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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ANDRÉ DE ALMEIDA DA SILVA FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE FURTO Araranguá/SC 2019

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

ANDRÉ DE ALMEIDA DA SILVA

FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE FURTO

Araranguá/SC

2019

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ANDRÉ DE ALMEIDA DA SILVA

FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE FURTO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Graduação em Direito da

Universidade do Sul de Santa Catarina, como

requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Renan Cioff de Sant’ana

Araranguá/SC

2019

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Dedico o presente trabalho à minha família e

namorada, que em todos os momentos,

estiveram ao meu lado, e à Juíza de Direito,

Dra. Thania Mara Luz, que ajudou a despertar

em mim, verdadeira paixão pelo Direito Penal.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço inicialmente aos meus pais e irmã, que sempre me incentivaram e

deram todas as ferramentas necessária para que eu estudasse – e igualmente, me apoiaram nas

horas mais difíceis do curso de Direito. Nada nesse mundo consegue mensurar o amor que

sinto por vocês três - vocês são minha maior motivação e influência para seguir em frente.

Agradeço igualmente à minha namorada Laura, que esteve ao meu lado desde o

início da minha caminhada na faculdade, e foi fundamental para que eu chegasse até o final –

lidando com todas as versões possíveis de mim: feliz, triste, ansiosa, calma, elétrica. Além

disso, sempre me apoiou em minhas decisões. Espero lhe dar o mesmo amor, apoio, carinho e

dedicação que você deu à mim, desde sempre.

Aos meus amigos que carrego no peito desde o ensino médio, obrigado – André,

Daniel, Ernesto, Helena, Iago, Miguel, Mateus, Luan, Rafael, enfim, são muitos a serem

nomeados mas, vocês mais do que ninguém sabem o quanto são importantes para mim e o que

representam em minha vida.

Ao Guilherme e ao Nilson, que foram amigos especiais que tive o grande prazer

de conhecer, e igualmente aos anteriores, fizeram verdadeiros jus ao significado de amigos,

mesmo tão distantes.

Ao grupo “SoNois”, onde conheci amigos que podem ser considerados irmãos de

coração, e entendi o verdadeiro significado da palavra união, bem como o valor do coletivo

em detrimento do individual.

E por fim, e não menos importante, à equipe do gabinete da 2ª Vara Criminal da

comarca de Araranguá/SC. Tive o prazer de aprender com vocês o significado de trabalho

duro, dedicação e esforço – aprendi muito sobre o curso com todos vocês, e, com absoluta

certeza, vocês me demonstraram o grande prazer que é atuar na área do Direito Penal – além

de terem sido grandes companheiros durante esta jornada que foi a faculdade.

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RESUMO

A presente monografia apresenta como tema a flexibilização do poder punitivo estatal nos

delitos de furto, em observação ao princípio da intervenção mínima – com foco na aplicação

da representação da vítima nos referidos delitos, bem como uma mais eficiente aplicação do

princípio da insignificância em nosso ordenamento jurídico. Passa da análise histórica do

direito penal e seus princípios, das espécies de ação penal em nosso ordenamento jurídico, até

o crime de furto. Neste, é dada ênfase às suas espécies e modalidades, além de sua redação no

Anteprojeto do Código Penal. Após, faz uma análise da política criminal e do sistema

carcerário brasileiro, e por consequência, do encarceramento em massa. Com isso, são

expostos os projetos de lei que dão suporte para que seja a ação penal condicionada à

representação da vítima, nos crimes de furto simples, bem como análises jurisprudenciais que

defendem ou que afastam a aplicação da insignificância no caso em concreto, quando existam

qualificadoras ou seja o agente reincidente.

Palavras-chave: Poder Punitivo. Furto. Representação. Insignificância. Sistema Prisional.

Política Criminal.

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ABSTRACT

This monograph presents as theme, the easing of state punitive power in theft crimes,

observing the principle of minimum intervention - focusing on the application of the victim

representation in said crimes, as well as a more efficient application of the principle of

insignificance in our legal order. It goes from the historical analysis of criminal law and its

principles, to the kinds of criminal processes in our legal system, then, to the crime of theft. In

this, emphasis is given to its species and modalities, as well as its wording in the Preliminary

Draft of the Penal Code. Afterwards, it analyzes the criminal policy and the Brazilian prison

system, and consequently, the mass incarceration. With this, are presented the law projects

that supports to be the criminal process conditioned to the representation of the victim, in

simple theft crimes, as well as jurisprudential analyzes that defend or that put away the

application of insignificance in the concrete case, when there are qualifiers in the action, or

recidivist is the agent.

Keywords: Punitive Power. Theft. Representation. Insignificance. Prison System. Criminal

Policy.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 9

2 DIREITO PENAL ............................................................................................................ 12

2.1 PRINCÍPIOS REGULADORES DO DIREITO PENAL .................................................. 12

2.1.1 Princípio da intervenção mínima ................................................................................. 13

2.1.2 Princípio da ofensividade ou lesividade ....................................................................... 14

2.1.3 Princípio da proporcionalidade .................................................................................... 15

2.1.4 Princípio da insignificância .......................................................................................... 16

2.2 JUS PUNIENDI E A AÇÃO PENAL PÚBLICA .............................................................. 17

2.2.1 Ação pública incondicionada ........................................................................................ 19

2.2.2 Ação penal pública condicionada à representação ..................................................... 20

3 O DELITO DE FURTO ................................................................................................... 22

3.1 MODALIDADES DO FURTO .......................................................................................... 23

3.1.1 Furto privilegiado .......................................................................................................... 23

3.1.2 Furto na modalidade qualificada ................................................................................. 24

3.1.3 Furto insignificante........................................................................................................ 25

3.2 O CRIME DE FURTO NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL .............................. 27

4 POLÍTICA CRIMINAL .................................................................................................. 32

4.1 O DIREITO PENAL MÁXIMO ...................................................................................... 33

4.2 ABOLICIONISMO .......................................................................................................... 33

4.3 O DIREITO PENAL MÍNIMO ....................................................................................... 34

4.4 FALÊNCIA DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO.......................................... 34

5 FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI NO CRIME DE FURTO COMO

MEDIDA DE POLÍTICA CRIMINAL ................................................................................ 37

5.1 DESPROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA AO CRIME DE FURTO EM

FACE DE OUTROS CRIMES NO CÓDIGO PENAL ........................................................... 37

5.2 REPRESENTAÇÃO COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO PENAL NO CRIME DE

FURTO SIMPLES .................................................................................................................... 38

5.2.1 A representação como condição da ação penal no direito processual penal

europeu .................................................................................................................................... 41

5.3 VIABILIDADE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA À

REINCIDENTES E AO FURTO QUALIFICADO, COMO MEDIDA DE POLÍTICA

CRIMINAL .............................................................................................................................. 42

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6 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 47

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 50

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1 INTRODUÇÃO

A desatualização das leis penais brasileiras, o posicionamento dos diplomais

legais europeus, o sistema carcerário e sua situação atual no Brasil, aliados ao princípio da

intervenção mínima e sua inobservância, no que tange ao delito de crime de furto, foram

essenciais para a escolha do tema da presente monografia.

Durante três anos de estágio no Poder Judiciário, sendo um deles em uma vara de

execução penal, pude perceber a realidade processual e carcerária de minha cidade. Aliás, de

fato, a situação é grave – com interdição de presídio, falta de vagas, mas, comparada ao

restante do país, pode ser considerada controlada.

Em minha experiência na sala de audiências (principalmente as de instrução e

julgamento), percebi o desinteresse de inúmeras vítimas de crimes patrimoniais, notoriamente

o furto (tanto o simples, quanto o qualificado). Não são raras as vezes em que estas

manifestavam sua vontade de encerrar a ação penal – seja por já ter havido restituição do

valor, seja pelo desgaste emocional que pode ser causado pela persecução penal, seja por

terem perdoado o réu. Contudo, esse desinteresse sempre foi em vão, uma vez que a ação

penal já havia iniciado, devendo o Ministério Público ir até o seu fim, diante da

indisponibilidade da ação penal.

Ao confeccionar sentenças condenatórias, verificava casos esdrúxulos, como

furtos de desodorante, barra de chocolate, energéticos. Na maioria destes casos, verificava que

o réu furtava diante de sua terrível situação econômica, ou, ainda, para satisfazer sua

dependência química – o que era extremamente corriqueiro. Porém, não raras as vezes que

não podia ser aplicado o princípio da insignificância, por conta da reincidência e risco de

reiteração criminosa. Desta maneira, eram prolatadas sentenças que por vezes, levavam

pessoas ao presídio – local que não cumpre uma de suas principais funções, a de

ressocialização.

Com isso, percebi que o Poder Judiciário estava sendo tomado de praticantes de

pequenos crimes, e condenando-os por isso, por culpa de uma legislação arcaica – ocupando-

se do processamento de ações penais que por vezes, não deveriam estar ali, tendo em vista

que, nestes casos, o principal lesado (vítima) não possuía o menor interesse na persecução

penal. E essas condenações, por conta da legislação desatualizada e em desconformidade com

as mais modernas (como por exemplo, alemã, portuguesa, francesa, espanhola).

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Ao pesquisar sobre o tema, encontrei os anteprojetos do Código Penal e Código

de Processo Penal, que se propuseram a condicionar a ação penal nos crimes de furto simples,

à representação do ofendido – com o fito de fazer cumprir o princípio da intervenção mínima.

Com base nisso, a delimitação do tema foi a flexibilização do jus puniendi estatal

nos crimes de furto, como medida de política criminal – para que o Direito Penal faça cumprir

seu papel de ultima ratio, e ocupar-se daquilo que realmente interessa e assola a sociedade.

A problematização é justamente a ineficiência de nossa legislação penal em

permitir-se fazer o certo, ou seja, garantir uma penalização adequada àquele que pratica um

crime de furto, tanto permitindo uma melhor análise de caso a caso (para aplicação de

medidas adequadas, como princípio da insignificância ou furto privilegiado), como

permitindo que o real lesado pela prática delitiva do autor do fato exerça o seu direito de não

querer vê-lo processado, caso não tenha interesse. Mas não só isso, o problema continua ao

passo que, nos casos explicados, são gerados custos ao Estado – seja pelo processamento da

ação, como pelo cumprimento da pena, em nossos tão abarrotados e inumanos presídios.

E, como justificativa, embasei-me, principalmente no princípio da intervenção

mínima (que o Estado não deve se ocupar de trivialidades); no Anteprojeto do Código Penal,

que prevê uma reforma significativa para o crime de furto simples; nas legislações europeias;

na desproporcionalidade das penas previstas para o crime de furto em face à outros crimes

mais graves para a sociedade; e também nas informações do INFOPEN, mostrando que existe

uma grande quantidade de presos condenados por crimes de furto – e que, caso existisse uma

verdadeira flexibilização do jus puniendi, poderiam não estar ali.

Com isso, o objetivo é simples: analisar a possibilidade de ajustar o poder

punitivo estatal, através do condicionamento da ação penal nos crimes de furto, à

representação do ofendido, além da aplicação de outros princípios, com o intuito de garantir

um processamento e punição adequados para aqueles que cometam o crime de furto, como

para aqueles que são vítimas de tal delito. E com isso, também, o desafogamento do Poder

Judiciário, e por consequência, do sistema prisional, de casos que poderiam ter tidos

desfechos muito menos severos, ou até mesmo nem sido iniciados.

Foram realizadas, no presente trabalho, as pesquisas bibliográfica e documental,

utilizando-se a primeira de doutrinas, livros, artigos científicos, páginas de websites. Já na

segunda, observou-se o uso de jurisprudências e projetos de lei, além do INFOPEN, o qual

elenca os dados do sistema penal brasileiro.

Para melhor compreensão, foi dividido o trabalho em quatro capítulos. O

primeiro, trata-se de uma parte histórica e doutrinária, explicando o que é o direito penal, seus

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princípios, a ação penal e suas espécies. O segundo capítulo trata do crime de furto,

explicando sua origem histórica, suas modalidades (simples, qualificada e privilegiada), além

de sua redação no anteprojeto do código penal. O terceiro capítulo trata da política criminal –

seu significado e as correntes existentes. O quarto e último tópico aborda a falência do

sistema carcerário, a representação como medida de política criminal para ajudar no combate

ao encarceramento em massa, sua aplicabilidade no crime de furto nos projetos de lei

existentes no Brasil e em outras legislações.

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2 DIREITO PENAL

Antes de adentrar-se no mérito do tema que conduz a presente monografia, devem

ser explicados alguns conceitos e princípios acerca do Direito Penal propriamente dito.

Conforme Nucci (2014, p. 48), o Direito Penal “é o conjunto de normas jurídicas

voltado a fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as

sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação”.

Deste modo, infere-se que este ramo do direito regula o poder estatal em face das

condutas praticadas contra a sociedade, com o intuito de protegê-la de nós mesmos

Capez (2012a, p. 19) explica que o Direito Penal tem com o intuito a proteção de

valores fundamentais. Para isso, o Estado utiliza-se de normas coercitivas, que tem o escopo

não apenas de tipificar condutas criminosas com o intuito de prevenção e punição

àquele que transgrida a lei, mas sim de implementar no pensamento do cidadão que as

condutas normatizadas ferem os preceitos de ética e justiça – atrapalhando, assim, o bom

convívio em sociedade. Deste modo, o Direito Penal se torna não apenas um método de

coerção e punição, mas sim um meio de formação de valores sociais e éticos.

