EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR … · ficam sujeitos à insolvência o devedor...

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103 EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR INSOLVENTE: AS INTERFACES DE UM PROCEDIMENTO COMUMENTE ESQUECIDO PELOS OPERADORES DO DIREITO Homero Francisco Tavares Junior Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais. Auxiliar Judiciário do TJMG. 1. Introdução. 2. Execução concursal. 3. Pressupostos e classificação da execução concursal. 4. Legitimação para o requerimento de insolvência. 4.1. Insolvência requerida pelo credor. 4.2. Insolvência requerida pelo devedor. 4.3. Insolvência requerida pelo espólio do devedor. 5. Procedimento da insolvência. 6. Efeitos da declaração judicial de insolvência. 7. O administrador da massa e suas atribuições. 8. Verificação e classificação dos créditos. 9. A situação dos credores retardatários. 10. Organização do quadro geral de credores. 11. Saldo devedor. 12. Extinção das obrigações do devedor. 13. Pensão ao devedor insolvente. 14. Concordata civil. 15. Conclusão. 16. Referências bibliográficas. 1 INTRODUÇÃO A prática forense revela, sem deixar margem à dúvida, que a grande maioria dos procedimentos de execução instaurados versa sobre “execução por quantia certa contra devedor solvente”. Todavia, muitos operadores do direito esquecem-se de que o Código de Processo Civil, ao dispor sobre a execução por quantia certa, biparte essa espécie procedimental em duas categorias, conforme ela se dirija contra um devedor solvente ou, ao contrário, tenha como legitimado passivo um devedor insolvente. Desse modo, objetiva o presente trabalho abordar as principais características do denominado instituto da “insolvência civil”, os traços que o aproximam – ou distanciam – da falência comercial (eis que muitos tratam do Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 12, Volume 23, p. 103-139, jan./dez./2004.

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EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDORINSOLVENTE: AS INTERFACES DE UM PROCEDIMENTO

COMUMENTE ESQUECIDO PELOS OPERADORES DO DIREITO

Homero Francisco Tavares JuniorBacharel em Direito pela Faculdade deDireito Milton Campos. Pós-graduadoem Direito Civil e Processual Civil pelaFundação Escola Superior do MinistérioPúblico de Minas Gerais. AuxiliarJudiciário do TJMG.

1. Introdução. 2. Execução concursal. 3. Pressupostos eclassificação da execução concursal. 4. Legitimação para orequerimento de insolvência. 4.1. Insolvência requerida pelo credor.4.2. Insolvência requerida pelo devedor. 4.3. Insolvência requeridapelo espólio do devedor. 5. Procedimento da insolvência. 6. Efeitosda declaração judicial de insolvência. 7. O administrador da massae suas atribuições. 8. Verificação e classificação dos créditos. 9.A situação dos credores retardatários. 10. Organização do quadrogeral de credores. 11. Saldo devedor. 12. Extinção das obrigaçõesdo devedor. 13. Pensão ao devedor insolvente. 14. Concordatacivil. 15. Conclusão. 16. Referências bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO

A prática forense revela, sem deixar margem à dúvida, que a grande maioriados procedimentos de execução instaurados versa sobre “execução por quantiacerta contra devedor solvente”.

Todavia, muitos operadores do direito esquecem-se de que o Código deProcesso Civil, ao dispor sobre a execução por quantia certa, biparte essa espécieprocedimental em duas categorias, conforme ela se dirija contra um devedor solventeou, ao contrário, tenha como legitimado passivo um devedor insolvente.

Desse modo, objetiva o presente trabalho abordar as principaiscaracterísticas do denominado instituto da “insolvência civil”, os traços que oaproximam – ou distanciam – da falência comercial (eis que muitos tratam do

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tema da insolvência civil como “falência civil”), as vantagens ou as desvantagensque a utilização do instituto pode representar, bem como as divergências doutrináriasexistentes acerca de importantes aspectos do tema proposto.

O interesse pelo tema surgiu, essencialmente, após os debates inaugurados,em sala de aula, pelo professor da disciplina “Processo de Execução”, do Cursode Pós-Graduação lato sensu em Direito Civil e Processual Civil da FESMPMG,Dr. Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, e, também, em virtude da ínfima atençãodispensada pelos cursos de graduação em relação à matéria aqui anunciada.

2 EXECUÇÃO CONCURSAL

Sob o nomen iuris de “execução por quantia certa contra devedorinsolvente”, o Código de Processo Civil institui o “concurso universal de credores”.

Para Lopes da Costa, “o concurso de credores é um processo de execuçãocoletiva. É a reunião em um só processo de várias execuções. Cada credorconcorrente é exeqüente.”1

Conforme anota Ernane Fidélis dos Santos,

ficam sujeitos à insolvência o devedor não-comerciante e associedades civis, qualquer que seja a sua forma. O comerciante e associedades comerciais se submetem à falência. As sociedadesanônimas, qualquer que seja seu objeto, são consideradas comerciais(Lei n. 6.404/76, art. 1º, § 2º).2

Para Celso Neves, diversamente do que se passava ao tempo do Código de1939, o concurso de credores deixou de ser mero incidente da execução singular,para assumir a posição de processo principal, autônomo, independente, figurandono rol das várias formas especiais de execução catalogadas pelo legislador.3 Nessesentido, aliás, a hodierna jurisprudência dos Tribunais:

O pedido de insolvência não é continuação de processo de execução.É processo autônomo, independente, que não tem que acompanhar acompetência para execução. Nem há que se falar em conexão, porqueo pedido de insolvência civil não a comporta. Pelo contrário, ele é queexerce a vis atractiva das execuções após seu deferimento.4

1 COSTA, Lopes da. Direito Processual Civil Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. IV, p. 319.2 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 5. ed. rev. atual. e ampl. São

Paulo: Saraiva, 1997. v. 2, p. 243.3 Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 21. ed. rev. e atual. Rio

de Janeiro: Forense, 1998. v. II, p. 299.4 STJ, 3ª Turma, REsp nº 292.383/MS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 28-8-2001.

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Em artigo especializado, Moniz de Aragão preconiza que a execução porquantia certa contra devedor insolvente, como espécie de execução forçada queé, sujeita-se aos mesmos princípios fundamentais que guiam a prestação jurisdicionalno processo executivo, a saber: a) responsabilidade patrimonial incidindo sobrebens presentes e futuros do devedor (art. 591 do CPC); objetivo da execuçãorecaindo na expropriação de bens do devedor para satisfação de direito dos credores(art. 646 do CPC); e fundamentação do processo sempre em título executivo, sejaele judicial ou extrajudicial (art. 583 do CPC).5

Em que pese à similitude existente entre as espécies de execuções, conformeacima exposto, é de bom alvitre lembrar que alguns autores, como o ilustre ErnaneFidélis dos Santos, alertam para o fato de que “a execução por quantia certacontra devedor insolvente tem seus pressupostos básicos, não se identificandocom outra forma de execução.”6 No mesmo sentido, manifesta-se HumbertoTheodoro Júnior, afirmando tratar-se “de um juízo universal, com característicaspeculiares, marcado pelos pressupostos básicos da situação patrimonial deficitáriado devedor e da disputa geral de todos os seus credores num só processo”. Eprossegue esse autor:

a estrutura e os objetivos práticos da execução concursal são bemdiversos dos da execução singular. Enquanto nesta última, o atoexpropriatório executivo se inicia pela penhora e se restringe aosbens estritamente necessários à solução da dívida ajuizada, naexecutiva universal, há, ad instar da falência do comerciante, umaarrecadação geral de todos os bens penhoráveis do insolvente parasatisfação também da universalidade de credores.7

Para Prieto-Castro, a modalidade de execução ora abordada inspira-se numprincípio de justiça distributiva, exigindo do legislador a criação de um processo quefosse apto a evitar que credores mais diligentes ou espertos viessem a agirarbitrariamente, antecipando-se em execuções singulares ruinosas e prejudiciais àcomunidade dos credores do devedor comum.8 Por essa razão, admite-se que “oprincípio que rege a execução já se inspira na solidariedade e universalidade,dispensando o legislador um tratamento igualitário a todos os credores concorrentes,tendente a realizar o ideal de par condicio creditorium.”9

5 ARAGÃO, Moniz de. Execução contra devedor insolvente. In: Revista Forense, v. 246, p. 68.6 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Op. cit., p. 244.7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 21. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Forense, 1998. v. II, p. 300.8 PIETRO-CASTRO. Derecho concursal. Madrid. 1974, n. 1, p. 21. Apud Humberto Theodoro

Júnior, op. cit., p. 299.9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 300.

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Tem-se, então, que o processo executivo concursal visa a que todos osbens do devedor comum reúnam-se em uma só massa, para que possam responderpelo conjunto dos créditos, até o limite da execução. Para que isso ocorra, entretanto,é imperioso que fique constatado o estado de insolvência do devedor, por meio dacompetente manifestação jurisdicional, conforme será exposto nos tópicossubseqüentes.

3 PRESSUPOSTOS E CLASSIFICAÇÃO DA EXECUÇÃO CONCURSAL

Nos termos do art. 748 do CPC, “Dá-se a insolvência toda vez que asdívidas excederem à importância dos bens do devedor.”

Como se vê, a insolvência civil caracteriza-se pelo fato objetivo de as dívidasdo devedor excederem ao valor dos bens que este possui.

Conforme já acentuou Vivante, “a doutrina não pode oferecer sobreinsolvência civil senão um conceito bastante genérico, considerando-a comoa impotência de pagar e, neste conceito, não seriam poucos os entendimentos.”10

Segundo a doutrina de Humberto Theodoro Júnior, três são os pressupostosda execução coletiva: o título, a mora e a declaração judicial de insolvência, que vemrevelar a situação patrimonial do devedor de impotência para satisfazer integralmentetodas as obrigações exigíveis. Além desses, adverte o citado autor que a insolvênciacivil há de atender a um requisito de ordem subjetiva, qual seja, a qualidade civildo devedor. Isso porque só pode haver a execução coletiva universal reguladapelo Código de Processo Civil quando o insolvente não for comerciante.11

Com efeito, o sujeito passivo da execução concursal é sempre o devedor(não comerciante, como se viu). Mesmo nos casos em que o requerimento dainsolvência é formulado pelo devedor, em esta sendo decretada, os credoreshabilitados passam a ser os sujeitos ativos do processo executivo, enquanto que odevedor passa a ocupar o pólo passivo da demanda.

