Jacob Lumier - Psicologia e Sociologia

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PSICOLOGIAE

SOCIOLOGIA

JACOB (J.) LUMIERWebsitio Produo Leituras do Sculo XX PLSV: Literatura Digital http://www.leiturasjlumierautor.pro.br

Psicologia e Sociologia: O Socilogo como Profissional das Cincias Humanas 2008 Jacob (J.) Lumier

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Indicaes para FICHA CATALOGRFICA Lumier, Jacob (J.) (1948 -...): PSICOLOGIA E SOCIOLOGIA: O Socilogo como Profissional das Cincias HumanasInternet, E-book Monogrfico, 158 pgs. Janeiro 2008, Com bibliografia e ndices remissivo e analtico eletrnico. ISBN... 1. Comunicao Social 2. Teoria Sociolgica - Metodologia I. Ttulo. II. Srie

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PSICOLOGIA E SOCIOLOGIA: O Socilogo como Profissional das Cincias HumanasEstudosPor

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Rio de Janeiro, Janeiro 2008.

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AGRADECIMENTO

Deixo aqui meu reconhecimento para com o programa de publicao Sala de Lectura CTS+I de la Organizacin de Estados Iberoamericanos para la Educacin, la Ciencia y la Cultura-OEI que tiene por objeto elaborar una Biblioteca Virtual sobre Ciencia, Tecnologa, Sociedad e Innovacin (CTS+I) onde tenho publicado On Line meus e-books/ensaios de sociologia.

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APRESENTAO

O estudioso que leva a srio suas leituras sobre mudana social e exerce a reflexo sobre a sociedade industrial intrigado por essa cultura que no se individualiza, j ter anotado que frequentemente as estruturas sociais so estudadas desde o ponto de vista do sistema, como sujeitas mudana somente nas posies relativas de grupos e classes, em conformidade aos padres do capitalismo. Isto quer dizer que o problema da possibilidade mesma da estrutura resta margem, sendo pouco estudados em sua especificidade os nveis que se diferenciam entre as superestruturas e a infra-estrutura, ou melhor, os nveis intermedirios entre as obras de civilizao e a base morfolgica da sociedade. Neste ensaio ultrapassamos o ponto de vista do sistema e elaboramos a partir no de um posicionamento, mas da colocao em perspectiva sociolgica do conhecimento 1. Sustentamos que improdutivo discutir problemas de estrutura social sem levar em conta a ntida conscincia coletiva da hierarquia especfica e referencial de uma unidade coletiva real, como o a hierarquia das relaes com os outros grupos e com a sociedade global ou, designada em modo mais amplo, a hierarquia das manifestaes de sociabilidade, a qual s se verifica nos agrupamentos estruturados. Em acordo com Georges Gurvitch, constatada no fato de que todos os agrupamentos so estruturveis, a possibilidade de uma estrutura se verifica em um s conjunto a partir da contraposio de grupo e estrutura, e no se confunde, pois no nem estruturao, nem estrutura adquirida. Em um grupo noestruturado as relaes com os outros grupos e com a sociedade global permanecem1

Ver a respeito desta orientao nosso e-book Leitura da Teoria de Comunicao Social desde o ponto de vista da Sociologia do Conhecimento, publicado na Biblioteca Virtual de Ciencia, Tecnologa, Sociedad e Innovacin, junto ao Programa Sala de Lectura CTS+I, da O.E.I.

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fluidas: somente quando comea a estruturao que essas relaes se tornam precisas, quer dizer, que se coloca toda uma srie de questes a propsito de como o grupo se integra na sociedade global e da medida da sua tenso com os outros grupos. Portanto, levando psicologia coletiva, alcana-se a compreenso de que h correlao funcional entre a estruturao e a tomada de conscincia coletiva da hierarquia especfica das formas de sociabilidade. Ou seja: com autonomia relativa em face dos contedos cognitivos produzidos na estruturao, surge para o socilogo o complexo problema do carter e dos critrios da conscincia coletiva. Durkheim, por exemplo, negar que a exterioridade da conscincia coletiva em relao conscincia individual possa ser interpretada como projeo da prpria conscincia coletiva no mundo exterior ou em imagens espacializadas tipo interao entre as conscincias ou repetio; negar igualmente que a fuso dessas conscincias coletiva e individual corresponda a uma sntese semelhante qumica, como ele prprio o dir. Enfim, os estudos reunidos na presente obra/e-Book visam mostrar como a psicologia coletiva se constitui em domnio da sociologia. ***

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SUMRIO O Socilogo e a sociologia da sociologia pg. 11 Estrutura Social e Conscincia Coletiva: Descobrindo a psicologia coletiva na sociologia pg. 59 Introduo Sociologia da Vida Psquica Primeira Parte: A anlise crtica das contribuies de mile Durkheim pg. 75 Introduo Sociologia da Vida Psquica Segunda Parte: Notas sobre o conceito de fenmenos psquicos totais pg. 109 Bibliografia em referncias pg. 137 Cronologia: Datas das Principais Obras e Evoluo Intelectual de Gurvitch pg. 143 Guia dos termos sociolgicos e Autores comentados pg. 149 ndice Analtico pg. 151 Sobre o Autor pg. 154 ***

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PSICOLOGIA E SOCIOLOGIA:O Socilogo como Profissional das Cincias Humanas Estudos por Jacob (J.) Lumier

O Socilogo e a Sociologia da Sociologia.

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Psicologia e Sociologia: O Socilogo como Profissional das Cincias Humanas por Jacob (J.) Lumier O Socilogo e a sociologia da sociologia.

Neste ensaio a teoria sociolgica elaborada com o recurso da dialtica 2 para a interveno do socilogo e demais profissionais das cincias humanas que em suas atividades sociais regulares se relacionam ao aspecto instituinte da vida social, como as condutas efervescentes que muitas vezes emergem nos dilogos, debates, reunies, assemblias, etc 3. A existncia dos conflitos reais entre os aparelhos organizados, as estruturas propriamente ditas e, enfim, a vida espontnea dos grupos desenvolveu a percepo sociolgica que relativiza os controles sociais. Vale dizer, no se pode preservar o conceito de instituio como prxis e coisa, como maneiras de ser e jeitos objetivados de se ver e a desconhecer a dialtica: os atos individuais ou coletivos no se deixam reduzir objetivao nos contedos ou obras de civilizao o direito, a moral e o conhecimento variam em funo dos quadros sociais. E mais do que as mudanas estruturadas so exatamente as variaes na realidade social que o socilogo busca e a sociologia explica. Na mirada pr atuao, nossa disciplina pe em relevo as suas linhas de interveno positiva para o reconhecimento do individual e para o enriquecimento da vida social dos grupos pela descoberta da realidade social. Neste sentido sobressai o aproveitamento da noo antidogmtica de mumificao do discursivo 4 que inclui a interiorizao das normas como obstculo capacidade instituinte tornando problemtico o termo instituio, deste ponto de vista considerado demasiado estreito. Alm disso, autores igualmente praticantes da mirada desdogmatizadora adotaram a recusa da aplicao sociolgica de instituio" como termo cristalizado que se limita a designar o institudo, a coisa estabelecida, as normas

2 Ver sobre a dialtica dos conjuntos em sociologia Nota 01 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final desta Introduo. 3 Ver sobre as condutas efervescentes Nota 02 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final desta Introduo. 4 Ver: Gurvitch, Georges (1894-1965): Dialectique et Sociologie, Flammarion, Paris 1962, 312 pp., Col. Science.

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j presentes, o estado de fato confundido ao estado de direito, tornando desse modo cada vez mais escondido o aspecto instituinte da vida social 5. claro que se trata de aprofundar nas fossilizaes sociais que j so constatadas nas anlises de Saint-Simon e a partir dele constituem atravs da noo gurvitcheana de mumificao do discursivo um conceito sociolgico abrangendo a psicologia coletiva na sociologia e tendo serventia para verificar justamente os obstculos percepo das transformaes no interior das estruturas. Como se sabe, na Phyisiologie Sociale h um trecho definindo as fossilizaes sociais como obstculos ao progresso social e bloqueios percepo da prpria mudana que a atitude afinada com as mudanas deve conhecer no tanto como o seu contrrio, mas como seu desafio. No dizer de Saint-Simon, trata-se daqueles entraves observados em um estado coletivo de melancolia e depauperao que conduz ao desaparecimento da vida social medida que (a) - inibe de resolver-se por um regime ativo, e (b) - corresponde a uma atitude de repugnncia mudana consentindo em grandes sacrifcios para preservar as coisas tais quais so e as fixar em maneira invarivel no ponto onde elas se encontram. Saint-simon se refere a tal estado como uma corrente de opinio estacionria, melhor, estagnada, de natureza puramente passiva, e nostlgica de uma forma de governo equiparvel quelas que duraram tantos sculos sem experimentar nenhum estremecimento geral, como houvera durado o Ancien Rgime. Segundo Saint-Simon tal estado de fossilizao sendo referido ao Ancien Rgime se mostra sempre pronto a reter e fixar o que sobrevindo para perpetuar o que existe, impelindo viglia de um esforo intil os que tm afinidade com as mudanas 6 . Desta forma, nas fossilizaes sociais somam-se as cristalizaes dos modelos e a dogmatizao das normas que os reforam. Da a importncia da desdogmatizao do saber para o socilogo em sua busca das variaes na realidade social. Nada obstante, v-se igualmente que a compreenso do progresso social como horizonte da sociologia inscreve-se na reflexo de SaintSimon caracterizando-a como pesquisa dos obstculos modernizao, de tal sorte que no somente seria vlido admitir uma atuao ou interveno do socilogo, mas o iniciante em nossa disciplina poderia sentir-se estimulado a sugestionar-se que a interveno do socilogo visa acelerar o progresso das mudanas.