Para tanto, “com o direito penal objetiva-se tutelar os bens que, por serem

extremamente valiosos, não do ponto de vista econômico, mas sim político, não podem ser

suficientemente protegidos pelos demais ramos do direito.” (GRECO, 2017, p.34).

Deste modo, infere-se que este ramo do direito regula o poder estatal em face das

condutas praticadas contra a sociedade, com o intuito de protegê-la das condutas criminosas

praticadas por seus cidadãos. Assim, neste ramo, em que pese a possibilidade de iniciativa

privativa para o início de um litígio, o poder de punir não vem do particular, como na Lei de

Talião, onde utilizava-se o sistema “olho por olho”, mas sim do Estado.

Bittencourt (2018, p. 48), afirma que o Direito Penal “caracteriza-se pela sua

finalidade preventiva: antes de punir o infrator da ordem jurídico-penal, procura motivá-lo

para que dela não se afaste, estabelecendo normas proibitivas e cominando as sanções

respectivas, visando evitar a prática do crime.”

Ora, o doutrinador demonstra que a intenção do Estado ao utilizar-se do Direito

Penal não é primariamente a punição daqueles que transgridam a norma jurídica, mas sim de

mostrar que aquilo que está tipificado é, na verdade, uma conduta nociva para a sociedade.

2.1 PRINCÍPIOS REGULADORES DO DIREITO PENAL

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Sabendo as funções do Direito Penal e seu intuito de regular a o poder punitivo

estatal, foram criados princípios para garantir que o Estado não ultrapasse os limites do poder

que lhe é conferido para punir o transgressor da lei. Desta forma, os referidos princípios estão

dispostos na Constituição Federal de 1988.

Conforme Bittencourt (2018, p. 66)

[...] é no art. 5º da nossa Carta Magna onde encontramos princípios constitucionais

específicos em matéria penal, cuja função consiste em orientar o legislador ordinário

para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos,

embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e

garantista [...]

São diversos os princípios que regem o Direito Penal, variando de doutrinador

para doutrinador. No entanto, alguns são sempre citados – o princípio da legalidade;

humanidade; intervenção mínima; da adequação social; da insignificância; da fragmentaridade

e da lesividade. Mister salientar que tais princípios são praticamente unânimes entre os

doutrinadores pois estão ligados intrinsicamente com os princípios constitucionais brasileiros.

Para a construção da presente monografia, é necessária a análise dos princípios da

intervenção mínima, da ofensividade ou lesividade, da proporcionalidade e da insignificância,

uma vez que o jus puniendi (direito de punir) do Estado encontra grande respaldo nos

referidos princípios.

2.1.1 Princípio da intervenção mínima

Segundo o princípio da Intervenção Mínima, o Estado deverá atuar somente

quando estritamente necessário, sobre os bens resguardados pelo Direito Penal – aqueles que

são fundamentais para o bom convívio em sociedade.

Para Nucci (2014, p. 66), tal princípio limita o poder estatal, impedindo que o

Direito Penal seja aplicado a toda e qualquer situação concernente aos cidadãos, tendo em

vista que nem todo conflito é de interesse social. Inclusive, para os que existam outros modos

de solução, devem estes ser aplicados, deixando-se a aplicação do Direito Penal àquelas

situações que realmente possam comprometer a coletividade.

Capez (2012, p. 35) preleciona que

Ao operador do Direito recomenda-se não proceder ao enquadramento típico,

quando notar que aquela pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a

atuação de outros ramos menos agressivos do ordenamento jurídico. Assim, se a

demissão com justa causa pacifica o conflito gerado pelo pequeno furto cometido

pelo empregado, o direito trabalhista tornou inoportuno o ingresso do penal. Se o

furto de um chocolate em um supermercado já foi solucionado com o pagamento do

débito e a expulsão do inconveniente freguês, não há necessidade de movimentar a

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máquina persecutória do Estado, tão assoberbada com a criminalidade violenta, a

organizada, o narcotráfico e as dilapidações ao erário.

Deste modo verifica-se que o legislador, ao criar o referido princípio, se

preocupou não apenas com o tipo penal, mas sim com o caso em concreto. Existem casos

onde, por mais que a conduta seja típica, não existe o porquê de puni-la. Deste modo, fica

claro que o Poder Judiciário possui delitos de grande relevância para se preocupar, e aqueles

que já foram resolvidos de outra maneira, ou ainda que não tenham sido, mas possam ser, não

devem ser objeto da persecução penal, eis que esta gera gastos desnecessários ao Estado, por

movimentar a máquina pública.

Para Greco (2017, p. 129),

o princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, é o responsável não só pela

indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial atenção do Direito

Penal, mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização.

Se é com base neste princípio que os bens são selecionados para permanecer sob a

tutela do Direito Penal, porque considerados como os de maior importância, também

será com fundamento nele que o legislador, atento às mutações da sociedade, que

com a sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram da maior

relevância, fará retirar do nosso ordenamento jurídico-penal certos tipos

incriminadores.

Percebe-se, pelo pensamento do autor, que o Princípio da Intervenção Mínima não

só serve como delimitador da atuação do Estado, mas também como instrumento para legislar.

Se determinada tipificação não mais interessa ao Direito Penal, o referido princípio determina

que o crime então, não seja mais tratado como delito, uma vez que deixa de interessar à

sociedade como um todo, podendo ser resolvido por vias diferentes.

É o caso, por exemplo, do crime de adultério. O referido delito possuía pena

prevista de 15 (quinze) dias a 06 (seis) meses de detenção, e foi revogado pela Lei n. 11.106

de 2005, por não mais interessar ao legislador que vigorasse, podendo os conflitos

concernentes serem resolvidos por outros meios, sem que o Direito Penal interfira. (BRASIL,

2005).

2.1.2 Princípio da ofensividade ou lesividade

Conforme já exposto, o Direito Penal resguarda direitos que não podem ser

resguardados por outro diploma legal. Um dos principais norteadores deste ramo é o Princípio

da Ofensividade, ou Lesividade. O referido princípio complementa o princípio da intervenção

mínima – para ser aplicado, é necessária que a conduta a ser punida gere uma ofensividade à

coletividade – ou seja, se não há ofensa, não há, portanto, crime.

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Bitencourt (2018, p. 85) resume o princípio da ofensividade, lecionando que:

Para que se tipifique algum crime, em sentido material, é indispensável que haja,

pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico

penalmente protegido. Somente se justifica a intervenção estatal em termos de

repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente

relevante, que represente, no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado. Por

essa razão, são inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato, pois,

no âmbito do Direito Penal de um Estado Democrático de Direito, somente se

admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de

lesão a um bem jurídico determinado.

Greco (2017, p. 131), no mesmo sentido, explica:

Os princípios da intervenção mínima e da lesividade são como duas faces de uma

mesma moeda. Se, de um lado, a intervenção mínima somente permite a

interferência do Direito Penal quando estivermos diante de ataques a bens jurídicos

importantes, o princípio da lesividade nos esclarecerá, limitando ainda mais o poder

do legislador, quais são as condutas que poderão ser incriminadas pela lei penal. Na

verdade, nos orientará no sentido de saber quais são as condutas que não poderão

sofrer os rigores da lei penal.

Parafraseando Capez (2012, p. 38), “a atuação repressivo-penal pressupõe que

haja um efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, isto é, o surgimento

de, pelo menos, um real perigo ao bem jurídico.”

Deste modo, torna-se claro que, se não houver ameaça à direitos inerentes

coletividade, mais uma vez estaremos diante de um caso onde não cabe ao Direito Penal agir.

Assim, o princípio da ofensividade serve como limitador para o poder do Estado, impedindo-o

de punir condutas que não gerem perigo concreto de dano.

2.1.3 Princípio da proporcionalidade

Segundo Capez (2012a, p. 39), através do referido princípio, limita-se o poder do

legislador de punir exacerbadamente o individual. Deve-se manter um equilíbrio entre a

criação de uma normal penal e o proveito que esta terá para a sociedade, uma vez que a norma

penal serve como limitadora de condutas. Ademais, a pena imposta pela conduta deve guardar

proporcionalidade com o impacto social desta. Deste modo, não parece justa a pena aplicada

ao delito de furto ser a mesma aplicada ao de homicídio, uma vez que a gravidade da conduta

é muito maior em um, do que em outro.

No entanto, o princípio da proporcionalidade não apenas se propõe a proibição do

excesso, mas também para proibir as punições irrisórias. Masson (2014, p. 106) explica que

[...] modernamente, o princípio da proporcionalidade deve ser analisado sobre uma

dupla ótica. Inicialmente, constitui-se em proibição ao excesso, pois é vedada a

cominação e aplicação de penas em dose exagerada e desnecessária. Se não bastasse,

este princípio impede a proteção insuficiente de bens jurídicos, pois não tolera a

punição abaixo da medida correta.

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Por fim, se pode dizer que o princípio da proporcionalidade é essencial para a

aplicação do Direito Penal, pois sem ele, não estaria limitado o legislador, podendo tipificar

condutas banais ao seu bel prazer, que não interessa à sociedade, e impor-lhes penas

exagerada. Ou, ao contrário, o legislador, por interesse próprio, poderia tipificar condutas

gravíssimas com penas incompatíveis, tornando o cidadão propenso a cometê-las, por se achar

impune.

2.1.4 Princípio da insignificância

O princípio da insignificância talvez seja um dos maiores objetos de discussões

doutrinárias e jurisprudenciais que existem hoje no Brasil. O famoso crime de bagatela é

aquele onde a lesividade jurídica é inexpressiva, onde inexiste proporcionalidade entre a

punição e o fato típico, onde verifica-se, na prática, a aplicação dos princípios acima

elencados.

Nucci (2014, p. 181), explica que o Direito Penal,

[...] diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio, no sistema

punitivo, não se deve ocupar de bagatelas. Há várias decisões de tribunais pátrios,

absolvendo réus por considerar que ínfimos prejuízos a bens jurídicos não devem ser

objeto de tutela penal, como ocorre nos casos de “importação de mercadoria

proibida” (contrabando), tendo por objeto material coisas de insignificante valor,

trazidas por sacoleiros do Paraguai. Outro exemplo é o furto de coisas

insignificantes, tal como o de uma azeitona, exposta à venda em uma mercearia.”

O ex-ministro Teori Zavascki, no julgamento do RHC n. 115.226, menciona que:

“[...] para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade, cumpre,

portanto, que se vá além da irrelevância penal a que se referiu o legislador. É

indispensável averiguar o significado social da ação, a adequação da conduta do

agente em seu sentido social amplo, a fim de que se apure se o resultado dessa

investigação ampliada é compatível ou não com a finalidade perseguida pelo

ordenamento penal, ou, em outras palavras, se o fato imputado, que é formalmente

típico, tem ou não, quando examinado no seu contexto social, relevância penal.

Parece certo concluir, à luz dessas premissas, que a relevância penal, em casos dessa

natureza, comporta, sim, juízo sobre a contumácia da conduta do agente”. (BRASIL,

STF, 2013)

Assim verifica-se que o princípio da insignificância não tem sua aplicação restrita

ao valor dos bens, mas sim, de todo um conjunto de fatores que demonstrem que o crime

cometido é irrelevante para o Direito Penal – de nada adianta o valor furtado ser ínfimo, se o

criminoso é contumaz praticante de delitos patrimoniais.

Para Masson (2014, p. 98), está errado o entendimento do Superior Tribunal de

Justiça de que somente o Poder Judiciário pode reconhecer o crime de bagatela, porquanto o

princípio da insignificância é causa excludente de ilicitude pela atipicidade da conduta, uma

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vez que não possui relevância jurídica alguma. Deste modo, não deveria ser postergado o

momento para a aplicação do princípio na seara judicial, pois o crime é insignificante em seu

nascimento, que se dá até antes de sua prisão em flagrante.

O autor menciona que “não se pode conceber, exemplificativamente, a

obrigatoriedade da prisão em flagrante no tocante à conduta de subtrair um único pãozinho,

avaliado em poucos centavos, do balcão de uma padaria, sob pena de banalização do Direito

Penal e do esquecimento de outros relevantes princípios, tais como o da intervenção mínima,

da subsidiariedade, da proporcionalidade e da lesividade.” (MASSON, 2014, p. 98).

2.2 JUS PUNIENDI E A AÇÃO PENAL PÚBLICA

Conforme preleciona Tourinho Filho (2010, p. 353), quando o direito de punir sai

do plano abstrato para o concreto, diz-se que surgiu para o Estado a “pretensão punitiva”.

Assim, da violação da norma penal nasce a pretensão punitiva, isto é, surge par a o Estado o

direito de fazer atuar a lei penal.

Com a pretensão punitiva, ou jus puniendi, dar-se-á início à persecução penal – à

ação penal, uma vez que a aplicação indiscriminada e discricionária da lei fere inúmeros

princípios constitucionais, sendo o mais notório deles o Devido Processo Legal.

