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FILHOS DO ÉDEN LIVRO 2

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Filhos do édenLIVRO 2

Outras obras do autor publicadas pela Verus Editora

Filhos do éden:

livro 1 — herdeiros de AtlântidA

A BAtAlhA do ApocAlipse: dA quedA dos Anjos Ao crepúsculo do mundo

Filhos do édenAnjos dA morte

eduArdo spohr

LIVRO 2

1ª edição

Rio de Janeiro-RJ / Campinas-SP, 2013

EditoraRaïssa Castro

Coordenadora EditorialAna Paula Gomes

CopidesqueAna Paula Gomes

Revisão Anna Carolina G. de Souza

Tássia Carvalho

Projeto GráficoAndré S. Tavares da Silva

Ilustração da Capa© Stephan Stölting

© Verus Editora, 2013

ISBN: 978-85-7686-245-1

Direitos mundiais reservados, em língua portuguesa, por Verus Editora. Nenhuma parte desta obra po de ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou

quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora.

Verus editora Ltda.Rua Benedicto Aristides Ribeiro, 55Jd. Santa Genebra II - 13084-753

Campinas/SP - BrasilFone/Fax: (19) 3249-0001 www.veruseditora.com.br

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S749f Spohr, Eduardo, 1976- Filhos do Éden : Anjos da Morte : livro 2 / Eduardo Spohr. - 1.ed. - Campinas, SP : Verus, 2013 23 cm Apêndice ISBN 978-85-7686-245-1 1. Anjos - Ficção. 2. Ficção brasileira. I. Título.

13-1376 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

Revisado conforme o novo acordo ortográfico

Para o meu pai, Carlos Eduardo, para quem

a guerra desperta o que há de pior

e de melhor no ser humano

Este livro é também um tributo aos soldados sem rosto,

aos homens e mulheres que lutaram e morreram...

e que nunca voltarão para casa

sumário

Apresentação: Tirem as crianças da sala ............................. 11

As Sete Castas Angélicas ..................................................... 14

Personagens ........................................................................ 15

O Manuscrito Sagrado dos Malakins .................................. 21

livro 2: Anjos dA morte

Parte i: Guerra totaL (1944-1945)

1 Dia D, Hora H ......................................................29

2 Sono de Pedra ......................................................39

3 Quimeras .............................................................45

4 “Um Abismo Leva ao Outro” ..............................51

5 O Primeiro dos Sete .............................................55

6 Abul das Profundezas ..........................................60

7 Saint-Lô, a Capital em Ruínas .............................69

8 “Saiam Daí!” ........................................................76

9 Marie et Louise ....................................................82

10 Magia Suja .........................................................91

11 Brado de Horror .................................................96

12 No Coração das Trevas ....................................103

13 Nervos de Aço ..................................................110

14 “Um Bom Dia para Morrer” ............................116

15 Controle Psíquico ............................................124

16 Zac ...................................................................132

17 Aonde os Anjos Temem Ir ...............................139

18 Marcha sobre Paris ...........................................144

19 Na Outra Margem do Sena ..............................152

20 Pirâmide de Gelo .............................................161

21 Ardenas ............................................................168

22 O Torreão .........................................................175

23 Gritos Calados .................................................180

24 Sol Negro .........................................................187

25 Groll .................................................................193

26 A Escada Branca ...............................................198

27 Hitler Morre; Rumo a Tóquio ..........................204

Parte ii: anos dourados (1956-1969)

28 Cão de Caça .....................................................209

29 Sopro da Morte ................................................215

30 Yaga ..................................................................221

31 Gregorion .........................................................228

32 Gelo Eterno ......................................................233

33 Por um Punhado de Dólares ...........................236

34 Posto de Controle ............................................242

35 Busca e Destruição ...........................................249

36 O Ano do Macaco ............................................255

37 Hué ...................................................................262

38 Banshee ............................................................267

39 Corte Marcial ...................................................272

40 Lei do Universo ................................................275

41 Permissão para Morrer .....................................279

42 Inferno Verde ...................................................287

43 Octaedro ..........................................................294

44 Buck Rickson. O Jato Fantasma .......................298

45 Cadeira da Morte .............................................303

46 Campo Unificado ............................................310

47 Sob o Calor de Mil Raios .................................318

48 Paz com Honra ................................................326

Parte iii: temPorada de Caça (1972-1989)

49 Venice ..............................................................335

50 A Deusa que Arde ............................................343

51 Santa Sofia .......................................................349

52 Expresso do Oriente ........................................354

53 Teth ..................................................................359

54 Casa Segura ......................................................364

55 Andril ...............................................................372

56 Anjos e Demônios ...........................................378

57 Escudo Humano ..............................................386

58 Pacto com o Diabo ..........................................392

59 Déjà Vu ............................................................399

60 Centro Médico .................................................402

61 Dormindo com o Inimigo ...............................407

62 Eixo ..................................................................413

63 O Anjo das Águas .............................................419

64 Reunião de Família ..........................................424

65 Vila Sésamo ......................................................429

66 O Clube do Inferno .........................................439

67 “Até que a Morte os Separe” ............................446

68 Combustão Espontânea ..................................454

69 Raqui’a .............................................................458

70 Morada dos Deuses ..........................................466

71 Paranoia ...........................................................469

72 “Todo o Sangue Voltará para Você” .................474

73 O Último Encanto ...........................................481

74 Dia do Pagamento ...........................................484

75 Éter ...................................................................488

76 Beirute ..............................................................491

77 Laços de Sangue ...............................................497

78 Denyel contra Urakin ......................................499

79 Egnias ...............................................................506

80 Seppuku ...........................................................509

81 Na Praça do Obelisco .......................................513

82 A Zona Secreta .................................................517

83 O General Turquesa .........................................520

84 Bolha de Estase ................................................524

85 Ecaloths ............................................................528

86 Seis de Sete .......................................................531

87 A Cidade que Morreu Duas Vezes ...................535

88 Um Novo Dia para Morrer ..............................540

Epílogo ....................................................................... 549

livro 3: pArAÍso perdidoPrólogo ....................................................................... 553

aPêndiCe

Nota Histórica: Ficção versus realidade .................559

Lista de Reprodução:

As músicas de Anjos da Morte .............................566

Linha do Tempo ....................................................570

Glossário ................................................................575

11

ApresentAçãoTirem as crianças da sala

Pólvora, napalm, sangue e lágrimas. se me perguntassem em poucas pa-lavras, eu diria que é disso que é feito este livro.

Depois de um ano e meio aquartelado em meu escritório, entre torradas

de queijo e canecas de café forte, posso afirmar com certeza que Filhos do Éden:

Anjos da Morte é o romance que eu sempre quis escrever, o que me deu mais

prazer e também mais trabalho. Lá se foram unhas roídas, horas de pesquisa

(algumas in loco), noites em claro revisando os capítulos, e finalmente o re-

sultado é este que você tem em mãos.

Desde que tracei as primeiras linhas de A Batalha do Apocalipse, no lon-

gínquo verão de 2002, eu já alimentava a ideia de escrever, quem sabe um dia,

uma obra ambientada no século XX, tendo as grandes guerras como plano de

fundo. Infelizmente (ou felizmente), o enredo final de A Batalha não me per-

mitiu explorar em detalhes a história contemporânea, deixando-me sem opção

a não ser engavetar o projeto. A oportunidade ressurgiria então com a série

Filhos do Éden, mais especialmente com o personagem Denyel, um dos que-

rubins exilados que integrou, de 1914 a 1989, o esquadrão dos anjos da mor-

te, celestes ordenados a viver na terra como pessoas comuns e a se alistar, de

tempos em tempos, nos conflitos humanos, assumindo postos de batalha se-

gundo a determinação (e o capricho) dos seus senhores, os malakins.