Conforme acentua Greco Filho, considerando que o devedor pode ser pessoanatural ou jurídica, em sendo esta de natureza civil (não comercial!), como, porexemplo, uma sociedade destinada à exploração agrícola, nada obsta que sejarequerida, nos casos previstos em lei, a sua insolvência.12 Há que se ressaltar,entretanto, que a nova classificação das sociedades empresárias, consagrada no

10 Apud BUZAID, Alfredo. Do concurso de credores no processo de execução. São Paulo: Saraiva,1952, p. 220.

11 Op. cit., p. 301.12 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1985. v. 3, p. 125.

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Código Civil de 2002, restringiu ainda mais o conceito de “devedor civil”, podendoocorrer, inclusive, que as mencionadas sociedades, dedicadas à exploração deatividade agrícola, fiquem fora do âmbito da insolvência civil.

Questão que se apresenta polêmica no âmbito da doutrina é a que diz respeitoà necessidade ou não de o credor estar munido de título executivo, para que possaparticipar do concurso de credores.

Ovídio Baptista da Silva, com propriedade, aborda o tema da seguinte forma:

Segundo dispõe o art. 754, ‘o credor requererá a declaração deinsolvência do devedor, instruindo o pedido com o título executivojudicial ou extrajudicial’. É condição, portanto, de legitimidade parao pedido de instauração do concurso que o credor esteja munido detítulo executivo. Indaga-se, no entanto – considerando a‘universalidade’ que a lei atribui ao concurso de credores, declarando,no art. 762, que ao juízo da insolvência devem concorrer ‘todos oscredores do devedor comum’ –, se poderão participar do concursoos que não possuam título executivo; ou, ao contrário, considerandoa lei o concurso uma demanda de execução, apenas os credores comtítulo executivo estariam habilitados a participar do futuro rateio?

O referido autor apresenta, em seguida, o seguinte comentário:

A tendência de nossa doutrina é visivelmente orientada para oentendimento de que somente poderão concorrer ao processo deinsolvência os devedores munidos de títulos executivos. Diverge,no entanto, dessa conclusão, Pontes de Miranda (Comentários, XI,p. 434), afirmando que o Código de Processo Civil em vigor, aodisciplinar o concurso universal de credores, ‘apagou a diferença’que havia em nosso direito, entre a falência e o concurso de devedorescivis, dispensando não somente o título executivo, mas igualmente arespectiva liquidez do crédito. A própria exigibilidade, ensina o jurista,não é pressuposto para o ingresso do credor no concurso, porquanto,instaurado o processo de execução concursal, segundo prescreve oart. 954 do Código Civil, teria o credor direito a cobrar a dívida, antesdo vencimento estipulado no contrato, pois, como diz esse preceito,o credor estará legitimado para a cobrança da dívida ‘se, executado odevedor, se abriu concurso creditório’. Vale dizer, instaurado oconcurso, ter-se-ão por vencidas todas as dívidas do devedorconcursado.13

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13 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,1998. v. 2, p. 172.

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No âmbito da jurisprudência, o entendimento prevalecente é no sentido dadesnecessidade da liquidez e certeza do título, para efeito de habilitação no concursode credores: “Desimporta, para habilitação de crédito na insolvência civil, que otítulo seja líquido e certo.”14

Ainda sobre o assunto, colha-se a opinião do ilustre Vicente Greco Filho:“Credor sem título deve primeiro obtê-lo em processo de conhecimento para depoishabilitar-se.”15

É importante destacar, desde logo, que a insolvência civil não se confundecom a falência. Veja-se que, enquanto a primeira leva em conta o devedor, sob oponto de vista civil, a segunda o considera como comerciante, vale dizer, a pessoacapaz que pratica, com habitualidade, atos de comércio, com intuito de lucro e comoatividade profissional. Por outro lado, deve ser compreendido que a insolvência civilse configura pelo simples fato de o valor dos bens do devedor ser insuficiente pararesponder por suas dívidas, enquanto que a decretação da falência exige, de ummodo geral, a impontualidade do empresário (art. 1º do Decreto-Lei nº 7.661/45).

A propósito das características que diferenciam a insolvência civil da falênciacomercial, pontifica o Prof. Alfredo Buzaid:

A falência, portanto, é um juízo universal; o concurso de credores éum juízo particular. A falência desapropria do comerciante os seuspoderes de administração e de disposição dos bens: opera odesapossamento de todo o seu patrimônio disponível. O concursoversa sobre os bens penhorados; não há uma só e imediata penhorade todos os bens do insolvente. A falência é dotada de organizaçãoadministrativa; a massa falida é representada pelo síndico,encarregado, entre outras coisas, da defesa comum dos credores.No concurso não há um administrador. Os bens ficam sob a guarda eresponsabilidade do depositário. Durante a falência investigam-seas causas que a determinam, a fim de apurar-se se o falido agiu comculpa ou com dolo no seu desastre econômico. No concurso não secogita disto, porque ele é, por índole, um feixe de ações e de execuçõessobre os bens penhorados. O falido está sujeito à sanção penal e àprisão administrativa, ao passo que o executado insolvente só serápunido se dolosamente ‘fraudar a execução alienando, desviando,destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas.16

14 STJ, 3ª Turma, REsp n. 39.037/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 12-6-95.15 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit, p. 125.16 BUZAID, Alfredo. Op. cit, p. 319.

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Embora pertinentes os paralelos traçados pelo eminente jurista AlfredoBuzaid, procurando diferenciar o instituto da falência e o da insolvência civil,há que se dizer que, neste caso, os bens penhorados não ficam sob a guardae a responsabilidade de um depositário (termo utilizado pela legislação anterior),mas, sim, sob a custódia e a responsabilidade de administrador, que exercerá assuas atribuições sob a direção e a superintendência do juiz (art. 763 do CPC).

Na hipótese de o devedor não possuir nenhum bem, converge a doutrina nosentido de que não deverá ser decretada a sua insolvência, na medida em que estase destina a instaurar um concurso de credores, o qual seria inútil na hipótese deo devedor não possuir bens livres e desembaraçados.

No âmbito da insolvência civil, é inegável pesarem sobre ela elementos deinteresse público, aliás, inerentes à repercussão social que o abalo de créditogeralmente acarreta. Assim, entende-se que o Ministério Público deve intervir noprocesso de insolvência por força do disposto no art. 82, III, do CPC. Pode-sedizer, inclusive, que as mesmas razões que levaram o legislador a exigir aintervenção do Ministério Público nas causas falimentares reclamam a intervençãodo Parquet na insolvência civil.

Quanto à classificação do instituto da insolvência, admite-se que esta podeser real ou presumida. Diz-se que a insolvência é real sempre que as dívidasexcederem a importância dos bens do devedor. A seu turno, a insolvência presumidaocorre quando o devedor não possui bens livres e desembaraçados para nomear àpenhora (art. 750, I, do CPC), valendo citar, a título de exemplo, a situação emque os bens do devedor já estiverem arrestados, penhorados ou gravados comgarantia real. Nessa hipótese, segundo entende Vicente Greco Filho, “a certidãodo oficial de justiça de que não encontrou outros bens livres e desembaraçados ésuficiente para demonstrar o estado de desequilíbrio patrimonial a servir defundamento ao pedido.”17 Admite o festejado autor que o fato processual “faltade bens livres” acaba por denunciar a situação patrimonial relativa.

Destaque-se, outrossim, que a insolvência também se presume quando “opróprio credor que a requereu, ou qualquer outro, promove, com êxito, arresto embens do devedor, isto é, sua apreensão para garantia de dívida líquida e certa.”18

17 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 123.18 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. Op. cit., p. 243.

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Em que pese ao fato de a lei definir a insolvência civil pela circunstância deo valor das dívidas exceder o valor dos bens do devedor, conforme já visto, elaprópria (lei) cuida de contextualizar quando ocorrerá a “presunção de insolvência”.

É o que está expresso no art. 750 do CPC, in verbis:

Art. 750. Presume-se a insolvência quando:

I – o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados paranomear à penhora;

II – forem arrestados bens do devedor, com fundamento no art. 813,I, II e III.

Sobre a regra contida no inciso I do art. 750 do CPC, José de Moura Rochaanota que:

Na consideração da penhora vamos encontrar uma das maisimportantes diferenciações entre o processo singular e o processoconcursal. Neste segundo processo de execução, os bens serãopenhorados como um todo, enquanto que no processo de execuçãosingular é mantida a individuação dos bens integrantes do patrimôniodo devedor, ou seja, são mantidos como entidades individuais. Assim,há insolvência (presume-se a insolvência) sempre que todos os bensintegrantes do patrimônio do devedor, livres e desembaraçados, sendonomeados à penhora, são insuficientes para satisfazer todas asobrigações do devedor.19

No que se refere à presunção de insolvência, ligada ao arresto de bens dodevedor, com fundamento nos incisos I a III do art. 813 do CPC, cumpre enumeraras hipóteses ventiladas neste dispositivo legal:

Art. 813. O arresto tem lugar:

I – quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se oualienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazoestipulado.

A segunda parte do inciso supra apresentado trata da impontualidade, ouseja, da falta de pagamento da dívida no vencimento. Segundo a lição de GrecoFilho,

não basta, porém, a simples impontualidade para se decretar ainsolvência. Combinando-se o art. 750 com o art. 813 e interpretando-se este dentro do processo cautelar a que pertence, temos que: a)

19 ROCHA, José de Moura. Op. cit., pp. 59-60.

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para se decretar a insolvência em virtude da presunção do art. 750, II,é necessário que previamente tenham sido arrestados bens dodevedor; b) e para que se arrestem bens é necessário que aimpontualidade seja acompanhada do periculum in mora,pressuposto essencial à concessão de medidas cautelares.20

II – quando o devedor, que tem domicílio:

a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente;

b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui;contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr osseus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifíciofraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores;

III – quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los,hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns,livres e desembargados, equivalentes às dívidas;

Acerca das modalidades de arresto previstas nos incisos II e III do art. 813,também se manifesta o ilustre Greco Filho:

Os demais casos em que cabe o arresto são os chamados fatosdenunciadores da insolvência, à semelhança do art. 2º da Lei Falimentarque prevê hipóteses análogas. Elas dependem de prova que será feitano processo cautelar de arresto. Tal prova pode ser feita mediantedocumentos ou justificação prévia, a fim de possibilitar a concessãoliminar do arresto inaudita altera pars (arts. 814 e 815).21

Diante desse contexto, configurada qualquer das hipóteses dos incisos acimatranscritos, a lei presume a insolvência civil do devedor, a qual poderá, nesse caso,ser requerida pelo credor.

