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    O pensador francs Alain Badiou em uma de suas conferncias brasileiras intituladaA situaoda filosofia na contemporaneidadeparte das seguintes questes: Por que h filsofos? Como secaracteriza o desejo de filosofia? (Cf. BADIOU, 1994, p. 35). Na tentativa de caracterizar o desejo defilosofar, Badiou aponta quatro condies constitutivas do mesmo: a revolta, a lgica, a universalidad

    e a aposta/o risco. Como entender que o desejo de filosofar comporta e exige algo aparentementparadoxal, ou seja, uma certa revolta lgica? Revolta sim, porque a filosofia enquanto discursoradical, rigoroso, crtico e universal sempre coloca em questo o conhecimento, os valores e ideainstitudos. Para o filsofo muitas vezes melhor ser Scrates descontente do que ser um porcosatisfeito." (Cf. BADIOU, 1994, p. 36). O fato que a filosofia descontente com o mundo tal comoele . descontente at consigo mesma, pois tem o hbito de pensar contra si mesma. Mas essrevolta, rebeldia da filosofia, no uma rebeldia sem causa, uma revolta que apenas desconstri e nego institudo. A revolta constitutiva do desejo de filosofar exige, por paradoxal que possa parecer, umlgica. uma revolta fundada na discusso normatizada pela razo. A revolta da filosofia busca aconstruo de argumentos racionais para justificar sua crtica radical. uma revolta que erige uma lpara si mesma balizando-se pelo bom senso e pelos princpios da racionalidade, que certamentextrapola os limites da razo instrumental cientfica.

    Mas o desejo de filosofar tambm se alimenta de uma certa tenso entre auniversalidade/necessidade pretendida pelo discurso filosfico e a idia de acaso, de aposta, dimpondervel. Nesse sentido podemos considerar que h na filosofia um grande desejo de

    universalidade, na medida em que ela se dirige a todo pensamento e a todo homem, sem exceo. Ela(a filosofia) no nacional, mas internacional. Ela quer ultrapassar toda cultura particular, todatradio. Seu verdadeiro destino no a sala de conferncia, mas a rua, a praa pblica, o mundointeiro...A filosofia se d para todo pensamento; ela se d para o prncipe e para o escravo.(BADIOU, 1994, p. 38)

    Entretanto, ao mesmo tempo em que o desejo de filosofia desejo de universal , tambm,sentimento do risco e do acaso. Ou seja, a filosofia s pode aspirar universalidade, se apostar no

    acaso, no engajamento, no risco, na imprevisibilidade do encontro. O desejo de filosofar , portantoperpassado por uma revolta, recusa a ficar instalado e satisfeito. Uma recusa que exige uma lei, umanorma, uma lgica que expressa o desejo de uma razo coerente. Mas o desejo de filosofar tambm snutre do universal e necessrio, da recusa ao particular e imediato, contudo essa universalidade buscada mediante a aposta no risco, no engajamento, no acaso e na experincia irrepetvel doencontro.

    Aps essa breve caracterizao dos elementos constituintes do desejo de filosofar, uma

    constatao se impe: o mundo contemporneo, o nosso mundo afundado num pragmatismoimediatista, oposto ao desejo de filosofar. Ele nega e se ope veementemente aos quatro

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    componentes do desejo de filosofia. Nosso sociedade, dir Badiou, no gosta da revolta nem da crtic um mundo que cr na gesto e na ordem natural das coisas... Ele pede a cada um para adaptar-se. um mundo do simples clculo individual.(BADIOU, 1994, p. 48). Nosso mundo avesso coerncia racional, est submetido lgica de imagens e signos que simulam o real. Esse mundo da

    imagens, mundo da mdia, instantneo e incoerente. um mundo muito rpido e sem memria,efmero e fugaz. Onde a nica permanncia a impermanncia. Em tal mundo das imagens, muitdifcil sustentar uma lgica do pensamento.

