ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães...

187
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários na Praça Sete de Belo Horizonte. F ABIANO ROSA DE MAGALHÃES Belo Horizonte 2008

Transcript of ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães...

Page 1: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do

Sindicato dos Bancários na Praça Sete de Belo Horizonte.

FABIANO ROSA DE MAGALHÃES

Belo Horizonte 2008

Page 2: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

ii

FABIANO ROSA DE MAGALHÃES

ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do

Sindicato dos Bancários na Praça Sete de Belo Horizonte.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Ciências Sociais – da da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Orientadora: Cristina Almeida Cunha Filgueiras

Belo Horizonte 2008

Page 3: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

iii

Fabiano Rosa de Magalhães

Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários na Praça Sete de Belo Horizonte.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Ciências Sociais – da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Belo Horizonte, 10 de março de 2008.

Profa. Doutora Cristina Almeida Cunha FilgueirasProfa. Doutora Cristina Almeida Cunha FilgueirasProfa. Doutora Cristina Almeida Cunha FilgueirasProfa. Doutora Cristina Almeida Cunha Filgueiras

_________________________________________________________

Cristina Almeida Cunha Filgueiras (Orientadora) – PUC Minas

Profa. Doutora Magda de Almeida NevProfa. Doutora Magda de Almeida NevProfa. Doutora Magda de Almeida NevProfa. Doutora Magda de Almeida Neveseseses

____________________________________________________________

Profa. Doutora Magda de Almeida Neves – PUC Minas

Profa. Doutora Celina Borges Lemos Profa. Doutora Celina Borges Lemos Profa. Doutora Celina Borges Lemos Profa. Doutora Celina Borges Lemos

____________________________________________________________

Profa. Doutora Celina Borges Lemos – UFMG

Page 4: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

iv

O trabalho intelectual, preocupado com a interpretação do mundo não produz sua transformação, mas é um passo importante na desmistificação ou na descoberta do sentido das representações que permeiam a vida cotidiana no mundo moderno com seus modelos de felicidade e bem-estar. (CARLOS; DAMIANI; SEABRA, 1999, p.62)

Onde Estão? Vejo as ruas vazias de protestos e “bastas” em multidão. Foi-se o tempo das palavras de ordem vestidas de vermelho, das bandeiras e jornadas salpicadas do sangue das lutas, rasgando solenes – braços em punho – o coração da cidade. Abnegada, a militância fervia utopias ungidas de justiça, Sem vendas nos olhos e servida a todos no banquete da vida Vejo as ruas vazias de protestos e “bastas” em profusão. Procuro em vão na passeata das cinco, os operários do futuro. Onde estão? Quem os devorou? O canto da sereia ou a mosca azul? O canto livre sucumbiu ao vil poder? Vejo palácios repletos das gentes que outrora brandiam recusas, que ocupavam as ruas e as enchiam de gritos arrancados das entranhas do salário-de-fome, da panela vazia, da dignidade roubada e do verde-esperança. Seus delírios de poder, agora, gerenciam interesses alheios. Alhures. Plantam silêncios perplexos, semeiam a descrença sem incinerar sonhos; a tempestade que se anuncia promete devassas, mas não aborta esperanças, pois esconde o arco-íris. Desfraldo as bandeiras que me restam e sei que ainda existem companheiros. Eu os procuro no burburinho das avenidas e nos formigueiros das gentes. Conto-os nos dedos, sobreviventes dos tsunamis do poder. Descubro-os outros, forjados nas têmporas sem peias das labutas da vida, moldando com as próprias mãos a dignidade roubada. E eu os quero multidão.... (GONÇALVES, 2006, p. 119)

Page 5: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

v

Aos meus irmãos de sangue e de caminhada, à Cris

à Mariana aos meus pais

aprendi com vocês.

Page 6: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

vi

AGRADECIMENTOS

Esse trabalho foi feito a muitas mãos. Muitas pessoas fizeram parte diretamente ou

indiretamente da sua realização. Tenho dificuldades de saber por onde começar os

agradecimentos.

Primeiramente, agradeço ao valoroso incentivo da Cris, em todos os momentos. Grato

pela paciência, pela compreensão, pela valiosa contribuição intelectual, pela leitura e

discussão do material (ela foi a minha “cobaia”), pelo afeto necessário e que cai bem, pelo

apoio, por tanta coisa que eu não conseguiria dizer e que poderia ser arranjado num feio,

porém significativo, et cetera.

À Mariana pela motivação, quando estamos juntos minhas horas são doces.

A meus pais e amigos pelo incentivo.

À CAPES pela concessão da bolsa.

Ao Centro de Pesquisas Históricas da PUC-MG, pela disponibilização dos arquivos,

importantíssimos para a concretização desta dissertação.

Ao Sindicato dos Bancários pela disponibilização de documentos valiosos. Ao CRMS,

na pessoa de Marco Aurélio, quem disponibilizou o acesso aos documentos históricos dos

bancários. Também meu agradecimento a Tatiane Norberto, bibliotecária do CRMS, que

acompanhou e sempre solícita, fornecia informações muito relevantes. À Claudete, também

pelas informações valiosas para a pesquisa.

Ao Maurício Fonseca pelas informações sobre pessoas que deveriam ser entrevistadas.

Também devo dizer que muitas das suas sugestões estão incorporadas a este trabalho, ele que

também poderia ter sido entrevistado, mas que, por força de nossa amizade, não foi escolhido;

resolvi escolher pessoas com as quais tive pouco contato, ou que eu não conhecia.

Ao Museu Histórico Abílio Barreto pela disponibilização de material histórico

incorporado na dissertação.

Aos entrevistados: Fernando Neiva, Gilson Mello, Jacó, e Moisés Augusto, Prata,

Solange Ayres e Tiãozinho pela disponibilidade e pela simpatia. Devo dizer que aprendi

muito com essas entrevistas. Primeiramente, porque passei a dominar melhor os recursos do

gravador e perceber as importantes questões que fogem ao roteiro. Em segundo lugar, devido

ao próprio material em si. Confesso mesmo a minha emoção diante de tanta história reunida e

chego a ter inveja dos historiadores. Ainda a Gilson e Moisés, pela disponibilização dos

vídeos e livros e sugestão de materiais importantíssimos para a condução do nosso trabalho.

Page 7: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

vii

A Profa. Leila Blass. Tive oportunidade de contatá-la, embora sem conhecê-la

pessoalmente. Suas sugestões muito valiosas também foram incorporadas nesse trabalho.

À Cristina Filgueiras, primeiramente pelo interesse relacionado ao tema, por acreditar

e dar relevância ao assunto; pelo suporte bibliográfico imprescindível para a realização da

pesquisa; pela paciência, e, sobretudo, pela valiosa orientação.

Aos professores do mestrado pelo suporte teórico.

Aos colegas do Mestrado, pela amizade, pelo carinho e pelas discussões

enriquecedoras.

À equipe da Secretaria do Mestrado pela paciência e disponibilidade.

À Profa. Lucília Neves pelo incentivo para conduzir a pesquisa, pelas sugestões de

pesquisa. Suas sugestões foram de uma importância incomparável.

Às Profa. Celina Lemos e Magda Neves pela disponibilidade em participar da Banca

Examinadora.

À Ângela, Secretaria do Mestrado e à Rosiane, bibliotecária PUC-MG, pela paciência

e auxílio com as Normas.

Tatiana e Moacir pelo socorro de última hora.

A Fundação de Ensino de Contagem – FUNEC – pelo incentivo e disponibilização de

parte da minha jornada de trabalho para a dedicação à pesquisa e dissertação.

Page 8: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

viii

RESUMO

Esta dissertação aborda as manifestações que ocorrem no espaço público, tomando-se

como objeto de análise as manifestações político-sindicais promovidas pelo Sindicato dos

Bancários de Belo Horizonte e Região na Praça Sete de Belo Horizonte.

Para a concretização da investigação, foram realizadas consultas em fontes de

imprensa, no Centro de Pesquisas Históricas da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais e no acervo do Sindicato dos Bancários, além de entrevistas com militantes do

movimento sindical bancário com atuações em diferentes momentos, abarcando o período de

1933 a 2007.

Três categorias analíticas são centrais no trabalho: espaço, manifestações e movimento

sindical. No enfoque proposto, os dois últimos elementos foram frequentemente associados

àquele primeiro. No estágio inicial, foram delineadas as definições sobre manifestações, bem

como localizado o debate sobre o tema no terreno das Ciências Sociais. Num segundo

momento, foi abordada a discussão sobre o espaço público, contextualizando-se a história de

Belo Horizonte e a importância estratégica e simbólica da Praça Sete como espaço de

manifestações. Além disso, levantou-se a história do movimento sindical bancário e as

transformações nas formas de manifestação, chegando à intervenção político-cultual, aliando

manifestação, política, cultura e luta pelo direito à cidade.

Palavras-chave: Sociologia das manifestações, manifestações, estratégias de rua, manifestações sindicais, espaço público, praças públicas, manifestações em praças públicas.

Page 9: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

ix

ABSTRACT

This dissertation approaches the manifestations that happen in public spaces – in

question, the syndicals and politics manifestations promoted by the Syndicate of Bankers of

Belo Horizonte and Neighborhoods at Praça Sete in Belo Horizonte downtown, Minas Gerais.

In order to realize this investigation, researches were done at the press of the Centro de

Pesquisas Históricas at Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais, and at the Sindicato

dos Bancários beyond interviews with the militants of the syndicate of bankers movement

along of different periods since 1993 to 2007.

In this way, three analytical categories were crucial at this work: space, manifestations

and syndical movement. In this approach, these two last elements were often associated to the

first one.

On one hand, we defined the word manifestations, as well as we located the debate

about the subject at the field of the Social Sciences.

On the other hand, we approached the discussion about the public space

contextualized into the history of Belo Horizonte and the importance of the symbolic strategic

of Praça Sete as a place of manifestations. Besides it, we showed up the history of the

syndical bankers movement and its transformations in the way of manifestations achieving the

political and cultural intervention; joining manifestation, politics, culture and the struggle to

reach the rights in the city.

Key-words: Sociology of manifestations, manifestations, street strategies, syndical manifestations, public spaces, public squares, and manifestations in public squares.

Page 10: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

x

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Passeata “Grito dos Excluídos”, 1999 ...................................................................28 FIGURA 2 II Congresso Eucarístico – Comunhão dos Homens – Praça Sete, 1936 ..............64 FIGURA 3 Praça Sete, 1948 ....................................................................................................82 FIGURA 4 Praça Sete – Campanha Aníbal Benévolo, 1943 ...................................................99 FIGURA 5 Greve dos Operários da Construção Civil, 1979 .................................................102 FIGURA 6 Campanha das Diretas Já – Praça Sete, 1984......................................................105 FIGURA 7 Manifestação na Praça Sete, 1989. ......................................................................107 FIGURA 8 Lançamento da Campanha Salarial, 1998 ...........................................................130 FIGURA 9 Carnaval Sem AIDS – Sindicato dos Bancários, 1998........................................136

Page 11: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

xi

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Estoque estimado de Empregos no Setor Financeiro..........................................123 QUADRO 1 Manifestações no espaço público e atividades do SEEB-BH em Belo Horizonte. Período 1932-2007 .................................................................................................................179

Page 12: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

xii

LISTA DE ABREVIATURAS

Org. - Organizador Ed. - Editor Coord. - Coordenador Conf. - Confederação

Page 13: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

xiii

LISTA DE SIGLAS

BANERJ - Banco do Estado do Rio de Janeiro BB - Banco do Brasil BDMG - Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais BEMGE - Banco Estadual de Minas Gerais BH - Belo Horizonte BHTRANS - Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEF - Caixa Econômica Federal CEMIG - Centrais Elétricas de Minas Gerais CGT - Confederação Geral dos Trabalhadores CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas CONTEC - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito CONTRAF - Confederação Nacional dos Trabalhadores do Setor Financeiro CPH - Centro de Pesquisas Históricas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais CREDIREAL - Banco de Crédito Real CRMS - Centro de Referência e Memória Sindical do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte CUT - Central Única dos Trabalhadores DCE - Diretório Central dos Estudantes DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos DOPS - Departamento de Ordem Política e Social da Secretaria de Segurança Pública DRT - Delegacia Regional do Trabalho FEB - Força Expedicionária Brasileira FENABAN - Federação Nacional dos Bancos FHC - Fernando Henrique Cardoso IAPB - Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários IEPHA - Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico JOC - Juventude Operária Católica JSB - Jornal do Sindicato dos Bancários MST - Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra OSB - Oposição Sindical Bancária - Central Ùnica dos Trabalhadores PBH - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte PCB - Partido Comunista Brasileiro PT - Partido dos Trabalhadores. PTB - Partido Trabalhista Brasileiro PUC-MG - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais SEEB-BH - Sindicato dos Estabelecimentos Bancários de Belo Horizonte e Região TFP - Tradição Família e Propriedade UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UMES - União Municipal dos Estudantes Secundaristas

Page 14: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

13

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................15 1.1 Objeto da dissertação.............................. .......................................................15 1.2 Os caminhos da investigação........................ ................................................18 1.3 A pesquisa documental e entrevistas ................ ...........................................21 1.4 Uma visão panorâmica e múltiplos focos............. ........................................25

2 OS SIGNIFICADOS DAS MANIFESTAÇÕES EM PRAÇA PÚBLICA. ................28 2.1 Manifestação em espaço público ..................... .............................................28 2.2 Direito à manifestação em praça pública............ ..........................................32 2.3 O tema nas Ciências Sociais........................ ..................................................34 2.4 Manifestações nas Ciências Sociais brasileiras ..... .....................................40 2.5 O que é manifestar ................................. .........................................................42 2.6 Manifestação na perspectiva Pierre Favre........... .........................................45 2.7 As manifestações operárias......................... ..................................................53 2.7.1 A festa do 1º de Maio.............................. ......................................................53 2.7.2 Manifestações e greves ............................. ..................................................55 2.7.3 As manifestações do 1º de Maio no Brasil ........... ......................................57

3 O ESPAÇO PÚBLICO DA MANIFESTAÇÃO ................... ...................................60 3.1 Palavra, política e espaço......................... ......................................................60 3.2 A invenção constante da cidade..................... ...............................................64 3.2.1 Reinvenção do centro da cidade como busca de novas raridades. ........65 3.2.2 Praça dos negócios contra os ócios ................. .........................................67 3.2.3 O centro financeiro no centro da cidade ............ ........................................69 3.2.4 Disputas no e sobre o espaço............................................ .........................71 3.2.5 Lugar do automóvel – A modernidade pede passagem... .........................76 3.2.6 Normalização e espacialização das manifestações .... ..............................78 3.3 A constituição da Praça Sete como lugar de expressã o política................82 3.3.1 O centro de Belo Horizonte e os operários .......... ......................................82 3.3.2 Eles queriam o centro .............................. ....................................................84 3.3.3 Praça Sete: espaço de sociabilidade ou de disputas? ..............................88 3.3.4 Manifestações no centro: trajetos e simbologias.... ..................................91 3.3.5 Importantes manifestações .......................... ...............................................97

4 O MOVIMENTO SINDICAL BANCÁRIO E A PRAÇA SETE ....... ......................107 4.1 Uma visão panorâmica antes do mergulho ............. ...................................107 4.2 Histórico do Sindicato dos Bancários............... ..........................................116 4.2.1 Principais greves.................................. ......................................................117 4.2.1.1 Greve de 1946 ...........................................................................................117 4.2.1.2 Greves de 1961/63 ....................................................................................118 4.2.1.3 As Greves de 1979 a 1990 ........................................................................121 4.2.1.4 Movimento sindical e conjuntura neoliberal: 1995-2007 ............................122 4.3 Sindicalismo e política............................ ......................................................125 4.4 Características das manifestações dos bancários .... ................................130 4.4.1 Tempo e espaço do trabalhador bancário............. ...................................130 4.4.2 Manifestações como forma de pressão e modo de expre ssão ..............132

Page 15: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

14

4.5 Implicações da atuação no centro................... ............................................134 4.6 Duas experiências para a cidade: O Carnaval sem AID S e o Entreposto Cultural........................................... ........................................................................136 4.7 Quando o Sindicato dos Bancários se encontra com a Praça Sete de Setembro........................................... .....................................................................140 4.7.1 Importância das manifestações para os manifestantes ..........................140 4.7.2 Importância das manifestações dos bancários para a cidade de Belo Horizonte.......................................... ......................................................................144 4.8 Novas tecnologias e repercussão sobre as manifestaç ões......................146

5 CONCLUSÕES...................................................................................................151

6 REFERÊNCIAS ..................................................................................................156

7 APÊNDICES .......................................................................................................170 7.1 APÊNDICE A – Roteiro de entrevista semi-estruturada com ativistas sindicais. ......................................... .......................................................................170 7.2 APÊNDICE B – Manifestações políticas e Sindicais em Belo Horizonte ..171

8 ANEXOS.............................................................................................................180 8.1 ANEXO A – Carta do Bispo Dom Serafim ao Sindicato d os Bancários....180 8.2 ANEXO B – Resposta do Sindicato à carta do Bispo... ..............................182 8.3 ANEXO C – Alvará de circulação de carro de som..... ................................185 8.4 ANEXO D – Solicitação de licença para som no chão .. .............................186

Page 16: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

15

1 INTRODUÇÃO

Não adianta olhar pro céu, com muita fé e pouca luta. Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve, você pode, você deve, pode crer. Não adianta olhar pro chão, virar a cara pra não ver. Se liga aí que te botaram numa cruz e Só porque Jesus sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer. Até quando você vai ficar usando rédea? Rindo da própria tragédia? Até quando você vai ficar usando rédea? (Pobre, rico, ou classe média). Até quando você vai levar cascudo mudo? Muda, muda essa postura. Até quando você vai ficando mudo? Muda que o medo é um modo de fazer censura. Até quando você vai levando?(Porrada! Porrada!) Até quando vai ficar sem fazer nada? Até quando você vai levando? (Porrada!Porrada!) Até quando vai ser saco de pancada? (O PENSADOR, 2001).

1.1 Objeto da dissertação

Marx, em suas considerações sobre a investigação científica, afirma, em certo

momento, que em toda ciência o difícil é o começo. Esta consideração, a despeito de sua

simplicidade, nos diz muito, sobretudo a quem se vê envolvido na dura tarefa de transpor os

muros da linguagem cotidiana, principalmente a jornalística, empenhada numa tarefa de

rechaçar ações dos grupos organizados que se dispõem a ir para as ruas, fazer protesto.

Produzir um conhecimento despido de julgamento acerca de alguns assuntos, por vezes,

parece ser uma tarefa ainda mais árdua.

Eis então o ponto de ligação com o nosso objeto de investigação. Desde o momento da

preparação do projeto de pesquisa, o universo que nos chamava a atenção era a multidão,

termo que passamos a considerar, sobretudo a partir de um livro de Rudé (1991) que trata dos

movimentos populares na França e Inglaterra no século XVIII e XIX. Sim, porque a nossa

preocupação era de alguma maneira o fenômeno coletivo, mais precisamente a ação dos

sujeitos agindo coletivamente no espaço público. Contudo, essa formulação nos pareceu

muito fugidia. Não seria muito difícil estabelecer a conceituação sobre multidão; ,no entanto,

a investigação empírica da mesma exigiria um esforço considerável. Por outra via, não nos

interessávamos efetivamente pela multidão em si, qualquer multidão. Passamos então a um

segundo esboço, buscando aproveitar aquele feeling. Não abandonamos a perspectiva, mas

sim refinamos nosso olhar. Sempre às voltas com um tema associado às ações coletivas na

rua, com uma pergunta insistente, qual seja, a de tentar saber por que as pessoas vão para as

ruas, aderindo às multidões em protesto.

Mais um esboço e outro esboço, até que o objeto foi esclarecendo-se

Page 17: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

16

consideravelmente. Chegamos por fim àquilo que era palpável. Algo muito mais concreto do

que a multidão, embora, como se pode constatar, a mesma encontra-se inserida no universo de

análise que ora propomos. Chegamos à manifestação.

Doravante, o objeto se apresenta e clama por novos refinamentos. O primeiro

refinamento diz respeito aos esclarecimentos acerca do próprio termo manifestação. Por sua

vez, definidos os termos iniciais, outros refinamentos se tornam necessários. Precisamente,

mais duas questões se apresentam. Em princípio, cabe definir o lugar da manifestação e

depois apresentar os sujeitos manifestantes, ou seja, os sujeitos coletivos e os indivíduos que

compõem esta coletividade. Estes sujeitos coletivos podem ser os movimentos partidários,

sindicais, movimentos sociais e também o próprio poder público, que, conforme veremos,

também organiza as manifestações oficiais no espaço público. Oportuno dizer que cada

segmento coletivo carrega consigo cores político-ideológicas distintas, levando para a rua as

suas visões de mundo. Estudar as manifestações indica, dentre outras possibilidades, a

necessidade de caracterizar o grupo que manifesta e suas visões de mundo.

Dentre os sujeitos coletivos que manifestam em espaço público, analisaremos

empiricamente as ações do movimento sindical bancário, tomando como foco mais preciso as

manifestações em via pública.

São estes os termos sobre o objeto, em linhas mais gerais. A partir desses

refinamentos, poderemos apresentar a organização do trabalho, segmentado em três capítulos.

No primeiro capítulo, situaremos o tema manifestação nas Ciências Sociais.

Adiantamos aqui um problema inicial: não encontramos muitas produções brasileiras que

tratem mais precisamente do tema. Destarte, as manifestações só aparecem como problema

pertinente para as Ciências Sociais naquelas oportunidades em que a efervescência política

chega a atingir as estruturas do poder vigente1. As manifestações diversas não deixaram de

ocorrer nos grandes centros urbanos, sem merecer, no entanto, um olhar mais aproximado por

parte dos pesquisadores. Serão apresentadas as definições sobre o tema, situando a questão

legal sobre manifestações, ou seja, como têm sido tratadas as manifestações, ou mais

precisamente, o direito de manifestar em praça pública, tomando-se como referência as

constituições brasileiras a partir de 1934. Para conceituação e enfoques teóricos do tema,

nosso subsídio será a contribuição da sociologia francesa, com os trabalhos de Favre (1990) e

1 Alguns exemplos: as manifestações por Reforma de Base (1962-63), as passeatas do Movimento

Estudantil (1968) as greves do ABC (fim da década 1970), a campanha das Diretas (1984), o Impeachment do Presidente Collor (1992).

Page 18: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

17

Offerlé (1990), autores que nos auxiliam a compreender as manifestações como tema de

pesquisa para as Ciências Sociais.

Uma questão substancialmente relevante inscreve-se no cerne de nossa investigação,

precedendo, deste modo, todas as considerações sobre a temática, a saber: qual o lugar das

manifestações no âmbito da democracia? Trata-se de uma questão fundamental no terreno das

Ciências Sociais. Semelhantes questões serão discutidas à luz das interpretações de Fillieule e

Pechu (1993). Para encerrar o capítulo e já abrindo o terreno para a discussão das

particularidades do movimento operário, levantaremos aspectos inerentes às manifestações

operárias, encabeçadas ou não pelas organizações sindicais. Tomaremos o dia 1º de Maio

como data festiva, carregada de toda simbologia operária, as bandeiras e cores associadas às

suas aspirações. Nossa elaboração será conduzida a partir dos trabalhos de Mouriaux (1990),

Perrot (1974), Perrot (1992), Perrot (1996) e Tartakowsky (1990).

Na seqüência, e como uma manifestação pede um espaço onde realizar-se, no capítulo

segundo vamos tratar primeiramente da organização sócio-espacial, bem como do

entendimento da política e a relação com o espaço público. Nesse momento, serão muito

oportunas as abordagens de Arendt (1993), Lefebvre (2001b), Lefebvre (2002) e Santos

(2002). Num segundo momento, a abordagem será conduzida para pensar as especificidades

do espaço público de Belo Horizonte, tendo a Praça Sete como lugar privilegiado da análise,

atentando-se para a apresentação dos elementos que fizeram desta um lugar reconhecido pelos

históricos processos de manifestações que nela ocorreram. Para apresentarmos a construção

deste trajeto, nos basearemos nos trabalhos de Faria e Grossi (1982), Lemos (1988), Le Ven

(1987), Le Ven e Neves (1996) e Monte-Mór (1994).

O último capítulo versará sobre a manifestação dos movimentos sindicais. Nosso foco

serão as manifestações do movimento bancário de Belo Horizonte, tomando-se como

referência o Sindicato dos Estabelecimentos Bancários de Belo Horizonte e Região (SEEB-

BH). Para o capítulo reserva-se, num primeiro momento, a descrição da história do Sindicato,

desde a sua fundação até os dias de hoje. Nosso objetivo não é fornecer uma descrição

histórica pormenorizada daquela entidade, mas sim apresentar um roteiro histórico que deverá

cruzar-se com os episódios significativos da cidade de Belo Horizonte e da conjuntura

nacional. Para acompanhar essa trajetória, associando-a com as manifestações na cidade,

realizamos um exaustivo levantamento das manifestações em Belo Horizonte, a partir de 1930

até 2007, e a partir daí elaboramos um quadro, ao qual faremos alusão em diversas partes da

dissertação. Em função do tamanho do quadro, optamos por colocá-lo na parte de Apêndice,

de modo a não comprometer a leitura do texto. Deste modo, sempre que necessário,

Page 19: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

18

sugerimos ao leitor que acompanhe aquele quadro, intitulado Apêndice B.

Ainda quanto ao último capítulo, nosso suporte foram os trabalhos de Stralen (1995),

que cobre a história do Sindicato no período de 1932 a 1964, e Nobre (1993), que acompanha

a organização da Oposição Sindical Bancária da Central Única dos Trabalhadores (CUT),

passando pela vitória nas eleições do Sindicato em 1987, até 1990. Analisaremos também os

documentos levantados ao longo da pesquisa documental nos arquivos daquela entidade, no

Centro de Pesquisas Históricas da PUC e nos artigos da imprensa. A parte central do capítulo

se refere às análises das situações em que o Sindicato ousou manifestar-se na rua, para a qual

utilizamos as entrevistas com que militantes do movimento sindical, representando alguns

segmentos ou mais precisamente, algumas matrizes do discurso político-social que se

apresentam naquela entidade, desde a sua fundação. Necessário dizer que estas entrevistas

também foram incorporadas à discussão dos capítulos precedentes, sendo oportunamente

citadas, sobretudo no capítulo três.

Por fim, antes de entrarmos em outra ordem de assuntos, destacamos que esse texto

está apresentado segundo Padrão PUC Minas de normalização (PONTIFÍCIA

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS, 2007).

1.2 Os caminhos da investigação

De modo a captar esse processo de manifestações no espaço urbano da Praça Sete,

atentando-se mais acuradamente para as manifestações de bancários durante os 75 anos de

trajetória do Sindicato, diversos materiais de pesquisa foram levantados. Passemos agora às

considerações acerca dos caminhos da investigação, compreendendo os procedimentos da

coleta de material e da organização das fontes de pesquisa e alguns comentários preliminares

sobre as entrevistas.

Para a realização da pesquisa empírica, optamos pela adequação da utilização de

relatos orais e entrevista temática, seguindo um roteiro semi-estruturado. Diante do tema

proposto, nosso entendimento não seria o de buscar uma simples amostragem que

contemplasse as gestões sindicais, desde a fundação daquela entidade. Primeiramente, porque

isto já não seria possível devido ao fato óbvio de que uma parte da história já não mais

poderia ser retomada a partir de entrevistas, uma vez que muitas pessoas não estão mais vivas.

A segunda justificativa é que os depoentes escolhidos são militantes bancários, cujos

depoimentos podem trazer elementos da vida social na qual estiveram ou estão inseridos. São

sujeitos com vivência dedicada à militância, e não simplesmente parte aleatória da categoria

Page 20: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

19

bancária. Mas não deixam de representar significativamente os recortes que vislumbramos no

exercício da nossa investigação. Nossa intenção seria seguir o movimento. Mas como reter

algo do movimento? Quem guardaria a história do mesmo?

Resolvemos entrevistar os bancários não por terem participado de movimentos

grevistas ou manifestações que extravasaram os espaços reservados da porta de banco para se

expressarem nas praças e ruas. Poderíamos ter considerados os bancários independentemente

de sua ligação com o Sindicato. Sem dúvida, houve pessoas que estiveram presentes em

diversas ocasiões ou em momentos ocasionais. Contudo, ressaltamos que é a construção de

um movimento coletivo, ou mais precisamente, de uma ação coletiva o que nos interessa

investigar. Dificilmente poderíamos encontrar indivíduos que pudessem manifestar livremente

suas opiniões sem o respaldo de uma organização coletiva, em alguns períodos da história.