O art. 749 do CPC traz a hipótese de o cônjuge do devedor assumir aresponsabilidade pelas dívidas deste. A norma em comento, entretanto, adverteque, se o cônjuge que assumiu a(s) dívida(s) também não possuir bens própriosque sejam suficientes para o pagamento de todos os créditos, o juiz poderá declarar,nos autos do mesmo processo, a insolvência de um e de outro.

O festejado José da Silva Pacheco, em obra sobre o assunto, consigna que:

Se o devedor for casado, diz o art. 749, e o outro cônjuge, tendoassumido a responsabilidade por dívidas, não possuir bens própriosque bastem ao pagamento de todos os credores, poderá, no mesmo

20 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., pp. 123-124.21 Idem, p. 125.

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processo, ser declarada a insolvência de ambos. Desde logo,saliente-se: a) a insolvência é do devedor, pessoalmente; b) se elefor casado, ainda que pelo regime da comunhão, pelos títulos dequalquer natureza, firmados por um só dos cônjuges, somenteresponderão os bens particulares do signatário e os comuns até olimite da meação; c) contudo, que, se o outro cônjuge também seobrigou ou assumiu, de qualquer forma, a responsabilidade de dívida,e não possuir bens próprios para atendê-la, a insolvência poderáabrangê-lo, também, no mesmo processo (art. 749).Daí poderá resultar que: a) só um dos cônjuges é obrigado, sem aresponsabilidade do outro: nesse caso, só os seus bens e a suameação respondem pelo débito. O outro cônjuge tem embargos deterceiro para salvar a sua meação [como se vê no art. 1.046, § 3º, doCPC] ou os seus bens particulares; b) os dois são responsáveis,todos os seus bens respondem e, se não forem suficientes, ainsolvência os abrange.22

Releva notar que, seja na hipótese de a ação resultar de um título que digarespeito aos dois cônjuges, por eles assinado; seja na hipótese de a ação se fundarem dívida contraída por um deles, a bem da família, mas cuja execução devarecair sobre os bens reservados do outro, a citação deverá ser feita na pessoa deambos os cônjuges.

4 LEGITIMAÇÃO PARA O REQUERIMENTO DE INSOLVÊNCIA

Preceitua o art. 753 do CPC que a insolvência poderá ser requerida porqualquer credor quirografário, pelo devedor ou, ainda, pelo inventariante do espóliodo devedor.

Estudaremos, a seguir, cada uma das hipóteses acima mencionadas.

Antes, porém, é de bom alvitre lembrar que

o Código não prevê a decretação de insolvência ex officio pelo juiz,nem como iniciativa originária de processo, nem como incidentes deexecução singular. Prova disso é que o fato de não serem encontradosbens a penhorar não conduz ao reconhecimento da insolvência dodevedor, mas apenas à suspensão da execução singular, como dispõeexpressamente o art. 791, nº III.23

22 PACHECO, José da Silva. Tratado das execuções: processo de execução. 2. ed. São Paulo: Saraiva,1976. v. 2, p. 573.

23 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 311.

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4.1 INSOLVÊNCIA REQUERIDA PELO CREDOR

Segundo os termos do inciso I do art. 753 do CPC, a insolvência poderá serrequerida por qualquer credor quirografário.

Os créditos quirografários constituem aqueles sem nenhuma garantia edestituídos de qualquer privilégio. Por essa razão, os credores inseridos nessa classese sujeitam a incertezas quanto ao recebimento de seus créditos, sendo certo queeles devem aguardar a satisfação do direito dos credores preferenciais ou privilegiadospara, somente após isso, e se houver sobra, tentar receber o que lhes é devido.

Por razões óbvias, apenas o credor quirografário pode requerer a insolvênciacivil do devedor. Se considerarmos, por exemplo, um credor com garantia real,ficará ele sem justificativa para propor a ação, uma vez que já tem bem(ns)destinado(s) a seu pagamento. “O credor, porém, pode renunciar à garantia, ou,então, quando for o caso, demandar declaração de insolvência pelo que lhe faltarno recebimento total da dívida.”24

Em casos de insolvência requerida pelo credor, compete a este instruir opedido com o título executivo, judicial ou extrajudicial (art. 754 do CPC). Segundoorientação predominante, esses títulos, cujo rol vem estampado nos arts. 584 e585 do CPC, devem apresentar-se líquidos, certos e exigíveis, dando-secumprimento, dessa maneira, ao disposto no art. 586 do CPC.

Conforme já mencionado, na hipótese de insolvência requerida pelo credor,apenas aqueles que detêm créditos quirografários poderão fazê-lo. Para uma melhorcompreensão, vejamos algumas situações em que credores possuem outrasgarantias para a satisfação de seus créditos: os credores por crédito real estãogarantidos pelo bem vinculado ao crédito; os credores com privilégio especial, viade regra, encontram-se garantidos pelo produto sobre o qual recaia; aqueles quepossuem crédito de natureza trabalhista podem promover execução na Justiça doTrabalho; já os credores fiscais podem exigir os seus créditos com os privilégios aeles inerentes. Em qualquer desses casos, o credor fará a execução individualmente,penhorando os bens vinculados como garantia da dívida e, conseqüentemente, daexecução.

4.2 INSOLVÊNCIA REQUERIDA PELO DEVEDOR

A insolvência pode também ser requerida pelo devedor. É o que dispõe oinciso II do art. 753 do CPC.

24 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Op. cit., p. 245.

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Releva notar que a norma em comento prevê a possibilidade de o devedorrequerer a sua insolvência, e não a obrigatoriedade. O mesmo ocorre em relaçãoaos credores quirografários e ao inventariante do espólio do devedor, no sentidode ser-lhes facultado requerer a insolvência do devedor, ficando afastada a naturezade compulsoriedade. Diferente é a situação do comerciante, que é obrigado arequerer a autofalência (art. 8º do Decreto-Lei nº 7.661/45).

Assim, sempre que o devedor verificar que seus bens penhorados sãoinsuficientes para o pagamento de suas dívidas, poderá requerer ao juízo competenteque lhe declare a insolvência, com vistas à instauração do concurso de credores.

4.3 INSOLVÊNCIA REQUERIDA PELO ESPÓLIO DO DEVEDOR

Por fim, a última hipótese consagrada pela Lei de Ritos, quanto às pessoaslegitimadas a requerer a insolvência, vem insculpida no inciso III do art. 753 e dizrespeito ao inventariante do espólio do devedor.

No caso de falecimento do devedor, o inventariante, pessoa a quem competerepresentar o espólio em juízo (art. 12, V, do CPC), poderá solicitar a declaraçãojudicial de insolvência do falecido devedor, quando, naturalmente, estiveremconfiguradas as condições para tanto.

5 PROCEDIMENTO DA INSOLVÊNCIA

Com objetividade, Vicente Greco Filho enuncia que, no âmbito da insolvência,quatro fases podem ser identificadas: 1) fase postulatória e instrutória até adecretação; 2) fase de arrecadação e habilitação de créditos; 3) fase de verificaçãoe classificação dos créditos; 4) fase da liquidação da massa e pagamentos doscredores.25

Embora não se pretenda sistematizar o presente trabalho cumprindo, à risca,a subdivisão acima mencionada, é inegável que, a partir deste momento, estarãosendo objeto de análise todos os passos do procedimento da insolvência, a começarpelo seu requerimento (fase postulatória).

O requerimento da insolvência deve ser autuado em apartado, não seadmitindo que a execução por quantia certa seja transformada em pedido deinsolvência; nem que ocorram os dois procedimentos simultaneamente, isto é, aexecução e o requerimento de insolvência.

25 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 128.

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A pessoa legalmente legitimada para o requerimento da insolvência deveráendereçar uma petição ao juiz da comarca em que o devedor possui domicílio,contendo o seguinte (art. 760 do CPC):

– a relação nominal de todos os credores, com a indicação do domicílio decada um, bem como da importância e da natureza dos respectivos créditos (incisoI). A norma em questão é auto-explicativa, na medida em que, para que sejainstaurado um concurso de credores, revelam-se necessários a relação nominaldesses credores, bem como dados sobre a natureza de seus créditos, os quaisserão oportunamente classificados.

– a individuação de todos os bens, com a estimativa de valor de cada um(inciso II). A partir dessa medida, estar-se-ão não apenas especificando os bensintegrantes do patrimônio (massa) do devedor, mas, também, determinando omontante do patrimônio, a fim de proceder-se, em um outro momento, à alienaçãodesses bens e ao conseqüente rateio do produto entre os credores. A individuaçãode bens ora tratada dirá respeito apenas ao patrimônio disponível do devedor.

Outrossim, convém reafirmar, na esteira da orientação dominante, que, se ovalor dos bens do devedor representar uma soma ínfima, irrisória, de tal modo quecorresponda a um porcentual inexpressivo da dívida, tal situação equivalerá à inexistênciade bens, impeditiva, desse modo, da declaração judicial da insolvência civil.

– o relatório do estado patrimonial, com a exposição das causas quedeterminaram a insolvência (inciso III). Por meio desse relatório é que o juizpoderá verificar a situação patrimonial do devedor, vale dizer, se o valor das dívidasexcede à importância de seus bens. Segundo entende Ernane Fidélis, “este últimorequisito, contudo, é dispensável, já que serve apenas para o juiz aquilatar ascausas da insolvência, para arbitrar pensão para o devedor, quando for o caso.”26

Citado o devedor (art. 755 do CPC), terá este o prazo de 10 (dez) dias paraopor embargos. Não se apresentando embargos, estipula a norma em comentoque o juiz proferirá sentença no prazo de 10 (dez) dias.

Deve ser compreendido que a não-interposição de embargos não acarreta,irremediavelmente, a procedência do pedido. Levando-se em conta a natureza daexecução, que envolve o interesse de terceiros não participantes do processo,deverá o juiz pesquisar os fatos e determinar as provas, quando duvidosa for asituação de insolvência.

26 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Op. cit., p. 247.

