Jocelyn Haley - Náufragos do Passado (CHE 120)

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  • 7/31/2019 Jocelyn Haley - Nufragos do Passado (CHE 120)

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    Nufragos do PassadoDream of Darkness

    Joselyn Haley

    Clssicos Histricos Especial 120

    A desesperada luta de uma mulher para descobrir a prpria indentidade...

    A batalha incessante de um homem para esquecer a tragdia de sua vida.

    Olhares curiosos acompanharam os movimentos daquela mulher alta e eleganteque caminhava pela calada. Kate parou diante do edifcio cinzento, tentando dominar ohomem que se escondia nas sombras de seu pesadelo, a fera sem rosto em cujas garras

    se debatia, antes de ser lanada no abismo inesquecvel... Lanada no abismoinescrutvel...

    Ali descobria a verdade sobre o mistrio de sua vida...

    Bryce parou o carro diante do prdio de tijolo aparente, mas no teve coragem dedescer. Fazia trs anos que repetia o mesmo percurso, todos os domingos, ms apsms. E sempre a mesma angstia o dominava, a desesperada vontade de fugir e enterrarde vez aquele lado clandestino de sua vida, aquele segredo que a ningum queriarevelar...

    Digitalizao e Reviso : Marina Campos

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    CHE 120 - Joselyn Haley -Nufragos do Passado - Dream of Darkness

    CAPTULO 1

    O uniforme engomado da enfermeira farfalhou, quando ela se inclinou para a frentecom a seringa pronta. Kate sentiu a frieza do lcool na curva interna do cotovelo e fechouprontamente os olhos.

    Pode abri-los agora disse a moa, depois de alguns segundos.

    Est tudo em ordem.

    Kate sorriu sem jeito. Sempre fico nervosa quando vejo agulhas de injeo. Mas voc tem a mo

    rpida e segura.

    Preciso ter. minha profisso.

    A enfermeira sorriu.

    Relaxe agora. Vai levar de dez a vinte minutos. Quando o alarme soar, oaparelho desligar automaticamente.

    Kate recostou-se no estreito sof de couro com uma sensao estranha. Era aprimeira vez que doava sangue e no estaria ali, se no fosse a insistncia de sua amigaCarol, cujo pai sofrer um acidente e tivera necessidade de grande quantidade detransfuses de sangue.

    Foi o que salvou a vida dele dissera-lhe a amiga com fervor.

    Todos deveriam doar sangue, Kate. E um dever cvico.

    Ela no era a nica a cumprir seu dever naquela tarde ensolarada de agosto. Assalas da clnica da Cruz

    Vermelha, um edifcio de tijolos aparentes que dominava a baa de Halifax,estavam todas ocupadas. Havia um burburinho incessante no ambiente, e bandejas comch e biscoitos eram passadas a todo momento. Os doadores tinham a conscincia deestar praticando um ato patritico, os esforos de todos conjugavam-se para o mesmofim.

    O nico a no perceber nada era o homem deitado no sof a seu lado. Estavadormindo. No tendo nada melhor para fazer, ps-se a estud-lo vontade, procurandoadivinhar qual era a atividade que o deixara to cansado, a ponto de adormecer no meioda tarde e num lugar pblico. Seria mdico? Improvvel. A camisa azul aberta no peitolargo e bronzeado e a cala de algodo caqui eram esportivas demais. Advogado? Muitomenos. Sabia, por experincia, que mdicos e advogados eram pessoas muito formais.

    Jornalista? Era possvel. E isso explicava o cansao. Trabalhara a noite toda na

    cobertura de algum fato sensacional. Um crime ou um incndio de grandes propores.Mas estavam em Halifax, no em Nova York. Ali, assassinatos e incndios noaconteciam todos os dias. Alm do mais, jornalistas costumavam ser tipos rudes eagressivos, ao passo que havia algo vulnervel no estranho estendido a seu lado num

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    silncio profundo, com a respirao pouco perceptvel.

    Estaria mesmo adormecido? Involuntariamente, comeou a examin-lo com maisateno. As mos eram bem-cuidadas, com as unhas curtas e lixadas. Os fartos cabeloscastanhos tinham reflexos dourados, com certeza produzidos pelo sol. As sobrancelhas

    grossas e bem desenhadas davam um toque especial ao rosto marcante, mas eram oslbios, sem dvida, que mais atraam: muito bonitos e sensuais. Havia nas feiesdaquele homem traos de nobreza que o faziam parecer uma figura de outra poca...

    O alarme soou repentinamente e arrancou-a de suas divagaes. A enfermeiraapareceu quase no mesmo instante, sorrindo. Removeu a seringa e aplicou-lhe umcurativo no brao, recomendando:

    Antes de ir para casa, descanse por uns dez minutos na saleta ao lado.

    Eu estou bem.

    bom no ter pressa. Venha tomar um copo de suco.

    Kate colocou os ps no cho e levantou-se. Antes de seguir a enfermeira, lanouum ltimo olhar ao desconhecido. Talvez fosse um psiquiatra sobrecarregado com osproblemas dos outros. Isso explicaria as linhas fundas que lhe sulcavam o rosto. Muitaspara um homem to jovem.

    Na saleta, aceitou o copo de suco que lhe foi oferecido e sentou-se numa poltronacolocada junto s amplas janelas iluminadas pelo sol. Quando os dez minutos seesgotaram, levantou-se, alisou a saia estampada e ajeitou a ala da bolsa no ombro. Aovoltar-se para sair, viu o estranho atravessar a arcada que dividia as duas salas. Aindacom a luz das janelas nos olhos, custou-lhe distinguir os traos faciais. Quandoconseguiu, notou assustada que toda cor fugia-lhe do rosto e que seus joelhos dobravam-

    se lentamente.Correu para ampar-lo. Quando o alcanou, ele j ia caindo, mas conseguiu

    sustent-lo.

    Ele deitou a cabea em seu ombro e permaneceu assim durante alguns segundos.

    Kate sentiu o calor e a fragrncia que emanavam do rosto dele, quase colado aoseu. Fez um esforo para olh-lo e percebeu estremecer. Quando ele des-cerroulentamente as plpebras, ela notou que os olhos eram azuis como o cu noturno, de umacor como nunca vira igual. Enquanto ele a fitava sem ver, sentiu o corao acelerar epensou num mpeto: "No quero que esse homem desaparea de minha vida".

    Naquele instante, a enfermeira e uma atendente chegaram correndo e a aliviaramda carga.

    V com calma, senhor disse uma delas. Vou buscar uma maa para quepossa deitar um pouco.

    Ele murmurou algo ininteligvel, mas, quando a moa voltou empurrando a maa equis ajud-lo, disse-lhe claramente e com uma certa impacincia:

    Posso fazer isso sozinho. No entanto, depois de se acomodar, cruzando osbraos sob a nuca, endereou um sorriso doce garota:

    Desculpe ter-lhe causado tanto incmodo.

    Kate passeou o olhar pelo corpo estendido na maa. Contemplou-lhe os cabelosdespenteados, os msculos firmes dos braos, o peito largo... Num mpeto, disse enfermeira:

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    Posso ficar com ele, se quiser.

    A garota lanou-lhe um sorriso cheio de gratido.

    E um grande favor, senhorita. Estamos sobrecarregadas de trabalho. Chame, seprecisar.

    Quando ela se afastou, Kate sentou-se ao lado do estranho, que a fitava cominequvoca curiosidade, e perguntou-lhe abruptamente:

    Voc psiquiatra?

    Os olhos azuis se arregalaram de surpresa.

    Psiquiatra? E claro que no! Por qu?

    Voc parece muito cansado.

    S porque desmaiei em seus braos? Bem, desculpe... Acho que a assustei.

    No. Foi uma experincia emocionante. Nenhum homem ficou to ofuscado coma minha beleza como voc.

    Ele sorriu ligeiramente.

    Tem razo. Quando entrei na sala, percebi que estava diante da garota maisatraente de Halifax.

    Conhece todas elas?

    Todas.

    Kate apoiou o queixo na mo, maliciosa.

    No acredito.

    Conheo, sim...

    No, no isso. No acredito que eu seja a garota mais atraente de Halifax.

    Est querendo elogios?

    No. Apenas v-lo sorrir novamente. Seu sorriso muito bonito.

    O estranho permaneceu srio.

    Eu prefiro saber o seu nome.

    Kate. E o seu?

    Bryce.Ela se inclinou para a frente, com os olhos brilhando.

    Com y ou com i?

    Um sorriso zombeteiro desenhou-se nos lbios dele.

    No h dvida de que voc est querendo flertar comigo.

    Kate no se deixou desarmar.

    Ainda estou esperando o seu sorriso. Bryce franziu a testa.

    No quero que perca tempo comigo. Sou perfeitamente capaz de tomar contade mim mesmo.

    Kate sentiu-se enrubescer mas no ficou magoada. No acreditava que ele

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    pudesse magoar algum de propsito.

    Veio de carro?

    No.

    Ento vou lev-lo para casa. Sua me nunca lhe disse que no prudente dar carona a estranhos?

    Ela sorriu intimamente, ao lembrar-se de sua me dizendo: "Voc muitoimpetuosa, Katherine. Algum dia, ainda vai se meter em encrencas".

    Muitas vezes admitiu.

    No vai seguir os conselhos dela?

    Quero ter certeza de que voc vai chegar bem em casa.

    Subitamente, a expresso do rosto dele suavizou-se.

    Vou aceitar o seu oferecimento. Quanto tempo acha que devo permanecer aqui?Kate observou-o atentamente.

    Voc est com uma aparncia melhor. Meu carro est estacionado no ptio dohospital. Acha que pode ir andando at l?

    Ele ps as longas pernas para fora da cama e ficou de p.

    Claro! Vamos.

    Chegaram at a extremidade do ptio e entraram no carro de Kate, um velhoValiant, sem que nenhum dos dois tivesse dito- uma s palavra. Ela deu a partida emanobrou com percia, tomando o caminho do Commons.

    Voc no perguntou o meu endereo observou Bryce depois de algunsminutos.

    Para onde est me levando?

    Ao meu apartamento. Quero oferecer-lhe uma xcara de ch.

    Ele fitou-a, ctico.

    No sei... No tenho muita certeza...

    No tem certeza do qu?

    Do motivo pelo qual est fazendo isso. Afinal, voc no me conhece. Quanto a isso no precisa ficar preocupado. Minhas intenes so boas.

    Est com pena de mim, isso?

    Cus, no! Ainda no desisti daquele sorriso.

    Que mulher perseverante... disse ele, sorrindo de repente.

    Kate sorriu tambm.

    Assim est melhor!

    Bryce a examinou com interesse.

    Voc est com um lindo bronzeado. Onde mora?

    Na zona sul de Halifax.

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    Sobrenome... idade... estado civil...

    Maclntyre, vinte e cinco anos, solteira. E voc?

    Sanderson, trinta e dois...

    ele hesitou ligeiramente oficialmente separado. Oh... Sinto muito.

    Por qu? Separamo-nos de comum acordo. Iremos nos divorciar no ano quevem e ser um divrcio amigvel. Uma mera formalidade para confirmar uma situao defato.

    No consigo entender como um relacionamento baseado no amor possaterminar sem sofrimento...

