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 62 Série Aperfeiçoamento de Magistrados 12  Família do Século XXI - Aspectos Jurídicos e Psicanalíticos Breves reexões sobre o instituto da guarda Isabela Pessanha Chagas 1 INTRODUÇàO Proteção, vigilância, segurança. A expressão guarda pode ser inter- pretada de diversas maneiras. Trata-se de um direito-dever que ambos os pais - ou um dos pais - estão incumbidos de exercer em favor de seus lhos. Segundo a denição de JOSÉ ANTÔNIO DE PAULA NETO, a guarda trata-se de um “direito consistente na posse de menor, oponível a terceiros e que acarreta deveres de vigilância em relação a este”. 2 SILVANA MARIA CARBONERA, por seu turno, dene guarda, ainda salientando tratar-se de um esboço do conteúdo da guarda e, portan- to, não seria uma denição perfeita e inacabada, como um instituto jurídico através do qual se atribui a uma pessoa, o guar- dião, um complexo de direitos e deveres, a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite, colocada sob sua responsabilidade em virtude de lei ou decisão judicial. 3 1 Juíza de Direito da 14ª Vara Cível da Capital. 2 NETO, José Antônio Paula Santos. Do Poder Familiar. São Paulo, p. 55. 3 CARBONERA, Maria Silvana. Guarda de lhos – Na família constitucionalizada , Porto Alegre: Sérgio  Antônio Fabris Ed itor, 2000, p . 64.

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  • 62Srie Aperfeioamento de Magistrados 12tFamlia do Sculo XXI - Aspectos Jurdicos e Psicanalticos

    Breves re!exes sobre oinstituto da guarda

    Isabela Pessanha Chagas1

    INTRODUO

    Proteo, vigilncia, segurana. A expresso guarda pode ser inter-pretada de diversas maneiras. Trata-se de um direito-dever que ambos os pais - ou um dos pais - esto incumbidos de exercer em favor de seus $lhos.

    Segundo a de$nio de JOS ANTNIO DE PAULA NETO, a guarda trata-se de um direito consistente na posse de menor, oponvel a terceiros e que acarreta deveres de vigilncia em relao a este.2

    SILVANA MARIA CARBONERA, por seu turno, de$ne guarda, ainda salientando tratar-se de um esboo do contedo da guarda e, portan-to, no seria uma de$nio perfeita e inacabada, como um

    instituto jurdico atravs do qual se atribui a uma pessoa, o guar-dio, um complexo de direitos e deveres, a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite, colocada sob sua responsabilidade em virtude de lei ou deciso judicial.3

    1 Juza de Direito da 14 Vara Cvel da Capital.

    2 NETO, Jos Antnio Paula Santos. Do Poder Familiar. So Paulo, p. 55.

    3 CARBONERA, Maria Silvana. Guarda de %lhos Na famlia constitucionalizada, Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor, 2000, p. 64.

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    A guarda legal4 aquela que no necessita de uma interferncia judicial para ser estabelecida. inerente ao poder familiar, pois justa-mente este poder que confere aos pais o direito de ter o seu $lho em sua companhia e guarda, e de reclam-lo, de quem ilegalmente o detenha5, o que explica a razo de seu conceito se confundir com a prpria de$nio do poder familiar6.

    Podemos perceber que o poder familiar um antecedente presena da guarda. Portanto, para que os $lhos estejam sob a guarda de seus pais, imperativo que os pais estejam em pleno gozo do poder familiar.

    A guarda a um s tempo, direito e dever7. Conforme ensinamento de SILVIO RODRIGUES,

    A guarda tanto um dever como um direito dos pais: dever pois cabe aos pais criarem e guardarem o !lho, sob pena de abandono; direito no sentido de ser indispensvel a guarda para que possa ser exercida a vigilncia, eis que o genitor civilmente responsvel pelos atos do !lho8.

    Os genitores gozam dos seguintes direitos em relao aos $lhos, vide art. 1634, CC: I) dirigir-lhes a criao e educao; II) t-los em sua compa-nhia e guarda; III) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casa-rem; IV) nomear-lhes tutor por testamento ou documento autntico, se o outro dos pais no lhe sobreviver, ou o sobrevivo no puder exercer o poder familiar; V) represent-los, at os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil,

    4 A guarda legal sendo compreendida como a modalidade decorrente da relao paterno-$lial e exercida pelos pais sem a necessidade de interveno judicial. Silvana Maria Carbonera, obra citada, p. 77.

    5 Art. 1.634, II e VI, do Cdigo Civil.

    6 A este respeito, Marco Aurlio S. Viana assinala que: A guarda no da essncia, mas da natureza do ptrio-poder, podendo ser conferida a terceiro. direito que admite desmembramento, destacvel, sendo possvel que convivam ptrio-poder e direito de guarda, aquele com os pais, estes com terceiro. Marco Aurlio S. Viana. De Guarda, da Tutela e da Adoo, Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1991, p. 28.