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Tem-se, então, que a defesa da parte requerida, no pedido de insolvência,faz-se por meio de embargos, sendo certo que a lei fixa as matérias sobre as quaisos embargos poderão versar (art. 756 do CPC). Vejamos, pois, as duas hipótesesprevistas na lei:

Art. 756. Nos embargos pode o devedor alegar:

I – que não paga por ocorrer alguma das causas enumeradas nosarts. 741, 742 e 745, conforme o pedido de insolvência se funde emtítulo judicial ou extrajudicial.

Na verdade, o inciso sob enfoque limita-se a remeter o embargante àshipóteses dos artigos ali consignados. No caso do art. 741, têm-se como possíveisas seguintes argüições:

a) falta ou nulidade de citação no processo de conhecimento;

b) inexigibilidade do título;

c) ilegitimidade das partes;

d) cumulação indevida de execuções;

e) excesso de execução, ou nulidade desta até a penhora;

f) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, comopagamento, novação, compensação com execução aparelhada, transação ouprescrição, desde que superveniente à sentença;

g) incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimentodo juiz.

Por sua vez, determina o art. 742 do CPC que seja oferecida, juntamentecom os embargos, se for o caso, a exceção de incompetência do juízo, bem comoa de suspeição ou impedimento do juiz.

Por último, o art. 745 do CPC declara que, quando a execução fundar-seem título executivo extrajudicial, poderá o devedor alegar, em embargos, além dasmatérias previstas no art. 741, qualquer outra que lhe seria lícito deduzir comodefesa no processo de conhecimento.

Nos embargos, é lícito ao devedor também alegar:

“II – que o seu ativo é superior ao passivo.”

Nessa hipótese, a lei abre ao devedor a possibilidade de provar, por meiodos competentes embargos, que não se justifica o pedido de insolvência formulado

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pelo credor, eis que o seu ativo (patrimônio, créditos, etc.) é superior ao passivo(dívidas). Contudo, é importante entender que o valor dos bens disponíveis dodevedor deve superar o valor das dívidas, para fins de acolhimento da defesaformulada pelo embargante-devedor. Significa dizer que, se os valores dos ditosbens excederem ao da dívida, mas os bens não forem passíveis de penhora (livrese desembaraçados), restará caracterizada a insolvência civil do devedor.

Vistas essas questões, estabelece o art. 757 do CPC que o devedor poderáilidir o pedido de insolvência, se, no prazo para oferecer embargos (10 dias), depositara importância do crédito, para discutir sua legitimidade ou seu valor.

Merece destaque o “verbo” empregado pelo legislador no texto da normado art. 757 do CPC. “Ilidir” (do latim illidere) significa destruir, rebater, refutar,contestar. Já o verbo “elidir” (do latim elidere) significa eliminar, suprimir, expulsar.Logo, percebe-se que o intuito do emprego do verbo “ilidir” é o de que o devedor,ao depositar o valor do crédito, estará assim procedendo para discutir a legitimidadeou o valor da dívida, isto é, o que se pretende é a contestação do pedido deinsolvência, e não a sua imediata eliminação, porquanto, se este fosse o caso,empregar-se-ia o verbo “elidir”.

Pelo aqui exposto, é de se entender, com apoio na lição de José FredericoMarques, que os embargos em questão, oferecidos em resposta ao pedido deinsolvência, embora tenham o caráter de contestação, aproximam-severdadeiramente dos embargos do devedor (arts. 736 e seguintes do CPC), eisque também é exigida a garantia patrimonial do juízo, sem a qual nenhum embargoserá admitido (art. 737 do CPC). Tal posicionamento, entretanto, não é unânime,valendo como exemplo a posição do processualista Ernane Fidélis, para quem osembargos de devedor, na insolvência, são, na verdade, contestação, e como taldevem ser tratados.

Na seqüência do procedimento, caso exista a necessidade de produção deprovas (fase instrutória), o juiz designará audiência de instrução e julgamento. É oque prevê a parte final do art. 758 do CPC. Em não havendo necessidade deprovas, o juiz proferirá sentença em 10 (dez) dias.

Como visto, o art. 758 do CPC refere-se à sentença. A sentença que apreciao pedido de insolvência tem natureza declaratória, mas produz, secundariamente,efeitos constitutivos, conforme será visto em momento oportuno.

Em linha de princípio, a sentença aqui tratada poderá enfrentar três situaçõesdiferentes, a saber: poderá ocorrer a não-oposição de embargos por parte dodevedor. Nesse caso, admitindo-se que os embargos representam uma espécie de

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contestação, a ausências deles (embargos) acarretará a declaração de revelia doréu, e, se for o caso, a declaração de que o réu é confesso, ocasionando, por essarazão, a insolvência do devedor. Numa segunda situação, a sentença poderá terque enfrentar os embargos opostos pelo réu. Caso haja, nessa hipótese, a rejeiçãodos embargos, será declarada a insolvência do devedor; em caso inverso, seacolhidos os embargos, restará indeferido o pedido de insolvência. Por fim, asentença poderá ter que apreciar a impugnação do devedor quanto à legitimidadeou ao valor do crédito, decidindo pelo acolhimento ou pela rejeição da alegação.

O recurso contra a sentença que declara ou não a insolvência é a apelação,e, no caso de procedência, é recebido apenas no efeito devolutivo. Tal interpretaçãoencontra respaldo na norma do art. 520, V, do CPC, uma vez que, julgadosimprocedentes os embargos, impõe-se a declaração de insolvência.

6 EFEITOS DA DECLARAÇÃO JUDICIAL DE INSOLVÊNCIA

Os efeitos da declaração judicial de insolvência constituem um dos pontosmais importante da matéria ora estudada.

Segundo Humberto Theodoro Júnior,

nos processos de execução coletiva, como a falência e a insolvência,não há apenas uma relação processual, mas várias e sucessivas,enfeixadas numa relação maior, que é a iniciada com a decretação doestado de quebra ou insolvência e que só vai terminar com a sentençafinal de encerramento do processo.27

Nos termos do art. 751 do CPC, a declaração judicial de insolvência dodevedor produz os seguintes efeitos:

a) o vencimento antecipado das suas dívidas;

b) a arrecadação de todos os seus bens suscetíveis de penhora, quer osatuais, quer os adquiridos no curso do processo;

c) a execução por concurso universal de seus credores.

A primeira conseqüência de uma declaração judicial de insolvência(vencimento antecipado de todas as dívidas do devedor – inciso I) é assim explicadapor Moura Rocha:

Há neste caso uma decorrência da cessação dos pagamentos, e asua necessidade é constatada pelo caráter desta espécie de execução

27 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 307.

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quando a declaração dos bens (ativo e passivo) feita pelo devedorimplica declaração de verdade. Em frente dessa situação é quedecorrerá o ‘rateio’ que implica a suspensão dos pagamentos.28

O vencimento das dívidas aqui tratado engloba, também, aquelas que porventura estiverem garantidas por direito real, salvo no caso em que o bem forimpenhorável (ex.: garantias das cédulas rurais). A contrario sensu,

Mesmo os credores de cédulas rurais hipotecárias e pignoratícias,cujas garantias se revestem de impenhorabilidade perante os credoresquirografários do devedor comum (Decreto-Lei n. 167, de 14-2-67,art. 69), não se excluem do juízo universal da falência.29

Como segunda conseqüência da declaração judicial de insolvência, tem-se ahipótese de arrecadação (fase de arrecadação) de todos os bens do devedor (incisoII). Registre-se, desde já, que a arrecadação em comento dar-se-á apenas em relaçãoaos bens penhoráveis, ficando de fora todos os bens tidos como impenhoráveis pelalei (art. 649 do CPC). Em alguns casos, poderá ocorrer a arrecadação de bensrelativamente impenhoráveis, tais como os descritos no art. 650 do CPC.

Essa medida de arrecadação de bens justifica-se por dois motivos principais:em primeiro lugar, para que se evite o desvio ou a ocultação dos bens por parte dodevedor.

Se o devedor assim agir, isto é, vier a promover atos que visem aoachincalhamento do direito de seus credores, ter-se-ão por violados os deveresprocessuais de veracidade, lealdade e probidade, assim explicados pelo Prof.Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, firme nas lições de Alcides de Mendonça Lima:

Têm o objetivo de refrear os impulsos injustificáveis dos litigantes,impedindo a transformação do processo, em meio de entrechoque deinteresses escusos, sob o emprego de fraude, de alicantina, deembustes, de artifícios e malabarismos torpes. E, sobretudo, damentira, não pleiteando as partes, em última análise, o reconhecimentode um direito, mas sim, inusitadamente, de um falso direito,transmudado em injustiça e em ilegalidade, enganando o juiz, esteinvoluntariamente e inocentemente transformado em cúmplice danociva solução.30

28 ROCHA, José Moura da. Op. cit., p. 78.29 1º TACSP, AP 215.321, ac. de 17-12-75, in RT 487/104 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto.

Op. cit., p. 323.30 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fraude no processo civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo

Horizonte: Del Rey, 2001, pp. 85-86.

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Em segundo lugar, a arrecadação de bens servirá para coibir eventuaisdisputas entre os diversos credores acerca desses bens.

Por outro lado, é importante anotar que a arrecadação não se confundecom “expropriação” de bens. Naquela hipótese, inexiste a transferência dapropriedade dos bens arrecadados, ficando o devedor, apenas, afastado dos direitosde administração e de disposição de seus bens, permanecendo, entretanto, natitularidade dos créditos e de outros direitos que acaso possua.

Por derradeiro, preceitua a lei que, declarada a insolvência, haverá aexecução por concurso universal de todos os credores do devedor. De acordocom o magistério de José da Silva Pacheco, o concurso de credores (concursouniversal) traduz-se na:

afluência de credores do mesmo devedor, provocado pelo devedor,por qualquer credor ou por todos convencionada, com o fito deatender-se ao pagamento dos créditos, especificamente declaradosou de todos existentes contra o mesmo devedor, com todos os bensdeste ou com os especificamente declarados, inventariados oupenhorados, em espécie ou com o produto da venda.31

O concurso de credores, segundo a classificação de Silva Pacheco, podeser: quanto à sua forma: convencional; provocado (pelo devedor, pelo credor oupelos credores); e legal. Quanto ao objeto, poderá ser particular ou universal.