    Voc uma pessoa muito franca, Kate Maclntyre. No hesita em dizer o quepensa.

    Ela riu. Meus irmos costumam dizer que eu no tenho papas na lngua.

    Eles so mais jovens ou mais velhos do que voc?

    Mais velhos. E voc? Tem irmos?

    Uma irm muito bonita e independente chamada Janette. Alis, voc me fazlembrar dela.

    um elogio?

    - Claro. Sou extremamente afeioado a Janette.

    Kate teve vontade de perguntar se ele a julgava parecida com a irm na beleza ouna independncia. Afinal, havia uma grande diferena entre ser atraente e ser muitobonita. Mas sentiu uma inexplicvel timidez e murmurou, escondendo o embarao:

    Estamos quase chegando.

    Ela alugara o andar trreo de uma velha casa em estilo vitoriano, situada a poucosquarteires da Northwest Arm. Era uma linda construo de tijolos aparentes, com afachada inteiramente recoberta de hera. Tivera muita sorte em consegui-la. Esperava,apenas, que a proprietria mantivesse o aluguel ao alcance de suas posses.

    Chegamos anunciou, parando no ptio de cascamos e desligando o motor.

    Transpuseram a alia sombreada por carvalhos antigos que conduzia entrada. Osaguo estava fresco e na penumbra, aps o brilho ofuscante do sol. Um esbelto gatopreto e outro persa, de olhos dourados, emergiram no mesmo instante do living, seguidode um filhotinho que veio esfregar-se aos ps de Kate.

    Quantos mais? perguntou-lhe Bryce com um leve erguer de sobrancelhas.

    Somente estes trs. Entre e sente-se, enquanto eu ponho a chaleira no fogo.

    Bryce percorreu a sala com os olhos. As paredes eram forradas com painis decarvalho, uma delas inteiramente tomada pela lareira de tijolos escuros. Um tapete rsticocobria o assoalho de tbuas largas. O confortvel sof e as poltronas de vime eram

    estofados de algodo estampado. Almofadas coloridas espalhavam-se pelo cho, e asestantes estavam repletas de livros. Fora, junto porta de vidro, canteiros de azaliasespalhavam-se luz do sol. Um passarinho pousou rapidamente entre as flores, alando

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    vo em seguida. Tudo era muito simples e despretensioso, mas o efeito tornava-seagradvel vista, parecendo combinar com a personalidade da jovem e bela mulher queali morava.

    Quando sentou-se na antiga cadeira de balano, o gatinho pulou imediatamente

    em seu colo e ps-se a ronronar. Kate apareceu no limiar da cozinha: Se no gostar de gatos, coloque-o no cho.

    Estou acostumado. H um l em casa.

    Nem sempre eles me agradam. Os gatos so seres estranhos. Esto no nossocolo, tranqilos e dceis, e de repente desaparecem, aterrorizando os pssaros no jardim.Sei que a natureza deles, que ningum pode mud-los, mas no gosto disso. Katefez uma pausa e ento acrescentou com um ar de desculpa: Vou fazer logo o ch.

    Enquanto preparava a bandeja com suas melhores xcaras, o aucareiro e as fatiasde limo, ela considerou as palavras que dissera a Bryce. "A docilidade dos gatos uma

    artimanha que esconde a sua natureza selvagem", pensou. "Eles me fazem lembrar dosonho..."

    Sacudiu a cabea, impaciente. Com Bryce na sala, no queria pensar no sonhoque a atormentara milhares de vezes e que temia tornar-se real por algum cruel caprichoda sorte.

    Bryce Sanderson. Um inesperado, excepcional encontro. Sentia o esprito cheio dedelicioso espanto, como se estivesse prestes a iniciar uma aventura maravilhosa. Elesentiria a mesma coisa, ou estaria apenas se divertindo com suas tticas?

    Afinal, embora oficialmente separado da esposa, no era certo que fosse livre. Umhomem to atraente devia ter dzias de garotas ansiosas a seus ps. Ento, por que oencorajava?

    Um pouco distrada, encheu o bule de ch, colocou dois guardanapos junto sxcaras e foi para a sala. Ao entrar, Bryce brindou-a com um sorriso que lhe fez o coraobater mais forte. Colocou a bandeja na mesinha dinamarquesa, presente de seu irmo, esentou-se diante dele.

    Ao receber a bebida fumegante, ele a fitou intensamente.

    Seus olhos so da cor...

    Do lago Louise? completou ela.

    Quem lhe disse isso? Meu namorado, num vero em que trabalhamos juntos no Jasper Park Lodge.

    O que voc fazia l?

    Era recepcionista.

    E ele?

    Trabalhava na administrao. Kate suspirou.

    Estava loucamente apaixonada... Mais do que isso, deslumbrada. Era meuprimeiro namorado, e l tudo favorecia o romance: as montanhas, os lagos, as geleiras,

    as flores silvestres... Uma glria! E que fim levou esse namorado?

    No auge da temporada, contrataram mais uma garota. Chamava-se Marylee e

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    era muito bonita. Kevin comeou a sair com ela e a nossa linda histria de amor acabou.Desse jeito.

    E voc continuou l, vendo tudo acontecer debaixo de seu nariz?

    Kate sorriu, um pouco triste.

    Confesso que foi a pior parte. Todos sabiam o que se passava e me olhavamcom piedade. Mas eu no quis deixar o emprego.

    O que voc faz agora, Kate? Presumo que no seja mais recepcionista.

    Estava trabalhando numa firma de computao que foi falncia h algunsmeses.

    Era chefe do escritrio, mas, na realidade, fazia um pouco de tudo. Quando fiqueisem emprego, decidi voltar a estudar para obter meu mestrado em Administrao de Em-presas. As aulas vo comear somente em setembro. Enquanto isso, trabalho comosalva-vidas numa praia da Arm e dou aulas de natao.

    Isso explica o seu bronzeado. Em que universidade voc pensa se inscrever?

    Na Dalhouise. Pena que seja um pouco longe daqui.

    Comearam discutindo o mrito das vrias universidades de Halifax, depoispassaram a falar da nova galeria de arte da cidade e terminaram comentando otratamento que o Canad dava aos artistas e escritores.

    Durante a conversa, Kate ficou sabendo que Bryce era advogado formado pelaUniversidade de Toronto e que pertencia equipe do promotor distrital do condado.

    Tenho que voltar ao escritrio, Kate disse ele a um certo momento. Preciso examinar alguns documentos que devero ser apresentados no frum

    amanh.

    Levarei voc de carro aonde quiser ir ofereceu ela, num impulso que nosoube explicar.

    No preciso. Posso tomar um txi.

    Eu o raptei. Tenho a obrigao de devolv-lo ao seu destino.

    Bryce sorriu e colocou o gatinho no cho. Eu estava querendo ser raptado.Gostei do ch. 0brigado. Voc ser sempre bem-vindo.

    Ele levantou-se e a fitou bem dentro dos olhos.

    Seus olhos no so da cor do lago Louise, sabe? O lago de um azul de carto-postal.

    Kate sentiu a garganta cerrar-se num n.

    Ento, de que cor acha que so?

    So como a superfcie gelada de um rio. Opalescentes.

    Sombrios demais, no acha?

    No, porque irradiam um fulgor extraordinrio. uma imagem digna de um poeta murmurou ela.

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    Poesia nunca foi o meu forte. Ele consultou o relgio de pulso.

    Agora preciso ir.

    O escritrio dele ficava no centro da cidade, no muito longe do prdio da CruzVermelha. Durante o percurso, falavam de assuntos triviais, mas o dilogo que Kate

    tratava consigo mesma era muito diferente:"Vou deix-lo porta do escritrio, e isso ser o fim de tudo. Fui eu quem o

    convidou a tomar ch. O prximo passo no pode ser meu, mas no acho que ele vtomar alguma iniciativa. No me perguntou se sou comprometida nem o nmero do meutelefone. Com certeza, no ir se importar de me ver novamente e eu no posso fazernada".

    J haviam entrado na corrente de trfego da Duke. Mais dois quarteires echegariam ao seu destino. Kate suspirou fundo. Ele era o homem mais atraente que jconhecera e, no entanto, iria desaparecer de sua vida sem mais nem menos.

    Lanou-lhe um olhar de soslaio, procurando analisar o que o tornava to atraente.No era propriamente bonito. O rosto era por demais anguloso. Seu charme residiaprincipalmente nos profundos olhos azuis e\no sorriso cativante. Contudo...

    O motorista do carro que vinha atrs dela buzinou. Constrangida, Kate notou que osemforo passara da vermelho para o verde. Engrenou a marcha e comeou a subir aladeira. Ia chegar o momento em que Bryce desceria do carro e lhe acenaria adeus.

    De repente, como se fosse a coisa mais natural do mundo, ele virou-se para ela edisse:

    Se estiver livre no prximo sbado, gostaria de ir ao cinema e depois tomar umdrinque comigo?

    Kate engoliu o n que se formara na garganta e sorriu.

    Acho que vou estar livre. E gostaria muito de sair com voc.

    Seu nmero est na lista telefnica?

    Procure K. Maclntyre. o nico da lista.

    Telefonarei durante a semana e poderemos combinar tudo.

    Ficarei esperando.

    timo. Vou saltar aqui. Obrigado pelo ch, Kate. At logo.

    A porta do carro bateu e ela o viu apressar-se rua acima, um homem alto e esbelto,de cabelos castanhos desmanchados pelo vento. Notou que duas mulheres olhavam paratrs sua passagem. Outra, muito jovem e bonita, que estava entrando no mesmoedifcio, segurou-lhe a porta de vidro, com um sorriso.

    "Voc no a nica mulher a ach-lo atraente, Kate", disse a si mesma. "Mas, pelomenos, vai ter o prazer de v-lo novamente".

    CAPTULO 2

    Um calor sufocante envolvia Kate como um manto invisvel, tirando-lhe o nimo depercorrer as areias escaldantes. Geralmente, na praia onde ela trabalhava, havia sempreuma brisa agradvel que, mesmo nos dias mais quentes, trazia consigo o frescor do

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    Atlntico Norte. Mas, nesse dia, o ar estava parado. Os barcos de pesca permaneciamimveis nos ancoradouros. As mes sentavam-se sob os guarda-sis fincados na areia ou sombra das rvores do parque, abanando-se lentamente com os leques, enquanto seusfilhos brincavam na orla da gua.

    Os garotos mais velhos nadavam na direo das bias para alcanar a jangadaancorada alm da arrebentao e de l mergulhavam nas ondas espumosas. Kate osinvejava. Seu trabalho era ficar de vigia na torre vermelha e branca ou caminhar ao longoda praia sem perder de vista as inmeras cabecinhas que emergiam do mar. No erapara ela o luxo de mergulhar nas guas frescas da Arm.

    Toby Oliver interrompeu-lhe o giro de inspeo e as divagaes.

    Ei, Kate, olhe s!

    O garoto morava no centro da cidade, numa das casas populares subsidiadas pelaprefeitura, e ia praia todos os dias. Aprendera a nadar graas boa vontade de Kate eestava imensamente orgulhoso de si mesmo. Ela o viu sair s carreiras e arremessar-sena gua, nadando com braadas pausadas e determinadas. Ao chegar primeira bia,ergueu-se e acenou-lhe, com a gua escorrendo pelo peitinho magro.

    timo, Toby!