Este projeto (a realização dele, melhor dizendo) sempre foi para mim um

sonho de infância, um tanto sádico talvez, porque desde criança sou fascina-

12

do por histórias de guerra. Curiosidade bizarra? Sede de sangue? Puro sadismo?

Não, nada disso. Com efeito, as notícias que nos chegam do front nos tocam

porque é no momento da morte que a verdadeira natureza humana insurge,

com toda a sua força. É diante do desespero que somos catapultados aos nos-

sos limites, que os parâmetros sociais se quebram, e o que resta é o homem

em seu estado mais puro. É nesse instante que nos superamos, que comete-

mos os atos mais bárbaros, que nos sacrificamos, que nos tornamos monstros,

santos, heróis ou selvagens.

Escrever sobre guerras não é uma tarefa fácil. O maior problema, a meu

ver, é a insistência, seja por parte dos governos ou da opinião pública em ge-

ral, em tratar os soldados como mera estatística, então o que um romancista

precisa fazer é se focar não nas operações militares, mas no indivíduo, realçar

o esforço particular dos combatentes e, ao mesmo tempo, não glorificar os

atos de guerra, não tomar partido e não fazer julgamento de fatos históricos.

Com o avanço dos capítulos você perceberá, então, que este é um livro

totalmente diferente dos meus trabalhos anteriores. Pela primeira vez, tomei

a decisão de construir o enredo com foco nos personagens e não em determi-

nado evento ou missão, um recurso que os americanos costumam chamar de

character-driven. Nasceu assim uma narrativa mais adulta e sombria, com uma

forte carga dramática e voltada, sobretudo, para a psicologia de Denyel e seu

gradual processo de corrupção. O que importa, agora, não é o que se passa no

mundo, mas a resposta do protagonista a tais episódios. Diante disso, Anjos

da Morte se tornou (mesmo para mim) uma obra imprevisível em vários aspec-

tos: eu sabia o que aconteceria a cada página, só não sabia como. E quem de-

terminou esse como foi o próprio Denyel ao longo da história, e não o roteiro

que eu havia previamente traçado.

Mas nem só de espoleta é feito este tomo. No ínterim entre as aventuras

ocorridas no passado, saltaremos ao presente para acompanhar a jornada de

Kaira, Urakin e Ismael, um novo personagem que se junta ao coro, e sua mis-

são de resgatar o amigo exilado. Esses trechos, é bom saber de antemão, são

enigmáticos por natureza e servem como um mosaico da trilogia, um quebra-

-cabeça que precisa ser montado peça por peça e cujo significado só será re-

velado no terceiro volume — Filhos do Éden: Paraíso Perdido —, em que todas

as tramas convergirão, unindo os heróis de hoje e de ontem sob as asas do

mesmo destino.

13

O título deste texto está mais para uma brincadeira (se é que se pode brin-

car com essas coisas). A despeito das atrocidades aqui retratadas, quase todas

inspiradas em acontecimentos reais, eu não acredito, sinceramente, que de-

vamos fechar os olhos aos perigos que nos cercam. O sofrimento existe no

mundo, sempre existiu. Em vez de dar as costas a ele, o nosso desafio, enquan-

to seres humanos, é encarar tais horrores, saber driblá-los ou combatê-los. O

grande dilema está em lidar com essa duplicidade de sentimentos tanto fora

quanto dentro de nós, do ódio ao amor, da crueldade à ternura, da tristeza à

alegria. É viver dignamente e escolher o caminho do bem ante a sedutora face

do mal.

Por fim, gostaria de agradecer aos leitores que me cobraram, todos os dias,

a publicação deste título, por meio dos meus canais na internet. Cada uma

dessas mensagens foi, sem dúvida, um combustível essencial para o meu so-

litário cotidiano como escritor, foi o que me estimulou a dar o máximo de

mim para que afinal Anjos da Morte chegasse ao mercado. Incluo nestes agra-

decimentos, especialmente, a turma e os frequentadores do site Jovem Nerd,

não apenas os criadores, Alexandre Ottoni e Deive Pazos, mas os nerds ao re-

dor do país que me acompanham às sextas-feiras no Nerdcast e através dos

posts no meu blog, no Twitter e no Facebook.

Carreguem seus rifles, preparem as baionetas, ajustem seus capacetes. Con-

vido-os a embarcar comigo nesta viagem. De volta no tempo. De volta ao sé-

culo XX.

eduardo spohr, outono de 2013

14

As sete cAstAs AngélicAs

Querubins Anjos guerreiros. Seus poderes são baseados em força, percep-

ção, furtividade e rapidez.

Serafins Nobres, políticos e burocratas. Mestres na persuasão e na ma-

nipulação da mente.

Elohins Vivem no plano físico, geralmente disfarçados de seres huma-

nos. Hábeis em se adaptar a etnias e grupos sociais.

Ofanins Anjos da guarda. Seres bondosos, que vagam no plano astral

ajudando os seres humanos. Carismáticos, são capazes de con-

trolar emoções.

Hashmalins Torturadores, anjos da punição. Controlam os espíritos e as

trevas.

Ishins Celestes responsáveis por governar as forças elementais: fogo,

terra, água e ar.

Malakins Sua missão é estudar o universo e a humanidade. Reclusos, po-

dem moldar o tempo e o espaço.

15

personAgens

Abul Chamado no inferno de Abul das Profundezas. Um anjo

caído que trabalhou com Ismael na Gehenna, antes da

rebelião de Lúcifer.

Albert Bruno Jovem nativo da Louisiana, EUA. Serviu como atirador

nas fileiras aliadas durante a Segunda Guerra Mundial.

Andril O Anjo Branco, conhecido pelas antigas tribos humanas

como o Deus Branco. Um ishim que manipula o frio e

o gelo. É um dos arcontes do arcanjo Miguel.

Aralim O Cintilante, o Quarto dos Sete. Um dos sete malakins

que durante o século XX controlavam os anjos da morte.

Astron É um dos comodoros (generais serafins) a serviço das for-

ças revolucionárias de Gabriel.

Bakuno Referido por seus seguidores como o Forte, é um demô-

nio da casta dos baals.

Bartley Smith Jovem irlandês, amigo de Denyel nos campos da Primeira

Guerra Mundial.

Belfegor Tenente de Bakuno e gerente do restaurante Passo Nero,

em Roma.

16

Benjamin T. Curtis Primeiro-tenente da Companhia B durante a Guerra do

Vietnã.

Bobby Joe Soldado que integrou a 1ª Divisão de Infantaria, Com-

panhia F, durante a Segunda Guerra Mundial.

Boris Lagutin Oficial soviético responsável por experiências secretas na

Indochina.

Buck Rickson Piloto de caça e helicóptero da Força Aérea dos Estados

Unidos, entre 1965 e 1968.

C. Bennett Cabo da divisão dos paraquedistas durante a Segunda

Guerra Mundial.

Cardeal Um dos elohins baseados na cidade de Roma. Seu nome

humano era Giuseppe di Lazio.

Carlo Guarda-costas de Giuseppe di Lazio, o Cardeal.

Chris Ericsson Agente da CIA e assistente de Tom Craig.

Crystal Codinome da moça controlada por um dos demônios

femininos no Clube do Inferno, em Amsterdã.

Danny Rose Agente da CIA. Substituto de Tom Craig.

Denyel Um dos querubins exilados que durante o século XX in-

tegraram o esquadrão dos anjos da morte.

Donald Jackson Cabo nativo da Louisiana, colega de Denyel no Vietnã.

Douglas Keyne Chefe dos boinas-verdes durante a incursão ao Camboja,

em 1968.

Duma O Príncipe do Silêncio ou ainda o Segundo dos Sete. Um

malakim, braço direito de Sólon.

Eric Richard Tate Identidade mortal usada por Denyel de 1973 a 1989.