Ver: Lourau, Ren: A Anlise institucional, traduo Mariano Ferreira, Petrpolis, editora Vozes, 1975, 296 pp. (1edio em Francs: Paris, ed. De Minuit, 1970). Ver: GABEL, Joseph: Sociologa de la Alienacin, trad. Noemi Labrune, Buenos Aires, Amorrortu editores, 1973, 225pp. (1edio em Francs, Paris, PUF, 1970). 6 Ver La Physiologie Sociale, pgs. 53/55. http://classiques.uqac.ca/classiques/saint_simon_Claude_henri/physiologie_sociale/physiologie_sociale.html5

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Essa inferncia seria justa se o obstculo assinalado nas fossilizaes sociais fosse predominantemente de ordem da morfologia social ao invs de revelar-se em meio trama do organizado e do espontneo. Menos destoante seria a sugesto de que o socilogo busca ultrapassar o conformismo, haja vista em Saint-Simon a repugnncia mudana como a atitude que melhor corresponde s fossilizaes sociais. Na verdade, indo ao fundo da modernizao, o que Saint-Simon investiga nas fossilizaes sociais e que posteriormente veio a ser designado por mumificao do discursivo so os obstculos permanncia da vida social em mudana permanente. Sendo socilogo, visou esclarecer nesse seu escrito publicado uma situao penetrada por certo estado coletivo estacionrio, estagnado, passivo, a colocar em risco o fluxo da sociabilidade e por isso apreendido como obstculo. Portanto, s legitimo falar de interveno do socilogo unicamente em considerao de sua atividade intelectual docente, como publicista, orientador ou aconselhador posto que, com sua mirada treinada para no sublimar os obstculos percepo da realidade social, o socilogo intervm para esclarecer e

Quer dizer, com autonomia em face da atitude ou da mentalidade que lhe possa corresponder em certo quadro social as fossilizaes sociais so detectadas na realidade social como obstculos por elas mesmas e assim so compreendidas pelo socilogo em cujas anlises, sem embargo, so relacionadas s atitudes que lhe correspondem e, se for o caso, inclusive simbolizao de certas condutas significativas para a modernizao, como o conformismo, por exemplo, que pode assumir configuraes muito variveis 7 . Nessa busca, tendo em conta que as mudanas sociais se verificam em profundidade no interior das estruturas, o socilogo pe em relevo contra a cultura de massa o empirismo pluralista efetivo que se descobre no estudo das manifestaes da sociabilidade, fazendo ver que, malgrado os adeptos do psicodrama, os elementos microssociais no tm absolutamente nada a ver com o individualismo, o atomismo e o formalismo sociais, mas criam inclusive referncias objetivas ao mundo dos valores.

desanuviar as situaes complexas em meio trama e tenso do plano organizado e do espontaneismo social, inclusive em escala microssocial e no mbito dos agrupamentos sociais particulares.

A anlise da decadncia do Estado e do Contrato na passagem para o sculo XX caracterizada por Georges Lukacs como fossilizao do liberalismoou, mais precisamente, fossilizao da ideologia liberal, em referncia direta a Saint-Simon, mas contrastando com a anlise deste ltimo para o sculo XIX, onde o quadro social que possibilita a percepo da modernizao a atitude liberal tomada como afinada s mudanas sociais. Ver: Le Roman Historique, traduo Robert Sailley, prefcio C-E. Magny, Paris, Payot, 1972, 407 pp. (1edio em Alemo: Berlim, Aufbau, 1956), captulos III e IV, pp.190-401.7

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Dessa forma, observado, por exemplo, em um sistema de condutas previamente reguladas compreendendo uma ou vrias organizaes complexas integradas em sociedades mais ou menos penetradas pelo mundo da comunicao social, o conformismo pode ser verificado em uma ambincia microssocial e aparecer como conduta regular afirmando a aceitao em face da recorrncia de um ato coletivo tornado institudo como obrigatrio. Quer dizer, a aceitao estacionria como diria SaintSimon neste caso integra um modelo cristalizado em que para impor como obrigatrio o ato coletivo inclui em conseqncia certa ordem ou disposio visando dirigir ou bloquear a manifestao efervescente de um Ns instituinte como forma de sociabilidade. Ora, muito alm do psicologismo e da mera acomodao s condutas dominantes preestabelecidas, para compreender essa configurao do conformismo resistindo ao apelo do componente de liberdade em um ato originalmente de escolha multifria deve-se pr em relevo exatamente no institudo a configurao particular da norma social que refora e garante a recorrncia de tal ato. Isto porque se constata logo de incio que a extenso da cultura de massa alcana somente o estado mental da norma social de reforo, imprimindo a motivao somente psicolgica para o conformismo na situao de imposio do patamar organizado sobre um ato em realidade instituinte mas tornado institudo como obrigatrio. Motivao esta resultante do receio de excluso suscitado pela presso da maior nmero, por efeito da qual, sendo compelido ao local ou ambiente do ato instituinte tornado obrigatrio e recorrente, os sujeitos individuais aceitam seu comparecimento no por uma razo nem por motivao de um simbolismo, mas em face de uma censura creditando de antemo que todo o mundo vai (comparecer). Portanto, a extenso da cultura de massa explica to s as manifestaes das correntes dos sujeitos individuais em direo ao comparecimento massivo nos locais, uma expectativa do sistema, mas no esclarece nem de longe a vigncia de tal ato instituinte tornado obrigatrio. Ora, acontece que, por definio a norma social de reforo ultrapassa o elemento psico-sociolgico de presso da massa sobre os indivduos (receio de excluso). O estatuto normativo significa a afirmao de valores coletivos no reconhecidos por ultrapass-lo no elemento constringente do grande nmero, ainda que a presso seja potencializada pela Mdia. Quer dizer preciso que a norma social de reforo configure os valores previamente aceites cuja afirmao se observa justamente na vigncia e na eficcia do regime de um ato instituinte tornado obrigatrio em sua no transformao para ato voluntrio ou facultativo como seria de esperar no mbito instituinte. H, pois, uma moralidade social particular no conformismo como conduta regular afirmando a aceitao em face de um ato em reali-

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dade instituinte mas tornado institudo como obrigatrio, moralidade social esta cuja configurao em atitude deve ser explicitada 8. Ao contrrio dos diversos psicologismos muito projetados nas chamadas dinmicas de grupo, sabe-se que Georges Gurvitch fundou a microssociologia partindo da crtica imanente a Durkheim em modo realista mediante a anlise das duas espcies da sociabilidade por fuso parcial nos Ns e por oposio parcial em um Ns e desenvolveu a dialtica como ligada experincia pluralista e variabilidade por exigncia da constatao de que nos Ns as relaes com outrem E isto assim porque a diversidade irredutvel dos Ns faz com que tais manifestaes da sociabilidade por relaes com outrem no admita sntese que ultrapasse a combinao varivel dessas relaes microscpicas. Quer dizer, mesmo no estado muito valorado pelos estudiosos da histria social quando as relaes com outrem so distribudas hierarquicamente e servem de ponto de referncia a uma estrutura social (relaes com os grupos, relaes com o Estado, relaes com a classe burguesa, etc.) a sntese no ultrapassa o estado de combinao varivel. pela microssociologia que se pe em relevo a variabilidade no interior de cada grupo, de cada classe, de cada sociedade global. O socilogo encontra nos ambientes sociais as Gestalten coletivas onde se tecem os arranjos que levam as unidades coletivas reais (grupos e classes), os Ns no interior destas e as sociedades inteiras a reagirem de maneira comum, a conduzirem-se de certo modo e assumir papis sociais particulares. Observa ele nesses ambientes sociais os conjuntos cujas configuraes implicam um quadro social referenciando os smbolos que se manifestam no seu seio e as escalas particulares de valores que por sua vez a so aceites ou rejeitadas isto : as chamadas dinmicas coletivas de avaliao favorecendo a tomada de conscincia dos temas coletivos reais. Em sua expresso dialtica, estas ambincias criadoras manifestam-se nas trs escalas dos quadros sociais: a dos Ns (escala microssociolgica), a dos grupos e classes (escalas parciais), a das sociedades globais e suas estruturas. Em razo disso, so descritas como ambientes imponderveis que num aparente paradoxo (s aparente) podem ser detectados experimentalmente nos coefici-

no podem ser identificadas nem s fases histricas da sociedade global, nem aos agrupamentos particulares 9.

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Ver Lumier, Jacob (J.): A Fico nas Eleies in Comunicao social e sociologia do conhecimento: artigos (79 pgs.). Internet, Portal MEC.br / E-book / pdf, 2007, Link: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=34320 9 Ver: Gurvitch, Georges: A Vocao Actual da Sociologia - vol. I: na senda da sociologia diferencial, traduo da 4 edio francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1979, 587pp. (1edio em Francs: Paris, PUF, 1950), pg.286.

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entes de discordncia entre as opinies exprimidas nas sondagens ditas de opinio pblica e as atitudes reais dos grupos. Note-se em favor desta constatao experimental, provocada pelas prprias sondagens de opinio, que no realismo sociolgico e incluindo as opinies coletivas, as representaes, as conceituaes, o nvel mental estudado como sendo apenas um aspecto do conjunto, tanto mais incerto quanto os indivduos mudam de atitude em funo dos grupos ou os personagens que os papis sociais encarnam mudam segundo os crculos a que pertencem. Desta forma, para o socilogo a microssociologia ultrapassa a mera tcnica psicologista de estimao dos ajuizamentos de valor portados por cada membro de um grupo sobre cada um dos outros. Alis, note-se que, desde 1937 10, portanto