    Outro elemento constitutivo do desejo de filosofar que perde espao em nossa sociedade auniversalidade, uma vez que a nica universalidade que ele conhece a do dinheiro, a universalidadedaquilo que Marx chamava deequivalente geral . Fora da universalidade do mercado e da moeda,sustenta Badiou, cada um est encerrado em sua tribo. Cada um defende sua particularidade. Em nos

    mundo a falsa universalidade do capital contraposta ao gueto das culturas, das classes, das raas, dareligies. (Cf. BADIOU, 1994). Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que assistimos globalizadas leis de mercado, emergem demandas de grupos e etnias reivindicando maior insero social comrespeito as suas particularidades e diferenas. Ou seja, cada vez maior a exigncia de uma tica ddiversidade e singularidades que coloca em cheque a viso de homem, enquanto sujeito e razouniversal abstrata em relao a qual se pode referenciar certos imperativos,direitos e deveres, tidotambm como universais.

    Por outro lado, a aposta, o acaso, o risco, o engajamento, tambm so negados e dissimuladopelo mundo do clculo, da previso, da segurana e no qual vence o mais adaptado. Badiou considerque vivemos em um mundo obcecado pela segurana...... um mundo onde cada um deve, o mais cedopossvel, calcular e proteger o seu futuro. um mundo da carreira e da repetio. Um mundo onde oacaso perigoso. Um mundo onde no devemos nos abandonar aos encontros. (BADIOU, 1994, p.39)

    Podemos ento considerar que nossa sociedade oposta ao desejo de filosofia. Nela a filosofiaest ameaada, no encontra direito de cidadania. A Filosofia encontra-se to marginalizada que suprincipal questo na atualidade saber como ela pode proteger e salvar o desejo de filosofar. Contudoela no pode se esgotar num discurso que insiste em mostrar sua utilidade ou cair num vitimismfechando-se sobre si mesma. Na realidade, se a filosofia hoje tem que justificar sua existncia enecessidade, o problema no da filosofia, mas de uma poca na qual acontece a massificao ebestializao do homem, a idolatria do Estado, a crena de que a felicidade est diretamenterelacionada propriedade e, por fim, a morte do desejo de filosofar e de suas condies: a revolta, lgica, a universalidade e a aposta/o risco.

    Em uma de suasConsideraes Extemporneas(Cf. NIETZSCHE 1978), Nietzsche nos alertade que umtempo que sofre da assim chamada cultura geral, mas sem civilizao e sem unidade de

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    estilo em sua vida no saberia fazer nada de correto com a Filosofia, ainda que ela fosse proclamadapelo gnio da verdade em pessoa nas ruas e nas feiras.(NIETZSCHE, 1978, p. 53) De fato, notemos uma civilizao, nossas escolas e universidades formam profissionais, homens de segunda mbestas do trabalho, incompetentes sociais (Chau), mas no homens com estilo, com carter e for

    para fazer de sua existncia um constante exerccio de criao e afirmao da vida, mesmo na dor e nsofrimento. Mas, o que vemos? Por todo lado o chamamento:adaptem-se, a nica coisa que nos restaa fazer diante da ditadura do pensamento nico neoliberal, que proclama a morte das utopias e dconscincia histrica, eternizando o presente. O fato que em tal tempo, a filosofia apresenta-se, ndizer de Nietzsche, como um:

    monlogo erudito de um passeador solitrio, ... ou oculto segredo de gabinete reduzido a inofensivatagarelice entre ancios acadmicos. Ningum ousa cumprir a lei da Filosofia em si mesma, ningum vivfilosoficamente, ...Todo filosofar moderno e contemporneo est poltica e policialmente limitado aparncia erudita, por governos, igrejas, academias, costumes, moda... (Nietzsche, 1978, p. 53)

    No realidade, na sociedade do espetculo, na qual as imagens hiper-realizam o real, a Filosofiaa reflexo, no tem direitos. Contudo, se deixssemos a filosofia falar era poderia nos dizer:

    Povo miservel! culpa minha se em vosso meio vagueio como uma cigana pelos campos e tenho de mesconder e disfarar, como se fosse eu a pecadora e vs meus juzes? Vede minha irm - a arte. Ela est comeu, camos entre brbaros e no sabemos nos salvar. Aqui nos falta, verdade, justa causa, mas os juizediante dos quais encontraremos justia tem tambm jurisdio sobre vs, e vos diro: Tendes antes umacivilizao, e ento ficareis sabendo o que a filosofia quer e pode. (Nietzsche, 1978, p. 53)

    Apesar das circunstncias adversas ao desejo de filosofar, a filosofia deve preservar seu senso

    crtico, sua revolta e hbito de pensar at mesmo contra si. A filosofia no pode abrir mo de seu papdesmistificador diante das ideologias vigentes, que teimam em passar uma viso homogneamascarando as contradies reais de nossa realidade.

