Herancas_Culturais_Brasileiras

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Heranças Culturais Brasileiras: Um Programa de Índio Leila Dupret, Professora do Mestrado em Educação e Desenvolvimento Humano. Um Olhar Antropológico Foi preciso que o Brasil fizesse 500 anos de ter sido, efetivamente, achado pelos portugueses para nós, brasileiros, lembrarmos de nossas heranças culturais originais, não de inéditas propriamente, mas de originárias, certamente. Até então, em nossa memória, sobressaiam os mitos greco – latinos, as tradições ocidentais, a cultura do branco e a crença nas palavras da Bíblia como único fundamento religioso. Entretanto, mesmo com a massificação européia, desde o século XVI, não houve possibilidade de acabar, definitivamente, com a cultura, princípios, tradições e crenças do povo indígena, que terminam por nos acompanhar, até os dias de hoje, porque participam de nossa construção enquanto sujeitos datados e situados sócio-historicamente. O objetivo deste artigo é chamar a atenção para a presença da contribuição do índio como constituinte da complexidade que compõe o povo brasileiro. Hebert Lepargneur em seu livro O Futuro dos Índios no Brasil, editado pela Livraria Hachette do Brasil, em 1995, é de opinião que "a história do contato das raças chamadas ‘superiores’ com as consideradas ‘inferiores’ é sempre a mesma: extermínio ou degradação". Aqui cabe ressaltar que o termo raça refere-se a um discurso vinculado ao modelo biológico, enquanto o conceito de etnia acompanha o viés antropológico. Seja como for, a primeira acreditava que deveria impor sua cultura de forma integral, sem qualquer consideração à cultura submetida. Este fenômeno pode ser visto mais amplamente quando nos voltamos à relação entre o índio e o europeu, sendo este entendido, ou melhor, entendendo-se como o ser da cultura. A partir de tal pressuposto, três concepções sobre o índio emergem, tendo sempre a figura do europeu como a única possível para estabelecer padrões de comportamento, critérios de produção e valores éticos e morais. São elas: a de Natureza, de Bárbaros e de Bom Selvagem. A idéia do índio como uma extensão da Natureza tem explicações pautadas na ausência de fé, de lei e de religião. Segundo a visão européia cristã, o indígena estava desprovido da tríade essencial que deveria reger a humanidade, acrescido do fato de comerem raízes e andarem nus; o que lhes assemelhava aos animais. Caberá então ao europeu mostrar os modos civilizados e humanos de se vestir e agir para que o índio possa sair 1

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Heranas Culturais Brasileiras:Um Programa de ndioLeila Dupret, Professora do Mestrado emEducao e Desenvolvimento Humano.Um Olhar AntropolgicoFoi precisoqueoBrasil fizesse500anosdetersido, efetivamente, achadopelosportuguesesparans,brasileiros, lembrarmos de nossas heranas culturais originais, no de inditas propriamente, mas deoriginrias, certamente!"tento, emnossamemria, sobressaiamosmitosgreco#latinos, astradi$esocidentais, a cultura do branco e a crena nas palavras da B%blia como &nico fundamento religioso! 'ntretanto,mesmo comamassificaoeuropia, desdeo sculo ()*, nohouve possibilidadedeacabar,definitivamente, comacultura, princ%pios, tradi$es ecrenas dopovoind%gena, queterminampor nosacompanhar, at os dias de ho+e, porque participam de nossa construo enquanto su+eitos datados e situadosscio,historicamente! - ob+etivo deste artigo chamar a ateno para a presena da contribuio do %ndiocomo constituinte da comple.idade que comp$e o povo brasileiro!/ebert 0epargneur em seu livro - Futuro dos 1ndios no Brasil, editado pela 0ivraria /achette do Brasil, em2335, de opinio que 4a histria do contato das raas chamadas 5superiores6 com as consideradas 5inferiores6 sempre a mesma7 e.term%nio ou degradao4! "qui cabe ressaltar que o termo raa refere,se a um discursovinculado ao modelo biolgico, enquanto o conceito de etnia acompanha o vis antropolgico! 