Alguns relatos de dirigentes sindicais apontam precisamente os riscos de se expor e sofrer

represálias por parte das forças de repressão ou ainda pela possibilidade de demissão. Aponta-

se também a existência de repressão por participar de greves e manifestações. Essas situações

indicam que as pessoas a serem escolhidas deveriam ser aquelas com presença maior no

cotidiano das lutas dos trabalhadores bancários. Tais sujeitos carregam consigo a experiência

histórica, ou seja, trata-se daquilo que também podemos chamar de sujeitos temperados nas

lutas político-sindicais.

Desta maneira, foram escolhidos integrantes do movimento sindical, dentre os quais

alguns com atuação direta, assumindo funções de administrativas como de a direção, ou seja,

aqueles que abraçaram as questões da categoria, vivenciando e ajudando a construir a história

do movimento sindical bancário. Não escolhemos tratar de todas as diretorias ou mesmo

tomar uma categorização, levando-se em consideração uma amostragem histórica de todas as

gestões do Sindicato. Fizemos, pois, uma opção de trabalharmos com a trajetória do Sindicato

dos Bancários, tomando-se suas oportunidades de ação que se expressam no cenário da Praça

Sete.

Passamos por dentro da história do Sindicato para levantarmos a história do

movimento bancário2 e suas manifestações. Em que pese a relação íntima entre estes dois

pontos, ressalta-se o fato de que eles nem sempre coincidem.

O leque de militantes sindicais escolhido permite que se verifiquem combinações de

2 De acordo com Le Ven (1987) o movimento operário não coincide necessariamente com o movimento

sindical. Eles se relacionam, mas não são a mesma coisa.

Page 21: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

20

diferentes concepções políticas, bem como diferentes situações históricas. Assim, tomamos

como referência alguns militantes históricos, tais como Armando Ziller, João Vieira e

Antônio Faria, pessoas que, justamente pela longa trajetória junto ao movimento sindical,

puderam vivenciar períodos diferentes da história nacional, com momentos de abertura

política e outros de autoritarismo. Esses militantes, em seus relatos, realçam muitas

circunstâncias a respeito das manifestações do sindicato ocorridas naqueles períodos.

Como existiu também uma forte relação entre as atividades política e cultural,

sobretudo no final dos anos 80 até meados da década de 90, tomamos como referência,

também, militantes que se encaixam na característica, digamos cultural: Gilson Mello,

assessor do Departamento Cultural do Sindicato, na gestão 1987-1990 e os ex-diretores

Sebastião Rodrigues (Tiãozinho do Banerj) e Solange Ayres (esta atuando como diretora

daquele departamento de 1987-1996). Tais entrevistados realçaram, sobretudo, a importância

da intervenção cultural. Ainda nesse campo, situam-se os atores Jacó do Nascimento e Moisés

Augusto, também da gestão de 1987, ambos atuando nas atividades culturais do Sindicato,

explorando a rua como espaço para realizar suas intervenções culturais. Todos acima

exemplificam uma militância que frisa a importância do casamento entre a política e a cultura.

Além disso, revelam um olhar também voltado para a cidade a partir da intervenção cultural,

ligado ao aspecto da denúncia e da reivindicação, da irreverência e da possibilidade do riso

em praça pública.3

Um outro grupo de entrevistados é composto por ativistas que se enquadrariam em

uma perspectiva de atuação mais vinculada à ação sindical, ou seja, à matriz discursiva do

novo sindicalismo, que emergiu a partir da década de 1980. José Prata (Prata), Marcelo

D’Agostini e Fernando Neiva podem ser situados nessa matriz. Os sindicalistas Prata e

D’Agostini, ex-presidentes do Sindicato dos Bancários, compunham a organização

denominada Oposição Sindical Bancária (OSB), no final da década de 1970, disputando o

sindicato desde o início dos anos 1980. Em 1987 o grupo chega à direção do Sindicato.

Fernando Neiva, por sua vez, eleito presidente a partir de 1999, corresponderia à visão do

movimento sindical situado num momento de reestruturação do sistema financeiro, que ganha

força sobretudo a partir da segunda metade da década de 1990.

3 Utilizando-se da expressão corporal como meio de denúncia e linguagem política. Incorporando outros

recursos à linguagem sindical que, segundo alguns entrevistados na pesquisa, seria séria e sisuda.

Page 22: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

21

1.3 A pesquisa documental e entrevistas

Nossa primeira atividade, a identificação de possíveis entrevistados, teve início ao

vasculharmos material no Centro de Pesquisas Históricas da PUC – CPH – que havia

realizado um amplo levantamento histórico sobre os 70 anos do SEEB-BH. Ressaltamos,

antes de mais nada, a importância para o nosso trabalho o fato de termos acesso aos arquivos

disponibilizados pelo CPH, sem os quais teríamos que percorrer um caminho muito mais

longo de investigação. O material arquivado contém entrevistas com os seguintes ex-

dirigentes e o atual dirigente do Sindicato dos Bancários: Armando Ziller, Fausto Drummond,

Fernando Neiva, Hermélio Campos, João Vieira e Marcelo D’Agostini, ainda vivos (à

exceção de Armando Ziller, falecido em 1992).

Além dessas entrevistas, há também um resumo das Atas daquela entidade, desde a

sua fundação. Torna-se necessário dizer que as referidas entrevistas foram realizadas com

outras finalidades, não evidenciando imediatamente o objeto de nossa análise, qual seja, as

manifestações político-sindicais. Contudo, para nossos propósitos, foi possível levantar alguns

julgamentos pertinentes e que são significativos para essa dissertação, sobretudo porque

trazem menção sobre circunstâncias significativas do Sindicato nas manifestações de rua e

informam inclusive sobre o estado de ânimo dos ativistas por estas ocasiões.

Percorremos fichas de antigas atas, entrevistas de dirigentes sindicais, jornais e textos

sobre o movimento bancário, que foram essenciais para a montagem da lista de entrevistados.

Deste exercício, alguns nomes já se apresentaram como sujeitos expressivos na reconstrução

histórica do movimento e as interpretações sobre as manifestações foram sendo destacadas em

diversas situações: em atas de assembléias, atas de reuniões de diretoria e entrevistas com ex-

dirigentes.

No entanto, tínhamos ali materiais que foram organizados tendo em vista o

levantamento histórico sobre os 70 anos do Sindicato. Buscávamos um recorte dentro desta

história: as situações de greves, as campanhas salariais que necessariamente vieram à rua. Nos

depoimentos, colocamos em evidência tais situações de efervescência do movimento em que

o Sindicato dispôs-se a ir efetivamente às ruas.

Contamos com as referidas entrevistas já disponíveis no Centro de Pesquisas

Históricas, outras entrevistas e relatos foram sendo resgatados aqui ou ali, de forma a

organizarmos um corpus de depoimentos a serem analisados.

Isto posto, a explicitação de como chegamos aos nomes escolhidos merece ser

apontada. Os nomes de Armando Ziller, Fernando Neiva e Marcelo D’Agostini já constavam

Page 23: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

22

nas entrevistas realizadas pelo CPH. Feitas as leituras destas entrevistas, alguns pontos

precisavam ser complementados. Para tanto, seguimos pesquisando entrevistas realizadas com

estes ativistas para outros fins, mas que poderiam conter pistas sobre as manifestações dos

bancários. Encontramos, a partir daí, entrevista com Armando Ziller encomendada pela

Assembléia Legislativa. Encontramos referência também ao ex-diretor Antônio Faria, a partir

da indicação da Professora Lucília Neves, segundo a qual uma entrevista deste ativista se

encontrava no Centro de História Oral da UFMG. Uma pesquisa se faz com informantes. As

peças vão sendo montadas, lentamente, a partir de uma informação aqui e outra ali.

Mas nossa lista de entrevistados ainda estava incompleta. Assim, como um fio puxa

outro, sentimos a necessidade de retomar contato já iniciado com o Centro de Referência e

Memória Sindical – CRMS – do Sindicato dos Bancários.

A Pesquisa junto ao CRMS nos possibilitou acesso a fotos, levantamento de textos e

documentação sobre a Campanha do Carnaval sem AIDS, os alvarás para manifestações, os

clippings sobre manifestações do Sindicato nas ruas e as repercussões na mídia. O material

pesquisado nos forneceu pistas para chegar a outras pessoas-chave que poderiam discorrer,

com propriedade, sobre os atos públicos daquela entidade. Averiguamos a existência de uma

lacuna nessa lista de entrevistados. Tínhamos em mãos ainda poucas referências quanto ao

período da Ditadura. A partir das leituras das entrevistas de Armando Ziller e Antônio Faria,

constatamos que esse período foi mesmo marcado pela ausência do Sindicato nas ruas. Não

era um tempo propício a isto. Outra lacuna seria quanto ao período da formação e início da

atuação da Oposição Sindical Bancária, a partir de 1979, momento em que José Prata de

Araújo já se apresentava nas assembléias do Sindicato, com postura crítica contundente com

relação à diretoria do Sindicato. Tínhamos a entrevista de Marcelo D’Agostini, um dos

militantes bancários da OSB da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e posteriormente

presidente do Sindicato, na segunda gestão cutista.

A documentação histórica levantada junto ao Sindicato dos Bancários e o Centro de

Pesquisa Histórica foram essenciais para construirmos um quadro das principais

manifestações ocorridas em Belo Horizonte, seja na Praça Sete ou em outros espaços

(Apêndice B). A partir da identificação dos episódios de manifestações, foi possível realizar a

pesquisa dos arquivos da imprensa mineira, na Hemeroteca do Arquivo Público Mineiro.

Completávamos o quadro, podendo-se evidenciar algumas ações do Sindicato dos Bancários,

bem como as repercussões. Algumas situações merecem destaque. São elas:

No período de 1962 a 1964, intensificam-se as atividades grevistas e manifestações na

Praça. A atuação repressora do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) se fazia

Page 24: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

23

presente, sobretudo num momento em que a Praça torna-se palco de diversas manifestações

estudantis e sindicais. É apropriado sublinhar que a repressão às manifestações já ocorria no

período anterior ao Golpe de 1964. A título de exemplo, é interessante frisar que nesse

momento era comum a autuação (os ativistas se diziam “fichados”) no DOPS para ativistas

que fizessem manifestações políticas. Oportunamente, vale lembrar que o então presidente do

Sindicato dos Bancários, foi preso por ocasião de uma manifestação na Praça Sete em 1962

(PRESO..., 1962, p.5). Ainda com referência à atuação do DOPS, o noticiário da época

informa que este órgão passou a adotar técnicas para reprimir piquetes nas ruas e em frente

aos colégios em 1962. As lideranças sindicais se indignaram contra métodos introduzidos no

DOPS, tais como o tanque adquirido para afastar multidão e contratação de um técnico que

“ensinava os soldados a bater” (POLÍCIA..., 1963, p.8.).

De posse de um quadro dos períodos de greves e manifestações do Sindicato,

identificamos um salto considerável do número de greve no período compreendido pela

primeira gestão cutista (Apêndice B). Nota-se também, a partir desse período uma mescla

entre as atividades culturais e a ação propriamente sindical.

Foi precisamente a intervenção de caráter mais cultural dos ativistas no cenário da

Praça Sete o que conduziu mais detidamente nosso olhar. Nessas circunstâncias, percebemos

que caberia buscar alguns ativistas que pudessem falar a partir de um ponto de vista, digamos,

mais cultural. Este foco não estava previamente estabelecido. Novamente entra aqui a figura

do informante. Foi sobretudo a partir de conversas com um ex-diretor do Sindicato, Maurício

Fonseca, que fomos levantando nomes que poderiam responder determinadas questões acerca

da intervenção cultural e sindical no período das primeiras gestões cutistas no Sindicato4. Esse

ponto de partida nos possibilitou o levantamento dos nomes de Gilson Melo, assessor do

Departamento Cultural; Jacó do Nascimento e Moisés Augusto, atores; e Solange Ayres.

Finalizando esta introdução, existe uma consideração de ordem subjetiva para a

escolha do objeto de pesquisa e também do movimento escolhido. Para falar dela, importa em

que falemos em primeira pessoa singular, porque se trata da minha participação na direção do

Sindicato dos Bancários, no período de 1996-2002. Semelhante consideração merece

esclarecimento, sobretudo porque se poderiam levantar objeções quanto à validade de um

trabalho que tem como objeto uma realidade vivenciada e até defendida pelo autor. Feita essa

4 Aqui lembramos de uma elaboração de Lucília Delgado (2006) em que a autora apresenta o

entrevistado como uma espécie de tronco de uma árvore cheia de galhos que servem de referência para que possamos chegar a outros entrevistados.

Page 25: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

24

consideração, passemos às conseqüências e à defesa de uma pesquisa dessa natureza, a partir

de uma discussão metodológica.

Em algum momento do desenvolvimento das Ciências Sociais, análoga aproximação

seria tomada no mínimo com desconfiança por parte da comunidade científica. Seria por

demais arriscado uma imersão junto ao objeto de pesquisa, a ponto de comprometer os

resultados, uma vez que, tomado de uma paixão pelo mesmo, o analista fizesse mais uma

defesa do mundo pesquisado que uma ciência no rigor da expressão. Destarte, o conhecimento

da realidade social deveria ser alcançado por um distanciamento face ao objeto estudado.

Este não é o entendimento de alguns teóricos no campo das Ciências Sociais. A

começar por Max Weber, que, embora postulasse uma atitude de objetividade para se fazer as

análises sociológicas, entendia, no entanto, que os fatores subjetivos não podiam ser

totalmente isolados no âmbito das Ciências Sociais. Para ele, a escolha do objeto de pesquisa

envolveria uma elevada carga de subjetividade. Mas somente a escolha. Daí por diante, o

cientista social deveria buscar uma postura objetiva, ou seja, de neutralidade face ao objeto de

pesquisa.

Também tem sido outra a concepção de Santos (1989) quanto à postura do cientista

social inserido no cenário da pós-modernidade. E, no que diz respeito à ciência atual, ele vai

além daquilo que Weber sustentava, sobretudo porque este ainda estava preso a uma postura

epistemológica da ciência social. Para Santos (1989), hoje encaminhamo-nos para a

necessidade de uma reflexão hermenêutica, que é necessária para transformar a ciência, a

dupla ruptura epistemológica. Análoga reflexão seria mais adequada para transformar a

ciência, de um objeto estranho, que só contempla o mundo, para um objeto familiar, que se

aproxima numa relação eu-tu. Contrapõe-se, portanto, a uma reflexão epistemológica que

concebe o objeto numa relação eu-coisa, preconizando a necessidade de um

distanciamento/estranhamento diante do objeto de estudo. É dessa concepção que me valho

para justificar a escolha de um objeto que me é familiar e do qual participei diretamente.

Em síntese, a escolha do objeto de reflexão e o fato de uma anterior vinculação não

implicam numa contaminação da análise. Ademais, ressalta-se o fato de que o meu ponto de

observação, digamos, privilegiado, pode ser inclusive útil para compreensão de determinadas

implicações político-sociais que não seriam facilmente percebidas por um estranho. Contudo,

o fato de ter participado do movimento sindical não é razão suficiente para esclarecer todas as

dinâmicas que se propõem entre as manifestações político-sindicais e a Praça Sete. Algumas

proposições não são respondidas à priori, nem mesmo as relações que aqui se colocam

estavam colocadas num momento anterior. Foi preciso passar por outras situações de

Page 26: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

25

conhecimento acadêmico – é aqui necessário frisar que os movimentos sociais constituem

também lugares de conhecimento – para que algumas questões pudessem ser colocadas. A

rigor, as relações sócio-espaciais só se tornaram objeto de reflexão num momento posterior,

após minha inserção no curso de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais –

UFMG – e no Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Ciências Sociais.

Nessa direção, todas as escolhas só apresentam sentido quando vivenciamos algumas

situações. Mas viver situações, envolver-se, não indica que as explicações possam, só por

isso, ser dadas à priori. Muda-se o tipo de consideração e compreensão a cada momento ou

etapa de formação/entendimento humano. É como se tivéssemos que ajustar nossas lentes

para captarmos melhor o objeto de estudo. Dependendo do lugar em que nos encontramos,

podemos perceber determinadas coisas; passando para outra perspectiva de análise – a

ciência, no caso – não é mais conveniente o emprego daquelas lentes para explicitar fatos da

vida social.

1.4 Uma visão panorâmica e múltiplos focos

Tendo apresentado o objeto de estudo e os caminhos da investigação, propomos uma

imagem que nos parece um bom parâmetro para iniciarmos nosso “roteiro de viagem”. Diante

de um objeto de estudo que se cruza com diversas interseções, pode-se facilmente desviar o

olhar. Nesse esforço investigativo, tem-se a sensação de tentar segurar dois animais afoitos

ao mesmo tempo, um em cada mão, cada qual querendo ir para um lado oposto ao outro,

atraído por uma necessidade ou desejo diferente. Se dermos atenção ao animal que está

tentando escapar pelo lado direito, logo o outro, aproveitando-se do descuido momentâneo,

busca fugir. E assim por diante. Se dermos demasiada atenção ao espaço público, aqui situado

como Praça Sete, poderemos descuidar da manifestação, aqui tomada a partir da ação político-

sindical conduzida pelo movimento de trabalhadores bancários. Se prestarmos demasiada

atenção àquele movimento, tomando o pulso da história com mais acuro, correremos o risco

de negligenciar a história de uma praça que se faz em movimento, que comporta outros

movimentos. Se isso ocorre, perde-se a oportunidade de falar da rua enquanto lugar

privilegiado da ação política. O risco é deter-se demasiadamente na Praça ou então só no

movimento sindical, perdendo a conjugação desses dois elementos, manifestação e

movimento sindical; o primeiro associado à idéia de ação e o segundo, associado à idéia de

discurso. É no espaço público que se evidenciam o discurso e a ação e, desta forma, conforme

entendimento de Arendt (1993), tem-se a dimensão política, ou em outras palavras, os homens

Page 27: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

26

tornam-se sujeitos políticos a partir destes dois elementos associados. A discussão que

levantamos no último capítulo, a respeito do corporativismo – “casa” do bancário – tem

relação com essas dimensões.

Para não perdermos de vista os elementos ação e discurso, o mais adequado seria

estarmos atentos, simultaneamente, aos dois focos, com a mesma atenção e empenho. Melhor

seria se as atenções de ambos se orientassem para onde pudéssemos encaminhar. Eis o

necessário: uma convergência de movimento e de espaço. Um ponto e um tempo de encontro.

Uma praça e um movimento de trabalhadores bancários na cidade de Belo Horizonte. Essa

convergência existe? A nossa aposta é que sim. Pensamos que os homens e mulheres de carne

e osso é que darão conteúdo a essa convergência. Homens e mulheres manifestantes. É a

manifestação o que perseguimos como objeto de nossa análise. Desde que a consideremos

como ponto convergente da análise, nossa próxima tarefa será levantar um arsenal teórico que

nos possibilite apresentar sua justificativa. Apresentá-la é que será nosso esforço. Com que

instrumentos poderemos olhar para ela?

Para captar o recorte da análise, juntamente com o seu objeto, oferecemos uma

imagem. Recentemente tendo acessado a nova tecnologia disponibilizada na Internet, o

Google Earth – e evidentemente fazendo algum zoom sobre a Praça Sete – ocorreu-nos que a

explicação que se propõe poderia ser expressa precisamente através de focos. Pudéssemos

obter focos dos registros históricos e pudéssemos congelá-los em determinado espaço,

teríamos uma aproximação do que vai pelas linhas da nossa explanação.

Diversos focos podem ser realizados: um foco dentro do outro, ou junção de duas

temáticas, quais sejam, as ações do movimento sindical bancário e, dentre estas, as ações de

rua, ou mais precisamente, as manifestações e os acontecimentos culturais, políticos, sociais

em torno da Praça Sete.

Primeiro plano, ou mais geral, teríamos a cidade de Belo Horizonte. Sua história,

mediações políticas, sua singularidade. Nesse primeiro plano teríamos a percepção de uma

cidade planejada, os projetos políticos e sociais vigentes que marcaram a fundação, bem como

a evolução dos acontecimentos, quando a cidade ganha singularidade. Nela, a Praça Sete, um

ponto nesse emaranhado, com suas transformações arquitetônicas e também simbólicas.

A Praça Sete: linhas geométricas, um obelisco, edifícios, placas de trânsito, outdoors,

agentes do trânsito, policiais militares e muitas pessoas. O zoom nos fornece uma imagem

congelada, carros parados e pessoas inertes, não há movimento. Não nos interessa trabalhar

com o estático. A Praça como Cartão Postal. O zoom, sim. Ele é um recurso que nos estimula

a pensar. A partir de agora iremos tentar manter este zoom, mas com o movimento da história

Page 28: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

27

passando em nossa retina. O que a tecnologia ainda não consegue propor, talvez as palavras

possam. A imaginação ainda não tem limites.

E este foco nos mostra a Praça Sete como um espaço público. Ao utilizarmos

semelhante definição, precisamos esclarecer o conceito, já que existem diversas acepções.

Definir o público e o espaço público, mais precisamente. A noção de espaço público tem sido

utilizada como espaço aberto, em oposição àquele espaço de domínio particular, fechado, o

espaço privado. Nessa acepção, as ruas e praças, os edifícios públicos para passagens de

pedestres e carros, as construções em que o acesso é livre, são consideradas como tais.

Nossa consideração sobre o espaço público segue a direção das Ciências Sociais.

Doravante, tomaremos como espaço público o espaço do encontro coletivo, o espaço da praça

e da rua, lembrando, oportunamente, que nem sempre tais espaços atendem a esta

característica. Em conseqüência, nem todo espaço tido como público na linguagem

corriqueira é público de fato. Isto posto, se ele não permite o encontro da diversidade, ou seja,

quando a cidade é fechada, por dizermos assim, às pessoas; quando o acesso ao espaço é

disciplinado de maneira a eliminar as diferenças possíveis, o dissenso, a oposição; quando a

denominada praça pública ou rua pública não permite senão a circulação dos carros e a

passagem de pedestres, então se perde o sentido da dimensão pública que aqui estamos

considerando. Os espaços fechados, tais como os cafés e shoppings, poderiam ser

considerados como públicos, já que, nestes tempos atuais, servem privilegiadamente como

lugares de encontro. Contudo, seguindo-se as pistas de Murillo e Márquez (2005),

constataremos que esses espaços servem somente para o encontro entre os iguais, sendo esses

encontros permitidos, desde que possam ser monitorados e disciplinados. Tais espaços,

conforme a acepção de Arendt (1993), não são espaços que servem para começar algo, e, por

conseguinte, não são espaços públicos de fato.

É no espaço central da cidade – a Praça Sete – o lugar onde o Sindicato dos Bancários

de Belo Horizonte expressa a sua dimensão como sujeito histórico da cidade, imprimindo suas

marcas sobre a Praça, levantando questões, reivindicando o direito à nomeação, requerendo

novos sentidos à monumentalidade. É, portanto, na praça pública que essa entidade pode

revelar-se de fato, situando as suas características, os projetos e demandas dos bancários e

também as questões que extrapolam o âmbito das relações entre patrões e empregados.

O nosso esforço, a partir dos próximos capítulos, será o de apresentar os termos para

que esse encontro pudesse se realizar, atentando-nos para o fato de que essa história só poderá

ser contada a partir da atenção ao tripé manifestações, espaço e movimento sindical bancário.

Existe um tempo em que esses elementos se encontram. Daremos atenção a esse encontro.

Page 29: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

28

2 OS SIGNIFICADOS DAS MANIFESTAÇÕES EM PRAÇA PÚBLI CA

Quando a Bastilha cai, os critérios normais do que é possível sobre a terra são suspensos, e os homens e mulheres naturalmente dançam nas ruas antecipando a utopia. (HOBSBAWM, 1981, p.11).

FIGURA 1 Passeata “Grito dos Excluídos”, 1999 Fonte: CRMS/SEEB-BH. Fotógrafa: Stella Klett

2.1 Manifestação em espaço público

As manifestações públicas são ações coletivas associadas aos movimentos sociais,

desde período anterior à formação das primeiras organizações proto-sindicais no início da

Revolução Industrial. Tais manifestações foram objeto de narrações literárias e também

cinematográficas, através de filmes como Daens (1992) e Germinal (1993), apenas para

citarmos alguns exemplos. São ações tipicamente urbanas, ocorrendo preferencialmente em

espaços públicos, algumas delas atingindo o coração da cidade, e, não raro, convergindo para

alguma praça central, escolhida pelo movimento como um espaço propício para as

manifestações, por diversas razões.

Tomando como objeto de análise a constituição do modelo de cidade capitalista,

alguns autores (MUNFORD, 1965; ENGELS, 1986; LEFEBVRE, 2001a) passaram a

observar que a cidade capitalista apresenta peculiaridades face às cidades de outros modos de

produção. Este é precisamente o cenário que outros autores vão tomar como o palco de

realização de manifestações de múltiplas características. Um processo que vai das

Page 30: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

29

manifestações contra a taxação do trigo, levando ao aumento do preço do pão (HOBSBAWM,

1970; TOMPSON, 1998), fatos que agregavam setores empobrecidos da população contra as

medidas que interferiam nas condições de vida, passando pelas organizações do movimento

operário, que se configuraram como força política, a partir do século XIX e suas diversas

formas de ocupação do espaço público, até chegar às manifestações dos novos movimentos

sociais que se constituem a partir do final da década de 1950, nos Estados Unidos e Europa,

através dos movimentos negros e feministas. No Brasil, os novos movimentos sociais

entraram em cena no final da década de 1970 e caracterizaram-se pela pluralidade das

demandas, não só aquelas relacionadas ao mundo do trabalho. Este esboço, feito assim de um

modo bastante sintético, serve-nos como medida para dizer que as manifestações integram a

história da organização capitalista da cidade.

Nosso intuito de enfocar as manifestações encabeçadas pelos movimentos sociais

merece um maior cuidado, já que estes são muitas vezes associados às orientações políticas de

esquerda. No meio jornalístico, as referências são abundantes. Tais associações são providas

de uma intenção de se atacar os movimentos sociais, colocando-os como arruaceiros,

baderneiros e outras designações carregadas de sentido ideológico.

Necessário dizer que não é somente a esquerda e os movimentos sociais de esquerda

que se manifestam nos espaços públicos. Muito embora em escala menor, os setores

conservadores também ocupam os espaços públicos para fazer manifestações. A título de

exemplo, citamos a Marcha das Mulheres com Deus e pela Liberdade, encabeçada pelos

movimentos conservadores que deram sustentação ao Regime Militar de 1964 (STARLING,

1986). Um outro exemplo destas manifestações pode ser observado na França, onde os grupos

conservadores, encabeçados pelo político de extrema direita, Jean Marie Le Pen, saem às ruas

no 1º de Maio5, ou seja, no mesmo dia em que as centrais sindicais francesas saem para as

manifestações do Dia dos Trabalhadores. Contudo, o objetivo visado por parte dos

conservadores franceses não é o de reforçar a simbologia já consagrada do 1º de Maio, mas

sim de disputar com aquela e tentar criar uma nova simbologia, reforçando princípios de

hierarquia e outros valores defendidos pelo segmento conservador.

No Brasil, por ocasião do 1º de Maio, observam-se disputas também em torno do

significado do dia. Em momentos mais combativos, a Central Única dos Trabalhadores (CUT)

5 O 1º de Maio foi reapropriado pelos “lepenistas” como dia de Joana D’Arc, conforme Mouriaux

(1990)

Page 31: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

30

apresentava uma manifestação alinhada a uma orientação política de esquerda, com discursos

politizados, saindo da esfera puramente sindical. A Força Sindical e Confederação Geral dos

Trabalhadores (CGT) faziam manifestações menos politizadas e tendendo às ações

assistenciais, com distribuição de prêmios. Era um momento de queda de braço entre as

centrais, no sentido de ver quem conduzia mais pessoas às manifestações.

É preciso indicar ainda que o poder público também institui suas manifestações,

representadas pelas festas oficiais e paradas militares. As festas são carregadas de simbologias

do poder. Na Idade Média e no Renascimento, tais festas ocorriam em lugares fechados, não

na rua. Elas buscavam consagrar o poder e olhar para o passado (BAKHTIN, 1987).