    O fato que hoje so colocadas certas exigncias Filosofia. H uma certa exigncia de que afilosofia seja uma filosofia do evento, antes que da estrutura. Que a filosofia seja uma filosofia... dasingularidade universal. Quer dizer: daquilo que , a cada vez, absolutamente singular, como umpoema, um teorema, uma paixo, uma revoluo; e contudo, para o pensamento, absolutamente

    universal.(BADIOU, 1994, p. 43). A filosofia deve ainda utilizar uma lngua flexvel. Uma lnguacapaz tanto de citar e interpretar um poema como de citar e interpretar um axioma ou um teorema.Uma lngua que circule entre o equvoco [ambigidade] potico e a transparncia cientfica.(BADIOU, 1994, p. 44)

    A filosofia deve, assim, articular uma linguagem que permita-lhe transitar pelas frmulascientficas e pela lgica, pelos equvocos do poema e da arte, pelo acaso do desejo e encontros e pelpoltica, enquanto criao de novas formas de convvio social e ruptura com a ordem estabelecida. Iss

    pressupe que a Filosofia tem que abrir mo de um conceito unvoco, universal e necessrio deverdade. A filosofia deve admitir diferentes tipos de verdades pronunciadas e legitimadas po

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    diferentes narrativas, para nada sacrificar do desejo de filosofia. Contudo, a verdade est ligada a umevento que se d no quadriltero determinado pela cincia (mathema), pela arte(poema), pelarevoluo e pelo desejo/amor. Ela no se esgota, pois, na mera adequao do pensamento a coisa, nemna coerncia interna das proposies cientficas. Ela no um mero exerccio do pensamento, el

    depende do acaso de um evento.

    4. O que significa dizer que a Filosofia chegou ao seu fim?

    Na perspectiva heideggeriana,fimda Filosofia seria o lugar de sua decomposio(diluio) nascincias tecnizadas. Na poca atual a filosofia transformou-se em cincia emprica do homem e dtudo que pode tornar-se objeto disponvel para sua tcnica que, com a Ciberntica, invadiria o ltimreduto ainda imune ao pensamento calculador a mente humana. Tudo isso, acrescenta Heideggerealiza-se em toda parte com base e segundo os padres da explorao cientfica de cada esfera do en(Heidegger, 1987, p. 72). A Filosofia, portanto, teria encontrado olugar de seu fim no carter cientfico, porque no dizer Ciberntico, com que a humanidade se realiza napraxissocial, na qual sebuscaria sempre uma otimizao da performance do sistema em termos de processamento e controdos fluxos de informaes(mensagens)3. O fim da filosofia revela-se, assim, como sendo o triunfo doequipamento de um mundo tecno-cientfico e da ordem social que lhe corresponde. E quanto mais tcnica estender seu domnio sobre o planeta, orientando os modos de ser do homem, menos pensamento ter vigor para realizar sua tarefa: pensar o ser que fala na essncia da Tcnica(Heidegger, 1983, GA 14, p. 72).

    EmSobre a questo da determinao da tarefa do pensar [Zur Frage nach der Bestimmung der Sache des Denken] (1965), Heidegger constata que o prprio pensar encontra-se em um estado deindeciso a respeito do objeto e da tarefa que lhe concerne. Essa indeciso seria o sintoma de que pensar em sua forma de filosofia teria alcanado o seu fim. Esse fim decide algo a respeito do destinda filosofia, mas no sobre o destino do prprio pensamento. plenamente possvel que no fim dfilosofia se oculte um outro inicio do pensar. (Heidegger, 1976, p.620-633).