Tratando-se, pois, de um juízo universal (juízo da insolvência), não é difícilentender que as execuções movidas por credores terão que ser remetidas ao juízoda insolvência (art. 762, § 1º, do CPC). Na hipótese de, em alguma(s) dessa(s)execução(ões), se haver designado dia para praça ou leilão, far-se-á a arrematação,entrando para a massa o produto dos bens (art. 762, § 2º, do CPC).

Outrossim, cumpre destacar que a remessa das ações executivas ao juízoda insolvência não dispensa a habilitação. Assim, todos os créditos devem serhabilitados (fase de habilitação) por meio de petição autônoma, representandoexceção apenas os créditos da Fazenda Pública, que independem de habilitação.

Atente-se para o fato de que a declaração judicial de insolvência tambémacarreta a interrupção da prescrição, conforme a dicção do art. 777 do CPC.

Após a declaração judicial de insolvência, o devedor perde o direito deadministrar os seus bens e dispor deles até a liquidação total da massa (art. 752 doCPC). Tal medida revela-se necessária, conforme já se frisou, para que se evite a

31 PACHECO, José da Silva. Op. cit., p. 566.

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frustração dos direitos dos credores. Veja-se que, nos termos do art. 766, I, do CPC,cumpre ao administrador (a ser nomeado pelo juiz) arrecadar os bens do devedor,onde quer que eles estejam, sendo que o devedor somente volta a ficar habilitadopara a prática de todos os atos da vida civil com a publicação, por edital, da sentençaque declarar extintas as suas obrigações nos termos do art. 782 do CPC.

É de suma importância destacar que, com a declaração de insolvência,ocorre a perda de qualquer preferência que decorra da anterioridade da penhora(art. 612 do CPC). Isso se dá porque, no concurso universal de credores, apenasas preferências e os privilégios admitidos na forma do direito material sãoreconhecidos.

Ao proferir a sentença declaratória de insolvência do devedor, ou, comoquerem alguns, a sentença de falência do devedor não comerciante, cumprirá aojuiz, nos termos do art. 761 do CPC:

– nomear, dentre os maiores credores, um administrador da massa (incisoI). Em momento oportuno, abordaremos as atribuições desse administrador,previstas nos arts. 763 a 767 do CPC.

– mandará expedir edital, convocando os credores para que apresentem, noprazo de 20 (vinte) dias, a declaração do crédito, acompanhada do respectivo título(inciso II). A teor dos arts. 779 e 786-A do CPC, pode-se dizer que o edital de quetrata esse inciso deverá ser publicado, por uma vez, em órgão oficial, e outra, em jornalde circulação local. Quanto ao prazo fixado para a publicação do edital, trata-se deprazo peremptório, sendo contado da data da primeira publicação.

7 O ADMINISTRADOR DA MASSA E SUAS ATRIBUIÇÕES

Nos termos do art. 763 do CPC, “A massa dos bens do devedor insolventeficará sob a custódia e responsabilidade de um administrador, que exercerá assuas atribuições, sob a direção e a superintendência do juiz.”

O administrador atua, nesse mister, como auxiliar do juízo (art. 139 do CPC).

Malgrado estabeleça a lei dever a nomeação do administrador recair sobreum dos maiores credores, tratando-se de ato de administração,

o juiz, atendendo o critério de maior conveniência, poderá nomeardiferentemente, inclusive dando preferência aos credores do local e,às vezes, até designando administrador que não seja credor, a exemplodo que ocorre com a falência.32

32 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Op. cit., p. 249.

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Feita a nomeação do administrador, o escrivão o intimará a assinar, dentrode 24 (vinte e quatro) horas, termo de compromisso de desempenhar bem efielmente o cargo (art. 764 do CPC).

Ao assinar o termo, diz a regra do art. 765 do CPC que o administradorentregará a declaração de crédito, acompanhada do título executivo. Não estandoeste em seu poder, deverá juntá-lo no prazo fixado pelo art. 761, II, do CPC, ouseja, no prazo de 20 (vinte) dias.

Para entrar na custódia dos bens, ensina Ernane Fidélis dos Santos que oadministrador poderá requerer diretamente ao juiz a imissão de posse ou a buscae apreensão, quando estiverem em poder do devedor, sem necessidade de nenhumaação. Se, ao contrário, os bens estiverem com terceiros, faz-se necessário oajuizamento de ação própria.33

Mister ressaltar que são arrecadáveis todos os bens penhoráveis e queestejam sujeitos à execução, ainda que em poder de terceiros, como, por exemplo,os alienados em fraude à execução.

Em obra especializada, o eminente Prof. Ronaldo Brêtas de Carvalho Diasdefine o instituto da fraude de execução:

é instituto de direito processual, tendo como pressuposto o cursode processo de conhecimento condenatório ou de execução contrao devedor, no momento em que é feita a alienação. Em talcircunstância, a alienação, por acarretar manifesto prejuízo ao credor,independe da prova do consilium fraudis, nesse caso presumido,não havendo necessidade de qualquer ação para anular o ato dedisposição fraudulenta, tido simplesmente por ineficaz perante ocredor prejudicado. Sendo mais grave, o ato considerado em fraudede execução atrai enérgica repulsa do legislador, que incrimina ocomportamento do devedor na situação de que se trata (CódigoPenal, art. 179), cumprindo lembrar que a ação penal é privada, nessamodalidade delituosa.34

Assim, constatando-se que o devedor promoveu a alienação de bens emfraude de execução, competirá ao administrador, independentemente de qualqueração para anulação do ato fraudulento, arrecadar os bens respectivos, requerendoao juiz, como se viu, a imissão na posse deles ou a busca e apreensão, conformeo caso.

33 Idem, p. 251.34 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Op. cit., p. 98.

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O administrador, conforme já mencionado anteriormente, está sujeito a umasérie de deveres. Com efeito, preceitua a norma do art. 766 do CPC:

Art. 766. Cumpre ao administrador:I – arrecadar todos os bens do devedor, onde quer que estejam,requerendo para esse fim as medidas judiciais necessárias;II – representar a massa, ativa e passivamente, contratando advogado,cujos honorários serão previamente ajustados e submetidos àaprovação judicial;III – praticar todos os atos conservatórios de direitos e de ações,bem como promover a cobrança das dívidas ativas;IV – alienar em praça ou leilão, com autorização judicial, os bens damassa.

Importante aspecto atinente ao ofício do administrador diz respeito a suaação (por meio daquele que detenha a devida capacidade postulatória) contraatos praticados com a intenção de prejudicar os credores, o que já foi objeto derápida análise linhas atrás.

Acentuando as fraudes cada vez mais graves que acometem o nosso sistema,inclusive – e principalmente – no âmbito dos processos de execução, o Prof.Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias assevera que:

Por isso, o direito criou mecanismos de proteção ao credor, visandoa obstar os resultados das alienações fraudulentas realizadas pelodevedor, que provoquem ou agravam sua insolvência.Assim, duas são as figuras de alienação fraudulenta tipificadaspelo direito, por meio das quais referidos mecanismos atuam: afraude contra credores e a fraude de execução. A primeira édesenvolvida no âmbito do direito privado (CC, arts. 106-113, Leide Falências, art. 52), funda-se no duplo pressuposto do dano(eventus damni) e da fraude (consilim fraudis), permitindo aocredor lesado fazer voltar ao patrimônio do devedor os benstransferidos a terceiros, mediante anulação dos atos de disposição,obtida através do ajuizamento da chamada ação pauliana. Já asegunda figura, a fraude de execução (...) [instituto já definido linhasatrás].35

35 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fraude à execução pela insolvência do devedor: alienação doimóvel penhorado: ausência de registro. Revista de Processo. São Paulo, v. 94, pp. 67-68, abr./jun./1999.

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Outrossim, deve o administrador estar atento para o fato de que,

além da compra e venda, outros atos de disposição, como a doação,a dação em pagamento, e de oneração de bens, como a hipoteca, openhor, a promessa irretratável de compra e venda, a alienaçãofiduciária, e outros, desde que causem ou agravem a situação deinsolvência do devedor, serão considerados fraudulentos, lesivos àexecução e, conseqüentemente, ineficazes ante o Poder Judiciário eo credor.36

Com relação ainda ao trabalho desempenhado pelo administrador, entende-se aplicável à espécie a regra contida no art. 150 do CPC, segundo a qual oadministrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, acarretar à parte,perdendo a remuneração que lhe for arbitrada, embora tenha direito a haver o quelegitimamente despendeu no exercício do cargo.

Outra nuance que merece destaque em relação ao ofício do administradorrefere-se à proibição decorrente do exercício do seu cargo, como, por exemplo, ade não poder participar da arrematação dos bens arrecadados (art. 690, § 1º, I, doCPC).

Por último, estipula o art. 767 do CPC que o administrador fará jus a umaremuneração, que será arbitrada pelo juiz, atendendo à sua diligência, ao trabalho,à responsabilidade da função e à importância da massa. Nesse particular, lembraErnane Fidélis que a Lei de Falência oferece critério de remuneração do síndico(art. 67), o que poderá ser seguido ou não pelo juiz, que, no caso, orienta-se pelaeqüidade.

8 VERIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS

Findo o prazo a que se refere o art. 761, II, do CPC (prazo de vinte diaspara que os credores apresentem a declaração de crédito), o escrivão, dentro de5 (cinco) dias, ordenará todas as declarações, autuando cada uma com o seurespectivo título. Após isso, o escrivão providenciará a intimação, por edital, detodos os credores, para que, no prazo comum de 20 (vinte) dias, possam alegar assuas preferências, assim como a nulidade, a simulação, a fraude ou a falsidade dedívidas e contratos. Essas são as diretrizes do art. 768, caput, do CPC.

Todos os credores do devedor comum ficam sujeitos aos efeitos dadeclaração de insolvência. Se o credor não habilitar o crédito, qualquer que seja a

36 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fraude no processo civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. BeloHorizonte: Del Rey, 2001, pp. 85-86.

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sua natureza, não poderá promover nenhuma espécie de execução, a não ser apósa extinção do processo, conforme se verá em momento oportuno.

Releva notar que a Fazenda Pública não está sujeita à habilitação, consoanteos termos do art. 187 do CTN e art. 4º, § 4º, da LEF. Assim, a Fazenda Públicapoderá, a qualquer momento, promover execução contra a massa, penhorandotantos bens quantos bastem para a solução do débito ou, se assim preferir, habilitar-senos autos, com o direito de preferência que lhe é inerente.