    7 Art. 1.634, II e VI, do Cdigo Civil.

    8 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de famlia, So Paulo: Saraiva, 1995, p. 344.

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    e assisti-los, aps essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI) reclam-los de quem ilegalmente os detenha; VII) exigir que lhes prestem obedincia, respeito e os servios prprios de sua idade e condio.

    Em contrapartida, os genitores arcam com os seguintes deveres: a) no abandonar pessoa que est sob cuidado, guarda, vigilncia ou autori-dade, sob pena de incurso no crime de abandono de incapaz (art. 133, CP); b) prover a instruo primria de $lho em idade escolar, sob pena de responder pelo crime de abandono intelectual (art. 246, CP); c) prover a subsistncia de $lho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, no lhe proporcionando os recursos necessrios ou faltando ao pagamento de penso alimentcia judicialmente acordada, sob pena de caracterizao do crime de abandono material (art. 244, CP).

    I. DESENVOLVIMENTO: DA GUARDA UNILATERAL, COMPARTILHADA E ALTERNADA

    1.1 Guarda Unilateral e a Sndrome da Alienao Parental

    A guarda unilateral, diferentemente do que ocorria no perodo an-terior Lei 11.698/2008, a exceo no nosso ordenamento jurdico. A regra a guarda compartilhada. A guarda unilateral a atribuda exclusi-vamente a um s dos genitores ou a algum que o substitua (art. 1584, 5, CC/02), conforme dispe o art. 1583, 1, primeira parte do Cdigo Civil de 2002. Para que a guarda unilateral seja atribuda necessrio levar em considerao critrios que foram sendo modi$cados com o passar dos anos. Para compreender a evoluo do critrio para a de$nio da guarda unilateral, necessrio dividir o instituto em duas fases, a saber:

    1) Guarda Unilateral no Cdigo Civil de 1916;2) Guarda Unilateral do Cdigo Civil de 2002.De acordo com o art. 326 do Cdigo Civil de 1916, sendo o des-

    quite judicial, $caro os $lhos menores com o cnjuge inocente. Fica

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    evidenciado aqui que a guarda a um s dos genitores era atribuda, quando no houvesse acordo de guarda entre os cnjuges, quele que no deu cau-sa ao desquite. Ou seja, era levada em considerao a culpa dos genitores, sendo atribuda a guarda ao cnjuge que no tivesse culpa do desquite.

    Com o advento do Cdigo Civil de 2002, tal norma foi revogada, dando lugar ao antigo artigo 1.584, do Cdigo Civil de 2002, que dispu-nha: Decretada a separao judicial ou o divrcio, sem que haja entre as partes acordo quanto guarda dos $lhos, ser ela atribuda a quem revelar melhores condies para exerc-la. Percebe-se que aqui no mais levada em considerao a culpa do genitor para atribuio da guarda ao cnjuge inocente, como ocorria com o Cdigo Civil de 1916, mas a guarda era atribuda ao cnjuge que revelasse melhores condies para exerc-la, prio-rizando o melhor interesse da criana ou do adolescente (corolrio assina-do na Conveno Internacional dos Direitos da Criana, que foi realizado pela ONU no ano de 1989).

    A expresso melhores condies empregada no artigo 1.583, 2, do Cdigo Civil de 2002 - A guarda unilateral ser atribuida ao genitor que revele melhores condies para exerc-la... no pode ser interpretada no sentido $nanceiro da palavra. Melhores condies a que se refere o referido pargrafo diz respeito aos requisitos dos incisos 1, II e III, do art. 1.583, 2, do CC/02, quais sejam:

    I - afeto nas relaes com o genitor e com o grupo familiar; II - sade e segurana; III - educao. Dessa forma, a guarda unilateral ser atribuda ao genitor que de-

    monstrar melhores condies de afeto com o $lho e aptido para integrar o $lho ao grupo familiar, tambm, demonstrar maior aptido para propiciar ao $lho sade, segurana e educao.

    Os incisos que foram supracitados so meramente exempli$cativos, devendo o Juiz, quando da anlise de tais critrios, levar em considerao aspectos como alimentao, esporte, cultura, lazer, dentre outros.

    Ao genitor que no detm a guarda, o Cdigo Civil de 2002 atri-buiu a obrigao de superviso dos interesses nos $lhos, de acordo com

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    o 3, do art. 1583, do CC/02. Este genitor, como pde ser observado, no perde o poder familiar como um todo, apenas no recebe as mesmas atribuies do guardio, mas $cando com a obrigao de supervision-lo. A atribuio ao genitor no guardio da obrigao de superviso, resguarda o $lho de um possvel abandono moral.

    No preciso entendimento de Welter9

    a guarda unilateral no garante o desenvolvimento da criana e no confere aos pais o direito da igualdade no mbito pessoal, familiar e social, pois quem no detm a guarda, recebe um tra-tamento meramente coadjuvante no processo de desenvolvimento dos !lhos.

