes espirituais e sociaisdestacadas com predileção naquele poema. O seu herói é o homem a quem nunca falta o conselho inteligente e que para cadaocasião acha a palavra adequada. A sua honra é a suadestreza e oengenho dasua inteligência que, na luta pela vida e na volta aolar, sai sempre triunfante em face dos inimigos mais poderosos edos perigos que o espreitam. Este caráter, não isento de objeçõesentre os Gregos e sobretudo entre as tribos da Grécia peninsular,não é criação individual de um poeta. Séculos inteiros cooperaram nasua formação, o que explica as suas freqüentes contradições1'. A figura do aventureiro astuto e rico de recursos é criaçãodo tempo das viagens marítimas dos Jônios. A necessidade deglorificar oseu herói liga-o ao ciclo dos poemas troianos, eprincipalmente aos que se referem àdestruição de ílion. Os traços maispalacianos que a Odisséia freqüentemente aceita dependem domeiosocial, de importânciadecisiva parao poemaque nosocupa.Do mesmo modo, as outras personagens destacam-se menos porsuas virtudes heróicas do que porsuas qualidades humanas. O espiritual é vigorosamente posto em relevo. Telêmaco recebe comfreqüência o epíteto de razoável ou inteligente; a mulher deMenelau afirma que a este não falta excelência nenhuma, nem ao

8. Cf. WILAMOWIT'/,op cit.. p. 183.

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espírito nem à figura. DeNausícaa diz-se quenunca erranacompreensão dos pensamentos justos. Penélope fala com prudência einteligência.

É preciso dizer aqui uma palavra sobre a importância doselementos femininos na velha cultura aristocrática. A arete própria da mulher é a formosura. Isto é tão evidente como a valorização do homem pelos seus méritos corporais e espirituais. O cultoda beleza feminina corresponde ao tipode formação cortesâ de todas as idades cavaleirescas. A mulher, todavia, não surge apenascomo objeto da solicitação erótica do homem, como Helena ouPenélope, mas também na sua firme posição social e jurídica ciedona de casa. As suas virtudes são, a este respeito, o sentido damodéstia e o desembaraço no governo do lar. Penélope é muitolouvada pela sua moralidade rígida e virtudes caseiras. Mesmo apura beleza de Helena, que tantas desgraças atraíra já sobreTróia, basta para que os anciãos da cidade se desarmem ante a suasimples presença e atribuam aos deuses todas as culpas. Na Odisséia, Helena, de volta a Esparta com o primeiro marido, aparececomo o protótipo dagrande dama, modelo dedistintaelegância ede soberana forma e representação social. Ela dirige a conversacom o hóspede, a qual começa pela graciosa referência à sua surpreendente aparência familiar, mesmo antes de o jovem Telêmaco lhe ter sidoapresentado. Isto revela a suasuperior mestrianessa arte. É de ouro o fuso e de prata a roca (instrumentosem o qual não se pode conceber a dona de casa) que as suasservas colocam na frente dela, quandoentrae tomalugar nasalaao lado dos homens. Ambos são apenas atributos decorativos dagrande dama.

A posição social da mulher nunca mais voltou a ser tão elevada como no período da cavalaria homérica. Arete, a esposa dopríncipe feace, é venerada pelo povo como uma divindade. A suapresença basta paraacabarcom as disputas, e pelasua intercessãoou conselho determina as decisões do seu marido.Quando Ulissesquerobterajuda dos Feaces para o seu regresso a ftaca, não se dirige primeiramente ao rei, mas, seguindo o conselho de Nausícaa, abraça-se suplicante aos joelhos da rainha, cuja benevolência é decisiva para o deferimento da sua súplica. Penélope,

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desamparada e desvalida, move-se entre o tropel dos atrevidospretendentes com uma segurança que revela a sua convicção deque será tratada com orespeito devido àsua pessoa eàsua condição de mulher. Acortesia com que os senhores tratam as mulheres dasua condição é faito de uma cultura antiga e de uma elevada educação social. A mulher é atendida e honrada não só comoum ser útil, como sucede no estágio campesino descrito porHesíodo, não só na qualidade de mãe dos filhos legítimos, comose vê na burguesia grega dos tempos posteriores, mas acima detudo e principalmente porque, numa raça orgulhosa de cavaleiros, a mulher pode ser mãe de uma geração ilustre. Ela é a mantenedora ea guardiã dos mais altos costumes e tradições.