antes de J.L.Moreno e seus colaboradores comearem a associar sua sociometria microssociologia, insistiu Gurvitch no fato de que "todas as interaes, inter-relaes, relaes com outrem (interpessoais e intergrupais) ou interdependncias, pressupunham e eram sempre fundadas sobre interpenetraes, integraes, participaes diretas, fuses parciais nos Ns (atuais ou virtuais), sempre concebidos como totalidades. Do ponto de vista desta abordagem sociolgicodialtica, J.L.Moreno e seus colaboradores famosos pela extraordinria aceitao e penetrao do psicodrama e do sciodrama constituem o esforo de autores que, embora tenham ultrapassado os erros de Hobbes h muito superados, permaneceram parcialmente em desvantagem devido a um psicologismo individualista que os levou a reduzir a realidade social a relaes de preferncia e de repugnncia interpessoais e intergrupais. As manifestaes da sociabilidade incluindo as relaes com outrem so definidas pela dialtica sociolgica como as mltiplas maneiras de ser ligado pelo todo no todo, este ltimo termo compreendendo inclusive o complexo de significaes observadas em todo o campo cultural existente. O erro de Hobbes no foi o de ter procurado os elementos microscpicos e irredutveis de que composta qualquer unidade coletiva, mas foi, sim, o de encontr-los fora da realidade social, nos indivduos isolados e idnticos. Desse modo, se estabeleceu a referncia do atomismo social como o conjunto das concepes individualistas e contractualistas que reduzem a realidade social a uma poeira de indivduos idnticos.Aps haver publicado sua bem reconhecida tese LExperience Juridique et la Philosophie Pluraliste du Droit, Paris, A.Pdone e haver sucedido a M. Halbwacs na Universidade de Strasbourg em 1935, Gurvitch publica vrios estudos estabelecendo a microssociologia, seguintes: 1936 Analyse Critique de quelques Classifications des formes de sociabilit, in Archives Juridiques ; 1937 Essai dune Classification Pluraliste des Formes de Sociabilit, in Annales Sociologiques, serie A, fascculo III ; Morale Thorique et Science des Moeurs : leurs possibilits, leurs conditions, Paris, Felix Alcan ; - 3edio remanejada em 1961 : PUF ; 1938 Essais de Sociologie : les formes de sociabilit, le probleme de la conscience coletive, la morale de Durkheim, Paris, Sirey. As verses definitivas desses ensaios reelaborados sero posteriormente inseridas nos dois volumes de La Vocation Actuelle de la Sociologie .10

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Segundo Gurvitch, a psicologia social de Moreno situa-se ao mesmo nvel dos representantes do formalismo social, que promoveram a reduo de qualquer sociabilidade simples interdependncia e interao recproca, cujos nomes mais conhecidos so: Gabriel Tarde, notado por seus debates com Durkheim, Georges Simmel, e Leopold von Wiese. Na limitada orientao desses autores se preconiza que no nvel psicolgico da realidade social qualquer interesse est concentrado sobre a psicologia interpessoal em detrimento da psicologia coletiva propriamente dita e, por sua vez, J.L.Moreno seguindo a mesma orientao despreza as funes intelectuais e voluntrias, se limita ao aspecto exclusivamente emotivo e, neste, ao aspecto da preferncia e da repugnncia, deixando de lado o aspecto mais significante que a aspirao. Por contra, reconhecendo a imanncia recproca do individual e do coletivo, para o socilogo no h psicologia interpessoal fora da psicologia coletiva e esta encontra seu domnio dentro da sociologia. Da a importncia do conceito dialtico de grupo como atitude coletiva em sociologia envolvendo as mencionadas trs escalas dos quadros sociais a escala dos Ns (escala microssociolgica), a dos grupos e classes (escalas parciais), a das sociedades globais e suas estruturas. Com efeito, para o socilogo s possvel falar de grupo quando em um quadro social parcial aparecem as seguintes caractersticas: 1) predominam as foras centrpetas sobre as centrifugas; 2) - os Ns convergentes predominam sobre os Ns divergentes e sobre as diferentes relaes com outrem. Quer dizer, dessa maneira e nessas condies que o quadro do microcosmo das manifestaes de sociabilidade que constitui um grupo social particular pode afirmar-se no seu esforo de unificao como irredutvel pluralidade das ditas manifestaes. Da a percepo desenvolvida na sociologia e assinalada por Gurvitch de que em todo o microcosmo social h virtualmente um grupo social particular que a mediao da atitude coletiva faz sobressair. O grupo uma unidade coletiva real, mas parcial, que observada diretamente, como j foi dito. Essa unidade fundada exatamente em atitudes coletivas contnuas e ativas; alm disso, todo o agrupamento social parti-

Nota-se, ento, no conjunto dos agrupamentos particulares, uma dialtica entre a independncia e a dependncia a respeito do modo de operar da sociedade global. Dessa forma observa-se que os

cular tem uma obra comum a realizar, encontra-se engajado na produo das idias como o direito, a moral, o conhecimento, etc., de tal sorte que sua objetivao se afirma, reiteradamente, como unidade de atitudes, de obras e de condutas, advindo dessa caracterstica objetivao que o grupo se constitua como quadro social estruturvel, com tendncia para uma coeso relativa das manifestaes da sociabilidade.

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grupamentos mudam de carter em funo dos tipos de sociedades globais em que se integram conforme hierarquias especficas, notadamente conforme a escala dos agrupamentos funcionais. Nota-se tambm, do ponto de vista da dialtica diferencial independncia/dependncia, que em tipos de sociedades globais favorecendo a estruturao dos agrupamentos particulares, como na sociedade feudal, o modo de operar desses grupos pode parecer comandar o modo do conjunto. O inverso verdadeiro: na teocracia oriental, na Cidade-Estado, na sociedade do incio do capitalismo, no comunismo, nota-se que o modo de operar das estruturas globais tem eficcia que parece predominar ostensivamente sobre o dos agrupamentos particulares. Enfim, nas lutas das classes a competio e a combinao entre o modo de operar unificando os grupos e o que rege as sociedades globais podem tomar formas muito diversas. Seja como for, essa dialtica sociolgica de competio e combinao, orientada ora para a independncia, ora para a dependncia a respeito do modo de operar da sociedade global que justifica em sociologia o estudo separado dos modos de operar regendo os agrupamentos sociais particulares. Da mesma maneira, essa dialtica de competio e combinao que justifica a percepo do papel essencial que por via de objetivao os grupos desempenham na unificao pela sociedade global. Portanto existe um deslocamento, uma competio, uma ruptura, uma tenso entre o determinismo sociolgico das classes sociais e o das sociedades em que elas se encontram integradas. Segundo Gurvitch, um erro fatal transformar o determinismo das classes em um princpio universal, em mdulo permitindo atingir a compreenso de todo o determinismo sociolgico global. Sem levar em considerao essa ruptura, no se chega ao essencial, no se percebe que se est ante uma descontinuidade relativa limitada por uma continuidade relativa, cujos graus s podem ser estudados de maneira emprica. Da o campo da dialtica entre independncia e dependncia, sendo essencial o papel dos agrupamentos particulares porque impedem que a unificao pelo modo de operar da sociedade global, cuja integrao dos fatos a mais eficaz, seja efetuada sem a interveno da liberdade humana, sem a interveno da liberdade de escolha, da liberdade de deciso, da liberdade de criao. Ou seja, o papel dos agrupamentos particulares no deixar escapar nem a descontinuidade, nem a continuidade entre os dois determinismos, entre o determinismo das classes sociais e o das sociedades globais. Dessa maneira, a anlise sociolgica diferencial emprica do grupal, isto , a anlise da escala do parcial na realidade social, tal como estudada na sociologia e desenvolvida por Gurvitch leva a distinguir seis espcies de agrupamentos funcionais, seguinte: (1) - os agrupamentos de parentesco: cl, famlia domstica, famlia conjugal, lar, etc.;

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(2) - os agrupamentos de afinidade fraternal, que so fundados sobre uma afinidade de situao, compreendida a a situao econmica, mas que tambm podem ser fundados sobre uma afinidade de crena, de gosto ou de interesse: por exemplo: os agrupamentos de idade e de sexo, os diferentes pblicos, os agrupamentos de pessoas tendo os mesmos rendimentos ou fortunas; (3) - os agrupamentos de localidade: comunas ou comarcas, municipalidades, departamentos, distritos, regies, Estados; (4) - os agrupamentos de atividade econmica, compreendendo todos os agrupamentos cujas principais funes consistem em participao na produo, nas trocas, na distribuio ou na organizao do consumo; (5) - os agrupamentos de atividade no-lucrativa, como os partidos polticos, as sociedades eruditas ou filantrpicas, clubes esportivos,etc.; (6) - os agrupamentos mstico-extticos, como as igrejas, congregaes, ordens religiosas, seitas, confrarias arcaicas, etc.Na dialtica de competio e combinao orientada ora para a independncia, ora para a dependncia os grupos sociais tm um papel essencial ao garantir a interveno da liberdade humana na unificao pelo modo de operar da sociedade global.

Como se pode ver, na sociologia diferencial a escala dos agrupamentos funcionais cujas espcies acabamos de enumerar em acordo com a classificao de Gurvitch posta em relevo como sendo privilegiada e formando os pilares das sociedades. Constituem no s o pilar das sociedades globais de todo o tipo, mas tambm o de toda a estrutura social do conjunto. Todavia, do fato de que os agrupamentos mudam de carter em funo dos tipos de sociedades globais em que se integram como j o dissemos que se pode falar de tipos de agrupamentos e de que estes tipos so mais concretos que os tipos microssociolgicos, isto , so mais concretos do que a Massa, a Comunidade, a Comunho, mais concretos do que as relaes de aproximao, as relaes de afastamento, as relaes mistas. Quer dizer, os tipos de agrupamentos so mais submetidos s condies histricas e geogrficas; so mais dependentes dos tipos de estruturas globais em foco na estrutura social do conjunto, em que ora formam blocos macios, ora se dispersam sofrendo de maneira manifesta os efeitos do modo de operar da sociedade global. Reciprocamente, o modo de operar da sociedade global , por seu lado, fortemente impregnado (a) - pelo modo de operar dos agrupamentos parciais, em especial daqueles que exercem papel destacado na hierarquia dos agrupamentos funcionais, sobre a qual, ademais, se apia a estrutura do conjunto em questo, assim como, (b) - pelo modo de operar das classes sociais, as quais desde que aparecem nas sociedades industrializadas subvertem a hierarquia bsica da estrutura do conjunto e a combatem.