8e+a como for,a primeira acreditava que deveria impor sua cultura de forma integral, sem qualquer considerao 9 culturasubmetida!'ste fen:meno pode ser visto mais amplamente quando nos voltamos 9 relao entre o %ndio e o europeu,sendoesteentendido, oumelhor, entendendo,secomooser dacultura! "partir detal pressuposto, tr;sconcep$es sobre o %ndio emergem, tendo sempre a figura do europeu como a &nica poss%vel para estabelecerpadr$esdecomportamento, critriosdeproduoevaloresticosemorais! 8oelas7 adeivilizao, publicada em 23L0 pela >ivilizao Brasileira! '.ploraremos, principalmente o avanotecnolgico e algumas de suas conseqM;ncias diretas e indiretas! Dodos sabemos dogenoc%diosubseqMente dos primeiros encontros entre %ndios e brancos! 8emquererminimizar as fortes marcas da e.peri;ncia vivida, para o efeito desse estudo vamos desenvolver aspectos daabsoro da cultura do homem civilizado pelos %ndios, sem entrar na questo do confronto blico que marcouo in%cio desse encontro! 8egundo ?arcF, o %ndio via o civilizado como uma ameaa, ao mesmo tempo como aquele que detinha bens eequipamentos que lhe inspiravam cobia! "s armas, os ob+etos cortantes e toda a sorte de coisas que lhe foramapresentadas, 9 medida que novos costumes iam sendo introduzidos! 8e por um lado a introduo de novasferramentas aumentou a produtividade tribal, por outro desvitalizou o comrcio intertribal que era baseado nafabricao de bens e artesanatos ind%genas! Dais artefatos passaram a no mais funcionar como produtos detrocaentrealdeiasecomosindiv%duosdefora!"tualmenteosob+etosindustrializadossubstituempartesignificativa daimportantemanifestaoesttica ind%gena! "e.pressodebelezapresente noramodeartesanato se traduz na oportunidade de criao esttica e funciona tambm como diferenciador e orgulhotribal! N sempre dispensado muito mais trabalho do que o necessrio nesse tipo de tarefa apenas para que seesgote sua funo de utilidade!- descaso do homem civilizado com a arte ind%gena, atribuindo a ela pouco valor art%stico, fragiliza o esp%ritodo %ndio, tirando dele a vontade de alcanar o mesmo n%vel de perfeio em qualquer outra tarefa!"lguns artesanatos ainda so bemcomercializados, resgatando o orgulho ind%gena! Oorm, quando ocivilizado se interessa por esse tipo de arte, industrializa,a, eliminando seu carter de autenticidade!J?arcF Kibeiro e.plica como se observa a integrao de culturas intertribais de forma a no criar hierarquiasou domina$es! Puando acontece a con+ugao de dois ou mais sistemas aut:nomos, os legados culturais semisturam e os elementos que sero adotados pelas unidades, so selecionados, por sua melhor adequabilidadeao interesse daquele grupo! @ma vez adotados esses elementos, cada grupo independente na sua produosem implicar nenhum tipo de subordinao de um ou de outro! / sempre a preservao da autonomia tnica!'ntretanto, quando a aculturao se d entre a sociedade tribal e a nacional, h sempre a massificao pelacultura dita mais evolu%da, criando laos de subordinao e depend;ncia!-autor nos lembra que o contato comnovas tecnologias mais avanadas sempre crucial para odesenvolvimento de um povo e isso acontece o tempo todo em qualquer cultura! aiaps, a super # e.plorao da fora de trabalho e a postura individualista!Oela forte massificao imputada 9 cultura ind%gena, pela grande violao e desvitalizao dos seus valoresmais significativos, em vrios casos houve uma desestruturao da personalidade social dos grupos! "o criarsu+eitos submissos e e.ageradamente 4enquadrados4 empadr$es supostamente adequados para todos ecolocados de forma autoritria e arbitrria, a sociedade impede a saudvel e.presso da singularidade de cadaparticipante, gerando uma massa de seres alienados!Puando, noentanto, nomeiodessecaos, cadasu+eito, econsequentementeoseucoletivo, conseguemseagarrar a um &ltimo resqu%cio de consci;ncia, +ustamente desse conflito podem ser gerados s%mbolos coletivosque organizam a desordem! 'sses s%mbolos coletivos so, portanto, vitais para a recuperao da organizaops%quica social de um grupo!-ss%mbolos coletivos referem,seaidentidadecultural deumpovo! "identidadeconstitu%dapor umcon+unto de caracter%sticas singulares que fazem reconhecer o que prprio de um indiv%duo ou grupo social!