Flavio Ortega Segundo-sargento da Companhia B durante a Batalha de

Hué, no Vietnã, em 1968.

Frederick Grump Sargento dos boinas-verdes. Apelidado de Bebezão, par-

ticipou, com Denyel e Craig, da incursão ao Camboja,

em 1968. Imediato de Douglas Keyne.

17

Gabriel Mestre do Fogo, Mensageiro, Anjo da Revelação ou Força

de Deus. Costumava ser enviado à Haled para cumprir

missões ordenadas pelos arcanjos. Revoltou-se contra o

irmão, Miguel, dando início à guerra civil.

Glen Julius Terceiro-sargento condecorado com a medalha Coração

Púrpura por seus feitos na África, durante a Segunda Guer-

ra Mundial. Integra a Companhia F de Denyel e Craig em

1944-1945.

Gonzo Sargento Frederico Gonzalez, um dos praças da Compa-

nhia B durante o conflito no Vietnã.

Gordon Grey Primeiro-sargento da Companhia B. Sua participação é

destacada na Batalha de Hué, em 1968.

Greg Fantasma de um rapaz preso ao banheiro da “casa segu-

ra” de Denyel.

Gregorion Um dos elohins residentes na terra, suposto membro da

teia.

Greta Gerente da agência dos correios onde Denyel mantém

uma caixa postal entre 1956 e 1968, na cidade de Sacra-

mento, capital do estado da Califórnia.

Grisha Carrasco ucraniano em serviço no Camboja com as tro-

pas soviéticas.

Gutaska Razda Um dos cabeças da sociedade Thule, a organização eso-

térica patrocinada pelo Partido Nazista.

Hildr Capitã das valquírias, em Asgard.

Ismael O Executor. Aliado de Kaira e Urakin. Foi um dos pou-

cos hashmalins que abraçaram a facção rebelde.

Jeff Nascido no Alabama, é segurança, até 1968, da agência

dos correios onde Denyel mantém uma caixa postal, na

cidade de Sacramento.

John Mills Operador de rádio da Companhia F durante a Batalha do

Bulge, na Segunda Guerra Mundial.

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Kaira Centelha Divina. Capitã dos exércitos revolucionários de

Gabriel, é uma ishim da província do fogo.

Kazan Outro dos elohins apontado como um dos integrantes

da teia. Dono de várias lojas no Grande Bazar de Istam-

bul, nos anos 70.

Kevin Taylor Enfermeiro da Companhia F, participou com Denyel da

invasão de Marie et Louise, em 1944.

La Rosa Um dos boinas-verdes liderados por Douglas Keyne, em

1968.

Levih O Amigo dos Homens. Um ofanim partidário das forças

rebeldes.

Lúcifer A Estrela da Manhã, chamado também de Filho do Alvo-

recer, Portador da Luz ou Arcanjo Sombrio. Rebelou-se

contra Miguel e hoje tem seu próprio domínio nas pro-

fundezas do inferno.

Mark Garner Jornalista britânico que fotografou execuções sumárias

em Hué, no Vietnã do Sul, em 1968.

Mickail Um querubim exilado. Ao lado de Denyel, integrou o

batalhão dos anjos da morte.

Miguel O Príncipe dos Anjos. Maior de todos os arcanjos, ven-

ceu os exércitos de Lúcifer e os expulsou para o Sheol.

Mike Beluso Fuzileiro naval na base aérea de Da Nang, em 1968.

Nikarath Um dos netos de Tehom, demônio anterior à criação do

universo.

Norma Um dos dois fantasmas presos à “casa segura” de Denyel,

em Londres.

Pat De Forrest Oficial-piloto do helicóptero que transportou Denyel,

Craig e os boinas-verdes ao Camboja, em abril de 1968.

Perry C. Lee Homem possuído por Abul no hospício em Leiden, na

década de 70.

19

Primeiro Anjo Figura temida e misteriosa. Antigo líder dos sentinelas.

Prisca Ryke Uma elohim, dona e gerente do Clube do Inferno, em

Amsterdã.

Rachel Arsen Menina antes aprisionada no avatar de Kaira. Foi liberta

duran te a batalha em Athea, relatada em Filhos do Éden:

Herdeiros de Atlântida.

Rafael A Cura de Deus ou o Quinto Arcanjo. O mais bondoso e

indulgente dos primicérios. Desapareceu misteriosamen-

te nos dias que se seguiram ao dilúvio.

Richard Mitchell Chamado de “Dick” pelos soldados, era o tenente da

Companhia A, de Denyel.

Rick Danny Outro marine na base de Da Nang, no Vietnã do Sul, em

1968.

Ron Julian Cabo treinado pelos Rangers e atuante na Batalha de Hué.

Sirith Um demônio raptor. Foi derrotado por Denyel e Urakin

na batalha de Athea e caiu (ferido, mas ainda vivo) nas

águas douradas do rio Oceanus.

Sólon O Primeiro dos Sete. Líder do coro de sete malakins que

controla os anjos da morte e, consequentemente, chefe

de operações de Denyel.

Sophia Uma das supostas elohins residentes na terra, teorica-

men te não relacionada aos interesses da teia.

Teth O Terceiro dos Sete. Um dos malakins que anteriormen-

te controlavam os anjos da morte.

Thera General atlante nomeado guardião de Egnias, a Segunda

Cidade.

Toddy Malone Recruta norte-americano durante a Batalha do Bulge, nas

Ardenas, em 1944-1945.

Tom Craig Sargento de pelotão atuante na Segunda Guerra Mundial,

comandante de Denyel na incursão a Marie et Louise e

depois nas Ardenas.

20

Tony Akee O Chefe. Soldado estadunidense de origem indígena que

se junta a Denyel em Marie et Louise.

Urakin O Punho de Deus. Guerreiro obstinado e forte, é o par-

ceiro de missão de Kaira e Ismael.

Yaga Hashmalim sob as ordens de Andril. Foi a “intercessora”

de Denyel entre os anos 50 e 70.

Zac Um dos ofanins, amigo de Levih. Na terra, assume o ava-

tar de um cão labrador.

Zarion Antigo guarda-costas de Kaira.

21

o mAnuscrito sAgrAdo dos mAlAkins

Houve um tempo, muito anterior ao surgimento do homem, em que os anjos governavam a terra. Onipotentes e absolutos, eles voavam livres

no céu primitivo, sobrevoavam os mares, esquadrinhavam o solo, executavam

danças espiraladas em volta do sol, fertilizavam o trabalho de Deus.

Começou então o sétimo dia, e com ele o alvorecer da espécie terrena.

Preservada da influência celeste, a nova raça se consagrou como entidades úni-

cas, inteligentes, e passou a governar o planeta — primeiro, a partir da escu-

ridão das cavernas, depois em fortalezas de mármore e granito, para enfim

tocar o céu em espigões de aço e concreto.

Embora inflados de amor e paixão, dos corações humanos germinavam

também ódio e ganância. Os massacres começaram logo nas primeiras migra-

ções, com as tribos nômades devastando as aldeias rivais, roubando suas ter-

ras, pilhando seus cofres. Essa selvageria desagradou os arcanjos, os regentes

supremos do universo, que decidiram acabar com os mortais, esterilizando la-

gos e rios, destruindo cidades e portos.

Havia, porém, alguns que depositavam esperança nos homens, entre eles

Gabriel, o Mestre do Fogo, que se recusou a obedecer às ordens homicidas de

seu irmão, o arcanjo Miguel, dando início à guerra civil, um confronto que se

alastrou pelas sete camadas do paraíso e secionou duas facções de alados: os

novos rebeldes, que lutam em defesa da palavra de Deus, e os legalistas, unos

pelo desejo de exterminar os terrenos.