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Sob este aspecto das relaes entre a escala do parcial e a escala do global, incluindo a dialtica entre a independncia e a dependncia em face do global de que nos fala Gurvitch nota-se que a hierarquia dos agrupamentos no interior de uma classe social s raramente se reduz escala dos estratos de afinidade econmica, resultantes estes que so da disparidade de riqueza ou de salrio, da disparidade de preparao profissional, de necessidades, de carncias ou da disparidade de satisfao destas. Outros gneros de hierarquias de grupos surgem com base em critrios como o prestgio, o poder, a boa reputao de certos agrupamentos no interior da classe, critrios estes que, em geral, so completamente independentes da estratificao econmica. Por sua vez, no interior de uma classe social, a escala dos agrupamentos independentes dos estratos econmicos implica uma avaliao que s pode derivar da tbua de valores prpria a esta classe 11. Desse modo, em seu esforo de unificao dos agrupamentos parciais, que ela empreende em competio com a unificao pelo tipo de sociedade global, a classe social se afirma como totalidade dinmica especfica que, todavia, apresenta carter diferente para cada classe, para cada estrutura e s vezes para cada conjuntura global. Quer dizer, a unificao dos modos de operar dos agrupamentos sociais particulares em um modo de operar de classe, toma formas diferentes, dado a variedade das classes sociais, seus tempos diferentes e suas obras diferentes. Ademais, o esforo de unificao dos modos de operar divergentes no interior de uma classe social pe em relevo o papel destacado que a conscincia de classe, a ideologia e as obras de civilizao desempenham habitualmente na dinmica das classes sociais, que no s uma dinmica de avaliao relativamente hierarquia dos agrupamentos independentes da estratificao econmica, mas inclui o critrio que Gurvitch chama suprafuncionalidade da classe, pois a classe social interpreta a totalidade das funes sociais como combinada ao esforo concentrado que realiza para ascender ou para ingressar no poder. Na sociologia, a anlise da totalidade dinmica especfica da classe social faz notar o fato de que as classes sociais servem normalmente de planos de referncia ao conhecimento, moral, ao direito, arte, linguagem, favorecendo a verificao do funcionamento dos modos de operar parciais dessas prprias classes sociais. Enfim, como j foi notado, o modo de operar das classes sociais afirma antes de tudo a acentuao dos papis sociais, de preferncia no11

francesa de 1963. (1edio em Francs: Paris, PUF, 1955). Pgs. 209 sq.

Gurvitch, Georges: Determinismos Sociais e Liberdade Humana: em direo ao estudo sociolgico dos caminhos da liberdade, trad. Heribaldo Dias, Rio de Janeiro, Forense, 1968, 361pp., traduzido da 2edio

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domnio econmico e poltico; em seguida, afirma a eficcia da conscincia coletiva muito intensa e penetrante, conseguindo predominar sobre o esprito de corpo dos agrupamentos, chegando a guiar suas atitudes. Vem depois a afirmao da eficcia dos smbolos, idias e valores e, mais amplamente, das obras de civilizao e ideologias que as justificam, elementos estes que colaboram para solidificar a estruturao das classes sociais. preciso ter em vista quando se estuda a sociologia que se trata de pr em relevo os meandros da liberdade humana intervindo na realidade social, de tal sorte que a variabilidade pesquisada exatamente porque constitui o critrio da liberdade nos determinismos sociais 12. Desse modo, no de estranhar que o socilogo acentue como irredutveis as tenses verificadas entre os grupos subalternos no interior de uma classe, tanto mais percebida quanto do ponto de vista diferencial a classe revelase simultaneamente um macrocosmos de agrupamentos e um microcosmos de manifestaes da sociabilidade. Da mesma maneira, so irredutveis: (a)- as variaes na tomada de conscincia de classe; (b)- as variaes no papel desempenhado pelas classes na produo, distribuio e consumo; (c)- as variaes das obras de civilizao que realizam ou da ideologia que representam. Ou seja, no se pode deixar de perceber um elemento de liberdade humana ao menos sob o aspecto coletivo da liberdade penetrando na realidade social pela luta das classes sociais, pela tomada de conscincia de classe, pelos conflitos entre classes e sociedades globais, pelas tenses entre foras produtivas e relaes de produo 13. Quanto aos diferentes agrupamentos em tenses e lutas no seio das classes sociais, notam-se as famlias, os grupos de idade, os agrupamentos de afinidade econmica ou estratos, as profisses, os pblicos, os grupos de produtores e de consumidores, os agrupamentos locais, as associaes amicais, fraternais, religiosas, polticas, educativas, esportivas e assim por diante, isto, sem falar na limitao recproca entre Estado, igrejas diversas, sindicatos profissionais, partidos polticos, que favorece a liberdade individual. Enfim, a percepo da multiplicidade dos agrupamentos no seio de uma classe varia em funo da prpria luta das classes: maior a luta, menor a percepo. Por sua vez, o Estado e os partidos polticos so nos tipos sociolgicos das sociedades modernas dois gneros de agrupamentos particulares que se apresentam geralmente como instrumentos das lutas das classes. Nota-se ainda que a reduo dos agrupamentos a estratos ou camadas caracterizadas pela disparidade de fortuna ou de salrio , como j dissemos, um erro que ameaa a unidade da classe12 13

Ibid, ibidem. Sobre o advento do carter humano da liberdade ver Nota 03 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final desta Introduo.

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como totalidade irredutvel aos agrupamentos que nela se integram. As classes sociais tm sempre tendncia a alterar a hierarquia oficial da sociedade em que elas so includas; elas no concedem importncia s tradies e s regras, a no ser quando so afastadas do poder ou lhes difcil mant-lo. Alm disso, a eficcia da conscincia de classe, da ideologia e da organizao concretiza-se de maneira diferente para cada classe e varia em funo das estruturas, e, s vezes, das conjunturas, notando-se que a conscincia de classe, a ideologia e a organizao so (a)- normalmente muito mais pronunciadas no proletariado do que nos camponeses, ou nas classes mdias e, mesmo, do que na burguesia; (b)- tampouco so de intensidade igual segundo as naes, os tipos de capitalismo, os regimes polticos, as flutuaes nos rumos da crise ou da prosperidade, e assim por diante. ***

A anlise sociolgica enfatiza o equvoco das pretenses da cincia em ser desvinculada dos quadros sociais.

Uma vez que a interveno do socilogo busca a descoberta da realidade social e o reconhecimento do individuo como inserido na sociedade, portanto repelindo qualquer atomismo psicologista e qualquer reduo do microssocial a uma poeira de indivduos atomizados, a disciplina cientfica passa a adquirir para esse mesmo socilogo um alcance indispensvel definio dos seus critrios. Aspecto este tanto mais relevante quanto sabido que toda a cincia uma atividade prtica e por isso comporta um coeficiente humano, cabendo justamente sociologia a misso de encarnar essa ligao. Da a alta relevncia de se aprofundar no realismo sociolgico como ponto de partida para o estudo dos quadros conceituais da prpria sociologia. Ademais, a postura do socilogo nada tem a ver com as iluses introspectivas com que os epistemlogos projetam para a sociologia o problema epistemolgico em psicologia. Alis, os que ainda no romperam definitivamente com os resduos da introspeco em epistemologia e em cincias humanas 14 deveriam ter em conta que os estados mentais intelectuais como as representaes e aA conscincia fechada tem lugar na literatura. T.W. Adorno equipara a cada da conscincia uma vez desprovida de auto-afirmao cada do sujeito como engenho, lembrando a imagem de mnada leibntziana fechada, sem janelas, mas tomando-a como o foco irradiador da narrativa de Kafka ou, no dizer mesmo de Adorno: a mnada sem janelas prova ser lanterna mgica, me de todas as imagens, como em Proust e em Joyce. Cf. Adorno,T.W.: Prismas, traduo Manuel Sacristn, Barcelona, Arial, 1962, pg. 268,269. Ver Lumier, Jacob (J.): Sociologie de La Littrature - I : Lecture de Proust - Une Approche Inspire par Samuel Beckett (Ensaio, 134 pgs) http://www.lulu.com/content/1028643 , pg. 100.14

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memria, assim como as opinies coletivas (sempre vacilantes e incertas, a iludirem as chamadas pesquisas de opinio) j so manifestaes da conscincia apenas aberta antecipando os atos mentais que so as manifestaes mais intensas da conscincia aberta 15. Portanto, preferencialmente atravs dos atos mentais que o conhecimento aceita a maior influncia dos quadros sociais variando com mais segurana em funo dos mesmos. Quer dizer, os atos mentais se apreendem na implicao mtua entre as experincias de participar no real e os juzos assim tornados cognitivos, de que as atitudes so os focos privilegiados. Alheio a qualquer introspeco, o socilogo no tira de si as medidas, mas descreve e aplica os diversos procedimentos relativistas e dialticos de intermediao que ele encontra na prpria realidade social descoberta, para fazer ressaltar o acordo ou desacordo do conhecimento em correlaes funcionais com os quadros sociais. E essa atitude de descrever correlaes exclui qualquer invencionismo e no induz a deformao alguma. Antes de se limitar ao indivduo e em particular ao socilogo, a liberdade humana como escolha, deciso ou criao se afirma tambm nas manifestaes coletivas as quais, elas mesmas, estruturam a realidade social descoberta pelo socilogo quem, sem dvida, guarda o segredo desse conhecimento. Certamente o socilogo encontra-se inserido na sociedade e seus conceitos sofrem os efeitos dessa insero que ele mesmo examina na sociologia do conhecimento atravs de certos procedimentos dialticos de desdogmatizao 16 e isso positivo. Vale dizer, ao cumprir sua misso e estudar as variaes do saber, o socilogo no coloca nunca o problema da validade e o valor propriamente dito dos signos, smbolos, conceitos, idias, juzos, mas apenas constata o efeito de sua presena, de sua combinao e de seu funcionamento efetivo colocando o saber em perspectiva sociolgica e reconhecendo que a perspectivao sociolgica do conhecimento j um fato social bem acentuado no sculo XX 17. Portanto o socilogo reconhece que os quadros conceituais operativos da sociologia do conhecimento so passveis de identificao aos quadros sociais, mas questiona certos autores que parecem avaliar isso negativamente e insistem em desconsiderar que essa identificao em perspectiva procede de uma dimenso mesma15

Ver Gurvitch, Georges: Los Marcos Sociales del Conocimiento, trad. Mrio Giacchino, Caracas, Monte vila, 1969, 289 pp (1edio em Francs: Paris, PUF, 1966).