Na prática, a festa oficial olhava apenas para trás, para o passado de que se servia para consagrar a ordem social presente. A festa oficial, às vezes, mesmo contra as suas intenções, tendia a consagrar a estabilidade, a imutabilidade e a perenidade das regras que regiam o mundo: hierarquias, valores, normas e tabus religiosos, políticos e morais correntes. (BAKHTIN, 1987, p.8).

Também eram festas que serviam para distinguir as pessoas, marcar suas posições

hierárquicas e reforçar os valores que regiam o mundo oficial.

Nas festas oficiais, com efeito, as distinções hierárquicas destacavam-se intencionalmente, cada personagem apresentava-se com as insígnias dos seus títulos, graus e funções e ocupava o lugar reservado para seu nível. (BAKHTIN, 1987, p.9).

Enfim, uma festa da seriedade e não do riso, já que o poder (o mundo oficial) é

necessariamente sisudo e não permite o espaço para rir.

Na cultura clássica, o sério é oficial, autoritário, associa-se à violência, às interdições, às restrições. Há sempre nessa seriedade um elemento de medo e de intimidação. Ele dominava claramente na Idade Média. Pelo contrário, o riso supõe que o medo foi dominado. O riso não impõe nenhuma interdição, nenhuma interdição. Jamais o poder, a violência, a autoridade empregaram a linguagem do riso. (BAKHTIN, 1987, p. 78 grifo do autor).

Trata-se de considerações que são atuais e nos auxiliam a situar as manifestações

encabeçadas pelo poder público, sobretudo porque a festa oficial, a despeito de passar a

ocorrer também na rua, a partir da Modernidade, ainda guarda as características que

inspiravam sua realização na Idade Média e Renascimento.

As paradas militares, embora não sejam particularmente enquadradas como

manifestações, são também exemplos de representação do poder no espaço público, cujo

objetivo mais direto seria a demonstração de força do poderio militar, bem como o reforço de

uma ordem social hierárquica. Com respeito às paradas militares, Da Matta (1990) considera

Page 32: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

31

que representam a tomada da rua do povo, representação brutal e autoritária do Estado.

Reforçam a idéia de que o lugar do povo não é como ator que ocupa a praça pública, mas

como simples espectador (DA MATTA, 1990).

Nesse aspecto, Tartakowsky (2004), realizando estudo acerca das manifestações

oficiais conduzidas pelo General De Gaule, observa que, nesse tipo de demonstração, o poder

público mobiliza uma multidão impressionante para legitimar determinadas ações políticas. E

isto se faz nas ruas.

Não é o caso de aprofundarmos este enfoque aqui. Contudo, vale como menção, tendo

em vista a possibilidade de estudo dentro da linha que apresentamos no escopo desse trabalho,

as históricas manifestações de rua promovidas pelos governos populistas de Getúlio Vargas e

João Goulart. Voltaremos a essa discussão em outra oportunidade.

Por ora, vislumbramos diversas possibilidades de manifestações no espaço público.

Diversas associações podem ser realizadas a partir dos pontos acima levantados. Tais

associações indicam a necessidade de fazermos escolhas dentro do que situamos como

manifestação. Se existem diferenças do ponto de vista político, queremos dizer que direita e

esquerda não vão para a rua reivindicar as mesmas coisas, nem da mesma forma. Diferenças

também existem dentro dos próprios movimentos sociais de esquerda, não tão assimétricas

quanto as relações de interesse entre esquerda e direita, mas sim de diferentes concepções,

diferentes demandas sociais, políticas e econômicas e também de simbologias distintas.

Assim, colocamos os problemas de se abordar manifestações tout court.

Há, nessa confluência entre manifestações e o espaço urbano, uma gama de

significações e simbolismos que necessariamente vão sendo construídos e reconstruídos com

o desenvolvimento das organizações sociais, sobretudo quando estas se aproximam de

reivindicações políticas, aliando-as às demandas econômicas de cada segmento, ou então

fazendo da reivindicação política o mote exclusivo. Por isso mesmo, constitui-se uma

importante investigação a configuração dessa apropriação do espaço urbano para fins de

manifestação. Apropriar-se de um espaço público representa, no plano de representação

simbólica dos manifestantes, a possibilidade de se tornar visível e dar visibilidade a uma

determinada causa. Daí que, por vezes, manifestar-se na praça pública pode ser mais

significativo do que a manifestação circunscrita à porta da fábrica ou diante do Parlamento, ou

ainda numa assembléia circunscrita a determinado espaço fechado de uma entidade qualquer.

Page 33: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

32

2.2 Direito à manifestação em praça pública

Um breve passeio pelas imagens e palavras que se produzem acerca das manifestações

públicas, sobretudo as definições advindas da mídia, nos remete a considerações negativas das

mesmas. Não raro, a mídia refere-se às ações encabeçadas pelos movimentos sociais como

ações que levam à desordem, arruaças6 e badernas, enquanto os indivíduos que participam

destas ações são vistos como os baderneiros, desordeiros e arruaceiros, aos quais se associa

também a imagem de pessoas desocupadas, sempre movidas pelo ímpeto de promoverem

distúrbios no ambiente público.

Dupla negação está contida nessa acepção trazida pelos meios de comunicação e

reproduzida no discurso do senso comum. Primeiramente, a rejeição do agir coletivamente,

como se fossem legítimas somente as ações conduzidas pelos indivíduos isoladamente, por

via das ações judiciais, quando o caso assim exigir. O barulho da coletividade incomoda.

Uma segunda negação seria a imagem, por vezes explícita, mas na maioria das vezes

velada, de que as manifestações são sempre de cunho destruidor, beirando à selvageria.

Rejeita-se então o direito à manifestação, fato esse que muitas vezes é percebido quando os

próprios meios de comunicação recusam-se a noticiar situações de manifestações públicas de

movimentos sociais, mesmo quando a expressividade das mesmas salta aos olhos de toda a

cidade ou região.

Não é preciso ir muito longe nesta linha da negação da expressão coletiva. Ela não é

produzida somente pelos meios de comunicação. Está enraizada mesmo na nossa legislação e,

vez por outra, alguma autoridade pública deixa escapar concepções restritivas quanto ao

espaço público, conforme acima se mencionou. Não é difícil fazer uma investigação histórica

acerca dessas concepções em que a manifestação foi tomada como um “caso de polícia”7.

Raridade, no entanto, são as situações em que esta ação coletiva foi vista como direito. Uma

análise rápida sobre os textos das constituições brasileiras a partir de 1934 mostra alguns fatos

6 Não deixa de ser significativa a expressão arruaça que, segundo consta nos dicionários, significa

motim de rua. O termo é empregado no sentido de reforçar a idéia da desordem. 7 Tornaram-se célebres as considerações do então candidato ao governo de São Paulo, Washington Luis,

ao afirmar que as manifestações do movimento operário eram problemas que interessavam "mais à ordem pública do que à ordem social", consideração retomada mais tarde durante sua campanha para a Presidência da República. Essa opinião deu margem à constatação de que a questão social era considerada mais como "um caso de polícia”. Tais julgamentos reproduziram-se em diversos períodos, embora de forma não tão explícita nas palavras, mas que se explicitava nas ações. (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2007).

Page 34: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

33

sintomáticos. Vejamos.

A Constituição Federal de 1934 no Capítulo Dos Direitos e Garantias Individuais,

Artigo 113, Inciso 11, não estabelece a possibilidade de se reunir em locais abertos, nem a

extensão do direito às coletividades. Esse princípio também está implícito nas outras

constituições, com a exceção de 1988:

A todos é lícito se reunirem sem armas, não podendo intervir a autoridade senão para assegurar ou restabelecer a ordem pública. Com este fim, poderá designar o local onde a reunião se deva realizar, contanto que isso não o impossibilite ou frustre. (BRASIL, 1934).

A Constituição Federal de 1937 estabelecia, conforme Artigo 122, Inciso 10:

Todos têm direito de reunir-se pacificamente e sem armas. As reuniões a céu aberto podem ser submetidas à formalidade de declaração, podendo ser interditadas em caso de perigo imediato para a segurança pública. (BRASIL, 1937).

Acrescenta-se a possibilidade de se reunir em céu aberto, estipulando ainda a

possibilidade do poder público intervir, caso a reunião seja considerada um perigo à

segurança pública. Não é o caso de irmos mais além. As manifestações não eram de fato

toleradas. No mesmo artigo, inciso 15, estabelece-se ainda o direito que todo cidadão tem de

“manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante

as condições e nos limites prescritos em lei.” Não há referência ao recurso da manifestação

coletiva, nem mesmo a possibilidade de manifestação pública.

Na Constituição Federal de 1946, Capítulo Dos Direitos e Garantias Individuais,

Artigo 141 Parágrafo 11, nota-se uma semelhança com a Constituição Federal de 1967, do

Regime Militar, acrescentando-se nessa última a possibilidade de se exigir a comunicação

prévia à autoridade:

Todos podem reunir-se, sem armas, não intervindo a polícia senão para assegurar a ordem pública. Com esse intuito, poderá a policia designar o local para a reunião, contanto que, assim procedendo, não a frustre ou impossibilite. (BRASIL, 1946).

O que se deve notar é, sobretudo, a possibilidade de a autoridade intervir para

assegurar a ordem pública, termo bastante amplo para indicar, por fim, que só vale como

lícito aquilo que predeterminar a lei.

Somente com a Constituição Federal de 1988 é que se estabelece de fato a redação que

está inscrita no Artigo 5, Inciso XVI:

Page 35: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

34

Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ou públicos, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo exigido aviso prévio à autoridade competente. (BRASIL, 1988).

O que temos de fato é o avanço da legislação no sentido de se retirar quaisquer

impedimentos à manifestação em locais abertos. A novidade maior ainda é quanto à inclusão

das garantias coletivas ao texto.

Ora, tomando-se os próprios termos da Constituição Federal de 1988, em que se

estabelecem as garantias coletivas e ampliação da possibilidade de reunião em locais públicos,

o que as legislações anteriores apontam é muito mais uma interdição do que propriamente

uma liberdade de manifestação pública.

No entanto, a despeito da proibição, mesmo no início do século XX, quando a

interdição vigorava em sua plenitude, as organizações coletivas, geralmente de operários,

furavam o cerco e promoviam greves, que por vezes, avançavam até às ruas8, transformando-

se em manifestações. Então é fato que as manifestações em via pública fizeram parte da

história das grandes cidades brasileiras, muito embora essa história seja pouco mencionada.

2.3 O tema nas Ciências Sociais

Fillieule e Pechu (1993) realizam um apanhado sobre estudos em Ciências Sociais que

orientam suas análises sobre as ações coletivas, as quais muitas vezes conduzem a ocupações

do espaço público. Sublinha-se o fato de que as manifestações coletivas nem sempre foram

objeto de interesse para os cientistas sociais, muito embora o incômodo perante tais

acontecimentos fosse, desde período mais remoto da sociedade industrial, um motivo para a

organização de teorias sobre o comportamento coletivo. Tratava-se de proposições que se

situariam muito mais como uma reação, ou seja, como espanto das elites face à emergência

das denominadas “classes perigosas”.

Os autores passam em revista as diversas abordagens sobre as manifestações coletivas

no espaço público. A primeira delas situava-se no terreno das Ciências Sociais e da

Psicologia, buscando entender o comportamento coletivo, investigando-o mais como um

8 Gomes (1988) informa que greves e manifestações ocorreram no Rio de Janeiro no final do século

XIX, intensificando-se em 1916-1917. Em 1903 algumas greves violentas, num contexto político e social que também levou à Revolta da Vacina em 1904. Já em 1905 organiza-se a Força Policial do Distrito Federal, verificando-se, a partir daí “sua maior presença e violência na repressão aos movimentos sociais da cidade, grevistas ou não.” (GOMES, 1988, p.64).

Page 36: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

35

desvio do que necessariamente uma ação legítima dos diversos grupos que atuam na

sociedade. As teorias do comportamento coletivo passaram longe dos problemas e dos

dilemas estratégicos que eram colocados pelos movimentos sociais, preocupando-se em

explicar as ações a partir das teorias do contágio, cujos precursores foram Taine, Gabriel

Tarde e Gustave Le Bon.

Posteriormente, a teoria do comportamento coletivo ou do contágio teve continuidade

nas obras de Freud e Blumer. No entendimento destes autores, os indivíduos imersos na

multidão manifestante ficam submetidos à coletividade, são contagiados pela massa, cujas

características seriam a tendência à irracionalidade e à violência, estados mais primitivos da

vida social. Por esta via de interpretação, os movimentos sociais surgiriam sob a forma de

uma erupção colérica, irracional e instantânea, tomando-se mais as condições subjetivas (o

estado de espírito) do que as condições objetivas de uma dada sociedade, que levariam ao

surgimento de demandas específicas de determinados grupos da mesma.

Ao longo do século XX, outros estudos foram gradativamente incorporando tais ações

no bojo das preocupações teóricas das Ciências Sociais. Autores menos preocupados em

explicar os comportamentos coletivos a partir da teoria do contágio buscaram enxergar a

dimensão efetivamente política dos movimentos sociais. Tratava-se da emergência de novos

modelos de explicação, na linha que os autores denominaram “Sociologia das Mobilizações”.

Conseqüentemente, essas explicações deslocaram a análise do “porque” das mobilizações

para o “como” da ação coletiva. Confere-se, assim, legitimidade à ação dos movimentos

sociais. Desta forma,

O tema comum que une as diferentes correntes do novo modelo é o tratamento da atividade dos movimentos sociais como ideologicamente legítima e resultante de comportamentos voluntários e intencionais. (FILLIEULE; PECHU, 1993, p. 79, tradução nossa) 9.

As manifestações somente passaram a ser devidamente abordadas – num sentido

positivo, ou seja, como ação política legítima – a partir da década de 1960, quando o

repertório das mobilizações se ampliou para além das questões particulares do movimento

operário. Nesse momento, as ruas se tornaram um lugar para as ações que diziam respeito ao

movimento estudantil, às questões de gênero (participação da mulher na sociedade, direitos

9 « Le thème commum que unit les differents courants du nouveau modèle est le traitement de l’activité

des mouvements souciaux comme idéologiquement légitime et résultant de comportements volontaires et intentionnels ».

Page 37: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

36

dos homossexuais), raça (movimento negro), ecologia, dentre outros.

Não poderíamos deixar de destacar também um elemento intrínseco às mobilizações

coletivas, os atores sociais. Em Ciências Sociais, numa vertente weberiana, esse termo se

remeteria à motivação que os indivíduos apresentam para determinadas ações coletivas. Não é

nosso propósito aprofundarmos esse enfoque. No entanto, é apropriado considerarmos que

essas definições conceituais que desembocam nas linhas teóricas da ação coletiva não

derivam da mesma matriz que orienta a abordagem da sociologia das manifestações. Desta

forma, a título de introdução ao assunto, torna-se necessário dizer que nem toda ação coletiva

desemboca em manifestação. Talvez seja mais próprio dizer que a manifestação seria uma das

possibilidades da ação coletiva. De toda maneira, consideramos apropriados alguns pontos

referentes ao debate sobre a ação coletiva, conforme levantamento de Fillieule e Pechu, já que

podem nos esclarecer sobre elementos que merecem ser levados em conta nos estudos sobre

manifestações.

Fillieule e Pechu (1993) buscam definir a ação coletiva, pensando-se a análise dos

conflitos, situando as diversas perspectivas teóricas sobre o tema. Dentre as formulações,

ressalta-se a importância da abordagem identitária, a qual busca resgatar aspectos ideológicos

e políticos, desconsiderados por uma abordagem mais economicista. Dentre os autores desta

abordagem estariam Touraine, na França; Melucci e Pizzorno, na Itália e Habermas na

Alemanha.

A corrente teórica da Escolha Racional, por sua vez, vê a mobilização pela linha dos

interesses individuais, partindo da racionalidade do ator para atingir determinados fins. Esta

corrente tem como representante Olson, dentre outros. Citando tal abordagem de forma

passageira, o que convém sublinhar mais precisamente é a consideração de que os indivíduos

só decidem seguir determinados movimentos sociais se houver expectativas de satisfação de

seus interesses individuais. Portanto, levariam em consideração os riscos e os benefícios de

se mobilizarem, e ainda mais, retomando as questões do ponto de vista da ação de rua, de

examinar os possíveis custos, os riscos de serem presos, de sofrerem repressão, e a

possibilidade de êxito em suas ações.

Ora, a disposição para a manifestação, conforme veremos a seguir, não se explica

simplesmente pelos ganhos ou custos econômicos que se possa garantir a partir da mesma.

Outros enfoques dão conta de diversos recortes que precisam ser considerados, sendo que a

própria manifestação indica possibilidade de socialização e conflitos, solidariedades e

enfrentamentos, cujos significados extrapolam o viés puramente econômico, dos interesses

individuais. Tais aspectos merecem um olhar mais atento, que outros autores a seguir parecem

Page 38: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

37

proporcionar.

É sobretudo no terreno das considerações sobre no tema na Ciência Política que

iremos ponderar algumas formulações que merecem maior atenção, já que dizem respeito ao

debate sobre a pertinência ou não das manifestações dentro de uma sociedade democrática.

Nessa linha, duas posturas se apresentam para o debate: a primeira parte do viés da teoria da

democracia representativa, preocupada em descrever as condições para o funcionamento da

democracia moderna (reflexão orientada em dizer como “a vida é”), o que também denomina-

se, conforme Lessa (2002), de Teoria Democrática Descritiva. Essa corrente tem como

expoente, em primeiro momento, Joseph Schumpeter, sendo também representada por Dahl

(1993) e Sartori (1994). A segunda postura teórica seria a da Filosofia Política, que, não se

prendendo às condições dadas para o funcionamento da democracia moderna, apontam

perspectivas no sentido normativo, ou seja, de dizer como a vida deveria ser.

Tomando-se a produção dos autores da Teoria Democrática Descritiva, com mais

destaque para as obras de Dahl e Sartori, constata-se que as formas de protesto público são

tomadas como ações que não se enquadram dentre os requisitos que conduzem ao sucesso das

democracias modernas. Se a democracia dos antigos comportava o princípio da participação,

o sucesso das democracias modernas, ou democracias de grande escala, decorre,

contraditoriamente, não da existência de movimentos de massa protestando nas ruas, mas sim

da não-participação dos cidadãos, ou seja, da apatia política. Conforme evidencia Dahl

(1993), o arranjo político para as democracias de grande escala implica precisamente numa

série de instituições políticas que mediam as demandas dos eleitores para com seus governos.

A este conjunto de instituições Dahl denomina poliarquia. Ora, o desenvolvimento da

poliarquia depende da observação de uma série de condições10, sem as quais a mesma poderia

declinar-se e ceder lugar a regimes autoritários (DAHL, 1993). Diante de tais condições é que

ele vê com ressalvas as manifestações, uma vez que as mesmas não respeitam as regras

elementares de representação de interesses que são os partidos e outros canais institucionais.

Logo, o maior risco para a democracia moderna decorre do excesso de participação, já que

este poderia implodir ou congestionar os canais institucionais de representação dos interesses.

Quanto aos movimentos de massa e os protestos públicos gerados a partir desses movimentos,

os autores daquela corrente temem que possam desencadear possíveis ações extremistas.

10 Conforme Dahl (1993, p. 267), as instituições da poliarquia são: funcionários eleitos; eleições livres e

imparciais; sufrágio inclusivo; direito de ocupar cargos públicos; liberdade de expressão; variedade de fontes de informação; autonomia associativa.

Page 39: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

38

Com respeito a essa discussão, Sartori (1994) critica as formas de protesto público, por

não se enquadrarem dentro dos princípios básicos de uma representação. Dentro de uma

democracia representativa, as demandas ou interesses devem se fazer representar por este ou

aquele segmento. Neste sentido, as manifestações não seriam mecanismos legítimos, já que

seriam organizadas pela parte ínfima do povo, ou mais precisamente aqueles que não

conseguiram representatividade nas instâncias legítimas de representação, e, por isso, não

representam interesses substanciais da sociedade.

Também Dahl (1997), ao considerar o sistema de contestação pública, não vê que este

possa ser necessariamente um equivalente da democratização plena. Em outras palavras, a

relação entre contestação pública e democratização não é proporcional. Preocupado com a

estabilidade do regime poliárquico, ele vê com reservas as manifestações que fogem ao

domínio do sistema competitivo. O risco é que o sistema político seja ameaçado e a forma de

poder autoritário assuma o seu lugar.11

Ainda dentro de uma compreensão teórica que vê a manifestação com reservas, não

poderíamos deixar de mencionar a interpretação que aponta as manifestações como sintomas

de crises das instituições políticas. É uma argumentação muito próxima da abordagem

durkheimiana de anomia, sobretudo porque vê as manifestações como resposta ao

esgarçamento do tecido social, incapaz de integrar parte da sociedade. Num sentido negativo,

portanto, tomam as manifestações como uma forma pré-democrática de ação, problema moral

inclusive, ou da falta de valores democráticos, que não foram devidamente assimilados por

determinados grupos. Nessa acepção, as manifestações de massa são colocadas como ameaça

aos preceitos de uma sociedade republicana12.

Fillieule e Pechu, tecendo comentários sobre o predomínio daquela vertente na Ciência

Política, apontam precisamente ali uma das explicações para a ausência de produções teóricas

sobre as manifestações nas Ciências Sociais, como se tais ações não merecessem uma

reflexão nesse campo13. Considerando as palavras daqueles autores, o seguinte fragmento

11 Face ao temor do “elitismo democrático” perante aos movimentos de massa, Chauí (1988) citando

Moses Finley, indica que os golpes mais duros contra a estabilidade democrática não vieram dos movimentos populares, mas sim das oligarquias e poderosas elites políticas.

12 Nessa linha de abordagem, vale a pena a leitura do artigo de Peralva (2006). A autora faz uma análise dos levantes populares ocorridos na França em 2005, apontando-os como resposta à frágil assimilação dos imigrantes ao contexto nacional. Esta não-integração seria responsável pela eclosão de violência social nas manifestações. Assim sendo, a crise da democracia é associada à crise das periferias urbanas.

13 Os estudos sociológicos, de uma maneira geral, só passaram a colocar a manifestação como parte do seu repertório de análise em período bem recente, conforme situa Siméant (1993). Segundo a autora, ou a

Page 40: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

39

merece ser apresentado, já que sintético e esclarecedor:

Nessas condições, a ação reivindicativa foi, por muito tempo, considerada como um meio ilegítimo de expressão, como um curto-circuito dos canais tradicionais da representação de interesses. Qualquer outro meio de expressão que não fosse o voto seria o efeito de grupos restritos e não se imporia aos outros sendo dado que ele não exprime um consenso geral. (FILLIEULE; PECHU, 1993, p. 11, tradução nossa). 14

Uma outra explicação para a fraca produção sobre o tema é dada pelo fato de que a

teoria pluralista marca-se pelas considerações sobre o Estado de Direito, ou mais

precisamente, dentro das ações que se enquadram no parâmetro da legalidade. As

manifestações, conseqüentemente, foram consideradas durante muito tempo como ações não

reconhecidas pelo Estado de Direito; a manifestação de rua não era – e talvez em larga

medida ainda não seja – considerada adequadamente quando se discutia as possibilidades de

expressão política dentro de um sistema representativo. Não sendo legais, elas acabavam

merecendo uma posição desprivilegiada no campo das Ciências Sociais.

De outro lado, mais precisamente no terreno da Filosofia Política, estariam os autores

preocupados em apontar o caráter profundamente aberto da democracia para a incorporação

ininterrupta de novos direitos. Nesta acepção, a democracia é identificada muito mais como

ordem de valores, apresentando como única condição permanente o fato de subverter o

estabelecido. Nessa acepção, trabalha-se a política como um campo indeterminado, sempre

aberto a novas incorporações. Lefort (1987) e Arendt (1993), a despeito das diferentes

abordagens, poderiam ser colocados como autores que se filiariam a esse campo de análise.

Lefort (1987) indica que a democracia seria um terreno que não se fecha. Nessa

direção é que o autor indica a essência inovadora da própria noção, ultrapassando as

definições herdadas das teorias liberais, ou do chamado elitismo democrático, que tem

Schumpeter, Dahl e Sartori como alguns dos seus representantes.

Em Arendt é possível apontar também elementos que permitem questionar os

fundamentos da Ciência Política, sobretudo quando a autora relaciona o agir político com a

Sociologia Política se interessava pela ação coletiva ou se interessava pelas motivações individuais, ou seja, ficavam na análise, ora do ponto de vista macro, ora do ponto de vista micro. Semelhante análise, por sinal, é compartilhada por Fillieule (1993). Conforme sugerem os autores, tal dicotomia pode ser explicada pela falta de interesse acerca da questão no terreno da Ciência Política.

14 « Dans ces conditions, l’action revendicative a longtemps été considerée comme un moyen illégitime d’expression, comme un cout-circuit des canaux traditionnels de la represéntation des intérets. Tout autre moyen d’expressions que le vote est l’effet de groupes restreints et ne saurait s’imposer aux autres étant donné qu’il n’exprime pas un consensus géneral »

Page 41: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

40

imprevisibilidade, fato que explicitamos com suas próprias palavras:

O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. [...] Os homens, embora devam morrer, não nascem para morrer, mas para começar. (ARENDT, 1993, p. 191).

Nessa acepção, é possível também apostar na possibilidade do novo surgir a partir dos

movimentos sociais, que encontram dificuldade em pisar nos terrenos da política

institucionalizada, embora a autora necessariamente não trabalhe com essa opinião. Em

conseqüência, sendo a política um terreno que não comporta simplesmente o previsível ou a

“vida como ela é”, de acordo com a ênfase dada pelos autores da democracia representativa,

então se abre a perspectiva para construir “a vida como ela deveria ser”, ou seja, apostar na

possibilidade de construir novas trajetórias. A partir deste entendimento é que iremos

encontrar fortes objeções aos teóricos da teoria da democracia representativa.

No Brasil, os trabalhos de Sader e Chauí, dentre outros, retomam elementos dessa

reflexão na linha da Filosofia Política. Também Favre (1990) faz apontamentos nessa direção.

Esta linha é o que torna possível, sobretudo, uma análise positiva dos movimentos sociais e

mais particularmente das ações dos movimentos de protesto ou movimentos de massa no

campo das Ciências Sociais. Passaremos, a seguir, a levantar elementos dessa produção.

2.4 Manifestações nas Ciências Sociais brasileiras

Constata-se a grande profusão de considerações corriqueiras na mídia e na linguagem

cotidiana a respeito das manifestações públicas, mas o mesmo não ocorre no terreno das

Ciências Sociais brasileiras. Dificilmente encontramos definições para as manifestações

públicas no terreno da Sociologia, embora aí se possa encontrar relevantes contribuições a

respeito da ação dos movimentos sociais e suas lutas pela cidadania. Destacamos, por

exemplo, os trabalhos de Filgueiras (1992), Maroni (1982), Sader (1988), Sader e Paoli

(1986), estudos expressivos nessa direção. Estas contribuições são relevantes no sentido de

trazerem experiências dos diversos movimentos populares entrando em cena, para utilizarmos

a expressão que dá título ao livro de Sader (1988), Quando os novos personagens entraram

em cena. Faz-se necessário salientar que a entrada dos movimentos populares em cena, bem

como a retomada das lutas dos trabalhadores no final da década de 1970, depois de um

momento de silenciamento no regime militar, implicou também em formas de ocupação não

prescritas para o espaço urbano, fazendo “[...] a política criar novos lugares para exercitar-se.”

(CHAUÍ, 1988, p.11).

Page 42: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

41

Deste modo, as formas de lutas de diferentes setores populares significaram não só a

satisfação das demandas específicas, tais como salário, creches, moradia, transporte, dentre

tantas demandas que se colocaram na pauta destes movimentos, mas também a formulação de

uma prática política nova, com criação de direitos, além da vivência, ou seja, do aprendizado

político a partir da experiência coletiva. Os excluídos descobrem-se como sujeitos de

interesses, vontades e direitos. Esta dimensão implica, por sua vez, numa reivindicação do

direito à cidade, isto é, na “[...] criação de novos espaços políticos, uma vez que a experiência

dos movimentos os conduz a novas relações com o espaço público.” (CHAUÍ, 1988, p. 13).