A Constituição Federal prevê, em seu artigo 5º, inciso LIV que “ninguém será

privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” (BRASIL, 2019)

Assim, para que possa ser reconhecido e punido o suposto autor do crime, utiliza-

se o instrumento conhecido como ação penal. Através dela é que o Estado exerce o poder de

repreender àqueles que transgredem à lei, através da aplicação da pena. Através da ação penal

é que o Estado julgará o caso, analisando individualmente as circunstâncias de cada um, para,

ao final, decidir acerca da culpabilidade do réu ou não, ou da tipicidade da conduta. Por fim, é

através da ação penal que o Estado evita a vingança privada, evita a “justiça com as próprias

mãos”.

Em regra, a ação penal é pública, salvo quando a lei diz expressamente o

contrário.

É o que diz o Código Penal

Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara

privativa do ofendido. (BRASIL, CP, 2019)

Contudo, ainda que a ação penal seja de iniciativa privada, vale se atentar que o

jus puniendi pertence ao Estado.

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18

Para Lopes Júnior (2014, p. 251), a ação penal possui caráter público,

independentemente de quem seja seu titular. Isso porquê independentemente de quem inicie a

ação penal, seja o particular, seja o Estado, este último será responsável pela aplicação de

eventual punição – não parecendo prudente classificar ações penais como públicas ou

privadas, porquanto possuem a mesma natureza de ação penal, mas sim, classifica-las por sua

iniciativa, que, aí sim, poderá ser pública, ou privada (nos casos em que a lei assim o

permita).

Para dar início a persecução penal, ou ação penal, utiliza-se da denúncia, peça

processual que se assemelha à petição inicial, devendo observar os requisitos do art. 41 do

Código de Processo Penal, quais sejam: “exposição do fato criminoso, com todas as suas

circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-

lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. (BRASIL, CP,

2019)

Lopes Júnior (2014, p. 273) explica que a ação penal:

[...] será exercida através de “denúncia”, instrumento processual específico da ação

penal de iniciativa pública e de atribuição exclusiva do Ministério Público (art. 129,

I, da Constituição). Daí por que é necessário advertir, o processo penal somente

poderá iniciar por denúncia do Ministério Público ou por queixa do ofendido, ou

representante legal, nos crimes de iniciativa privada. Não há exceção, estando

revogado o art. 26 do CPP, que previa a possibilidade de a ação penal, nas

contravenções, ser iniciada pelo auto de prisão em flagrante ou por portaria expedida

pela autoridade judiciária ou policial. Isso não foi recepcionado pela Constituição de

1988 e, no caso de contravenção penal, a acusação será feita por denúncia do

Ministério Público.

Para Capez (2014, p.146), é necessária, também, uma análise do interesse de agir

do Ministério Público. É insensato dar início à uma ação penal onde toda a movimentação do

maquinário público será inútil – são os casos de denúncias onde está evidente alguma causa

de extinção de punibilidade sumariamente (ex. legítima defesa), ou que, de pronto, verificar-

se que, pelo lapso temporal, possível pena imposta (análise das circunstâncias, antecedentes

criminais), ao final da persecução penal, a pretensão punitiva já estará prescrita (prescrição

retroativa).

O legislador e a doutrina dividiram as ações penais públicas em espécies distintas:

a ação penal pública incondicionada e ação penal pública condicionada à representação.

O Código Processual Penal preceitua, em seu artigo 24 e parágrafos, que:

Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério

Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça,

ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

§ 1o No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão

judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou

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19

irmão. § 2o Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou

interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública. (BRASIL, CPP,

2019).

Capez (2014, p. 145), explica que

[...] essa divisão atende a razões de exclusiva política criminal. Há crimes que

ofendem sobremaneira a estrutura social e, por conseguinte, o interesse geral. Por

isso, são puníveis mediante ação pública incondicionada. Outros que, afetando

imediatamente a esfera íntima do particular e apenas mediatamente o interesse geral,

continuam de iniciativa pública (do Ministério Público), mas condicionada à vontade

do ofendido, em respeito à sua intimidade, ou do ministro da justiça, conforme for.

São as hipóteses de ação penal pública condicionada.

Ademais, em casos excepcionais, caso “o Ministério Público não ofereça denúncia

no prazo legal, é admitida ação penal privada subsidiária, proposta pelo ofendido ou seu

representante legal” (CAPEZ, 2014, p. 148).

2.2.1 Ação pública incondicionada

Conforme já citado, existem duas espécies de ações penais públicas, àquela ao

qual o Ministério Público pode denunciar sem a anuência do ofendido, e àquela que, em que

pese seja titular da ação penal, o Ministério Público necessita da representação da vítima. A

primeira, é a ação pública incondicionada.

Para Lopes Júnior (2014, p. 269),

se verificada a disciplina do Código Penal nenhuma referência existir em relação à

ação processual penal, significa que ela será de iniciativa pública e incondicionada,

cabendo ao Ministério Público exercê-la. Por outro lado, será de iniciativa pública

condicionada quando o tipo penal expressamente disser que “somente se procede

mediante representação” ou que “somente se procede mediante requisição do

Ministro da Justiça” (v.g. art. 145, parágrafo único, do CP).

Conforme ensina Tourinho Filho (2010, p. 387), a ação pública incondicionada,

que é, em regra, a espécie mais utilizada em nosso ordenamento jurídico - está adstrita a

princípios como o da oficialidade, legalidade, indisponibilidade, indivisibilidade e

intranscendência. Resumidamente, a ação penal pública incondicionada deve ser proposta por

um órgão oficial que faça às vezes do Estado (Ministério Público), que, não pode dispor da

ação penal (desistir, transigir ou acordar), e tem o dever, quando a lei exigir, propô-la, não

podendo escolher à quais autores propor, devendo ser proposta contra todos aqueles que

cometeram o crime; e por fim, que não transcende de pessoa para pessoa, sendo

personalíssima – um filho não pode responder pelo crime que o pai cometeu.

Contudo, Capez (2014, p. 149) ressalva que o princípio da indisponibilidade não

vigora no caso das infrações regidas pela Lei n. 9.099/95, cujo art. 89 concede ao Ministério

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20

Público a possibilidade de, preenchidos os requisitos legais, propor ao acusado, após o

oferecimento da denúncia, a suspensão condicional do processo, por um prazo de dois a

quatro anos, cuja fluência acarretará a extinção da punibilidade do agente (art. 89, § 5º). É,

sem dúvida, um ato de disposição da ação penal.

2.2.2 Ação penal pública condicionada à representação

A ação penal pública condicionada à representação possui o mesmo caráter

público da ação incondicionada – ou seja, o titular da ação é o Ministério Público. Contudo,

nesta espécie de ação penal, o parquet só poderá agir (denunciar) o autor do fato, caso o

ofendido ofereça representação. Assim, nos delitos em que é cabível, inexistirá ação penal até

que se manifeste a vítima, que pode não querer representar.

Conforme ensina Lopes Júnior (2014, p. 275),

O diferencial nuclear dessa ação em relação à anterior está na exigência legal de que

o ofendido (ou representante legal) faça a representação (ou requisição do Ministro

da Justiça, quando a lei exigir) para que o Ministério Público possa oferecer a

denúncia. É uma ação de iniciativa pública, mas que está condicionada a uma

espécie de autorização do ofendido, para que possa ser exercida. Essa autorização é

a “representação” ou, nos delitos praticados contra a honra do Presidente da

República, a “requisição” do Ministro da Justiça (art. 145, parágrafo único, do CP).

Ou seja, a representação “é condição específica da ação penal pública [...]. É um

obstáculo ao legítimo exercício da ação penal, cuja remoção fica ao exclusivo critério do

ofendido, ou de quem legalmente o represente, ou, ainda, do ministro da justiça.” (Capez,

2014, p. 152).

Lopes Júnior. (2014, p. 276) explica que:

No que se refere ao polo passivo da representação – autor do delito – deve-se

esclarecer que a representação não precisa identificar o imputado, até porque essa

identificação pode depender da investigação policial a ser realizada a partir dela. Daí

porque processualmente irrelevante é a representação que não identifique o autor do

fato ou mesmo identifique parcialmente os agressores, como pode ocorrer em caso

de concurso de agentes. Assim, se a representação imputar a “A” a prática do fato e

a investigação apurar que o delito foi praticado em coautoria (ou com a participação)

de “B”, a denúncia deverá ser formulada contra ambos (princípio da

indivisibilidade), ainda que a representação tenha mencionado apenas um deles.

Tourinho Filho (2010) explica que existem diversas críticas com relação à esta

espécie de ação penal, sendo algumas devidas ao fato de que, nos casos de representação, o

criminoso pode sair impune facilmente por sua conduta; o Estado perde autoridade em face do

particular, uma vez que não poderá agir sem o consentimento deste; e por fim, a já existência

de diversos institutos que abrandam a pena ou até a excluem, sendo a representação, uma

maneira de flexibilizar por demasia o Direito Penal.

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21

Conforme leciona Capez (2014, p. 155), não se exige a existência de uma peça

formal, denominada “representação”, bastando que dos autos se possa inferir, com clareza,

aquele desígnio do ofendido. Assim, servem como representação as declarações prestadas à

polícia pelo ofendido, identificando o autor da infração penal (RT, 436/348), o boletim de

ocorrência (RT, 643/393) etc.

Capez (2014), ainda ensina que a vítima, após representar criminalmente contra o

autor do fato, só poderá desistir desta representação até o momento do oferecimento da

denúncia. Após a exordial acusatória, a vítima não mais o poderá fazer. Ademais, a

representação não quer dizer necessariamente que haverá ação penal – ela apenas autoriza o

Ministério Público a ingressar com a ação, caso ache necessário. Ou seja, se o parquet

entender necessária a realização de novas diligências, assim poderá requisitar à autoridade

policial – e se não identificar conduta criminosa, poderá requerer o arquivamento do

inquérito.

No direito penal, hoje, dependem da representação da vítima para o

prosseguimento da ação os seguintes delitos: perigo de contágio venéreo (art. 130 do CP);

crimes contra a honra (arts. 138, 139 e 140, do CP); ameaça (art. 147 do CP); violação de

correspondência (art. 151 do CP); divulgação de segredo (art. 153 do CP); violação de

segredo profissional (art. 154 do CP); furto de coisa comum (art. 156 do CP); receptação em

prejuízo de ex-cônjuge, irmão legítimo ou ilegítimo, de tio ou sobrinho com quem o agente

coabita (art. 182 do CP); violação de direito autoral (art. 184 do CP); e lesões corporais leve e

culposa (art. 129 do CP c/c art. 88 da Lei n. 9.099/95).

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22

3 O DELITO DE FURTO

O enfoque desta monografia, o crime de furto, é uma das modalidades mais

antigas de crime na sociedade.

Conforme Gaio, citado por Romano (2015, p. 1),

em Roma, o furto podia ser manifesto e não manifesto. Era o furtum manifestum

aquele em que o agente era surpreendido em flagrante, executando a ação, ou no

lugar do crime. As sanções eram corporais, envolvendo açoites e servidão do

homem livre, para o furto manifesto, e pecuniárias para o furto não manifesto: o

duplo ou o triplo da coisa furtada.

Contudo,

“no período do Império, já tínhamos exemplo de uma série de exemplos de furto

com penas mais severas: o plagium, o sacrilegium, o abigeatus(furto de gado), o

furto com rompimento de obstáculo(effractarius), o fur balnearius (furto nos locais

onde se tomava banho), o furto de grande monta, onde havia exemplo de penas

arbitrárias, envolvendo a forca ou a exposição as feras.” (ROMANO, 2015, p. 1)

Ao longo do tempo, foi-se moldando e aperfeiçoando o conceito de furto,

conforme a necessidade de cada época – como verifica-se acima, foram penalizadas de

maneira mais severas modalidades similares ao do furto qualificado redigido hoje, pelo

Estatuto Repressivo Brasileiro.

No ordenamento jurídico brasileiro, está previsto no art. 155 do Código Penal,

possui como conduta tipificada a subtração de bem móvel de propriedade alheia.

Erroneamente, é chamado de roubo, pelo cidadão – contudo, não possui a utilização de grave

ameaça ou violência a pessoa, limitando-se à subtração.

Conforme Capez (2014b, p. 272), a ação nuclear do crime de furto

consubstancia-se no verbo subtrair, que significa tirar, retirar de outrem bem móvel,

sem a sua permissão, com o fim de assenhoramento definitivo. A subtração implica

sempre a retirada do bem sem o consentimento do possuidor ou proprietário. Ela

pode acontecer até mesmo à vista deles; por exemplo, sujeito que entra em uma loja

e sob a vigilância do comerciante se apodera da mercadoria, saindo em fuga depois.

Ainda,

“trata-se de crime de ação livre ou conteúdo variado. A subtração pode ser realizada

por meios diretos de execução, como a retirada do objeto pelo agente, ou indiretos,

como, por exemplo, no caso de alguém que se utiliza de um animal para tal mister,

ou, então, de uma criança, usada para retirar mercadorias de uma loja. O emprego de

violência, grave ameaça ou qualquer outro recurso que diminua a capacidade de

resistência da vítima caracteriza roubo (CP, art. 157).” (CAPEZ, 2014b, p. 272)

Assim, percebe-se que embora possa ser exercido de diversas maneiras, o crime

de furto jamais poderá ser exercido mediante violência, uma vez que deixaria de ser tipificado

como furto, e passaria a ser tipificado como roubo, crime cujas penas são significantemente

superiores.