16 J vimos que pela aplicao criteriosa dos procedimentos do hiperempirismo dialtico que o socilogo purifica seus quadros conceituais operativos e desdogmatiza os modelos de anlise. Ver Gurvitch, Georges (1894-1965): Dialectique et Sociologie, Flammarion, Paris 1962, 312 pp., Col. Science. Op. Cit 17 Como se ver mais adiante inegvel que o desenvolvimento do conhecimento cientfico sofre em sua metodologia a influncia das organizaes sociais para a pesquisa tanto quanto o conhecimento tcnico traz a marca das fbricas no seu desenvolvimento.

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do conhecimento e no de alguma pretensa estruturao ativa por parte do socilogo. Alis, da dessa identificao social em perspectiva que se fala de coeficiente existencial do conhecimento 18 j que a colocao do conhecimento em perspectiva sociolgica antes de representar uma dificuldade, favorece as cincias como atividade prtica e privilegia a sociologia do conhecimento como pesquisa indispensvel das variaes do saber. A questo da atitude do socilogo um problema de experincia dialtica implicando a orientao da teoria sociolgica para construir suas noes operativas com base nos procedimentos de intermediao, nada tendo a ver com os esquemas tradicionais que opem de maneira abstrata um sujeito pesquisador a um objeto pesquisado. Toda a cincia investiga no aquilo que j se sabe, mas o objeto encoberto, assim como a sociologia investiga a realidade social encoberta na crosta dogmtica e fossilizada, e a construo dos objetos precisos da experincia e do conhecimento precedida pela descrio mediante os procedimentos hiperempricos, cujo segredo ser uma descrio orientada para a demolio de todos os conceitos adquiridos, em vista de impedir a mumificao dos mesmos, e compreende as complementaridades, as compensaes, as ambigidades, as ambivalncias, as reciprocidades de perspectivas e as polarizaes, como procedimentos hiperempricos ou procedimentos dialticos de intermediao. Se o conhecimento no separado da mitologia, podemos notar finalmente, que, no estudo do coeficiente existencial do conhecimento incluindo os coeficientes humanos (aspectos pragmticos, polticos e ideolgicos) e os coeficientes sociais (variaes nas relaes entre quadros sociais e conhecimento) - deve-se ter em conta no somente o reconhecimento da autonomia do significado, mas deve-se acentuar igualmente a equivalncia dos momentos antitticos (anulao da oposio espiritualismo-materialismo), e mais: deve-se levar em conta que a realidade que a sociologia estuda, como j o dissemos, a condio humana considerada debaixo de uma luz particular e tornando-se objeto de um mtodo especfico. A anlise sociolgica enfatiza o equvoco das pretenses da cincia em ser desvinculada dos quadros sociais. Segundo Georges Gurvitch, o conhecimento cientfico parte de quadros operativos essencialmente construdos, justificados pelos resultados conseguidos, que chamam a uma verificao experimental. A cincia busca a unio do conceitual e do emprico e, se cultiva a pretenso de ser desvinculada, ser, talvez, porque uma classe de conhecimento que tende18 O coeficiente existencial do conhecimento inclui os coeficientes humanos (aspectos pragmticos, polticos e ideolgicos) e os coeficientes sociais (variaes nas relaes entre quadros sociais e conhecimento). Ver Gurvitch, Georges: Los Marcos Sociales del Conocimiento, trad. Mrio Giacchino, Caracas, Monte vila, 1969, 289 pp (1edio em Francs: Paris, PUF, 1966). Op. Cit.

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ao desinteresse, ao nem rir nem chorar de Spinoza, ao aberto, acumulao, organizao e ao equilbrio. Gurvitch observa que o conhecimento cientfico ocupou um lugar predominante no sistema do conhecimento somente nas estruturas capitalistas, particularmente as do capitalismo competitivo, e que nas sociedades industriais que o mesmo entrou em competio com o conhecimento filosfico e o ultrapassou. Em todo o conhecimento cientfico intervm os coeficientes sociais do conhecimento precipitando as variaes do saber em funo dos quadros sociais, variaes tanto mais fortes quanto maior seja o desenvolvimento do prprio conhecimento cientfico. Na apreciao desta situao, se observa, inicialmente, que a interveno dos coeficientes sociais do conhecimento nas cincias exatas e nas cincias da natureza pode ser analisada sob quatro linhas, seguinte: primeiro: o coeficiente social do conhecimento intervm atravs da experincia e da experimentao, que so sempre essencialmente humanas e no apenas lgicas, e sofrem a influncia do humano; segundo: o coeficiente social do conhecimento intervm tambm atravs da conceituao a qual, geralmente, est avanada em face da experimentao. Quer dizer, toda a hiptese nova traz a marca da estrutura da sociedade em que se elaborou, como, alis, j nos esclareceu Wright Mills 19. Nada obstante, Gurvitch acrescenta como exemplos significativos a este respeito (a) a correspondncia ideolgica entre o darwinismo e a concorrncia, tomada esta ltima como princpio em ao na sociedade da poca; (b) - em maneira menos evidente que a anterior e em estado inconsciente, observa-se a correspondncia entre as incertezas na microfsica e os limites capacidade de controle que a mesma faz aparecer e que provm da energia atmica, como fator de exploso das estruturas sociais globais. Terceiro: o coeficiente social do conhecimento intervm atravs da importncia das organizaes privadas e pblicas no planejamento da pesquisa cientfica, importncia esta que muito notada, j que, na poca da energia atmica e da eletrnica, a pesquisa exige laboratrios ou organismos de investigao e experimentao de muito vasta envergadura, com extenso internacional; quarto: os coeficientes sociais do conhecimento intervm atravs da vinculao que se estabelece entre as cincias e a realidade social. Ou seja, independentemente do fato de que a realidade social tanto pode dominar as cincias por efeito das foras de produo nas quais as cincias se integram como pode ser dominada por elas, os conhecimentos cientfi19 Wright Mills, C.: Consecuencias Metodolgicas de la Sociologa del Conocimiento, in Horowitz, I.L. (organizador): Historia y Elementos de la Sociologa del Conocimiento tomo I, artigo extrado de Wright Mills, C.: Power, Politcs and People, New York, Oxford University Press, 1963 ; traduo Noemi Rosenblat, Buenos Aires, EUDEBA, 3edio, 1974, pp.143 a 156.

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cos exigem os meios adequados para a difuso dos seus resultados, estando entre estes meios de difuso o ensino, a vulgarizao, as edies de bolso, o rdio, a televiso, os meios informticos, enfim a multimdia. Menos comprometidas e menos ideolgicas que as outras cincias do homem, voltadas estas ltimas que so para sistematizar em vista de metas prticas, mas incapazes de liberar-se de certos coeficientes ideolgicos, a histria e a sociologia sofrem a pegada dos coeficientes sociais do conhecimento que nelas intervm a duplo ttulo: (a) - em vinculao com a organizao crescente da pesquisa e com a constituio cada vez mais relativista do aparato conceitual operativo; (b) - em vinculao com o tema mesmo a estudar - os temas coletivos reais-, pois as sociedades, as classes, os grupos, os Ns, esto em movimento dialtico e penetrados de significados humanos. Desta forma, a sociologia do conhecimento como disciplina capaz de pr em evidncia os coeficientes sociais e desse modo diminuir a sua importncia, torna-se duplamente solicitada neste campo onde os temas a estudar so temas coletivos reais, alcanando a sociologia da sociologia. *** Isso posto, no que concerne objeo de Giddens sociologia do conhecimento, muito influenciado por Popper em relao a rejeitar o suposto carter exclusivamente causal dessa disciplina, no deixa de ser curioso seu posicionamento, j que reconhece a necessidade de investigao das variaes do saber que como se sabe constitui justamente o campo de aplicao prprio da sociologia do conhecimento - o contedo do saber varia em funo dos quadros sociais: tal o fato elementar. Alm disso, torna-se difcil descobrir na proposio desse autor como e por qual razo julga ele que, antes de comprometer-se em fazer ressaltar ao mximo as variaes do saber levando s sries de hierarquias alternativas, a sociologia deve ser tomada como sendo capaz de resolver os problemas dessas variaes Giddens fala em variao de significados 20. Tanto mais que esse autor entende acertadamente a sociologia contra os preconceitos filosficos, porm parece no se dar conta que essa vocao histrica da nossa disciplina para combater a perda de contato com a realidade incompatvel com a pretenso descabida de repelir o relativismo estritamente sociolgico o qual operativo e nada tem a ver com o relativismo histrico que torna indiferenciadas e idnticas as mais diversas atitudes e se orienta para a dissoluo ctica de todo princpio, para o niilismo.20 Giddens, Anthony: As Novas Regras do Mtodo Sociolgico: uma crtica positiva das sociologias compreensivas, trad. Ma. Jos Lindoso, reviso Eurico Figueiredo, Rio de Janeiro, Zahar, 1978, 181pp. (1edio em Ingls, Londres, 1976). Pgs. 15, 17.

