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OBSERVATÓRIO DE PRÁTICAS JURÍDICAS DA UFERSA:experiências de pesquisa jurídica com metodologia

socioantropológica

Ramon Rebouças Nolasco de OliveiraMestre em Ciências Sociais e Humanas pela UERN

Docente no Curso de Direito da UFERSA

Mário Sérgio Maia FalcãoDoutor em Direito pela UFPE

Docente no Curso de Direito da UFERSA

Ingrid Silva CavalcanteGraduanda em Direito da UFERSA

Vanessa Monteiro LimaGraduanda em Direito da UFERSA

1. INTRODUÇÃO.

Este trabalho apresenta algumas práticas de pesquisa desenvolvidas noâmbito do Grupo de Pesquisa “Observatório de Práticas Jurídicas: uma análise docampo profissional”, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq(dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/6252845928538876), com atividades iniciadas em2015.

Como linhas de pesquisa, temos “Práticas do Professor/Pesquisador doDireito” e “Práticas do Profissional Forense: a tecnologia dogmática em uso”. Naprimeira linha, nos concentramos em descrever e analisar, a partir de umaabordagem socioantropológica, as práticas concretas de atuação profissional doprofessor/pesquisador de direito. Na segunda linha, abordamos o campo jurídico deatuação do profissional forense a partir de uma metodologia antropológica, no afá deperceber e analisar as características concretas do afazer cotidiano do profissionaljurista que desenvolve a sua atividade no ambiente forense.

O nosso “Observatório de Práticas Jurídicas” estuda o campo jurídicoprofissional com foco nas práticas pedagógicas dos profissionais professores noscursos de Direito, tendo no horizonte a exigência normativa do MEC de um ensinocrítico-humanista. Olhando também para o profissional forense, vamos a campopara compreender resultados e causas que interferem nas práticas pedagógicas doscursos jurídicos.

Entendemos que esta modalidade de pesquisa, de caráter socioantropológico,contribui para a pesquisa em Direito, especialmente se considerado os objetos esujeitos investigados, que são os professores/pesquisadores e os profissionaisforenses, agentes relevantes do campo jurídico, diretamente ligados à educaçãojurídica. As técnicas de análise de dados (etnográfica e quantitativa, por exemplo)que esta forma de pesquisa socioantropológica fornece podem colaborar cominovações interessantes ao momento crítico e decisivo que o país vivencia.

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2. PRIMEIROS PASSOS E RESULTADOS DAS PESQUISAS DO OBSERVATÓRIODE PRÁTICAS JURÍDICAS DA UFERSA.

Mais ligada à linha “Práticas do Professor/Pesquisador do Direito”, empesquisa intitulada “O professor de Direito no Município de Mossoró/RN: umaabordagem sociológica do campo profissional”, investigaram-se os perfis dedocentes de graduação em Direito atuantes em instituições públicas e privadas dareferida cidade na busca por verificar as repercussões dos distintos perfisprofissionais, em termos da atuação científica e pedagógica dos profissionais.Utilizou-se da metodologia quantitativa característica da sociologia. A pesquisa foirealizada a partir de dados empíricos colhidos em fontes virtuais (currículos Lattesdos professores). Concretamente, a pesquisa consistiu em estudo descritivo ecomparativo nos seguintes sentidos: (1) analisar os perfis e a produção acadêmicados professores de direito no Brasil; (2) analisar os perfis e a produção acadêmicados professores de direito no Município de Mossoró e (3) comparar a realidade local(Município de Mossoró) com a realidade nacional.

O objeto de estudo foi delimitado a partir da ideia de “campo” desenvolvidapor Bourdieu (2011). Também influenciou teoricamente a pesquisa o trabalhorealizado ainda na década de 1970 por Nelson Saldanha (2008) acerca da vidaforense. O corpus de análise foi delimitado ao corpo docente da UFERSA (IESpública) e da Faculdade Mater Christi (IES privada), considerando a existência de 04instituições de ensino superior que oferecem o curso de graduação em Direito nomunicípio de Mossoró.

No momento exploratório da pesquisa, perceberam-se nítidas distinções entreos perfis docentes entre as IES eleitas. O recorte temporal foi o ano de 2014.Utilizamos, para comparações com o quadro nacional, os dados disponibilizadospela Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2013), através do relatório de outubro de 2013,produzido pelo Observatório de Ensino do Direito, que se dedicou a examinar “Quemé o professor de Direito no Brasil?”.