No prazo a que se refere o art. 768 do CPC (prazo de vinte dias), o devedorpoderá impugnar quaisquer dos créditos apresentados, conforme autorização doparágrafo único do art. 768 do CPC.

Caso ocorra impugnação por parte do(s) credor(es) ou do devedor, o juizdeferirá, quando necessário, a produção de provas. A impugnação poderá ser amais ampla possível (art. 786 do CPC), podendo o impugnante alegar nulidade dadívida, do título ou da preferência. Poderá ser levantada, também, a ocorrência de“simulação, como seria a hipótese de dívida irreal, fraude, inclusive contra credores,como ocorre quando é constituído de ônus real, com o conhecimento preferencialdo estado de insolvência do devedor.”37

Portanto, se o crédito apresentado for proveniente de um meio antijurídico38

de que se tenha valido a parte habilitante, caberá ao impugnante alegá-lo em sedede impugnação, obtendo, ao final, o pronunciamento do Estado-Juiz, obedecido,naturalmente, o iter procedimental ora em análise.

Atente-se para o fato de que as impugnações são feitas, separadamente,em cada habilitação e decididas, também, por sentença individual.

Havendo necessidade de produção de prova oral, o juiz designará audiênciade instrução e julgamento, proferindo sentença, nos moldes já desenhados, aotérmino da instrução. Estas, em suma, as diretrizes do art. 772 do CPC.

Feitas essas abordagens sobre as possibilidades de impugnação dos créditos,impende observar que o caput do art. 768 do CPC prevê duas fases distintas apartir do momento em que forem apresentadas as declarações de crédito: umaprimeira, de verificação de créditos; e uma segunda, de classificação de créditos.

A propósito da fase de verificação de créditos, assevera Moura Rocha:

Os credores, com a verificação dos créditos, assumem posição deco-exeqüentes, pois vão se equiparar ao credor originário, ficando

37 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Op. cit., p. 251.38 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Op. cit., p. 29.

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com eles mesmos idênticos poderes processuais. Existe, dessa forma,a necessidade de cada credor apresentar declaração de créditoacompanhada do título executivo, devendo ser salientado, desdelogo, que não importa a natureza do título. Sendo assim, depois defindo o prazo determinado pelo inciso II do art. 761 –‘o escrivão,dentro de cinco (5) dias, ordenará todas as declarações’ –, todos oscredores, atendendo a convocação do art. 761, estão obrigados aentregar ao administrador as justificativas dos seus créditos, isto é,a declaração do crédito acompanhada do respectivo título.39

Com relação à fase de classificação dos créditos, assevera o mesmo autor:

Há, na verificação dos créditos, uma verdadeira inversão no sentidode haver originariamente uma indistinção do título executivo, e istodevido ao fato de ser ele posto em posição de coletividade (recorde-se o caráter do processo concursal) e destinado a servir,indistintamente, a alguém. Só depois, a posteriori, é que serálegitimado, e isto quando se torna indispensável declarar quais oscredores e quanto montam as suas respectivas razões.Se teoricamente o problema surge nesses termos, temos que na prática,sem a verificação, não seria possível a existência do processoexecutivo concursal, pois este não atingiria o seu fim caso nãoterminasse a liquidação do patrimônio do devedor, indispensávelante a necessidade de se determinarem os elementos subjetivamenteconsiderados e aos quais se destinarão, proporcionalmente, os frutosda liquidação.40

Dando seqüência ao iter de verificação e classificação dos créditos, dispõe oart. 769, caput, do CPC que, não havendo impugnações, o escrivão remeterá osautos ao contador, que organizará o quadro geral dos credores, observando, quantoà classificação de créditos e dos títulos legais de preferência, o que dispõe a lei civil.

Na hipótese de estarem concorrendo aos bens do devedor apenas credoresquirografários, o contador organizará o quadro geral, relacionando-os em ordemalfabética (art. 769, parágrafo único, do CPC).

Pode ocorrer, também, o fato de os bens da massa já terem sido alienadosno momento em que foi organizado o quadro de credores. Nesse caso, competeao contador indicar a porcentagem que caberá a cada credor no rateio, segundodisposição do art. 770 do CPC.

39 ROCHA, José da Moura. Op. cit., p. 202.40 ROCHA, José da Moura. Op. cit., p. 202.

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Em princípio, a alienação dos bens arrecadados aos devedores ocorre apósa elaboração do quadro geral de credores. Todavia, entende-se que, se os bensforem suscetíveis de deterioração, depreciação ou ficar configurada manifestavantagem para que a venda ocorra de pronto, o juiz poderá autorizar que a alienaçãose dê antes da organização do referido quadro. Tal medida é autorizada pelo art.670 do CPC.

Se, por outro lado, os bens não foram alienados antes da organização doquadro geral, o juiz determinará a alienação em praça ou em leilão, destinando-seo produto, naturalmente, ao pagamento dos credores (art. 773 do CPC).

Depois de ouvidos todos os interessados, no prazo de 10 (dez) dias, sobre oquadro geral dos credores, o juiz proferirá sentença (art. 771 do CPC).

Lembre-se de que a lei permite ao devedor, após a fase da aprovação doquadro geral, propor aos credores a forma de pagamento. Ouvidos estes (credores),e não havendo oposição por parte deles, o juiz aprovará a proposta por meio desentença (art. 783 do CPC). Essa situação configura o que os doutrinadoreschamam de “concordata civil”, figura que será objeto de estudo individualizado aofinal do presente trabalho.

9 A SITUAÇÃO DOS CREDORES RETARDATÁRIOS

Aos credores retardatários, fica assegurado o direito de disputar, medianteação direta, antes do rateio final, a prelação ou a cota proporcional (art. 784 doCPC). A ação é proposta contra a massa, que será citada na pessoa doadministrador, e contra todos os credores habilitados. O devedor, querendo, poderáatuar como assistente litisconsorcial.

Por credores retardatários, devem-se entender aqueles que, até o términodo prazo estabelecido pelo art. 761, II, do CPC, não tenham apresentado asalegações pertinentes aos seus créditos. Decorrido esse prazo, não poderá ocredor retardatário integrar o concurso, motivo pelo qual deverá disputar, pormeio de ação direta, antes do rateio final, a prelação ou a cota proporcional aoseu crédito.

Quanto ao momento para propositura da ação direta, entende-se que elapoderá ocorrer até que se efetive a distribuição, segundo o quadro de credoreshomologado por sentença (arts. 771 e 783 do CPC). Assim, enquanto não houversido realizada a distribuição ou feito o rateio final, será lícito a qualquer credorpleitear a sua preferência ou cota.

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A questão da “negativa de qualquer direito” ao credor retardatário que seapresenta somente após a realização do rateio final não é pacífica entre osdoutrinadores. Humberto Theodoro Júnior e Celso Neves filiam-se à corrente quedefende esta posição, isto é, não caberia qualquer direito àquele credor que seapresentasse após a concretização do rateio final. Para outros, como Ernane Fidélis,seria bem mais lógico entender que os efeitos da sentença, nessa hipótese,retroagiriam à data da propositura da ação, ou seja, mesmo com o rateio, haveriaretorno ao estado anterior, podendo o retardatário reclamar, inclusive, daquelesque já foram aquinhoados. Haveria, assim, a organização de um novo quadro.

É importante assinalar que a figura do “credor retardatário” não se confundecom a figura do “credor excluído”. Enquanto aquele se define pela sua apresentaçãoem momento posterior ao prazo de que trata o art. 761, II do CPC, este pode serentendido como aquele que, malgrado ter se apresentado no prazo legal, foieliminado do concurso.

10 ORGANIZAÇÃO DO QUADRO GERAL DE CREDORES

O quadro geral de credores é organizado após o julgamento definitivo detodas as impugnações. Na hipótese de não haver impugnação a dívida é consideradahabilitada, independentemente de sentença.

Verificada uma ou outra situação, isto é, julgadas as impugnações ou naausência destas, o escrivão deve remeter os autos de habilitação ao contador dojuízo, para a organização do quadro geral de credores.

Conforme já se disse, se, no feito, estiverem concorrendo apenas credoresquirografários, o quadro é organizado pelo contador, que os relacionará em ordemalfabética. Ainda que não se obedeça à ordem alfabética, o pagamento será sempreefetuado na proporção do crédito de cada um, em igualdade de condições.

Havendo, entretanto, concorrência de créditos preferenciais e privilegiados,o quadro de credores observará a seguinte ordem, conforme nos ensina ErnaneFidélis dos Santos:

a) créditos trabalhistas, referentes a salários e quaisquer indenizaçõesa que tem direito o empregado do devedor (inclusive acidente dotrabalho – Lei n. 6.449/77, art. 449, § 1º; Lei de Falências, art. 102,caput) [como exemplo dessas verbas, citam-se: o salário propriamentedito, 13º salário, férias, horas-extras, salário-família, aviso prévio, umterço das indenizações, verbas decorrentes de acidente de trabalho,entre outros];

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b) créditos relativos à massa, o que é previsto na Lei de Falências(art. 124). São encargos e dívidas decorrentes da própria administraçãoda massa, contraídas em razão da continuação dos negócios;c) créditos com garantia real (CC, art. 1.560). Os créditos podem tergarantia especial, em forma de hipoteca, penhor e anticrese. Naorganização do quadro, o crédito é destacado com a respectivagarantia. Depois de expropriado o bem, o produto da alienação,excluídas as despesas referentes ao processo e à administração, enão havendo crédito trabalhista, responde integralmente pelopagamento. O sobejo passa para rateio entre quirografários;d) créditos com privilégio especial. Os créditos com privilégio especialsão definidos nos arts. 1.566, I a VIII, do Código Civil; e 102, § 2º, daLei de Falências, e também em leis esparsas, como ocorre no Estatutoda OAB, que privilegia o crédito na falência, concordata, concursode credores, insolvência e liquidação extrajudicial (art. 24 do novoEstatuto – Lei n. 8.906, de 4-7-1994);e) antes do pagamento dos credores quirografários, pagam-se oscréditos que gozam de privilégio geral (art. 1.569, I, III a V e VII, e Lei deFalências, art. 102, § 4º), espécie de privilégio que só existe com relaçãoaos créditos quirografários e não se limita a bens determinados;f) todos os créditos que não gozam de garantia real nem de privilégio.São os chamados ‘quirografários’, e são liquidáveis por rateio, emigualdade de condições, na proporção de cada um.41

Adverte, ainda, o citado autor, que os créditos tributários (impostos, taxas,contribuições de melhoria, contribuições sindicais e previdenciárias) e os não-tributários da Fazenda Pública, como seria a hipótese de dívidas representadaspor títulos de crédito (LEF, art. 4º, § 4º), não estão sujeitos à habilitação e, excluídoo crédito trabalhista, gozam de preferência sobre os demais.