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Quer dizer, se tem alguma coisa que a teoria sociolgica probe, se h uma situao onde a teoria sociolgica deixa de ser cientfica para se tornar mito a identificao aos juzos prvios dados a-priori, concebendo-se a mente como pura lgica. Orientao errtica esta que no deixa margem para apreciar-se a correlao entre o conhecimento e os quadros sociais, a qual, como se sabe, no discutida por Max Weber, e isso em razo do seu neokantismo que ensina a igualdade formal de todos os fenmenos sociais, a equivalncia interna de todas as correntes da realidade histrica. E se a teoria sociolgica atual probe os preconceitos filosficos inconscientes (no-discutidos por quem os adota) no o faz apenas como prope Giddens em modo acessrio, porque seja tarefa das cincias questionar o senso comum para ver se os membros leigos da sociedade realmente sabem o que dizem saber, mas, sim, por uma razo metodolgica intrnseca ao realismo empirista dialtico da sociologia, isto : de que (1) a busca de soluo para os problemas, o elemento pragmatista de qualquer cincia do homem, implicando a sntese da contemplao e da ao (Comte), a unio da teoria e da prtica (Saint Simon e Marx) ou o retorno das idias ao (Proudhon) suscita na sociologia o esforo de pr em relevo tanto quanto possvel o que Gurvitch chama os coeficientes humanos da prxis social graas tomada de conscincia sociolgica, coeficiente conversvel em grficos e fatores numricos desses componentes pragmticos e polticos; (2) para chegar a limitar fortemente esses coeficientes humanos, a sociologia faz recurso dialtica justamente como um processus de demolio no s dos conceitos mumificados, mas do prprio domnio conceitual. A sociologia utiliza a dialtica como um processus de relativizao at as suas ltimas conseqncias tornando relativa a oposio entre o domnio terico e a realidade prtica, como a prpria dialtica torna relativas qualquer estrutura e qualquer conjuntura sociais, e isto justamente por ser a sociologia voltada para estudar e provar no dizer de Gurvitch as totalidades humanas em movimento, verdadeiro motor da relativizao das estruturas. Alis, o ponto de divergncia com a teoria marxista, para a qual a ideologia constitui o tecido da sociedade, que na sociologia o fenmeno do todo social no se expressa seno parcialmente na estrutura social e na ideologia. Portanto, a atitude realista em sociologia no se restringe em levar a srio a objeo que os membros leigos da sociedade fazem aos postulados da sociologia de que seus achados no lhes dizem nada alm do que j sabem, como supe Giddens, mas o realismo consiste em reconhecer que a prpria oposio aqui delineada por esse autor sob o aspecto tcnico da pesquisa entre o socilogo e o leigo ou, em linguagem da nova sociologia do conhecimento e sem metfora: a oposio entre o terico (elemento da busca de compreenso-explicao) e o pragmtico (elemento da busca de soluo para os problemas) dialtica e relativista

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em sentido operativo, mostrando-se os opostos ora complementares, ora em implicao mtua, ora contraditrios, ora em reciprocidade de perspectivas, de tal sorte que os coeficientes prticos ou pragmticos da sociologia vistos sob a influncia das interpretaes das funes sociais ou sob a influncia do prprio conhecimento poltico podem ser descritos e medidos, e assim reduzidos em favor da compreenso explicao. Na verdade, confirmando o posicionamento incoerente desse autor e caso seja uma tentativa de fazer a sociologia da sociologia como parece que , a tese da Giddens assinalando a respeito da oposio entre o socilogo e o leigo a probabilidade de uma dupla hermenutica tida por consideravelmente complexa 21 em nada exclui a dialtica relativista contrariando sua rejeio inicial do relativismo operativo sociolgico. Sua teoria de que, medindo as linguagens comum e tcnica, na reinterpretao sociolgica h um desvio contnuo dos conceitos construdos pela sociologia atravs do que eles so apropriados por aqueles cuja conduta eles foram originalmente cunhados para analisar 22 revela em realidade a aplicao da reciprocidade de perspectivas e, por esse via, nada mais faz que confirmar a existncia de correlaes funcionais entre os quadros sociais e o conhecimento, reencontrando assim justamente o objeto de estudos da sociologia do conhecimento que nega o suposto carter exclusivamente causal dessa disciplina, embora afirmando sua constituio como disciplina determinstica. *** Quanto ao argumento identificando a sociologia do conhecimento chamada sociologia radical releva de uma abordagem muito restrita. O posicionamento de Giddens exemplifica isso 23. Para esse autor, a sociologia do conhecimento nos anos de 1960 deve ser lida ou entendida em ligao com a atitude que procura contrastar o estrutural-funcionalismo de Talcott Parsons, quer dizer em ligao com a chamada teoria do conflito e com o argumento de que imporGiddens, Anthony: As Novas Regras do Mtodo Sociolgico, op. cit. pgs. 170, 171. Assim, por exemplo, tornou-se extremamente difcil esperar que o pblico no profissional acolha a distino metodolgica entre as proposies testveis ou formulaes irrealistas dos socilogos cientficos feitas no interesse da boa teoria cientfica como o postulado do comportamento que se conforma aos papis sociais por um lado e, por outro as afirmaes de valor sobre a natureza do homem que sejam atribudas como decorrentes ou implcitas naquelas proposies teorticas. Ver: Dahrendorf, Ralf: Ensaios de Teoria da Sociedade, trad. Regina Morel, reviso e notas Evaristo de Moraes Filho, Rio de Janeiro, Zahar / Editora da Universidade de So Paulo (Edusp), 1974, 335pp. (1edio em Ingls, Stanford, EUA, 1968). Pgs.114 a 117.21

22

23 Giddens, Anthony: A Estrutura de Classes das Sociedades Avanadas, trad. Mrcia Bandeira, reviso Edson de Oliveira, Rio de Janeiro, Zahar, 1975, 368pp. (1edio em ingls, Londres 1973). Pgs. 14, 15.

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ta alcanar o significado das oposies de interesses geradas pelas divises seccionais dentro da sociedade como um todo. A sociologia do conhecimento se colocaria como um corpo terico empiricamente verificvel e ao mesmo tempo como um guia moral para a ao poltica, se constituindo supostamente como protesto contra a proposio de neutralidade da explicao em sociologia. Ao afirmar tal suposio associando a sociologia do conhecimento s metamorais do sculo XIX 24 Giddens parece mais uma vez se colocar contra o estudo dos coeficientes existenciais do conhecimento (interesses originrios), dos coeficientes humanos (aspectos pragmticos e polticos) e dos coeficientes sociais (variaes nas relaes entre quadros sociais e conhecimentos). Seu argumento qualificando nossa disciplina como sociologia radical (termo de Alvin Gouldner) no procede sendo restrito ao debate nos EUA em torno dos escritos de Alfred Schutz, o ex-assistente de Edmund Husserl - este mestre da filosofia fenomenolgica no sculo XX, ao lado de Martin Heidegger 25. Como se sabe, em Schutz as muitas e vrias objetivaes no mundo correspondem a diferentes nveis ou camadas da conscincia. Para ele, a realidade estava estruturada em diferentes regies, cada uma com sua camada apropriada de conscincia: as mltiplas realidades do jogo, sonho, teatro, teoria, cerimnia e assim por diante. Na medida em que se passava de um domnio para outro da realidade social (...) se trazia um modo de conscincia para o primeiro plano, relegando o restante para um segundo plano. S no domnio da vida cotidiana ou do senso comum que no temos conscincia em absoluto de estarmos operando num domnio de significados construdos 26. Possivelmente, o carter radical da sociologia do conhecimento a que Giddens se refere esteja nessa crtica da tendncia vista como alienante da vida cotidiana, e da utilizao dessa crtica como atitude oposta ao conservadorismo do estrutural-funcionalismo acusado de justificar a reificao. Nada obstante, pelo que vimos do paradigma de Schutz desdobrando-se a partir da reciprocidade de perspectivas entre as conscincias, podemos notar que, ao atingir esse paradigma de Schutz, a objeo de Giddens refere-se a um tpico do estudo sociolgico das relaes com outrem, como forma de sociabilidade de que se ocupa a microssocioloSobre as metamorais ver adiante neste ensaio os captulos 3 e 4. Originariamente, a postura radical em sociologia refere-se frase ser radical tomar as coisas pela raiz de que falou Lukacs ao estudar a reificao como conceito crtico do conhecimento em Histria e Conscincia de Classe. Sem embargo, a teoria privilegiando uma conscincia de classe especial criticvel por fazer o proletariado delegar sua conscincia em representantes que, a mais do plano poltico, encarnariam a sua concepo do mundo. Por isso Henri Lefbvre sentenciou que, em lugar de realizar a filosofia ultrapassando-a conforme o pensamento de Marx, o jovem Lukacs restitui filosofia um papel inquietante. Sobre a conscincia alienada como conceito crtico da Economia Poltica Clssica segundo Marx ver Nota 04 no final desta Introduo. 26 Sobre Schutz e P.Berger ver Nota 05 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final desta Introduo.24

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gia, tpico esse que em maneira alguma pudera servir para objetar e muito menos impugnar a orientao da sociologia do conhecimento para estudar os coeficientes humanos e sociais. Em outra passagem, no deixa de ser curioso que esse autor aparentemente contrrio sociologia do conhecimento seja o mesmo a declarar e recomendar que se considere a Saint-Simon como o pai da sociologia 27, sendo sabido que, no realismo de Saint-Simon, a sociologia deve manter o paralelismo e a interpenetrao dos modos de produo material e dos sistemas de conhecimento, que so afinal to-s aspectos parciais dos regimes ou como diramos hoje dos tipos de estruturas sociais 28. Com efeito, se a sociologia de Saint-Simon se defronta com limitaes provenientes de seu pantesmo latente (conducente a uma harmonia otimista que minimiza os conflitos e as antinomias entre as classes, entre Estado e Sociedade, etc.) e se igualmente encontra dificuldades oriundas da confuso entre a sociologia e a filosofia da histria (anunciando a vinda do perodo orgnico, sem conflito), no seu realismo, por contra, cabe sociologia estudar o esforo coletivo como consistindo tanto na produo dos bens materiais por meio do trabalho sob diferentes formas, quanto na produo das formas de conhecer (esforo esse extensvel produo das formas de estimar, nas doutrinas morais). Estudando a constante correspondncia entre as instituies e as idias, Saint-Simon prope um esquema para a sociologia do conhecimento segundo o qual aos regimes militares (conquista, escravatura, servido, agricultura, etc.) corresponde em particular o conhecimento teolgico, e aos regimes industriais o conhecimento tcnico, de que o conhecimento cientfico apenas um sucedneo. Mas no tudo. Gurvitch nota a concepo cientfica ou determinstica da sociologia e nos lembra que Durkheim vai buscar conscientemente o termo fisiologia social em Saint-Simon, concebido como os modos de operar da sociedade implicando a liberdade humana 29. Neste enfoque se entende bem que, para Saint-Simon, a sociedade uma enorme oficina chamada a dominar, no os indivduos, mas a natureza e que a reunio dos homens constitui um verdadeiro ser, mas este ser um esforo simultaneamente coletivo e individual e a sua capacidade em espiritualismo e em materialismo igual - da a noo de quadros sociais