Esta sua dignidade espiritual influencia também o comportamento erótico do homem. No primeiro canto da Odisséia, queapresenta no conjunto um pensamento moral mais finamenteelaborado do que as partes mais antigas da epopéia, deparamoscom um aspecto da relação intersexual digno de ser observado.Enquanto Euricléia, avelha serva de confiança da casa, iluminacom a tocha o caminho de Telêmaco para o quarto, o poeta contabrevemente, e num tom épico, a história da vida dela. O velhoLaertes comprou-a por um preço excepcionalmente elevado,quando ela era uma moça jovem e bela. Conservou-a em casa portoda a suavidae honrou-a tal como à sua nobre esposa, mas, ematenção aesta, nunca partilhou com ela oleito.

A Ilíada contém idéias muito mais naturalistas. QuandoAgamemnon decide levar para a terra Criseida, capturada comodespojo de guerra, edeclara perante aassembléia que aprefere aClitemnestra, pois não aacha inferior a ela nem pela presença oupela estatura, nem pela prudência ou linhagem, e possível queisso seja fruto do caráter particular de Agamemnon - e já os antigos comentadores observaram que toda a arete da mulher estáaqui descrita num só verso - mas a maneira imperiosa como ohomem procede, acima de toda aconsideração, não écoisa isoladanodecurso da Ilíada. Amíntor, pai de Fênix, desentende-se comofilho por causa da amante, pela qual abandona aesposa; eofilho, incitado pela própria mãe, faz a corte àquela, toubando-a do

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pai. E não se trata de costumes de guerreiros embrutecidosAcontece em tempo de paz.

Em face disto, as idéias da Odisséia situam-se sempre numplano mais elevado. Amais profunda ternura eoíntimo refinamento dos sentimentos de um homem que odestino põed.ante de uma mulher manifestam-se no maravilhoso diálogode Ulisses eNausícaa, do homem cheio de experiência eda moçajovem e ingênua. Acultura interior éaqui descrita pelo seu valorpróprio, como sucede na cuidada descrição que opoeta faz dosjardins reais eda arquitetura da casa de Alcínoo, ou na complacência com que se demora na rara e melancólica paisagem dalongínqua ilha da ninfa Calipso. Esta íntima eprofunda civilização éoproduto do influxo educador da mulher numa sociedade rudemente masculina, violenta eguerreira. Éna mais altaintima epessoal relação do herói com asua deusa Palas Atena, aqual oguia nas suas andanças ejamais oabandona, que opoderespiritual da mulher como inspiradora eguia acha asua expressãomais bela.

Não devemos, aliás, limitar-nos a tirar conclusões sobre aformação naquelas camadas sociais baseadas em descrições ocasionais da epopéia; oquadro da cultura dos nobres esboçado nospoemas homéricos engloba também descrições vivas da educaçãousual em tais círculos. Para isso é necessário juntar à Odisséia aspartes mais recentes da Ilíada. Assim como ointeresse pelo éticose acentua fortemente nas últimas partes da epopéia, também ointeresse consciente pelas questões de educação se limita às partesmais recentes. Aeste respeito, a nossa fonte principal é, além daTe/emaquia, o nono canto da Ilíada. Aidéia de colocar ao lado dojovem herói Aquiles, como educador emestre, a figura anciã deFênix ofereceu-nos uma das cenas mais formosas do poema, aindaque a invenção, como tal, tenha sem dúvida uma origem secundária. Torna-se efetivamente difícil representarmos os heróis daIlíada de modo diverso do que são no campo de batalha ena suaforma madura e acabada. Poucos leitores da Ilíada se terãointerrogado sobre o modo como aqueles heróis cresceram e se desenvolveram e por que caminhos os terá guiado a sabedoria dosseus mestres e maiores, desde os dias da infância até o termo da

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sua maturidade heróica. As sagas primitivas mantiveram-sealheias completamente a este ponto de vista. Mas com o inesgotável interesse pelas árvores genealógicas dos heróis, de que brotou um novogênerode poesia épica, veioà luz o influxo dasconcepções feudais, na tendência a oferecer histórias pormenorizadasda juventude dos heróise a ocupar-se da sua educação e dos seusmestres.