    Nas fartas lies de LEONARDO BARRETO MOREIRA ALVES, no obstante, h de se ressaltar que, no mbito da guarda unilateral e do direito de visita, h muito mais espao para que um dos genitores, geral-mente a me, utilize-se dos seus prprios $lhos como arma, instrumento de vingana e chantagem contra o seu antigo consorte, atitude passional decorrente das inmeras frustraes advindas do $m do relacionamento amoroso, o que altamente prejudicial situao dos menores, que aca-bam se distanciando deste segundo genitor, em virtude de uma concep-o distorcida acerca dele, a qual fomentada, de inmeras formas, pelo primeiro, proporcionando graves abalos na formao psquica de pessoas de to tenra idade, fenmeno que j foi alcunhado como Fenmeno da Alienao Parental, responsvel pela Sndrome da Alienao Parental (SAP ou PAS)10.

    A Professora Giselle Cmara Groeninga, discorrendo sobre essa te-mtica, leciona:

    9 WELTER, Belmiro Pedro. Guarda Compartilhada: um jeito de conviver e de ser em famlia. In: GuardaCompartilhada. Coord. Antnio Mathias Coltro e Mrio Luiz Delgado. So Paulo: Mtodo, 2009, p. 56.

    10 ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Promotor de Justia do Estado de Minas Gerais. A Guarda Compartilha-da e a Lei 11.698/08, p. 240.

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    Segundo Gardner: A Sndrome da Alienao Parental uma das doenas que emerge quase que exclusivamente no contexto das dis-putas pela guarda. Nesta doena. um dos genitores (o alienador, o genitor alienante, o genitor PAS indutor) empreende um pro-grama de denegrir o outro genitor (o genitor alienado, a vtima, o genitor denegrido). No entanto, esta no simplesmente uma questo de lavagem cerebral ou programao na qual a criana contribui com seus prprios elementos na campanha de denegrir. E esta combinao de fatores que justi!cadamente garantem a designao de PAS [..]. Na PAS, os plos dos impasses judiciais seriam compostos por um genitor alienador e um genitor alie-nado. Como apontado no incio deste texto, seria fundamental considerar as contribuies do contexto judicial para a instala-o de dita sndrome, ou Fenmeno de Alienao Parental, como se defende aqui ser mais apropriado denominar [...]. O genitor alienante seria, em geral, a me que costuma deter a guarda, e que a exerceria de forma tirnica. Inegvel a grande in+uncia que a me exerce nos !lhos pequenos, dada a natural sequncia de um vnculo biolgico para o psquico e afetivo. O que se obser-va que h mes que utilizam sim de forma abusiva, consciente e inconscientemente, o vnculo de dependncia no s fsica, mas, sobretudo, psquica que a criana tem para com ela [...]11.

    1.2 Guarda Compartilhada e o Melhor Interesse do Menor

    Conforme dispe o art. 1.583, caput, do Cdigo Civil de 2002, a guarda ser unilateral ou compartilhada.

    Por guarda compartilhada, entende-se como sendo a responsabiliza-o conjunta e o exerccio de direitos e deveres do pai e da me que no vi-vam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos $lhos comuns, nos termos do art. 1583, 1, in $ne, do CC.

    11 GROENINGA, 2008, p. 122-123.

  • 68Srie Aperfeioamento de Magistrados 12tFamlia do Sculo XXI - Aspectos Jurdicos e Psicanalticos

    A guarda compartilhada passou a ter previso expressa no nosso or-denamento jurdico a partir da entrada em vigor da Lei 11.698/2008, que alterou os artigos 1.583 e 1.584, do Cdigo Civil de 2002. Contudo, no obstante no ter previso expressa, a guarda compartilhada era aplicada, em certos casos, antes da Lei 11.698/2008. O princpio da igualdade entre os genitores, previsto no art. 226, 5, da CRFB/88 e o princpio do me-lhor interesse da criana e do adolescente, consagrado na Conveno In-ternacional dos Direitos da Criana de 1989, permitiam que o magistrado aplicasse a guarda compartilhada, que j era aplicada em outros pases.

    Nesse sentido, vale ressaltar os ensinamentos de Leonardo Barreto Moreira Alves:

    O instituto da guarda compartilhada, at bem pouco tempo, no era previsto expressamente no ordenamento jurdico nacional, o que no impossibilitava a sua aplicao na prtica, a uma com base nas experincias do Direito Comparado (principalmente na Frana - Cdigo Civil francs, art. 373-2, Espanha Cdigo Ci-vil espanhol, arts. 156, 159 e 160, em Portugal - Cdigo Civil portugus, art. 1905, Cuba - Cdigo de Famlia de Cuba, arts. 57 e 58 e Uruguai - Cdigo Civil uruguaio, arts. 252 e 257) e, a duas, com fulcro em dispositivos j existentes no ordenamento jurdico, especialmente o art. 229 da Constituio Federal (Os pais tm o dever de assistir, criar e educar os !lhos menores [...]) e os artigos 1.579 (O divrcio no modi!car os direitos e deve-res dos pais em relao aos !lhos), 1.632 (A separao judicial, o divrcio e a dissoluo da unio estvel no alteram as relaes entre pais e !lhos seno quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos) e 1.690, pargrafo nico (Os pais devem decidir em comum as questes relativas aos !lhos e a seus bens; havendo divergncia, poder qualquer deles recorrer ao juiz para a soluo necessria) do Cdigo Civil brasileiro12.