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23

Conforme explica Nucci (2017, p. 582), o bem jurídico tutelado no crime de furto

é o patrimônio, ou seja, aquilo que de fato seja de posse e propriedade da vítima – não podem

ser objetos de furto aqueles que não são de ninguém, tampouco podem ser objetos de furto

aqueles que estejam abandonados. Conforme explica o doutrinador, nesses casos, existem

outras tipificações mais adequadas.

Para Masson (2018, p. 361),

a lei penal tutela a propriedade e a posse legítima, reforçando a proteção conferida

pelo Direito Civil ao patrimônio das pessoas. A detenção, isoladamente, não é

protegida pelo art. 155 do Código Penal, pois não produz qualquer efeito jurídico

(não se transmite em relação inter vivos e causa mortis) e não integra o patrimônio

das pessoas. O patrimônio é bem jurídico disponível. Destarte, o consentimento do

ofendido, revelado antes ou durante a subtração, torna o fato atípico, ainda que sua

anuência seja ignorada pelo agente, pois não se pode furtar com a aquiescência do

titular do bem. Depois da subtração o consentimento é ineficaz, subsistindo intacto o

delito.

O momento da consumação do furto, conforme explica Nucci (2017, p. 584),

trata-se de tema polêmico e de difícil visualização na prática. Em tese, no entanto, o

furto está consumado tão logo a coisa subtraída saia da esfera de proteção e

disponibilidade da vítima, ingressando na do agente. É imprescindível, por tratar-se

de crime material, que o bem seja tomado do ofendido, estando, ainda que por breve

tempo, na posse mansa e tranquila do agente. Se houver perseguição e, em momento

algum, conseguir o autor a livre disposição da coisa, trata-se de tentativa.

Discorda da referida posição Capez (2014, p. 274), ao explicar que é necessária,

para a consumação do crime de furto apenas a inversão da posse, ou seja, que o possuidor não

consiga mais exercê-la sobre o bem subtraído. Deste modo, seria desnecessária a posse mansa

e pacífica citada por Nucci, para a configuração do crime de furto consumado.

3.1 MODALIDADES DO FURTO

Em que pese as exigências para sua configuração, existem inúmeras modalidades

do crime em questão, definidas pela lei e pela doutrina. O tipo penal abarca a tentativa, possui

forma privilegiada, formas qualificadas, o furto famélico, o furto insignificante. Assim, são

diversas as possibilidades de vislumbre da prática delitiva, na prática.

3.1.1 Furto privilegiado

Conforme previsto no art. 155, §2º, do Código Penal, [...] “se o criminoso é

primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela

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de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.” (BRASIL,

CP, 2019).

No entanto, não deve ser confundido com o furto insignificante.

Capez (2014b, p. 282), explica que o privilégio previsto na lei prevê que o valor

da coisa furtada deva ser pequeno – contudo, isso não significa que ele será insignificante. O

furto privilegiado abarca a subtração de um bem de pequeno valor, mas não insignificante a

ponta de ser considerado irrelevante penal, mas não significante ao ponto de ser punido com a

mesma pena do furto simples. Seria, basicamente, o meio termo entre o furto simples e o furto

insignificante.

A jurisprudência catarinense já se posicionou sobre o tema:

APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO PRIVILEGIADO - SENTENÇA

CONDENATÓRIA - RECURSO DO RÉU - PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO

POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - NÃO CABIMENTO - AUTORIA E

MATERIALIDADE DEMONSTRADAS - APREENSÃO DA RES FURTIVA

COM O ACUSADO - DEPOIMENTOS DE POLICIAIS SOB O CRIVO DO

CONTRADITÓRIO - COADUNAÇÃO COM OS DEMAIS ELEMENTOS

PROBATÓRIOS DOS AUTOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA E

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE -

AUSÊNCIA DO REQUISITO DE LESÃO JURÍDICA INEXPRESSIVA. Embora

a res furtiva possua reduzido valor, não pode ser considerado ínfimo, pois a

quantia é de plena consideração econômica, bastando reconhecermos a

realidade de que muitos brasileiros de tal quantia não podem dispor e de que

outros tantos dela precisariam. [...]. (SANTA CATARINA, TJSC, 2014, grifo

nosso).

Para Nucci (2017, p. 584),

não se trata de conceituação pacífica na doutrina e na jurisprudência, tendo em vista

que se leva em conta ora o valor do prejuízo causado à vítima, ora o valor da coisa

em si. Preferimos o entendimento que privilegia, nesse caso, a interpretação literal,

ou seja, deve-se ponderar unicamente o valor da coisa, pouco interessando se, para a

vítima, o prejuízo foi irrelevante. Afinal, quando o legislador quer considerar o

montante do prejuízo deixa isso bem claro, como o fez no caso do estelionato (art.

171, § 1.º, CP). Por isso, concordamos plenamente com a corrente majoritária que

sustenta ser de pequeno valor a coisa que não ultrapassa quantia equivalente ao

salário mínimo.

Por fim, é admitida a figura do furto privilegiado quanto o crime é qualificado,

desde que preenchidos os demais requisitos da lei – é o que dispõe a súmula n. 511 do

Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, STJ, 2019).

3.1.2 Furto na modalidade qualificada

O furto qualificado é a modalidade mais gravosa deste delito patrimonial. Nesta

modalidade, o agente se utiliza de medidas ardis, de artimanhas, causa danos para além do

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patrimônio subtraído (no caso de rompimento de obstáculo, por exemplo) – demonstra, enfim,

maior preparo do criminoso para praticar a subtração. Pode se dizer que enquanto no furto

simples, por inúmeras vezes “a ocasião faz o ladrão”, na modalidade qualificada existe um

afinco maior em cometer o delito. Ora, é muito mais fácil, menos perigoso, menos danoso

subtrair algo que esteja em cima da mesa, do que subtrair um objeto para qual o criminoso

necessitará, por exemplo, de um comparsa, ou de uma chave mixa.

Conforme Capez (2014, p. 284), o furto qualificado,

previsto nos §§ 4º e 5º do art. 155 do CP, em rol taxativo, compreende as

circunstâncias relativas aos modos de execução do crime de furto que lhe imprimem

um cunho de maior gravidade. Há, assim, maior desvalor da ação criminosa, a qual

deverá ser rigorosamente sancionada. Constituem qualificadoras objetivas, e se

comunicam aos demais agentes, com exceção daquela de natureza subjetiva prevista

no inciso II, qual seja, a do abuso de confiança. Basta a presença de uma das

circunstâncias para que o crime se repute qualificado. Se presente mais do que uma

qualificadora, a primeira servirá para qualificar o crime, elevando os limites mínimo

e máximo da pena.

Masson (2018, p. 379), no mesmo sentido, explica que

“o aumento da pena se deve à maior reprovabilidade de que se reveste a conduta

criminosa, bem como ao resultado provocado. Com efeito, seja pelo meio de

execução empregado, que facilita a prática do crime ou acarreta maiores prejuízos ao

ofendido (§ 4.º), seja pelo resultado posterior, que afasta ainda mais o bem da vítima

(§ 5.º), o legislador entendeu que o crime há de ser mais gravemente punido”.

Conforme o Código Penal (BRASIL, CP, 2019), o crime de furto é considerado

qualificado quando é praticado: a) com destruição e rompimento de obstáculo; b) com abuso

de confiança, mediante fraude, escalada ou destreza; c) com o emprego de chave falsa; e d)

mediante o concurso de duas ou mais pessoas. Por fim, ainda é qualificado o crime de furto

quando ocorre a subtração de veículo que será transportado para outro Estado ou exterior (§5º

do art. 155 do CP), e quando ocorre o furto de semovente domesticável de produção.

3.1.3 Furto insignificante

O furto insignificante não é uma modalidade de furto, propriamente dita, mas sim,

uma situação recorrente no nosso ordenamento jurídico. Nestes casos, existe a aplicação do

princípio da insignificância, já citado nesta monografia. Diferentemente do furto privilegiado,

não está, o furto insignificante adstrito ao valor do bem, mas sim aos requisitos como

lesividade e ofensividade da conduta.

Masson (2018, p. 364) explica que o valor do bem, embora seja relevante para o

reconhecimento do furto insignificante, não pode ser o único motivo para tanto – deve ser

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26

levado em conta a situação econômica da vítima, a maneira como o crime foi praticado (para

verificar se a conduta foi de fato inexpressiva, inofensiva e não demonstrou periculosidade do

agente). Deve ser verificada também a personalidade do criminoso – um multirreincidente em

crimes patrimoniais não poderá e nem deverá ter sua conduta classificada como insignificante.

Ou seja, o doutrinador explica que, para a aplicação do princípio da

insignificância no crime de furto, o estudo deve ser deveras aprofundado, pois existem

inúmeras variáveis na equação. Este princípio já foi aplicado, ou deixado de ser, e, casos que,

embora parecessem muito similares entre si em uma primeira vista, guardavam suas

peculiaridades únicas, além da convicção dos julgadores.

Aliás, conforme o Supremo Tribunal Federal,

fato insignificante (ou irrelevante penal) é excluído de tipicidade penal, podendo,

por óbvio, ser objeto de tratamento mais adequado em outras áreas do Direito, como

ilícito civil ou falta administrativa. Não considero apenas e tão somente o valor

subtraído (ou pretendido à subtração) como parâmetro para aplicação do princípio da

insignificância. Do contrário, por óbvio, deixaria de haver a modalidade tentada de

vários crimes, como no próprio exemplo do furto simples, bem como desaparecia do

ordenamento jurídico a figura do furto privilegiado (CP, art. 155, § 2.º). A lesão se

revelou significante não apenas em razão do valor do bem subtraído, mas

principalmente em virtude do concurso de três pessoas para a prática do crime (o

paciente e dois adolescentes). De acordo com a conclusão objetiva do caso concreto,

não foi mínima a ofensividade da conduta do agente, sendo reprovável o

comportamento do paciente. (BRASIL, STF, 2019)

Inclusive, exemplificando a ideia de que cada caso deve ser analisado

individualmente,

“não se deve exagerar, no entanto, na aplicação do princípio da bagatela, pois o que

é irrelevante para uns pode ser extremamente importante para outros. Ex.: subtrair

uma galinha de quem só possui um galinheiro com quatro é um valor significativo,

que necessitará ser recomposto. Por outro lado, subtrair um pintinho de uma granja

imensa, com milhares de aves, pode ser insignificante, sem qualquer afetação ao

patrimônio.” (NUCCI, 2017, p. 589)

No entanto, não podem ser menosprezadas as divergências jurisprudenciais para

verificação da aplicação da insignificância. Em que pese a reincidência em crimes

patrimoniais demonstre uma periculosidade do agente, uma personalidade voltada para a

subtração, já houve decisões do Supremo Tribunal Federal que aplicaram o princípio à

agentes que, em tese, não cumpririam os requisitos para tanto.

É o caso do HC n. 137.422/SC, onde é mencionado pelo Ministro Ricardo

Lewandowski que

ainda que a análise dos autos revele a reiteração delitiva, o que, em regra, impediria

a aplicação do princípio da insignificância em favor da paciente, em razão do alto

grau de reprovabilidade do seu comportamento, não posso deixar de registrar que o

caso dos autos se assemelha muito àquele que foi analisado por esta Turma no HC

137.290/MG, Redator para o acórdão Ministro Dias Toffoli, na assentada do dia

7/2/2017. No ponto, esta Turma, por maioria de votos, concedeu a ordem de habeas

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27

corpus para reconhecer a atipicidade da conduta da paciente que tentou subtrair de

um supermercado 2 frascos de desodorante e 5 frascos de goma de mascar, avaliados

em R$ 42,00 (quarenta e dois reais), mesmo possuindo registros criminais pretéritas.

(BRASIL, STF, 2017)

Explica ainda Sanches (2019, p.1), que embora o estatuto repressivo fixe, de

praxe, o regime fechado aos reincidentes, a existência da súmula 269 do STJ permite que seja

fixado o regime semiaberto, nos crimes de 1 a 4 anos, caso favoráveis as circunstâncias

judiciais. No entanto, nos casos de crimes que pareçam insignificantes, mas que, diante da

reincidência do agente em delitos patrimoniais não seja possível a aplicação do crime de

bagatela, diante das circunstâncias, para não haver excessos entre fato e culpa, pode ser

aplicado o regime inicial aberto – medida de política criminal excelente, dada a atual situação

penal brasileira.

3.2 O CRIME DE FURTO NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL

O Código Penal Brasileiro data de 1940 – ou seja, é uma norma que, embora em

vigor até hoje, foi adequada para outro momento social, com penas por vezes incompatíveis

com a presente realidade. Trata-se de um código defasado, com “remendos” que tentam, por

vezes, torná-lo mais próximo da realidade atual, mas falham, pois, como já mencionado, os

pilares do código foram concebidos em outra época, com situações extremamente diferentes

das atuais. Pensando nisso, foi proposto, no Senado Federal, um projeto de lei, que propõe

mudanças drásticas ao Código Penal.

Uma destas mudanças foi a redação do art. 155 do Código Penal, que dispõe:

Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – prisão, de seis

meses a três anos.

§ 1º Equipara-se à coisa móvel o documento de identificação pessoal, a energia

elétrica, a água ou gás canalizados, o sinal de televisão a cabo ou de internet ou item

assemelhado que tenha valor econômico.