    Hoje, todas as coisas e esferas da ao humana[trabalho, cultura, poltica], mostram, ainda quno seja pensada como tal, o carter da disponibilidade de tudo sem exceo ao clculo (Heidegge1976, p. 621-22). Assim, no fim da filosofia, a totalidade do ente reduzida em fundos disponvei

    3 Em relao especificidade da relao entre Ciberntica e Filosofia, muitos tericos da Ciberntica aconsideram uma legtima sucessora da filosofia. Karl Steinbuch, por exemplo, em sua obra Autmato e homem sobre a inteligncia humana e da mquina. (1961), despreza temas tradicionais da filosofia, opondo-se apresentao verbal de qualquer espcie. Para esse autor na compreenso de processos mentais no sonecessrias expresses misteriosas, mas que eles possam ser remetidos a conhecidos princpios fsicos ematemticos.

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    (Bestnde), em objetos que podem ser fabricados, distribudos e reutilizados a todo o momentconforme determinados fins. Esses objetos disponveis no tem nenhuma consistncia. A maneirdeles fazerem-se presentes a disponibilidade. (Heidegger, 1976, GA 16, p. 622).

    importante aqui perceber como o fim da filosofia e a instrumentalizao da linguagem, a perd

    de sua dimenso conotativa, apofntica, potica, ocorreu em parte como conseqncia desstransformao das coisas em estoques disponveis ao pensamento calculador.

    5. Instrumentalizao da linguagem na era ciberntica

    O termo linguagem escasso em Ser e Tempo. Aparece no 34 subordinado ao termoRede[Discurso - constitutivo da abertura originria do Dasein]. J naCarta sobre o humanismo,aps asupostaKehre4 [Viragem], Heidegger afirma: Se a verdade do ser chegou a ser estimuladora dopensamento para o pensar, a reflexo sobre a essncia da linguagem deve alcanar um posio

    diferente. (HEIDEGGER M.,Carta sobre o Humanismo, 1987) . Cresce a importncia da linguagemcomo via de acesso ao ser em detrimento doDasein. O homem age como se fosse configurador esenhor da linguagem, entretanto a linguagem que de fato o senhor do homem...o que fala linguagem. O homem s comea a falar quando responde a linguagem escutando seu chamado(HEIDEGGER M.,Carta sobre o Humanismo, 1987)

    Todo o percurso do pensamento heideggeriano atesta o um interesse crescente pelo problema drelao do ser com a linguagem a histria do ser a histria da palavra ser. Nesse sentido, nombito do fenmeno da linguagem enquanto dom doado pelo ser ao homem para diz-lo, que acontea co-pertinncia entre ser e homem. Entretanto, mediante o processo de instrumentalizao dlinguagem, a essncia da mesma se acha dissimulada em uma concepo que faz da palavra o simplesigno de um ente que pre-existe palavra que o nomeia. No se percebe que nas palavras que acoisas chegam a ser e so, elas no so meras cpsulas vazias nas quais estariam empacotadas acoisas.

    O encontro posterior de Heidegger com os poetas abre a possibilidade de se experimentar outrcampo da linguagem. Para se recuperar a fora original da linguagem temos que apelar a um discurs

    no qual a linguagem j no seja transparncia ou representao do ente, mas instaurao do ente como se nela o ente aparecesse como se pela primeira vez. Somente atravs desse dilogo da poesiado pensamento pode ser esclarecida a essncia da linguagem. No existe conceito ou frmula par

    4 Kehre - A questo dosentido e da verdade do Ser , numa primeira fase do pensamento heideggeriano,seria elucidada a partir da temporalidade exttica e finita do Dasein como ser no-mundo, cuja aestruturas ontolgicas originrias seriam elucidadas mediante a analtica existencial realizada em Se

    und Zeit (1927). A partir dos anos trinta, a hermenutica da existncia finita daria lugar a umhermenutica daacontecncia(historicidade) do ser em sua histria. Ou seja, doravante, o ser noseria mais compreendido a partir da compreenso finita do Dasein, mas a partir de sua historicidadem seu acontecer histrico ao longo da metafsica ocidental.

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    apreender a essncia da linguagem. A relao ser homem se constitui mediante um sinal/apelo queser envia ao homem ao qual o homem responde [mediante a linguagem]. A linguagem seria assim advento dessa correspondncia entre ser e homem, o que faz do homem essencialmente um ser falantj que a palavra determina sua essncia.

    Ora, mas na medida em que a nova cincia fundamental aCiberntica o domnio sobre osaber exercido pelas operaes emodelos5 do pensamento representacional calculador.Representaes condutoras da ciberntica como informao, controle, retroalimentao conduziram transformaes cruciais em conceitos capitais das cincias, tais como: fundamento, concluso, cause efeito.