    12 ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A guarda compartilhada e a Lei 11.698/2008, p. 241.

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    Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 1967, j teve a oportunidade de se pronunciar, em termos genricos, sobre a importn-cia da guarda compartilhada, ex vi do seguinte julgado:

    O juiz, ao dirimir divergncia entre pai e me, no se deve res-tringir a regular visitas, estabelecendo limitados horrios em dia determinado da semana, o que representa medida mnima. Pre-ocupao do juiz, nesta ordenao, ser propiciar a manuteno das relaes dos pais com os !lhos. preciso !xar regras que no permitam que se desfaa a relao afetiva entre pais e !lho, entre me e !lho. Em relao guarda dos !lhos, em qualquer mo-mento, o juiz pode ser chamado a revisar a deciso, atento ao sistema legal. O que prepondera o interesse dos !lhos, e no a pretenso do pai ou da me. (RE 60.265-RJ)13.

    O referido instituto, como j conhecido, caracteriza-se pelos pais exercerem simultaneamente a guarda de sua prole, compartilhando direi-tos e obrigaes, no existindo, obrigatoriamente, um acerto em relao moradia $xa ou perodos em que os menores permanecero em companhia de um ou de outro.

    Todavia, o $lho poder residir em uma nica casa, seja ela a do pai ou da me, cabendo ao genitor no guardio o direito de visita (art. 1589, do Cdigo Civil). Ambos genitores compartilham as decises mais impor-tantes relativas ao $lho. Pai e me, portanto, seriam referncias, muito em-bora morem em casas separadas e, at mesmo, em localidades diferentes.

    Felizes so os dizeres de Silvana Maria Carbonera sobre a temtica:

    Seu contedo transcende a questo da localizao espacial do !-lho, pois onde ele ir !car somente um dos aspectos. A guarda compartilhada implica em outros igualmente relevantes. So os cuidados diretos com os !lhos, o acompanhamento escolar, o cres-cimento, a formao da personalidade, bem como a responsabi-lidade conjunta14.

    13 RE 60.265-RJ.

    14 CARBONERA, Silvana Maria. Obra citada, p. 150.

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    Ainda nesse sentido, Eduardo de Oliveira Leite: a guarda compar-tilhada mantm, apesar da ruptura, o exerccio em comum da autoridade parental e reserva, a cada um dos pais, o direito de participar das decises importantes que se referem criana15.

    Gustavo Tepedino, por sua vez: Uma das vantagens desse modelo de guarda o fato de evitar a desresponsabilizao do genitor que no permanece com a guarda, alm de assegurar a continuidade da relao de cuidados por ambos os pais16.

    A atual conjuntura do Cdigo Civil brasileiro estabelece a aplica-o, via de regra, da guarda compartilhada. Isto pode ser percebido da redao do art. 1.584, 2, do CC/02, que aduz quando no houver acordo entre a me e o pai quanto guarda do $lho, ser aplicada, sem-pre que possvel, a guarda compartilhada.

    O juiz deve informar ao pai e me, na audincia de conciliao, o signi$cado da guarda compartilhada, a sua importncia, a similitude de deveres e direitos atribudos aos genitores e as sanes pelo descumpri-mento de suas clusulas (art. 1.584, 1, do Cdigo Civil).

    Cumpre esclarecer que a de$nio da guarda compartilhada atri-buda aos genitores deve levar em considerao o melhor interesse da criana, e no a vontade dos genitores.

    O princpio do melhor interesse da criana, segundo Maria Re-gina Fay de Azambuja, fundamenta-se no reconhecimento da peculiar condio de pessoa humana em desenvolvimento atribuda infncia e juventude17. Segundo a jurista, crianas e adolescentes so pessoas que ainda no desenvolveram completamente sua personalidade, esto em processo de formao $sica, psquica, intelectual, moral e social. O crit-

    15 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famlias Monoparentais. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 244.

    16 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-constitucional. In: Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Famlia. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 313.

    17 AZAMBUJA, Maria Regina Fay. LARRATA, Roberta Vieira e FILIPOUSKI, Gabriela Ribeiro. Guarda compartilhada: a justia pode ajudar os $lhos a ter pai e me. Revista Juris Plenum. Ano VI, n 31, janeiro de 2010, p. 85.

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    rio que norteia o exerccio de qualquer modalidade de guarda o melhor interesse do menor, tendo em conta que a medida deve ser aplicada sem-pre em benefcio deste. A professora Maria Manoela Rocha tece conside-raes importantes sobre o princpio do melhor interesse da criana na atribuio da guarda18.