Neste sentido é que, conforme afirma Sader, os novos movimentos sociais, para se afirmarem

como sujeitos, acabam entrando na política, e, por conseguinte, acabam também indo às ruas,

reivindicando com isso o seu reconhecimento público enquanto sujeitos que também fazem

parte da história e também são seus condutores.

Os autores acima mencionados, bem como tantos outros, ressaltam a dimensão do

político, a expressão de um movimento que se deu muitas vezes utilizando-se de recursos não

muito convencionais, como a saída às ruas, as ocupações de edifícios públicos ou as

passeatas. Manifestaram-se, portanto. E, ao fazerem-no, colocaram-se como sujeitos políticos,

já que muitas vezes os canais de representação encontravam-se muito reduzidos, a ponto de

não incluírem as demandas levantadas por estes movimentos sociais. Salienta-se ainda que

este boom de movimentos sociais significava também um alargamento do ponto de vista da

democracia brasileira.

Esses exemplos são contribuições da produção sociológica brasileira, os quais nos

possibilitam um levantamento acerca da conformação histórica das manifestações que

ocorreram no Brasil. Os exemplos empíricos são abundantes e eles dão conta de uma

realidade “manifestante”, para usarmos um termo de Favre (1990), sem necessariamente

definirem ou situar mais acuradamente o termo manifestação.

Diante desta lacuna de definição e de uma devida abordagem teórica, algumas

questões se apresentam. Primeiramente, reconhecendo a lacuna, perguntamo-nos: por que o

objeto não tem sido considerado nas Ciências Sociais brasileiras? Faltariam manifestações de

rua ou as existentes seriam insignificantes? Seriam um objeto menor para as Ciências Sociais,

abordagem mais adequada aos historiadores ou até para a psicologia do comportamento

coletivo? As ações encabeçadas pelos movimentos coletivos não representam situações

expressivas de ação social ou mesmo uma ação privilegiadamente política?

É possível encontrarmos respostas a estas questões a partir da rica produção brasileira,

a partir dos levantamentos de manifestações históricas. Nossa investigação da literatura nos

Page 43: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

42

forneceu elementos de sobra para situarmos os momentos de maior ou menor manifestação

social em praça pública, que correspondem, via de regra, a circunstâncias de fechamento

político ou de vida democrática estável.

A respeito do cenário belo-horizontino, só para se ter uma idéia, existe documentação

sobre diversas oportunidades em que a via pública tornou-se palco de protestos, alguns mais

intensos e violentos, outros mais pacíficos. Nosso intuito é retornar a esse cenário histórico no

capítulo seguinte.

Todavia, antes se faz necessário levantar algumas definições sobre manifestações. É

com estas definições que iremos nos embasar para responder às questões que foram colocadas

acima. A partir daí será também possível situarmos as diferentes manifestações e a simbologia

que perpassa a ação coletiva quando se decide ir para a rua. Nessa direção, se o primeiro

momento implica em responder o que são as manifestações e o seu lugar no seio das Ciências

Sociais, já o segundo momento implica em responder por que se manifestam os indivíduos, ou

ainda, numa questão associada, quais os recursos culturais e políticos uma manifestação

envolve (aqui pensando os trajetos, os símbolos, as palavras de ordem, a irreverência). Em

outras palavras, quais são as funções da manifestação?

2.5 O que é manifestar

Conforme salientamos anteriormente, não foi possível encontrar uma definição

apropriada sobre manifestação na literatura brasileira, algo que nos desse a conceituação mais

precisa. Foi necessário partir de alguns autores franceses para termos em conta a existência de

uma abordagem específica daquilo que alguns autores consideram como uma Sociologia das

Manifestações, ou ainda, nos termos de Fillieule (1993), uma Sociologie de la Protestation.

Foi a partir daí que tomamos contato com um elevado número de trabalhos sociológicos sobre

manifestações de rua, enfocando sua pluralidade, trajetórias, simbologia, dentre outros

aspectos15.

A primeira definição mais precisa que encontramos sobre manifestação encontra-se

nos autores Fillieule e Pechu, os quais apresentam a seguinte consideração:

15 Morán (2005, p. 100) destaca que a Sociologia Francesa estudando o fenômeno da manifestação mais

a fundo, faz distinção entre manifestação e manifestação de rua, de modo que aqueles autores utilizam o termo “manifestation dans la rue” para indicar mais precisamente as manifestações de rua.

Page 44: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

43

Nós entendemos por manifestação ’toda ocupação momentânea por diversas pessoas de um lugar aberto, público ou privado com o objetivo de expor as reivindicações, de expressar uma solidariedade, ou de celebrar uma comemoração, e que contenha diretamente ou indiretamente a expressão de opiniões políticas. (FILLIEULE Apud FILLIEULE; PECHU, 1993, p. 12, tradução nossa).16

Em conseqüência, constata-se que o termo comporta uma diversidade de acepções.

Precisamente na linha das explicações de “como” agem os movimentos sociais manifestantes,

os autores mencionados dão conta de que estes movimentos, diferentemente dos movimentos

partidários ou ainda dos movimentos vinculados às questões do mundo do trabalho, rejeitam

os sistemas dominantes de representação, que seriam os partidos e governos. A propósito,

preferem outras formas de manifestação política.

Assim, a ação direta, de rua, torna-se o modo privilegiado de expressão e de reivindicação, pois o alvo é menos um Estado com o qual se recusa a colaborar, e mais uma opinião a persuadir. (FILLIEULE; PECHU, 1993, p.135, tradução nossa)

17.

Ressalta-se que os autores estavam retratando o caso europeu, cuja tradição de

manifestações remota ao século XIX. Contudo, pensando no caso brasileiro, não seria

adequado afirmar que estes movimentos rejeitam o Estado simplesmente por uma opção.

Conforme a literatura indica, e também o indicamos anteriormente, alguns setores não

chegaram mesmo a se representarem no plano institucional. E, diante desta questão é que

pensamos que as contribuições de Favre (1990), Mouriaux (1990) e Tartakowsky (1990)

apresentam também outras explicações que ampliam a discussão sobre as manifestações.

Consideremo-las, em seguida. Todavia, antes de avançarmos nesta linha, convém

tangenciar uma questão que ora se apresenta. A partir da citação acima e das considerações

que os autores adicionam em outros momentos, é possível perceber, analisando as estratégias

de ação do Sindicato dos Bancários, no período que vai de 1930 a 1970, que aquela entidade

busca colocar o Estado como possível interlocutor nas negociações da pauta de

reivindicações. Era comum a organização de passeatas até a sede do Governo, na Praça da

Liberdade, para audiências em que se solicitava o apoio do poder público. Muitas vezes a

relação era direta, até porque a ação sindical prevalecente mantinha-se muito atrelada ao

16 « Nous entendons par manifestation ‘toute occupation momentanée par plusieurs personnes d’un lieu

ouvert public ou privé dans le but de faire connaître des revendications, d’exprimer une solidarité, ou de célebrer une commémoration, et qui comporte directement ou indirectement l’expression d’opinions politiques »

17 « Dès lors, l’action directe, de rue, devient le mode privilegié d’expression et de revendication puisque la cible est moins un Etat avec lequel on refuse de collaborer qu’une opinion à convaincre. »

Page 45: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

44

modelo corporativo. Por isso, o lugar da manifestação era na porta do banco ou na sede do

sindicato dos banqueiros e até na sede do governo do estado, mas, em menor grau, na rua.

Nas décadas de 1980/90, com a interpenetração das demandas sociais por dentro dos

sindicatos (LE VEN, 1987), ocorre também uma mudança nas manifestações, passando essas

a colocar a necessidade de falar/convencer a população. Nessa lógica, até a relação com a

mídia torna-se mais intensa, salientando-se também o surgimento de departamentos culturais

e o incremento dos departamentos de imprensa, com veiculação de jornais específicos pelos

bancos. Isto está bem delineado nos depoimentos dos entrevistados que reforçam estas

questões18.

Quanto à relação destes novos movimentos sociais com a mídia, seguindo as pistas dos

autores que vimos abordando, percebe-se que essa acaba se tornando um dos elementos que

compõem uma manifestação, juntamente com a Polícia19 e a população. Fillieule e Pechu,

citando as contribuições de Dalton e Kuechler, consideram que os movimentos sociais

Concedem uma grande importância às mídias como meio de mobilizar a opinião. A mídia permite aos movimentos sociais expandir seu campo de influencia a todo o público, e as ações não convencionais dos movimentos são freqüentemente conduzidas em razão de seu impacto midiático. (DALTON; KUECHLER Apud FILLIEULE; PECHU, 1993, p.135, tradução nossa). 20

Esse leque de relações associadas às manifestações indica a necessidade de expressar

uma opinião. Contudo, dadas as condições históricas dos movimentos sociais brasileiros,

posto que o seu reconhecimento seja fato tardio, há que se considerar que se busca uma

interlocução com o Estado e partidos. A propósito, não é outro o entendimento de Sader

(1988), ao indicar que um dos traços dos novos movimentos sociais é a extrema desconfiança

em relação aos sistemas representativos e instituições políticas; mas, a despeito desta

desconfiança, para se afirmarem enquanto sujeito coletivo, acabam entrando na política. Isto

não quer dizer necessariamente uma adesão institucional, mas sim uma luta pelo

reconhecimento, inclusive por parte do Estado.

18 A título de exemplo destacamos assim os depoimentos de Prata, Solange, Tiãozinho, Fernando Neiva

e Moisés Augusto que trazem estas questões. Voltaremos a estas falas em momento oportuno, no Capítulo 4. 19 Fillieule (1997) indica que a Polícia é o único elemento presente em todas as manifestações. 20 « Accordent une grande importance aux médias comme moyen de mobiliser l’opinion. Les médias

permettent aux mouvements sociaux d’étendre leus champ d’influence à tout le public, et les actions non-conventionnelles des mouvements sont souvent menées en raison de leur impact médiatique. »

Page 46: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

45

2.6 Manifestação na perspectiva Pierre Favre

Outra obra que consideramos para definir manifestação é a de Favre (1990). O livro

La Manifestation, organizado por ele, traz contribuições de diversos autores, os quais nos

auxiliarão em diversas oportunidades dessa análise. Para o desenvolvimento deste tópico, nos

embasaremos, sobretudo, no texto introdutório do livro, que nos oferece relevantes

definições.

De acordo com Favre, na França se manifesta há cerca de 150 anos. Trata-se de um

fenômeno que ocorre diversas vezes ao dia, ainda hoje, dando conta de que é atual, a despeito

das mudanças sociais e econômicas que vêm ocorrendo nas últimas duas décadas. No seu

processo histórico, as manifestações, por diversas demandas, se apresentaram, a princípio,

misturadas aos motins, sobretudo antes de 1848, quando conflitos violentos chegaram a abalar

profundamente a estrutura do poder naquele país. A partir de 1848, a manifestação vai se

transformando e torna-se um meio de ação específico, distinto de motim. Assim, o autor passa

a definir mais precisamente o que seria a manifestação, trazendo elementos para que

possamos diferenciar as ações coletivas que ocorrem nas ruas. Oportunamente, cabe fazermos

referência às definições antes de prosseguirmos:

Dir-se-á que uma manifestação é um deslocamento coletivo organizado sobre a via pública com fins de produzir um efeito político pela expressão pacífica de uma opinião ou de uma reivindicação. Assim caracterizado, a manifestação se distingue do ajuntamento, que é estático (a manifestação implica um desfile de um ponto a outro), da procissão que tem fins religiosos, do tumulto no sentido corrente que não é, ele, organizado, do motim que se utiliza do espaço público urbano como de um campo de batalha e não como simples lugar de passagem da passeata manifestante. (FAVRE,1990, p.15, tradução nossa). 21

A esse respeito, o autor insere a primeira diferenciação apropriada para o nosso

trabalho. Trata-se de salientar a diferença entre manifestação e a rebelião urbana, esta que

muitas vezes eclodia e resultava nas escaramuças, levantamento de barricadas e quebradeiras.

A manifestação pode transformar-se em motim, mas não necessariamente. Nesse aspecto, vale

fazer também uma diferenciação quanto a outras formas de ação no espaço urbano. Uma

parada militar não pode ser confundida com manifestação; uma greve também não. Uma 21 “On dira qu’une manifestation est um déplacemente collectif organisé sur la voie publique aux fins de

produire une effet politique par l’expression pacifique d’une opinion ou d’une revendication. Ainsi caractérisée, la manifesation se distingue du rassemblement, qui est statique (la manifestation, elle, implique un défilé d’un point à un autre) de la procession qui a des fins religieuses, de l’attroupement au sens courant qui n’est pas, lui, organisé, de l’émeute qui use de l’espace urbain comme d’un champ de bataille et nom comme simple lieu de passage du cortège manifestant. »

Page 47: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

46

greve, no entanto, pode tornar-se uma manifestação, desde que os grevistas concebam a

importância de dar publicidade às suas demandas.

A partir destas diferenciações, segue o autor o seu intuito de explicitar aspectos

associados às manifestações. Primeiramente, o autor busca discutir os alvos da manifestação,

ou seja, para quem a manifestação se dirige. Um dos alvos seria o Estado. O Estado acaba por

ser um interlocutor, mesmo que indiretamente, já que, ao se projetar uma manifestação, os

manifestantes expõem-se ao conflito com o poder público, que pode interditar o acesso ao

espaço público, dependendo da abertura ou não do regime político. Sob tal ponto de vista,

uma manifestação comporta sempre uma possibilidade de desfecho imprevisível, seja pelo

malogro das expectativas dos manifestantes, seja pela possibilidade de um confronto violento.

A violência física está colocada como probabilidade no horizonte da manifestação. Todavia,

esta probabilidade não deve ser atribuída à um pretenso descontrole e comportamento

destrutivo inerente às ações de massa, conforme os autores da teoria do comportamento

coletivo apontam. Para Favre, esta imprevisibilidade coloca-se mais pelo fato de que há

muitos atores presentes numa manifestação, inclusive provocadores, ou agentes da polícia

infiltrados, cujos objetivos podem ser distintos daqueles orientados pelo movimento.

Ainda como alvo das manifestações está o público que assiste. É para este público que

a manifestação existe (o público pode ser também o espectador das mídias). As manifestações

dirigem-se a eles. Os manifestantes falam para eles também. E, nessa orientação, a mídia

também é um importante ator, que, pela possibilidade de divulgar as ações dos movimentos

sociais, seria também um dos alvos preferenciais da manifestação. Uma das necessidades da

manifestação seria obter divulgação favorável na mídia.

O público assistente pode, em situações ocasionais, envolver-se diretamente nos

conflitos, seja quando se sentir prejudicado de alguma maneira pela manifestação, ou quando

os manifestantes forçam a entrada do público na manifestação, levando-a a reboque, ou ainda,

quando uma situação imprevista apresenta-se no curso dos acontecimentos, como por

exemplo uma repressão policial voltada contra todos, inclusive contra o público assistente.

E os lugares das manifestações? Eis outra questão tratada pelo autor como um dos

aspectos importantes para se analisar as manifestações. Contudo, estas referências quanto aos

lugares (espaço público) foram tratadas no referido livro a partir das considerações de Offerlé

(1990). Esta é uma questão que nos importa mais de perto, sobretudo porque o autor confere

um destaque à utilização da rua como espaço de manifestação. Ressaltamos, portanto, o que o

autor considera com respeito aos usos da rua e a relação com a manifestação. Assim, uma rua

apropriada exclusivamente como lugar para a circulação dos automóveis fornece dificuldades

Page 48: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

47

para que seja apropriada pelos manifestantes (OFFERLÉ, 1990).

Este autor traz também uma relevante contribuição acerca das escolhas dos lugares

para manifestar que cada movimento faz. Para ele, cada manifestação francesa, seja por

questões organizacionais, seja pelas questões associadas ao aspecto simbólico, conhece a sua

praça. Em outras palavras, cada praça comporta determinado tipo de manifestação. Cita-se o

caso da França, mas pensamos que essa associação poderia ser parâmetro para considerarmos

as manifestações brasileiras. Para citarmos alguns exemplos do Brasil e até mais

particularmente de Belo Horizonte, é notório o fato de a CUT ter realizado, até recentemente,

o seu 1º de Maio na Praça da CEMIG, em Contagem, paralelamente às manifestações da

Força Sindical, que ocorrem em outras praças. Também é relevante o fato de os movimentos

sociais realizarem o “Grito dos Excluídos” no Sete de Setembro, no mesmo momento em que

se realizam as Paradas Militares. Esta manifestação vem ocorrendo nos últimos anos na Praça

da Liberdade ou na Praça Sete, enquanto as paradas militares, tradicionalmente, ocorrem na

Avenida Afonso Pena.

Essa coexistência de duas ações de rua na mesma data, em espaços diferenciados,

merece ser abordada sob o ponto de vista das representações que são levadas às ruas pelos

distintos grupos. Em conseqüência, tomando-se o Sete de Setembro, dia da Independência,

colocam-se no espaço urbano duas concepções distintas; uma que reforça as insígnias do

poder e a concepção disciplinar sobre a própria organização societal, representada pelas

paradas militares, e outra, representada pelo “Grito dos Excluídos”, buscando questionar as

estruturas de poder e dominação, inclusive tomando-se como referência o próprio símbolo do

Sete de Setembro, que expressaria a Independência do Brasil. Denunciando geralmente uma

questão que é o mote de um determinado ano22, os manifestantes do “Grito dos Excluídos”

questionam também essa “independência” e toda simbologia nacionalista conservadora

agregada às paradas militares. A manifestação é seguida em multidão não ordenada,

diferentemente das Paradas Militares, que reforçam elementos de hierarquia, com autoridades

no palanque e desfiles ordenados.

Trata-se de uma importante consideração, sobretudo pelo fato de que o espaço público

não é organizado de forma natural. A apropriação do espaço para diversos fins e a própria

disputa sobre os usos do espaço será tratada em capítulo a seguir.

22 Em 2007 o « Grito dos Excluídos » teve como mote o plebiscito para a anulação da privatização da

Vale do Rio Doce, conduzido por entidades de esquerda em todo o território nacional.

Page 49: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

48

Quanto aos aspectos simbólicos conduzidos por cada manifestação, ressalta-se que, no

caso francês, os partidários do ultra-conservador Jean Marie Le Pen, na sua reapropriação do

1º de Maio, portam-se de modo mais ordenado, como um desfile mesmo, em fileiras,

separando-se os indivíduos por regiões, reforçando-se assim a hierarquia e o poder.

Contraponto que é feito com as manifestações do 1º de Maio dos movimentos de esquerda.

Nota-se a profusão de bandeiras de diversas cores representando as diversas e categorias

profissionais, com o predomínio da cor vermelha. Tais exemplo são também adequados para

examinarmos as diferentes composições de manifestantes ou formas de ocupação de rua no

Brasil.

Salientamos ainda uma outra definição, trazida por Morán (2005): a autora destaca que

alguns dos atributos de uma manifestação são seus conteúdos simbólicos e a experiência

cidadã que ela propicia. Ela sugere o termo “prática de cidadania espacializada”, referindo-se

às manifestações ou ao direito às manifestações no espaço público. O termo é tomado de

empréstimo de Charles Tilly, autor que recentemente também vem tratando das manifestações

no espaço público. Segundo a autora, Tilly enumera diversas abordagens associadas às

manifestações, dentre as quais evidenciam-se a dimensão simbólica, os itinerários e controle

do espaço. Fato importante a ser considerado, já que, a nosso ver, os indivíduos que fizeram

parte das nossas entrevistas, mostram-se, todos eles, marcados pela experiência de ir para as

ruas e ressaltam o quão prazeroso e significativo é “marchar junto”, o “nós reunidos”

(TARTAKOWSKY; PIGENET, 2003). Para compreendermos os sentidos dessa participação

cidadã, vale a transcrição integral do que a Morán define para manifestação. Vejamos:

Manifestar-se significa essencialmente «sair à rua», ocupar um espaço público que seja visível para o maior número de pessoas possível, e desfilar por ele. A idéia de movimento, de deslocamento, é consubstancial à manifestação; e sendo possível deve fazer-se através do espaço por excelência: a parte central da rua, e não tanto os passeios. Os lugares concretos onde se desenvolvem as manifestações têm também uma grande importância. Devem gozar de uma grande visibilidade e, além disso, estar carregados com um forte conteúdo simbólico. Daí a preferência por «invadir» certas ruas ou praças do centro histórico, assim como por transportar a celebração de muitas manifestações desde os locais onde os conflitos são produzidos até cidades importantes, preferivelmente aquelas nas quais se concentra o poder político: as capitais dos Estados ou das províncias. [...]. A eleição do lugar no qual se levará ao cabo é, pois, uma questão muito relevante para os organizadores, da qual depende em boa medida seu êxito; [...]. Congregar-se, mostrarem-se juntos, ser protagonistas e participantes «em primeira pessoa» são dimensões constitutivas da manifestação. Daí que participar em uma delas seja uma experiência cidadã única com uma evidente função de aprendizagem. A importância de «fazer-se visível» explica que seja uma das práticas de cidadania preferidas por

Page 50: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

49

aqueles grupos que lutam por seu reconhecimento e inclusão dentro da comunidade de cidadãos. (MORÁN, 2005, p. 100, grifo e tradução nossa)23.

Com as esclarecedoras definições sobre os atributos das manifestações, seguimos, por

fim, as considerações de Favre a propósito do lugar das manifestações no sistema

democrático. Conforme nos informa Favre,

A manifestação seria então assim, de essência democrática, ou mais exatamente, participaria de um poder de expressão primordial dos governados. Nestas situações, a simples participação de manifestantes é prova da força de suas convicções. (FAVRE, 1990, p. 49, grifo do autor, tradução nossa).24

Semelhante entendimento nos ajuda a responder aquelas questões colocadas pelos

teóricos da democracia representativa, no sentido de se apresentar a manifestação como um

elemento estranho à democracia. Auxilia-nos também a avançar no sentido de entender o

funcionamento da manifestação, mais do que relegá-la aos estudos comportamentais,

conforme preocupação das Ciências Sociais, em certo momento histórico. Assim, a

manifestação deve ser inserida como um elemento que compõe o sistema democrático, deve

ser entendida como um recurso legítimo, talvez o último, podendo chegar, por isso, a ser um

caminho desesperado de reivindicação face ao Estado.

Fazendo coro com a interpretação defendida por Favre, Morán frisa também a

importância, ou mais que isso, a localização das manifestações como parte dos sistemas

democráticos. E, não bastasse essa ênfase, ela o situa como um de seus elementos centrais.

Vejamos suas considerações,

23 « Manifestarse significa esencialmente «salir a la calle», ocupar un espacio público que sea visible

para el mayor número de personas posible, y desfilar por él. La idea de movimiento, de desplazamiento, es consustancial a la manifestación; y a ser posible debe hacerse por el espacio por excelencia: la calzada, y no tanto las aceras. Los lugares concretos en donde se desarrollan las manifestaciones tienen también una gran importancia. Deben gozar de una gran visibilidad y, además, estar cargados con un fuerte contenido simbólico. De ahí la preferencia por «invadir» ciertas calles o plazas del centro histórico, así como por trasladar la celebración de muchas manifestaciones desde los puntos en donde se producen los conflictos a ciudades importantes, preferiblemente aquellas en las que se concentra el poder político: las capitales de los Estados o de las provincias. […]. La elección del lugar en el que se llevará a cabo es, pues, una cuestión muy relevante para los organizadores, de la que depende en buena medida su éxito; […]. Congregarse, mostrarse juntos, ser protagonistas y participantes «en primera persona» son dimensiones constitutivas de la manifestación. De ahí que participar en una de ellas sea una experiencia ciudadana única con una evidente función de aprendizaje. La importancia de «hacerse visible» explica que sea una de las prácticas de ciudadanía preferidas para aquellos grupos que luchan por su reconocimiento e inclusión dentro de la comunidad de ciudadanos.”

24 « La manifestation serait donc ainsi d’essence democrátique, ou plus exactement participerait d’un pouvoir d’expression primordial des governés. Dans ces situations, la seule participation des manifestants est preuve de la force de leur conviction. »

Page 51: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

50

[...] há que se admitir que o protesto em geral – e a manifestação em particular – constitui um dos elementos centrais da vida dos sistemas democráticos. As manifestações são, ao mesmo tempo, uma resposta coletiva ante situações de crise, e uma conseqüência das crises dos canais tradicionais de participação política: sem esquecer que são praticamente a única forma de alcance dos grupos excluídos pela comunidade política para expressar suas demandas de reconhecimento, para ‘fazerem-se visíveis’. (MORÁN, 2005, p. 99, tradução nossa).25

Autores brasileiros realçam este lugar da manifestação no cerne de uma sociedade

democrática, corroborando aquela idéia de uma “cidadania espacializada” citada ainda há

pouco. Lembramos oportunamente o trabalho de Sader (1988), para quem os novos

movimentos sociais, no fim dos anos 70 e década de 80, singularizaram-se, não pelo aspecto

da participação político-institucional, até porque os mesmos canais estavam fechados para os

movimentos populares, mas, sobretudo, pela busca de reafirmação como sujeitos sociais e

políticos autônomos.

No livro acima citado, Chauí (1988) apresenta o lugar das manifestações como função

de aprendizado cidadão, como exercício da cidadania. Nesse rumo, estar em um espaço

público, manifestando-se num espaço até então reservado para o capital – compreendendo

aqui os negócios e a circulação de automóveis – tem o sentido de uma ação pedagógica,

significativa para a vivência política, enfim, para a tomada de consciência dos indivíduos

como sujeitos históricos e de direitos.

Ainda quanto à relação com o Estado, temos então um argumento que se distancia de

uma formulação de Fillieule e Pechu, levantada anteriormente. Para aqueles autores, as

manifestações encabeçadas pelos movimentos sociais na atualidade orientam-se por um

distanciamento do Estado ou mesmo das questões partidárias. A literatura brasileira aponta

um ponto de vista diferente, já que os movimentos sociais26 brasileiros, precisamente os

denominados Novos Movimentos Sociais, que emergiram na cena política a partir do final da

década de 1970, buscaram se fazer reconhecidos como sujeitos políticos.

A argumentação de Favre (1990) também se distancia daquela orientação apresentada

25 […] hay que admitir que la protesta en general —y la manifestación en particular — constituye uno

de los elementos centrales de la vida de los sistemas democráticos. Las manifestaciones son, al tiempo, una respuesta colectiva ante situaciones de crisis, y una consecuencia de la crisis de los canales tradicionales de la participación política. Sin olvidar que son prácticamente la única forma al alcance de los grupos excluidos de la comunidad política para expresar sus demandas de reconocimiento, para «hacerse visibles.».

26 A respeito ver: SADER (1988) SADER; PAOLI (1986), FILGUEIRAS (1992), LE VEN (1987) LE VEN; NEVES (1996). Nesses autores, embora com enfoques distintos, é possível verificar a relação entre os movimentos sociais e o Estado, colocadas na busca de ampliação dos canais de participação política. Através de suas manifestações estes atores sociais buscam o reconhecimento enquanto atores políticos.

Page 52: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

51

por Fillieule e Pechu (1993). De acordo com sua interpretação, toda manifestação tem como

alvo o Estado, mesmo que este se apresente de forma fluida e imprecisa. E há sempre uma

relação com o Estado quando se manifesta em espaço público, já que um dos atores de uma

manifestação seriam as forças da ordem, participantes daquilo que Favre situa como o

“momento manifestante” 27.

Para ele – e aqui recorrendo às formulações de Amitaï Etzioni, de quem retoma alguns

termos e a quem dirige algumas críticas – as vias usuais da democracia representativa muitas

vezes não conseguem responder a interesses específicos e novos que surgem na dinâmica de

uma sociedade. O recurso à manifestação teria a finalidade de colocar estas demandas no

plano político. Além de poder permitir a expressão de grupos não representados nos canais

políticos, a manifestação também traz a particularidade de dinamizar a vida política. E com

isso, o autor indica que as manifestações são circunstâncias significantes, quase sempre

lembradas pelos participantes. É o que se tem demonstrado a partir de diversas sondagens

sobre a vida política na França. Os momentos de manifestação são colocados em destaque

como fatos constitutivos da memória dos entrevistados.

Ainda com relação ao papel das manifestações no sistema democrático, considera-se a

relevância do número e a diversidade de manifestantes. Nessa lógica, indica-se que a

manifestação seria um sinal de extensão das bases sociais da democracia (FAVRE, 1990). O

número de manifestações em via pública deve ser também tomado como elemento indicativo

do nível de democracia existente em determinada sociedade.