22

Quando essa mesma guerra se agravou, tanto Gabriel, o comandante dos

revoltosos, quanto Miguel, seu tirânico parente, determinaram o Haniah, o

Retorno, convocando todos os seus anjos que atuavam no plano físico para

lutar as pelejas no céu, e assim a terra foi esvaziada. Alguns poucos foram auto-

rizados a ficar, assumindo a posição de observadores, garantindo a manutenção

da trégua estabelecida no mundo dos homens. Desde então, esses desgarrados,

ou apenas “exilados”, como são conhecidos, vagam solitários de país em país.

Disfarçados de pessoas comuns, eles presenciaram o fim do período gótico e

a queda de Constantinopla; assistiram à expansão do Islã, às grandes navega-

ções e às revoluções da Europa; testemunharam a colonização nas nações afri-

canas e a extinção dos imperadores e reis.

Quando o século XX raiou no teatro da história, o tecido da realidade, a

barreira mística que separa os reinos físico e espiritual, adensou-se. Os novos

meios de comunicação e transporte levaram o progresso aos cantos mais dis-

tantes do globo, pervertendo os nódulos mágicos, apagando o poder dos velhos

santuários, revertendo os últimos vértices, afastando os mortais da natureza

divina.

Isolados no Sexto Céu, incapazes de enxergar o planeta justamente pelo

adensamento do tecido, a casta dos malakins, cuja função é estudar os movi-

mentos do cosmo, solicitou ao príncipe Miguel a criação de uma brigada que

descesse à terra para pesquisar o avanço dos tempos. Relutante em abrir mão

de seus capitães, ele ofereceu o serviço dos exilados, que havia milênios atua-

vam na sociedade terrestre, alheios às batalhas do paraíso.

Destacados, então, para servir sob as ordens dos malakins, esses exilados

foram removidos de seus cargos originais e reorganizados sob a forma de um

esquadrão de combate. Sua tarefa, a partir de agora, seria participar das guer-

ras humanas, de todas as guerras, fantasiados de meros soldados, para anotar

as façanhas militares, o comportamento das tropas e depois relatá-los aos seus

superiores celestes.

Esse esquadrão tomou parte em todos os conflitos do século XX, das pútri-

das trincheiras de Verdun às praias da Normandia, das selvas da Indochina à

decadência da União Soviética. Embora muitos não desejassem matar, era exa-

tamente isso o que lhes foi ordenado, e o que infelizmente acabaram fazendo.

Entre os outros querubins, esse grupo foi visto como uma turba de geno-

cidas, lutadores desonrados, cheios de vícios carnais. Por sua natureza erran-

23

te e até certo ponto obscura, eles nunca chegaram a ter um nome oficial, a

não ser pela óbvia alcunha que os caracterizava.

Foram chamados de anjos da morte.

livro 2

Anjos dA morte

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guerrA totAl (1944-1945)

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Praia de Omaha, França, 6 de junho de 1944

Foi o segredo mais bem guardado da história. ninguém sabia quando

ia acontecer. Poderia ter sido nas tardes claras de abril, sem brisas ou gai-

votas no céu, ou nas noites úmidas de agosto, quando as chuvas encharcam

as praias da costa normanda.

Mas aconteceu no dia 6 de junho.

Nas primeiras horas da manhã, a numerosa frota aliada despontou no ho-

rizonte. Sobre as águas, singravam mais de cinco mil navios de guerra, encoura-

çados, destróieres, cruzadores e, à retaguarda, as naus de comando, abarrotadas

de antenas e bandeirolas, cercadas por dúzias de lanchas de desembarque. Es-

ses transportes, deslizantes no mar agitado, rumavam agora na direção das cin-

co praias francesas escolhidas para a invasão, referidas sob os codinomes Utah

e Omaha, reservadas aos norte-americanos, Gold e Sword, restritas aos britâ-

nicos, e Juno, onde ocorreria a incursão canadense.

Mas o Dia D, tal qual seria descrito nos livros de história, começara horas

antes, ainda durante a madrugada, quando dezoito mil paraquedistas saltaram

atrás das linhas germânicas. Seu trabalho era dinamitar pontes, obstruir as co-

municações, inutilizar baterias e impedir o recuo das tropas alemãs, dispostas

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a tudo para defender seus terrenos. Espalhados ao longo da península do

Cotentin, esses combatentes aerotransportados, bem como os recrutas que

agora se apertavam nas barcaças, tiveram como melhor amigo o efeito surpre-

sa. Graças a um complexo esforço de contraespionagem, tanto os generais do

Reich quanto o próprio Adolf Hitler acreditavam até o último segundo que o

alvo do ataque seria o passo de Calais, a menor distância entre a Inglaterra e

a França. Seguindo essa lógica, os nazistas estacionaram as poderosas divisões

de tanques Panzer ao norte do rio Sena, quilômetros adentro do território fran-

cês, deixando a costa potencialmente desguarnecida, suportada apenas pela

exausta 716ª Divisão, cujas lacunas haviam sido preenchidas por voluntários

poloneses e russos.

Foi assim em Juno, Gold e Sword. Foi assim em Utah.

Omaha foi a exceção.

Para os praças e oficiais da 29ª e da 1ª Divisões de Infantaria, aquela seria

uma alvorada sangrenta. Espremidos no interior dos lanchões, recurvados, com

as roupas empapadas, eles quicavam ao balanço das ondas, o “elevador para

o inferno”, comentava-se à boca pequena. O ruído dos motores os tonteava, o

cheiro de diesel os deixava nauseados. Cada um daqueles homens estava equi-

pado com um salva-vidas, portava facas, pistolas, granadas, rifles e trazia na

mochila um conjunto de pás para cavar trincheiras, máscaras de gás, rações e

estojos de primeiros socorros. Muitos não dormiam fazia duas noites, agita-

dos pela expectativa, outros dispensaram a refeição matinal, e os mais fracos

estavam enjoados. Em um desses transportes, um recruta na casa dos 30 anos

chamava atenção pela frieza, um jovem de cabelos pretos e curtos, olhos cas-

tanhos, expressão arisca, estatura média, de corpo esguio e musculoso — essa

era a aparência de Denyel, o anjo exilado, o anjo da morte, o celeste que, dis-

farçado de gente, integrava agora a primeira leva de assalto.

Denyel contemplou o céu. Uma manhã chuvosa e cinzenta, diferente de

todas as outras. Os fachos de sol cortavam as nuvens, desciam em feixes dou-

rados, penetrando como lanças na superfície do mar. Vista de dentro, a em-

barcação parecia uma lata de sardinha — imunda, fedorenta, com onze metros

de extensão e espaço para 36 ocupantes. A seção dianteira servia também como

rampa, um palmo mais alta que as laterais, obscurecendo a vista da praia, en-

volvendo a operação numa névoa de terror e mistério.

— Mantenham a linha — soou uma voz nos megafones, pedindo aos ti-

moneiros que segurassem a formação, que ameaçava se romper com o sobe e

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desce das ondas. — Mantenham a linha. Controlem seus lemes. Toda força a

bombordo!

Um avião Thunderbolt passou em rasante por eles, girou a hélice, revol-

veu a água marinha, e a seguir surgiram outros caças, os britânicos Spitfires,

acompanhados por uma esquadrilha de bombardeiros Mustang, alinhando-

-se para despejar suas bombas. Mais acima, invisíveis aos seres humanos, avan-

çando como andorinhas, ocultos através do tecido, Denyel avistou um coro

de cem ofanins. Conhecidos como anjos da guarda, esses alados são entidades

pacíficas e sempre aparecem ao prenúncio de um grande confronto, com a mis-

são de prestar assistência aos que perecem em combate, sem fazer distinção

de credo, etnia ou nacionalidade, orientando os recém-falecidos ao correto

caminho do céu.