Causa de aumento de pena:

§ 2º A pena aumenta-se de um terço até a metade se o crime é cometido: I – com

abuso de confiança ou mediante fraude; II – com invasão de domicílio; III – durante

o repouso noturno; IV – mediante destreza; ou V – mediante o concurso de duas ou

mais pessoas.

§ 3º No caso do caput e dos parágrafos anteriores: I – se o agente é primário e for de

pequeno valor a coisa subtraída, o juiz aplicará somente a pena de multa; II – se

houver reparação do dano pelo agente, aceita pela vítima, até a sentença de primeiro

grau, a punibilidade será extinta; III – somente se procederá mediante representação.

§ 4º A pena será de dois a oito anos se a subtração: I – for de coisa pública ou de

domínio público; II – ocorrer em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou

calamidade pública; ou III – for de veículo automotor com a finalidade de

transportá-lo para outro Estado ou para o exterior.

Furto com uso de explosivo

§ 5º Se houver emprego de explosivo ou outro meio que cause perigo comum, a

pena será de quatro a dez anos. (BRASIL, PL 236/2012)

Page 29: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

28

Em um primeiro momento, é possível aferir que o legislador flexibiliza, de

maneira perceptível, os privilégios aos réus primários e furtos de pequeno valor, além de

prever a possibilidade de extinção da punibilidade para reparação do dano causado até

sentença de primeira grau, e transformar o crime de furto simples em um crime de ação penal

condicionada à representação.

Desta maneira, o legislador retira o poder absoluto do Estado, de seu poder de

punir, e aplica, de maneira inteligente, o princípio da intervenção mínima, no delito em

comento.

Conforme o parecer da Comissão de Juristas para Anteprojeto do Código Penal

(BRASIL, 2012, p. 300),

[...] tido como um dos crimes que mais encarcera em nosso país (ainda que por conta

de reincidentes) o furto mereceu da Comissão de Reforma a adoção de mecanismos

que evitam a pena de prisão, exceto nas variações de maior gravidade. A pena foi

reduzida para o intervalo de seis meses a três anos e permitiu-se a aplicação

exclusiva de multa, se o agente for primário e a coisa furtada tiver pequeno valor.

Além disso, se oferece a possibilidade de extinção da punibilidade no furto simples

ou com aumento de pena, se houver a reparação do dano, aceita pela vítima. A ação

penal será, nestes casos, sujeita à representação [...].

Contudo, conforme o mesmo parecer (2012, p.300), no caso do furto privilegiado

no anteprojeto, a vítima precisa aceitar a reparação. Ou seja, caso ela não aceite, não há de se

falar em extinção de punibilidade, uma vez que a reparação não trata-se apenas de valores

monetários, mas sim do dano causado pela conduta – um bem de valor sentimental furtado

pode valer mais do que qualquer dinheiro pode pagar, e nesses casos, não havendo reparação

e desejando a vítima pelo processamento do criminoso, a ação penal terá seu curso.

Laux e Krieger (2014, p. 425), explicam que o projeto acertou ao reformar o art.

155 – todos os incisos trazem melhoras significativas, sendo que o inciso III, que condiciona a

ação à representação do ofendido, é a maior delas. Isso porque, não raros os casos em que a

vítima de fato não possui interesse na persecução penal, seja pelo valor do objeto subtraído,

seja pelo desgaste emocional causado. Contudo, por mais que o ofendido não tenha mais

interesse na ação penal, seja por qual motivo, nada poderá fazer a respeito, pois trata-se de

crime processado mediante ação penal pública incondicionada, na redação vigente. Com a

nova redação, a palavra da vítima passará a ter valor, e não apenas a vontade do Estado.

Para Marcão (2012, p. 1), todavia, a redação do projeto, no que tange o crime de

furto, é ineficaz e perigosa, uma vez que

Condicionar o crime de furto à representação do ofendido é contribuir com a

impunidade na medida em que muitas vezes (na maioria delas) as vítimas,

temerosas ou ameaçadas, desinformadas ou mesmo instruídas pela opção negativa,

deixarão de formular representação, preferindo o prejuízo patrimonial em garantia

Page 30: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

29

hipotética da própria integridade. Nem se diga que o Estado lhes garantirá alguma

segurança se agir de forma a ensejar persecução penal, já que não lhe garante nem

mesmo a possibilidade de não ser vítima frequente, por conta da inegável falência

da segurança pública.

Continua o autor em seu pensamento, salientando que “a busca de soluções para

os problemas decorrentes do volume de processos na esfera judiciária criminal e da

superlotação carcerária deve ter outro rumo, não o abrandamento do poder de punir do

Estado. Não se deve buscar evitar o processo como forma de solução da questão estrutural

do Poder Judiciário e do Sistema Carcerário, pena de se desvirtuar a natureza do próprio

Poder e não atingir uma de suas finalidades precípuas na busca da pacificação social.”

(MARCÃO, 2012, p. 1).

No mesmo sentido do pensamento de Marcão, encontra-se o posicionamento de

Oliveira Júnior (2012, p. 1), que menciona que

Inserir o furto na esfera da disponibilidade da vítima, com o respeito devido, não é

medida que se coaduna com o espírito do Código Penal e do Código de Processo

Penal e muito menos com a necessidade social. Quando se estabeleceu o princípio

da obrigatoriedade da ação pública que, nos termos do artigo 5º,

inciso I do Código de Processo Penal, o inquérito policial será iniciado de ofício e

no artigo 100, § 1º do Código Penal a ação penal será instaurada pelo MP, a

intenção do legislador foi a de perquirir obrigatoriamente delitos que reúnem

condutas ofensivas à comunidade, independentemente da aprovação da vítima.

Desta feita, vislumbra-se a polêmica acerca do tema, uma vez que a intenção do

projeto de lei aparenta ser uma medida para diminuir o número de encarcerados pela prática

de delitos patrimoniais de pequeno valor, ao passo de garantir menos pode punitivo ao

Estado, e garantir uma maior autonomia para a vítima decidir se o autor do furto merece ser

processado criminalmente ou não. Ainda, é benevolente com os réus primários que

cometem o erro de furtar e, arrependidos, reparam o dano causado à vítima.

Em Araranguá/SC, no dia 27 de março, ocorreu um furto de uma bicicleta no

valor de R$300,00 – conforme veiculado na mídia local, “a vítima havia deixado sua bicicleta

estacionada em um Supermercado de Araranguá e, ao retornar das compras, verificou que ela

havia sido furtada. Com base nas imagens de segurança, os investigadores da 1ª DP de

Araranguá, chegaram no autor do furto de 19 anos”. (CONTRA O CRIME, 2019, p. 1).

Não apenas isso, conforme Contra o Crime (2019, p. 1), o autor do crime, em

conversa informal com os agentes policiais, confessou a prática do furto, e solicitou o prazo

de alguns dias para que conseguisse recuperar a bicicleta subtraída. Contudo, ao voltar, sem

sucesso, à delegacia, ofereceu à vítima a restituição do valor do objeto furtado, pedindo

perdão pelo crime praticado.

Page 31: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

30

Ocorreu, neste caso, a aceitação da vítima – contudo, o inquérito policial seguirá

na delegacia até sua conclusão.

Ora, percebe-se, no caso em comento, que, à luz do Anteprojeto do Código

Penal (BRASIL, PL 236/2012), poderia ser aplicado o §3º, que dispõe que a punibilidade do

autor poderá ser extinta quando houver reparação do dano, aceita pela vítima. Assim,

inexistiria a necessidade de continuidade do inquérito policial que estava sendo realizado –

tampouco existiria ação penal.

No atual Código Penal, o autor do furto possivelmente responderia pelo crime de

furto, com a aplicação do arrependimento posterior – com diminuição da pena de 1/3 a 2/3,

em análise fundamentada do Juiz de Direito.

É o que dispõe o art. 16 do Estatuto Repressivo:

Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o

dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato

voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços (BRASIL, CP, 2019).

Assim, ainda existiria uma ação penal, e, ainda que a pena pudesse ser

diminuída pela aplicação do arrependimento posterior, o acusado poderia ir encarcerado,

dependendo de seus antecedentes criminais – uma reincidência específica, em tese, já

bastaria para ser fixado o regime semiaberto, conforme a Súmula n. 269 do Superior

Tribunal de Justiça (BRASIL, STJ, 2019).

Além disso, caso existisse a reincidência, possivelmente seria afastada a

aplicação do princípio da insignificância do caso, em que pese as divergências

jurisprudenciais atuais – uma vez que o próprio Tribunal de Justiça de Santa Catarina adota

para a concessão da insignificância, a posição do Superior Tribunal de Justiça.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE FURTO (ART. 155, CAPUT, DO CP).

SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. TESE DE

INSUFICIÊNCIA DE PROVAS QUANTO À AUTORIA DELITIVA. NÃO

ACOLHIMENTO. AUTORIA, JUNTAMENTE COM A MATERIALIDADE,

DEVIDAMENTE COMPROVADA. IMAGENS DE CÂMERAS DE VÍDEO

MONITORAMENTO E DEPOIMENTOS JUDICIAIS DE TESTEMUNHAS

QUE DEMONSTRAM A CERTEZA QUANTO À AUTORIA. CONJUNTO

PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA RESPONSABILIZAR O AGENTE.

ALEGADA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

IMPOSSIBILIDADE. ALTO GRAU DE REPROVABILIDADE DA

CONDUTA. FATO NÃO ISOLADO. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. INVIABILIDADE DE ABRANDAMENTO DA PENA APLICADA.

IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA-BASE AQUÉM DO MÍNIMO

LEGAL. PRECEDENTES. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO

CONHECIDO E DESPROVIDO. [...] (TJSC, 2019, grifo nosso).

Com efeito, percebe-se então que o Anteprojeto do Código Penal, embora

criticado por uns e apoiado por outros, possui aplicação na prática. De fato, ainda que não

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31

existisse a possibilidade de extinção da punibilidade do agente pela reparação do prejuízo –

o crime se processaria mediante representação da vítima, à luz do referido projeto de lei, e,

com isso, a vítima poderia exercer sua vontade de ver o autor do crime processado.

Possivelmente (pois não há uma maneira de auferir certeza), a vítima, por já ter

tido o patrimônio restituído pelo próprio autor do fato, que inclusive lhe pediu perdão, não

iria ter interesse na persecução penal – e no atual código, tal vontade seria irrelevante.

Page 33: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

32

4 POLÍTICA CRIMINAL

A política criminal nada mais é que a maneira de interpretar, de destrinchar o

Direito Penal, aplicando-o de maneira a cumprir sua função de maneira mais eficiente. É um

mecanismo utilizado para aprimorar a aplicação do Direito Penal. Existem diversas correntes

de política criminal – aquelas que adotam o direito penal máximo, aquelas que adotam uma

postura minimalista do Estado, devendo este se ocupar apenas do que realmente é relevante, e

aquelas que defendem o abolicionismo do Direito Penal, utilizando-se de outros métodos para

a resolução dos crimes.

Conforme Nucci (2016), a política criminal é um método, uma maneira do

governo de tratar os criminosos, deixando de ser apenas um ramo da criminologia. É, nas

palavras do autor, a necessidade atual do Brasil – haja visto que não há uma definição

expressa da política criminal no Brasil, pois, no nosso ordenamento jurídico, existem tanto

situações de intervenção máxima do Estado, e, em outros dados momentos, intervenções tão

ínfimas, que nem deveriam existir. Afirma Nucci, ainda, que a política criminal é um ramo

importantíssimo do direito, pois orienta os poderes legislativo, executivo e judiciário – que

possui, em alguns casos, sua própria política criminal.

Acerta o doutrinador ao mencionar tal fato. Não se vislumbra, no Brasil, política

criminal definida. Em determinados momentos, o legislador é extremamente radical na

penalização das condutas – por exemplo, o crime de furto qualificado possui a pena igual ao

crime de lesão corporal gravíssima. Em outros momentos, é totalmente minimalista, com

penas risórias – é o caso do art. 345 do Código Penal. Percebe-se assim que o Direito Penal

brasileiro carece de uma linha de pensamento, cabendo inclusive, ao Poder Judiciário, aplicar

a política criminal, aos casos em concreto.

De fato, “política criminal é uma maneira de raciocinar e estudar o Direito Penal,

fazendo-o de modo crítico, voltado ao direito posto, expondo seus defeitos, sugerindo

reformas e aperfeiçoamentos, bem como com vistas à criação de novos institutos jurídicos que

possam satisfazer as finalidades primordiais de controle social desse ramo do ordenamento.”

(NUCCI, 2017, p. 48)

Segundo Liszt (apud D’AVILA, 2009, p. 19) a política criminal “é a reunião

ordenada de princípios, segundo os quais deve ser conduzida a luta da ordem jurídica contra o

crime, ou o conjunto sistemático de princípios baseados na investigação científica das causas

do crime e consequências da pena, segundo as quais o Estado, por meio da pena ou

mecanismos a ela análogos, deve conduzir a luta contra o crime”.

Page 34: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

33

4.1 O DIREITO PENAL MÁXIMO

O direito penal máximo é a corrente de política criminal que defende a aplicação

das penas mais severas àqueles que transgridam à lei.