    No necessrio ser profeta para reconhecer que as modernas cincias que esto seinstalando sero, em breve, determinadas e dirigidas pela nova cincia bsica que se chamaCiberntica. Esta cincia corresponde determinao do homem como ser ligado apraxisna sociedade. Pois ela a teoria que permite o controle de todo planejamento possvel e detoda organizao do trabalho humano. A Ciberntica transforma a linguagem num meio dtroca de mensagens. (HEIDEGGER M., 1987, p. 72).

    A idia demodelodesempenha um papel fundamental nesse projeto ciberntico de exercer umpleno controle sobre o homem e as coisas. A modelizao operada pela fsica sobre a natureza e pelCiberntica sobre asestruturase funesdo crebro humano tm como pressuposto a seguinte tese: spodermos conhecer aquilo que fabricamos. A prpria cincia da natureza seria orientada pelconvico de que s podemos conhecer fazendo, ou refazendo e reconstruindo a natureza mediantmodelos lgico-matemticos. O homem procura, assim, garantir o acesso as coisas que ele no ferepresentandoe simulandoos processos que as levam a existncia, j no mais como coisas, mascomo meros objetos.

    Na conferncia intituladaA coisa (Das Ding ) (1950), Heidegger observa que a coisidade(Dingheit) da coisa permanece oculta, anulada e destruda pela cincia e sua linguagem. O homemapesar de todo avano tcnico e da supresso de todas as distncias, no se coloca prximosuficientemente da coisa para interrog-la em sua coisidade nem matem uma relao essencial com linguagem (Heidegger, 1954, GA 07, p. 162). No mbito dessa supresso das grandes distncia

    operada pelos artefatos tcnicos e Cibernticos, tudo nos igualmente prximo e igualmente distantTudo , por assim dizer, sem distncia. A espacializao, a ciberespacializao, a uniformizao e calculabilidade de todas as relaes objetivadas em modelos abolem toda proximidade e toda distnci(Cf. HEIDEGGER M., 1958, p. 162).

    O mais grave que esse processo de modelizao lgico-matemtica operado pela Cibernticaao mutilar alguns aspectos essenciais do fenmeno da linguagem, atinge a prpria essncia humanMas como se processaria essa instrumentalizao da linguagem operada pela Ciberntica? Com Ciberntica a linguagem transforma-se num mero sistema de cdigos que vinculam determinad

    5 O modelo cientfico seria uma certa idealidade formalizada e matematizada que sintetiza um sistema de relaes entreelementos cujaidentidade e naturezaso irrelevantes e que podem ser trocados, substitudos por outros elementosanlogos sem que o modelo seja alterado.

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    quantidade de informao em organismos e mquinas. Nada mais distante da concepo heideggerianda linguagem comoLogos, como ddiva do Ser ao homem ou como lugar da co-respondncia dafilosofia ao apelo do Ser a muito silenciado.

    Num texto de 1962 intituladoLinguagem tradicional e Linguagem tcnica(berlieferte Sprache

    und technische Sprache), Heidegger contrape sua concepo de Linguagem ao processo detecnizao da linguagem operada pela Ciberntica. O filsofo parte da concepo corrente dLinguagem que diz que a Lngua uma viso de mundo e um simplesinstrumento de troca e decomunicao. Essa concepo de que a Lngua um mero instrumento ou meio v-se "reforada" peladominao da Tcnica moderna que justifica uma concepo Ciberntica de linguagem, enquantfluxo de mensagens em organismos e mquinas. Isso implica, segundo Heidegger, que "a linguageminformao". E a informao a linguagem (da) tcnica. (Heidegger, 1989, GA 80, p.33).