    O princpio do melhor interesse da criana deve estar presente em todas as reas concernente famlia e criana. Tem como conse-quncia dar ao juiz um poder discricionrio de decidir diferente da lei se melhor interessar criana.[...]O melhor interesse do !lho depender de cada caso. A criana como ser em desenvolvimento demanda em cada etapa da vida necessidades dferentes, portanto, interesses dferentes.[...]Deste modo, impe-se ao juiz um poder discricionrio. Segun-do Guilherme Strenger, o juiz deveria buscar o que fosse mais vantajoso ao modo de vida da criana, seu desenvolvimento, seu futuro, felicidade e equilbrio.

    A guarda compartilhada, ainda que difcil de ser implantada em cer-tos casos, na prtica, deve ser a regra geral. Uma vez dissolvido o vnculo conjugal, a paternidade jamais ser rompida. A cultura que era implantada na constncia do Cdigo Civil de 1916 era a de que havendo a dissoluo do vnculo conjugal, sem culpa dos genitores, a guarda era atribuda me. Isso era fruto de uma sociedade machista, que entendia que a mu-lher tinha melhores aptides com a criana e com os afazeres domsticos. Durou muitos anos, mas essa cultura, passada de gerao para gerao, modi$cou-se. A sociedade ganhou novos contornos. Antes de 1977 no havia divrcio, mas o desquite. A mulher desquitada era m vista poca. Atualmente, o divrcio , no s, permitido, mas em muitos cartrios h mais divrcios do que casamentos.

    18 ROCHA DE ALBUQUERQUE QUINTAS, Maria Manoela Rocha, op. cit., p. 59.

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    Com todas essas alteraes ocorridas no instituto de maior relevn-cia social, a famlia, faz- se necessrio, agora, a implantao, atravs dos operadores do direito e da disseminao dos doutrinadores, da cultura de que os pais, quando resolverem gerar um $lho, devem se comprometer com a formao da sua personalidade, at os 18 (dezoito) anos. Assim, o melhor interesse da criana a sua formao com a presena de ambos os genitores. Caso isso no seja possvel, seja porque um dos pais abdique do direito de guarda, ou caso um dos genitores no tenha condies (ex. morem em lugares distantes, impossibilitando a guarda compartilhada), ambos os genitores devem ser responsabilizados pelos danos causados pelos seus $lhos.

    Desta feita, pelos benefcios por ela proporcionados, a guarda com-partilhada deve ser a regra geral do exerccio do poder familiar aps a dis-soluo do casamento/unio estvel, mas, em no havendo acordo dos pais acerca da guarda dos $lhos por fora do prvio litgio de direito material existente entre eles, tal espcie de guarda, para que seja vivel e efetivamen-te atenda ao melhor interesse do menor, deve vir precedida da prtica da mediao familiar. Uma vez frustrada a mediao que se recomenda a $xao da guarda exclusiva, como medida, portanto, excepcional.

    1.3 Guarda Alternada ou Pendular

    Na guarda alternada, a guarda atribuda a uma nica pessoa, du-rante perodo determinado. Aps decorrido esse tempo, a guarda passa para o genitor que, at ento no, a detinha. Ou seja, o $lho $ca na casa de um dos pais, por perodo determinado (Ex: dois meses, um semestre, etc) e aps o decurso desse prazo, o $lho passa a residir com o outro cnjuge, por igual perodo. Na guarda alternada, a guarda $ca, como o prprio nome diz, alternando-se entre os genitores.

    O referido instituto nunca esteve expresso no nosso ordenamen-to jurdico. Nem no Cdigo Civil de 1916, nem no novo Cdigo Civil. Ocorre que, antes da alterao do Cdigo Civil de 2002, trazida pela Lei

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    11.689/2008, no havia previso expressa das modalidades de guarda a ser adotada. O que hoje, diferentemente, pode ser percebido pela redao do art. 1.583, caput, do CC/02, a saber: a guarda ser unilateral ou compar-tilhada.

    Dessa forma, como a nova redao do art. 1583 do CC/02 no con-templou a guarda alternada como uma das possibilidades, diversos doutri-nadores tm entendido no ser mais possvel a atribuio da guarda alter-nada, pela falta de uma das condies para o regular exerccio do direito de ao, no caso, possibilidade jurdica do pedido19.

    importante ressaltar, nesse momento, que, antes da entrada em vigor da Lei 11.689/2008, no havia previso expressa do instituto da guarda compartilhada e nem da guarda alternada. Ambos os institutos, mesmo no tendo previso expressa, eram aplicados a determinadas casos, tendo em vista a possibilidade de utilizao de outros dispositivos, como o do art. 226, 5, da CRFB/88, que consagrou o princpio da igualdade entre os cnjuges na relao conjugal e o princpio do melhor interesse da criana ou do adolescente, consagrado como direito fundamental pelo art. 5, 2, da CRFB/88, com a assinatura da Conveno Internacional dos Direitos da Criana, feito pela ONU em 1989. Depois da nova redao do artigo 1.583, s se torna vivel a aplicao da guarda compartilhada, como regra geral, e, excepcionalmente, a guarda unilateral. No sendo mais pos-svel a atribuio de guarda alternada (ou pendulum).