    Instintivamente, Kate esquadrinhou a praia procura de Jake Timmins, um amigode Toby que tambm morava numa daquelas casas populares. Sempre se procuravaquando no o via na praia, e tinha bons motivos: aos oito/anos de idade, Jake j passarapelo juizado de menores por furto em loja e vandalismo. Ele era um menino valento, como corpo cheio de marcas das brigas em que se metia e das quais falava com ingnuoorgulho:

    Voc devia ver como ficou o outro garoto. Kate ficava com o corao apertadode pena e fazia tudo o que podia para arranc-lo de um destino quase certo: oreformatrio. Estimulava-o a exercitar-se na piscina ou a correr pela praia com o nicopropsito de faz-lo gastar a energia que o levava a trilhar os perigosos caminhos dodinheiro fcil. Mas, naquele dia, Jake no estava vista, e ela sabia que no adiantavaperguntar nada a Toby.

    Ficou parada beira da gua, meio aptica, observando o jogo de plo aqutico,mas com o pensamento longe. Sbado parecia ainda muito distante, e ela estavaimpaciente para ver novamente Bryce Sanderson.

    Normalmente, Kate no se comportava to ousadamente com os homens como se

    comportava com Bryce. No era necessrio. Ela era uma jovem excepcionalmente bonita,simptica e popular, com um largo crculo de amizades. Tivera inmeros namorados, masnenhum deles lhe causara grande impresso. Embora tivesse se recobrado de seufrustrado caso de amor com Kevin, no encontrara ainda outro homem capaz de substitu-lo em seu corao.

    De vez em quando, costumava pensar por que devia ser assim. Todas as amigasestavam se casando, e sua me no escondia o desejo de v-la seguir o mesmocaminho, em vez de voltar universidade. Mas, at a ltima segunda-feira, quando umhomem esbelto e cansado desmaiara em seus braos, ela preferira continuar livre comoum pssaro.

    Bryce era diferente. No sabia dizer no que consistia essa diferena. Ele exerciauma impresso estimulante sobre ela, um efeito novo e diferente. Sentia que tambm elecompartilhava daquela sensao. Disso tinha certeza, graas a uma intuio secreta que

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    a enchia de alegria e tambm de temor.

    Bryce, brusco e seco, telefonou-lhe na sexta-feira. Combinou o encontro para o diaseguinte com poucas palavras, e Kate, pensando ter se enganado em seu julgamento,quase recusou o convite, temendo decepcionar-se.

    No sbado, trabalhou at s cinco da tarde. Voltou para casa de bicicleta, comeualgumas frutas e ento deu uma olhada no guarda-roupa, pensando no que iria usarnaquela noite. Decidiu-se por um conjunto de linho branco que realava o tom dourado desua pele e que formava um belo contraste com os cabelos castanhos.

    Tomou um delicioso banho morno, que a livrou do cansao como que por encanto,e depois comeou a preparar-se para o jantar. Seus olhos azuis brilharam de satisfaoao ver o resultado no espelho.

    Quando a campainha da porta tocou, o corao comeou a baterdesordenadamente. Precisou de alguns segundos para dominar-se, armar-se de umsorriso e ento abrir a porta.

    Al, Bryce, entre. Vou pegar a bolsa.

    Sem dizer nada, e antes que ela esboasse um nico gesto, ele pousou-lhe asmos sobre os ombros, atraiu-a para si e a beijou longamente.

    Kate no pensou em nada, deixou-se envolver pelo prazer do momento. Adorou afirmeza e a calidez daqueles lbios e o modo pelo qual ele a beijava. Havia mais dourado que desejo, como se a exploso da sensualidade pudesse esperar seu curso natural.Bryce no pressionou o corpo contra o dela nem a tocou de qualquer outra forma. E,tomada por uma onda de euforia quase infantil, ela alegrou-se por isso. Quandofinalmente se afastou, Bryce confessou com uma ternura que fez os olhos de Kate

    encherem-se de lgrimas: No sabe como eu desejava fazer isso. Ela o fitou com um sorriso.

    melhor que eu o leve ao banheiro para limpar a mancha de batom. Deixeiseus lbios marcados...

    Num modo que lhe pareceu inteiramente natural, tomou-o pela mo e o conduziupelo corredor. Pararam diante do espelho do banheiro. Ela passou-lhe a caixa de lenosde papel e o observou remover as evidncias do beijo.

    Eu no o entendo disse-lhe. Voc estava to brusco no telefone quecheguei a ficar decepcionada. E ento voc chegou e...

    No sei explicar o que me aconteceu. Eu tinha que me certificar de que voc erareal.

    Real?

    Julgava ter sonhado. Voc e seus trs gatos... seu calor e sua amizade...

    Kate corou. Ergueu-lhe a mo e a colocou sobre o rosto.

    Veja: eu sou real. E no vou desaparecer. Ele a fitou pelo espelho.

    Estou assustado. Voc diferente de... das mulheres que eu conheci.

    De sua esposa, voc quer dizer.

    Sim. Voc muito diferente dela.

    E por que isso o assusta?

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  • 7/31/2019 Jocelyn Haley - Nufragos do Passado (CHE 120)

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    CHE 120 - Joselyn Haley -Nufragos do Passado - Dream of Darkness

    Talvez assustado no seja o termo exato.

    Mas foi o que usou. Ainda est apaixonado por sua esposa?

    No... disse ele lentamente. No acredito. Faz dois anos que nosseparamos. Ela mora em New Brunswick agora e no se pode continuar amando algum

    que est ausente.Kate percebeu a nota de amargura na voz e intuiu, com uma pontada de

    inexplicvel cime, que a separao no fora por vontade dele. Bryce amava a esposa.Por que, ento, ela o abandonou?

    Quando nos conhecermos melhor, talvez voc queira me contar o queaconteceu.

    Ela viu, no espelho, o rosto dele alterar-se subitamente e seus lbios entreabrirem-se para murmurar:

    Talvez...

    Reconheceu que pisara em terreno minado. Mas fora ele quem havia tomado ainiciativa de beij-la e que comeara aquela conversa, ntima demais para duas pessoaspraticamente estranhas. Ficou magoada porque ele se afastava dela, e ao mesmo tempofrustrada pela prpria incapacidade de transpor a distncia que os separava.

    O relgio bateu as horas na sala.

    Vai ficar tarde para a sesso de cinema comentou. O que vamos ver?

    Ele pareceu acordar de seu alheamento.

    Pensei em Indiana Jones e o Templo da Perdio. Estou com vontade de

    assistir a um filme leve.Kate gostara muito de Caadores da Arca Perdida e concordou.

    Perfeito.

    Chegaram ao cinema a tempo de evitar a fila. Escolheram dois lugares no meio daplatia e, quando o filme comeou, Kate adorou a sensao de estar sentada ao ladodele. Mas, medida que as cenas eletrizantes se sucediam na grande tela, percebeu queno gostava de Indiana Jones nem de seu templo de Doom. Quando, num ritualsangrento, crianas foram acorrentadas e aoitadas em meio a um barulho infernal e aluzes ofuscantes, lembrou-se imediatamente do pesadelo. Nele havia tambm um barulhoaterrorizador e muitas luzes. Sentindo-se sufocar, agitou-se irrequieta na cadeira.

    Quer ir embora? sussurrou Bryce.

    Kate sacudiu a cabea, desejando que ele no houvesse notado a sua reao. Masacabou gostando, porque ele tomou-lhe a mo e a manteve entre as suas at as cenasfinais, quando o vilo teve finalmente o merecido castigo, as crianas foram resgatadas eo heri ficou com a mocinha.

    Um casal perfeito disse com uma ponta de ironia, quando a projeoterminou e as luzes se acenderam. Que criatura mais insuportvel essa garota...

    Bryce sorriu. Mas muito bonita.

    Hum... A nica coisa que ela sabia fazer era gritar.

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  • 7/31/2019 Jocelyn Haley - Nufragos do Passado (CHE 120)

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    CHE 120 - Joselyn Haley -Nufragos do Passado - Dream of Darkness

    Devia ter timos pulmes. Era o que aquele fsico estupendo fazia supor.

    Com certeza notou que a blusa estava desabo-toada at a cintura e que osseios estavam praticamente expostos.

    Sim, notei. 0 sorriso dele ampliou-se.

    No quer tomar alguma coisa?

    Sim, por favor. As cenas finais me deixaram com a garganta seca.

    Ao chegarem na rua, ele comentou:

    Parece que o filme a impressionou demais. No foi?

    As crianas encerradas naquele poo fundo me deram uma sensao desufoco.

    Costumavam deix-la de castigo num quarto escuro, quando era criana?

    Kate riu com gosto.

    Pode ter certeza de que no. Minha me a bondade em pessoa. a defensorade todas as crianas da rua. E meu pai costumava nos passar sermes, mas jamaislevantou um dedo contra ns.

    Caminharam vagarosamente, de mos dadas, respirando a brisa marinha. A noiteestava clida, e Kate teve a impresso de que nunca vira tantas estrelas. A lua seencurvava, muito baixa, como um tnue crescente de ouro, e o mar estendia a superfciepolida at o crculo do horizonte escuro.

    Ela gostava dessa parte da cidade, mistura de terra e mar, de antigo e novo. Aalegria voltou, e o filme que tinham visto tornou-se apenas isto: um filme que chocava e

    horrorizava, mas que fora feito para ser sucesso de bilheteria e no para ser levado asrio.

    Bryce retomou a conversa do ponto onde a haviam deixado.

    Voc costuma visitar seus pais com freqncia?

    Ao menos uma vez por semana. Eles moram a poucos quarteires do meuapartamento. Costumamos nos reunir todos os domingos noite para jantarmos juntos.

    Tenho inveja de voc.

    De novo, Kate teve a sensao de estar penetrando em zona proibida. Com muitotato, perguntou-lhe:

    Seus pais esto vivos?

    Meu pai morreu h mais de vinte anos. Mame no voltou a se casar.

    Voc a v sempre?

    Trs ou quatro vezes por ano. Mas no agento ficar mais do que dois ou trsdias na companhia dela. No uma coincidncia que mame more em Ontrio, eu naNova Esccia e Janette na Colmbia Britnica.

    To distantes assim um do outro?

    No me entenda mal: eu amo minha me. Telefono-lhe todas as semanas econvido-a para me visitar no vero. Tenho certeza de que Janette faz o mesmo. Mas todifcil para ela comunicar-se comigo quanto para mim comunicar-me com ela. No hmais nenhum interesse comum entre ns. Ele calou-se e logo depois anunciou:

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    CHE 120 - Joselyn Haley -Nufragos do Passado - Dream of Darkness

    Chegamos. Nos sbados noite costuma apresentar-se um bom pianista aqui.

    Entraram. No bar em penumbra, um pianista tocava msicas suaves, que semisturavam ao murmrio das conversas. Foram conduzidos a uma discreta mesa decanto por uma garonete loira e elegante. Era a melhor mesa da sala, e Kate achou que o

    raro privilgio devia-se aos olhos azuis de Bryce. Voc pagou o cinema. Os drinques ficam por minha conta afirmou ela

    categoricamente, assim que se acomodaram.

    A primeira rodada, ento Bryce concedeu com um sorriso.