O mestre dos heróis por excelência era, naquele tempo, oprudente centauro Quíron, quevivia nos desfiladeiros selvosos, deabundantes nascentes, das montanhas de Pélion, na Tessália. Diza tradição que uma longa série de heróis foram seus discípulos eque Peleu, abandonado porTétis, confiou-lhe a guarda de seu filho Aquiles. Nos tempos primitivos, o seu nome foi ligado a umpoema didático de estilo épico (Xtpcovoç Ú7toii>f|KCU), o qualguardava a sabedoria pedagógica numa série de sentenças em verso,cujoconteúdo derivava, provavelmente, dastradições aristocráticas. As suas doutrinas, ao que parece, dirigiam-se a Aquiles. Jádevia conter muita filosofia popular quando a Antigüidade atribuiu o poema a Hesíodo. O par de versos que dele conservamosnãoautoriza, infelizmente, nenhum juízoseguro sobreele.Masofato de Píndaro9 lhe fazer referência diz muito sobre a sua relaçãocom a ética aristocrática. O próprio Píndaro, que representaumaconcepção nova e mais profunda da relação entre a educação e asdisposições naturais do Homem, e dáescassa importância ao meroensino naformação daarete heróica, foi levado pela sua piedosa féna tradição das sagas a confessar várias vezes que os maiores homens da Antigüidade receberam o ensino dos seus antepassados,cheios de amor ao heroísmo. Às vezes concede-os simplesmente,outras têm dificuldade em reconhecê-lo; em qualquer dos casosencontrouesse conhecimento numa tradição firmemente estabelecidae evidentemente mais antigaquea Ilíada. Embora o poeta docanto nono ponha Fênix em lugar de Quíron, como educadorde Aquiles, em outra passagem da Ilíada, Pátroclo é convidadoa aplicar num guerreiro ferido um remédio que aprendeu deAquiles, o qual por sua vez o aprendera outrora deQuíron, o mais

9.Pytb.,Vl, 19ss.

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justo dos centauros10. Écerto que oensino se limita aqui àMedicina - Quíron foi também, como se sabe, mestre de Asclépio -,mas Píndaro menciona-o igualmente como educador de Aquilesna caça e nas nobres artes cavaleirescas, e é evidente ter sidoesta aconcepção originária. Opoeta da "Embaixada a Aquiles" não pôdeutilizar o tosco centauro como medianeiro, ao lado de Ájax eUlisses, pois só um herói cavaleiresco podia surgir como educadorde outro herói. Amudança baseou-se com certeza na experiênciade vida do poeta, que não se afastaria sem necessidade da tradiçãodas sagas. Para substituto de Quíron foi escolhido Fênix, que eravassalo de Peleu e príncipe dos Dólopes.

A crítica formulou sérias dúvidas sobre a antigüidade dodiscurso de Fênix na embaixada e, de modo geral, sobre asua figura, que não aparece em nenhumoutro lugar da Ilíada. E existem, de fato, indícios indubitáveis provando que deve ter existidouma forma mais primitiva dacena, na qual Ájax e Ulisses teriamsido os dois únicos mensageiros enviados aAquiles pelo exército.Mas não se pode pensar em reconstruir aquela forma pela supressão pura e simples da grande admoestação de Fênix, como sempre fazem essas reconstruções, mesmo onde os retoques são tãoóbvios como aqui. Na forma atual do poema, a figura do educador encontra-se em íntima conexão com os outros dois mensageiros. Como já indicamos", Ájax personifica aação para oseu idealeducativo, e Ulisses, a palavra. Só se unem ambas em Aquiles,que realiza em si aautêntica harmonia do mais alto vigor de espírito ede ação. Quem tocasse no discurso de Fênix não poderia de-ter-seperante os discursos dos outros dois e destruiria a estruturaartística total do canto.