A propósito do número de manifestações em via pública, outros autores situam

circunstâncias em que a rua encontra-se fechada, seja por via da própria força repressiva do

poder autoritário, seja ainda pelas relações de consumo do espaço urbano que se instauram

sobre a rua, tornando-a privatizada (LEFEBVRE, 2002; MURILLO e MARQUES, 2005;

OLIVEIRA, 1999; POCHMANN, 2007). Seja pelo primeiro ou pelo segundo motivo, a

possibilidade de expressão na rua – e, por conseguinte, a democracia – encontra-se limitada.

Assim, de acordo com estes, a ausência de manifestações na rua é, por si, um sintoma que

27 O termo “momento manifestante” foi cunhado pelo autor para indicar os componentes que integram

diretamente ou indiretamente uma manifestação. Utilizando a imagem de círculos concêntricos, no núcleo teríamos o grupo manifestante propriamente dito, ou, mais precisamente, o primeiro ator da manifestação. O segundo ator seria constituído por um serviço de ordem da manifestação, composto pelo movimento organizador da manifestação (que existe no caso Francês, mas não no caso brasileiro). O terceiro ator seria o público meio manifestante, localizando-se muito próximo do núcleo de manifestantes. O quarto seria o público que assiste a manifestação e o quinto seria constituído pelas forças da ordem pública. Este segmento seria o único agente do Estado presente em todas as manifestações.

Page 53: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

52

remete à ausência de democracia. A este propósito cita-se Lefebvre, o qual sintetiza esses

aspectos que abordamos até agora:

A passagem na rua, espaço de comunicação,é a uma só vez obrigatória e reprimida. Em caso de ameaça, a primeira imposição do poder é a interdição à permanência e à reunião na rua. (LEFEBVRE, 2002, p.31).

Para Lefebvre, a apropriação da cidade como lugar de consumo (consumo dos lugares)

pode ser uma forma de poder implícito que inviabiliza a possibilidade da apropriação da rua

como espaço de manifestação; novas formas de silenciamento, elementos que talvez possam

explicar um esvaziamento das ruas nos últimos tempos. Estabelecendo-se uma conexão entre

o entendimento apresentado por Favre às formulações de Lefebvre, o número de

manifestações na rua pode ser associado a questões internas aos movimentos sociais, donde a

ausência de manifestações poderia indicar uma crise dos mesmos, seja devido a processo de

burocratização, ou ainda devido à diminuição do número de sócios e ativistas empenhados em

determinadas causas. Mas também convém destacar as questões externas, como a própria

organização societal mais ou menos privatizada, as intervenções das relações de poder e

consumo, que afetam a possibilidade da manifestação.

Márcio Pochmann, refletindo sobre a realidade brasileira, aponta a compreensão sobre

um paulatino esvaziamento do espaço público nos últimos anos, trazendo ainda outros

elementos de análise;

O movimento de redemocratização nacional chamava a atenção para o fato de que o governo da ditadura militar havia privatizado o espaço público. Essa é uma questão que merece ser destacada. A sociedade brasileira, até o início dos anos 1960, tinha um espaço público que hoje está muito reduzido. Ele foi apropriado pelo privado. A sociabilidade está sendo construída dentro dele. A começar pelo Shopping Center, que hoje é onde as pessoas podem caminhar com certa segurança. Entretanto, na década de 1960 a população tinha a opção do passeio, da praça pública. As pessoas caminhavam, andavam nas ruas. Nós perdemos essa característica. Parte dessa distorção é decorrente da ditadura militar, cujo período foi marcado pela privatização do Estado. (POCHMANN, Márcio, 2007).

Embora não haja nessa passagem uma alusão direta ao número de manifestações no

espaço público, é relevante a constatação acerca do esvaziamento desse espaço, tomado como

um problema associado à sociabilidade e que, em última instância, é um problema para a

constituição de relações democráticas. Não deixa de ser sintomático esse esvaziamento,

sobretudo porque um dos elementos intrínsecos às manifestações é a existência de público.

Page 54: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

53

2.7 As manifestações operárias

2.7.1 A festa do 1º de Maio

Feitas as considerações de modo mais geral sobre manifestações, caberá agora, num

plano mais específico, realizar alguns levantamentos sobre as manifestações operárias. Nossa

intenção é, portanto, realçar as singularidades dessas manifestações, buscando identificar as

promessas e simbologias levadas às praças como meio de expressão de um segmento social.

Este levantamento será uma espécie de preâmbulo para que possamos conhecer um pouco,

posteriormente, do movimento sindical. Mas o intuito não é fornecer elementos para analogias

com esta ou aquela categoria de trabalhadores, ou mesmo entre esse ou aquele momento

histórico, ou ainda realizar um levantamento exaustivo sobre as manifestações operárias. A

intenção é menos ambiciosa. Gostaríamos, nesse momento, de entender, a partir da sugestão

de Perrot (1992), que os movimentos operários conduziram, em determinado momento, a

manifestação do Dia dos Trabalhadores como um modo de expressão, termo esse que nos será

valioso em diversas situações de nossa explanação.

A autora sugere que as greves dos trabalhadores apresentavam, até a primeira metade

do século XX, duas características: eram um meio de pressão e um modo de expressão. Com

respeito a essas definições associadas às greves, é apropriado transcrevermos as descrições da

própria Perrot (1996, p.195):

Eu penso que nas sociedades européias do século XIX e da primeira metade do XX (já que, agora, há uma diferença evidente), a greve era duas coisas: ela era, simultaneamente, um meio de pressão para obter algo ou para se defender, e um modo de expressão. Para além da reivindicação ou da defesa propriamente ditas, ela era a expressão de um grupo mais ou menos comunitário que, seguidamente, pela greve se tornava mais comunitário (às vezes também era a ocasião de cisões, de clivagens, de divisões) Definitivamente, não existem duas greves que se pareçam, mas a greve tinha estas duas funções.

A reflexão trazida a partir destas características é bastante adequada para nossos

intentos, muito embora a autora estivesse se referindo às greves européias situadas em

determinado momento histórico. Não obstante, tomamos como pertinentes as sugestões de

que há uma singularidade das manifestações operárias face a outras modalidades de

manifestações. Nossa intenção é nos determos nas simbologias dos movimentos operários que

se manifestaram em via pública. Conduzindo nossa linha de raciocínio, traremos também

algumas contribuições de Mouriaux (1990), Tartakowsky (1990), Tartakowsky e Pigenet

(2003), que serão oportunos para discussão do repertório das manifestações, como modo de

Page 55: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

54

expressão, sobretudo. Trata-se de algumas abordagens da sociologia francesa sobre o assunto.

Conseqüentemente, as contribuições merecem ser trazidas para nossa análise, sobretudo

porque lançam pistas para compreender uma interpretação não muito comum no nosso campo

de atuação.

Não trataremos ainda do movimento dos bancários, que será fruto de análise mais

acurada em capítulo específico. Contudo, em momento apropriado, serão introduzidas

algumas linhas sobre o Primeiro de Maio no Brasil.

Por sugestão de Blass (1992), em que a autora refere-se a alguns trabalhos de Perrot,

fomos buscar a origem das manifestações operárias consubstanciadas no 1º de Maio, mais

precisamente a grande festa dos trabalhadores, dia reconhecido e festejado mundialmente.

Perrot, em seu texto acerca das origens do Primeiro de Maio na França em 1890 (PERROT,

1992), buscará compreender historicamente a essência desse primeiro de todos os Primeiros

de Maio. Que visões de mundo estariam ali esboçadas? Que atitudes e símbolos os operários

estariam forjando ou carregando?

A autora lembra que a escolha da data de 1º de maio como “Dia dos Trabalhadores”

relaciona-se aos acontecimentos trágicos de 1º de maio de 1886, ocasião em que diversos

operários morreram num confronto com as forças armadas, em Chicago. Em 1889, um

congresso da Segunda Internacional delibera uma resolução em que se propõe a referida data

para ser um dia lembrado simultaneamente em todos as cidades e países do mundo. Portanto,

buscava-se marcar o dia como uma data universal, e não só de um país, de forma a demonstrar

a força do proletariado em uníssono, para que a classe operária se identificasse enquanto tal,

através da expressão de gestos, palavras e símbolos operários, por todas as partes do planeta.

A definição da data e das características do acontecimento foi antecedida de um

intenso debate, em que diversas correntes do movimento operário internacional apresentavam-

se com suas propostas. Assim, os guesdistas, corrente marxista francesa (de Jules Guesdes), e

os anarquistas indicavam, cada qual, estratégias diferentes, que iam desde a definição de

itinerários, passando pela defesa ou não de realizações de passeatas, até a característica

daquela manifestação, isto é, seria uma greve geral agregada a intimações aos poderes

públicos, como queriam os anarquistas; ou uma movimentação política e menos anti-patronal,

como queriam os guesdistas.

A intenção dos anarquistas era, portanto, a de causar uma forte impressão na opinião

pública, e, por conseguinte, suscitar também um verdadeiro clima de alarme junto às classes

mais abastadas. Já os guesdistas preferiam reuniões a portas fechadas, utilizando-se da data

para convocar intervenções das autoridades no âmbito das relações de trabalho, ou seja,

Page 56: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

55

privilegiavam o encontro com o poder local, opondo-se, por seu turno, a um viés mais festivo

para o 1º de Maio, fato que poderia ofuscar a dimensão política almejada por eles. Nas

palavras de Perrot, pensava-se mais no 1º de Maio como uma forma de pressão do que um

modo de expressão.

Com efeito, o que se constatou na prática foi a conformação de um 1º de Maio festivo,

sem descurar das questões políticas. O movimento operário buscou mesclar antigas tradições

culturais: elementos religiosos como os estandartes, expressões fraternais como “irmãos”,

“camaradas” ou “companheiros” e elementos ritualísticos; elementos da tradição camponesas

ou familiares, tais como danças e trajes regionais, e ainda, elementos da esfera política

operária, como cores e bandeiras, predominando ora as cores pretas, representando as

vinculações anarquistas, ora as vermelhas, representando os socialistas. O resultado desse

primeiro Dia do Trabalhador foi uma mistura de prazer e política, uma festa contra a festa dita

nacional, o 14 de Julho, afixada pela burguesia no intuito de ser uma festa de todos os

franceses. Posteriormente a data iria se alinhar mais a uma pedagogia socialista e sindical.

2.7.2 Manifestações e greves

Tartakowsky (1990) sugere que as manifestações podem acompanhar circunstâncias

de greves, antecipando ou seguindo-as. No entanto, as manifestações não são condições sine

qua non de uma greve. Podem se aliar, mas mantêm entre si uma autonomia considerável.

Sendo assim, as manifestações são um dos recursos possíveis utilizados pelos sindicatos,

podendo ser um reforço à greve ou, em alguns casos, um substituto.

As manifestações nunca se reproduzem novamente da mesma forma, mesmo que as

condições históricas se assemelhem. Cada “momento manifestante” deve ser analisado em sua

singularidade. Assim, fatores históricos, a diversidade dos movimentos sociais, tudo isso deve

ser levado em conta. As variáveis sindicais conduzem a variações nas manifestações. Esta

constatação é bastante significativa, sobretudo porque ajuda-nos a entender por que essa ou

aquela categoria profissional consegue impor uma característica mais irreverente às

manifestações, prevalecendo aí o aspecto lúdico, ou para utilizarmos as palavras de Perrot

(1992), predominando o modo de expressão, e outras categorias, ou também outros contextos

históricos da mesma categoria, necessitam impor uma dinâmica séria e mais aguerrida à

ocupação de rua, isto é, tornando a manifestação uma forma de pressão. É preciso buscar os

componentes histórico-culturais e políticos que subsidiam a inserção dos indivíduos em suas

respectivas categorias profissionais.

Page 57: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

56

Mouriaux (1990) é um autor que nos ajuda a pensar em alguns aspectos que marcam

as manifestações sindicais, levando-se em consideração a inserção histórica dos sindicatos no

cenário de uma sociedade capitalista. Realizando análises sobre as manifestações sindicais,

sugere que os sindicatos adaptam um modo de ação antigo às manifestações, fato que, por

sinal, já havia sido mencionado quanto às festas do Primeiro de Maio. Assim, os sindicatos

costumam combinar, em suas manifestações de rua, elementos do repertório religioso, com

passeatas que lembram os cortejos e procissões, utilizando-se de estandartes e bandeiras que

remetem aos estandartes de santos, largamente utilizados nas celebrações religiosas

(TARTAKOWSKY; PIGENET, 2003). Combinam ainda elementos do repertório militar e

guerreiro, tendo as marchas como referência: os manifestantes seguem em bloco, numa alusão

às tropas em deslocamento. Também é comum o emprego, no discurso sindical, de elementos

apropriados do repertório gramatical associado às metáforas religiosas, tais como “irmãos” e

“companheiros”, e também termos que remetem às metáforas militares, tais como “ataque”,

“defesa”, “luta” e “militante”.

Tendo realizado essa demarcação, uma consideração também importante é situar os

métodos de manifestação utilizados pelo movimento sindical, visando atingir diferentes

objetivos. Sendo assim, uma manifestação pode primeiramente ser utilizada para conseguir a

simpatia da sociedade para a causa do movimento, atraindo a atenção da imprensa ou

divulgando materiais próprios, por ocasião da manifestação. Em segundo lugar, uma

manifestação pode ser utilizada para difusão de palavras de ordem, ou seja, para tornar

pública a combatividade dos manifestantes e ganhar forças. Em terceiro lugar, ela também

pode ser um método para exercer um constrangimento moral, a partir do bloqueio de vias

públicas, ocupação de edifícios ou inadimplência de tarifas.

Tais métodos podem colocar o sindicato na ilegalidade, dependendo da carga de

recursos utilizados, bem como da não-disposição do governo em reconhecer as manifestações

de rua. Não obstante, essas manifestações poderão garantir a visibilidade almejada, além de

servir como força de pressão diante de cenários desfavoráveis, objetivo também almejado por

alguns movimentos, em situações excepcionais.

Quanto à relação entre greve e manifestações de rua, estas podem servir para reforçar

uma greve já existente. Nesse caso, uma manifestação se junta à paralisação do trabalho.

Page 58: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

57

O objetivo visado não é somente de desviar os assalariados de irem aos seus locais de trabalho ou de fazê-los permanecer em suas casas, mas de favorecer a adição de múltiplos protestos locais, mesmo minoritárias, de captar a dinâmica manifestante que nós temos analisado a tripla dimensão de sedução, de impressão e de constrangimento. (MOURIAUX, 1990, p. 311).28

Este foi o caso dos bancários de Belo Horizonte em algumas circunstâncias, e também,

como ressalta Blass (1992), o caso do movimento sindical bancário de São Paulo, em 1985:,

as greves de bancários eram acompanhadas invariavelmente por manifestações de rua.

Poderíamos inclusive acrescentar, dadas as particularidades da relação do trabalho bancário

com os centros da cidade, que as greves de bancários, em si, já seriam uma espécie de

manifestação de rua.

2.7.3 As manifestações do 1º de Maio no Brasil

Assim é que, conforme já mencionamos, o 1º de Maio na França foi originalmente

disputado entre anarquistas e socialistas. Avançando um pouco mais, tal disputa pôde marcar-

se pelo conflito entre esquerda e direita, já que esta última também passa a inserir-se no

âmbito das organizações sindicais, disputando as atenções dos trabalhadores.

Tal arena de disputa merece ser considerada para o caso brasileiro. Antunes (1985) e

Gomes (1988) indicam que as primeiras organizações operárias do Brasil se deram no início

do século XX. Num período que vai de 1900 a 1930, diversas manifestações e greves foram

inicialmente conduzidas pelos anarquistas e depois pelos comunistas. Já em 1906, ocasião da

realização do I Congresso Operário no Rio de Janeiro, tem-se a notícia também de realização

de várias greves, além da manifestação do 1º de Maio. Conforme Gomes (1988), não há como

negar a proeminência dos anarquistas junto ao movimento operário brasileiro, sobretudo no

período que vai de 1906 até 1920. Salienta-se como característica essencial dos anarquistas o

empreendimento de diversas articulações, tendo em vista incidir junto às associações de

trabalhadores e sindicatos um intenso trabalho de propaganda, para difundir suas concepções.

Para isso, os anarquistas não só se ocuparam da realização de greves, mas também de

manifestações públicas de caráter mais amplo, organizando campanhas anticlericais e

antimilitaristas, além dos comícios contra a carestia e contra a lei de expulsão de estrangeiros.

28 « L’objectif vise n’est pas seulement de détourner les salariés d’aller à leur travail ou de rester chez

eux mais de favoriser la sommation des multiples protestations locales, même minoritaires, de capter la dynamique manifestante dont nous avons analysé la triple dimension de séduction, d’impression et de contrainte. »

Page 59: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

58

Tais manifestações muitas vezes eram associadas ao 1º de Maio, data a qual os anarquistas

buscavam apropriar-se, imprimindo suas orientações.

De 1923 até 1930, ocorre a escalada da vertente comunista, que passa a dar uma nova

conotação para o movimento operário, e, por conseguinte, para o 1º de Maio. A partir de

1923, os comunistas começaram a inserirem-se nos sindicatos, depois da intensa perseguição

política aos militantes anarquistas. Já no final da década de 1920, uma nova concepção

sindical, a cristã reformista (ANTUNES, 1985), também aparece no cenário político-sindical

brasileiro. Com isso, três concepções distintas passaram a disputar as significações do 1º de

Maio: católicos, comunistas e anarquistas. Em relação a essa disputa, vale a pena inserir

algumas linhas apresentadas por Gomes (GOMES, 1988, p.174), em que se refere a um

comício marcado pelos comunistas para se realizar no 1º de Maio de 1929, na Praça Mauá,

pelo motivo da festa de encerramento do congresso de fundação da Confederação Geral do

Trabalho:

O comício foi realmente bastante prestigiado, mas teve que concorrer com dois outros acontecimentos: a reunião de protesto dos anarquistas na Praça Onze, organizada pela FORJ29e pela União dos Operários da Construção Civil, e a missa oficiada pelo arcebispo dom Sebastião Leme para os operários. A cidade via nascer um terceiro espaço para as comemorações do Dia do Trabalho: o espaço da Igreja Católica.

Posteriormente, já no contexto de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o

1º de Maio passa a ser incorporado como uma festa oficial, não só por esse governo, mas por

outros que tantas vezes utilizaram-se do Dia do Trabalhador para realização de grandes

comícios. Conforme destaca Gomes (1988), 1938 marca-se como o primeiro ano em que o

Dia do Trabalhador foi comemorado pelo Estado Novo, com Getúlio Vargas discursando,

garantindo ao evento um verdadeiro clima de festividade oficial. Foi nessa ocasião que ele

anunciou a lei que regulamentava o salário mínimo. De 1939 adiante, com exceção de 1944, a

festa foi realizada no campo Vasco da Gama, com contornos ritualísticos, momento em que o

presidente se encontrava com o povo e pronunciava aos trabalhadores.

Posteriormente, ainda como festa oficial, o 1º de Maio foi utilizado, por exemplo, no

Governo João Goulart. Por diversas ocasiões, Jango veio às comemorações do Dia do

Trabalhador para dirigir a palavra aos trabalhadores, no intuito de conquistar-lhes o apoio. Tal

fato repetiu-se de maneira mais intensa ainda por ocasião de uma forte crise em seu governo,

29 Federação Operária do Rio de Janeiro, de orientação anarquista, fundada em 1907.

Page 60: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

59

com a iminência do golpe militar.

Como festa oficial, o 1º de Maio perde, por um bom tempo, a sua característica de ser

um instrumento de pressão e modo de expressão operário, passando a representar um recurso

do Estado para cooptação dos trabalhadores. Somente no final da década de 1970 é que essa

simbologia é reavivada, retomando aquelas dimensões ofuscadas durante as manifestações

oficiais (ANTUNES, 1985).

Page 61: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

60

3 O ESPAÇO PÚBLICO DA MANIFESTAÇÃO

O povo, reunido em comício na Praça Sete de Setembro [03/04/1930], protesta contra a orientação seguida, em seus trabalhos, pela junta apuradora do pleito de primeiro de março. Findo o comício, prosseguiu em passeata pelas ruas principais e, ao passar pela Rua Espírito Santo, em frente da residência do chefe da concentração conservadora, foi alvejado por alguns tiros partidos dessa casa. (PENNA, Apud SANTOS, 2006, p. 56).

3.1 Palavra, política e espaço.

A discussão que se organizará no presente capítulo visa satisfazer ao seguinte

propósito: pensar a manifestação no espaço público a partir de três elementos que suscitam

um leque de informações relevantes para prosseguirmos as discussões no decorrer do capítulo.

São esses elementos palavra, política e espaço.

Se no capítulo anterior realizamos um esforço de definir a manifestação, com os seus

respectivos elementos, agora se faz necessário o entendimento do segundo aspecto: a

manifestação que se faz no espaço público. Este espaço público precisa ser entendido, e não

atingiremos a contento esta tarefa sem entender que tal espaço é mediado por conflitos.

Precisamos compreender a política, o poder público, as relações de poder. Precisamos captar

os discursos que se apresentam no e para o espaço.

Isto posto, nos propomos buscar algumas conceituações sobre o espaço público que

nos propiciem situar as ações dos sujeitos que ocupam a rua com o propósito de manifestar.

Distanciamo-nos da caracterização geográfica do espaço, buscando entender que, enquanto

público, o espaço comporta dimensões de caráter simbólico, expressa-se o poder através da

monumentalidade, sendo, portanto, objeto de disputa por significados pelos diferentes setores

sociais. De resto, acompanhando essa linha de raciocínio, é possível perceber que até os

dilemas de uma nação e/ou cidade e mesmo as relações desiguais e autoritárias da sociedade

capitalista podem ser expressas na Praça.

Assim, quando a sociedade é marcada pelos atravessamentos de um poder autoritário,

a Praça também será marcada por estes. Temos a percepção de que o direito à manifestação

insere-se como um dos requisitos de uma sociedade democrática. A despeito deste requisito,

não deixa de ser sintomático o fato de que, somente a partir da Constituição Federal de 1988 é

que se reconhecem efetivamente os direitos coletivos e também o direito de reunião em locais

públicos. Tardiamente se comparado à legislação francesa, que, em 1935, já concebia o direito

à manifestação pública (TARTAKOWSKY, 2004).

Page 62: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

61

Seguindo os propósitos da análise, a primeira medida – a medida de todas as coisas, se

assim quisermos – é que as manifestações no espaço público podem ser tomadas como luta

pelo “direito à cidade”. Mas, antes de mais nada, o direito à cidade se apresenta na

possibilidade de falar, atributo elementar da vida social, e, por conseguinte, da vida pública.

Manifestar-se em praça pública é utilizar-se dessa faculdade. Nesse sentido, conforme

palavras de Arendt (1993, p. 12), “Os homens no plural, isto é, os homens que vivem e se

movem e agem neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem

falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos.”

A perspectiva que se aponta a partir dessas considerações nos orienta sobre o

momento de fundação dos sujeitos políticos. A ação de fundar é uma das mais elementares da

vida política. A palavra carrega o sentido mais essencial da vida pública: viver na esfera

pública implica, necessariamente, em ter que se comunicar. Logo, é com a palavra que

nomeamos e com ela que se arranja o discurso. A palavra é inerente, portanto à nossa

condição humana enquanto seres políticos, constituindo-se um atributo da dimensão política.

Discurso esse que não pode se concretizar na “linguagem” científica, cuja simplificação a

símbolos matemáticos impede a expressão ampliada do pensamento e não aceita a diversidade

de significados que outras linguagens podem proporcionar. Ciência e técnica muitas vezes

reproduzem o conhecimento (know-how), mas reduzem o pensamento.

Também a palavra não pode ser expressa pelo indivíduo isolado, no seu espaço

privado. Lá, ele não precisa experimentar o significado das coisas, no sentido lato. É que o

espaço privado não serve para começar algo, ou, em outras palavras, não serve para fundar

um acontecimento histórico. O espaço privado seria o campo de reprodução da vida, um

espaço necessário, mas que não precisa do discurso e, por conseguinte, não é o espaço da

política. Na vida privada, espaço da casa propriamente dito, prevalece a relação despótica,

simbolizando precisamente a esfera particular, já que o termo grego, despótes – que em latim

corresponde ao termo pater-familias – remete ao chefe de família, ao poder patriarcal, cujas

leis são fundamentadas na sua vontade pessoal (CHAUÍ, 2003). Esse espaço privado é

particularmente o lugar em que a reserva, o comedimento e a necessidade perpassam a vida

dos indivíduos. Caso os homens tivessem permanecido na esfera do mundo privado, não

haveria a sociedade, já que as regras estabelecidas naquela esfera não possibilitariam novas

conquistas. A novidade – o fazer história – deve ocorrer na comunicação com outros homens.

Deste modo, quem quer começar algo, precisa expor-se, isto é, sair do anonimato, já que criar

o novo exige publicidade. Quem quer eternizar-se deve sair do conforto da esfera privada.

Para Arendt (1993), os homens que querem começar algo precisam tanto da ação

Page 63: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

62

como do discurso. Sem ambos, os homens deixariam de pertencer à humanidade, e, mais

precisamente, não fariam história.

É com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano. E esta inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato original e singular do nosso aparecimento físico original. [...] Na ação e no discurso, os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano, enquanto suas identidades físicas são reveladas, sem qualquer atividade própria, na conformação singular do corpo e no som singular da voz. (ARENDT, 1993, p. 189 e 192).

É no espaço público – tomando essa expressão em sentido mais abrangente, o que em

Ciências Sociais compreende mais do que o espaço puramente físico – que os homens podem

fazer circular os símbolos criados coletivamente, tornando-os significativos para os sujeitos

que se comunicam. É lá que eu apareço aos outros.

Trata-se do espaço da aparência, no mais amplo sentido da palavra, ou seja, o espaço no qual eu apareço aos outros e os outros a mim; onde os homens assumem uma aparência explícita, ao invés de se contentar em existir meramente como coisas vivas ou inanimadas. (ARENDT, 1993, p. 211).

Tal entendimento sobre a comunicação nos remete à nomeação dos objetos, ou seja, a

criação de significados para os homens. Diante disto, na cidade, cada monumento representa

uma concepção de mundo daqueles que a idealizaram. Esse atributo do discurso, isto é, da

utilização da palavra tornada pública, nos remete à disputa pelo poder de nomear. Esse poder

de nomear se apresenta no espaço público e não no domínio do privado.

Santos (2002), referindo-se a esse atributo da vida social, indica que os indivíduos só

reconhecem a objetividade ao seu redor através dos nomes já dados. Assim sendo, “o ato

fundador é dar um nome e, por isso, é a partir do nome que produzimos o pensamento e não o

contrário” (SANTOS, 2002, p.67). O que ele afirma aproxima-se daquilo que Arendt (1993)

indicou como a entrada na esfera do público, e, por conseguinte, a saída do domínio

particular.

Indo ainda mais longe nas considerações sobre a nomeação em cada espaço

determinado, poderemos encontrar um conjunto de ações: o agir técnico, que conduz a

interações requeridas pela técnica; o agir formal, que supõe uma obediência aos formalismos

jurídicos, econômicos e científicos, e, por último, uma agir simbólico, “que não é regulado

por cálculo e compreende formas afetivas, emotivas, rituais, determinadas pelos modelos

gerais de significação e representação.” (SANTOS, 2002, p. 82).

A partir desta modalidade de ação é que podemos situar as marcas, símbolos e sinais

que são significativas das próprias relações que os indivíduos estabelecem nos espaços. Um

Page 64: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

63

exercício de identificação desses sinais na Praça Sete poderia ser relevante como forma de

entendermos os discursos que se propõem para aquele e naquele espaço. Esse universo

simbólico é renovado a cada nova transformação social, ou seja, novos universos simbólicos

são trazidos à tona em função dessa nova configuração social. Por conseguinte, nesse mesmo

processo, ocorre uma tentativa de tornar possível o entendimento desses símbolos para os

outros.

Importa identificar para a Praça Sete algumas simbologias que se instalaram ou se

instalam ali. De pronto, percebemos as seguintes:

� Monumento ao poder político e econômico: referência ao poder (o obelisco fálico-

bélico); referência à Independência do Brasil; reminiscências de antigos modos de vida

(prédios antigos, vestígios de trilhos dos bondes); a arquitetura moderna; a centralidade; A

circularidade e o culto à tradição e a representação do mundo das finanças.