    Frise-se, entretanto, que no h que se confundir a guarda alternada com a possibilidade de os $lhos alterarem a moradia, seja em que alternn-cia for, considerando-se que a guarda mantinha-se compartilhada; em que pese, por exemplo, os menores estarem residindo uma semana na casa da me, o que, destaca-se, na prtica acaba por ajudar uma maior aproxima-o dos genitores no cuidado com sua prole.

    O entendimento marcante nos nossos tribunais no sentido de que a guarda compartilhada somente ser atribuida queles pais que residam

    19 MESSIAS NETO, Francisco. Aspectos pontuais da guarda compartilhada. Revista da EMERJ, Rio de Janei-ro, v. 12, n. 47, jul./set. 2009, p. 11-12.

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    prximos uns aos outros. Fica claro essa posio, tendo em vista o fato de que a guarda compartilhada se caracteriza pela presena de ambos os pais nas decises cotidianas.

    muito mais simples o exerccio da guarda compartilhada dia-riamente, com o acompanhamento do crescimento da personalidade da criana, quando genitores residam na mesma localidade. Contudo, no h impedimento para que o instituto da guarda compartilhada seja aplicado, at mesmo, nos casos em que os pais residam em localidades diferentes.

    Nesta modalidade de guarda, h igualdade nos poderes exerci-dos pelos pais em relao aos !lhos. Os genitores compartilham as obrigaes pelas decises importantes relativas ao !lho. Pai e me, portanto, seriam referncias, muito embora morem em casas separadas, e at mesmo em localidades diferentes20.

    Sobre esse posicionamento, ANDR LUS DA SILVA FRANZOSO, a$rma:

    fato que a guarda compartilhada no consiste na estrita divi-so do tempo em que os !lhos permanecem com os guardies, tal situao enquadrada como guarda alternada, situao na qual, como j referido em captulo anterior do presente artigo, os !lhos passam determinados perodos do ms com o pai e outros com a me, o que, em caso de grande distncia entre as residncias, far com que os infantes tenham que enfrentar frequentes e longos des-locamentos, o que poder vir a prejudic-los em suas atividades escolares e amizades21.

    No que diz respeito necessidade de proximidade da residncia en-tre os genitores para a aplicao da guarda compartilhada, a matria no unnime entre os aplicadores do direito. Dependendo do doutrinador e magistrado que atua no caso concreto, a guarda compartilhada pode ser

    20 MESSIAS NETO, Francisco. Obra citada, p. 138.

    21 FRANZOSO, Andr Luis da Silva. Guarda Compartilhada: em favor de %lhos e pais. p. 53.

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    atribuda para pais que residam em localidades diferentes ou no. A $m de ilustrarmos a situao em que foi aplicada a guarda compartilhada no caso de pais residentes em localidades diferentes, tem-se a jurisprudncia do Tribunal de Justia do Rio de Janeiro22.

    Divergncias entre o casal e distncia da residncia que, embora, possam di!cultar o exerccio da guarda compartilhada no se prestam ao !m de obst-la, principalmente, in casu, quando de-monstrada sociedade a harmoniosa convivncia do menor com os pais. Imprescindibilidade do contato com os genitores para a formao da personalidade do menor. Comando judicial impug-nado que estabelece os termos como a guarda compartilhada ir se efetivar e viabilizar a convivncia frequente entre pai e !lho, como forma de tornar mais efetiva a participao deste na cria-o e educao do menor.

    Ao determinar o compartilhamento da guarda indica-se aos geni-tores a importncia que o Estado atribui convivncia entre pais e $lhos, de forma que possam ser superadas eventuais dvidas acerca dos arranjos concretos da guarda, valorizando-se o aspecto simblico do instituto, ou seja, de que no h um pai principal e um secundrio, um para todos os dias e um para $nais de semana23.

    saudvel que os $lhos possam reconhecer os dois genitores como seus responsveis, podendo, quando necessrio, recorrer a qualquer um deles. Cabe ao Estado utilizar as ferramentas possveis para que sejam asseguradas e estimuladas as relaes entre pais e $lhos aps o desenlace conjugal, no $cando o vnculo afetivo e a convivncia, dependentes exclusivamente de critrios negociais entre os genitores, mas sim assegu-rados pelo Direito24.

    22 TJRJ. Processo 0018447-84.2007.8.19.0002.

    23 BRITO, Leila Maria Torraca de. & GONSALVES, Emmanuela Neves. Razes e contra-razes para a apli-cao da guarda compartilhada. In: Revista dos Tribunais, v. 886, ago. 2009. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 80.