Mas a crítica adabsurdum não nos leva apenas a esta conseqüência; o suposto motivo pelo qual seadmitea inclusão dodiscurso de Fênix assenta na completa ignorância do intuito poéticodo conjunto. O discurso do ancião é, com efeito, extraordinariamente longo; compreende mais de cem versos e culmina na narração da cólera de Meleagro, que parece bastar a si mesma para

10. A, 830-832.

11. Yei supra, p. 30.

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um leitorsuperficial. Acreditou-se que o poeta recebeu o temadacólera de Aquiles de um poema mais antigo sobre a cólera deMeleagro e quis, fazendo umaalusão literária à moda helenística,citar aqui a suafonte e apresentar umaespécie de resumo daquele poema. Seja qual for a resposta à questão de saber se no tempodo nascimento deste canto existia uma elaboração poética dasaga de Meleagro, ouse o poeta seguiu uma tradição oral, o discurso de Fênix não deixa de ser o modelo de uma alocução exor-tativa do educador ao seudiscípulo, e a longae lenta narração dacólera de Meleagro e de suas funestas conseqüências, um paradigma mítico, como muitos outros que se encontram nos discursos da Ilíada e da Odisséia. O emprego de paradigmas ouexemplos é típico em todas as formas e variedades de discursosdidáticos13. Ninguém possuía melhores títulosque o velho mestre, cuja fidelidade e afeição a Aquiles todos conheciam, paraaduzir o exemplo admonitório de Meleagro. A Fênix era permitido exprimir verdades que Ulisses não poderia dizer. Na boca daquele, este intento supremo de vergar a inquebrantável vontadedo herói e chamá-loà razão adquire o seu maisgravee íntimo vigor: deixa antever, no caso do seu fracasso, o trágico desenlace daação como conseqüência da inflexível negativa deAquiles.

Em parte alguma da Ilíada é Homero em tão alta medidamestre e guia da tragédia, como Platão o denominou. Assim osentiram jáos antigos. Aestrutura da Ilíada assume, deste modo,um matiz ético e educativo, e a forma do exemplo põe em relevoo aspecto fundamental do caso: a ação construtiva exercida pelaNêmesisB sobre a consciência. Todo leitor sente e compartilhaintimamente, em toda a sua gravidade, a decisão definitiva doherói, da qual depende o destino dos Gregos e do seu melhoramigo Pátroclo e, por fim, oseu próprio destino. Oacontecimento converte-se necessariamente num problemageral.No exemplode Meleagro adivinha-se a importância decisiva da idéia religiosadeate para o poeta da Ilíada, tal como ela atualmente se apresenta. Com a alegoria moral das litai, as suplicantes, e do endureci-

12. Veradiante, pp. 59c 67.Já osantigos intérpretes o indicam.13.1523.

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mento do coração humano, esta idéia resplandece como um raiofunesto e ameaçador saído de uma nuvem tenebrosa.

Aconstrução, na sua totalidade, é da maior importânciapara a história da educação grega. Permite-nos descobrir de umasó vez o que é característico na antiga educação aristocrática.Peleu entrega o seu filho Aquiles, sem qualquer experiênciana arte da palavra e na conduta guerreira, ao seu leal vassalo,dando-o aele como companheiro no campo ena corte real, eesteimprime na consciência do herói um alto ideal de conduta humana transmitido pela tradição. Essa função recai sobre Fênix devido aos seus longos anos de comportamento fiel para com Aquiles;ela não ésenão acontinuação de uma amizade paternal que uniuo ancião ao herói, desde a mais tenra infância deste. Recorda-lhecom comoventes palavras os tempos da meninice, quando à horada refeição sentava-o nos joelhos e ele não queria ficar com ninguém mais, como lhe partia os pedaços elhe dava de beber opróprio vinho, e como ele freqüentemente se babava e molhava aroupa no peito. Fênix ficou junto dele e considerou-o como filhoquando lhe foram recusados os próprios filhos pela trágica maldição de seu pai Amíntor. Pôde assim esperar encontrar proteção navelhice junto do seu jovem herói. Mas, além de aio e paternalamigo, Fênix éainda oguia de Aquiles no sentido mais profundoda educação ética. Atradição das antigas sagas oferece-nos exemplos vivos desta educação; não apenas figuras de vigor eesforçosobre-humanos, mas também homens em cujo sangue passa acorrente viva daexperiência, cada vez mais profunda, de uma antiga dignidade renovada dia a dia.