    Pelo visto, voc acredita na igualdade dos sexos.

    No faz sentido falarmos em liberao, se no estivermos prontas para pratic-la. No acha?

    Conheo um grande nmero de pessoas de ambos os sexos que tmdificuldade em aceitar esse fato.

    Eu tambm disse Kate pensativa. Mas voc passou pelo teste.

    Quer dizer que se eu protestasse, era capaz de me deixar falando sozinho?

    Ela sorriu.

    Mais ou menos isso concordou, sabendo que no era verdade.

    Se voc pretende voltar universidade no prximo outono, de-via economizarseu dinheiro.

    Os drinques chegaram e eles puseram-se a falar sobre o alto custo dos estudos eda dificuldade dos jovens de encontrar emprego.

    Acho que as chances de trabalho so menores para os formados na rea deEconomia

    observou Bryce. Foi por esse motivo que voc escolheu Administrao deEmpresas?

    Em parte. Foi uma escolha difcil. Adoro trabalhar com os garotos na praia egostaria de seguir psicologia. Mas gosto tambm do mundo dos negcios. Posso es-pecializar-me na rea de recursos humanos e assim unir os dois interesses.

    Bryce tomou um longo gole de seu bloody mary.

    Acho que algum dia voc ir cuidar de seus prprios filhos, j que gosta tanto decrianas.

    Gostaria de ter um casal. Mas, para isso, tenho que arrumar um marido.

    No deve ser problema para voc, Kate. jovem, inteligente e tem uma alegriade viver que constitui o seu principal encanto.

    Voc se esqueceu de mencionar meus olhos opalescentes observou ela comum sorriso malicioso. Ele a fitou demoradamente, parecendo analisar-lhe a expresso umpouco ansiosa.

    Devia ter dito tambm que voc muito bonita. Kate sentiu-se envolvida poraquele olhar intenso.

    O corao comeou a bater mais depressa.

    Obrigada murmurou.

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    CHE 120 - Joselyn Haley -Nufragos do Passado - Dream of Darkness

    Acha que estou querendo apenas cortej-la?

    No, acho que no.

    Voc deve saber que linda, Kate.

    Linda, no. Bonita.Quando se olhava no espelho, ela achava que nenhum dos traos que constituam

    o seu rosto era bonito se considerado separadamente. O nariz era reto demais, a bocaum pouco larga e os malares salientes e muito altos. Os olhos, admitia, eram bonitos.Opalescentes como os descrevera Bryce, emoldurados por clios longos e escuros. Noentanto, o sorriso suavizava a linha da boca, tornando-a a um s tempo gentil evoluptuosa.

    E o conjunto, afinal, no era nada mau.

    Linda tornou Bryce com convico.

    As emoes espelham-se em seu rosto como a luz e a sombra se refletemsobre a superfcie de um lago.

    Kate o encarou, sria.

    Ento h poesia em sua alma... Eu sabia que no estava enganada.

    Ele no se desviou daqueles olhos que o desafiavam.

    Voc me forou a dizer isso, apesar de minha relutncia. E, se teve tal podersobre mim, tenho certeza de que no lhe ser difcil arranjar um marido.

    Os poetas no precisam ser forados. Seus sentimentos difundem-seespontaneamente. Talvez eu no queira um marido. E voc, Bryce, est querendo uma

    esposa? No. Voc conhece o ditado: "Errar uma vez desculpvel. Persistir no erro

    imperdovel"?

    "Ele est tentando dizer educadamente que no se encontra disponvel", pensouela com tristeza.

    Quantos anos voc tem? perguntou com frieza. Bryce a olhou intrigado.

    Trinta e dois. J lhe disse isso.

    No acha que jovem demais para dizer categoricamente que no quer mais secasar?

    Voc no sabe nada sobre a minha situao, Kate...

    Por que no me conta?

    No tenho inteno de lhe contar coisa alguma!

    Voc est com raiva de mim. Por qu? Eu o ofendi? Ter raiva dela? Brycebaixou o olhar para o copo e murmurou "no", contente por ela no poder ler a verdadeem seus olhos.

    Mas voc estava com raiva de mim, no verdade? Por qu?

    Interprete como quiser respondeu secamente. Ela perscrutou-lhe o rosto.Notou as linhas fundas e o ar cansado e sentiu o ressentimento dissipar-se.

    Desculpe por querer invadir os seus domnios, senhor.

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    CHE 120 - Joselyn Haley -Nufragos do Passado - Dream of Darkness

    Bryce correu os dedos por entre os cabelos.

    No me leve a mal, Kate, mas no costumo discutir assuntos particulares comas mulheres com quem saio.

    O problema que eu gosto de voc, e isso est ofuscando o meu julgamento.

    Ele fez uma pausa. Talvez seja pretenso minha, mas tenho a impresso deque voc tambm gosta de mim. Diga-me, se eu estiver enganado.

    Voc no est enganado.

    Acho que podemos sair de vez em quando, mas um envolvimento srio est forade questo. Tenho motivos que ainda no estou pronto para revelar. Isso tudo.

    Entendo... disse ela devagar.

    " mentira, Kate. Voc no entende nada. Mas por que est to desapontada, semal o conhece? Por que no deseja que ele desaparea de sua vida?", pensou ela.

    No gosto de mistrio, Bryce. Se voc no queria nenhum envolvimento, nodevia ter me convidado para sair.

    Foi mais forte do que eu.

    Essa afirmao simples, evidentemente pura expresso da verdade, tomou-a desurpresa.

    J estamos ambos envolvidos. Quer voc queira, quer no.

    No podemos ir adiante, Kate. Por favor, acredite em mim.

    Frustrada, querendo dissuadi-lo, mas no encontrando as palavras certas, Katetomou o drinque em silncio.

    Mais uma rodada? ofereceu ele, depois de alguns minutos.

    Kate sorriu levemente.

    No, obrigada. Gostaria de ir para casa. Tenho de trabalhar amanh cedo.

    Bryce a olhou como se fosse dizer alguma coisa. Mas, em vez disso, empurrou acadeira para trs e levantou-se.

    Vou lev-la.

    Deixaram a semi-escurido do bar e saram para as luzes brilhantes da rua. Brycefalou pouco durante o percurso. Quando seguiam por uma rua transversal, prxima aoHospital dos Veteranos, Kate apontou uma grande residncia de esquina.

    Moro ali. No andar trreo.

    muito bonita.

    No trocaram mais uma palavra. Ao chegarem diante da velha casa vitoriana, elaabriu a porta do carro e saltou.

    Obrigada, Bryce. Boa noite.

    Boa noite, Kate. Vou ficar esperando at voc entrar.

    Kate encaminhou-se para a porta, de cabea baixa, com as idias em redemoinho.

    Galgou rapidamente os degraus da entrada e introduziu a chave na fechadura. Ao voltar-se para acenar, ele j tinha ido embora. Arrasada internamente de tristeza e vazio, eladeixou-se ficar ali, com os olhos fixos na rua escura, ouvindo o vento sussurrar entre as

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    folhagens dos velhos carvalhos.

    CAPTULO 3

    O sonho era sempre o mesmo: uma massa luminosa, informe, que avanava im-perturbvel, abarrotada de coisas que se agitavam dentro dela e que, rompendo-se logomais, se lanariam para sufoc-la. A luz branca e forte a ofuscava e assustava. Era oauge da claridade refletindo-se impiedosamente nas areias de um deserto onde no haviasombras nem refgio.

    Depois da luz, chegavam os rudos e as vozes. Estas, calmas a princpio,elevavam-se aos poucos at tornarem-se gritos irados, fazendo-lhe o pnico crescer comuma intensidade assustadora. Ento, atravs daquela verdadeira confuso de luzes esons, elevava-se o som apavorante do verdadeiro pesadelo. O som vinha de longe, um

    interminvel e lamentoso rosnado, como o de um animal invisvel acorrentado naescurido que havia alm da massa luminosa.

    Permanecia no pavor da imobilidade, enquanto a massa se abria como uma bolsaque despejava uma torrente de imundcies e o animal se libertava e saltava sobre ela comas mandbulas abertas, o sangue escorrendo-lhe das narinas. Via-se de repente caindonum abismo inescrutvel. Um grito escapava-lhe da garganta torturada, crescendo medida que se precipitava para o fundo, e rochas pontiagudas cravavam-se na suacarne...

    Kate despertou com o som de seus prprios gritos ecoando pelo aposento.Soergueu-se em sobressalto, com os olhos abertos. Outra escurido a envolvia, a

    confortadora e conhecida escurido do prprio quarto. Entre as cortinas, viu a estreitafaixa de luz amarela das lmpadas da rua, ouviu um carro passar e o gatinho arranhar aporta da cozinha, provavelmente assustado com os gritos.

    Quando seus olhos ajustaram-se penumbra, a forma da escrivaninha e dacmoda emergiram da escurido. Reapareceram a estante cheia de livros e a velhapoltrona em que, enrolada na manta, gostava de sentar para ler. Tudo estava no seulugar.

    Sentiu um arrepio e mergulhou sob as cobertas, puxando-as at o pescoo. Osonho nunca variava, era sempre o mesmo, nos mnimos detalhes, embora a repetiono atenuasse seu poder de aterroriz-la. Era uma coisa com vida prpria, combativa,

    malvola, um cruel inimigo.Jamais sentira a dor do impacto nas rochas, apenas a ameaa disso. Mas a

    ameaa era infinitamente mais dolorosa do que a realidade. De olhos abertos na es-curido, desejava que apenas uma vez o sonho mostrasse a sua concluso lgica, oesfacelamento de seu corpo nas rochas e a agonia atingindo-a de uma vez por todas.Seria a nica maneira de destruir o poder que o sonho tinha sobre ela.

    Isso nunca acontecera. O sonho permanecia em seu subconsciente, um mal quepossua face, mos e um olhar observador que a perseguia sem cessar. Fazia parte desua vida desde que se conhecia por gente. Algumas vezes, passavam-se meses sem quea atormentasse. Mas, quando comeava a alimentar a secreta esperana de que fora por

    fim poupada, ele voltava de sbito, sem explicao. Jamais fora capaz de relacion-lo aum acontecimento qualquer ocorrido durante o dia e se desesperava por no saber acausa ou decifrar-lhe o mistrio implacvel.

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    Alisou para trs os cabelos cados na testa ainda mida de suor e sentiu sob osdedos a salincia das velhas cicatrizes. Sua me dissera-lhe que, ainda beb, sofrer umdesastre de carro. Isso explicava as marcas na testa, na coxa, em dois dedos na moesquerda... e o pesadelo que a atormentava.

    A luz de seu sonho seria o brilho dos faris, e o barulho a coliso dos dois veculos.Ao ser arremessada para fora da janela, cara sobre pedras que a haviam ferido,deixando-lhe aquelas marcas no corpo.

    Era uma explicao lgica que combinava com os detalhes do sonho, mas que noa satisfazia porque no explicava a verdadeira ameaa do pesadelo. Quem ou o que erao bicho acossado no seu covil, a criatura sem face que tinha o poder de aterroriz-la maisdo que qualquer outro ser vivo? O animal que saltava das trevas era a figura central dosonho, seu corao negro e pulsante. E, de forma vaga e obscura, intua que ele existira...