Denyel não era um ofanim, embora às vezes os invejasse — era um que-

rubim, pertencente à casta guerreira, ordenado a permanecer no plano físico

para registrar as batalhas terrenas. Sob o comando de seus arcontes, como são

chamados os capitães celestiais, ele se alistara no exército dos Estados Unidos

em novembro de 1939. Incorporado à 1ª Divisão de Infantaria, a Grande Rubra,

16º Regimento, fora enviado à Argélia em 1942. Dali, sua unidade seguiu para

a Tunísia e a Sicília, sendo finalmente destacada, em 1943, para a série de trei-

namentos que culminariam no tão aguardado Dia dos Dias.

Denyel tentava se comportar como os outros recrutas, mas era de perso-

nalidade sombria, o que lhe valera a fama de psicótico. Depois da traumática

experiência nas trincheiras do Somme, durante a Primeira Guerra Mundial,

ele deliberadamente escolhera não fazer mais amigos. Para corroborar seu dis-

farce, recusara todas as promoções, permanecendo no posto de soldado raso,

um sujeito absolutamente ordinário, sem qualquer atributo incomum.

O exilado virou o pescoço e observou os colegas. Diferentemente dos de-

mais combatentes, os infantes da Grande Rubra eram experientes, com aque-

le instinto especial para o tiroteio. O emblema costurado no ombro, com o

número 1 bordado em vermelho, era o símbolo da divisão, motivo de orgu-

lho para quem o ostentasse. O uniforme estava camuflado para o verão euro-

peu, em tons marrons, esverdeados e cinzentos.

Denyel ajustou o capacete. Os fios negros estavam cortados à máquina, e

a barba fora cautelosamente raspada. De pele clara e sobrancelhas escuras, fa-

zia-se passar por ítalo-americano, igual a muitos outros cujos pais imigraram

para a América no princípio do século.

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— Sabe o que está me preocupando? — um praça ao seu lado, magro, de

óculos redondos, puxou assunto. Valia tudo para despistar o nervosismo. —

Os tubarões.

— Está louco — rosnou um sargento de bigodinho. — Não tem tubarão

na França.

— Quem disse?

— Eu estou dizendo, seu cagão — o mais graduado respondeu com dureza.

— Silêncio aí atrás — esbravejou um oficial de 28 anos, o tenente Richard

“Dick” Mitchell, que apesar da pouca idade liderava a companhia fazia onze

meses. Encontrava-se agora na fronte do barco, as bochechas úmidas, empu-

nhando o fuzil. — Se forem abrir a boca, que seja para rezar. E mantenham a

cabeça baixa — ordenou, e imediatamente metade dos recrutas começou a re-

citar o pai-nosso. Não levou nem um minuto para que os demais os imitas-

sem, nem tanto por fé, mais por coleguismo.

— Ei, Clarence — um cabo cutucou o parceiro, que orava com toda a ener-

gia. — Pensei que fosse ateu.

— Rapaz, numa hora dessas qualquer ajuda é bem-vinda — justificou-se,

e teria prolongado a conversa não fosse calado por um estrondo.

Duzentos metros à traseira, as belonaves iniciavam suas cusparadas metá-

licas. Chumbo e calor foram assim projetados contra o litoral, numa fabulosa

tempestade escaldante. O céu acinzentado clareou, e enfim os obuses detona-

ram sobre as casamatas alemãs, construídas nas dunas e acima dos promontó-

rios. Essas salvas eram tão duras, tão massivas, que parecia realmente impossível

que qualquer coisa resistisse, mas os germânicos haviam cavado fundo e es-

tavam bem protegidos, especialmente os defensores de Omaha, compostos não

pelos estrangeiros da 716ª Divisão, mas por veteranos da 352ª, calejados por

cinco anos de combates ininterruptos.

De repente, a faixa à beira-mar foi engolida por uma cortina de fumaça,

o que afastou os aviões, abrindo caminho para o assalto por terra.

Eram 6h30 do dia 6 de junho de 1944 e, para os três mil soldados que com-

punham a primeira onda de ataques, a Hora H havia chegado.

Os possantes canhões alemães, distribuídos sobre as colinas, conservavam-

-se até então emudecidos, dando a falsa impressão de que os defensores teriam

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sido exterminados. Nas lanchas, alguns homens, antes tensos, relaxaram a guar-

da. Denyel esticou o pescoço e notou que pelo menos cinco barcaças pesadas,

que traziam jipes, tanques e munição, haviam naufragado, abatidas pelo mar

ondulante. Foram essas as primeiras baixas do Dia D, causadas não pela ação

do homem, mas pela força da natureza. Sobre as águas, cadáveres boiavam, e

o exilado testemunhou o momento em que três ofanins mergulharam, bus-

caram os espíritos aturdidos e os alçaram, precisamente como gaivotas.

Súbito, ouviu-se uma pancada, e ele deduziu que haviam encalhado. A

expectativa era a de sofrer um ataque repentino de metralhadora, mas quan-

do a rampa desceu o pelotão descobriu-se a cem metros da praia, com o casco

fundeado sobre um banco de areia. As posições inimigas continuavam nebu-

losas, mascaradas pelo denso vapor, e diante disso o tenente Mitchell ordenou

o avanço.

— Vamos descendo, rapazes. Espalhem-se — ele berrou, enquanto pula-

va sobre o platô arenoso. — É raso. Está raso deste lado. Rifles engatilhados.

Preparem-se para dar uma lição nesses bastardos.

Os primeiros soldados desembarcaram sem muito alarde, e junto deles

Denyel. Percorreram não mais que vinte passos quando, ocultos nas planícies

costeiras, os “bastardos” começaram a atirar. Longe ainda do alcance das me-

tralhadoras, os pelotões de vanguarda foram castigados pela pesada artilharia

dos canhões de 88 milímetros. Foguetes estouraram sobre eles, estilhaços cho-

veram às centenas. De uma hora para outra, era como se a guerra tivesse ga-

nhado outra dimensão, mais terrível e assustadora.

Denyel atirou-se no chão, depois se levantou e procurou o tenente. Sobre-

veio um segundo clamor, e perto dali um barco lotado foi pelos ares, numa

incrível explosão de sangue e poeira. Um fragmento de aço decepou a testa

do jovem Richard Mitchell, rasgando-lhe o capacete na vertical.

O exilado se ergueu, o rifle cheio de terra, e reparou com seus olhos de

anjo que muitos espíritos já mortos continuavam a marchar. Por isso, ele en-

tendeu, a presença dos ofanins era tão necessária, para que essas almas não se

transformassem em fantasmas, seres amargurados, eternamente presos à terra.

Uma terceira bala de canhão estourou não no solo, mas no ar, projetan-

do faíscas e lascas de ferro. O sopro arremessou Denyel uns quinze metros à

direita, queimou-lhe o antebraço, carbonizou a manga da jaqueta, desorien-

tou-o por alguns segundos, e ao recuperar a postura ele tinha areia grudada

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na cara. Observou a balbúrdia de corpos, os oficiais mutilados, os pedacinhos

de conchas cristalizados.

A única saída daquele escarcéu, todos intuíram, era prosseguir, ainda que

o percurso fosse tortuoso. Ou eles se arriscavam contra as metralhadoras, mais

à frente, ou ficavam estáticos no banco de areia, onde seriam trucidados pe-

las baterias, sem qualquer chance de reação.

Injetados de adrenalina, os batalhões correram em filas desordenadas, trans-

pondo os gases e chegando às barreiras dispostas na arrebentação. Esses obs-

táculos, em forma de tetraedros de aço, tinham o objetivo de atravancar os

anfíbios e, no caso das tropas de infantaria, serviam como cobertura. Foi en-

tão que Denyel e seus camaradas avistaram as dunas, os morros arenosos e as

casamatas, e nesse exato instante as metralhadoras alemãs dispararam.