    Mas em que a "linguagem tcnica" se distingue do que prprio da Linguagem, que o falar dhomem"? Falar, observa Heidegger, "dizer ". Pode-se falar sem dizer nada, enquanto h silncios quedizem tudo. Dizer um "mostrar". Mostrar "...fazer ver e entender qualquer coisa, levar uma coisaa aparecer " (Heidegger, 1989, p.34). E o homem no pode verdadeiramente dizer seno aquilo que desi prprio aparece, se manifesta e a ele se dirige, fazendo com que na linguagem acontea odesvelamento e a revelao originaria do prprio Ser. Nesse sentido, a Linguagem no seria apenas expresso secundria desse desvelamento das coisas em signos verbais ou cdigos. Ela o desvelamesmo. Onde no existe linguagem, afirma Heidegger, como na pedra, na planta e no animal, ali n

    existe a patncia do ser, nem tampouco o no ser ou o nada. Somente onde acontece linguagempredomina e impera um mundo (Heidegger, 1976, p. 318). As palavras e a linguagem, afirmHeidegger, no constituem cpsulas, em que as coisas empacotam-se para o comrcio de quem fala oescreve. na palavra e na linguagem que as coisas chegam a ser e so (HEIDEGGER M. 1987, p. 42

    A Ciberntica, por seu lado, reduz omostrar do dizer a um oferecer sinais. "O sinal torna-seento uma mensagem e uma instruo acerca de uma coisa que, em si mesma, no se mostra.(Heidegger, 1989, p. 35).Todo o sinal exige que, previamente, se convencione o que significa enquantsinal: Isso faz da linguagem algo abstrato no interior das mquinas Cibernticas, sejam elas biolgicou mecnicas. Para Heidegger, o ponto decisivo dessa transformao reside no seguinte:

    "...so as possibilidades tcnicas da mquina que prescrevem como que a linguagempode e deve ainda ser lngua. (...) A natureza dos programas que podem servir de entradapara o computador, entradas com as quais podemos, como se diz, aliment-lo, regula-sesobre o tipo de funcionamento da mquina. O modo da linguagem determinado pelatcnica." (HEIDEGGER M. 1989, p. 36/37)

    Essa transformao ciberntica da linguagem em lngua tcnica, em linguagem de mquina, agresso "mais violenta e mais perigosa" contra o que prprio da lngua, que reside nodizer . E na

    medida em que a relao do homem com o ente, com o ser do ente e com ele prprio repousa no dizeessa agresso torna-se "uma ameaa contra a essncia prpria do homem e das coisas", transformadasem pura informao.

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    Nobert Wiener, um dos pioneiros da Ciberntica, sustenta que no somos substncias pensanteou seres existentes no e para o mundo, simplesmente a... mas padres homeostticos que sperpetuam a si mesmos (Cf. Wiener, 1950). At onde vai a palavra e o poder do homem, vai tambmseu domnio e sua existncia fsica. Entretanto, o que no se pensa que esse domnio no

    propriamente humano, mas de uma vontade [vontade de vontade = vontade de potncia] que subjugahomem e o reduz tambm condio de matria prima.

    A Ciberntica, portanto, enquanto ordenao e planificao planetria de toda praxis humanseria o ltimo ato pelo qual isto que chega ao fim (a filosofia) realiza-se na plena calculabilidade dtotalidade do ente. A verdade ainda oculta do Ser recusa-se a se revelar ao pensamento calculador. Abesta do labor abandonada vertigem de suas fabricaes, afim de que ela se dilacere ela mesmaque ela se destrua e caia na nulidade do nada.

    6. Pensar e poetar em tempos de penria e indigncia

    Um pensamento apto a ultrapassar o domnio planetrio da tcnica deve perguntar: quais seriamo solo e o fundamento para um arraigo vindouro do homem na terra inspita do clculo? Assim, o qutal pensar busca o mais prximo. Entretanto, para ns, homens de uma poca que aboliu todas adistncias, o caminho ao mais prximo sempre o mais rduo. Difcil para ns saber que opensamento fundamental aquele cujos pensamentos no apenas calculam, mas so determinadopelo outro do ente, ou seja, o prprio Ser.

    No pensar originrio, o Ser tem acesso sua morada a Linguagem, acasa do Ser onde mora ohomem. Pensadores e Poetas so os guardies desta habitao. Nessa guarda eles consumam manifestao do Ser, na medida em que pensam e dizem o que o Ser lhes enviou. (HEIDEGGER MCarta sobre o Humanismo, 1987, p. 149). Entretanto, uma autntica experincia da essncia dessepensar originrio, que implicaria em sua prpria realizao, exigiria nossa libertao dainterpretaotcnicado pensar e da linguagem que remete a Plato e Aristteles. Neles, segundo Heidegger, no mais o Ser que determina o dizer e o pensar, ao contrrio, doravante, so as leis do pensar (Principio didentidade, No-contradio e da Razo Suficiente) e as regras da gramtica que determinam o que

    Ser, concebido como causa e fundamento do ente. O prprio pensar tido, ali, como umatkhne, oprocesso da reflexo posto a servio do fazer e do operar (HEIDEGGER M. ,Carta sobre oHumanismo, 1987, p. 149 ).

