Questão Homérica - Cópia

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Brian Gordon Lutalo Kibuuka

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Brian Gordon Lutalo Kibuuka

Na Antiguidade, no havia dvidas de que um poeta chamado Homero havia composto a Ilada. Porm, ainda no perodo alexandrino havia quem atribusse a autoria da Odisseia a outro autor. No sculo XVIII, Wolf colocou em dvida a autoria homrica dos poemas. A partir do surgimento da crtica moderna, o debate inicial esteve dividido entre os analticos (que distinguem vrios autores) e unitrios (que aceitam um nico autor para os poemas). As dificuldades para a compreenso da questo so muitas: - Quanto a lngua: o chamado dialeto homrico corresponde a um nmero significativo de dialetos diferentes (jnico, elico, rcade-cipriota, tico e micnico). Sendo assim, a lngua utilizada na Ilada e Odisseia literria.- No h concordncia entre os estratos lingusticos e os estratos arqueolgicos. Um exemplo a meno ao elmo de presas, ornamento dos guerreiros micnicos descrito no canto X da Ilada, que linguisticamente dos mais recentes. A prpria data de composio oferece maiores dificuldades, pois os poemas transcorrem na poca micnica, entre heris micnicos. Ignora-se no relato qualquer invaso drica , mencionada unicamente em Odisseia XIX, 177.

Quanto anlise literria, as pesquisas de MILMAN PARRY, publicadas em 1928 so de extrema importncia. Partindo da observao direta dos processos de composio dos bardos servocroatas, Parry chegou concluso de que os poemas de Homero utilizam tcnicas de improvisao oral, tcnicas que explicariam as repeties e pequenas incongruncias da narrao. De forma resumida, esta doutrina consiste no seguinte: os poemas repetem frequantemente eptetos e versos inteiros, porque eram obra da improvisao oral, que necesariamente devem ter pontos de apoio, expresses formulares, que deem tempo para pensar no verso seguinte enquanto se canta o verso anterior. (Il. . 477)

(Il. . 130) (Il. . 84) (Il. . 148)

Os eptetos nunca so acidentais, ainda que estejam condicionados pela mtrica. Tais eptetos auxiliam na caracterizao de um heri, destacando aquela caracterstica relevante da personagem em um momento especial. Os eptetos de Aquiles falam de sua superioridade fsica. Por sua vez, os eptetos de Ulisses na Odisseia asseveram ser o heri um homem dotado de mil artifcios ou que muito sofreu. muito comum que cada heri tenha eptetos distintivos, que, segundo as descobertas do professor PAGE (History and the Homeric Iliad, 1959), procedem em grande parte de poca micnica. Assim, os aqueus so homens de grevas bem-feitas, de tnicas de bronze ou de longos cabelos; os troianos so domadores de cavalos; Heitor o heri de casco faiscante. Tais observaes nos levam a outros aspectos da questo, relacionadas historicidade da Ilada, que discutida desde o fim do sculo XIX.

HEINRICH SCHLIEMANN (1822 1890)Comerciante alemo, guiou-se pela Ilada e Odisseia. Desejoso de conhecer os stios mencionados nos poemas homricos, comeou a escavar em 1871 a colina de Hisarlik (na atual Turquia, ao Noroeste da sia Menor) e encontrou no apenas uma, mas sete cidades sobrepostas. Uma dessas cidades era especialmente opulenta , e recebeu dele o nome de Troia II. Schliemann sups ser tal cidade a Tria Homrica.

Sofa Schliemann com joias do chamado Tesouro de Pramo encontrado na chamada Troia II. A realidade que tais objetos so muito mais antigos. A Troia homrica foi, na verdade, a Troia VI ou VIIa.

O ajudante e continuador de Schliemann, o arquelogo W. DORPFELD, estabeleceu claramente as distintas fases de ocupao de Hisarlik em seus trabalhos, terminados en 1894. As observaes de Dorpfeld levaram identificao da cidade de Pramo com Troia VI, que tinha restos cermicos idnticos aos que os dois alemes tinham encontrado em Micenas e Tirinto, lugares onde tambm buscaram as pegadas dos heris homricos.

Unha nova campanha de escavaes entre 1932 e 1938, agora conduzida polo arquelogo americano C. BLEGEN, da Universidade de Cincinatti, apontou a possibilidade de se ter fundido na memria dos homes a riqueza de Troia VI, de fortes muralhas, destruda por un incndio em torno de 1230 a.C., uns decnios despois da data tradicional da Guerra de Troia (1184, segundo Eratstenes).

Os trabalhos de BLEGEN mostravam que a civilizao de Troia VI trouxera consigo a domesticao do cavalo (os troianos so os nicos qualificados como domadores de cavalos por Homero) e parecia ter suportado um longo cerco, segundo se deduz das precaues tomadas para preservar alimentos.

Nas dcadas de 1950 e 1960 foram sendo decifrados os textos de um povo que viveu no interior da sia Menor, os hititas. Nos seus registros, h meno ao ataque dos Ahhiyawa, que foram identificados com os aqueos. Tambm h menes cidade de Millawanda, que se pensou ser Mileto; cidade de Wilusa e a Tarwisa, que seriam, respectivamente, Ilin e Troia. Este acontecimento situar-se-ia no sc. XIII a.C., precisamente na poca de maior resplendor e poder de Micenas (capital de Agammnon, comandante supremo da expedio mencionada na Ilada). Todos estes feitos provocaram uma nova questo: a Questo de Troia, sendo alvo de disputa as datas referidas anteriormente, e a localizao dos Ahhiyawa.