Conforme Oliveira (2009, p. 85), o Maximalismo Penal (ou Panpenalismo)

consiste em um modelo político-criminal de forte apelo emergencial, que apresenta tendência

a um modelo maniqueísta de luta do “bem contra o mal”, centrando a solução da questão da

delinquência na exacerbação do poder dos órgãos de controle social formal, os quais ditam as

políticas a serem executadas para o controle da violência

Contudo, essa corrente, muito defendida pela população conservadora, não é, ao

ver de Zaffaroni (2005, p. 24), a mais indicada, uma vez que o aumento da repressão (pena)

da prática delitiva, não significa, por si só, uma maior eficácia do Direito Penal – embora,

para o cidadão comum, pela falsa sensação transmitida pela elevada repressão aos crimes,

possa ser passado o sentimento de que por si só esse fato diminuirá consideravelmente o

número de crimes praticados.

O doutrinador acerta nesse posicionamento, pois apenas a pena elevada não fará

com que os crimes parem de ser cometidos – as raízes do problema são muito mais profundas,

e com a repressão elevada, estará apenas tentando remediar-se o errado, ao invés de tentar

corrigir e prevenir que aconteça a prática delitiva novamente.

4.2 ABOLICIONISMO

O abolicionismo defende a extinção do direito penal. Para os defensores desta

corrente, a repressão traz mais malefícios que benefícios para a sociedade e para o cidadão.

Queiroz (2001) apud Hauser (2010, p. 49), explica que a corrente abolicionista

tem por fito questionar o poder do Estado em impor penas, salientando que o discurso penal é

totalmente diferente da aplicação do direito penal, que é extremamente problemático e

seletivo.

Assim, aqueles que lutam por esta corrente, explicam que a utilização de meios

não repressivos e ofensivos à dignidade da pessoa humana seriam mais eficazes do que a

repressão, que seria uma maneira de instaurar ainda mais negatividade na conduta daqueles

que estão sendo punidos.

Contudo, a referida corrente é bastante criticada por seu surrealismo e difícil

aplicação na prática. Conforme Ferrajoli (2005) apud Hauser (2010, p. 55), “o abolicionismo

Page 35: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

34

significa uma ‘utopia regressiva’, ou seja, uma espécie de projeção do futuro baseada em

‘mitologias’ de um ‘Estado Natural’, sem regras, ou de uma sociedade primitiva ainda não

contaminada por conflitos intersubjetivos.” Deste modo percebe-se o irrealismo desta

corrente, que seria a ideal na teoria, mas na prática, acaba por se tornar inviável.

4.3 O DIREITO PENAL MÍNIMO

Entre ambas as correntes, está presente o direito penal mínimo. É nesta que se

defende a aplicação do princípio da intervenção mínima, sem abrir mão do poder punitivo

estatal. É seguida por aqueles que acreditam que o Direito Penal não deve se ocupar daquilo

que não seja extremamente importante para a sociedade, deixando que outros ramos resolvam

tais questões.

Para Greco (2009, p. 24),

“o Direito Penal do Equilíbrio tem como ponto central, orientador de todos os outros

que o informa, o princípio da dignidade da pessoa humana. O Homem aqui, deve

ocupar o centro das atenções do Estado, que, para a manutenção da paz social,

deverá somente proibir os comportamentos intoleráveis, lesivos, socialmente

danosos, que atinjam os bens mais importantes e necessários ao convívio em

sociedade.”

Como bem salientado por Greco, é o equilíbrio entre os pensamentos

abolicionistas e maximalistas. Com ela, procura-se repreender a conduta criminosa apenas

quando inexistem alternativas para tanto.

Conforme explica Hauser (2010, p .15),

As tendências minimalistas, apesar de desconfiarem da eficácia do Direito Penal

para resolver conflitos, procuram justificar a sua existência a partir de uma

perspectiva de mínima intervenção. Este deveria ser aplicado como “ultima ratio ”,

de modo fragmentário e subsidiário e com respeito a todas as garantias penais e

processuais estabelecidas pelo Estado Constitucional e democrático de Direito.

Nesta corrente, ver-se-ia uma maior aplicação dos princípios da insignificância, da

proporcionalidade, da economia processual, diante de seu caráter de Direito Penal

minimalista.

4.4 FALÊNCIA DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

O sistema penitenciário brasileiro, é sem dúvida, a maior escola de criminosos do

país. Cidadãos que ingressam nos presídios, entram com pouca perspectiva e saem (quando

conseguem) com nenhuma. O sistema os quebra. As condições desumanas de higiene, saúde,

saneamento, estrutura, alimentação são alguns dos problemas. Contudo, o problema não para

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35

nisso. Dentro dos estabelecimentos prisionais, os agora apenados devem se moldar às regras

internas das facções, sob a pena de ficarem desamparados, sem proteção – ou pior, de estarem

à mercê de criminosos que não aceitam neutralidade dentro dos ergástulos.

Embora tenha se agravado conforme o passar dos anos, a situação caótica do

sistema prisional brasileiro não vem de agora – em 1992, ocorreu o “massacre do Carandiru”,

fruto de uma total ineficiência do Estado em manter a ordem dentro do presídio, morreram

111 homens.

No dia 2 de outubro de 1992, morreram 111 homens no pavilhão nove, segundo

versão a versão oficial. Os presos afirmam que foram mais de duzentos e cinquenta,

contados os que saíram feridos e nunca retornaram. Nos números oficiais não há

referência a feridos. Não houve mortes entre os policiais. (VARELLA,1999, p.295)

Conforme o INFOPEN (2017, p. 9), “a população prisional brasileira ultrapassou,

pela primeira vez na história, a marca de 700 mil pessoas privadas de liberdade, o que

representa um aumento da ordem de 707% em relação ao total registrado no início da década

de 90 [...]”.

Contudo, “as unidades prisionais estaduais somam 367.217 vagas em todo o país,

e compõem um déficit de 359.058 vagas” (INFOPEN, 2017, p. 21).

Percebe-se, aqui, que existe praticamente o dobro do número de presos para vaga,

a nível nacional. Contudo, deve ser salientado que os números variam de estado para estado.

Em alguns, a proporção é menor, em outros, muito maior.

É o caso do estado do Amazonas, que, em Junho de 2016, apresentou índices de

48 presos para cada 10 vagas – ou seja, aproximadamente 480% de superlotação. (INFOPEN,

2017, p. 26).

Ou seja – o sistema prisional brasileiro ignora completamente as mínimas

condições para o funcionamento. As garantias e direitos fundamentais dos presos são

desrespeitadas. O art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, que assegura aos presos o respeito à

integridade física e moral, na prática, não existe. Não há de se falar, também, em dignidade da

pessoa humana – esse princípio não existe quando se tem 48 presos para cada dez vagas em

um presídio (no caso de Amazonas).

A Lei de Execuções Penais, em seu art. 1º, que diz que: “a execução penal tem por

objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições

para a harmônica integração social do condenado e do internado” (BRASIL, LEP, 2019).

Porém, é cirúrgico Mirabete (2011, p. 238), ao citar que não existe maneira de

ressocializar um preso que está num ambiente totalmente hostil, onde todos os valores que

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36

deveriam ser obedecidos em sociedade estão invertidos, e que, além disso, deverá lidar com

os problemas do próprio sistema prisional.

Nesse sentido explica Machado (2009, p. 2),

A partir de uma análise crítica e realista dos presídios brasileiros, o que se percebe é

a queda acintosa de um modelo estatal, cuja falência já vem sido admitida há tempo,

em virtude de tantas barbáries e mazelas que ainda se fazem presentes no cárcere.

De fato, as penitenciárias no país vêm se tornando cruéis masmorras, onde se

encontram presos provisórios misturados com condenados, empilhados num espaço

físico mínimo, prevalecendo o mais absoluto caos.

Ainda,

“há uma grande despreocupação e tolerância, tanto do Estado como da sociedade,

quanto ao problema carcerário. A omissão estatal em concretizar os dispositivos

positivados na LEP, na Carta Magna e em importantes tratados internacionais, aliada

ao fato da indiferença predominante na população, se demonstram, assim, como

fatores também cruciais para a gravidade da crise.” (MACHADO, 2009, p.3)

Com clareza, ainda explica Machado (2009, p.3), que

“impera na sociedade uma tolerância absoluta em relação aos direitos dos presos,

mostrando-se indiferente quanto à situação do sistema carcerário. O pensamento que

predomina é que aparentemente a sentença condenatória criminal tem também um

segundo efeito de retirar a personalidade e a dignidade humana do preso.”

Ainda, há de se ressaltar o fato de que existem inúmeras ações penais em

andamento no Poder Judiciário, que, eventualmente, podem trazer condenações, e por

consequência, mais população carcerária.

Page 38: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

37

5 FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI NO CRIME DE FURTO COMO

MEDIDA DE POLÍTICA CRIMINAL

Não existe solução simples para o problema do encarceramento em massa,

tampouco para a redução no número de ações penais em curso – que eventualmente

condenarão mais pessoas, contribuindo novamente para o problema do encarceramento.

Contudo, existe a possibilidade de flexibilizar o poder punitivo estatal, em relação

aos delitos de furtos, como forma de política criminal, não apenas garantindo um menor

número de presos, como também garantindo a aplicação de princípios penais basilares, como

o princípio da insignificância e da intervenção mínima.

Conforme demonstrado pelo INFOPEN (2017, p. 43), os crimes de furto são,

entre os homens, o terceiro maior motivo de encarceramento. Entre as mulheres, a mesma

situação. Para os primeiros, corresponde a 12% da população prisional. Para as segundas,

correspondem a 9%.

5.1 DESPROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA AO CRIME DE FURTO EM

FACE DE OUTROS CRIMES NO CÓDIGO PENAL

O Código Penal brasileiro possui desproporcionalidades flagrantes nas penas

impostas para o cometimento de determinados crimes. É notória a intenção do legislador da

supervalorização do patrimônio, dos interesses individuais, impondo penas gravíssimas para

os crimes que o atinjam.

O crime de furto simples, conforme a redação do art. 155 do Código Penal, possui

a pena de 01 a 04 anos de reclusão. Em um comparativo, o crime de lesão corporal grave,

previsto no art. 129 §1º, prevê a pena de 01 a 05 anos de reclusão. Em que pese a pena

máxima seja um ano maior, a pena mínima cominada aos delitos são exatamente as mesmas –

ou seja, os delitos possuem gravidades extremamente similares para o Estado.

A pena máxima do crime de furto simples, ainda, é superior à pena cominada ao

delito previsto no art. 134, §1° do Código Penal, que tipifica a seguinte conduta:

Art. 134. [...] §1º. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos (BRASIL, CP, 2019).

O furto qualificado, nas hipóteses do §4º do artigo 155 do Estatuto Repressivo

(BRASIL, 2019), é punido com reclusão de 02 a 08 anos. Ainda que a presença da

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qualificadora demonstre uma suposta maior dedicação na empreitada criminosa, é insensato

comparar o resultado do crime em questão, com o resultado de uma lesão corporal gravíssima,

prevista no art. 129, §2º, do Código Penal – que pode gerar aborto, deformidade permanente,

enfermidade incurável, perda ou inutilização do membro, sentido ou função ou incapacidade

permanente para o trabalho.

Ainda assim, as penas para ambos os crimes são idênticas. Novamente, percebe-se

uma supervalorização do interesse patrimonial, com reprimenda flagrantemente

desproporcional ao seu resultado, se levado em conta outros crimes com o mesmo quantum de

pena.

Conforme explica Medeiros (2010, p.1),

Isso só vem demonstrar a impropriedade da atuação do legislador que ofendeu o

princípio da proporcionalidade ao estabelecer para condutas diversas, que ofendam

bens jurídicos diferentes, a mesma pena, dando a mesma importância a ações que

deveriam ser valoradas distintamente, ou seja, crimes cuja sanção cominada deveria

ser mais severa (crimes contra a pessoa) por ofenderem bens jurídicos mais

relevantes, quais sejam, a vida e a integridade física, são menos valorizados pelo

legislador, que prefere punir com mais rigor aqueles indivíduos que atentem contra o

patrimônio.

De fato, “é preciso haver uma sanção proporcional ao seu valor quando for o

mesmo ofendido, ou seja, é preciso que o legislador pátrio observe o princípio da

proporcionalidade no momento da valoração do bem jurídico, de forma que a sanção seja

aplicada na justa medida, para que assim, os benefícios advindos com a aplicação da mesma

compensem os ônus causados por ela, tais como, por exemplo, a restrição da liberdade.”

(MEDEIROS, 2010, p.2).

5.2 REPRESENTAÇÃO COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO PENAL NO CRIME DE

FURTO SIMPLES

O anteprojeto do Código Penal (PLS 236/2012), como já exposto, demonstra a

possibilidade do crime de furto simples se processar mediante representação. Tal fato, por si

só, poderá acarretar uma grande diminuição no número de ações penais em relação a este

crime.

Como explica Rebouças (2018, p. 3),

“no direito brasileiro autores de pequenos furtos são presos provisoriamente em

flagrante delito para, somente após algum tempo de reclusão, ser determinada a sua

pena. Se a ação penal fosse condicionada à representação da vítima, certamente

reduzir-se-iam as demandas judiciais e, consequentemente, o número de

encarceramentos desnecessários.”