    Antes de falar o homem deve aprender a escutar oapelo do Ser , escutando o pensamento pensa epercebe que pouco lhe resta a dizer. Somente assim, afirma Heidegger, ser devolvido palavra valor de sua essncia e o homem ser gratificado com a devoluo da habitao para residir na verdaddo Ser.

    Na confernciaWissenschaften und Besinnung , Heidegger retoma a questo da possibilidade deum pensamento originrio capaz de ultrapassar a metafsica e a concepo ciberntica do real e dLinguagem. Tal pensamento certamente no nos conduzir para nenhum outro lugar, seno quele n

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    qual desde sempre j moramos (HEIDEGGER M. ,Essais et Confrences, 1958, p. 48). Opensamento originrio seria, portanto, fundamentalmente a experincia de uma dimenso antpredicativa, uma espcie deClareira (Lichtung), iluminao, que condio de possibilidade de tododar-se. Somente esta clareira, dir Heidegger, nos garante a ns os homens um passo ao existente

    que ns no somos e o acesso ao existente que somos. Graas a essa clareira, o existente desvela-seem certa medida. (HEIDEGGER M.Holzweg , 1972, p. 11).

    Esse pensar originrio aproxima-se das coisas no atravs do olhar objetivante que abolequalquer distncia ou proximidade no espao puro da geometria. Esse pensar sabe que tudo que presente traz em si uma certareserva, uma vez que aClareira (Lichtung ) em que est o existente emsi mesma tambm ocultao, que se oculta e dissimula a si mesma. justamente ao tentar experienciesse jogo de retraimento do Ser, que se dissimula e oculta seu prprio retraimento naquilo que spresentifica (o ente), que o pensar originrio consuma a relao do Ser com a essncia do homem. somente mostrando isso que se retira e se subtrai, ns conseguiremos ser ns mesmos. Nessemovimento em direo quilo que se retira, o homem aquele que mostra, que aponta em diredaquilo que se retira, sem contudo anunciar isso que se retira, mas apenas o retraimento em si mesm(HEIDEGGER M.Holzweg,, 1972, p.132).

    O fato que uma poca indigente como a nossa, que se compraz em sua prpria indignciaprecisa de mais pensamento e menos filosofia. Um pensamento que no seja mais Filosofia e qupense mais originariamente, recolhendo a linguagem para junto do simples dizer. Nesse sentido, dir

    Heidegger: A nica tarefa do pensar trazer linguagem, sempre novamente, este advento do Ser que permanece e em seu permanecer espera pelo homem. Por isso, os pensadores essenciais dizemsempre o mesmo. (HEIDEGGER M.,Carta sobre o Humanismo, 1987, p. 174).

    Em ltimo caso, cabe a ns decidir se da noite desse tempo de penria e indigncia surgir umnova aurora do pensamento do Ser. Enquanto isso, o deserto cresce...

    CONCLUSO

    No por acaso que na modernidade assistimos a um colossal e gigantesco processo de

    planificao e burocratizao, de uniformizao de estilos de vida, de instrumentalizao da linguagee de esfacelamento do sagrado. A linguagem, ora informatizada, ora simplesmente nivelada pelamdias, reduz-se a um veculo de mensagens pr-estabelecidas. Transformada num simplesinstrumento de comunicao, a linguagem se insurge contra a palavra, excluindo dela mesma todcapacidade original de mostrao das coisas. Ser que a necessidade de uma linguagem potica se faela ainda sentir nessefuncionrio da tcnicamuito bemadaptado a sua tarefa de regulador doscircuitos de produo e de consumo?

    Devemos reconhecer que no mundo de hoje no podemos mais renunciar tcnica e cinciamoderna. Num certo sentido, o projeto baconiano do conhecimento como um poder exercido sobre

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    natureza ainda indispensvel. Por outro lado, esse projeto representa um perigo para a essncia dhomem que no poder ser combatido por meios meramente humanos.