KORFMANN em Troia

Entre 1981 e 1987, o arquelogo alemo MANFRED KORFMANN, da Universidade de Tbingen, recomeou as escavaes na zona da Trade e os dados foram reveladores: (1) A 8 km ao Sudoeste de Hisarlik, na baa de Beik, os navios tinham que esperar que amainassem os fortes ventos do Noroeste, que sopravam entre a primavera e o comeo do outono. Era, por tanto, un lugar de passagem de correntes chegadas do Mar Negro (onde desaguam no s o Danbio, mas tambm outros trs grandes rios da Rssia e Ucrnia: o Dniester, o Dnieper e o Don) atravs do Bsforo e dos Dardanelos. Logo, quando Homero qualifica a Troia de ventosa demostra que conhecia ben a regio onde se situava a ao. A longa espera naquele porto de abrigo colocava em contato os navegadores e a cidade que ficava na colina de Hisarlik, explicando as razes pelas quais a cidade for tantas vezes atacada, destruda e reconstruda. (2) Nessa rea, apareceu grande quantidade de cermica micnica, o que prova pelo menos a existncia de algum comrcio entre os dois povos. (3) Descobriu-se um cemitrio, no qual a cremao e a inumao eram praticadas, costumes geralmente opostos. Tambm foram descobertos restos de cermica micnica.

En 1988 KORFMANN comeou a escavar en Troia com a ajuda de todos os recursos da tcnica e a colaborao de vrias universidades. Estes so alguns dos resultados: (1) A colina de Hisarlik esteve sempre fortificada ao longo de trs mil anos e sofreu muitas guerras entre o sc. XIV e XIII por dominar os Dardanelos. (2) Existem nove cidades superpostas, cuja altura chega a cerca de vinte metros. (3) As muralhas de Troia VI so dez vezes maiores do que se supunha at ento. Logo, Troia VI tem uma extenso muito maior do que at agora se cogitava. (4) A ltima cidade da poca helenstico-romana. (5) A escrita era conhecida na cidade, o que se revela por causa da descoberta de uma campainha de bronze (1190-1140 a.C.), com palavras em lvio, lngua indo europeia, que funcionaria tambm como lngua franca na Anatlia. (6) No h qualquer dvida de que Troia VI a Troia homrica e que o autor da Ilada conhecia bem os lugares que descreve.

Aquiles contra Heitor

As concluses de KORFMANN no implicam, porm, necessariamente, que se confunda uma epopeia com um livro de histria. Isto no impede, porm, que se continue a discutir a relao entre a sociedade micnica e a homrica, ainda que faltem nesta a grande burocracia e a abundncia de escravos daquela. A presena de elementos micnicos nos poemas de Homero tm sido muito discutida. Mas, geralmente, admite-se que so micnicos: (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) Os personagens e os seus eptetos. A riqueza de Micenas (Micenas rica em ouro). A escassez do ferro. A noo de que mis importante que . O fasto e os funerais de Ptroclo. A arquitetura dos palcios, especialmente a presena do mgaron. Objetos como o elmo de presas de javali, a taa de Nestor, a espada de Heitor, a tcnica de incrustao etc.

Detalhe de uma adaga micnica contendo uma cena da caa do leo. H na cena dois tipos de escudos: retangular e em 8.

Mgaron de Micenas

Reconstituio do mgaron do palcio de Pilos

Mgaron de Pilos

Os achados dos ltimos decnios colocaram em dvida alguns dos antigos consensos. O caso mais flagrante o do Heroon de Lefkandi, na costa ocidental de Eubeia, um lugar prspero entre 1100 e 750 a.C. Neste heroon encontrou-se un tmulo do sc. X a.C. que continha as cinzas de um guerreiro e o esqueleto da sua consorte, o que vem demonstrar a coexistncia da inumao e da cremao. A apario conjunta das prticas e objetos que se supunham de pocas diferentes (escudos en 8 e redondos, os dois descritos na Ilada, o modo de trabalhar Hefesto no escudo de Aquiles: forjando-o como se fosse de ferro, fazendo incrustaes em ouro, prata e bronze, a moda micnica etc.) devem nos colocar mais atentos aos perigos da interpretao histrica de uma obra literria.

Imagens: reconstituio do Heroon de Lefkandi e esttua do centauro (Quirn?) encontrado no Heroon.

TENDNCIAS ACTUAIS (1) No h unanimidade entre os estudiosos de Homero. (2) As diferenas entre o mundo descrito por Homero e o final da idade do bronze so demasiado grandes para poder admitir a composio dos poemas nessa poca. (3) As semelhanas com a Idade do Ferro so mais numerosas ainda, a ponto de ser impossvel estabelecer uma data. (4) A aluso a objetos de bronze deve ser um expediente para criar uma distncia entre a poca do poeta e o tempo dos heris cujos feitos evocam os poemas. (5) A transmisso oral durante geraes preservou a memoria dos feitos e dos objetos pertencentes ao passado micnico. (6) Os estudos de SCHADEWALDT, iniciados en 1938, para analisar os poemas de Homero, evidenciam uma estrutura cuidadosamente planejada e pressupem a existncia de um poeta e possivelmente da escrita ou, pelo menos, do ditado.

Homero