Page 40: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

39

Não apenas isso, o crime de furto é um crime patrimonial – deste modo, o maior

lesado não é o Estado, e sim a vítima. Não faz sentido, portanto, a vítima querer se ver livre

da persecução penal, ou até mesmo perdoar o agente, e mesmo assim, o Direito Penal, o

Estado, o Ministério Público, se ocuparem de processá-lo.

Esta decisão deveria caber, com as ressalvas do agente que demonstre ser

indivíduo demasiadamente perigoso, ao ofendido – em respeito ao princípio da intervenção

mínima estatal.

Rebouças (2018, p. 3) preleciona que

seguir a tendência mundial de abandonar a obrigatoriedade da ação penal no furto

simples ou transformá-la em ação penal condicionada à representação da vítima, é

essencial para desafogar a justiça brasileira. Condicionar a ação penal nos casos de

furto simples à representação da vítima se traduz em um esforço para respeitar a

opinião e a privacidade do ofendido, quanto à sua disposição patrimonial. Isto

porque muitas vezes os danos causados ao ofendido na propositura da ação penal

podem ser maiores que os danos causados pelo infrator. É natural que caiba ao

ofendido decidir se quer ver processado o autor do ato ou não. Estas modificações

possuem grande relevância, sobretudo, nos casos de furtos de pequena monta, que

além de insignificantes possuem, geralmente, repressão estatal superior ao interesse

particular. O instituto da ação penal condicionada à representação do indivíduo evita

dispensar um sistema complexo para penalizar um infrator, caso a vítima não tenha

interesse neste processo.

Além de garantir que a vontade da vítima seja respeitada, e ajudar no

desencarceramento, ao condicionar o crime de furto à representação da vítima, permitirá a

medida, uma melhora na eficiência da polícia, tanto civil quanto militar, pois

atualmente, infelizmente, o que se vê é a polícia, civil e militar, gastando seu parco tempo e

recursos prendendo o pequeno furtador, formalizando prisões em flagrante delito, ao invés de

buscar prender o traficante ou o real criminoso. (REBOUÇAS, 2018, p. 3).

De fato, “o legislador prevê no mesmo artigo, outras formas suficientes para a

solução do conflito, não sendo necessário sempre a existência de um processo penal, sendo

que este ainda depende da representação da vitima para existir, ou seja, o processo penal se

tornou subsidiário e vinculado, tendo sua existência intima dependência com a vontade do

ofendido.” (LAUX; KRIEGER, 2014, p. 432).

Em que pese as posições contrárias ao Anteprojeto do Código Penal,

“condicionar a ação nos delitos de furto à representação da vítima é respeitar a opinião do

ofendido quanto à disposição do seu patrimônio. Se não houve violência na prática do delito e

não estando o ofendido interessado em reaver seu patrimônio furtado, nada mais justo que

atender a sua vontade de permanecer inerte quanto ao fato.” (LAUX; KRIEGER, 2014, p.

433).

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40

Há de se falar, também, que o Projeto de Lei n. 8045/2010, que trata da criação do

Novo Código de Processo Penal, adota postura idêntica à do PLS 236/2012 – no art. 46 do

referido diploma legal, está disposto que “será pública, condicionada à representação, a ação

penal nos crimes contra o patrimônio, previstos no Título II da Parte Especial do Código

Penal, quando atingirem exclusivamente bens do particular e desde que praticados sem

violência ou grave ameaça à pessoa”. (BRASIL, SENADO, PL 8045/2010).

Vislumbra-se, portanto, que o legislador brasileiro, em ambos os projetos, passou

a dar a devida proporção aos delitos patrimoniais - com a adoção das medidas propostas no

art. 155 do PLS 236/2012 e art. 46 do PL 8045/2010, existe uma reavaliação da necessidade

de intervenção estatal no que tange o patrimônio do particular.

A ressalva feita pelo art. 46 do PL 8045/2010, que diz que os crimes patrimoniais

só se darão mediante representação caso não haja violência ou grave ameaça demonstra que,

ao passo que o legislador entenda que o Estado deva decidir deixar o exercer seu direito de

representação quando o crime tange apenas seu patrimônio, entende que a gravidade de

crimes patrimoniais praticados com ameaça ou violência demonstra maior periculosidade,

reprovabilidade e lesividade, colocando em risco não apenas o patrimônio, mas também a

integridade física (ou até mesmo a vida) - e, por isso, necessária a intervenção estatal, para

tentar garantir paz, segurança e tranquilidade à sociedade. Inclusive, seria incoerente nestes

casos, condicionar o processamento da ação penal à representação, pois a vítima poderia se

sentir coagida, constrangida ou “acuada”, e decidir não representar com o medo de sofrer

represálias – e ai, as críticas aos projetos estariam cobertas de razão, uma vez que

possivelmente grande parte dos crimes não seriam levados à juízo, garantindo a impunidade

de seus agentes.

No mesmo sentido, existe o PL 7031/2017, de autoria dos deputados Wadih

Damous e Glauber Braga.

O referido projeto vai de encontro aos anteriormente mencionados, no que diz

respeito ao condicionamento do processamento das ações penais nos crimes de furto à

representação da vítima.

Conforme expresso na justificação do Projeto de Lei,

A presente proposta legislativa estabelece que nos crimes previstos no título II do

Código Penal, que reúne os crimes contra o patrimônio, somente se procederá

mediante representação, exceto se forem praticados com violência ou grave ameaça

à pessoa. A proposta surge em conformidade com o princípio da ultima ratio do

Direito Penal, que recomenda sua utilização somente quando não houver outros

meios menos lesivos para atingir o mesmo resultado. A proposta é motivada, ainda,

pela situação carcerária brasileira e compõe uma série de projetos de lei que elaborei

Page 42: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

41

com foco na racionalização e humanização do sistema de justiça criminal. (BRASIL,

PL 7031/2017)

Dessa maneira, “a proposta visa restringir as ações penais aos casos mais graves e

naqueles em que as vítimas se sentem, de fato, lesadas e desejam dar prosseguimento ao

procedimento penal, reduzindo o número de processos penais em tramitação no Judiciário.”

(BRASI, PL 7031/2017).

5.2.1 A representação como condição da ação penal no direito processual penal

europeu

Em que pese as críticas sofridas pelo anteprojeto do código penal, afinal as

mudanças realmente podem parecer temerárias aos mais conservadores, não há de se falar em

inovação no mundo do direito.

Isso porque no continente europeu o processamento do crime de furto é

flexibilizado há tempos.

Tomemos inicialmente, como exemplo, a Itália, onde, conforme Melo (2018, p.

1),

há necessidade de “querella”, representação da vítima, para furtos simples de

pequenos valores e outras situações. Logo, para o furto, a regra é a "querela"

(representação do ofendido), com pena de 6 meses a 3 anos, e as exceções são:

artigo 625 do CP, com oito agravantes específicas e com pena de 1 a 6 anos: como

se cometido em lugar habitado; se usa violência; se usa arma; usa destreza; se três ou

mais pessoas etc. Bem como nas hipóteses do artigo 61, inciso 7 (agravante

genérica): no caso de o crime ter motivação de lucro ou se houve dano de relevante

gravidade, em geral, até 150 euros, conforme doutrina, embora não haja limite

objetivo na lei, conforme Lei 128, de 26/3/2001 que alterou o artigo 624 do CP de

1938.

Em Portugal, o art. 203 do Código Penal prevê que

1 — Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa,

subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena

de multa. 2 — A tentativa é punível. 3 — O procedimento criminal depende de

queixa. (PORTUGAL, CP, 2019, grifo nosso).

Ressalta-se que a “queixa”, em Portugal, possui o mesmo significado da

representação, no nosso país.

Lá, é “considerado furto simples quando subtraídos objetos no valor de até 5 mil

euros, e então dependem da representação da vítima (queixa em Portugal) para que o

Ministério Público possa ajuizar ação penal. Não podendo se esquecer das exceções que

transformam o furto em qualificado em Portugal, em hipóteses bem diferentes das que

ocorrem no Brasil e estão previstas no artigo 204 do CP português.” (MELO, 2018, p. 1).

Page 43: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

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Não é diferente na Alemanha, onde, conforme Melo (2018, p. 1),

“também prevalece a ação penal condicionada à representação da vítima em caso de

furto simples, bem como qualificado, desde que de pouco valor, conforme está

previsto no artigo 243, conforme Código Penal alemão, de 15/5/1871, com a reforma

de 31 de janeiro de 1998, exceto se o Ministério Público entender que há algum

interesse público maior que justifique aquela ação penal.”

Por fim, Melo (2018, p. 1) explica que na Espanha,

há prisão para crime de furto se for subtraído objeto com valor acima de 400 euros

(aproximadamente R$ 1,3 mil ou dois salários mínimos), exceto na hipótese do

artigo 623, I, do CP em que se exige o cometimento da conduta por três vezes desde

que o valor somado ultrapasse o mínimo de 400 euros para que seja caso de prisão.

Leciona, ainda, que

Nos demais casos prevalece a pena alternativa conhecida como “prisão de final de

semana”, a qual não é tecnicamente considerada como prisão, mas pena

alternativa. Isso se cometer a ação criminosa por três vezes no período de um ano, e

os objetos subtraídos somados tiverem valor superior a 400 euros. Caso contrário,

não haverá crime nem ação penal. (MELO, 2018, p. 1)

Percebe-se assim, que a legislação brasileira está atrasada – parada no tempo.

Enquanto nos países desenvolvidos as ações penais com tangentes ao crime de

furto, geralmente dependem da outorga do ofendido, ou ainda de requisitos mínimos, no

Brasil, o Ministério Público independe de vontade da parte.

Tal fato não só acarreta o aumento significativo no número de ações penais, como

vai na contramão do que vem sendo praticado nos países desenvolvidos – que demonstram

apenas se ocupar dos fatos penalmente relevantes – tanto para a vítima, quanto para o Estado.

Friamente analisando, percebe-se que os crimes de furto lá são tratados como

deveriam ser – delitos patrimoniais, que atingem majoritariamente o ofendido.

5.3 VIABILIDADE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA À

REINCIDENTES E AO FURTO QUALIFICADO, COMO MEDIDA DE POLÍTICA

CRIMINAL

O Supremo Tribunal Federal, aliado aos tribunais estaduais, adotou, no passado, a

posição majoritária de que criminosos reincidentes não podem ser agraciados com a aplicação

do princípio da insignificância, uma vez que, como já explicado, este não está adstrito ao

valor do bem, mas sim à lesividade da conduta, mínima ofensividade do agente e risco de

reiteração criminosa.

Page 44: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

43

Contudo, este entendimento vem se modificando ao longo dos anos. Isso porque

não se pode utilizar a reincidência como motivo isolado para o impedimento da aplicação do

crime de bagatela – devendo serem analisadas as condições do crime como um todo.

É o exemplo do HC 155.920/MG, que explicou que, no caso em tela, por se tratar

de um furto tentado de duas peças de queijo, cuja soma dos valores não ultrapassava R$40,00,

de uma sociedade empresária, seria viável a aplicação do princípio da insignificância, pois o

caso concreto, apesar da existência da reincidência do réu, demonstrava preenchidos os

requisitos para aplicação do crime de bagatela (BRASIL, STF, 2018).

Para Gomes (2010, p. 1), existem três situações distintas para a aplicação do

princípio da insignificância: 1) a multirreincidência ou reiteração cumulativa; 2)

multirreincidência ou reiteração não cumulativa e 3) fato único cometido por um agente

reincidente.

Conforme preleciona o mesmo autor,

[...] na primeira situação, quando o agente, mediante reiteradas condutas, lesa

seriamente o bem jurídico, fica afastada a aplicação da doutrina da insignificância.

Na reiteração não cumulativa o sujeito pratica vários fatos insignificantes,

desconectados no tempo, contra vítimas diversas e de forma não cumulativa.

Nesse caso não há obstáculo para a incidência do princípio da insignificância (que

conta com critérios objetivos). Na terceira situação (fato único cometido por um

agente reincidente) deve ser reconhecida a possibilidade de incidência do princípio

da insignificância, pois a insignificância (ou não) do fato independe das condições

pessoais do agente (maus antecedentes, reincidência etc.) (GOMES, 2010, p. 1).

Aliás, conforme entendimento da Suprema Corte,

O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a

privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam

quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de

outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em

que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial,

impregnado de significativa lesividade. (BRASIL, STF, 2009)

De fato, Supremo Tribunal Federal demonstrou extrema coerência no julgamento

do Habeas Corpus n. 126.866/MG, ao julgar que a ausência de vínculo entre a reincidência de

um condenado por homicídio para com a prática do crime de furto, não pode impedir a

aplicação do princípio da insignificância, conforme a ementa a seguir:

Habeas corpus. 2. Furto (artigo 155, § 4º, inciso IV, do CP). Bens de pequeno valor

(sucata de peças automotivas, avaliadas em R$ 4,00). Condenação à pena de 2 anos

e 4 meses de reclusão. 3. Registro de antecedentes criminais (homicídio).

Ausência de vínculo entre as infrações. Não caracterização da reincidência

específica. 4. Aplicação do princípio da bagatela. Possibilidade. Precedentes.

Peculiaridades do caso. 5. Reconhecida a atipicidade da conduta. 6. Ordem

concedida para trancar a ação penal na origem, ante a aplicação do princípio da

insignificância. (HC 126866, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda

Turma, julgado em 02/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 19-

06-2015 PUBLIC 22-06-2015). (BRASIL, STF, 2015).