Dez minutos se haviam passado, e Omaha se transformara num cemitério

ao ar livre. Os defuntos, alguns cortados ao meio, eram arrastados pela maré.

Barcos de tropas e equipamentos ardiam em chamas. Sobre o mar, flutuavam

telefones, antenas, rádios quebrados, caixas de munição, cantis, capacetes, fu-

zis entortados, cordas, pacotes de ração.

O exilado retrocedeu. Buscou a proteção do casco de uma lancha virada.

Mais de dois terços de seus colegas haviam caído, e ele era o único capaz de

divisar os atiradores dentro dos abrigos, graças aos seus sentidos apurados, ca-

racterísticos dos querubins. Puxou o gatilho, mas errou de propósito — por

determinação dos arcontes, os anjos da morte não podiam empregar seus po-

deres, suas divindades, contra os mortais, nem mesmo para decidir o curso de

uma grande batalha.

Descarregou o pente e escutou os motores de mais barcaças que atracavam.

Com explosões no céu, na terra e no oceano, cercados por ilhas de destroços,

a impressão que se tinha era a de ter ingressado no inferno. Um dos anfíbios

empinou na crista de uma onda e se desintegrou ao impacto de um foguete

inimigo.

Denyel andou vagarosamente na direção da área seca, um terreno perigoso

mesmo para ele, com minas escondidas sob toras de madeira e cercas de ara-

me farpado — os anjos se curam mais rápido que os seres humanos e às vezes

podem até regenerar certos membros, mas, se o coração for atingido, é o fim

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de sua existência carnal. O caos então se estendia por todos os ângulos da praia,

dali às falésias de Pointe du Hoc, um precipício que logo seria atacado pelos

batedores do exército. Para piorar, a ressaca empurrara os barcos a leste, e mui-

tos soldados desembarcaram longe de seus setores originais. Quase a totalida-

de desses infantes ficara ali, parada, em completo estado de choque, cerca de

oitocentos homens sem saber para onde ir, sendo abatidos como patos selva-

gens, acotovelados atrás dos tetraedros, simplesmente tentando sobreviver.

Nessas condições, parecia impraticável continuar, até que ocorreu um fe-

nômeno notável, que Denyel jamais esqueceria. De todas as características hu-

manas, ele refletiu ao focalizar uma bala traçante, talvez a mais estupenda seja

a capacidade de se adaptar, de se moldar, física e mentalmente, às situações

mais adversas. Passadas duas horas de pura carnificina, os sobreviventes, aga-

chados junto aos cadáveres, começaram a se acostumar ao perigo. O choque

que os paralisara no início aos poucos se transmutava em uma coragem ins-

tintiva. Os combatentes que ainda resistiam foram tomados por uma espécie

de embriaguez, por uma vontade absurda de sobreviver, não importava a que

custo.

Às 8h15 enfim uma brecha se abriu, com os recursos alemães, sobretudo

as minas, sendo consumidos em detonações simultâneas, que vitimavam dez,

quinze americanos por vez. Reunidos em pequenos grupos, os recrutas prin-

cipiaram a subida aos outeiros, à medida que a cerração provocada pelo ataque

aéreo se dissipava. Denyel acompanhou um capitão desconhecido, de olhos

claros, e com mais oito praças galgou o barranco aos tropeços, tentando ras-

tejar sobre o mato.

Um tiro de espingarda furou a garganta de um dos soldados, que morreu

na hora, enquanto seu espírito repetia através da membrana:

— Estou bem, estou bem — e continuou a se esgueirar, sem realmente

notar que morrera. — Não se preocupem comigo, estou inteiro. Estou bem.

O militar à sua esquerda também não teve sorte. Um disparo resvalou na

granada que ele trazia presa ao suspensório, arrancando-lhe a cabeça e cegan-

do o parceiro à dianteira. O capitão não parou para acudi-los, na verdade nem

sequer se deteve — a perda ou a morte de alguém, naquelas circunstâncias,

era trivial, um acontecimento totalmente aceitável.

Sob gritos desesperados de socorro, Denyel e o que sobrara do time avan-

çado se agruparam de costas para um muro cimentado. Havia uma casamata

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de concreto, visível a cinquenta metros. O capitão que os liderava carregou a

bazuca, apontou para o abrigo e atirou, destruindo parte da janela, o que ator-

doou os alemães e deu tempo para que os norte-americanos escalassem a la-

deira, contornando o posto pelos dois flancos.

Ninguém, fora o exilado, reparou no ninho de metralhadoras armado so-

bre uma rocha, ao sul. Um dos homens do seu pelotão foi decapitado pelas

rajadas, sucedidas pela deflagração de um morteiro. O anjo mergulhou numa

cratera, escapou do pior e, mesmo com o braço crestado, respondeu com três

balas que incapacitaram os germânicos. Quando emergiu, o rosto estava pre-

to. Encontrou o comandante crivado de chumbo, mas ainda vivo, e ele o in-

centivou:

— Aproveite agora — o oficial entregou a ele duas granadas.

— Sim, senhor — Denyel respondeu num timbre automático e sozinho

partiu para atacar a casamata. Rolou os dois explosivos através da abertura,

esperou a detonação e na sequência entrou pela porta, a fumaça ainda quen-

te, os grãos de poeira cintilando no ar.

Dentro do abrigo, o querubim distinguiu cinco artilheiros dilacerados, com

a pele grudada no teto, os órgãos espalhados no chão. Suas armas eram inú-

teis agora, e nas paredes havia marcas de fogo. Denyel respirou fundo, provou

o odor de pólvora seca. Estava faminto por conta do braço, então aproveitou

para vasculhar os armários. Embora os celestiais possam curar seus corpos fí-

sicos, os chamados avatares, eles ainda precisam de comida e descanso — o

alimento se converte em matéria, a substância necessária para que regenerem

a carne, o tecido e os ossos.

O exilado descobriu sobre um baú uma lata de salmão em conserva, abriu-a

com o canivete, utilizou a lâmina como colher e enfiou o peixe na goela. Fe-

chou os olhos, apreciou a iguaria, mas a tensão renasceu quando escutou o

clique de uma pistola sendo engatilhada.

— Peguei você, ianque de merda — sibilou uma voz masculina, cuspindo

as palavras num alemão prussiano. Era um major da Wehrmacht, o exército

germânico, que o rendia, de cabelos louros e curtos, os olhos grandes e casta-

nhos, a barba rala. Usava uma boina escura e um uniforme cinzento, com a

águia nazista bordada no peito. Apontou a Luger para o seu coração. — E ago-

ra, como espera sair dessa?

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Denyel o encarou com seriedade. Fora apanhado de surpresa e, uma vez

na mira, aparentemente nada poderia salvá-lo. Só que, em vez de levantar os

braços para se entregar, ele saboreou o salmão, engoliu e deu um sorriso.

— Bom isso, hein? — retorquiu em inglês, a boca cheia. — É da Noruega?

— Mar do Japão. — O oficial guardou a arma, e os dois se abraçaram vi-

gorosamente. — Deveria ter mais cuidado. E se eu fosse um soldado inimigo?

— Nesse caso, eu o teria notado. — O querubim reconheceu seu antigo

parceiro, Mickail, também convocado ao esquadrão dos anjos da morte, mas

que fora ordenado a se alistar nas potências do Eixo, afinal os arcontes exi-

giam relatos de ambos os lados. — Que coincidência.

— Coincidência até de mais.

— Como assim?

— Sei lá o que se passa na mente daqueles palermas. — “Palermas” era

como Denyel e Mickail intimamente se referiam aos seus chefes, os malakins.

Comentava-se que tais anjos tinham o dom de antever o futuro e o usavam

para planejar todas as suas ações, minuciosamente.