Foram enfrentadas dificuldades de currículos desatualizados e até docentessem Lattes disponível. Os critérios básicos de análise, para geração de percentuaiscomparativos, foi “titulação acadêmica”, “gênero” (homens e mulheres), “regime detrabalho” (Dedicação Exclusiva, 40h, 20h ou “horista”). Além disso, foi feita umaanálise dos projetos pedagógicos dos cursos para identificar o perfil do curso emrelação aos perfis dos professores, a partir dos citados critérios e a produçãoacadêmica (projetos de pesquisa, extensão, publicações).

Foi realizado um comparativo entre a Mater Christi as instituições privadas nopaís, assim como entre a UFERSA e outras IES públicas.

Como resultados destes primeiros esforços, encontramos elementos paraconcluir que o ensino público das graduações em Direito no Brasil é ofertado, emsua maioria, por professores mestres e doutores, com regime de trabalho integral,com ou sem dedicação exclusiva. Tais cursos se voltam à formação de profissionaisque possam transcender o direito privado, voltando-se também para o direitopúblico, o que favorece certa formação voltada para pesquisa e extensão. Isso seconsiderar-se que, no ensino privado, a maioria dos docentes são especialistas eatuam em regime de trabalho parcial ou horista. Assim, torna-se possível inferir quetais cursos possuem um caráter que objetiva formar profissionais para o mercado do

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direito privado, com enfoque mais ligado ao dogmatismo tecnológico seguindo aclassificação do Ferraz Jr. (2013, p. 59).

Em outro momento, mais relacionado à linha “Práticas do ProfissionalForense: a tecnologia dogmática em uso”, procedeu-se à pesquisa intitulada “A vidado trabalhador numa secretaria forense em Mossoró/RN: um ensaio de etnografia docampo jurídico profissional”.

Desta feita, pensou-se, inicialmente, em fazer uma análise da “vida doprocesso” na Secretaria da 2ª Vara da Justiça do Trabalho em Mossoró. Todavia,após entrada no campo de pesquisa, abriu-se uma nova perspectiva, que foi a rotinade um dos servidores da referida serventia judicial. Sob um enfoque antropológico,foi produzido um ensaio etnográfico para compreensão daquela parte do “mundo dodireito”, tendo como pesquisadora principal do grupo uma estudante do 3º períododo curso de Direito da UFERSA, com uma visão ainda não tão domesticadajuridicamente ou treinada dogmaticamente. A etnografia incluía entender desde aefetiva rotina prática do servidor aos seus principais anseios enquanto profissional. Apartir deste estudo de campo, com a vivência do cotidiano da Secretaria, interagindocom os outros profissionais que lá atuam, percebeu-se a elevada demanda e a forteburocratização dos serviços, frustrando anseios alimentados na academia de que aatuação profissional do “jurista” terá ênfase na interpretação e complexidade doscasos. As tarefas intelectuais são suprimidas, na prática, pelas rotinas mecânicas.

Nesta perspectiva realista, percebeu-se que o direito institucional praticada sequeda distante das idealizações de que os profissionais farão uso rotineiro detécnicas hermenêuticas.

Explorou-se aqui também a ideia de “campo”, elaborada por Bourdieu (1989),enquanto aquilo que, na linguagem cotidiana, chamamos de “mundo” do jurista, ouseja, o universo simbólico habitado por aqueles que vivem a profissão jurídica.

A abordagem antropológica também recebeu a influência do trabalho deNelson Saldanha (2008). Em “A Sociologia do Direito”, ele a profissão jurídica e avida forense a partir de uma análise do senso comum, ou seja, do que a sociedadeexterna entende sobre o profissional do direito e sobre a atividade forense. Trata-sede um esboço de etnografia, considerado como modelo para a realização destapesquisa, calcada nos passos de Bruno Latóur (2009) e Gilberto Velho (2003).

Foram vivenciados atos judiciais (audiências), folheados autos processuais eentrevistados 10 servidores durante a permanência no campo de análise. Asentrevistas foram numa perspectiva etnográfica, o que é algo aberto, minucioso edesafiador. Portanto, “a entrevista etnográfica é de fato interativa, no sentindo deacontecer entre pessoas que se tornaram amigas enquanto o etnógrafo foiobservador participante na comunidade em que o seu ou a sua informante vive”(ANGROSINO, 2009 p. 61).

Houve descrição detalhada dos espaços, registros fotográficos dasinstalações e pessoas que circulavam pelos ambientes do fórum e secretariastrabalhistas, considerando a arquitetura e as vestimentas como elementossimbólicos dignos de análise para compreensão do campo observado. Relatou-se,no diário de campo, as dificuldades encontradas para acessar e dialogar com aspessoas, o que exigiu trato na aproximação e criação de pontes de confiança entreos sujeitos e a pesquisadora. Quebrou-se a ideia da formalidade existente noespaço forense, quando se notou a maneira cordial e prestimosa dos servidorespara com os usuários do serviço.