    Sentiu uma grande desolao apoderar-se dela. A manh estava ainda muitolonge, mas, por experincias anteriores, sabia que era intil tentar conciliar o sono. Ao

    sentar-se na cama, ouviu o som do antigo relgio de pedestal. Duas horas.Vestiu um leve robe de algodo e foi para a cozinha. Talvez uma xcara de ch

    ajudasse. Ao abrir a porta, o gatinho veio esfregar-se a seus ps. Ergueu-o e esfregou aface contra o plo macio.

    Tenho que lhe dar um nome murmurou. Atravessou a cozinha com ele nocolo e ps a chaleira no fogo. Depois, como se o seu esprito fosse subitamente aliviadode um peso, continuou: No posso continuar a cham-lo de "gatinho", no mesmo?Mas minha mente no est funcionando bem neste momento. Vai ter que esperar atamanh. Meu Deus, tenho que trabalhar amanh! S espero que no faa muito calor...

    O gato pareceu entender-lhe a perturbao, porque endireitou as orelhas e saltoupara o cho, de onde ficou a observ-la, espreguiando-se.

    O tempo mudou no domingo. O vento que soprava do mar trazia no seu bojo oprimeiro frescor do outono. O cu estava sem nuvens, mas opaco, e as rvores oscilavamlevemente, um frmito de amarelo outonal agitando o verde das frondes altas.

    Nada disso parecia afetar o entusiasmo das crianas que lotavam a praia. Umadelas, especialmente, deu grande alegria a Kate: Jake, com o corpinho magro enfiadonuma roupa de jeans surrada e os cabelos vermelhos desmanchados pelo vento. Foi aoencontro dele sorrindo.

    Senti sua falta, Jake.

    Estive jogando beisebol no Commons foi a pronta resposta do garoto.

    Ela esperava que fosse verdade, mas no tinha tanta certeza.

    Se vier amanh, vou ensin-lo a mergulhar. Os olhinhos de Jake brilharam deentusiasmo.

    Oh... certo! Ouviu isso, Toby?

    Sorrindo intimamente, Kate comeou a percorrer a grande extenso de areia. Nodia seguinte, iria permanecer na praia alm do perodo regulamentar para poder dedicarmeia hora de seu tempo a Jake e Toby. Mas isso seria no dia seguinte. Naquela noitehavia outro assunto que tinha mais importncia do que o seu trabalho: o jantar dominicalna casa dos pais. Um jantar exclusivamente restrito famlia.

    Foi embora assim que seu substituto chegou. Tomou uma rpida ducha morna e

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    enfiou um vestido de algodo estampado. s seis, com os cabelos ainda midos dobanho, percorreu a p os poucos quarteires que a separavam da casa dos pais. Bill, omais velho dos trs irmos Maclntyre e mdico numa cidade vizinha, abriu-lhe a porta. Aov-la corada pelo esforo da caminhada, observou:

    A pressa provoca estafa, presso alta e enfarte. No gosto de me atrasar.

    Derek nunca chega na hora em lugar algum disse Bill, referindo-se ao irmomais moo.

    Derek no se importa de fazer os outros esperarem. Mas eu me importo.

    Kate sorriu. No vai me deixar entrar?

    Ele segurou-a pelos pulsos, beijou-a no rosto e ento puxou-a para dentro da sala.

    bom ver voc, maninha.

    Sou a ltima a chegar? Claro que no. Derek e sua noiva no apareceram. Ainda devem estar na cama.

    Bill!

    Kate querida, o que acha que Derek procura nas garotas? Inteligncia que no.

    Por favor, no deixe mame ouvi-lo! Voc sabe que ela no vai sossegarenquanto no vir Derek muito bem casado. Como voc.

    Kate olhou-o com um sorriso. Aos trinta anos, Bill era um homem alto, bonito, decabelos loiros e olhos cinzentos, calmo no agir e no falar. Vira-o certa vez assumir ocontrole da situao num acidente em que, sem parecer apressar-se e sem erguer a voz,prestara os primeiros socorros a cinco pessoas. Confiava totalmente nele. Desde a maistenra infncia, era a Bill que recorria para ver resolvidos os seus problemas: de joelhosesfolados a corao partido. Ele sempre a ouvira com ateno. No falava muito, mas suapresena era suficiente para tranqiliz-la.

    Derek e eu sempre fomos muito diferentes disse Bill, explicando-se.

    Ele foge do casamento como o diabo da cruz, ao passo que eu, cinco minutosdepois de ter conhecido Sue, soube que queria viver com ela pelo resto de minha vida.

    Talvez Derek ainda no se tenha apaixonado.

    Pode ser. Mas no acha que a conversa est sria demais? Vamos tomar umdrinque. Papai j deve estar na sala, pronto para prepar-lo.

    Dora e Russell Maclntyre moravam numa casa tradicional, situada nas redondezasdo Point Pleasant Park. Tudo ali era de boa qualidade, feito para durar, como o casalgostava de dizer. A sala de jantar, onde Kate foi encontrar o pai, no fugia regra: era deslido mogno polido e destinada a passar de uma gerao outra.

    Dois gatos estavam dormindo no peitoril da janela, e havia outros dois debaixo damesa, sem dvida espera dos restos do jantar. Os gatos eram uma contribuio de suame, que costumava recolher todos os felinos abandonados da vizinhana.

    Seu pai estava retirando os copos de cristal do armrio e sorriu com profundaafeio quando a viu.

    Al, Kate querida. Como est? Ela o beijou com ternura.

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    tima. No quer me preparar uma bebida gelada e doce?

    Que tal umapina colada?

    Maravilhoso, preciso mesmo de um revigorante. Todos os garotos de Halifaxresolveram ir praia hoje. Vou cumprimentar mame enquanto voc prepara o drinque.

    Kate sorriu-lhe da porta. Bastante rum, por favor.

    Dora estava retirando um enorme peru do forno, com as faces coradas pelo calordo fogo.

    Al, querida. Passe-me a travessa, por favor.

    Quieto, Stephan disse a um gato branco que olhava para o peru com olhosgulosos.

    Este novo, no, mame?

    Achei-o na semana passada. Mas ainda no aprendeu as boas maneiras. Alm

    do mais, detesta Rufus e vive s turras com o pobrezinho.Rufus, o cachorro da casa, passava por ali naquele momento e pareceu entender

    que falavam dele. Parou e levantou a cabea para Kate.

    Voc tem que ser mais enrgica, mame. Se continuar a repreend-lo com essavoz doce, Stephan no ir obedecer.

    No quero maltrat-lo. Ele tem um ar to abandonado...

    Ao contrrio! Parece to arrogante como qualquer gato da vizinhana.

    E verdade, Kate concordou a me, e em seguida perguntou:

    Derek j chegou? Ainda no.

    Como ser essa nova namorada dele? So tantas que tenho dificuldade em noconfundir os nomes. Dora deu um suspiro.

    Ficou sempre to embaraada... Naquele instante, a campainha da porta tocou eDora tirou o avental e ajeitou os cabelos com as mos.

    Estou bem?

    Voc est maravilhosa, mame disse Kate fitando-a carinhosamente. Elaestava realmente com uma aparncia muito boa. Aos cinqenta e trs anos, dava aimpresso de no ter mais de quarenta. O rosto no tinha rugas, e os cabelos eram toloiros quanto no seu tempo de criana. V receber Derek que eu acabo de preparar ojantar.

    Como se um sexto sentido os tivesse informado de que o jantar estava quasepronto, os sobrinhos de Kate irromperam no mesmo instante na cozinha. Peter, o maisvelho, calmo e pachorrento como o pai, era o oposto de Michael, que aos trs anos, comseus cabelos escuros e cacheados, no parava um segundo. Sue surgiu logo atrs.

    Oi, Kate. Quer ajuda?

    D uma mexida no molho disse Kate, olhando-a.

    Voc parece cansada. Algum problema?

    No s cansao. Tem feito muito calor em Truro. Era uma pequena cidade a

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    uma hora de carro de Halifax, onde Bill tinha consultrio. Os meninos esto semprecheios de energia e me do muito trabalho. Ou ento a idade. Meus trinta anos estoprximos.

    Que bobagem! Voc est precisando de umas frias, s isso.

    Sue animou-se de repente. Vamos tirar uma semana de frias no final de setembro. Somente Bill e eu, as

    crianas vo ficar aqui. No vejo a hora!

    "Sue que feliz!", pensou Kate involuntariamente. Ela e Bill se adoravam,embora, como todos os casais, tivessem seus altos e baixos. A irrequieta e ruiva Sue seimpacientava s vezes com a serenidade de Bill, e ele, por seu lado, ficava irritado comalgumas decises precipitadas da mulher. Mas essa mistura de contraste, de energia etranqilidade era, em suma, base e fora do amor que os unia.

    O jantar est pronto disse cunhada.

    Vamos cumprimentar Derek.Sue pegou-a pelo brao e foram juntas para a sala. Formavam uma dupla atraente:

    ambas lindas, mas to diferentes quanto o sol e a lua, especialmente na cor dos cabelos.

    Russell ofereceu-lhe copos de bebidas geladas, e Derek brindou-as com um sorrisocharmoso.

    Kate... Sue... quero lhes apresentar Lucie St. Cyr. Lucie da Virgnia e esthospedada no iate do tio.

    Derek voltou-se para a namorada.

    Lucie, minha irm Kate e minha cunhada Sue.A garota olhou para Kate com curiosidade.

    Voc no se parece nem um pouco com o seu irmo.

    Kate j estava habituada a esse tipo de reao e respondeu com um sorriso.

    Mas posso assegurar-lhe que sou mesmo irm dele. A hereditariedade s vezesfaz coisas estranhas.

    Dora ergueu a cabea como uma criana apanhada em falta e levantou-seprecipitadamente.

    Desculpem... Tenho que dar uma espiada no peru. Bill destacou-se das sombrase foi sentar-se ao lado da irm.

    Confesse que voc gostaria de se parecer comigo!

    Prefiro parecer comigo mesma. Kate apertou-lhe afetuosamente a mo.

    Ela nunca entendera como Bill e Derek, ambos bonitos e com a mesmacompleio, podiam ser to diferentes. O motivo devia ser esse indefinvel charmechamado de sex-appeal. Derek tinha esse predicado, e Bill no.

    Seu irmo mais velho era como um grande urso de pelcia, tranqilo, afvel,carinhoso. Derek era outra coisa. Caso algum a questionasse, no saberia dizer no queconsistia a diferena: se nos olhos cinzentos e profundos ou se no formato da bocamscula e sensual, ou ainda na inconsciente arrogncia de felino com que ele semovimentava. Mas o fato era que atraa a todos de forma irresistvel, embora no sedesse conta disso. No fazia nada para seduzir as mulheres, que, sem exceo,

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    CHE 120 - Joselyn Haley -Nufragos do Passado - Dream of Darkness

    acabavam sucumbindo ao seu charme. Atraa-as simplesmente existindo.

    Como vo as pesquisas? perguntou-lhe, sabendo que, como doutor emoceanografia, as pesquisas marinhas eram a sua paixo. Os olhos de Derek brilharamcom um entusiasmo que mulher alguma conseguira ainda acender.