Trovejaram mais bombas no setor norte da praia, sobre os rochedos de

Pointe du Hoc. Denyel visualizou a orla a partir da estreita janela. Passadas

três horas, Omaha era uma selva de sangue e metal, com barcos, anfíbios e

tanques incendiados. Os enfermeiros prestavam socorro aos feridos, aplica-

vam-lhes injeções de morfina, espargiam sulfa sobre os membros talhados.

Centenas de fantasmas ainda corriam, choravam, e no plano astral os ofanins

os acudiam. Grande parte dos abrigos havia sido tomada, mas a luta pela Nor-

mandia estava longe de terminar.

Denyel escutou passos no lado de fora.

— Desmaterialize-se — aconselhou ao comparsa. — Deve escapar voando

através do tecido. Fuja!

— Eu devo? — o “major” alargou um sorriso. — Não podemos nos desma-

terializar, Denyel. Ou se esqueceu? — Na terra, Mickail adotara o curioso nome

de Fritz, que era também um apelido dado pelos norte-americanos aos alemães

em geral. — Nossas instruções são para não deixarmos o reino físico. — Ele

era rígido no cumprimento de ordens, não à toa se adaptara tão bem ao exér-

cito germânico. — Precisa me tomar como prisioneiro.

Denyel experimentara a dura tarefa do desembarque e temia que os pra-

ças não desejassem fazer prisioneiros. Recolheu argumentos para convencer

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o colega, mas ao abrir a boca um estampido fez a casamata rufar. Atingido por

um disparo no coração, o celeste de fios louros tombou. Tentou se agarrar ao

amigo, mas a vida física o deixara, e, ainda que perder o avatar não significas-

se para ele a morte final, era de qualquer maneira uma experiência traumática,

que poderia deixá-lo fora de ação por anos, talvez séculos, até que o espírito

se recobrasse.

Por um instante, Denyel ficou congelado. Um cabo da 1ª Divisão aden-

trou o posto fazendo sinal de positivo, certo de que o havia salvado.

— De nada — deu-lhe uma palmada no ombro. — Posso ficar com a Luger?

— Claro — ele respondeu, apático. As pistolas Luger, usadas pelos oficiais

alemães, constituíam um suvenir dos mais cobiçados.

— Cadê o sorriso? — um segundo rapaz o estimulou. — Ouvi dizer que

estamos arrastando esses putos costa adentro, daqui até Juno.

— Joia — o exilado sacudiu o pescoço. — Muito bom — voltou à cons-

ciência. — Para o inferno com esses canalhas.

— É assim que se fala — disse o cabo. — O segredo é pensar grande.

— Exato — maneou a cabeça. — Pensar grande — Denyel repetiu para si

mesmo, fitando o avatar inerte de Mickail. Sibilou as palavras mágicas, como

as nomeara, o mantra que recitava sempre que as emoções ameaçavam suplan-

tar a razão: — Não é uma guerra, é um jogo.

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2

sono de pedrA

Santa Helena, região serrana do Rio de Janeiro, dias atuais

I smael estava parado no meio do mato, o pé esquerdo sobre um tronco

maciço. Cauteloso, ele observava a entrada da gruta. Era um hashmalim,

um dos anjos da punição, a casta de juízes e executores do céu. Na condição

de torturador e carrasco, ele aprendera a manipular as almas humanas e deti-

nha o poder de conversar com os espíritos, vivos ou mortos, prendê-los ou

transferi-los para outros corpos e objetos.

Entre os celestes, Ismael era conhecido como Executor, não por executar

as pessoas, mas por cumprir ordens à risca, nunca dando margem ao fracasso.

Magro, a cara ossuda, tinha a pele pálida e as veias saltadas, formando cami-

nhos que iam do pescoço ao topo da cabeça lisa, careca. Os olhos eram pe-

quenos, sombrios e amendoados, e a expressão, aterradora, feito a dos mais

implacáveis algozes. Com tudo isso — e apesar disso —, o controverso Ismael

era simpatizante das causas terrenas, um dos poucos hashmalins que se asso-

ciaram às forças de Gabriel contra as tirânicas legiões do arcanjo Miguel. Não

se considerava uma entidade bondosa, pelo contrário, mas suas motivações

eram justas — ele não achava que os mortais deveriam ser exterminados, como

pregavam os legalistas, mas doutrinados, o que só aconteceria, no seu breve

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entender, por meio da dor e do sofrimento, por isso seu trabalho era tão cru-

cial, embora potencialmente cruel.

Ismael tinha os sapatos sujos de lama. Trajava calças pretas de algodão,

com gravata e colete escuros sobre uma camisa social branca. Era meados de

julho, o início do inverno no hemisfério Sul, uma tarde úmida nas montanhas

de Santa Helena. Dobrou as mangas compridas e olhou para sua líder, à esquer-

da, a quem ele chamava de Kaira, Centelha Divina, pertencente à casta dos

ishins, os regentes da natureza. Sendo uma arconte, uma capitã das unidades

celestes, ela tinha o direito de montar sua própria equipe, mesmo no caso de

uma missão que, por diversos motivos, já não seguia mais o curso original. O

corpo de Kaira era idêntico ao de uma mulher humana, de longos cabelos rui-

vos, sardas sobre o nariz e olhos verdes, fortes e sedutores. Junto a ela, um ter-

ceiro anjo montava guarda: Urakin, Punho de Deus, um soldado da ordem

dos querubins, um gigante de dois metros de altura, tronco forte e massudo,

cabeça raspada e cavanhaque castanho, vestindo camiseta, japona e coturnos.

— Cortina de Aço. — Ismael se voltou para os seus companheiros. — O

tecido da realidade é intransponível deste ponto em diante — disse ele, sem-

pre com aquela voz rouca, penetrante. — Não podemos invadir a caverna atra-

vés do astral. — O plano astral é a camada mais rasa do mundo espiritual, uma

espécie de reflexo da terra, por onde caminham os fantasmas e as almas pe-

nadas. — Está fora de questão, infelizmente.

— Cortina de Aço. — Kaira se recordou do pouco que sabia sobre o assunto.

— É uma técnica usada pelos membros de sua ordem para lacrar prisões e ca-

labouços no reino físico, não é? — Na hora, veio-lhe à mente a figura de Yaga,

sua antiga oponente, destruída fazia alguns meses. — Não pode anular os efeitos?

— Já tentei — explicou o Executor. — Mas a verdade é que não foi um anjo

que levantou esta barreira, portanto eu não posso quebrá-la.

— Não foi um anjo? — a arconte estranhou. — Pensei que Yaga tivesse

construído este santuário, a partir das ordens de seu chefe, Andril.

— De fato, eles usaram este lugar como refúgio, mas a Cortina de Aço me

parece anterior à sua chegada — afirmou Ismael, circunspecto. — Muito an-

terior, eu diria. Deve ter surgido naturalmente ou a partir de... — ele se dete-

ve por um instante. — De algo incrivelmente maior.

Kaira mirou a copa das árvores, depois voltou a encarar o paredão, repa-

rando na abertura redonda que conduzia ao interior da montanha. Fora sua

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a ideia de regressar a Santa Helena em busca de pistas sobre sua nova missão.

Recebera diretamente das mãos do arcanjo Gabriel a incumbência secreta de

localizar um misterioso inimigo do céu, conhecido apenas como Primeiro Anjo,

foragido havia meses de sua prisão na Gehenna, mas por conta própria deci-

dira que, antes, precisava resgatar o seu antigo parceiro de lutas, Denyel, su-

gado pelo redemoinho cósmico do rio Oceanus e atirado a alguma dimensão

paralela. Denyel se sacrificara por eles, permitindo que fugissem de um tem-

plo prestes a desabar, portanto não seria esquecido. O objetivo mais imedia-

to daquele time de combatentes era encontrar a colônia atlântica de Egnias,

onde se acreditava existir um segundo afluente do rio, que em teoria poderia

transportá-los ao exato local em que jazia o amigo.