Page 45: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

44

No mesmo sentido,

“[...] Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar

hipótese de aplicação do denominado ‘princípio da insignificância’ e, assim, afastar

a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por

ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade,

inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a

aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo

de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do

resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu

sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do

resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando

formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que ‘a insignificância só

pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’ (Zaffaroni),

levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de

irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a

pena ou a persecução penal. 3. Trata-se de furto de um engradado que continha vinte

e três garrafas vazias de cerveja e seis cascos de refrigerante, também vazios, bens

que foram avaliados em R$ 16,00 e restituídos à vítima. Consideradas tais

circunstâncias, é inegável a presença dos vetores que autorizam a incidência do

princípio da insignificância. 4. À luz da teoria da reiteração não cumulativa de

condutas de gêneros distintos, a contumácia de infrações penais que não têm o

patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal não pode ser valorada,

porque ausente a séria lesão à propriedade alheia (socialmente considerada), como

fator impeditivo do princípio da insignificância. 5. Ordem concedida para

restabelecer a sentença de primeiro grau, na parte em que reconheceu a aplicação do

princípio da insignificância e absolveu o paciente pelo delito de furto”. (HC

114.723/MG, rel. min. Teori Zavascki, 2ª Turma, DJe 12.11.2014)

E, conforme Gomes (2010, p. 1), “cada caso é um caso. Mesmo em se tratando

de réu reincidente, impõe-se a análise do caso concreto. Todas as circunstâncias devem ser

analisadas (qual foi o delito anterior, quando ocorreu o delito anterior, qual a gravidade do

delito precedente etc.).

Todavia, não é apenas a reincidência que impede a aplicação do crime de

bagatela.

Conforme análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o crime de

furto, quando qualificado, impede a aplicação do referido princípio, uma vez que estaria

demonstrada a maior ofensividade na conduta e periculosidade na ação do agente, uma vez

que necessitou de meios alternativos para a prática delitiva.

Nesse sentido,

[…] Ademais, “a jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que a prática do

delito de furto qualificado por escalada, arrombamento ou rompimento de obstáculo

ou concurso de agentes, caso dos autos, indica a especial reprovabilidade do

comportamento e afasta a aplicação do princípio da insignificância” […] Habeas

corpus não conhecido. (STJ, Quinta Turma, HC 414.199/SP, Rel. Min. Reynaldo

Soares Da Fonseca, julgado em 21/09/2017)

Ademais, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina também decidiu nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO PRATICADO DURANTE

O REPOUSO NOTURNO (ART. 155, §§1º E 4º, IV, DO CP). SENTENÇA

CONDENATÓRIA. RECURSO DOS RÉUS. MÉRITO. PRETENSÃO

Page 46: FLEXIBILIZAÇÃO DO JUS PUNIENDI ESTATAL NOS CRIMES DE …

45

ABSOLUTÓRIA POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. TESE NÃO

CARACTERIZADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS

COMPROVADAS. PALAVRAS DAS VÍTIMAS E DOS POLICIAIS EM

CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA.

MANUTENÇÃO DO ÉDITO CONDENATÓRIO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO

DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. CRIME PRATICADO PELOS

AGENTES MEDIANTE CONCURSO DE PESSOAS. MAIOR GRAU DE

REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO. ENTENDIMENTO DO STJ.

DOSIMETRIA. PLEITO EXCLUSIVO DO RÉU MARCELO.

RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO

CONHECIMENTO NO PONTO. ATENUANTE RECONHECIDA NA

SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO

PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n.

0001668-04.2017.8.24.0022, de Curitibanos, rel. Des. José Everaldo Silva, Quarta

Câmara Criminal, j. 25-04-2019).

De fato, os STJ e os tribunais estaduais tem adotado o posicionamento de que não

é possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime qualificado.

Porém, já houveram julgados pela Suprema Corte, em que os crimes eram

qualificados, e mesmo assim fora aplicado o crime de bagatela.

É o caso do HC n. 110.224/RS:

Habeas corpus. 2. Furto. Pacientes denunciados por terem subtraído, mediante

rompimento de obstáculo, 50 metros de fiação elétrica e 1 lâmpada das dependências

do Centro de Tradições Gaúchas Chaleira Preta, situado em Ijuí/RS (art. 155, § 4º, I

e IV, do Código Penal). Bens avaliados em R$ 81,80. 3. Mínimo grau de lesividade

da conduta. 4. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. 5. Ordem

concedida. (HC 110244, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a)

p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/11/2011,

PROCESSO ELETRÔNICO DJe-068 DIVULG 03-04-2012 PUBLIC 09-04-2012)

(BRASIL, STF, 2011)

E do HC n. 113.327/MG, que decidiu:

PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTES CONDENADOS PELO CRIME DE

FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE

DA CONDUTA DOS AGENTES. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.

I – A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a ação atípica,

exige a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, conduta

minimamente ofensiva, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de

reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva. II – In casu, tenho

por preenchidos os requisitos necessários ao reconhecimento do crime de bagatela.

Primeiro porque se trata de delito praticado sem violência ou grave ameaça contra a

pessoa. Ademais, embora não se tenham informações sobre a condição econômica

da vítima, o valor dos animais abatidos pelos pacientes não pode ser considerado

expressivo, de forma tal a configurar-se em prejuízo econômico efetivo. Ademais, os

animais subtraídos foram utilizados para consumo. III – Ordem concedida para

reconhecer a atipicidade da conduta e trancar as execuções criminais movidas contra

os pacientes. (HC 113327, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,

Segunda Turma, julgado em 13/11/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239

DIVULG 05-12-2012 PUBLIC 06-12-2012) (BRASIL, STF. 2019)

Assim, demonstra o Supremo Tribunal Federal que a insignificância, embora na

maioria dos casos não seja recomendada sua aplicação – pode incidir sobre os crimes

qualificados, desde que o caso assim autorize.

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46

Porém, ainda existe uma divergência jurisprudencial enorme – até mesmo dentro

do próprio STF.

É o caso, do HC n. 123.734 de Minas Gerais (BRASIL, STF, 2018), onde a corte

demonstrou preocupação com a análise individual dos casos de aplicação do princípio da

insignificância, deixando de lado a objetividade da jurisprudência majoritária, e partindo para

uma análise minuciosa do caso – e por fim, ponderou que, no caso em comento, a reincidência

do acusado e a qualificadora não autorizavam a aplicação do princípio da insignificância.

Contudo, foi decidido que, mesmo assim, as circunstâncias elencadas não

afastavam a possibilidade da aplicação de regime inicial aberto, substituído por pena restritiva

de direitos – por se mostrar recomendável ao caso.

Ora, trata-se de política criminal aplicada ao caso concreto. É sabido que ao

condenado reincidente em crime de furto, pelo teor da Súmula 269 do STJ, deve ser aplicado

o regime semiaberto (BRASIL, STJ, 2019). No entanto, a decisão acertadíssima da Suprema

Corte, previu que as consequências de fixação de tal regime no caso em tela, seriam

demasiadamente prejudiciais (tanto ao apenado, quanto à sociedade), o que demonstra grande

preocupação e sensibilidade dos nossos Ministros para com a situação caótica atualmente

instaurada no Brasil.

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6 CONCLUSÃO

A presente monografia tratou como base a flexibilização do jus puniendi nos

crimes de furto, como medida de política criminal – tendo em vista a ausência no

ordenamento jurídico, atualmente, do vislumbre e aplicação do princípio da intervenção

mínima estatal para com os referidos delitos

Inicialmente, foi feito um breve resumo sobre o direito penal. Após, adentrando

no início do tema, foi estudado acerca da ação penal propriamente dita no direito penal

brasileiro, de suas modalidades – pública incondicionada ou condicionada à representação,

exemplificando as peculiaridades de cada uma, e expondo, de maneira breve, princípios

inerentes à persecução penal, como o já mencionado princípio da intervenção mínima,

princípio da insignificância, da proporcionalidade, entre outros.

Ultrapassado o primeiro capítulo, falou-se do crime de furto, no segundo. Foi

explicada sua origem histórica, o bem que visa proteger e suas modalidades: furto simples,

furto qualificado e furto privilegiado.

Também, foi exposto neste capítulo, o crime de furto simples no Anteprojeto do

Código Penal (PLS 236/2012) – que visa modificar de maneira significativa a redação do

atual estatuto, modificando as qualificadoras existentes, pena aplicada à modalidade simples,

e, principalmente, condicionando o crime de furto simples à representação do ofendido,

quando o réu seja primário, e ainda, possibilitando a extinção da punibilidade nos casos de

reparação de dano, aceita pela vítima.

Após, no quarto capítulo, foi abordada a política criminal – e verificada a ausência

de uma política criminal determinada, certa, no nosso país. Foram expostas as correntes, e em

análise destas, não se verificou a aplicação de nenhuma – ora se aplica uma, ora se aplica

outra, não sabendo como agir o operador do direito nesse cenário caótico.

Ainda, foi constatado que o sistema carcerário brasileiro está falido – com número

de presos extremamente superior ao número de vagas. E foi demonstrado, conforme dados do

INFOPEN, que uma parte significativa dos encarcerados, atualmente, é oriunda da prática de

crimes de furto. Não existe ferramenta hábil para precisar, ao certo, quantos fariam jus ao

exposto aqui, e quantos realmente deveriam estar encarcerados – mas, com esses dados em

mãos, e com o exposto, entra-se no ponto principal do presente trabalho.

No último capítulo, que trata especificamente sobre o tema abordado, foram

mencionados três projetos de lei em andamento que, entre outras coisas, requerem o

condicionamento da ação penal nos crimes de furto simples. Não apenas isso, foi realizada a

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análise do processo penal europeu – e verificado, que de fato, grande parte dos países adota o

mesmo sistema que pretendem os autores dos projetos adotar no Brasil.

Isso verifica-se porque, com efeito, existe uma supervalorização do crime de furto

– penas exacerbadas, desproporcionais com outras reprimendas em nosso diploma legal.

Naqueles ordenamentos europeus, o crime de subtração patrimonial é tratado como deveria

ser aqui em nosso país.

O furto nada mais é que a subtração de um bem móvel de propriedade da vítima

(pois sem vítima, não existe crime) – e se esta não se sente lesada, ou por mais que se sinta,

não quer ver a persecução penal do agente, o Estado é que não deveria se ocupar de tal fato –

intervindo onde, de maneira efetiva, não deveria – gerando uma ação penal por vezes

totalmente desnecessária, um desgaste à vítima, que por vezes já teve seu patrimônio

recuperado, já perdoou o acusado ou simplesmente não sente que valha a pena a penúria que

uma ação penal pode causar.

Não apenas isso, foi verificada a análise da viabilidade da aplicação do princípio

da insignificância aos crimes de furto no caso de reincidentes e na modalidade qualificada – e

verificou-se, na verdade, que já existe uma gama jurisprudencial do Supremo Tribunal

Federal nesse sentido. Embora essa posição não tenha sido adotada pelos tribunais superiores

– existe uma discussão na mais importante corte do Brasil, em que diversos ministros, em

vários votos, se manifestam pela análise caso a caso – deixando de lado a análise fria da folha

dos antecedentes criminais, e vendo de maneira mais amplas o preenchimento dos requisitos

para aplicação do referido princípio.

Percebeu-se ainda, que em casos onde a situação não autorizada a aplicação do

crime de bagatela, o STF, em verdadeira aplicação de política criminal, permitiu a fixação de

regimes menos gravosos, de substituição de pena, garantindo uma proporcionalidade entre

crime cometido e pena aplicada.

Assim, verifica-se que o legislador, e a Suprema Corte, em sua função de guarda

da Constituição Federal, em garantia aos princípios inerentes ao direito penal, estão tentando

combater a política do encarceramento, a política de intervenção máxima do Estado naqueles

crimes onde não deveria de fato, haver um tamanho intrometimento, com tamanhas

penalidades.

De fato, eles estão tentando resgatar princípios que embora elencados pela

doutrina, não veem aplicação na prática – proporcionalidade, intervenção mínima,

insignificância, inclusive, deste modo, subsidiariamente, garantindo com que os direitos

humanos, inerentes à todos nós, sejam aplicados, evitando, com a aplicação dos princípios

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elencados, e através de uma verdadeira flexibilização do poder punitivo estatal, com que

sejam encarcerados em nossos ergástulos. Desse modo, evitam também que acabem sofrendo

os agentes, além da já severa punição que é a prisão, as condições desumanas dos presídios e

penitenciárias, que por vezes se tornam antros para a reincidência, uma escola da

criminalidade.

Assim, com a referida flexibilização, o Estado passará a se ocupar daqueles

crimes que realmente lhe interessam – não apenas de ledas subtrações em que nem a vítima

quer a persecução penal. Com isso – sem poder precisar um lapso temporal, uma quantidade

de vagas significativas deixará de ser preenchida com esses casos, menos ações penais

desnecessárias irão abarcar no judiciário – demonstrando o tamanho benefício da medida.

A flexibilização do jus puniendi nos crimes de furto demonstra, além de ser

medida de política criminal de direito mínimo, ser medida de justiça, garantindo o tratamento

adequado para cada crime, para cada caso – o direito, sendo aplicado, portanto, de sua forma

mais correta.

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50

REFERÊNCIAS

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