    Tive um problema srio na quinta-feira...Ele lanou-se numa complicada descrio tcnica do problema, enquanto

    acabavam de tomar os drinques. Quando passaram sala de jantar, tudo se transformounuma refeio tipicamente ntima de uma famlia unida.

    As conversas foram tpicas tambm: tempo, trabalho, filhos. Lucie perdeu a pose elanou-se numa animada descrio de sua viagem pela costa dos Estados Unidos.Quando a conversa girou sobre filmes, Sue perguntou:

    O que achou de Indiana Jones, Kate? Bill e eu vimos voc sair do cinema ontem noite. Mas estava numa conversa to animada com o seu acompanhante que no nos

    viu.Todos os olhos voltaram-se para Kate. Ela se fixou no prato.

    No gostei. Muito violento para um filme de entretenimento.

    Namorado novo, Kate? perguntou-lhe Bill. Ela corou.

    Oh, no. Apenas um amigo.

    Ele me pareceu mais velho do que seus namorados habituais observou Sue.

    Ah, sim...

    No vai traz-lo aqui para jantar?

    No sei... Creio que no tornarei a v-lo. Kate imaginou que um jantar emfamlia seria a ltima coisa que Bryce iria aceitar.

    Algo de seu mal-estar transpareceu no rosto, porque Bill, com a evidente intenode proteg-la, desviou o assunto:

    O peru est excelente, mame.

    A partir da, a conversa retomou um rumo tranqilo e Kate concentrou-se nacomida. Depois do jantar, decidiu dar uma volta pelo jardim. Saiu para o agradvel frescorda noite e aspirou profundamente o perfume das flores, reconhecendo que oressentimento por Bryce era injusto. Estava ainda pensando nisso quando viu Bill surgir

    por entre os canteiros de rosas. O que est fazendo aqui sozinha?

    Tomando um pouco de ar fresco.

    Tive a impresso de que aquele rapaz muito importante para voc.

    Sou to transparente assim?

    No quer falar dele? perguntou Bill, ao v-la mudar de expresso.

    Kate suspirou.

    No h muito o que dizer. Conheci-o numa clnica para doadores de sangue etomamos ch juntos. Fomos ao cinema ontem noite e ento ele me disse que no querse envolver com ningum.

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    Um tanto cedo para esses escrpulos, no acha? Kate hesitou.

    Gostamos um do outro. Para mim, seria fcil envolver-me com ele. No seicomo explicar esse tipo de atrao que toma a gente de assalto, mas sei que ela existe.

    Ela fez uma pausa. Bryce no quer saber disso. Acho que ele ainda gosta da

    esposa, embora afirme o contrrio. E casado? surpreendeu-se Bill.

    Oficialmente separado, com um divrcio vista. Mas deixou bem claro que odivrcio no ser por vontade dele.

    guas profundas, Kate... Ela baixou os olhos.

    Sim... e no consigo entender por que isso est me aborrecendo tanto. Sinto-mefrustrada, como se algum tivesse me mostrado um objeto muito bonito e ento, antesque eu pudesse toc-lo, o levasse para longe de meu alcance.

    Bill observou-a. Nunca a vira daquele jeito. Era como se um vu houvesse baixadosobre seu rosto.

    No pretende v-lo nunca mais? Kate sorriu ligeiramente.

    uma deciso dramtica demais, no acha? Bryce disse que poderamos nosencontrar de vez em quando, embora no acredite que isso v nos levar a algum lugar.

    Ele homossexual?

    Ela lembrou-se do calor do beijo que haviam trocado e sacudiu a cabea.

    Oh, no!

    Parece que voc no tem muita escolha, mana. Ou encara o episdio como umacontecimento banal e o esquece ou ento assume o risco de v-lo novamente e,possivelmente, de faz-lo mudar de idia. De qualquer modo, espere alguns dias e pensebem no caso, antes de tomar qualquer deciso.

    E se ele no mudar de idia?

    Apresentarei voc ao novo mdico que se estabeleceu em Truro. Segundo Sue,ele sensacional. Kate riu.

    Voc tem sempre uma resposta pronta. Naquele instante, gotas de chuvacomearam a cair,

    rpidas, e em pouco tempo se transformaram numa cortina cintilante. Os doisirmos correram para dentro de casa, e a conversa sobre Bryce foi definitivamenteencerrada. Mas a imagem dele substituiu no esprito de Kate, permanecendo como umsonho, acima da rotina de sua vida.

    O domingo de Bryce foi muito diferente do de Kate, mas, de certa maneira,semelhante em seu ritual. Uma vez por semana, algumas vezes at duas, ele deixava oconforto de seu apartamento, pegava o carro e atravessava a ponte MacDonald que uniaHalifax a Dartmouth. Fazia a viagem sempre sozinho, porque ningum, nem mesmo suaamiga Anne, sabia da existncia de Jenny.

    Porm, sempre que chegava entrada da ponte, seus pensamentos voltavam-se

    para a esposa. Sem dvida, um mecanismo de defesa acionado por sua mente paraimpedi-lo de pensar muito em Jenny.

    Chegava at a sentir a presena de Emmeline, de tal modo suas vidas tinham

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    estado ligadas uma outra. Seu autocontrole rompia-se, ento, como uma corda muitotensa, com a mente debatendo-se em meio a um conflito de imagens: pensava no risocalmo da mulher, na maneira de olhar sob os clios e depois ergu-los, antes de levantaro rosto e deixar-se beijar. Lembrava a beleza de seu corpo delicado, cujo corao jamaischegara a atingir, e era dominado pela antiga iluso dos sentidos, contrrio a toda razo.

    Doce e meiga, ela nunca fizera segredo de que desejava ardentemente ter filhos.Engravidara e ento acontecera o aborto. E depois viera Jenny...

    Emmeline vira a filha apenas uma vez: na hora do nascimento. A criana deixou deexistir para ela a partir daquele instante. E Bryce tambm. No permitiu que ele a tocasse,nem mesmo para confort-la. E, quando se recuperou do parto, fez as malas e aban-donou a casa de Tower Road.

    Bryce vendeu a casa, comprou outra que dividiu em trs apartamentos, reservandoum deles para si mesmo, e ento ficou espera de que sua pequena e disforme filhamorresse.

    Mas Jenny no morrera. Fora transferida do Hospital de Halifax para outro,especializado em casos como o dela. Um caso crnico, segundo os mdicos do instituto.Sem esperanas, no entender de Bryce, embora, passados dois anos, a garotinha aindacontinuava viva.

    Com os dedos crispados no volante, ele notou que, como sempre, quando seaproximava do hospital, seus pensamentos passavam de Emmeline para Jenny.Emoes, mais do que pensamentos. No sabia definir o que sentia por sua filha: talvezum misto de ternura, culpa, sofrimento e amor. Amor. No havia outra coisa que opudesse consolar: era o amor que o fazia voltar ali, semana aps semana.

    Quando saltou do carro, gotas de chuva comearam a cair. Um cheiro de terra fortee agradvel penetrou-lhe pelas narinas, fazendo relaxar seus msculos tensos por todoaquele emaranhado de emoes.

    Galgou os degraus da entrada de dois em dois, com as mos enfiadas nos bolsospara reprimir a incontro-lvel vontade de acender um cigarro. Cumprimentou asenfermeiras de planto ao passar pela portaria, e seguiu pelo longo corredor iluminadopela triste brancura das janelas.

    Ao abrir a porta da enfermaria, o sofrimento apoderou-se dele novamente,acompanhando o som abafado de seus passos no tapete de borracha. Atravessou a salaem toda a sua extenso, sem olhar para os ocupantes das outras camas, baixando

    mentalmente um vu sobre aqueles erros cruis da natureza.Jenny ocupava o ltimo bero. Ao chegar perto, inclinou-se para a frente e olhoulongamente aquele ros-tinho enrugado. Ela era surda e parcialmente cega. Pesava menosde dez quilos, e seu corao batia irregularmente. Nunca aprenderia a andar, a correr e abrincar como uma criana comum.

    Bryce sabia disso. Sabia, tambm, que era impossvel que Jenny o reconhecesse.Mas, no fundo de seu ser, no queria conceber a idia de que ela vivesse em outro planode existncia que no o dele. Sua filha tinha que reconhec-lo! Como podia ser diferente?

    Ergueu-a do bero e apertou-a de encontro ao peito. Quando a cabecinha pendeupara um lado, o corao dele apertou-se de angstia. Sentou-se, acomodou-a no colo e,

    com uma ternura profunda, dolorida e estril, ps-se a acarici-la docemente, passandopara ela o calor de seu prprio corpo.

    Permaneceu assim cerca de duas horas. Ento, beijou-lhe os cabelos finos e

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    compridos, colocou-a de volta no bero e saiu da sala sem olhar para trs.

    CAPTULO 4

    Na segunda-feira, ao ler na seo de espetculos do Globe que um famoso quar-teto de cordas iria se apresentar em Halifax na semana seguinte, Kate lembrou-seimediatamente de Bryce.

    Ele gostava de msica erudita. Dissera-lhe isso durante o passeio a p at o mar,depois do cinema. Podia comprar dois ingressos e convid-lo para irem juntos aoespetculo, seguindo assim o conselho de Bill.

    Mas uma estranha timidez obrigou-a a esperar at tera-feira para decidir-se e atquarta para telefonar a Bryce.

    Ele atendeu ao chamado do sexto toque e parecia sem flego. E Kate Maclntyre, Bryce. Incomodei-o?

    Eu estava no jardim, cortando a grama, e o barulho da mquina no me deixavaouvir o telefone. Como vai, Kate?

    Estive muito ocupada. Vou prestar o exame final de meu curso de biologiadentro de alguns dias. Como ainda estou trabalhando na praia, s tive o fim de semanapara estudar.

    Voc no me disse que estava fazendo esse curso.

    apenas um curso de extenso universitria, mas estou gostando.

    Boa sorte no exame.

    Ela fez uma pausa e depois armou-se de coragem.

    Tenho duas entradas para o concerto de tera-feira do Quarteto Orford. Vocno gostaria de ir comigo?

    Bryce hesitou um pouco e os dedos de Kate cerraram-se com fora em torno doaparelho. "Ele no quer ir... e deve estar me achando ousada demais por ter tomado ainiciativa de convid-lo."

    Sinto muito, Kate. Gostaria de ir com voc, mas j recebi outro convite.

    Ela estava totalmente despreparada para a onda de cime que a assaltou,apertando-lhe o corao como uma garra de ao. Havia descoberto o que isso significavaseis anos atrs. Mas, depois daquela primeira experincia, esquecera-se de como podiaser dolorosa essa sensao.

    Compreendo disse, admirada ao perceber como sua voz parecia normal.

    Devia ter-lhe telefonado antes.

    De qualquer modo, iremos nos encontrar no concerto.

    Sim, claro.

    No trabalhe muito, Kate. Poupe um pouco as suas energias.

    Kate percebeu pelo tom de voz dele que a conversa estava encerrada.

    No se preocupe. At logo, Bryce. : Ps o fone no gancho e fitou os olhos cor

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    de mbar de Lcifer. E agora? O que devo fazer?

    Lcifer comeou a lamber a patinha. Depois de consultar o relgio, ela voltou adiscar num nmero. No momento, era a nica soluo. Tinha que ir quele concerto dequalquer maneira!