O poetaé evidentemente um admirador da elevada educação retratada na figura de Fênix; mas ao mesmo tempo vê no destino de Aquiles, que foi formado segundo o mais alto modelo davirtude humana, um grave problema. Contra apoderosa força irracional do desvario, dadeusa Ate, são impotentes toda a arte daeducação humana e todo oconselho razoável. Mas opoeta encarnatambém em forças divinas que se ocupam amistosamente do homens os rogos eargumentos da razão. Écerto que são sempre lentas e tardias no rasto dos ligeiros pés de Ate, mas reparam sempre, no fim, os danos que ela causou. É preciso honrá-las e

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escutá-las, como filhas de Zeus, quando se aproximam, porqueajudam amigavelmente os homens. Quem se afasta e obstinadamente resiste a elas cai nas mãos de Ate e expia a sua culpa pelos males que esta inflige. Esta representação religiosa vivida econcreta, ainda isenta de qualquer abstração relativa aos demônios bons e maus, e à sualuta desigual pela conquista do coraçãohumano, exprime o íntimo conflito entre as paixões cegas e amais perfeita intuição, tido como oautêntico problema de toda aeducação no mais profundo sentido da palavra. Isto não tem nenhuma relação com o moderno conceito de decisão livte nemcom acorrespondente idéia de culpa. Aconcepção antiga émuitomais ampla e, por isso mesmo, mais trágica. Oproblema da responsabilidade não éaqui decisivo, como oserá no início da Odisséia14. Mas a ingênua alegria da educação da antiga nobreza começa aqui, nos mais antigos e belos documentos, a ganharconsciência dos problemas relativos aos limites de toda aeducação humana.

Afigura antitética do rebelde Peleida éTelêmaco, cuja educação opoeta nos descreve no primeiro livra da Odisséia. Enquanto Aquiles lança ao vento as doutrinas de Fênix ese precipita paraa perdição, Telêmaco presta atenção às advertências da deusa,disfarçada sob afigura do amigo ehóspede de seu pai, Mentes. Eque as palavras de Mentes dizem-lhe amesma coisa que lhe aconselham as vozes do seu próprio coração. Telêmaco éo protótipodo jovem dócil, a quem o conselho de um amigo experiente,aceito com gosto, conduz àação eàglória. Nos cantos seguintes,Atena, da qual dimana sempre - no sentir de Homero - a inspiração divina para as ações afortunadas, aparece por sua vez na figura de outro amigo, Mentor, eacompanha Telêmaco na viagemque ele faz aPilos ea Esparta. Esta criação deriva indiscutivelmente do costume dos jovens da alta nobreza de serem acompanhados nas suas viagens por um aio ou mordomo. Mentor seguecom olhar vigilante todos os passos do seu protegido, eauxilia-o acada passo com os seus conselhos eadvertências. Instrui-o quantoàs formas de uma conduta social apropriada, sempre que ele se

14. Ver adiante, pp. 59e82.

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sente intimamente inseguro em situações novas e difíceis. Ensina-o como deve dirigir-se aos eminentes evelhos senhores NestoreMenelau, ecomo deve formular-lhes oseu pedido para estar seguro do êxito. Abonita relação de Telêmaco com Mentor, cujonome serviu desde o Telêmaco de Fenelon para designar ovelhoamigo protetor, guia e mestre, fundamenta-se no desenvolvimento do tema pedagógico15 que domina a Telemaquia inteira, eaque ainda agora devemos prestar a maior atenção. Parece claroque a intenção do poeta não era só mostrar-nos algumas cenas doambiente palaciano. Aalma desta encantadora narração humanaé o problema - que o poeta formula com clara consciência - deconverter ofilho de Ulisses num homem superior, apto a realizarações sensatas ebem-sucedidas. Ninguém pode ler opoema semficar com aimpressão de um propósito pedagógico deliberado econsciente, embora muitas partes não apresentem nenhum vestígio dele. Esta impressão resulta do fato de, paralelamente àaçãoexterior de Telêmaco, desenrolar-se oaspecto universal e mesmoprototípico dos sucessos últimos e espirituais que constituem asua própria e autêntica finalidade.