Assinale-se, ainda, que, embora a Fazenda Pública não esteja sujeita àhabilitação no concurso,

pode haver, se ela ingressar no processo de insolvência, concorrênciaentre diferentes créditos fiscais, caso em que o crédito originário detributos federais prefere o crédito estadual de igual natureza e esteprefere os créditos da Fazenda Municipal.42

Conforme já se disse, o quadro geral de credores poderá ser feito antes oudepois das alienações dos bens do devedor (fase de liquidação da massa). Seelaborado antes, trata-se de relacionar apenas as preferências e os privilégios,

41 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Ob. cit., p. 252.42 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Ob. cit., p. 178.

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assim como a importância de cada crédito. Se, ao contrário, o quadro é feito apósa venda dos bens, o contador irá indicar a porcentagem que caberá a cada credorno rateio (fase de pagamento dos credores), estabelecendo as preferências e osprivilégios de cada um, se houver.

Pertinente, no âmbito da fase de pagamento dos credores, a advertência deGreco Filho: “É possível que não se alcance, sequer, os credores quirografários,se, pagando os créditos privilegiados, o dinheiro se esgotar. Nesse caso o rateio sefaz na última categoria que pôde ser parcialmente paga.”43

Apresentado o quadro, todos os interessados são ouvidos, inclusive o devedor,após o que o juiz proferirá sentença, aprovando-o como se encontra ou, senecessário for, retificando eventuais erros (art. 771 do CPC).

11 SALDO DEVEDOR

Preceitua a norma do art. 774 do CPC que, no caso de encerramento daliquidação da massa, sem que tenha sido possível o pagamento integral de todosos credores, o devedor insolvente continuará obrigado pelo saldo.

Dessa forma, se o devedor vier a adquirir bens penhoráveis, antes de haversido declarada extinta a obrigação (situação que será tratada oportunamente), essesbens responderão pelo mencionado saldo devedor (art. 775 do CPC). Significadizer: enquanto as dívidas não forem integralmente pagas, subsistirá a insolvênciado devedor, razão pela qual os seus bens disponíveis responderão por ela.

Nesse diapasão, é importante que os credores fiquem atentos para eventuaismanobras fraudulentas do devedor, como, por exemplo, a aquisição de bens emnome de terceiros ou outros comportamentos utilizados pelo devedor para causarum prejuízo alheio44 , e tomem, imediatamente, as medidas judiciais cabíveis, asquais já foram objeto de estudo em tópico anterior.

No que tange à arrecadação de bens propriamente dita, ou seja, aqueles bensque vierem a incorporar o patrimônio do devedor, antes que tenha sido declaradaextinta a obrigação, poderá ela ocorrer nos próprios autos do processo em que sedeclarou a insolvência, a requerimento de qualquer credor incluído no quadro geral.

Feito isso, proceder-se-á à alienação dos bens arrecadados, com aconseqüente distribuição do produto aos credores, na proporção dos seus saldos.Assim dita a regra do art. 776 do CPC.

43 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 136.44 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Op. cit., p. 29.

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Ainda sobre o assunto, pertinentes as palavras de Moura Rocha:

Deve-se, também, salientar que a arrecadação dos bens do devedorsupervenientes ao referido saldo encontrará em qualquer credor,desde que incluído no quadro geral, sujeito legitimado a requerê-la.Tal é devido à unidade do processo de execução, sabido que estaarrecadação posterior é, realmente, uma complementação ao processooriginário. Partindo desses elementos, temos que, ao se referir oartigo presente (art. 776) ao processamento de sua alienação e àdistribuição do respectivo produto aos credores, na proporção deseus saldos, evidencia-se a utilização das maneiras comuns, tantoda alienação quanto da distribuição, ao processo de execução contradevedor insolvente que se desenvolva em seus termos normais.45

12 EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DO DEVEDOR

Regra que merece a maior atenção no âmbito do estudo da insolvência civilé a prevista no art. 778 do CPC, in verbis:

Art. 778. Consideram-se extintas todas as obrigações do devedor,decorrido o prazo de 5 (cinco) anos, contados da data doencerramento do processo de insolvência.

Percebe-se, então, que, passados cinco anos, desde o encerramento doprocesso de insolvência (sentença que julgou liquidada a massa, transitada emjulgado), é lícito ao devedor requerer a extinção de todas as suas obrigações.Quando esse requerimento é formulado, compete ao juiz mandar publicar edital,com o prazo de 30 (trinta) dias, no órgão oficial ou em outro jornal de grandecirculação, para conhecimento dos interessados (art. 779 do CPC).

A esse respeito, confiram-se as palavras do Prof. Alfredo Buzaid, naexposição que fez à Comissão Especial para o Código de Processo Civil, na Câmarados Deputados:

Encerrado o processo de insolvência e após o decurso de cincoanos, o devedor civil poderá pedir a extinção de todas as suasobrigações e, com isso, readquirir a plenitude da sua capacidadecivil. Com isso, estamos a evitar uma burla, que é freqüente no nossosistema. O devedor civil, cujos bens foram exauridos pelas execuções,se voltar a trabalhar e ainda tiver coragem, não poderá ter bens emseu próprio nome, porque esses ficariam sujeitos à execução. Então,

45 ROCHA, José da Moura. Op. cit., p. 246.

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encurta-se o prazo prescricional, para dar uma solução que não só éeqüânime, mas altamente judiciosa, porque equipara o devedor civilao devedor comerciante.

Se aceito o pedido de extinção das obrigações, consideram-se extintas todasas obrigações anteriores do devedor, inclusive aquelas que por ventura não foramhabilitadas no processo.

Em obra especializada, o eminente Humberto Theodoro Júnior, comentandoa possibilidade de extinção das obrigações do devedor no âmbito da insolvênciacivil, admite o seguinte:

A solução [da extinção das obrigações], no entanto, foi bastantetímida e deixou em nível profundamente desigual o devedor civilperante o comerciante. Basta dizer que na falência o rateio superior aquarenta por cento, depois de realizado todo o ativo, por si só extingueas obrigações do falido, enquanto o devedor civil só obterá tal efeitocom o pagamento integral ou com o transcurso de cinco anos depoisde encerrada a liquidação da massa.46

Nos termos do art. 780 do CPC, bem como de seus incisos I e II, dentro doprazo fixado pelo art. 779, qualquer credor poderá contestar o pedido de extinçãodas obrigações do devedor, sendo possíveis as seguintes alegações:

a) não decorreram cinco anos da data do encerramento da insolvência;

b) o devedor adquiriu bens sujeitos à arrecadação.

Quanto ao não-término do prazo de cinco anos, trata-se de fato de fácilconstatação, e, se acolhida essa alegação, cumprirá ao devedor aguardar o decursodo qüinqüídio legal para que a sua obrigação seja extinta. Se, entretanto, o devedor,no curso do prazo de cinco anos, adquire bens suscetíveis de arrecadação, o credorrequererá o prosseguimento do processo de insolvência, a fim de buscar a satisfaçãodo seu crédito.

Se, na hipótese, for apresentada contestação pelo credor, isto é, a suaoposição quanto ao pedido de extinção das obrigações, o devedor será ouvido noprazo de 10 (dez) dias.

Havendo necessidade de produção de provas, o juiz designará audiência deinstrução e julgamento, proferindo, quando encerrada a instrução, a competentesentença.

46 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A insolvência civil. 4. ed. Rio de Janeiro, 1997. p. 373.

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Em a sentença acolhendo o pedido de extinção das obrigações, deverá elaser publicada por edital, ficando o devedor, a partir daí (da publicação do edital),habilitado “a praticar todos os atos da vida civil” (art. 782 do CPC).

Na verdade, o que a norma do art. 782 objetiva dizer é que, declarada aextinção das obrigações, o devedor poderá voltar a administrar e dispor de seusbens, porquanto seria impensável querer que o devedor, durante o processo deinsolvência, tivesse todos os seus atos da vida civil limitados, não podendo, porexemplo, contrair núpcias, entre outros vários exemplos possíveis.

A propósito, bem enuncia Humberto Theodoro Júnior:

A perda da administração, no entanto, não pode ser equiparada àperda da capacidade ou da personalidade do insolvente, posto queconserva ele a plenitude da aptidão para exercer todos os direitospatrimoniais e mesmo os de natureza patrimonial que se refiram abens não penhoráveis. Nem sequer a arrecadação importa em perdada propriedade do devedor sobre os bens confiados à gestão doadministrador. A perda, enquanto não ocorre a expropriaçãoexecutiva final, refere-se apenas e tão-somente à disponibilidade e àadministração dos mesmos bens.47

Deve ser levado em conta, ainda, que a declaração judicial de insolvênciado devedor produz o efeito de interromper a prescrição. A prescrição, nesse caso,recomeça a correr a partir do dia em que transitar em julgado a sentença queencerrar o processo de insolvência (art. 777 do CPC).

Acerca da prescrição, Ernane Fidélis dos Santos chama a atenção para oseguinte:

A interrupção da prescrição abrange os créditos habilitados e osnão habilitados, mas, qualquer que seja o prazo prescricional, osprimeiros ficam sujeitos apenas ao de extinção de cinco anos,contados da data do encerramento, não do processo de insolvência,como diz a lei, mas da fase liquidatória (art. 774).

E prossegue o renomado autor, citando exemplos:

Prescreve, por exemplo, em seis meses a pretensão de cobrança decheque. Habilitado o crédito, irrelevante é o prazo. A obrigação nãofica sujeita à prescrição de seis meses e só se extinguirá com o decursode prazo de cinco anos. O mesmo se dá com a dívida representada

47 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 21. ed. rev. e atual. Rio deJaneiro: Forense, 1998. v. II, p. 303.