    Al? atendeu uma vibrante voz de bartono. Graham... Kate.

    Oh, a linda Kate! Que milagre esse?

    Ela comeou a rir, sentindo-se subitamente com o corao mais leve. ComGraham, sabia em que terreno pisava.

    Telefonei-lhe para saber se gostaria de ir ao concerto do Orford na tera-feira.Tenho duas entradas.

    Estou loucamente apaixonado por voc, minha querida. Ento se o concerto a

    nica coisa que me oferece, que posso fazer seno aceitar?Kate j estava acostumada aos galanteios do amigo e, como sempre, fez de conta

    que no tinha ouvido.

    A que horas posso passar para apanh-lo?

    Eu vou busc-la. Comprei um carro novo e quero mostr-lo a voc.

    s sete e meia, est bem?

    Combinado.

    At a prxima semana, Graham.

    Ela desligou, ainda sorrindo. Graham era professor na faculdade de msica etambm violoncelista da orquestra sinfnica da cidade. Costumavam sair juntos uma ouduas vezes por ms. Kate aprendera a ignorar as lisonjas que ele, engenhosamente,costumava dirigir s mulheres bonitas, levando-o pouco a pouco para o terreno daamizade. Com o tempo, as tentativas de seduo de Graham tornaram-se apenas partede uma brincadeira.

    Afinal sabiam que entre eles jamais o relacionamento ultrapassaria os limites docompanheirismo.

    Tera-feira, na volta da praia, Kate passou por uma rua elegante de Halifax,famosa por suas butiques sofisticadas. Entrou em vrias delas e por fim decidiu-se por umencantador vestido azul-turquesa de decote ousado e saia aberta num dos lados por umafenda que lhe revelava a coxa.

    Ao chegar em casa, tomou um longo banho de imerso, perfumou-se e aplicouuma maquilagem mais forte que o normal. Vestiu o modelo novo, calou sandlias desalto alto do mesmo tom e, ao olhar-se no espelho, aprovou o resultado.

    Graham chegou s sete e meia em ponto e olhou-a da cabea aos ps.

    Meu Deus, que viso! Voc me tira do srio, Kate!

    Que exagero!

    Mas a pura expresso da verdade! Veja s como o meu corao estdescontrolado.

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    Ele colocou a mo de Kate sobre o peito.

    Ela deu um passo para trs, pondo uma distncia prudente entre ambos.

    Vamos andando, Graham. Caso contrrio, iremos perder o concerto.

    Ah, sim, o concerto... No quer esquec-lo? Poderamos ficar aqui e... Os ingressos j esto comprados lembrou-o Kate com firmeza.

    Alm do mais, voc ficou de me mostrar o seu carro novo. V na frente,enquanto eu fecho os gatos na cozinha. Encontro voc l fora.

    O novo carro de Graham era uma das maravilhas da engenharia automobilstica, eseu dono estava obviamente encantado com ele. Durante o percurso, depois de ouvir umrelato minucioso de tudo o que a mquina era capaz de fazer, Kate observou:

    um lindo carro. Cheira bem. Graham deu um sorriso.

    O cheiro do dinheiro, minha cara. enfatizou, manobrando com percia no

    estacionamento lotado. Cuidado ao saltar. No v expor demais essas lindas pernas,se no quiser causar um acidente de trnsito de grandes propores.

    Mas todo o cuidado de Kate no foi suficiente para impedir que, ao sair do carro,sua coxa ficasse mostra at a metade. Bryce vinha chegando pela calada oposta, aolado de uma ruiva escultural, e seus olhos se arregalaram quando a viram.

    Essa no... murmurou ela consigo mesma. No entanto, esperou-o, senhorade si. Quando ele chegou mais perto, foi capaz de dizer-lhe com admirvel compostura:

    Boa noite, Bryce.

    Boa noite, Kate. bom ver voc de novo. Gostaria de lhe apresentar a minha

    amiga Anne Denver. Anne, Kate Maclntyre.Apertaram-se as mos e, quando Bryce adiantou-se para cumprimentar Graham,

    de quem, por coincidncia, era um velho amigo, as duas mulheres examinaram-sedisfaradamente. Kate no pde deixar de notar que a outra era dona de uma belezaestonteante. O vestido de seda verde que usava era do tom exato de seus olhos e umcomplemento perfeito para os estupendos cabelos vermelhos que estavam presos paracima, revelando-lhe a nuca delicada. Acabou lembrando-se de que j a tinha visto.

    Est engajada num movimento feminista? Acho que assisti a uma entrevista suanum programa de televiso?

    Exato. Apresentei-me na CBC h algumas semanas, falando sobre os direitosda mulher.

    Voc advogada?

    Sim, eu...

    Graham interrompeu o dilogo, aproximando-se delas e apertando a mo de Annecom entusiasmo.

    Como vai, Anne? No a vi neste vero. Esteve viajando?

    Sim, mas a trabalho.

    Que acham da idia de tomarmos um drinque no Le Bistro, depois doespetculo?

    Bryce concordou prontamente.

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    tima idia. No intervalo vou reservar uma mesa para quatro. Poderemos nosencontrar l, depois da audio.

    O concerto foi muito agradvel, como Kate imaginara.

    Gostou? Graham lhe perguntou na sada.

    Kate assentiu.

    A msica de cmara uma experincia relativamente nova para mim. Masgostei muito.

    Eu fiquei emocionado murmurou ele, com os olhos cinzentos ainda perdidosno mundo encantado da msica.

    Kate sentiu uma onda de afeio por ele. Gostava de Graham como de Bill ouDerek...

    Vamos a p at o restaurante? sugeriu.

    Boa idia. Estou precisando de um pouco de exerccio. Le Bistro era um tpicocaf francs, com toalhas

    quadriculadas nas mesas e iluminado luz de velas. Bryce e Anne j estavam l,sentados numa mesa de canto, e Kate observou como a luz oscilante da chamaacentuava a beleza sofisticada da moa.

    "Voc est com cime, Kate", disse a si mesma. "E brincando com fogo,encontrando-se com Bryce nessas circunstncias."

    Ao v-la aproximar-se, ele imediatamente se levantou e puxou-lhe uma cadeira.Kate sentou-se, sentindo o calor do brao dele em suas costas, e sorriu para Anne.

    J conhece o fondue de chocolate da casa? Excelente! Bryce e eu costumvamos vir aqui especialmente para sabore-lo.

    Os clios de Kate bateram imperceptivelmente, mas ela conseguiu ocultar adecepo. Estava perfeitamente controlada quando Bryce virou-se para perguntar-lhe:

    Como vo os estudos, Kate? Seu exame nesta semana, no?

    Quinta-feira noite. Estudei bastante no fim de semana passado e estouconfiante.

    Voc ainda est estudando? perguntou-lhe Anne.

    Fui aceita para o curso de mestrado em Administrao de Empresas do prximooutono. Esse que estou seguindo apenas um curso de extenso de Biologia.

    Anne comeou a fazer perguntas sobre o programa da universidade, parecendobastante interessada no curso que Kate iria seguir.

    Em que rea pretende se especializar?

    Talvez em recursos humanos. Gosto de estar em contato direto com aspessoas.

    Essa uma das vantagens de meu trabalho Anne comentou.

    Tenho a oportunidade de conhecer gente realmente interessada. Na semanapassada...

    Comeou a contar uma histria engraada sobre o presidente de uma companhia,

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    machista empedernido, que fora obrigado a contratar uma executiva para o seu quadro defuncionrios.

    Ela era superior em tudo aos outros candidatos, e, apesar de sua relutncia, ohomem no teve outra sada seno admiti-la.

    Ento, uma mulher tem que ser mais bem qualificada do que um homem, parater a chance de arrumar um bom emprego?

    No necessariamente. H leis que nos protegem, e as comisses de direitoshumanos esto sempre alerta para coibir as arbitrariedades. Mas tudo to lento! No hnenhuma mulher no Parlamento, por exemplo. Anne sorriu. Lute por isso, Kate.Faa um bom curso, diplome-se com louvor e v em frente.

    Chegaremos l, no se preocupe. H muitas mulheres ocupando lugaresimportantes na poltica.

    No h nada de extraordinrio nisso. Afinal, somos o sexo mais inteligente.

    Do que esto falando? ops-se Bryce. No ouviu? perguntou Anne, sorrindo.

    uma conversa subversiva! Somos todos iguais.

    Mas diferentes, graas a Deus! observou Granam.

    E vive Ia diffrence!

    A conversa generalizou-se, e Kate no pde deixar de admirar o senso de humorde Anne. A maioria das mulheres feministas que conhecera usava a arte de bem falarpara encobrir seu profundo dio pelos homens. Mas Anne no era desse tipo. E, depois

    de seu comentrio sobre o fondue, no fizera outras referncias, diretas ou indiretas, aorelacionamento com Bryce.

    Pediram uma segunda rodada de bebidas para acompanhar os deliciosos crpesde pssegos frescos e continuaram a falar sobre direito, poltica, msica.

    Ao contrrio do que imaginara, Kate estava se divertindo. Observava o brilho dealegria nos olhos azuis de Bryce, seu riso calmo, sua maneira de correr os dedos porentre os cabelos.

    Havia retirado o palet e afrouxado o n da gravata e parecia descontrado. Kateno se importava que estivesse ali com outra mulher porque era evidente que Bryce jdeixara de prestar ateno em Anne. No precisava ser psicloga para perceber que se

    tornara o alvo dos olhares e do interesse dele.Um casal que acabava de entrar no restaurante ocupou a mesa diante deles. Kate

    olhou curiosa, notando as delicadas e aristocrticas feies da mulher e a aura dedistino do homem. Graham seguiu o olhar dela.

    Martin de Vries, o diretor da Sinfnica de Toronto. Estudei com ele algunsanos atrs. Gostaria de cumpriment-lo. Ele levantou-se. Queiram me dar licenaum momento.

    Anne voltou prontamente a cabea.

    Joana est com ele. Que surpresa agradvel! Curvou-se para Bryce e

    comeou a acariciar-lhe lentamente o brao. Falei-lhe dela, no foi? Voc seincomodaria se eu fosse cumpriment-la? No vou demorar mais do que cinco minutos.

    Os dois que permaneceram na mesa mantiveram-se em silncio, apenas olhando

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    um para o outro. Segundos antes, Kate teria ficado encantada com a oportunidade.

    Agora, tudo o que via sua frente eram os dedos longos de Anne acariciandosensualmente o brao de Bryce.

    por causa de Anne que voc no quer se envolver comigo, no ? disse

    por fim, com a voz cheia de mgoa.Ele a fitou calmamente.

    No, Kate, no .

    Tem que ser! Vocs dois so amantes.

    Ele no procurou desmenti-la. Seria absolutamente ridculo.

    Mas no estamos apaixonados um pelo outro. Nunca estivemos.

    Os olhos dela encheram-se de lgrimas.

    No compreendo...

    Anne no quer nenhum compromisso srio. No est interessada em conseguirmarido e constituir famlia. E eu tambm no.

    Uma expresso de sofrimento passou pelo rosto de Kate.

    Voc ainda est apaixonado por sua esposa!

    No estou apaixonado por ningum ele afirmou um tanto brusco.

    O amor to terrvel assim? perguntou ela. Bryce hesitou um momento.

    Sim, .