A análise crítica do aparecimento da Odisséia levanta umproblema decisivo. ATelemaquia foi um poema originariamenteindependente ou esteve desde o início incluído na epopéia talcomo o encontramos hoje? Ainda que algum dia tivesse existidoum poema consagrado a Telêmaco, só é possível atingir a compreensão plena desta parteda Odisséia à luzdos interesses de umaépoca que fosse capaz de sentir como atual asituação daquele jovem eparticipar intensamente dos seus problemas pedagógicos, ede tal modo constituída que pudesse dar livre curso àelaboraçãodaquelas idéias.

Por outro lado, onascimento de Telêmaco, asituação da suapátria eos nomes de seus pais não ofereciam à imaginação criadora um núcleo suficiente de fatos concretos. Mas o tema tem a sualógica própria e o poeta desenvolve-o de acordo com ela. O conjunto da Odisséia constitui uma linda criação composta de duas

15. E. SCHWARTZ, Die Odyssee (Munique, 1924), p. 253, voltou aapontarde maneira muito expressiva oelemento pedagógico da "Telemaquia".

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partes separadas: Ulisses, ausente e retido nailhada ninfa apaixonada, rodeado de mar, e o seu filho inativo, à esperadele no larabandonado. Ambos se põem em movimento ao mesmo tempo,para no fim se reunirem e presenciarem o regresso do herói. Oambiente que o poeta pinta é a mansão do nobre cavaleiro. Aprincípio, Telêmaco é um jovem desamparado em face da incle-mência dos pretendentes a sua mãe. Contempla resignado a suacondutainsolente, sema energianecessária paratomarumadecisão que lhe ponha fim. Suave, dócil e inábil, é incapaz de renegara sua distinção congênita perante os verdugos de sua casa, e muito menos de manter energicamente os seus direitos. Este jovempassivo, amável, sensível, dolorido e sem esperança teria sido umaliado inútil para a luta rude e decisiva da vingança de Ulisses,que no seu regresso ao lar seria forçado a enfrentar os pretendentes sem nenhumaajuda. Mas Atena converte-o no companheirode luta, valente, ousado e decidido.

Objetou-se, contra a afirmação de uma formação pedagógicaconsciente da figura de Telêmaco, nos quatro primeiros cantosdaOdisséia, que a poesia grega não nos dá nenhum quadro do desenvolvimento interno de um caráter^. A Odisséia não é, efetivamente, uma novela pedagógica moderna, e por isso a transformação de Telêmaco não pode ser apontada como desenvolvimento,no sentido atual. Naquele tempo só podia ser explicada comoobra da inspiração divina. Mas essa inspiração não surge, como éfreqüente na epopéia, de modo puramente mecânico, por ordemdeum Deus ousimplesmente em sonhos. Não atua como um influxo mágico, mas sim como instrumento natural da graça divina, aqual exerce um influxo consciente sobre avontade eo intelecto do jovem, destinado no futuro a uma missão heróica. Sófalta um impulso exterior para suscitar em Telêmaco a íntima e

16. Assim WILAMOWITZ, op. cit.; ver,porém, R. PFEIFFER, DLZ: 1928,2368. Parece-me quesetrata menos danorma divina daeducação aristocrática doque da condução divina da vida eobras pessoais de Telêmaco. Oseu sentido peculiar, mais pedagógico neste caso, não éposto em dúvida pelo fato deAtena intervir também constantemente naOdisséia, sendoaqui "também"um simplesmeiodetécnica épica, como F. JACOBY, op. cit., p. 169, objeta aPfeiffer. Odivino atua navida sob formas muito diferentes.

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necessária disposição para ainiciativa epara aação. Aação conjunta de diversos fatores, oimpulso interior que não encontra pors. mesmo ocaminho da ação nem se põe em movimento por simesmo, a natureza boa de Telêmaco, aajuda eo favor divinos nomomento decisivo da resolução destacam-se com a maior firmeza. Tudo isso revela no poeta ainteligência profunda do problema que se colocou. A técnica da epopéia permite-lhe reunir naunidade de uma ação única a intervenção divina eoinfluxo educador natural, fazendo com que Atena fale aTelêmaco na figurado velho amigo ehóspede, Mentes. Este processo aproxima de talmodo ainvenção do sentimento humano natural, que ainda hojenos surge na sua íntima verossimilhança. Parece-nos natural aação libertadora das forças juvenis realizada por todo oato verdadeiramente educativo, bem como aconversão da surda sujeiçãoem atividade livre ealegre. Tudo isto é um ímpeto divino ummilagre natural. Homero, assim como considera ação diversa dosdemônios ofracasso do educador na sua última emais difícil tarefa de modificar aorientação que odestino impôs aAquiles, também reconhece e venera piamente, na transformação de Telêmaco, de moço indeciso em verdadeiro herói, a obra de umachans, agraça divina. Aconsciência eaação educadora dos Gregos, nos seus momentos mais altos, estão plenamente cônsciasdeste elemento imponderável. Nós o reencontramos, de modomais explícito, nos dois grandes aristocratas, Píndaro e Platão.