    24 Op. cit., p. 81.

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    1.4 Das Sanes pelo Descumprimento de Clusulas Pactuadas na Guarda Compartilhada

    Art. 1.584, 1, do CC/02: Na audincia de conciliao, o juiz informar ao pai e me o signi!cado da guarda compartilhada, a sua importncia, a similitude de deveres e direitos atribuidos aos genitores e as sanes pelo descumprimento de suas clu-sulas.

    O art. 1.584, 1, do Cdigo Civil de 2002, nos informa que o juiz deve informar aos genitores, dentre outras coisas, as sanes pelo descumprimento das clusulas da guarda compartilhada.

    Por sua vez, o 4, do mesmo artigo, dispe que:

    A alterao no autorizada ou o descumprimento imotivado de clusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poder impli-car a reduo de prerrogativas atribudas ao seu detentor, inclusi-ve quanto ao nmero de horas de convivncia com o !lho.

    Da interpretao desses dois pargrafos que foram mencionados anteriormente que se depreende o entendimento de que, tanto na guar-da unilateral, quanto na guarda compartilhada, as sanes pelo descum-primento das clusulas estabelecidas s sero aplicadas quando forem imotivadas. Assim, caso haja o descumprimento das clusulas da guarda compartilhada, sendo motivada, no ocorrero as sanes.

    Vale ressaltar que a reduo de prerrogativas atribudas ao seu de-tentor, inclusive quanto ao nmero de horas de convivncia com o $lho, exposto no . 4, do art. 1.584, do Cdigo Civil de 2002, representa, apenas, um exemplo das sanes que podero ser aplicadas quando do descumprimento das clusulas pactuadas na guarda compartilhada ou unilateral.

    Sobre a temtica temos o entendimento de MESSIAS NETO:

    De modo que, havendo descumprimento imotivado de clusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poder o juiz aplicar,

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    alm da sano indicada no pargrafo 40 do art. 1.584 do Cdi-go Civil (a reduo de prerrogativas atribudas ao seu detentor), outras modalidades que tenham como objetivo dar efetividade s decises judiciais, que questo de ordem pblica, sempre salva-guardando os melhores interesses da criana25.

    Neste contexto, o juiz poder determinar, como forma de sano, a busca e apreenso, inverso de guarda, suspenso e destituio do poder familiar e multa cominatria astreintes26.

    Importante destacar os ensinamentos de FLVIO GUIMARES LAURIA:

    No que atine a busca e apreenso, importante lembrar que todos os esforos devem ser utilizados para procurar resguardar o !lho desta medida extrema, cujos prejuzos psquicos dela advindos podem se mostrar superiores ao bem que se pretende proteger27.

    E ignorar essas advertncias implica negar vigncia ao art. 227 da Constituio da Repblica28 e ao art. 18 do Estatuto da Criana e do Adolescente29.

    25 MESSIAS NETO, Francisco, in obra citada, p. 26-27.

    26 Idem, p. 27.

    27 LAURIA, Flvio Guimares, in obra citada, p. 100-101.

    28 BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo, direitos fundamentais, democracia e cons-titucionalizao, p. 61-66 e 67. Rio de Janeiro. Editora Renovar, 2006: Com a constitucionalizao do direito a Constituio, agora preocupada com os direitos humanos e com a efetivao das promessas do texto magno, deixa de ser uma proclamao retrica de valores e diretrizes polticas e passa a incorporar de fato ao dia-a-dia dos tribu-nais, sendo invocada com grande frequncia pelas partes e aplicada diretamente pelos juzes de todas as instncias na resoluo de litgios pblicos e privados.

    29 Art. 18 do ECA: dever de todos velar pela dignidade da criana e do adolescente, pondo-os a salvo de qual-quer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatrio ou constrangedor.

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    Flvio Guimares Lauria30 resssalta, ainda, transcrevendo da lio de Piero Perlingieri:

    Os interesses e os valores que emergem das normas constitucio-nais so, de um ponto de vista substancial, juridicamente rele-vantes. necessrio veri!car se o aparato, mesmo processual, adequado a esta escolha. Das duas, uma: ou se tenta individuar, no mbito do sistema, tcnicas que, apesar de terem surgido por razes diversas, sejam idneas para a tutela destes valores, ou se deve a!rmar com deciso que o sistema processual no legtimo constitucionalmente, porque no consegue tutelar interesses pri-mrios, constitucionalmente relevantes31.

    CONCLUSO

    Como pudemos observar ao longo deste trabalho, os institutos ligados guarda compartilhada, como Poder Familiar, guarda e seu con-ceito, as formas de famlias admitidas no ordenamento jurdico ptrio, a dissoluo do vnculo conjugal, a prpria guarda compartilhada, so conceitos em constantes transformaes. A sociedade muda a sua con-cepo a respeito desses institutos atravs de seres humanos que, normal-mente, possuem ideias contrrias grande maioria, mas que, por terem fundamentao, acabam in^uenciando poucas pessoas, at que esses pen-samentos se tornem fato social, e, ento, o direito o reconhece.