Giddens, Anthony: A Estrutura de Classes das Sociedades Avanadas, op. cit. pg. 25. Cf. Gurvitch Georges: Determinismos Sociais e Liberdade Humana: em direo ao estudo sociolgico dos caminhos da liberdade, op. cit. pg. 147. 29 Cf. Objeto e Mtodo da Sociologia, in Gurvitch et al.: Tratado de Sociologia-vol.1", trad. Ana Guerra, reviso: Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964, pp.15 a 50, 2edio corrigida (1edio em Francs: Paris, PUF, 1957). Pg. 57 sq.27 28

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como nveis na configurao da vida das sociedades quanto a sua capacidade em espiritualismo e em materialismo igual. Sem dvida, Giddens observa que o tipo de sociedade industrial sempre calcado na observao da diviso do trabalho (a grande oficina e suas engrenagens), porm parece no levar em conta que o estudo dialtico dos determinismos sociais e sociolgicos est liberto da projeo de um determinismo nico em sociologia, percebido em modo realista como engrenagem montada na diviso do trabalho em regime capitalista, mas projetada como dogma acima dos tipos das sociedades particulares e suas estruturas. A tradio histrica da sociologia que se nutre em Saint-Simon (e no jovem Marx) sobretudo sociologia diferencial (voltada para o estudo das variaes nos quadros sociais) e no apenas sociologia sistemtica (limitada ao estudo das regularidades tendenciais), estando melhor aparelhada que esta ltima para isolar os preconceitos filosficos inconscientes e desmontar os dogmatismos. Nada obstante, dizer como o faz Giddens 30 que a tradio de Saint-Simon deu poucas contribuies importantes teoria de classes leva a desconsiderar que a teoria sociolgica de estruturas ou de sociedades histricas como se ver adiante - s eficaz do ponto de vista da explicao e s ultrapassa os dogmatismos e os preconceitos se for precedida do estudo (dialtico) dos determinismos sociais. De outra forma se deixaria sem relevo a anlise dos nveis de realidade cuja hierarquia integra as estruturas sociais, anlise indispensvel para mostrar que no h unificao sociolgica dos fatos particulares sem o concurso da liberdade humana interveniente nesses determinismos, em maneira realista. Ademais, em favor do problema das classes sociais, note-se que mile Durkheim desenvolver seu conceito de amorfismo social 31 (cf. Le Suicide, pp. 421 sq) assinalando que a significao sociolgica da decadncia do Estado e do Contrato no final do sculo XIX orientou-se em proveito do direito social autnomo (incluindo os acordos e contratos coletivos) que impulsionar o desenvolvimento da estrutura de classes no comeo do sculo XX. Alm disso, o problema das classes sociais foi vivamente discutido e suscitou forte interesse na chamada cole durkheimianne. Assinala Gurvitch que contribuies substanciais foram aportadas por Marcel Mauss, Celestin Bougl, Franois Simiand e por Maurice Halbwachs sociologia das classes sociais, sendo a obra deste ltimo que Gurvitch examinar detidamente antes de propor seu prprio conceito sociolgico de classes sociais 32. Alm disso, dessa tradio deGiddens, Anthony: A Estrutura de Classes das Sociedades Avanadas, op. cit. pg. 28. Durkheim, mile: Le Suicide: tude de sociologie, Paris, PUF, 1973, 463pp. (1 edio, 1897), p 421 sq. 32 Gurvitch, Georges: tudes sur les Classes Sociales, Paris, Gonthier, 1966, 249 pp, Col. Mdiations (1edio em Francs: Paris, Centre de Documentation Universitaire - CDU, 1954). Cf. pp.14 sq, pp.164 a 200.30 31

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Saint-Simon que vem o compromisso com a explicao em sociologia sem o qual fcil enveredar atravs de portas j abertas circunstncia esta que parece acontecer com o prprio Giddens, quem declara tentar estabelecer proposies que so convencionais e j amplamente aceites. Finalmente, Saint-Simon trata do que a realidade social; trata da relao entre produo material e produo espiritual; das fases militar, industrial e das pocas crticas; da dissoluo futura do Estado na sociedade econmica e, finalmente, trata das classes sociais (cf. Gurvitch, ib. 1964: p.57 sq). V na economia, na vida moral e na vida intelectual aspectos de uma atividade coletiva total sendo a correspondncia entre estrutura social, produo econmica, propriedade, regime poltico, idias intelectuais e morais, assim como os seus conflitos possveis que segundo Gurvitch o interessam.

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A sociologia da formao da sociologia nos estudos sobre Karl Marx, sobre Max Weber e sobre mile Durkheim.

Se no perdermos de vista que, ampliando o interesse acadmico, a elaborao dos socilogos tem alcance para a interveno prtica dos profissionais das cincias humanas e sociais e visa sempre vencer os obstculos descoberta da realidade social e ao reconhecimento do indivduo concreto na sociedade, veremos que o estudo sociolgico dos quadros conceituais da formao da prpria sociologia como disciplina cientfica no se limita a reconhecer a confuso entre a sociologia e a filosofia da histria em Saint-Simon anunciando a vinda do perodo orgnico, sem conflito. As anlises gurvitcheanas vo mais alm e introduzem igualmente a sociologia da formao da sociologia nos estudos sobre Karl Marx, sobre Max Weber e sobre mile Durkheim. Sem dvida, o ponto de vista levando a essas anlises estabelecido preliminarmente a partir da diferenciao de certas linhas bsicas tiradas da sociologia do conhecimento filosfico em sua ntima ligao ao conhecimento de outro, onde a fixao do Eu genrico um obstculo descoberta da realidade social e do indivduo concreto na sociedade. Admite-se que a sociologia do conhecimento filosfico deve comear pela anlise do saber nas Cidades Antigas incluindo o seguinte: primeiro: a ocorrncia da compreenso crtica de que o preconceito segundo o qual o saber filosfico seria em si o gnero de conhecimento preponderante, que ocuparia sempre o primeiro lugar, no corresponde realidade dos fatos. Nota-se que o enraizamento desse preconceito perpetuado em muitas sociedades de diferentes tipos deve-se ao dinamismo do advento do conhecimento filosfico como autnomo, j que sua preponderncia esteve muito limitada pela valorao do conhecimento perceptivo do mundo exterior que tambm teve um papel de primeiro plano, tanto nas Cidades- Estados antigas quanto no outro tipo de sociedade em que o conhecimento filosfico prepondera, a saber; as sociedades que do a luz ao capitalismo, onde o conhecimento filosfico serviu para eliminar os ltimos vestgios do domnio exercido pelo saber teolgico e para promover o conhecimento cientfico e o conhecimento tcnico. Segundo Gurvitch em todos os outros tipos de sociedades e de estruturas, o saber filosfico ocupou lugares diferentes na hierarquia de classes de conhecimento. Esse autor conclui que isso demonstra a impossibilidade em afirmar-se a priori a superioridade de tal classe de conhecimento sobre tal outra. A segunda observao de Gurvitch diz respeito filosofia e cincia. Lembra-nos que a cincia tomou vulto considervel na poca clssica

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quando comea a afastar-se da filosofia, tendo sido Aristteles e sua escola quem, entre os filsofos, mais contribuiu para desenvolv-la e torn-la autnoma. Nota-se tambm que o saber cientfico favorece a forma coletiva do conhecimento sobre a individual devido necessidade de multiplicar as observaes e as experimentaes, de organizar centros de cultura e ensino e tambm de criar os primeiros laboratrios, em correlao com os primeiros hospitais. Por fim, nota-se elementos do conhecimento de outro e dos Ns no mbito dos grupos de filsofos organizados em liceus e academias, conhecimento muito limitado este pela tendncia da sociedade no-estatal a dissolverse numa poeira de indivduos isolados, de sorte que era um conhecimento mais apto apenas para captar nos demais a generalidade que a individualidade concreta. Segundo Gurvitch, essa tendncia generalidade muito ntida em Scrates e em seus adversrios, os sofistas, que se interessam pouco pelo homem como indivduo especfico e diferente de seus semelhantes, e mais como representante indiferenciado e genrico da humanidade racional em geral 33. Acresce que a debilidade desse conhecimento de outro e dos Ns em ltimo lugar no saber das CidadesEstados antigas limita a influncia da comunidade em benefcio da massa nesse tipo de estrutura. Em referncia poca moderna, Gurvitch observa que se nota um novo conhecimento de outro, servindo de compensao parcial para o rebaixamento desse mesmo conhecimento de outro como de indivduos concretos, lembrando-nos que, tanto na classe proletria nascente como na classe burguesa ascendente, ambas penetradas da ideologia de competio e de produo econmica, o conhecimento de outro quase nulo.H um paradoxo na constatao de que, como classe particular de conhecimento quase indiferencivel dos quadros sociais em seu conjunto, o conhecimento de outro de compreenso recente e que essa compreenso acontece mais em filosofia do que em sociologia, onde deveria prevalecer !

Nosso autor acrescenta que nesse novo conhecimento de outro se trata de uma tendncia para universalizar a pessoa humana que se relaciona a Rousseau, com sua teoria da Vontade Geral idntica em todos, e a Kant, este com seu conceito de Conscincia Transcendental e de Razo Prtica que chega afirmao da mesma dignidade moral em todos os homens. Quer dizer, tem-se um conceito geral do outro fora de toda a concreo, de toda a individualizao efeti-

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cf. Los Marcos Sociales del Conocimiento, op. cit., p.187.