� Símbolo religioso: missas campais: a representação da Belo Horizonte Eucarística feita pelas

Marcha das Mulheres em 1964.

� Símbolo da circulação: placas, faixas de pedestres, ruas, carros, pedestres e guardas de

trânsito.

� Símbolo do consumo: agências bancárias, vitrines, outdoors, luzes das lojas. O cartão postal, a

praça como ponto turístico e patrimônio histórico.

� Símbolo político: luta pelas liberdades políticas, espaço das manifestações, greves, luta por

direitos, espaço de passeatas, cortejos e festa dos movimentos sociais.

Na Praça Sete, podemos identificar sinais de trânsito (placas de orientação, nomes de

ruas, faixas de pedestres). São indicativos de uma ordenação postulada para a rua como

espaço de circulação, ou seja, de passagem.

Também outros sinais indicam a ordenação pelo consumo, tais como os outdoors, as

placas de vendas de mercadorias e também os luminosos das lojas, além das vitrines. Estes

sinais são proeminentes na Praça Sete de hoje e exercem sua força considerável de atração.

Cada uma dessas ordenações poderia ser levantada historicamente também. Seria um

exercício bastante relevante porque ele situaria, por exemplo, um discurso sobre a circulação

sendo erigido e transformado ao longo do século. Isso só na Praça Sete. Evidentemente não é

a nossa intenção fazer tal exame exaustivamente, mas vale como uma tentadora proposta de

análise.

Page 65: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

64

FIGURA 2 II Congresso Eucarístico – Comunhão dos Homens – Praça Sete, 1936 Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto.

3.2 A invenção constante da cidade

Há um duplo movimento empreendido pelas forças sociais que atuam no cenário da

cidade moderna. Um movimento de sístole e diástole, poderíamos dizer: de um lado,

operando numa intenção de fechamento, ou privatização do espaço urbano, estão as forças

representadas pela organização capitalista da cidade, estas atuando, não em uníssono, mas

desempenhando ações que implicam em fechamento, de alguma natureza. São, portanto,

forças conservadoras, que podem ser representadas por todas as urgências da sociedade de

consumo, pautando o desejo de disciplinar e moralizar as ações dos indivíduos no espaço

público, além da necessidade de fazer da rua um lugar exclusivamente para o trânsito,

liberando-o, ou antes, impedindo que tal destinação sofra qualquer desvio. Também nessa

seara estariam os setores da elite local/nacional e seus discursos sobre a segurança, a

moralidade e ordem social, que denotam aspirações de um mundo cada vez mais privatizado.

Com efeito, esses setores não almejam só o fechamento da rua, mas também a sua

apropriação, impregnando-a com seus valores e símbolos do mundo privado, ou, se possível,

fazendo com que a rua seja uma extensão deste.

O outro lado do movimento é o de abertura-diástole, este empreendido pelas forças

empenhadas na conquista de direitos e/ou a luta pelo direito à cidade. Um movimento que

sonha a cidade. Uma frase de Benjamim é significava quanto a essa dimensão: “Cada época

sonha não apenas a próxima, mas ao sonhar, esforça-se em despertar” (BENJAMIN, 2006, p.

51). Com essas palavras, o autor indica que o sonho é dimensão elementar da vida. Condição

Page 66: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

65

que inspira os homens e mulheres a caminhar, e, por conseguinte, realizarem o sonho de uma

cidade aberta a partir do presente, com todos os seus obstáculos. O despertar coloca a utopia

no terreno da possibilidade. Na cidade, esse entendimento sobre a utopia precisa efetivamente

se colocar como medida da realização de uma cidade melhor. Se fôssemos situar a utopia no

espaço de uma cidade, diríamos que, quando os movimentos sociais expõem seus sonhos na

rua, em certa medida estão conduzindo a própria cidade para um despertar, ou para alargar-se.

Poder-se-ia questionar essa idéia do duplo movimento, já que ele aponta para uma

relação de dependência, em que um movimento estaria sempre associado ao outro. Todavia,

as considerações de Lefort (1987) a respeito da democracia nos fazem pensar que tal imagem

é necessariamente positiva, uma vez que indica a possibilidade de novas demandas e novos

sujeitos coletivos em constante busca pela ampliação dos direitos, ou seja, por um

alargamento do espaço público. Essas demandas não se colocariam sem uma devida pressão

frente aos grupos que supostamente não têm interesse no atendimento das mesmas. Desta

forma, a construção do novo passaria, necessariamente, pela rua. Ou seja, é preciso que as

demandas se manifestem na cidade para que um dia se tornem realidade. É relevante frisar,

portanto, que a manifestação é fenômeno essencialmente urbano, em que o centro da cidade

assume importância estratégica e simbólica.

A partir dessa idéia de um duplo movimento, organizaremos alguns tópicos em que a

tônica será situar a construção da cidade dentro dessa imagem sístole-diástole.

3.2.1 Reinvenção do centro da cidade como busca de novas raridades.

Não obstante, nem todo movimento carrega em si a possibilidade de abrir a cidade

para incorporar a dimensão do vivido (plano do vivido), conforme situa Carlos (1996). Com

efeito, conforme apontam Lefebvre (2001a), Lefebvre (2002) e Singer (1982), configura-se na

cidade uma tendência, potencializada pelas forças de acumulação do capital, de realizar um

constante movimento de construção-destruição-reconstrução da cidade, um movimento que

busca a novidade. Nessa orientação, tomando-se uma outra passagem de Benjamim (2006),

nota-se que um gosto visceral invade o homem moderno, qual seja, o gosto pela novidade e

pela raridade. Consequentemente, submetido àquilo que Benjamin considera como a

“fantasmagoria da mercadoria”, tudo que é novo no sistema capitalista – e não basta ser novo,

precisa ser raro – de repente torna-se embotado e rapidamente envelhece. As construções

urbanas estão aí para confirmar a abordagem apontada por ele quando nos informa que as

passagens parisienses, feitas de materiais “novos”, tais como o vidro e o ferro, simbolizam a

Page 67: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

66

abertura da cidade à mercadoria. As passagens representam a dialética: são tanto casa quanto

rua, assim como a prostituta que é vendedora e mercadoria numa só pessoa. São imagens

empregadas pelo autor para retratar a condição inerente às cidades modernas.

A revitalização urbana, tão em moda quanto sempre esteve a reinvenção da cidade,

seria uma oportunidade de reflexão ao gosto de Benjamin. No tempo contemporâneo, ocorre

um esvaziamento deste espaço público ou a apropriação do mesmo para fins privados. Num

novo e constante processo de revitalização, a cidade vai sendo alargada para não mais

comportar senão as sociabilidades previstas. Neste sentido, alguns problemas podem ser

localizados.

Guattari (1985) utiliza-se da expressão “alisamento do território”, termo que poderia

ser aplicado aos constantes processos de reinvenção da cidade. Sua expressão carrega o

sentido de restrição dos equipamentos coletivos da cidade, uma forma de “desencantar as

relações urbanas”. Os arquitetos e urbanistas precisam vencer os “constrangimentos” à

urbanização capitalista. São constrangimentos, portanto, toda forma de subjetividade e

apropriações coletivas dos equipamentos para a convivência urbana, os bares, várzeas, praças,

ou seja, os lugares do encontro cotidiano. Sader (1988), citando o artigo daquele autor, indica

que os processos de urbanização dos últimos anos desprezaram aqueles que não tinham carros

e não residiam nas áreas nobres das cidades. Também Carlos (1996) se expressa a esse

respeito, informando que, cada vez mais, os espaços de encontro estão sendo destruídos. No

lugar, o poder público “oferece” novos espaços, mas que não contém mais o traço de antes.

Tal “alisamento do território” poderia ser identificado ao longo do século XX em Belo

Horizonte, em diversas situações. Em referência às constantes mudanças da configuração

espacial do centro, e mais precisamente, da Praça Sete, ousamos perguntar que objetivos

políticos/simbólicos se buscavam construir. Assim, a abertura ou o fechamento de ruas à

circulação, a especialização dos espaços, a derrubada dos fícus na década de 1960, a

transferência e toda discussão em torno do obelisco, mais popularmente conhecido como

“Pirulito”, e a mais recente construção de palanque para as manifestações, todas essas

transformações guardam também alguma tentativa de canalização da multidão. É tudo o que

se teme. Empreende-se alguma forma de disciplinamento também da manifestação, que é

obrigada a se espacializar.

Page 68: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

67

3.2.2 Praça dos negócios contra os ócios

Na sociedade Greco-romana, a elite tinha como única ocupação realmente dignificante

o gozo do tempo livre, empenhando-se em atividades que alimentassem o corpo e o espírito,

portanto, atividades adequadas aos sábios. O trabalho manual, bem como atividades que

escapassem a essa fruição do ócio, eram considerados negotium (negócio), indicando com

essa palavra aquilo que negava o ócio. Assim, o comércio e o trabalho manual eram

atividades relegadas aos escravos ou não-cidadãos, que não podiam fruir o tempo livre. Tal

prerrogativa era somente dada aos cidadãos livres.

Com o advento da sociedade capitalista, a relação se inverte: o ócio passa a ser

considerado como indigno e o negócio passa a ser uma das molas-mestras da sociedade. Em

conseqüência, vale lembrar que a palavra ganhou ainda outras conotações, dentre as quais

poderíamos enfatizar a idéia de um tempo produtivo, ou um tempo capturado pelo circuito da

dinâmica capitalista de acumulação. O tempo passa a ser considerado, portanto, a partir da

produção e os dias dedicados a ela passam a ser valorizados como “dias úteis”, enquanto

implicitamente, escondendo-se na sutileza das palavras, a idéia de que os dias de folga

(feriados, dias-santos e domingos) não são tão úteis assim.

Pois bem, dentro da lógica que vínhamos discutindo, esse predomínio em torno nos

negócios é precisamente um dos elementos homogeneizadores da cidade, para caminharmos

na imagem da sístole. Um movimento que resumiu consideravelmente os significados da

cidade – e, particularmente das praças do centro – um movimento de alisamento do espaço,

para retomarmos a definição de Guattari (1985). A intenção, nesse tópico, é averiguar como o

centro da cidade de Belo Horizonte foi sendo configurado para a eliminação dos tempos de

ócio, ou, para eliminação dos vários tempos em função de um único tempo, o tempo da

produção. Nessa acepção, enquadra-se de maneira oportuna uma das indicações de Lefebvre

(2001b), para quem os espaços da criatividade, da vida cotidiana, do simbolismo, do lúdico –

valores de uso – foram submetidos às lógicas do consumo, da especulação, ou seja, em função

da cidade como comércio ou negócio – valor de troca.

Vejamos como esse processo segue seu curso em Belo Horizonte.

Tendo sido planejada para ser centro aglutinador do poder econômico e político de

Minas Gerais, Belo Horizonte não pôde realizar de imediato a função econômica que lhe fora

definida. É que nas primeiras décadas do século XX a nova capital viu-se imersa numa

conjuntura de crise econômica. Precisou esperar os anos 1930 para ver uma nova área

Page 69: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

68

industrial ser-lhe imposta, já que sua área industrial era periférica e pequena. Com isso,

instala-se a Cidade Industrial de Contagem, projetada separadamente da área urbana. Monte-

Mór (1994) informa-nos que tal distanciamento era justificado na época pelos cânones do

urbanismo moderno, consoante os quais a cidade e o espaço de trabalho – e, por conseguinte,

os trabalhadores – não deveriam se misturar.

Esta chegada da Cidade Industrial merece ser destacada porque sua instalação

potencializa uma nova arquitetura e nova centralidade para as construções no centro de Belo

Horizonte, uma vez que tais espaços passaram a refletir o clima do progresso que chegava, via

Cidade Industrial de Contagem. A partir de então, algumas avenidas e ruas do centro foram

ganhando dinâmicas ligadas à vida industrial. Os fluxos orientavam a necessidade de a capital

sair do seu fechamento e se ligar às outras capitais. Nova temporalidade estava sendo imposta

à dinâmica das ruas e praças do centro. Inscrevia-se na rua o valor do “dia útil”, contra o

tempos do ócio e sociabilidades que eram representados pelos passeios dominicais, os

encontros amorosos e os flertes na Praça Sete (LEMOS, 1988).

Esse movimento foi sendo gradativamente montado, adquirindo força com o processo

de verticalização do centro e a intensificação das atividades do setor financeiro naquele

espaço. As mudanças do perfil da Praça Sete, as alterações do fluxo de pedestres e veículos

são processos que se apresentam como respostas a essas transformações na valorização do

tempo-espaço.

Neste contexto, a Avenida Amazonas tornou-se a principal artéria que ligava o

terminal ferroviário de Belo Horizonte à Cidade Industrial e, “dali, continuando até o mercado

nacional: São Paulo” (MONTE-MÓR, 1994, p.16). Destaca-se ainda, no bojo destas

transformações, uma nova centralidade e simbolismo que a Praça Sete adquiria.

A Praça Sete de Setembro, cruzamento das avenidas Afonso Pena e Amazonas, foi assim reafirmada como o coração vital da cidade, o ponto nodal onde o eixo monumental barroco encontra o eixo funcional industrial, e foi a partir da Praça Sete que Belo Horizonte se constituiu em centro regional, embrião da futura vocação metropolitana. (MONTE-MÓR, 1994, p. 17). 30

Com isso, o autor nos oferece uma imagem de uma Praça em que se encontram a

dimensão do poder político (eixo monumental barroco) com a dimensão do poder econômico

30 Conforme o autor, Belo Horizonte nasceu planejada nos moldes do positivismo, e também carregando

uma artificialidade barroca de uma cidade voltada para si mesma. Esta característica é marcada, sobretudo, pelo aspecto de eixo monumental – que mais tarde foi retomado na construção de Brasília – em que o centro representa o poder absoluto, de onde partem as grandes avenidas.

Page 70: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

69

(eixo funcional industrial). O instigante cruzamento tornou-se, portanto, o palco para a

realização de manifestações de diversas naturezas. Manifestar num espaço que comporta essas

dimensões é também uma maneira de confrontar-se com os símbolos da monumentalidade do

poder econômico e financeiro, além do poder político. Portanto, simbolicamente, as

ocupações da Praça Sete podem ser vistas também como uma disputa com estes poderes pelo

poder de nomear, o que representaria também uma tentativa de recuperação das dimensões

perdidas que o espaço comportava.

3.2.3 O centro financeiro no centro da cidade

A instalação da Cidade Industrial propicia, então, um rearranjo do centro da cidade,

imprimindo uma abertura das ruas e praças centrais para ligar-se ao mundo industrial. No bojo

dessas transformações, uma nova paisagem urbana vai sendo desenhada. Em conseqüência,

essa paisagem do centro se abrirá a novas dinâmicas, a partir do final dos anos 1940,

oportunidade em que o centro comercial transforma-se em pólo financeiro, com a

intensificação das atividades deste setor.

O centro comercial, já caracterizado como lugar do intercâmbio, passa a se estruturar como pólo financeiro. A Praça Sete de Setembro assume papel de primazia no processo de concentração financeira e de articulação com vários vetores expandidos da cidade. Torna-se o coração dos negócios, o ponto de confluência das linhas de trânsito. (LEMOS, 1988, p. 195).

Esta primazia vai se intensificando. Em 1960, este desenho esboça-se na própria

verticalização da área, consubstanciada na construção de edifícios ligados ao sistema

financeiro.

Com a ampliação das atividades financeiras, o centro, em especial o território da Praça Sete, passa a pólo privilegiado dos intercâmbios econômicos. A movimentação em torno dos bancos cria uma efervescência própria no lugar, definindo seu cotidiano. O centro bancário principal de Belo Horizonte se concentrava principalmente na Rua Espírito Santo e na Praça Sete, ‘com os edifícios suntuosos do Banco da Lavoura e do Banco Mineiro da Produção’. (SANTAYANNA Apud LEMOS, 1988, p.214).

Com o rearranjo do centro na década de 1960, em que se adensam as atividades de

serviços de circulação, como as atividades financeiras e de representação, o comércio

varejista começa a diminuir naquela área, segundo dados estatísticos de 1968 (LEMOS,

1988). Assim, são notados os primeiros indícios de deterioração da área, determinada pela

“concentração não controlada de atividades e a falta quase total de planejamento urbano e

viário por parte do poder público” (LEMOS, 1988, p. 264). Este é o entendimento da autora.

Page 71: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

70

Singer (1982) faz um contraponto com essa visão ao indicar que a deterioração do centro

atende a uma das demandas do capital, na configuração da denominada renda diferencial da

terra, conduzidas a seu termo, não sem a intervenção providencial do Estado. Por esta forma,

o centro é deteriorado em função da produção de novas centralidades. Assim, verifica-se a

explosão de diversos centros em função da expansão imobiliária e comercial.

Conseqüentemente, o processo de substituição do comércio varejista pelo grande comércio

ou, pouco depois, pelo setor financeiro, pode também ser associado ao desenvolvimento de

um novo processo de “alisamento”. Dessa forma, analisando precisamente as transformações

vividas no espaço urbano do centro da cidade, nas décadas de 1970/1980, é que se entende a

argumentação de Le Ven (LE VEN, 1987), dando conta de que o capital e o Estado haviam

transformado o espaço urbano em espaço bancário.

Com efeito, a transformação do centro da cidade em centro financeiro iria requerer,

por sua vez, uma transformação espacial apropriada, com a emergência de novos símbolos

associados que passariam a circular pelos espaços do centro. Santos (2002) informa que leis,

portarias do Banco Central e as próprias regras dos bancos públicos produzem novos arranjos

para os espaços do centro da cidade. A cidade passa a girar em torno do horário bancário, que

“[...] modula os ritmos de atividade em outros ramos da vida econômica” (SANTOS, 2002, p.

149).

Retomando a discussão em torno da valorização dos “dias úteis” pode-se acrescentar,

a partir daquelas considerações de Santos (2002), que o sistema financeiro impõe, então, uma

dinâmica ainda mais voraz, sobretudo porque se torna necessário cadenciar os tempos de

abertura e fechamento das agências e porque tempo é dinheiro. As pessoas passam a se

referenciar nos horários bancários, ou seja, precisam acertar os seus relógios com os relógios

dos bancos. Assim sendo, mesmo aqueles que não utilizam os serviços bancários são inseridos

na lógica daquele sistema. É um tempo acelerado, que não combina com o “tempo lento”,

com a “conversa jogada fora”, a “prosa mineira”, o cafezinho com os amigos. Tudo isso é

desperdício de tempo – e de dinheiro. Em conseqüência, no lugar das cafeterias, os fast foods

que combinam mais com as dinâmicas dos novos tempos.

Uma nova lógica deve ser levada em conta para a organização espacial e temporal da

cidade. Trata-se da lógica das finanças, a da circulação do dinheiro – representado nas suas

mais diversas formas, já que é característica intrínseca a esse setor a criação constante de

novos “dinheiros”, tais como moeda, debêntures, ações, warrants, cartões de crédito, etc.

Consoante Santos (2002), tal circulação tem um relevante papel na divisão do trabalho. As

finanças, por conseguinte, passam a funcionar como organizadoras da própria vida da cidade.

Page 72: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

71

Nesse contexto, os bancos assumem um papel primordial, ou seja,

[...] num mundo em que os bancos, tornados globais, incorporam e unificam a mais-valia, a partir de suas mais diversas manifestações, e independentemente do seu nível. Todos os tipos de lucros e de perdas são processados pelo sistema financeiro. Cabe-lhe recolher, qualificar e classificar tudo o que é financeiro, segundo sua própria interpretação da lei do valor e, afinal, através de reinversões, relocalizar o produto ao seu talante. (SANTOS, 2002, p. 133).

Entender essa correlação entre centro financeiro e centro da cidade é relevante, antes

de iniciarmos algumas discussões sobre as manifestações bancárias. É precisamente nesse

espaço que os bancários realizam suas atividades diárias, circulam e, ao mesmo tempo, é

também o espaço privilegiado para as manifestações bancárias. É importante salientar que as

mobilizações de bancários (greves e manifestações) se apresentam também como um diálogo

com essa dinâmica associada ao sistema financeiro, trazendo, com sua irreverência, o seu

deboche e seu riso, uma cisão com as rotinas desses tempos e espaços homogeneizados em

função do arranjo financeiro. Poderíamos avançar um pouco mais e afirmar que, em algumas

momentos, os manifestantes estariam invertendo as lógicas dos “dias úteis” pelos dias de

folga, em que o tempo livre serve para preparar a dimensão do encontro e da festa no espaço

público. Nesse sentido, é interessante observar que, por ocasião das greves no centro da

cidade, os bancários literalmente tomavam conta da rua, para andar de um lado para o outro,

sem pressa, para cantar, jogar cartas, discutir política e encontrar pessoas.

3.2.4 Disputas no e sobre o espaço

Conforme Lemos (1988), os anos 60 marcam uma nova transformação no espaço

urbano metropolitano de Belo Horizonte. A verticalização do espaço vai se consolidando e,

paralelamente, nota-se uma mudança também na utilização dos espaços urbanos. A retirada

dos fícus, plantados em toda a extensão da Praça Sete e na Avenida Afonso Pena, nas áreas do

centro (FIGURA 3), pode ser tomada como um indicativo dessa nova concepção moderna

sobre o espaço público, em que se apresentam as necessidades, ora do setor financeiro, ora da

circulação de automóveis.

Interesses distintos se apresentavam no debate e podem ser averiguados nas edições

jornalísticas daquele período. Ao realizarmos um levantamento nos arquivos da imprensa,

pudemos situar embates quase diários travados nas colunas de alguns jornais locais,

envolvendo arquitetos, políticos, diversos técnicos do planejamento urbano, além de opiniões

emitidas pelos belo-horizontinos, principalmente os moradores do centro, insatisfeitos com a

Page 73: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

72

retirada dos fícus, que emprestavam ao centro da cidade um aspecto bucólico. Uma matéria

reproduzida num jornal da época oferece a oportunidade de situarmos um dos lados dessa

contenda:

Prefeitura deixa cidade sem suas árvores e põe Nordeste no asfalto.

[...] as árvores da Praça Sete também sairão. Segundo um projeto para melhoria do trânsito ali, a Avenida Amazonas será aberta através da Praça e quatro árvores de cada lago serão arrancadas, acabando com o “tapete verde” que os que têm salas nos prédios vizinhos gostam de olhar das janelas. (PREFEITURA..., 1962, p. 1).

No fim, o discurso vencedor foi o do progresso. Impunha-se a necessidade de abrir a

cidade para a modernidade e para o progresso, cantando-se as alvíssaras que este progresso

poderia trazer. Este discurso quase sempre tomava os opositores à nova urbanização como

partidários do atraso e conservadorismo. A este propósito, vale também transcrever algumas

linhas dos jornais da época:

Albertino diz que corta as árvores porque elas atrapalham o Progresso.

A destruição das árvores da Praça Sete foi feita por ordem do Prefeito e obedeceu segundo o Sr. Albertino Drumond às necessidades do progresso de BH. Ele acha que a Praça Sete melhorou muito, pois o trânsito está inteiramente desafogado, mas ainda vai ficar melhor com a construção do novo monumento e a fonte luminosa. Para o chefe do Departamento de Parques e Jardins as árvores da Praça Sete não tinham sentido e serviam só para atrapalhar o trânsito, que fica dia-a-dia mais intenso. (ALBERTINO..., 1962, p.10).

A necessidade de uma verticalização era apontada. A Praça Sete era apresentada como

empecilho ao fluxo de veículos, portanto anti-moderna. Os fícus, e depois o Pirulito,

constituíam entraves, escolhos que deveriam ceder lugar a uma nova monumentalidade – os

prédios, as luzes e os carros – mais adequada ao espírito desse novo tempo.

Lemos (1988), a propósito dessa mudança paisagística, resgata um significativo debate

ocorrido naquela conjuntura, em torno da degradação ambiental causada pela retirada das

árvores. Citando o depoimento de Afonso Romano de Sant’Anna, constata-se também uma

insatisfação de determinados segmentos da sociedade, em função da paisagem perdida. A

modernidade trouxe o vazio.

Ao processo de expansão e renovação do centro nos anos 60 se integra um processo de deterioração e também de descentralização. A deterioração vai acelerar a descentralização, pois tanto os serviços mais sofisticados como os grupos de alto poder aquisitivo vão procurar espaços menos conurbados para a implantação dos seus interesses. A degradação do meio ambiente do centro torna-se mais evidente com a derrubada das árvores da Avenida Afonso Pena em 1963. O

Page 74: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

73

prefeito Amintas de Barros tudo fez para que Belo Horizonte perdesse a verde paisagem dos fícus beniamini da avenida. ‘Foi uma tragédia, uma desolação e o que ficou foi um vazio. Não havia nem a sensação de modernidade, progresso, procurada’. A avenida, além de perder aquilo que instituía sua identidade, perdeu sua principal característica – a idéia de proteção que as árvores proporcionavam. Como eram duas fileiras espessas, o movimento de automóveis era controlado e o longo percurso de sombra se constituía num prolongamento da ‘casa’ na ‘rua’. Era o livre trânsito para crianças e adultos. No entanto, a devastação da avenida procurava recuperar o léxico neoclássico da monumentalidade das vias. O sentido de familiaridade e privacidade propiciado pelas imensas copas de árvores anulava a imensidão do bulevar inscrito na avenida. Dada a mudança no patamar de utilização dos espaços, o ‘discurso’ ficaria incompleto com a manutenção do aspecto bucólico introduzido pelas árvores. (SANT’ANNA Apud LEMOS, 1988, p. 265).

Verificamos acima um embate que se realizava no nível do discurso – disputas sobre o

espaço – fato que emergia nas páginas dos jornais da época. Em conseqüência, também

poderemos situar embates em que o espaço é o próprio palco de enfrentamentos entre grupos

que confrontam opiniões de mundo distintas – disputas no espaço. Citaremos, em momento

oportuno, a disputa entre o Sindicato dos Bancários e a Igreja, em função da colocação de um

imenso preservativo, também conhecido como “camisinha”, no Pirulito da Praça Sete. Ainda

outras disputas se dão, entre os movimentos sociais e os poderes constituídos.

Uma situação emblemática foram os embates entre as forças conservadoras e os

movimentos sociais na década de 1960 e 1970, quando o espaço estava cerceado às

manifestações. Muitos relatos dão conta de que alguns episódios foram duramente reprimidos,

com prisões e choques violentos. De fato, ocorria uma intensa queda de braço entre os

manifestantes e forças de repressão policial, como também ocorriam enfrentamentos entre

grupos de esquerda e grupos de direita. O levantamento jornalístico permite situar esses

enfrentamentos. De um lado, os manifestantes, insistindo em ocupar as ruas, e, de outro, o

DOPS, anunciando intensificação dos recursos de repressão.

A partir de 1964, as forças conservadoras (TFP, Marcha das Mulheres e Cruzada do

Rosário) vão ganhando também as ruas, confrontando diretamente com os ativistas de

esquerda. Starling (1986) relata duas dessas situações. A primeira foi em janeiro de 1964:

naquele momento, os setores conservadores ligados à TFP (Tradição, Família e Propriedade)

e ao movimento das Mulheres passaram a atuar diretamente nas ruas, com o objetivo de

confrontar e impedir os eventos promovidos pela esquerda. Um exemplo foi o Congresso dos

Trabalhadores da América Latina (CUTAL), marcado para ocorrer em Belo Horizonte, no

período de 24 a 28 de janeiro de 1964, teve que ser transferido para Brasília, devido às ações

violentas dos grupos da direita.

Page 75: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

74

“Nós mulheres prometemos que estaremos fazendo barreiras com nossos filhos e netos e não sairemos se a polícia não correr com eles (os comunistas) da nossa eucarística Belo Horizonte.” (STARLING, 1986, p.179).

Esse movimento de ocupação conservadora do espaço público já vinha sendo

desenhado desde 1963. Na mesma época, o movimento conservador, encabeçado pela Igreja,

juntamente com setores da elite mineira, empenhavam-se na realização da Cruzada do Rosário

em Família. A Cruzada reuniu cerca de 300 mil cristãos na Praça Raul Soares. Note-se que a

prefeitura municipal preparou toda a infra-estrutura, tendo intensa atividade para preparar o

evento e organizar o trânsito. (300 mil..., 1963, p.1).