    Voc est mentindo. Est bem, ento estou mentindo! ele explodiu. A raiva cresceu em sua voz.

    Mas entenda de uma vez por todas: voc e eu no significamos nada um para ooutro.

    No quero aceitar isso.

    Mas deve! Voc ir conhecer gente nova na universidade e se esquecer demim.

    Kate olhou-o bem nos olhos, ressentida.

    Como pode dormir com ela se no a ama? Isso no absolutamente de sua conta!

    Ela baixou os olhos.

    Desejaria nunca ter conhecido voc.

    Teria sido melhor para ns dois. loucura, Kate. No podemos nos vernovamente. Apaixone-se por um colega, case-se com Graham, faa o que quiser, mas...

    Graham no est interessado em casamento. Quer apenas me levar para acama.

    Bryce desviou a vista.

    E claro que no estou em condies de perguntar se voc j dormiu com ele.

    claro!

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    Kate o viu corar e ficou contente de t-lo magoado. Era bom saber que tambm eleera capaz de sentir cime.

    Agradeo a franqueza. Est sendo muito honesta.

    Foi o que pediu. Ela fez um ltimo esforo:

    Seus escrpulos em relao a mim so de ordem moral, determinados pelo fatode voc no estar divorciado?

    No, Kate. Isso no tem nada a ver com a histria. Era o que ela imaginava.Ficou em silncio, enquanto tomava outro gole da bebida.

    No daria certo, Kate continuou ele, contra-feito. Iramos discutir a todoinstante.

    Kate no disse nada. Ergueu os olhos e viu, com alvio, que Anne e Graham jestavam se despedindo do casal De Vries. Quando a moa voltou mesa, movendo-secom a elegncia de uma mulher que se sabia atraente, Kate teve uma sbita viso de

    Anne com Bryce na cama e sentiu uma dor insuportvel. Voc est bem, amor? disse Graham, passando a mo no ombro de Kate.

    Ela fez um esforo para sorrir.

    Um pouco cansada. Se no se importa, gostaria de ir para casa. Tenho aulaamanh.

    Claro, sem problemas!

    Minutos depois, dirigiam-se todos para a sada. Na rua, trocaram as habituaisgentilezas e apertaram-se as mos.

    Ento, Anne e Bryce foram para um lado e Kate e Graham para outro. Estamos treinando para as Olimpadas? perguntou Graham depois de alguns

    minutos.

    Kate diminuiu o passo.

    Desculpe-me.

    Est aborrecida?

    Ela refreou o impulso de contar-lhe tudo.

    Sim, estou admitiu. Mas no tenho vontade de falar nisso.

    Graham passou o brao pelo dela.

    Eis aqui um ombro amigo. Pode chorar vontade.

    Ele no fez perguntas nem insistiu para ouvir explicaes, respeitando-lhe osilncio. Kate apertou-lhe o brao, agradecida.

    Voc um bom amigo, Graham.

    Entraram no carro e fizeram o percurso sem dizer nada. Quando chegaram diantedo apartamento dela, Graham voltou-se para fit-la.

    Vai querer aquele ombro amigo agora? Kate sorriu.

    No estou com vontade de chorar. Que pena!

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  • 7/31/2019 Jocelyn Haley - Nufragos do Passado (CHE 120)

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    CHE 120 - Joselyn Haley -Nufragos do Passado - Dream of Darkness

    Se eu dissesse que sim, aposto que ficaria to surpreso que no saberia o quefazer.

    Ele ergueu-lhe o queixo com dois dedos e olhou-a bem no fundo dos olhos.

    Pense em mim ao menos uma vez, Kate. Tomada de um inexplicvel pnico, ela

    implorou: Por favor, Graham! No v se apaixonar por mim! Ele largou-a e virou o rosto.

    No estou apaixonado, Kate. Mas voc muito meiga e, provavelmente, seria anica mulher do mundo que me faria abandonar minha confortvel condio de solteiro.Fez uma longa pausa antes de continuar:

    Voc sabe que eu no sou de dar conselhos. Mas vou fazer uma exceo destavez: fique longe de Bryce Sanderson.

    Por qu? ela perguntou num fio de voz.

    No posso afirmar que o conheo bem, travamos relaes h apenas um ano.Mas, pelo que pude observar, Bryce gosta de viver em solido. No homem de seapaixonar ou de constituir famlia.

    Ele e Anne so mais do que amigos...

    Oh, isso... Graham deu de ombros. apenas um caso passageiro.

    Vocs homens so muito estranhos!

    explodiu Kate.

    Eu s admitiria ter um caso se estivesse profundamente apaixonada.

    Estou s suas ordens, caso queira experimentar.

    Ele beijou-lhe levemente nos lbios.

    E agora v, Kate. Boa sorte nos exames. Se for a primeira da classe, prometoque a levarei para jantar fora.

    E se no for a primeira?

    Ento ganhar apenas a sobremesa, e no o jantar completo.

    Ela sorriu.

    Combinado. Boa noite, Graham. Adorei o seu carro e o seu conselho.

    "No estou apaixonada por Bryce Sanderson", disse a si mesma enquanto entravaem casa e era recebida pelos trs gatos. No havia esse perigo. Recebera dois conselhosnesse sentido naquela noite e iria segui-los ao p da letra.

    Naquele exato momento, Bryce chegava pequena casa de Anne, na RobineStreet.

    No vai entrar? perguntou-lhe a moa

    Hoje no.

    Anne o olhou demoradamente.

    Voc sabe que eu vou viajar na semana que vem...

    Ele lembrou-se disso e sentiu uma sensao de alvio.

    No serei uma boa companhia.

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  • 7/31/2019 Jocelyn Haley - Nufragos do Passado (CHE 120)

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    CHE 120 - Joselyn Haley -Nufragos do Passado - Dream of Darkness

    O que est querendo dizer que no quer ir para a cama comigo porque estpensando em Kate.

    Ele acreditava que a atrao por Kate tivesse passado despercebida. Mas Anneera uma mulher muito viva. Nada escapava de seus olhos argutos.

    Ela ficou em silncio por alguns instantes. Depois, passou a lngua pelos lbios emurmurou:

    A garota no fez outra coisa seno olhar para voc o tempo todo.

    Kate jovem e impulsiva.

    E uma mulher atraente e de muita personalidade. Bryce comeou a irritar-se.

    Pensei que voc fosse a ltima pessoa do mundo a sentir cime.

    No estou com cime disse Anne secamente.

    Estou apenas pensando se voc to frio quanto gosta de parecer.

    Durante o ano e meio que durava a relao de ambos, Anne nunca se mostrarapossessiva em relao a ele. Bryce estava quase certo de que ela tivera outros amantesnas diversas cidades que visitava a negcios e, longe de o aborrecer, isso o deixavaaliviado. No queria que Anne... ou algum mais que lhe fizesse exigncias de ordemsentimental.

    Kate Maclntyre sabe que eu no estou disponvel.

    Gostaria de saber que desculpa deu a ela.

    A mesma que dei a voc. Que diferena faz isso?

    Muita.

    Voc est doida para saber o que houve entre mim e Kate.

    Exatamente ela concordou com frieza. No me pareceu que ela tenha seconformado com tanta facilidade.

    Bryce no sabia como Anne conseguira falar com

    Joana de Vries e ao mesmo tempo observar o que estava acontecendo na mesa.No era de admirar que ela fosse to eficiente no tribunal.

    Voc inteligente demais para mim. Asseguro-lhe que no pretendo ver Kate denovo.

    Ele girou a chave da ignio. Divirta-se em Montreal e me telefone na volta.

    Anne descontraiu-se subitamente, e sua boca curvou-se num sorriso sensual.

    Telefonarei. Boa noite.

    Bryce esperou at que ela entrasse em casa para dar a partida. Mas, enquantoseguia pelas ruas escuras, s ouvia a voz de Kate em seus ouvidos e s via a expressode dor em seu rosto quando ele a rejeitara.

    CAPTULO 5

    O professor de Biologia de Kate era um daqueles mestres que amavam o seu

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  • 7/31/2019 Jocelyn Haley - Nufragos do Passado (CHE 120)

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    trabalho e que possuam a habilidade de comunicar entusiasmo aos alunos.

    De certa forma, lembrava-lhe Graham. Mas, diferente do amigo, o professorMeacham era alto e exageradamente magro, com os ombros levemente descados e atesta alta terminando numa calva luzidia. Ele sabia ser paciente, mas acreditava tambm

    em conselhos e repreenses brandas, e deu-os at o ltimo minuto da aula deencerramento do curso.

    Kate no se importava. Estava muito interessada na matria e gostava do curso,especialmente da ltima parte, dedicada gentica, um tema que a fascinava. Aexperincia de Mendel com ervilhas hbridas, visando estudar a hereditariedade no reinovegetal, a intrigava sobremaneira.

    O professor era sagaz e ilustrava as aulas com exemplos interessantes: as leis dahereditariedade determinando a cor dos olhos ou dos cabelos de seus alunos e a prpriacalvcie caracterizando o seu sexo.

    Vejam, no h nenhuma mulher calva na classe.

    Como Kate era, provavelmente, a aluna mais velha, tal constatao tornava-sequestionvel. Mas isso no diminua o interesse da classe pelos ensinamentos.

    Do complicado campo da transmisso dos caracteres fsicos, o professor Meachampassou para os tipos de sangue A, B e O, e para os grupos sangneos de indivduosentre os quais o sangue podia ser inoculado sem perigo. Completando o assunto, elecitou o fator Rhesus, substncia contida no sangue de certos indivduos e que responsvel por acidentes durante as transfuses e por um tipo de gravidez patolgica.

    No se esquea disse ele, apontando dramaticamente o dedo para um rapazsentado na primeira fileira. Se voc pertence ao grupo B e sua me ao grupo A, seu

    pai no pode pertencer ao grupo O. Se for esse o caso, ento ele no seu pai!Na clnica de doadores de sangue, Kate soubera que pertencia ao tipo AB.

    Estimulada pelas palavras do professor, decidiu verificar no domingo a que tipopertenciam os seus pais. Bill saberia logo o que ela pretendia, mas a me provavelmenteficaria impressionada com o que a filha andava estudando. Dora venerava a medicina etudo o que se associava a ela.

    A seguir, o professor passou alguns slides que mostravam traos de hemofilia entreos descendentes da rainha Vitria.

    Escolham um companheiro com cuidado aconselhou.

    O amor transitrio, ao passo que a combinao de genes que transmitiro aseus filhos ficar com eles para sempre.

    Ele desligou o projetor, acendeu a luz e voltou-se para classe.

    Boa sorte nos exames de amanh, e no tentem me enganar com palavrasbonitas. Sou bastante esperto para perceber se vocs entendem mesmo do assunto.

    Houve uma espontnea exploso de aplausos quando o professor Meachan saiuda sala. Ento, um grupo de alunos, entre eles Kate, foi tomar uma cerveja no bar maisprximo para comemorar o trmino do curso.

    Ao chegar em casa, ela leu cuidadosamente um captulo sobre gentica e depois

    foi para a cama. Havia trocado o seu dia de folga na praia com o de um colega; assim,teria livre a manh do dia seguinte para estudar.

    Apresentou-se para o exame tranqilo e confiante, escreveu durante duas horas e

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