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Dado o pequeno recorte do microespaço social, a pesquisa teve que ser decaráter qualitativo, próprio da etnografia realizada na abordagem antropológica.Seguiu-se à minuciosa análise das falas, na busca de significados dos discursos,posturas e não-ditos do homo juridicus, quando expuseram sobre a rotina dotrabalho, as principais dificuldades encontradas, as metas impostas aos servidores esobre a satisfação e expectativas acerca do serviço.

Concluiu-se que há uma massificação e repetitividade das demandas judiciaisque geram pressões para produção de resultados quantitativos, em detrimento doestímulo a trabalhos de caráter mais intelectual e menos burocratizado.

Recentemente, fomos a campo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais daComarca de Mossoró, para entrevistar advogados, no período de 3 semanas, antese após audiências judiciais realizadas naqueles órgãos. A pretensão é proceder auma abordagem cultural sobre as causas internas ao campo jurídico profissionalpara o excesso de litigância no sistema institucional estatal de resolução de conflitos(Poder Judiciário). A pesquisa é preponderantemente qualitativa e tem comoamostragem de análise o comportamento no campo profissional do advogadoatuante nos referidos Juizados. A coleta de dados quantitativos foi feita,anteriormente, no site do Conselho Nacional de Justiça, em especial, o relatório“Justiça em Números”, publicado em 2015.

A coleta de dados qualitativos seguiu às orientações da pesquisa enográfica,com recursos às técnicas de entrevistas semiestruturadas e elaboração de diário decampo. Atualmente, estão sendo sistematizados os dados para produção de artigoou ensaio sobre a problemática enfocada. A hipótese de pesquisa é de que existeuma relação perceptível entre as pressões vividas concretamente pelos advogadosno exercício do seu afazer cotidiano e o fenômeno da litigiosidade constatado noâmbito da prestação do serviço jurisdicional estatal.

3. CONCLUSÃO.

Numa cultura positivista, formalista, de um bacharelismo liberal que idolatra alei e, agora, se torna amante dos precedentes jurisprudenciais como cânones dasreflexões e de toda a vida jurídica, pensar numa pesquisa socioantropológicapoderia ser caminhar na contramão do sistema.

É isso que se faz no “Observatório de Práticas Jurídicas da UFERSA”, namedida em que se propõe a fazer, desta veneração acima mencionada e do citadocomportamento mecânico e irrefletido, seu campo de análise, para compreensão docampo profissional forense e do professor/pesquisador do Direito.

Contudo, não se procede a isso com intento de nadar contra a maré de modoirresponsável. A expectativa é que se valorize o eixo de formação fundamental doscursos jurídico e suas leituras zetéticas para aprimoramento de uma dogmática maishumanizada, crítica e reflexiva, fomentando as aptidões e habilidades necessáriasaos egressos do bacharelado em Direito, para lidar com os desafioscontemporâneos. Afinal, este é o papel da educação jurídica que está normatizadanas diretrizes e parâmetros curriculares do MEC para os cursos jurídicos.

Além disso, o olhar socioantropológico aproxima o Direito de outros saberes eáreas do conhecimento, facilitando a atuação inter/transdisciplinar, o diálogo entrepesquisadores e profissionais de diversos ramos do conhecimento, contribuindo,então, para formação de juristas mais aptos ao tratamento e enfrentamento das

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problemáticas complexas e que a resposta jurídica tradicional não mais garanteapaziguamento e satisfação social, o que justifica explorar as dimensõessocioantropológicas da realidade, os aspectos simbólico-imaginários dos campos e arede de significâncias quer permeiam os conflitos sociais.

O esgotamento da didática tradicional (bancária) e das técnicas jurisdicionais,legislativas e formais do Direito aponta para estas aberturas cognitivas que avançamsobre a educação jurídica ou para as quais esta precisa avançar.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ANGROSINO, Michel. Etnografia e observação participante. Porto Alegre: Artmed,2009.

BOURDIEU, Pierre. Homo Academicus. Santa Catarina: UFSC, 2011.

______. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,dominação. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2013.

FGV. Observatório do direito. Relatório de outubro de 2013, vol. 1, n. 1. São Paulo:FGV, 2013. Disponívelem:<https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/relatorio_oed_out_2013quem_e_o_professor_de_direito_no_brasil.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2015.

LATÓUR, Bruno. The Making of Law: an Ethnnography of the Consul d’ État.França: Polity, 2009.

SALDANHA, Nelson. Sociologia do direito. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

VELHO, Gilberto. A utopia urbana: um estudo de antropologia social. 7. ed. Rio deJaneiro: Zahar, 2003.