Uma outra situação em que os grupos conservadores resolveram tomar as ruas para

confrontarem-se com os grupos de esquerda foi em fevereiro de 1964, quando um grupo

orientado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) “Novos Inconfidentes” –

organização que agregava civis e militares e que foi a base de sustentação para o golpe de 64

– resolveu ocupar as ruas de Belo Horizonte.

Liderados por Roberto Moreira, um grupo de estudantes conservadores instalou, com o apoio dos “Novos Inconfidentes”, um sistema de alto-falantes em frente à sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE), localizado em plena Avenida Afonso Pena, no coração comercial de Belo Horizonte. Instalado o alto-falante – denominado “A Voz da Democracia” – Roberto Moreira e seus companheiros decidiram passar o tempo denunciando os dirigentes do DCE como “comunistas” e “totalitários” e avisando a todo momento “que tinha acabado na capital... o seu monopólio.” (STARLING, 1986, p. 101).

Com a abertura democrática, no final dos anos 1970, essa situação se inverte. A Praça,

que se encontrava fechada às manifestações, paulatinamente vai incorporando em sua

paisagem o colorido das manifestações de vários movimentos sociais. Contudo, nesse cenário,

outros embates vão ocorrer no espaço, marcando as disputas entre movimentos rivais ou entre

manifestantes e o poder público.

Uma dessas situações foi o confronto entre sindicalistas e manifestantes da TFP, na

Praça Sete. Alguns entrevistados lembram que, nos anos 1980, a TFP realizava manifestações

com alguma freqüência na Praça Sete. Gilson Mello relata um enfrentamento entre os

sindicalistas bancários e os manifestantes conservadores. A situação colocava em cena todo o

arsenal simbólico da esquerda, expressando a sua superioridade numérica na rua e também o

sentido mais aberto que a rua passava a comportar com a democratização. Na oportunidade,

fizeram recuar os representantes dos setores conservadores, que, em outro momento haviam

conduzido ao impedimento do congresso da CUTAL, sob a alegação da infiltração comunista.

Uma revanche nas ruas, alguns anos depois.

Page 76: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

75

[...] Os bancários tavam fazendo algum trabalho na porta de bancos, circulando [...]pra mancada da TFP ela resolve fazer uma manifestação esse dia. E começa a caminhar pela Afonso Pena – com as bandeiras deles, com a parafernália deles. Só que a TFP desde sempre era a própria representação da Ditadura. E tinha muito tempo, a Ditadura já tinha acabado, e tinha muito tempo que não se via TFP na rua. Então, os bancários e que mais tava na rua achou de um abuso imenso eles querer por a cara na rua de novo. E aí simplesmente eles levaram o maior galope das lideranças sociais dessa cidade. Eles tiveram que se esconder dentro das loja, esconder dentro da Rodoviária. A manifestação deles foi dispersada a tapa. E eu não tenho notícias deles terem voltado em Belo Horizonte mais não. (Informação verbal).31

Também são relatados alguns embates entre o poder público e manifestantes. Citemos

alguns casos.

Por ocasião de uma manifestação em defesa das estatais, a Polícia Militar, sob

comando do governo mineiro, resolve levar o veículo que os sindicatos haviam alugado para

realizar o ato público. Tratava-se de um questionamento público sobre as interferências

duvidosas do governo do estado em relação às estatais mineiras. Naquele momento, a

manifestação das estatais colocava-o como interlocutor direto. Os manifestantes resolvem

subir no veículo para impedir que o mesmo fosse rebocado.

No peito e na raça, a Kombi ficou.

“Se levar a Kombi vai ter que levar todo mundo”. Essa foi a resposta dos diretores, funcionários do nosso Sindicato e outros dirigentes da CUT, quando a polícia de Newtão tentava rebocar a Kombi que alugamos para transportar aparelhagem de som até a manifestação das estatais na Praça 7. Primeiro os homens tentaram impedir que a Kombi chegasse até o quarteirão fechado da Praça 7, onde estava ocorrendo a manifestação. ENTRAMOS NA PRAÇA 7 ASSIM MESMO, NA LUTA E NA RAÇA. (NO PEITO..., 1988, caixa alta no original).

Outro enfrentamento dessa natureza foi a greve dos “perueiros” em 2001.

(PERUEIROS..., 2007). A Praça Sete, em Julho de 2001, amanheceu tomada por “perueiros”

que reivindicavam a regulamentação do transporte clandestino. Cerca de 200 peruas foram

estacionadas, pela madrugada, em volta da Praça Sete. Na referida ocasião, a Praça foi

transformada numa “praça de guerra”, com manifestantes ameaçando incendiar carros e

chegando a espalhar combustível nos veículos. A situação chegou a um estado crítico com 68

pessoas presas e 30 feridas. Em função da iminência de um confronto entre policiais e

manifestantes, o centro foi todo isolado, não se permitindo a entrada dos ônibus, pedestres

31 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Gilson Mello Martins.

Page 77: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

76

correndo de um lado para o outro, comerciantes fechando suas portas e uma multidão se

juntando para assistir, de longe, o desenrolar dos acontecimentos.

Também essa situação é significativa de uma disputa em que a Praça Sete foi tomada

como “barricada”. Naquela situação, os usos corriqueiros da Praça Sete foram alterados

radicalmente, de um momento para o outro. Nessas condições excepcionais, algumas pessoas,

não raro, passavam a afirmar que o centro parecia um dia de domingo, dado o tamanho

esvaziamento, dada a alteração da rotina dos dias da semana.

Ainda quanto às disputas que ocorrem na rua, também é interessante notar que, por

vezes, os próprios banqueiros, em conflitos com os bancários, lançam mão dos recursos

utilizados pela manifestação para tentar quebrar a espinha dorsal de uma greve, ou seja,

colocando cartazes nas ruas para fazerem suborno aos bancários: “cartaz fixado na agência

Avenida oferece folga remunerada para quem está trabalhando durante a greve.”

(SUBORNO..., 1990).

Tais disputas, cada qual com sua característica, algumas vezes recorrendo-se à

violência, colocam em evidência questões político-culturais que passariam despercebidas no

movimento rotineiro da grande cidade. A manifestação traz à tona essas questões latentes que,

se dependesse das cadências corriqueiras da vida metropolitana, poderiam não vir à tona.

Importante ressaltar aqui que a manifestação tem também esse aspecto relevante numa

sociedade democrática, quais sejam, faz vir à tona visões sobre a sociedade que por outra

viam poderiam não ser explicitadas.

3.2.5 Lugar do automóvel – A modernidade pede pass agem

O debate sobre a retirada dos fícus e do Pirulito poderia ser tomado como uma

discussão despretensiosa, para alguns. No entanto, conforme a argumentação que se insere na

seqüência, aponta-se que a mudança paisagística do centro atendia aos fins de um novo signo

que passava a disputar os espaços do centro, e, por que não dizer, de toda cidade. Tratava-se

da organização espacial tendo em vista as necessidades de circulação do automóvel.

Anteriormente, situávamos a visão dos arquitetos apontando a necessidade de destruir

a Praça Sete e retirar o Pirulito para ceder lugar a novos signos da modernidade. O automóvel

é um desses signos que disputam significados da cidade, conforme formulação de Santos

(2002). Confirmando essa argumentação, o autor cita as considerações de Baudrillard, para

quem o automóvel passa a pleitear espaço na cidade, a ponto de a cidade não mais comportar

outra concepção de circulação que não seja aquela associada ao automóvel.

Page 78: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

77

O automóvel é, para Baudrillard, um dos mais importantes signos de nosso tempo e seu papel na produção do imaginário tem profunda repercussão sobre o conjunto da vida do homem, incluindo a redefinição da sociedade e do espaço: as cidades não seriam o que elas são se o automóvel não existisse. Os homens acabam considerando o automóvel como indispensável e esse dado psicológico tornas-e um dado da realidade vivida. (SANTOS, 2002, p. 66).

Trata-se de um dado que precisa ser considerado quanto à nomeação ou concorrência

sobre os sentidos que devem ter os espaços urbanos. Nessa direção, discursos dando conta de

que as manifestações no centro da cidade atrapalham o trânsito, ou as pessoas atrapalham o

trânsito, ou ainda, apontamentos no sentido da necessidade de se melhorar o trânsito, tudo isso

deve ser visto como uma concessão ao lugar que esse novo objeto deve ocupar na vida

urbana. Abre-se o tempo do automóvel. É um dado que merece ser investigado, já que os

discursos sobre a Praça Sete, sobretudo após da década de 1960, já não deixam de lado o

atendimento dos apelos da circulação. Quanto à necessidade dessa modernização da

circulação, conforme pudemos depreender a partir das interpretações dos urbanistas, Lemos

(1988, p. 269) levanta também outras razões que se agregam às já mencionadas:

No fim dos anos 60, o trolebus é trocado por coletivos movidos a óleo diesel, que estava pouco valorizado na época. O novo sistema de transporte passa a funcionar de forma precária e não atende á grande demanda da população, distribuída nos vários núcleos da região metropolitana. A situação deficiente apontava para a necessidade de um melhor planejamento urbano. As vias do centro estavam ainda mais congestionadas, o que gerava grandes impasses na hora do rush. O poder público procura atenuar a situação modificando o sistema de circulação viária, agora centralizado na Praça Sete em virtude da melhoria do tráfego. A área fica totalmente descaracterizada com o aumento da circulação e perde o seu tradicional pirulito.

Não poderíamos deixar de considerar esse elemento numa pesquisa sobre

manifestações. Não há como passar ao largo, sobretudo porque protestos de rua interferem no

trânsito, provocando engarrafamentos, gerando descontentamento por parte da população

usuária dos transportes coletivos e veículos particulares. Diante dessa situação, muitos são

aqueles que passam a defender posturas administrativas mais enérgicas e autoritárias perante

os manifestantes que atuam no centro. Esse argumento sugere um embate sobre as funções

que a rua deveria comportar, ou seja, entende-se que a rua não deveria ser utilizada senão para

a finalidade de circulação.

Os manifestantes, por sua vez, argumentam que não há como fazer protesto sem

causar alguma modificação no trânsito. Afirmam ainda que é da própria dinâmica de algumas

manifestações buscar chamar a atenção, e isto se faz exatamente causando incômodo ou

modificando o rotineiro uso das ruas. Esse dilema é perceptível nos depoimentos de alguns

militantes. Destacam-se aí as diferentes concepções que se apresentam para definir as funções

Page 79: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

78

dos espaços do centro da cidade. Interesses que dificilmente se articulariam. De um lado, os

interesses dos manifestantes, com suas demandas, por vezes específicas, por vezes mais

universais, que poderiam atender também àqueles que estão nos seus carros e nos ônibus.

Todavia, desde que a organização da cidade passou a atender os anseios do automóvel, como

se o mesmo fosse um ente carregado de desejos e reivindicações próprias, então todo o

planejamento urbano e alguns discursos sobre a cidade passam a representar os anseios desse

novo signo.

3.2.6 Normalização e espacialização das manifestaç ões

É nesse aspecto que os canais de protesto vão sendo questionados. Também não

podemos deixar de mencionar um conjunto de medidas tomadas por parte do poder público,

que incidem sobre as manifestações. Tais medidas podem ter caráter normativo, dispondo

sobre a preservação patrimonial, sobre o meio-ambiente e sobre regras para circulação,

algumas delas definidas no Código de Posturas do município. No âmbito dessas normas,

poderíamos citar alguns exemplos que incidem diretamente sobre os atos públicos: a

proibição de utilização do Pirulito para se fazer discursos; a exigência de pagamento de taxas

e alvarás para a liberação da circulação com som e carros (ANEXO C; ANEXO D) e

solicitação de autorização junto à Policia Militar, quando da realização de grandes

manifestações. Dentre as punições previstas pelo não cumprimento destas medidas, cita-se a

aplicação de multas e obstáculos legais para obtenção de novos alvarás.

Também é importante considerar, nesse conjunto de intervenções do poder público, os

projetos urbanísticos, tais como as mudanças arquitetônicas ou mudanças na circulação do

trânsito envolvendo os espaços em que as manifestações tradicionalmente ocorrem, ou ainda

as tentativas de transferir, via decreto, as manifestações para outros lugares, afastados do

centro. Dependendo das mudanças, elas podem dificultar ou mesmo inviabilizar a realização

de atos públicos.

É precisamente essa idéia que foi apresentada pelo governo paulista, ou seja, a idéia de

espacializar as manifestações num “Protestódromo”.

[...] basta lembrar as proibições do governador do Estado de São Paulo quanto ao uso das cercanias do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo, ou as do Prefeito Paulo Maluf que levantou a idéia de criação de um ‘protestódromo’ (1995) que limitaria as áreas que a população poderia utilizar para suas reivindicações ou ainda leis aprovadas pela Câmara Municipal de São Paulo que vetam, terminantemente, a “Avenida Paulista” (principal área de manifestações na metrópole de São Paulo) para manifestações nos dias de semana, sendo apenas liberadas (desde que avisadas com antecedência) nos finais de semana. [...]. São

Page 80: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

79

exemplos do controle político que se realiza, no espaço, através de dispositivos de vigilância e de controle policial administrativo e repressivo enquanto estratégias do poder. (CARLOS, 1996, p. 70)

Esse movimento por parte do poder público em tentar espacializar as manifestações

não é novidade na história da cidade moderna. O cerco de Paris, efetuado pela paradigmática

reforma urbana haussmanniana, foi um dos casos em que imensos espaços vazios foram

criados. Carlos (1996) destaca precisamente essa produção dos espaços vazios como lugares

inóspitos ao pedestre, e, por que não dizer, também às manifestações. Como modelo desse

esvaziamento intencional, ela toma duas praças: uma, a Praça de La Concorde, em Paris; a

outra, a Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Ambas são significativas por retratarem o

poder da conquista. A primeira delas é fria, cinzenta, lugar apenas de passagem. Não permite

“o parar”, vazia, portanto, de vida ou de possibilidades, mas cheia de carros por todos os

lados. Quanto à Esplanada, ela não é sequer lugar de passagem. A imensidão daquele espaço

apequena as maiores manifestações. O vazio predomina.

O espaço do poder enquanto espaço do vazio é o espaço do interdito/interditado. Os espaços da monumentalidade se cruzam, é o espaço do poder, e por isso, “do ver”. (CARLOS, 1996, p. 24).

Assim, a organização espacial revela também as concepções do poder vigente sobre a

sociedade. É que o cotidiano do poder também se expressa na configuração espacial. Destarte,

é possível pensar que governos autoritários utilizam-se, além do esquema policial e

administrativo para impedir as manifestações na cidade, de outros recursos que se apresentam

na própria configuração espacial, controlando o uso de determinados lugares ou estabelecendo

verdadeiros obstáculos materiais que impedem a sua utilização.

Essa tentativa de se espacializar a manifestação pode ser situada na Praça Sete. Com o

processo de revitalização do centro, e mais especificamente, da Praça, uma das mudanças no

espaço foi precisamente a organização de um espaço definido para as manifestações. Com

isso, construiu-se uma espécie de tribuna, um palanque com a justificativa de que ali seria um

espaço ideal para a realização de atos públicos.

Londres, Lisboa, Roterdã serviram de exemplo e inspiração à Prefeitura de Belo Horizonte para revitalizar a Praça Sete, que vai ganhar um pequeno anfiteatro pra manifestações [...]. O mais moderno dos espaços será o quarteirão da rua Rio de Janeiro, entre Afonso Pena e Tamoios, chamado de Xacriabá. Ganhará um anfiteatro, um largo central e uma tribuna para as manifestações. ‘O anfiteatro será rebaixado e terá degraus. Serão legítimas instalações para grandes concentrações de pessoas’ conta satisfeito o engenheiro [Waldir Teixeira]. (NOVO..., 2003, p. 20).

Page 81: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

80

Com relação a esse novo traçado espacial da revitalizada Praça Sete, embora o poder

público destaque a sua funcionalidade para a realização das manifestações, alguns

entrevistados apontaram a estratégia como uma tentativa de limitar a realização das mesmas

ou mesmo de canalizar ou de espacializar os atos públicos. Reclamam dessa regulamentação,

indicando que a manifestação não pode ser conduzida externamente, ou seja, pelo poder

público, inaugurando-se o lugar do “proteste aqui!”, uma maneira de domar as

potencialidades criadoras contidas nos movimentos. Quando a manifestação é assim

canalizada, ela perde um pouco de sua essência, conforme apresenta um entrevistado.

[...] ela [a Praça Sete] tinha um “layout” que facilitava a aglutinação de pessoas. Aquele.... né... na época do, né... o plano, aquele “rampião”, aquela rampa enorme, então o povo ocupava aquele trem tudo ali. Criava aquele “muvucão” ali. E era bom pros comerciantes e era ruim também ao mesmo tempo, né? Mas o povo, pelo menos o da lanchonete da esquina, [...], depois lotava o bar deles, né? [...]. Hoje, com essa mudança de “layout”, procê colocar esse plano diferente, ou seja, ninguém consegue fazer uma atividade lá assim – já fizemos – mas hoje não tem a mesma aglutinação de pessoas. O público fica mais dividido. Que não tem um, assim, um foco mesmo, só. “aqui que eu vou fazer e o povo vai ficar dessa forma”. [...] tá sendo bonito realmente... pra população foi bacana, porque a gente vê o pessoal sentado, descansando, lendo jornal, ou seja, tá ocupando a Praça, uma praça diferente, né, uma coisa mais moderna, vamos dizer assim. [...] não pode mais fazer grandes aglutinações mais lá. [...].Até mesmo aquele Pirulito do jeito que ele era....né. Hoje tá tudo cercadinho, então cê num pode... (Informação verbal, grifo nosso).32

Alguns entrevistados criticam também as dificuldades criadas para se realizar

manifestações a partir das exigências de alvarás. De acordo com Fernando Neiva, o Sindicato

encontra dificuldades com as exigências da Prefeitura para se fazer manifestações. Sem o

Alvará para a circulação do carro de som ou para permanência em ato público, a polícia ou os

fiscais da Prefeitura podem notificar.

A Polícia é muito dura, muito truculenta, né, nas nossas manifestações, né, nas nossas greves. Não tem moleza para o Sindicato. É...é uma movimentação muito forte, os banqueiros junto com o Governo Federal, eles não dão moleza, certo? Com a Prefeitura a gente tá tendo muitos problemas também porque... a gente não tá conseguindo Alvará igual a gente conseguia antigamente, não é, os alvarás pra colocar som, pra rodar o carro, pra colocar faixas, né? A gente é muito notificado né, cartazes que às vezes a gente coloca num lugar indevido. Faixas, por exemplo, a gente não coloca mais na cidade, né, que o Código de Posturas proibiu. Então eu falo essas dificuldades toda que a gente tá tendo: faixas, cartazes, alvarás, né? Então em multa, a gente.... (Informação verbal, grifo nosso).33

32 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Jacó do Nascimento. 33 Entrevista concedida em 03/08/2007 por Fernando Ferraz do Rêgo Neiva.

Page 82: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

81

O ator Jacó do Nascimento também menciona essas dificuldades, enfatizando

sobretudo que aqueles grupos que não possuem dinheiro não conseguem fazer intervenções de

rua. Lembra ainda que, como ator de rua, ele necessita daquele espaço para experimentar seus

personagens, já que considera tal espaço como o seu laboratório. Quando a rua é limitada,

então a possibilidade de criação também fica comprometida.

Como é que um grupo hoje – colocar o “Olho da Rua” [grupo do qual Jacó faz parte] – hoje sai pra rua, que respaldo que eu tenho? De quem? Ou seja, a Prefeitura eu preciso de um Alvará de ocupação. Ou seja, eu preciso pagar uma taxa, pra fazer isso. Ou seja, se eu quero fazer, sair amanhã já não posso. Vou ter que pensar uma coisa de um mês, dois meses de antecedência pra mim conseguir pagar todas as taxas e fazer essa apresentação na rua. [...] procê ocupar aquela Praça... Se cê quer montar um som, quer montar um cenário que seja, um palco mínimo que seja, precisa de Alvará. E procê conseguir esse Alvará... pro teatro de rua... como é que se sobrevive...? (Informação verbal, grifo nosso).34

Gilson Mello também se indigna contra as [atuais] exigências [impostas pelo poder

público] para a realização das manifestações. Ele as considera como heranças de um tempo

autoritário, em que o espaço público era muito reduzido.

Uai!, é o próprio tempo ditatorial, né? A rua é o lugar de excelência da população. A população não tem que pedir licença pra ocupar a rua. Eu hoje eu sou indignado com a lei ambiental de Belo Horizonte, porque eu acho o seguinte – desde aquela época eu já achava – cê tem que ter a sensibilidade pra ocupar o espaço público porque ele não é só seu. Então, por exemplo, muitas vezes naquela época cê usava o artifício de parar o trânsito, por causa da sua campanha salarial, que não sei o que lá... Era um recurso que cê tinha pra atingir a cidade inteira, saber da luta, e tal. Mas por outro lado, cê tava atrapalhando a vida de muita gente sem necessidade. Então, essa delicadeza do movimento sempre tem que ter. Se você vai ocupar o espaço público, fazer barulho [...] cê tem que sempre ter essa sensibilidade. Agora a lei ambiental que foi se construindo em Belo Horizonte é uma lei que impede a população de usar os espaços públicos. (Informação verbal, grifo nosso). 35

34 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Jacó do Nascimento. 35 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Gilson Mello Martins.

Page 83: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

82

3.3 A constituição da Praça Sete como lugar de exp ressão política

FIGURA 3 Praça Sete, 1948 Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto.

3.3.1 O centro de Belo Horizonte e os operários

A obra de Lefebvre A Revolução Urbana (2002) nos inspira a pensar sobre a

organização das cidades e, consequentemente, sobre o centro da cidade, cujas características

urbanísticas nos interessam mais de perto. Lefebvre apresenta uma análise sobre a

urbanização parisiense, no século XIX, conduzida pelo Barão de Haussmann. Para ele, tal

projeto urbanístico estaria intrinsecamente associado às necessidades de transformar a cidade

em espaço pronto para a especulação capitalista, bem como de expulsar o proletariado do

centro. Para concretizar tais necessidades, a urbanização realiza a abertura de amplas

avenidas, o fechamento do centro e o cercamento da cidade, criando um verdadeiro cordão

sanitário. Em conseqüência, realiza-se a estratégia burguesa de “[...] expulsão do proletariado

para a periferia, invenção simultânea do subúrbio e do habitat, aburguesamento, como

despovoamento e apodrecimento dos centros” (LEFEBVRE, 2002, p.104).

Ora, tais processos considerados quando da urbanização parisiense podem ser

identificados, em alguma medida, também no projeto de construção de Belo Horizonte. Não

aprofundaremos aqui uma discussão sobre urbanização. Todavia, convém indicar ao menos

Page 84: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

83

que a proposição de um cerco também se apresentava desde o planejamento da cidade. Em

Belo Horizonte, a Avenida do Contorno demarcaria os limites desse “cordão de isolamento”:

no espaço interno, encontrar-se-ia a cidade, espaço reservado para a instalação da elite

mineira; fora dele, a zona rural ou a não-cidade. Fundada sob o prisma da exclusão, esses

indícios ainda podem ser constatados na própria representação que os moradores de alguns

bairros têm com relação ao centro da cidade. Ainda hoje é comum que os moradores de

bairros distantes, afirmem estarem “indo à cidade”, quando na verdade estão indo ao centro de

Belo Horizonte. Trata-se de uma percepção intrigante, já que o bairro onde moram parece não

fazer parte da mesma cidade.

A leitura atenta de alguns textos sobre o projeto político-arquitetônico encaminhado

pela comissão responsável pela urbanização de Belo Horizonte nos possibilita inferir a

seguinte informação: Belo Horizonte foi inicialmente pensada como espaço de exclusão. Em

diversas situações, poderíamos pinçar argumentos daqueles planejadores no sentido de isolar

as camadas mais pobres da população, bem como hierarquizar os espaços para a elite e

também para o poder constituído. À maneira dos Bulevares franceses, Belo Horizonte foi

projetada para poucos. Nessa acepção, pode-se levantar, de pronto, um dos dilemas que

precisam acompanhar nossas indagações: desde a fundação de Belo Horizonte, a cidade não

comportava a dimensão significativa do espaço público. Essa leitura nos é propiciada a partir

de alguns autores, tais como Faria e Grossi (1982), Faria (1985), Le Ven (1977), Le Ven e

Neves (1996). Tais leituras nos adiantam um elemento que fará parte, direta ou indiretamente,

de nosso diálogo nesse trabalho: os espaços da cidade já surgiram privatizados.

Essa exclusão social dos trabalhadores dos espaços da cidade é bem descrita também

por Monte-Mór (1994). Contudo, esta exclusão gerou resultados inesperados. Não tardou e

esse cerco foi sendo rompido da periferia para o centro.

Pretendia-se implantar a cidade a partir do centro em direção à periferia [...] mas foi a população trabalhadora, excluída do espaço central da cidade, do poder, da cidadania, da ‘ágora’ estendida, que de fato determinou a produção da cidade. E Belo Horizonte cresceu no sentido oposto, da periferia para o centro, num processo que se repetiu em inúmeras cidades planejadas no Brasil. (MONTE-MÓR, 1994, p. 15).

Os excluídos tiveram que ocupar os seus espaços de forma conflituosa, pois não lhes

fora concedido o direito à cidade. Diante disso, o poder local, nos primeiros anos da nova

capital, viu-se atordoado com tanta “invasão” (FARIA, 1985). O noticiário daquela época

dava conta das diversas medidas tomadas para se impedir a instalação ou para destruir as

denominadas “cafuas”, que eram as rústicas casas dos caboclos, instaladas no perímetro

Page 85: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

84

urbano. Eram moradias pobres que resistiam ao cerco idealizado pelas elites e concretizado

pelos planejadores urbanos (FARIA; GROSSI, 1982, p. 182).

Depois, não podendo conter tamanha demanda por moradias no perímetro urbano,

achou-se por conveniente abrir vilas operárias, só para os trabalhadores de boa conduta. Uma

dessas vilas foi instalada nas imediações do bairro hoje conhecido como Barro Preto. Com a

medida, buscava-se cooptar as lideranças operárias que já vinham despontando, além da tentar

resolver paternalisticamente uma questão social que se apresentava latente (LE VEN;

NEVES, 1996). A medida não implicou numa eliminação do cordão de isolamento que

marcava o território destinado à elite belo-horizontina; apenas houve uma nova demarcação

territorial, destinando-se aos operários áreas especiais, chegando-se a fazer, a partir daí, uma

verdadeira “limpeza” das áreas “invadidas” no centro para conduzi-los a essas novas áreas

(FARIA, 1985). Assim, repensava-se a organização espacial, fazendo algumas concessões,

sem abolir os “cordões de isolamento”. A elite sempre pensou a cidade a partir dos cinturões.

Desta forma, também podemos constatar a entrada do operariado no cenário da cidade

ocorrendo à revelia da intervenção do Estado. Com efeito, conforme situa Faria (1985), não

havia, por parte do Estado, o reconhecimento de uma “questão social”; os canais institucionais

não comportavam as demandas populares. E não é que essas demandas não existissem;

conforme a autora, algumas associações de trabalhadores já despontavam em alguns bairros

populares. Numa escala maior, as primeiras entidades representativas dos operários surgiram

por volta de 1900, juntamente com algumas manifestações públicas (FARIA; GROSSI, 1982).

Não tardaram a surgir daí a pouco as primeiras greves, datadas de 1912. Os operários foram

buscando sua incorporação, forçando seu reconhecimento enquanto atores sociais da cidade,

além de reivindicarem o seu direito à cidade. Por parte do Estado, esse reconhecimento só

ocorreu efetivamente após a década de 1930.

3.3.2 Eles queriam o centro

Mas por que os operários queriam o centro? Por que reivindicavam acesso a esse

espaço? Quais os significados simbólicos do centro para os mesmos? São algumas das

questões que nos servem de subsídio para entender a importância que o centro tem também

para as manifestações dos setores populares. Eis que os setores populares, quando querem

fazer-se reconhecidos, vão precisamente para o centro da cidade.