Aprópria Atena designa odiscurso que, na figura de Mentes, dirige aTelêmaco no Canto I da Odisséia, como uma admoes-tação educativa17. Deseja amadurecer em Telêmaco aresolução detomarnas suas mãos osseus direitos, deenfrentar abertamente ospretendentes e responsabilizá-los perante opovo, na agora, pelasua conduta, epedir que oauxiliem no projeto de descobrir'o paradeiro de seu pai perdido. Fracassado oseu plano diante da assembléia, decide, numa súbita mudança, cheia de conseqüências,atacar o problema com os seus próprios recursos e empreendersecretamente aperigosa viagem, através de cujas experiências se

17. a 279. 'UKOTÍeEaea., verbo de uno^xai, que éapalavra própria paradiscurso instrutivo ',cf. P. FRinDLAENDF.R,//»•,„«48 (1913), 571.

IILTURA EEDUCAÇÃO DA NOBREZA HOMÉRICA 57

íornará homem. Não falta nenhum traço essencial nesta Tele-tiuahou paidéia: nem osconselhos de um velho amigo experiente;nem o influxo delicado e sensível da mãe temerosa e cheia de cuidados pelo seu filho único (enão será conveniente consultá-la nomomento decisivo, porque seria muito mais capaz de, com osseus temores, refrear o filho, por longo tempo mimado, do quecompreender-lhe a súbita elevação); nem a imagem-modelo dopai cedo perdido, a qual atua como fator capital; nem a viagempelo estrangeiro a cortes amigas onde trava conhecimento comnovos homens e faz novas relações; nem o conselho encorajador ea confiança benévola de homens importantes que o auxiliam eentre os quais acha novos amigos e benfeitores; nem, finalmente,a providência protetora de uma força divina que lhe aplana ocaminho, lhe estende bondosamente a mão e não permite que elesucumba aos perigos. Écom a mais calorosa simpatia que opoetapinta a confusão íntima de Telêmaco quando este, educado nasimplicidade da nobreza rural, é recebido numa pequena ilhacomo hóspede de grandes senhores e entra pela primeira vez nogrande mundo para ele desconhecido. E no interesse que todos,onde quer que ele vá, lhe demonstram vê-se bem que nem nasmais difíceis e inesperadas situações os benefícios de seus bonscostumes e de sua educação abandonam o jovem inexperiente, eque o nome deseu pai lhe aplana o caminho.

Há um ponto em que é preciso insistir, porque é da maiorimportância para a compreensão da estrutura espiritual do idealpedagógico da nobreza. Trata-se do significado pedagógico doexemplo. Nos tempos primitivos, quando ainda não existia umacompilação de leis, nem um pensamento ético sistematizado(exceto alguns preceitos religiosos e a sabedoria dos provérbiostransmitida por via oral de geração em geração), nada tinha,como guia da ação, eficácia igual à do exemplo. Ao lado dainfluência imediata do ambiente e, especialmente, da casapaterna, influência que na Odisséia exerce um poder tão grande sobreas figuras de Telêmaco e Nausícaa, encontra-se aenorme riquezade exemplos famosos transmitidos pela tradição das sagas. Desempenham na estrutura social cio mundo arcaico um papel quase idêntico ao queentre nós cabe à História, sem excluir a histó-