    Entretanto, agora sabemos que o mtico demnio laplaciano onisciente, que se dizia ser capaz dcalcular o passado e futuro a partir de uma descrio pura, est morto. Encontramo-nos num mund

    essencialmente aleatrio, onde a reversibilidade e o determinismo so excees e a irreversibilidade a indeterminao microscpica a regra. No temos mais o direito de afirmar que o nico objetivo dcincia seja a descoberta do mundo a partir do ponto de vista exterior de uma inteligncia pura.

    Hoje a cincia reconhece que deve se preocupar mais com o mundo da vida do qual se afastoubuscando uma objetividade pura. No estamos mais no tempo em que o Universo era concebido comuma mquina na qual o homem se descobria como estranho, apesar da iluso de possu-lo. Enfim,natureza que a cincia procura manter um certo dilogo no mais aquela descrita a partir de umidia de tempo homogneo, contnuo, reversvel e repetitivo. Doravante, exploramos uma natureza rencantada, de estruturas complexas e em desequilbrio que nos fazem pensar na coexistncia dtempos irredutivelmente diferentes e articulados, onde se articulam a necessidade e o acaso(PRIGOGINE, 2002)

    Os homens, pensadores e poetas do crepsculo da era atmica devem assumir a misso depropiciar o advento de um pensamento mais sbrio do que a corrida desenfreada da racionalizao eprestgio da ciberntica que tudo arrasta. Mas enfim, o que se trata de questionar na tcnica, j qutudo funciona aparentemente bem? Tudo funciona. Isto o inquietante, que isto funcione, e que est

    funcionamento exija sempre um novo funcionamento, e que a tcnica sempre separe mais o homem dterra, desarraigando-o. No mais uma terra sobre a qual o homem vive hoje e o pior que a filosofno pode produzir um efeito imediato, fazer mudar o estado presente do mundo. Resta-nos preparamediante o pensamento e a poesia, uma disponibilidade para a apario do sagrado ou para suausncia em nossa decadncia. Enquanto isso, o deserto cresce.... E errando por uma terra devastae uniformizada pelo clculo, o homem continua surdo ao canto do poeta L onde brota o perigonasce tambm o que salva.[CF. HORDERLIN, Patmos].

    A tarefa da filosofia em meio a esse processo de objetificao avassalador que parecedesconhecer limites, preservar a fora das palavras mais elementares em que se expressa oDasein.Palavras que simplesmente no so compreendidas pela compreenso vulgar e pela compreenstcnica e objetificada da linguagem [Cf.SZ, p. 220, GA 2]. Estamos surdos para o significadooriginrio de muitas palavras que utilizamos com freqncia, como, por exemplo, a palavra Ser. Omundo desencantado pelo processo de objetificao, transformado em fundo de reserva, em estoque,um mundo manejvel, manipulvel e disponvel ao poder provocador da tcnico. Se a cincia concebo mundo como submetido a um esquema terico universal, que reduz suas diversas riquezas a

    melanclicas aplicaes de leis gerais, ela se d na mesma forma como instrumento de controle e ddominao . O homem estranho ao mundo, se apresenta como senhor desse mundo.

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    Entretanto, se certo que a tcnica plenifica o niilismo, o desenraizamento do homem, odesencanto da Natureza, o esquecimento do Ser e a fuga dos deuses; por outro lado, ela tambm mbito no qual emerge a possibilidade de umretorno ao Ser a partir de umnovo comeo,queinauguraria uma poca na qual nossas relaes com as coisas no se fariam apenas pela mediao d

    dispositivos tcnicos. Devemos nos precaver, ainda, contra qualquer ativismo ou qualquer espcie derevolta diante da tcnica, sob pena de cair na armadilha do pensamento calculador. Nenhuma ajamais conseguir provocar qualquer mudana na essncia da tcnica, e muito menos na essncia dSer e do homem. No temos nada a fazer para evitar ou amenizar os efeitos devastadores do domniplanetrio da tcnica, como o caso da morte da filosofia e da instrumentalizao da linguagem, snos restaesperar . Uma espera que no significa submisso ou resignao, mas que nos convoca paratomar decises.

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