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va, acentuando-se as formas racional, conceitual, especulativa e simblica, com tendncia frustrada a reunir o coletivo e o individual no geral ou no universal 34. Portanto, trata-se em verdade do problema do conhecimento de outro, dos Ns, dos grupos, das classes, das sociedades, apreendidos estes temas coletivos reais em sua realidade e afirmaes verdicas por um juzo consciente. Sem embargo, a anlise sociolgica gurvitcheana observa a ocorrncia de um paradoxo na constatao de que o conhecimento de outro, como classe particular de conhecimento quase indiferencivel dos quadros sociais em seu conjunto, de compreenso recente e que essa compreenso acontece mais em filosofia do que em sociologia, onde deveria prevalecer! Para chegar a uma justificao deste paradoxo Gurvitch lhe atribui tripla origem, seguinte: primeiro: a tomada de conscincia e a produo do conhecimento de outro so um elemento constitutivo da sociedade real com tal profundidade que torna inimaginvel algum quadro social, microssocial, grupal, global, onde no se produza essa tomada de conscincia de outro e esse conhecimento de outro. Alm disso, a compreenso pela filosofia em sua identificao do outro sociedade em geral fica ainda mais favorecida por ser a tomada de conscincia de outro e o conhecimento de outro muito mais freqentemente implcitos do que explcitos, cujos aspectos, entretanto, variam com cada quadro social, inclusive os critrios de outro e dos Ns, que podem estreitar-se ou, ao contrrio disso, ampliar-se. Por exemplo, se observa que l onde os critrios de outro se estreitam h excluso do estrangeiro, do escravo, do servo, que no aparecem como um outro e, portanto, no pertencem ao Ns; pelo lado contrrio, l onde os critrios se ampliam o homem pode ser tomado como representante da humanidade e assim reduzido em seus traos individualizados. Segundo: em certos quadros sociais e em certas conjunturas, o outro, como objeto de percepo ou de conhecimento, se pode apresentar como pai, irmo, amigo ou inimigo, como companheiro ou rival, como camarada ou adversrio, como inferior ou superior, como protetor ou como opressor, como centro de atrao, de repulso ou de indiferena; pode ainda pretender a um carter ambivalente, combinando traos opostos. Terceiro: o conhecimento de outro s teve um papel diferenciado considervel nas sociedades de tipo patriarcal ou feudal, em particular nas corporaes de ofcios e nas ordens monsticas da Idade Mdia. Alm disso, o conhecimento de outro intervm em certos grupos de pouca envergadura, como o so as famlias, os matrimnios, os internados, etc. Gurvitch nota que o conhecimento de outro pudera tornar-se importante nos tipos de sociedades organizadas segundo34 Ver: Lumier, Jacob (J.): Leitura da Teoria de Comunicao Social desde o ponto de vista da Sociologia do Conhecimento - as tecnologias da informao, as sociedades e a perspectivao sociolgica do conhecimento,

Ensaio, 338 pgs, Internet, e-book, O.E.I., 2007, link < http://www.oei.es/salactsi/lumniertexto.pdf. >

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os princpios do coletivismo descentralizado e pluralista fundado na autogesto operria, de que se teria um exemplo aproximado na Iugoslvia do sculo XX. Enfim, no conhecimento de outro trata-se de uma classe de conhecimento que se verifica na prpria observao dos quadros sociais, mas que uma classe particular de conhecimento exatamente por essa ligao ntima aos quadros sociais, nos quais diretamente apreendido nos atos mentais ou na mentalidade coletiva.

***A influncia da filosofia da histria penetrando o sculo XIX se infiltra nos quadros sociolgicos de Karl Marx inclusive pela mediao de Hegel , ou em Max Weber pela mediao do neokantismo enquanto a metamoral filosfica se infiltra em mile Durkheim pela mediao da leitura de Kant.

Em posse dessa preliminar estabelecendo o Eu genrico como obstculo percepo da realidade social podemos avanar nas anlises gurvitcheanas que introduzem a sociologia da formao da sociologia nos estudos sobre Karl Marx, sobre Max Weber e sobre mile Durkheim, haja vista a mencionada misso de elaborao dos socilogos para a interveno prtica, visando sempre vencer os obstculos descoberta da realidade social e ao reconhecimento do indivduo concreto na sociedade. Com efeito, se influncia da filosofia da histria penetrando o sculo XIX se faz notar por um lado em Saint-Simon na projeo anunciando a vinda do perodo orgnico como estgio sem conflito, por outro lado constatase a maior complexidade quando se examina a repercusso de semelhante posicionamento filosfico se infiltrando nos quadros sociolgicos de Karl Marx pela mediao de Hegel , ou em Max Weber pela mediao do neokantismo ou ainda em mile Durkheim pela mediao da leitura de Kant. Em verdade o sculo XIX vem a ser incorporado na sociologia de Marx por outros canais alm de Hegel e a filosofia da histria, estes, alis, em maneira bem complexa. Vale dizer, nota-se a incorporao do sujeito histrico para alm da oposio entre materialismo e espiritualismo nas concepes do jovem Marx expostas nos clebres Manuscritos de 44 (Ed. Molitor) em que a religio, a famlia, o Estado, o direito, a moral, a cincia, o esprito no passam de modos particulares da produo e esto pendentes da ao global da mesma. Quer dizer, na realidade social, trata-se de um humanismo positivamente procedente de si prprio, um humanismo positivo em que a ultrapassagem do dualismo das cincias naturais e

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das cincias humanas leva constatao de que qualquer cincia uma atividade prtica, e, portanto comporta um coeficiente humano cabendo sociologia a misso de encarnar essa ligao 35. Para Marx como j mencionado h que superar a falsa alternativa entre indivduo e sociedade, pois se trata da imanncia recproca do individual e do social, o que igualmente misso da sociologia de tal sorte que, na realidade social, descobrimos por um lado o homem encontrando a sociedade na sua ao pessoal e na sua prpria conscincia individual (homem total), e por outro lado a sociedade encontrando a realidade humana individual em cada um de seus atos (sociedade total). Ademais, sabe-se que muito difcil ver em MARX explicitamente um filsofo, isso porque segundo Gurvitch a sua filosofia implcita, ligada (a) a um humanismo prometeico 36, (b) ao conceito de alienao com seus mltiplos sentidos freqentemente contraditrios, (c) ligada a um apelo superao da filosofia pela sua realizao na prxis orientada pelo conhecimento dela prpria, (d) uma filosofia pouco clara e nem muito rica e (e) o que ela contm de mais interessante e de mais preciso assim como de menos dogmtico reduz-se inteiramente dialtica realista e relativista inerente realidade social e ao mtodo da cincia que a estuda no seu conjunto: a sociologia. Podemos at dizer com Henri Lefbvre 37 que o aspecto sociolgico do pensamento de Marx tem como principal aplicao discernir as mudanas e distingui-las do que est estagnado ou em regresso na nova sociedade da segunda metade do sculo XX, contrapondo-se por um lado influncia dos neoliberais (para quem no existe hoje mais do que ontem um critrio seguro para determinar os obstculos a vencer) e, por outro lado, ao funcionalismo em sua tentativa de fazer coincidir a racionalidade estatal e a racionalidade tcnica entendida esta ltima como a racionalidade do entendimento analtico e operativo. Mas no tudo. Os quadros sociolgicos da sociologia de Marx encontram-se envolvidos pela tenso caracterstica do seu pensamento entre o utopismo e o realismo sociolgico. Portanto, no h razo para cobrar a hipoteca do passado sobre a noo de trabalho alienado em Marx; muito menos subordin-lo Hegel. Sem dvida, h uma aplicao poltica da dialtica das alienaes que explica porque Marx estendeu o termo ideologia a todas as cincias humanas, s cincias sociais (incluindo a economia poltica e a histria, desde que no sejam penetradas pelo marThses sur Feuerbarch (redigidas em Bruxelas em 1845), sem nome de tradutor, in tudes PhilosophiquesTextes Choisis, Paris, ed.Sociales, 1968, pp.61 a 64. 36 O humanismo prometeico afirmado ao sculo XVIII na filosofia das luzes implicando os graus de percepo de que a ao humana concentrada pode mudar as estruturas e permitir revoltas contra a tradio Ver Nota 06 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final desta Introduo. 37 Sociologia de Marx, traduo Carlos Roberto Alves, Rio de Janeiro, Forense, 1968, 145 pp. (1edio em Francs: Paris, PUF, 1966).35

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xismo) e, posteriormente, a todas as obras de civilizao. exatamente a aspirao libertao total de certos aspectos da alienao que explica isso. Gurvitch assinala que Marx tira proveito da ambigidade do termo alienao para ocultar a luta travada no seu pensamento entre o realismo sociolgico e o utopismo, mas que - prossegue nosso autor - j na Ideologia Alem a sociologia predomina. Nada obstante, o exame do problema sociolgico da ideologia em Marx resta inconcluso caso no se leve em conta a aspirao libertao total da alienao, como superao de todas as ideologias, pois aqui, na perspectiva dessa superao, que a ideologia proletria, mais do que uma aspirao, pode se confundir teoria marxista - a qual no dizer de Gurvitch uma teoria filosfica, sociolgica e econmica possuidora de uma validade universal exatamente porque projetada para ultrapassar todas as ideologias, no sentido extensivo do termo. Quer dizer: na sociedade futura, o desaparecimento das classes deveria conduzir a uma situao em que todo o conhecimento cientfico e filosfico seria liberto das suas relaes com os quadros sociais: o seu coeficiente social seria eliminado. Portanto, a ideologia proletria projetada como um conhecimento liberto das suas relaes com os quadros sociais, ideologia esta na qual Marx configura uma concepo de verdade completa, total, absoluta, que se afirma fora de qualquer quadro de referncia. A desejada ideologia proletria no somente desalienada: um poderoso estimulante da desalienao. Desta forma, a influncia dogmtica da filosofia da histria do sculo XIX infiltra-se nos quadros sociolgicos da sociologia de Marx atravs da sua relao com as classes sociais em formao. Segundo Gurvitch h um paradoxo da verdade absoluta ocultando-se sob a ideologia da classe proletria que dela se serve para se constituir a fim de fazer triunfar essa verdade na histria transformada em teodicia. A sada para o mistrio desse paradoxo da filosofia da histria vingando-se da anlise sociolgica ser para os socilogos do sculo XX renunciar a considerar como necessria a ligao entre ideologia e alienao e reconhecer que a ideologia no passa de um gnero particular do conhecimento: o conhecimento poltico, que se afirma em todas as estruturas e em todos os regimes, mas