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ria bíblica. As sagas encerram todo otesouro dos bens espirituaisque constituem a herança e alimento de cada nova geração. NaIlíada, oeducador de Aquiles evoca na sua grande admoestação oexemplo premonitório da cólera de Meleagro. Também não faltaàeducação de Telêmaco oexemplo encorajador, adequado ao seucaso. Na circunstância, omodelo éOrestes, que vinga opai, matando Egisto eClitemnestra. Também aqui se tratava de um episódio da grande tragédia do regresso do herói, aqual era rica emdestinos individuais. Agamemnon foi morto logo após oregressode Tróia; Ulisses esteve vinte anos afastado do lar. Este espaço detempo bastou ao poeta para poder situar o ato eaestada de Orestes na Fócída, antes do começo da ação da Odisséia. O acontecimento era recente, mas a fama de Orestes estendera-se já a toda aTerra, e Atena refere-o a Telêmaco em palavras inflamadas. Emgeral, os exemplos das sagas ganham autoridade com a sua antigüidade venerável - Fênix, no discurso que dirige a Aquiles'8,evoca aautoridade dos tempos antigos ede seus heróis -; no casode Orestes eTelêmaco, ao contrário, éasemelhança de ambas assituações, tão próximas no tempo, que torna oexemplo aliciante.

Opoeta dá, evidentemente, amaior importância ao tema doexemplo./*' não deves viver como criança - diz Atena aTelêmaco -,tens idade demais para isso. Não soubeste da alta honra que Orestes conquistou no mundo inteiro por ter acabado com Egisto, opérfido assassinode seu pai? Também tu, meu amigo - bem vejo que és belo edesempe-nado -, tens força suficiente para que um dia te exaltem as novas gera-çbW°. Oensinamento de Atena careceria, sem oexemplo, da forçade convicção que nele assenta. E, no difícil caso do emprego daforça, a evocação de um modelo ilustre éduplamente necessáriapara impressionar o delicado jovem. Já na assembléia dos deuseso poeta faz opróprio Zeus explicar o problema da recompensamoral com base no exemplo de Egisto e Orestes20. Evita assimqualquer possibilidade de escrúpulo moral, mesmo para a consciência mais sensível, quando aseguir Atena se refere àquele caso.

18.1524-27.

19. a 298.

20. a 32-47.

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Aimportância capital do exemplo aparece outra vez no decursoposterior da ação. Assim, no discurso de Nestor aTelêmaco21, ovenerável ancião interrompe a narração relativa ao destino deAgamemnon esua casa, para propor Orestes como modelo ao jovem ouvinte. Responde-lhe este, exclamando: Foi com razão queOrestes se vingou, eos Aqueus espalharão por todo omundo asua glória,que será cantada pelas gerações futuras. Quando me concederão os deuses a(orça necessária para me vingar das vergonhosas transgressões dos pretendentes! No fim da narrativa de Nestor repete-se o mesmo exemplo22. E, no fim de cada uma das partes principais do seu longodiscurso, esse exemplo é por ele relacionado com o caso deTelêmaco, de modo expresso e enfático.

Esta repetição é evidentemente intencional. Aevocação doexemplo dos heróis famosos edo exemplo das sagas é para opoeta parte constitutiva de toda aética eeducação aristocráticas. Temos de insistir no valor deste fato para o conhecimento essencialdos poemas épicos e da sua radicação na estrutura da sociedadearcaica. Mas até para os Gregos dos séculos posteriores os paradigmas têm o seu significado como categoria fundamental davida edo pensamento2'. Basta recordar ouso que Píndaro faz dosexemplos míticos, que são um elemento tão importante dos seuscantos triunfais. Seria um erro interpretar essa utilização, que seestende à totalidade da poesia e a uma parte da prosa gregas,como simples recurso estilístico2''.

Estava em íntima conexão com a essência daética aristocrática e conservava originariamente, mesmo na poesia, o seu significado pedagógico. Em Píndaro aparece constantemente ogenuíno sentido dos exemplos míticos. E se considerarmos que, em-

21. Y 195-200.22.7 306-316. ...23. Proponlio-me estudar aevolução desta forma mental numa investigação a

parte.24. Robert OEHLER estuda este assunto na primitiva poesia grega,

Mylbohgischc Exempla ir, der àltereti griechischen Dkhtung, Diss. Basiléia, 1925. Partiu de uma sugestão do livro de G. W. Ni tzsch, .%«;/>»«« der C7toA»(1852), masnão deu adevida atenção à ügação entre oaparecimento do estilo eos paradigmasmentais da velha ética aristocrática.