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por sentença que condenou o devedor em perdas e danos. O prazoprescricional é de vinte anos, mas a extinção poderá ocorrer emcinco.48

13 PENSÃO AO DEVEDOR INSOLVENTE

A lei processual prevê que, caindo o devedor em estado de insolvência, semculpa sua, poderá ele requerer ao juiz – se a massa comportar – que lhe arbitre umapensão, até que ocorra a alienação dos bens. É o que dispõe o art. 785 do CPC.

Humberto Theodoro Júnior refere-se à pensão do devedor como sendo “aregalia pietatis causa” semelhante à do caput do art. 38 da Lei Falimentar49 ,enunciando, ainda, que o pedido tem como pressupostos a ausência de culpa dodevedor pela insolvência e a capacidade da massa para comportar o pensionamento.

Havendo o pedido de pensão, após a oitiva dos credores, o juiz decidirá (art.785 do CPC).

Importante aspecto, portanto, a questão da “não-culpa” do devedor, a ensejaro seu pedido de pensionamento durante o trâmite do processo de insolvência.Ficando evidente que a insolvência derivou da sua culpa (o que pode ser apuradopelo relato dos elementos constantes do processo), não fará jus ao benefício, nãosendo demais lembrar que o ônus da inexistência de culpa incumbe ao devedor, ateor do disposto no art. 333, I, do CPC.

Por outro lado, a doutrina é firme em apontar a dificuldade de apuração dacapacidade de a massa suportar o encargo. É que, na maioria das vezes, os bensarrecadados não são suficientes sequer para o pagamento integral das dívidasexistentes.

Na opinião de Humberto Theodoro Júnior,

a pensão será cabível apenas quando a massa possuir capacidadede produzir frutos ou rendimentos, dos quais se possa destacar aajuda para o devedor, sem diminuição efetiva dos bens arrecadados.”E mais: “Não será deferida, a contrario sensu, quando importarnecessidade de dispor de bens arrecadados, em prejuízo imediato damassa.50

48 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Op. cit., p. 255.49 “Art. 38. O falido que for diligente no cumprimento dos seus deveres pode requerer ao juiz, se a

massa comportar, que lhe arbitre módica remuneração, ouvidos o síndico e o representante doMinistério Público (I, II, III).”

50 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 338.

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No mesmo sentido, a opinião de Celso Neves: “tal fixação terá em conta,precipuamente, a massa ativa patrimonial arrecadada e os eventuais rendimentosque possa produzir.”51

A pensão aqui tratada, segundo ensina Miranda Valverde, há de ser módica,devendo o juiz levar em conta, quando da sua fixação, as forças da massa, anecessidade do insolvente, os recursos de que este dispõe e que não foram atingidospela insolvência, bem como os encargos da família do insolvente.52

O período de duração do pensionamento vai até a liquidação do ativo, isto é,até a alienação forçada dos bens. Nada impede, entretanto, que a pensão oratratada seja suspensa pelo juiz, como, por exemplo, no caso de enriquecimentosuperveniente do devedor, proveniente de heranças, doações, entre outros.

Por último, acentue-se que, no caso de insolvência do espólio ou de mortedo insolvente no curso do processo, o representante legal do espólio (inventariante)está autorizado a formular o requerimento de pensão, revertendo esta, in casu,para a família do morto.

14 CONCORDATA CIVIL

Conforme já visto, é facultado ao devedor, após a aprovação do quadrogeral de credores, requerer forma diversa de pagamento. Lembre-se de que“Ouvidos os credores, se não houver oposição, o juiz aprovará a proposta porsentença” (art. 783 do CPC).

É a partir do dispositivo supra que se defende a possibilidade de ocorrênciada concordata civil, que serviria, como de resto ocorre na concordata comercial,para atender melhor a conveniência dos credores, sem que isso venha a implicar,é verdade, maiores prejuízos para o devedor.

Com tal entendimento, entretanto, não compactua Greco Filho, para quem:

o acordo, que é sempre, aliás, possível, em qualquer execução, não éa concordata, seja ela preventiva ou suspensiva, é a sua coatividadeem face dos credores, em favor do devedor que preenche certosrequisitos legais. Na insolvência, não há concordata, mas sim acordo,porque a sua efetivação depende da aceitação, sem impugnação,dos credores.53

51 NEVES, Celso. Comentário ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1975. v. VII, pp.314-315.

52 VALVERDE, Trajano Miranda. Comentários à Lei de Falências. 2. ed. [s.e.]. 1955, v. I, n. 243, p.266. Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. A insolvência civil. Op. cit., p. 208.

53 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 138.

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Conforme acentua Ovídio A. Baptista da Silva, “o momento propício paratal transação será a partir da aprovação do quadro geral de credores, a que serefere o art. 769.”54

No entendimento da maioria dos doutrinadores, a “concordata civil” só épossível com o assentimento de todos os credores.

Há, entretanto, posições divergentes, como é o caso do festejado ErnaneFidélis dos Santos. Para esse autor, a concordata civil é possível, ainda que nãohaja o consentimento unânime de todos os credores. Tal possibilidade é alcançada,segundo o processualista, por meio de uma interpretação analógica da Lei deFalências.

Com efeito, o art. 143 da Lei de Falências dispõe que, além de terem comoelementos impeditivos ato de fraude ou de má-fé do devedor, inexatidão no relatório,laudo e informação do síndico ou do comissário, permite-se que os embargos àconcordata se fundamentem também em

sacrifício dos devedores maior do que a liquidação na falência ouimpossibilidade evidente de ser cumprida a concordata, atendendo-se,em qualquer dos casos, entre outros elementos, à proporção entre ovalor do ativo e a percentagem oferecida.55

Nesse diapasão, sustenta Ernane Fidélis que,

ao ser proposta a concordata, com suspensão da falência, analisandoa oposição, o juiz, evidentemente, deverá, em face dos dadosconcretos do processo e da proposta, verificar se há conveniênciapara os credores da concessão da concordata. Não havendo ainconveniência, isto é, decidindo o julgador que o pagamento emconcordata não trará maiores sacrifícios ao devedor, deferi-la-á.56

Vê-se, então, que o autor referido defende a concessão da concordata civil,ainda que haja a oposição de algum ou alguns dos credores, atendendo-se, no quecouber, aos princípios orientadores da concordata comercial.

Perfilhamos o entendimento de ser possível a “concordata civil”, ainda que coma oposição de credores, desde que mensurados e expostos pelo juiz, a bom termo, osreais proveitos da oferta do devedor para com os interesses dos credores que, emúltima análise, estão interessados na melhor forma de solução de seus créditos.

54 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Op. cit., p. 180.55 SANTOS, Ernane Fidélis. Op. cit., p. 257.56 Idem, p. 257.

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15 CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, consideramos pertinentes algumas observações.

Apesar de constituir espécie rara perante os foros da Justiça, o processo de“insolvência civil”, dependendo do caso, pode representar uma ferramenta útilpara a satisfação (ainda que parcial) do crédito que se persegue, não se podendoolvidar que, por um ângulo totalmente inverso, o procedimento em questão pode,também, trazer benefícios para o próprio devedor.

No caso dos credores, o sistema processual vigente abre a estes aoportunidade de, em se verificando a ocorrência de fatos que denunciam odesequilíbrio patrimonial do devedor, requerer, em situações de emergência, oarresto dos bens e, posteriormente, a decretação da insolvência do devedor.Conforme visto, uma vez caracterizada e decretada a insolvência, as dívidas doinsolvente têm o seu vencimento antecipado, de modo que todos os credores passama concorrer em igualdade na liquidação dos bens do devedor comum. Talcircunstância, por si só, além de provocar o vencimento de dívidas ainda nãovencidas, pode implicar importante vantagem para aqueles credores que, porexemplo, não lograram êxito em efetivar penhora sobre bens do devedor, uma vezque, decretada a insolvência, as penhoras anteriormente realizadas perdem a suapreferência.

Por outro lado, o devedor que se sente em situação de insolvabilidade nãodeve descartar a possibilidade do requerimento de auto-insolvência. Em certoscasos, a situação do devedor pode ser tal que, ainda que consiga postergar opagamento de suas dívidas, num certo momento, isso terá que ocorrer, às vezescom pesadas e indesejáveis incidências de acréscimos legais sobre o principal.Assim sendo, o procedimento da execução por quantia certa contra devedorinsolvente abre ao devedor, na modalidade aqui tratada, a possibilidade para aconvocação de todos os seus devedores comuns.

Optando pelo pedido de “autofalência”, o devedor pode obter algunsbenefícios de ordem prática, como, por exemplo: a) cria-se um óbice para que asexecuções individuais protelem a liquidação geral do patrimônio; b) com a reuniãode todas as execuções em um processo único, facilitam-se as providênciasprocessuais e os respectivos encargos; c) o devedor pode receber uma pensãodurante o trâmite do feito, desde que preenchidos os requisitos legais; d) ao finalde 5 (cinco) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de liquidação damassa, o devedor pode – e deve – requerer um provimento judicial declaratório daextinção de todas as suas obrigações, não se podendo olvidar que, em esse pedido

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sendo aceito, consideram-se extintas todas as obrigações anteriores do devedor,inclusive aquelas que por ventura não foram habilitadas no processo.

Nessa ordem de idéias, ainda que se tenha conhecimento de que, na maioriados casos, a figura do devedor não vai se encaixar na qualidade de “devedorcivil”57 , sugere-se que os operadores do Direito dêem mais atenção ao procedimentoda execução por quantia certa contra devedor insolvente, eis que, após o estudocauteloso dos interesses envolvidos, o dito procedimento poderá surgir como amelhor alternativa para a situação concreta que se apresenta.

16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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57 Vale a ressalva de que, com o advento do novo Código Civil, foi ampliada a noção de “empresário”,que passa a ser entendido como todo aquele que exerce atividade econômica, isto é, aquele queexerce, profissionalmente e de forma organizada, atividade de produção ou circulação de bens, bemcomo de prestação de serviços (art. 966, caput, do Código Civil). Assim, a caracterização daqualidade de “devedor civil” ficou ainda mais difícil, tendo em vista o sem número de atividadeseconômicas hoje operantes no sistema. Conforme já se assinalou, se o devedor se encaixar nadefinição de comerciante, ou, na visão mais ampla do Código Civil de 2002, na definição de“empresário”, ser-lhe-á inaplicável o instituto da insolvência civil, tendo em vista a existência deprocedimento próprio para tais casos: a falência comercial.

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