— Pode rastrear a origem dessa potência?

— Daqui não — disse Ismael. — Mas talvez eu tenha melhores chances lá

dentro.

Urakin avançou. Era um brutamontes, mas, a exemplo de um urso que

caça na mata, ele quase não fazia barulho. Observou a passagem rochosa. Com

seu olfato de predador, sentiu o cheiro de carne apodrecida, ou melhor, de

carne apodrecendo, e exclamou:

— Que eu me recorde, a Cortina de Aço apenas impede a desmaterializa-

ção, mas o caminho está livre — apontou para a gruta. No plano físico, real-

mente não havia nenhum obstáculo que os atrasasse. — Podemos seguir a

qualquer hora. — Olhou para a ruiva. — Por que não entramos de uma vez?

— Sim, mas Ismael vai na frente — Kaira lançou uma ordem. — Cubra a

retaguarda — designou Urakin para essa tarefa. — Uma coisa boa, pelo menos.

— O quê? — perguntou o Punho de Deus.

— Sem mais surpresas. Desta vez já sabemos o que vamos encontrar.

Quando entrou na caverna, Kaira teve a impressão de que muitos séculos

se haviam passado. Ela e Urakin, com o falecido Levih, o ofanim que os acompa-

nhara na antiga missão, haviam estado naquele lugar não fazia mais que três

meses, mas tanta coisa mudara que era impossível não pensar em Rachel, a

jovem que ela acreditara ser por quase dois anos, antes de ter parte de suas me-

mórias restaurada. Os problemas da vida humana lhe pareciam utópicos ago-

ra, simples e até agradáveis, pertencentes a uma época que não voltaria jamais.

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Não era apenas Kaira que havia mudado. Com a morte de seu principal

adversário, Andril, nomeado de Anjo Branco, as paredes antes cristalizadas ha-

viam descongelado, e agora tudo o que se via era uma galeria de rocha crua,

um túnel longo e profundo que prosseguia em aclive. A escuridão apertou, o

que não chegou a complicá-los. Ismael, acostumado às trevas do Segundo Céu,

podia enxergar mesmo na negritude mais densa. Kaira, hábil na manipulação

do calor, avistava os espectros térmicos, ao passo que Urakin se guiava pela

audição e pelo olfato.

Logo nos primeiros cem metros, os celestes toparam com um amontoado

de dez cadáveres em putrefação, um sobre o outro, com o que sobrara da car-

ne sendo devorado por vermes.

— Vítimas de Sirith — comentou a arconte.

— Sirith? — indagou Ismael.

— Um raptor — ela esclareceu —, um demônio que se aliou ao inimigo

contra nós. Sirith tinha a capacidade de copiar qualquer forma, e essas pessoas

foram mortas por ele.

— Estavam presas à parede, quando a caverna ainda era frígida — acres-

centou Urakin. — Devem ter despencado após o degelo.

— Esses diabretes são abjetos — resmungou Ismael, divisando um ponto

de luz adiante. Virou-se para Kaira. — É aquela a câmara da qual me falou?

— Não, aquele é o observatório. — Uma pequena fissura se abria na parede

norte, banhando a galeria com o sol da manhã. — Mas não viemos por cau-

sa dele.

Os três anjos passaram ao largo da “sala do observatório”, como eles a ha-

viam apelidado, uma antecâmara usada por Yaga e Andril para vigiar os pas-

sos de Kaira, quando ela ainda julgava ser uma estudante na Universidade de

Santa Helena. O telescópio de cristal descongelara, a exemplo de todo o res-

to, transformando o local num mirante, com sua janela natural aberta para o

bosque lá embaixo.

A seguir, Kaira, Ismael e Urakin chegaram a um aposento diferente, aces-

sível por meio de uma fresta. Um objeto que parecia um sarcófago fora deixa-

do no chão, abraçado por estalagmites de granito que o envolviam feito garras.

Deitado naquele ataúde sem tampa, a arconte esperava encontrar o corpo do

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regente de Atlântida, o general aprisionado, cujo espírito pretendia sondar para

extrair informações a respeito de Egnias — por isso trouxera consigo Ismael.

Mas, ao se aproximar do suposto caixão, ela teve uma desagradável surpresa.

— É rocha pura — Kaira tocou os vincos na pedra, deslizou os dedos sobre

o rosto sólido do general. Tanto a carne quanto a armadura se haviam trans-

formado em uma estátua rústica, com os contornos tão toscos que poderiam

ser confundidos com fragmentos castigados pela erosão.

Urakin examinou o bloco nas mínimas nuanças, na esperança de que o

corpo estivesse lá dentro, de que aquela fosse apenas uma casca, uma crosta,

mas não — a couraça antes metálica, a pele e os ossos do regente se haviam

convertido em calcário, dos lados de dentro e de fora.

— Mas o que é isso? — ele praguejou. — Outro truque de Andril?

— Parece-me o Sono de Pedra — a ruiva não escondeu o desapontamento,

e o comentário saiu atravessado. — Não vejo outra explicação.

— É algum tipo de encanto?

— Definitivamente, sim. Um encanto das fadas. Presumo que elas o tenham

ensinado aos atlantes, assim como fizeram com o Eterno Verão. O ritual do

Sono de Pedra converte o corpo do receptor em pedra bruta no instante da

morte, e com ele todos os seus equipamentos.

— Com que objetivo? — quis saber Urakin.

— Os maiores rivais dos atlantes eram os magos de Enoque, então o fei-

tiço não só impediria que seus pertences fossem roubados como preveniria

que seus órgãos fossem usados em cerimônias de magia negra. — Muitos ishins,

por sua afinidade com a natureza, haviam sido amigos das fadas, quando elas

eram abundantes na terra. Kaira perdera a memória parcialmente, mas com a

libertação da menina Rachel essas recordações aos poucos começavam a vol-

tar, em clarões desconexos. — Quando o encontramos aqui, há três meses, ele

não devia estar morto, embora seu coração estivesse parado. O frio certamen-

te o mantivera em coma, e, quando a caverna esquentou, ele enfim pereceu.

— É uma teoria adequada — Ismael a apoiou —, tomando por base que a

morte física começa com a decomposição celular, não com a parada cardíaca.

— Analisou a estátua de perto, fez medições com os dedos e finalmente decla-

rou o que todos esperavam: — Sinto muito, mas o espírito que habitava esse

corpo se foi.

— Maldito seja o legado de Andril — Urakin deu uma cotovelada na pa-

rede. — O regente era a nossa única pista para encontrar a Segunda Cidade.

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— Este era um dos muitos títulos atribuídos a Egnias, a maior das dez colô-

nias atlânticas. — Estamos sem opções.

Sucedeu-se um breve silêncio, até que Ismael murmurou:

— Sempre há opções.

— Por exemplo? — Kaira o questionou.

— Conheço alguém que talvez possa nos ajudar — o Executor se dirigiu

à saída. — Dependendo, é claro, do que estiver disposta a fazer.

— Já escutei esse tipo de advertência, e não gosto dela — enfrentou-o com

dureza. — Diga-nos o que tem em mente, então veremos se é razoável.

— Claro — ele anuiu. — Mas prefiro conversar sobre isso lá fora. — Mis-

teriosas energias circulavam a gruta. — Não acho que este seja um ambiente

seguro.

Esperançosos e intrigados a um só tempo, Kaira e Urakin acompanharam

Ismael, que os convidou a deixar a caverna. Antes, porém, o Punho de Deus

se lembrou de um juramento que fizera a um velho amigo, na ocasião da sua

fuga do calabouço, e o comunicou à arconte:

— Centelha, se me permite — tocou o ombro da ruiva. — Gostaria antes

de cumprir uma promessa.

— Uma promessa a quem?

— A Levih — e, diante da afirmativa, acrescentou: — Não vai demorar

quase nada.