    Assim foi o que aconteceu com o divrcio, que entrou em vigor com a Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Somente em 1977, uma data relativamente recente, que o divrcio foi permitido no Brasil. Atu-almente, existem cartrios em que h mais divrcios do que casamen-

    30 LAURIA, Flvio Guimares, in obra citada, p. 134.

    31 PERLINGIERI, Pietro. Per%s dos Direito Civil, p. 156-157.

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    tos. Importante entendermos que o Cdigo Civil de 1916, criticado por muitos operadores do direito, era preconceituoso (ex: o tratamento dis-pensado aos $lhos havidos na constncia do casamento e os decorrentes de relao extraconjugal no era o mesmo; a famlia advinha do casamen-to, o que veio a ser alterado, dando origem a uma nova concepo de famlia, podendo ser monoparental, unio estvel, entre heterossexuais ou homossexuais). Mas era preconceituoso porque a sociedade em que o Cdigo Civil de 1916 entrou em vigor era preconceituosa. Tratava-se de uma sociedade essencialmente rural, em que a $gura principal era a do senhor dono da fazenda. A mulher no era inserida no mercado de tra-balho, tinha um papel subsidirio em relao ao homem. Passavam suas vidas a seguir seus maridos. Por consequncia, por no trabalhar, no ob-ter liberdade $nanceira, se colocavam em uma posio submissa, abaixo do homem. Ela era responsvel pela criao dos $lhos e o cuidado com o lar. Criou-se, ento, a concepo de que a mulher quem sabe varrer uma casa, a mulher quem sabe cozinhar, lavar a loua. Por conta dessa evoluo histrica que o direito foi se amoldando. Naquela poca, em que a mulher, supostamente, tinha maiores aptides com o lar e com as crianas, que $cou estabelecido que a guarda das crianas, no havendo culpa dos genitores, $cava diretamente com a mulher.

    Essa postura preconceituosa no pode perdurar. Contudo, impor-tante percebermos que mais simples olharmos para o passado e termos a concluso de que era um cdigo preconceituoso, ou, que era uma so-ciedade preconceituosa. O difcil fazermos o mesmo com a nossa atual sociedade. O di$cil percebermos na nossa sociedade e no nosso ordena-mento jurdico vigente o que deve ser melhorado, hoje.

    A guarda compartilhada representa um grande avano na legislao familiar ptria. O cerne da discusso, quando da atribuio da guarda, passou a ser a criana e o seu melhor interesse. Antes da Lei 11.685/08 a regra era a guarda unilateral, agora, a compartilhada. Por bvio, a sade mental do menor passa pela presena de ambos os genitores nas tomadas de decises cotidianas. Na presena do pai e da me a autoestima cresce mais calibrada. No so poucos os relatos de crianas que alteram os seus

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    comportamentos quando passam por uma dissoluo traumtica do vn-culo de seus pais. H casos em que, aps a dissoluo, um dos genitores se afasta dessa criana, o que tem consequncias que sero percebidas mais a diante.

    Acredito que, assim como o divrcio era impensvel antigamente, deve ser criada a cultura de que o $lho pra sempre, diferente da relao conjugal. Isso deve ser aplicado na prtica. Os desafetos devem ser esque-cidos, dando lugar responsabilidade acordada anteriormente, de criar e desenvolver a personalidade da criana, da forma mais sadia possvel.

    Nesse contexto, luz do princpio do melhor interesse da crian-a, a guarda compartilhada deve ser aplicada pelos juzes, at mesmo, quando no requerida pela parte. Deve ser aplicada ainda que os pais no queiram, ou mesmo que os pais no residam juntos e no tenham a melhor das relaes (fazendo, neste caso, o uso da medio). nesse contexto que defendo que a responsabilidade civil de ambos os pais deva ser solidria, uma vez que, tanto na guarda compartilhada, como na uni-lateral, ainda que o $lho resida apenas com um dos genitores, melhor para a criana que ela seja acompanhada, instruda, educada, por ambos os pais. A responsabilidade civil, nesse caso, nada mais do que uma consequncia do direito que as crianas tm de se desenvolverem com a presena de ambos os pais. A responsabilidade solidria representa um incentivo para que os pais criem os seus $lhos, e, ainda, representa uma sano para aqueles que se escusaram dessa obrigao.

    A forma ideal de se conseguir idosos, adultos, adolescentes edu-cados, corretos, ticos e saudveis comeando esse desenvolvimento cedo, quando ainda so crianas. As crianas, dessa forma, representam o caminho para uma sociedade mais igualitria e humana. Elas represen-tam o cerne do instituto mais importante de nossa sociedade, a famlia. Portanto, o Estado, entendendo que aquela situao concreta caso de guarda compartilhada, deve resguard-la. Um Estado em prol da criana uma sociedade em prol do futuro.

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