Sader (1988) salienta que os movimentos sociais fazem a história avançar sem serem,

no entanto, reconhecidos como sujeitos da história. Em conseqüência, há que se admitir que,

Page 86: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

85

no decorrer do processo histórico, os setores populares apropriaram-se de determinados

“pedaços” da cidade36, como lugares do encontro, aos quais os indivíduos emprestam uma

identidade, ou seja, espaços de convivência dos trabalhadores. Seguindo essa linha de

raciocínio, pode-se dizer que os espaços de manifestação pública também são produzidos,

sobretudo do ponto de vista de sua significação social, e menos pela concretude geométrica.

De fato, conforme situam diversos autores (GUATTARI, 1985; LEFEBVRE, 2001a;

LEFEBVRE 2001b; SINGER, 1982), a dinâmica da urbanização, no cenário de um modo de

acumulação capitalista, tende a seguir o caminho oposto a esses espaços de convivência,

promovendo, ao invés disso, uma destruição desses espaços em função dos processos de

acumulação.

Mas essa destruição não se dá sem a devida resistência dos setores populares. Eles

necessariamente buscam o centro, num movimento inverso ao próprio planejamento da

cidade, conforme indica Monte-Mór (1994), numa citação feita anteriormente. Para

entendermos algumas razões desse interesse pelo centro, fomos buscar as explicações a partir

de um texto de Perrot (1992), que auxiliam a compreender essas questões. É essa a história

que Perrot nos conta, ao fazer um levantamento sobre a relação do movimento operário e a

cidade no século XIX, na França. Citando Michel Verret, a autora salienta que os operários no

século XIX davam mais valor à cidade do que à própria moradia, ou seja, uma relação

inversa, ao se considerar os operários de hoje, já que estes dariam mais valor às ações que

significassem uma maior privatização do espaço público, em função de um maior conforto do

espaço doméstico. No século XIX,

Os operários reivindicavam menos o direito à moradia do que o direito à cidade, “espaço para viver”. Eles aceitam as condições habitacionais, principalmente a densidade populacional, que assombram os observadores externos, filantropos e higienistas. A campanha contra os cortiços, vigorosa principalmente no último terço do século XIX, não é de origem operária. (PERROT, 1992, p. 102).

Por conta dessa lógica mais pública que privada, os operários apresentavam uma

relação estreita com o espaço urbano, reivindicando seu direito à cidade, ou mais

especificamente, seu direito em permanecer no centro da cidade. Com isso, tornaram-se

freqüentes as manifestações operárias diante dos aumentos dos preços dos aluguéis no centro

de Paris, no século XIX. Essa alta dos aluguéis estava associada às demolições no centro para

a abertura de amplas vias de circulação. Tais medidas, por sua vez, vinham agregadas a 36 Sader faz o emprego do termo « pedaços » numa alusão direta à Magnani (1998).

Page 87: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

86

intensos ataques às aglomerações de trabalhadores no centro. Este fato foi apontado por

Lefebvre como uma preparação da cidade para a especulação, livrando-a dos desembaraços

que porventura pudessem torná-la menos atrativa para os negócios. Concomitantemente a esse

processo, constata-se a abertura de espaços vazios, com a finalidade de poder facilitar a carga

repressiva contra os movimentos populares (LEFEBVRE, 2001b). Na pista desse projeto de

esvaziamento do centro, instala-se um processo de suburbanização como medida para afastar

o proletariado do centro cidade.

Contudo, nota-se nesse momento, uma intensa disputa dos trabalhadores pelo direito à

cidade. Eles não queriam sair. Enquanto isso, a burguesia, representada pelo discurso

sanitarista, fazia propaganda dos benefícios do conforto, ou da necessidade de uma

privatização do lar, contrapondo-se às grandes densidades populacionais que eram associadas

à difusão de uma infinidade de doenças infecto-contagiosas, bem como pela decadência moral

dos operários.

Beguin (1991) realiza exatamente uma investigação a propósito desse discurso sobre o

conforto, introduzido na Inglaterra no século XIX, depois da divulgação de duas pesquisas,

realizadas entre 1840 e 1850, sobre os custos do desconforto. Estas pesquisas apontavam os

prejuízos indiretos relacionados às moradias insalubres que deterioravam a saúde. Esses

custos repercutiam na educação, na moral e afetavam a economia, já que as doenças

implicavam em ausências no trabalho, custos com os órfãos, viúvas e com doentes. Diante

desses dados, inicia-se uma “política do habitat”, ou a defesa da economia do conforto. A

habitação apresentar-se-ia também como meio de domesticar as relações e os desejos

cultivados pelos os homens no espaço da rua.

Num primeiro momento, os operários não compartilhavam desse discurso do conforto.

Suas lutas visavam impedir que o Estado interferisse nas suas condições de moradia, ou

alterasse o preço do aluguel. No bojo da reforma urbana que implicava em alterações nas

próprias moradias, os operários recusavam-se a emigrar para as periferias, preferindo, ao

invés disso, agruparem-se num mesmo alojamento no centro. Demonstravam horror às vilas

operárias, considerando-as como limitadoras da liberdade, além de não permitirem o encontro

entre as pessoas. Defendiam a sua permanência no centro em função das facilidades

econômicas (facilidade de deslocamento, custo dos transportes), além dos prazeres que a

cidade proporcionava. Reivindicavam uma cidade aberta e mobilizavam-se contra as

fortificações, muralhas ou outras formas de cercamento desta. Queriam “[...] morar no centro,

circular e utilizar livremente o espaço público [...]” (PERROT, 1992, p. 117).

Desta forma, mesmo com a urbanização criando a exclusão dos operários, eles

Page 88: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

87

procuraram subverter o cerco, entrando por diversas formas e instalando ali um “cinturão

negro” ou zonas livres. Tais zonas inquietavam e ainda inquietam a burguesia, razão pela qual

o termo é ainda usado para designar um espaço onde tudo é permitido.

O centro comporta, conforme vimos frisando, as características de centralidade do

poder político e financeiro. Além disso, apresenta-se uma outra dimensão que ainda não

mencionamos, qual seja, a noção de espaço aberto. Trata-se de uma dimensão preciosa aos

intentos dessa pesquisa, já que remete à ação dos movimentos manifestantes no espaço

público. É ali o espaço da circulação, tão bem salientado, seja pelos entrevistados ou pelos

autores que abordamos. Mas trata-se de uma circulação distinta daquela relacionada ao

trânsito e pessoas. Conforme Perrot (1992), o centro deve ser entendido como o lugar da

circulação de idéias e o lugar de “estar junto”.

Assim, explica-se a verdadeira paixão que os operários tinham pelo centro, o que

também pode auxiliar-nos no entendimento da relação entre centro e as manifestações. Ozouf

(1988) sugere que esse sentimento seria uma paixão pelo espaço aberto, contrapondo-se ao

modelo negativo da festa aristocrática, realizada nos salões, ou seja, uma festa que divide e

isola. Diante dessa significação, os movimentos operários e populares em geral, quando

cruzam espaços antes cercados e fechados, estão simbolicamente quebrando-os, eliminando as

barreiras que dividem os homens. Assim, recuperando a análise de Perrot (1992), podemos

destacar que o centro não pode ser tomado simplesmente como um lugar de fácil acesso. Ele é

também estratégico e simbólico para os trabalhadores.

Nessas circunstâncias, não admire que todo movimento revolucionário seja uma reconquista do centro. Lá estão os imóveis e os símbolos do poder. As Tulherias, a Prefeitura, a Câmara dos Deputados... atraem as multidões em protestos. É o caso de 1830 e em 1848, e ainda mais em 1871. os communards – Jacques Rougerie o mostrou – reivindicam o direito à cidade. Eles reocupam o centro de onde pretendia-se expulsá-los. (PERROT, 1992, p.121).

E qual o lugar ideal para se realizar essa festa popular?

Ozouf (1988), argumentando especificamente sobre a festa revolucionária, dá uma

importante pista para entendermos também as manifestações de rua:

O lugar ideal onde instalar a festa revolucionária, é, portanto aquele que tem panorama, onde todos os movimentos são imediatamente visíveis, onde cada um

Page 89: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

88

decifra ao primeiro golpe de vista a intenção dos organizadores. (OZOUF, 1988, p. 211).37

Sendo assim, a escolha do lugar é importante para os manifestantes. E este lugar é a

praça. Para os movimentos de massa, esse espaço é extremamente importante, e por assim ser,

ele ganha uma marcação simbólica, para usarmos uma expressão da autora, ou mais

precisamente, a manifestação ergue o seu monumento. Não há festa sem monumento, pois só

o monumento é que eterniza a manifestação. Então, os manifestantes escolhem o centro,

geralmente uma praça circular do centro. A circularidade também contém os seus significados

simbólicos. Conforme Ozouf (1988), as formas circulares conservam uma estreita relação

com a reunião. O espaço circular é o mais perfeito lugar para a ocorrência da festa. Portanto,

para a escolha desta ou daquela praça como lugar da manifestação, além da comodidade de

acesso, leva-se em conta a possibilidade de colocar em evidência a fraternidade e o contato,

sobretudo porque o contato é criador, e, por si, já representa um motivo para as pessoas

integrarem-se às manifestações.

Não é sem razão toda essa discussão que ora apresentamos. Perguntamos aos

entrevistados os significados da Praça Sete para eles. Vários situaram a Praça como o

“coração da cidade”. Uma alusão interessante, já que se remete ao sentimento. Lugar do

sentimento é o coração, algo vivo, aquilo que pulsa. Outra referência é a Praça como centro,

lugar em que se pode comunicar-se com todos os lugares da cidade. Daí toda a simbologia

representada pelo centro: para quem manifesta, a praça central não é somente um lugar de

passagem, ela é o lugar do encontro cidadão.

3.3.3 Praça Sete: espaço de sociabilidade ou de di sputas?

De pronto, partimos da idéia de que a rua e a praça são espaços públicos do conflito,

em que é preciso pronunciar as razões da discórdia para que as decisões sejam tomadas, para

que as reivindicações sejam entendidas.

A praça é um espaço físico e social, poderíamos primeiramente definir. Físico e

carregado da dimensão pública. Para ser pública é preciso situar-se na cidade, num espaço

37 « L’endroit idéal où installer la fête révolutionnaire, c’est donc celui qui fait panorama, où tout les

mouvements sont immédiatement visibles, où chacun déciffre au premier coup d’oil l’intention des organisateurs. »

Page 90: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

89

aberto em que seja possível exercitar o debate e o encontro das pessoas.

Como espaço social, situamo-la como objeto de constante apropriação pelos diversos

segmentos que fazem parte da cidade. Quanto mais público é considerado o espaço, mais será

a disputa pela nomeação, pelos significados daquilo que pode ser posto em evidência naquele

espaço. E nessa direção, não há uma boa construção sociológica, caso não se tenha em mente

a configuração social da referida sociedade e as disputas inerentes à construção do espaço. O

que queremos dizer é que as contradições sociais também se inscrevem espacialmente.

Assim é que os espaços urbanos, senão a cidade como um todo, não podem ser

definidos, antes de tudo, como espaços de sociabilidade, mas sim como espaços de conflitos,

em que estão em jogo o poder de transitar, de nomear, de dar significados. Em circunstâncias

históricas já inseridas no seio da modernidade, verificamos que algumas praças públicas

tornaram-se palco de pelejas, por vezes sangrentas, em que se instalaram barricadas e a

multidão – fenômeno que também acompanha a modernidade – ameaçou por algumas vezes o

poder vigente, alterando a ordem das coisas, e em algumas circunstâncias, chegando a

derrubá-la.

Autores recentes das Ciências Sociais têm realizado estudos sobre espaços urbanos,

sublinhando, sobretudo, o caráter da sociabilidade, ou seja, a possibilidade do encontro

cidadão como elemento intrínseco a algumas praças. Tal sociabilidade tem sido apresentada

como que desprovida de conflitos, cabendo ao poder público simplesmente a ação de mediar

interesses e aplicar políticas públicas que proporcionem mais e mais espaços para que essa

sociabilidade ocorra.

Contudo, não negando tal propriedade, é preciso considerar que o conflito apresenta-se

também associado ao espaço, mesmo que na aparência ele seja percebido como um lugar de

sociabilidade. É o que temos demonstrado ao longo de todo esse capítulo, através da imagem

diástole-sístole. Assim, remetendo-nos aos gregos, embora sem intenção de nos determos

muito, transitar por entre os espaços físicos da Ágora necessariamente não significava o

direito de poder participar dela, como cidadão. Dito de outra forma ainda, transitar como

indivíduo isolado por entre determinados espaços não significa que a coletividade da qual se

faz parte teria o direito ao espaço em questão. O que essa alusão quer mostrar é que o simples

fato de transitar pelo espaço físico da cidade não concede ao indivíduo o direito à cidade, ou

mais precisamente, o direito ao dissenso, o direito à diversidade, enfim, a inserção da

dimensão da política no espaço da praça. Conseqüentemente, um espaço urbano pode

comportar a sociabilidade, mantendo-se a dimensão do privado, mas com a ausência da

política.

Page 91: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

90

Estas considerações nos permitem concluir o raciocínio. A Praça Sete, espaço

simbologicamente central, “marco zero” de Belo Horizonte, não foi pensada como espaço

público, conforme nos referimos anteriormente. O sentido de centralidade política não estava,

portanto, inscrito à priori no espaço planejado. Essa acepção só ganha significado em

circunstâncias mais recentes. E também nem sempre foi espaço permitido a determinados

segmentos “perigosos”. A nossa aposta é de que há mais ou menos permissão ou proibição

para se estar na Praça, dependendo do incômodo político que este ou aquele grupo possa

proporcionar. Assim, nem toda a sociabilidade é aceita na Praça em determinados regimes

políticos.

De tal maneira, se a sociedade é exclusivista do ponto de vista econômico e político,

há que se tomar esse elemento e verificar que a exclusão está inscrita no espaço. Repercute no

espaço.

O momento atual é particularmente propício para considerarmos alguns problemas

quanto à sociabilidade no espaço público, que trazem conseqüências também para as

manifestações coletivas, sobretudo porque dizem respeito à disposição dos indivíduos quanto

à participação na política e também porque situam questões relativas à dimensão do espaço

público hoje.

Murillo e Márquez (2005) enfatizam um dilema atual representado pela proliferação

de espaços fechados: cafés, clubes e galerias, que substituem os espaços públicos. Tal

crescimento representa uma ameaça de esvaziamento dos espaços públicos, ou aversão aos

espaços abertos, ágora fobia, comportamento que indica um problema que se levanta quanto à

organização da sociedade, sobretudo porque os espaços públicos são lugares onde se forma a

cultura cidadã.

Oliveira (1999) também aborda essa tendência cada vez mais atual que está associada,

segundo ele, a uma cultura individualista, ligada à emergência de um tipo de subjetividade

cultivado pela sociedade privatista, neoliberal. O resultado dessa combinação é um profundo

desinteresse por tudo aquilo que é público e uma diminuição do espaço da política. Como

resultado dessa nova cultura, os indivíduos abandonam a militância ou a adesão a causas

coletivas, esvaziando-se o espaço público em detrimento da criação de espaços de segurança

particulares. Em conseqüência, alguns setores da sociedade já não têm a experiência do

público, entendendo aí toda a possibilidade do encontro com a pluralidade e a diferença.

Outros espaços são criados, simulacros do público, mas que são espaços fechados, que não

permitem senão o encontro entre iguais.

Page 92: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

91

3.3.4 Manifestações no centro: trajetos e simbolog ias

Diante dessas considerações, importa analisar a Praça Sete sob o ponto de vista da rua,

dimensão política e simbólica. A partir de então, conduziremos nossa atenção para as

manifestações que tiveram como palco a Praça Sete. De antemão, algumas questões

pertinentes se apresentam: por que alguns movimentos escolhem certas praças ou ruas para se

manifestar?Quando escolhem? Por que escolhem determinados trajetos e não outros?

Situando-se a Praça Sete dentro do recorte temporal que são os 75 anos do Sindicato

dos Bancários de Belo Horizonte, localizaremos diversas manifestações políticas, sendo a

Campanha das Diretas, em 1984, um dos marcos mais importantes. Mas não só. Em diversas

situações a Praça Sete foi escolhida para ser palco de diferentes manifestações, tornando-se,

em algumas circunstâncias, uma verdadeira “praça de guerra”, por ocasião de enfrentamentos

que ainda encontram-se na memória dos belo-horizontinos. Lembremos, de passagem, a

sempre mencionada Greve dos Operários da Construção Civil, em 1979, a Greve dos

Motoristas em 1963 e o conflito com os “perueiros” em 2001. Assim sendo, a praça deixou de

ser exclusivamente um “Cartão Postal”, ou espaço de passagem, para ser lembrada também

como espaço de formação de piquetes, de greves, de “agitos” diversos, encabeçados pelos

diferentes movimentos sociais.

Nossa proposta inicial é a de que a Praça Sete foi sendo apropriada pelos movimentos

sociais como espaço de manifestação, dimensão que não estava originalmente relacionada

àquele espaço. Dito em outras palavras, o espaço foi paulatinamente tornando-se espaço da

realização das passeatas históricas ao longo do século XX, ou como nos referimos em outra

oportunidade, um espaço da palavra e da ação. Essa configuração precisa ser compreendida a

partir de intensas disputas _no e sobre o espaço. O Sindicato dos Bancários foi um dos atores

que se apresentou para a realização dessa transformação simbólica do espaço público.

Mais particularmente, tomando-se como perspectiva de análise a confluência entre o

movimento sindical bancário e a Praça Sete, constata-se uma interseção de duas histórias que

se cruzam em algum ponto da linha temporal. A história do Sindicato dos Bancários, dentre

tantos outros cruzamentos em sua história, tem a Praça Sete como parte da sua trajetória não

como um dado acidental, isto é, a Praça não aparece ao Sindicato dos Bancários como um

espaço qualquer, uma praça qualquer. Durante a trajetória do Sindicato, a Praça tornou-se

extensão da própria entidade, uma espécie de auditório não-oficial. É essa dimensão que os

sujeitos históricos que fizeram parte daquele sindicato trazem à tona, sobretudo quando

Page 93: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

92

afirmam que a Praça Sete era “praça democrática”, conforme sugestão do entrevistado José

Prata.

Muitos fatos podem ser contados como processos que incidiram na história da Praça

Sete enquanto monumento. Há uma história da rua e essa história se cruza com a história dos

homens e mulheres. Diversos sujeitos sócio-políticos contam a sua história localizando-a a

partir da cidade de Belo Horizonte e da Praça Sete. Por estas e outras razões, diversos

personagens históricos e a população em geral associam aquela Praça às manifestações,

lembrando que ali é um espaço em que a voz repercute para toda a cidade.

É bem representativa essa imagem. É precisamente a partir dessa característica que

Bolle (1986) apresenta considerações sobre o centro da cidade, tomando como referência a

metrópole Berlim. Assim, o centro da cidade é a caixa de ressonância, porque é o encontro de

todas as falas. Ele é a “voz da cidade”,

[...] na medida em que é construído como montagem de virtualmente todas as falas que circulam na grande praça central: além de matérias de jornal, textos de publicidade, versos bíblicos e, sobretudo, a fala popular metropolitana ao vivo. (BOLLE, 1986 p. 131).

Essa acepção é próxima daquela caracterização da Praça Sete como lugar em que a

voz repercute. Acrescentamos-lhes, portanto concordando com Bolle, a noção de polifonia,

espaço de energia verbal, onde todas as linguagens podem ser acionadas, um espaço em que

efetivamente se consubstancia a democracia. Nessa acepção é que a praça do centro pode ser

tomada como indicativo da vida democrática: se há democracia na cidade, então é a praça o

lugar para se falar, para se expor. Se não há, a praça é deserto. Nesse momento, distanciando-

nos um tanto do apontamento de Bolle, consideramos que o centro da cidade nem sempre

potencializa essa polifonia. A presença de hippies na praça, a circulação de versos bíblicos e

um palco, em suma, elementos que poderiam sugerir uma polifonia na praça, podem estar ali

como simples alegorias, ou como espetáculo. Tal ênfase mereceria ser apontada, sobretudo

porque uma das alusões mais significativas com relação à Praça Sete, dada por alguns

entrevistados é de que, em algumas situações da história, a Praça teria sido um deserto, onde

não se podia falar, o que expressaria uma noção oposta à idéia de polifonia. Precisamente, a

Praça tinha o sentido de “deserto” quando a repressão política ocorria e onde o poder se

apresentou em sua intensidade massacrante. A associação com o deserto é oportuna para

continuarmos o raciocínio à luz das considerações de Carlos (1996), uma vez que a autora

identifica muito adequadamente essa revelação do poder de repressão na rua, com a produção

Page 94: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

93

de um “deserto lunar”, tomando a expressão de Henri Lefebvre. Vejamos as palavras da

autora:

A rua é também o lugar privilegiado da repressão imposta de forma clara ou sub-reptícia em função das estratégias do Estado. Isto fica claro nas proibições de reunião de pessoas em áreas públicas – praças, ruas, avenidas. (CARLOS, 1996, 96).

Essa idéia de um deserto provocado pelas ações repressivas do poder público foi fato

mencionado com destaque por alguns entrevistados. Os diálogos merecem ser apresentados, já

que dão a dimensão da ocupação do espaço da Praça Sete e as situações de repressão,

anulando-se a dimensão da política da rua.

Primeiramente, Armando Ziller refere-se a um silenciamento de dez anos com a

ditadura de Vargas, e depois disso, num momento de abertura democrática a partir do pós-

guerra, em 1945, lembra a ansiedade para se falar na Praça Sete. Ele considera uma situação

em que os comícios passaram a ser freqüentes na Praça, depois de anos de jejum. Na ocasião,

ensaiava-se o movimento Queremista38. A transcrição das palavras de Ziller vale não tanto

pelo relato sobre o Queremismo, mas sim pelo prazer de fazer política, pela necessidade de ir

para as ruas.

[...] Começou ali na Praça Sete, aonde o pessoal ia toda noite, depois do jantar, e fazia um comício. O movimento foi aumentando, aumentando. Havia sempre ali gente andando para baixo e para cima, o pessoal não tinha nada a fazer, e os oradores estavam aflitos para falar – fazia dez anos que não podiam falar em praça pública. [...]. (MINAS GERAIS, 2000, p. 132).

Solange Ayres menciona a dureza da repressão no final da Ditadura Militar, 1979/80,

quando foi preciso teimar e insistir na ocupação do espaço público, já que o silêncio ainda o

marcava.

Mas nessa época da Oposição [Sindical Bancária] a gente sofria muita repressão. E tinha bomba de gás... e jogava mesmo e dispersava a manifestação... Mas a gente se juntava de novo. Acho que ideologicamente a gente era muito unido. Então eu acho que não havia um problema de dispersão, que dizer .... dispersava a gente [risos] na bomba, aí voltava nós de novo lá. (Informação verbal).39

O mesmo momento é novamente definido por Moisés Augusto, como uma intencional

38 Movimento político conduzido por comunistas e getulistas que queriam a permanência de Getúlio

Vargas no governo. 39 Entrevista concedida em 16/03/2007 por Solange Ayres.

Page 95: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

94

desertificação do espaço.

Quando da Ditadura Militar – nós tivemos então a desertificação do espaço público, o esvaziamento das ruas, o silenciamento das vozes do dissenso, da oposição, da reivindicação... então o Sindicato dos Bancários ele foi fundamental naquele período – obviamente não só ele. Há um conjunto de movimentos sociais e populares e sindicais – mas ele foi fundamental pra re-significar o coração da cidade, uma vez que o centro da cidade era o lugar pra o qual, o lugar pra onde convergia – e converge, não é? (Informação verbal).40

Tais depoimentos dão a exata medida de um espaço esvaziado. Portanto, distanciando-

se da interpretação que vê a praça somente como lugar da sociabilidade, poderíamos colocá-la

como possibilidade de polifonia, fato que a torna passível de ser escolhida como lugar para

manifestações democráticas, para manifestações de massa, já que os outros espaços não são

tão polifônicos, mesmo em momentos de dura repressão. O argumento que enfatizamos aqui é

que uma praça não pode ser polifônica se lá não se permite as vozes do dissenso, conforme

expressão utilizada por Moisés Augusto.

Quanto à característica da polifonia definida por Bolle, consideramos que em Belo

Horizonte, a Praça Sete é, dentre outras praças, aquela que mais guarda a possibilidade de

funcionar como caixa de ressonância, já que apresenta elementos que a singularizam nessa

direção. Para fazermos algumas comparações, tomemos o exemplo de outras praças, como a

Praça da Liberdade, a Praça da Estação e a Praça Tiradentes, que também foram importantes

palcos de manifestações políticas ao longo do século XX.

A Praça da Liberdade foi lugar escolhido por manifestantes que buscavam

interlocução com o governo ou protestavam contra o mesmo. Le Ven e Neves (1996) indicam

que o caminho da Praça Sete à Praça da Liberdade foi trilhado por diversas categorias

profissionais, em diferentes momentos, dentre as quais os mineiros de Nova Lima, professoras

e bancários (Apêndice B). Com o processo de abertura política, a partir de 1979, aquele

trajeto foi retomado novamente pelos movimentos sociais. Não se trata de uma Praça

polifônica. Com efeito, lá é o espaço onde se inscreve a monumentalidade do poder, ali não se

combinam os elementos da diversidade, do fluxo constante de pessoas, de notícias,

publicidades e de artistas.

A Praça Tiradentes foi palco para as manifestações dos grupos conservadores, como a

Marcha das Mulheres com Deus e pela Liberdade. Essa manifestação iniciou-se a partir da

40 Entrevista concedida em 02/08/2007 por Moisés Augusto Gonçalves.

Page 96: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

95

Igreja São José e seguiu até a Praça Tiradentes, portanto, simbolicamente saindo do Centro e

orientando-se para fora – ao menos simbolicamente. Lugar de circulação, a praça

propriamente dita é um espaço perigoso de se chegar, por causa do intenso fluxo de veículos.

É uma Praça marcada pelo vazio e pelo interdito, conforme sugere Carlos (1996). Um espaço

em que a monumentalidade reforça o lugar do poder, constituindo-se, por isso, um lugar para

se ver. Também merece menção a simbologia do mártir Tiradentes, herói nacional de

aceitação por parte dos setores conservadores e nacionalistas. A escolha da Praça Tiradentes

pela Marcha das Mulheres não foi uma escolha aleatória. Não deixa de ser significativo,

portanto, o fato de o movimento conservador de 1964 ter saído de um lugar tido como central

para o lugar do vazio, inóspito a até impróprio para a realização de manifestação. O trajeto em

si poderia ser tomado como uma alusão do poder que ocupa a sociedade, já que, recorrendo a

uma sugestão apropriada de Monte-Mór, o centro de Belo Horizonte representaria o poder

político centralizado e também o lugar do poder financeiro (MONTE-MÓR, 1994).

A Praça da Estação também foi palco de outras tantas manifestações da cidade, tais

como a histórica greve dos operários da construção civil, em 1979, e os comícios da Frente

Brasil Popular, em 1989. Ela também guarda suas particularidades, distinguindo-se das outras

praças mencionadas pelo fato de que ali não é tão presente a monumentalidade do poder do

estado, e não é local só de passagem. Ela é, marcadamente, o lugar da chegada à cidade, assim

como são as estações ferroviárias e rodoviárias. São as estações os lugares que primeiramente

acolhem o imigrante, o estranho à cidade. Espaços transitórios. Pertencem à cidade, mas é

também, dentre os espaços, um dos que mais podem ser associados ao “estrangeiro”. É o

lugar que os recém-chegados timidamente tateiam, antes de ousar passos mais confiantes para

dentro da cidade. Podemos defini-la, portanto, como lugar do começo.

Essa particularidade é importante para ser levada em conta, sobretudo porque as

manifestações que ocorreram na Praça da Estação dialogam de alguma forma com essa

simbologia. Assim, poderíamos perceber que os Pedreiros (1979), tendo realizado uma de

suas primeiras manifestações, e demonstração de forças no final dos anos de 1970,

escolheram a sua praça: a praça da chegada, ou também dos começos. O trajeto escolhido é

igualmente significativo: decidiram se encaminhar em direção à Praça Sete, o “coração” da

cidade, portanto uma trajetória espacial significativa, que simbolizava os primeiros passos de

uma nova reivindicação pelo direito à cidade.

Não poderíamos deixar de mencionar também o fato de a primeira greve/manifestação

de Belo Horizonte ter partido exatamente dessa mesma praça, escolhendo o trajeto em direção

ao Palácio da Liberdade. Novamente a imagem de um começo, da busca de um

Page 97: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

96

reconhecimento por parte do Estado e da população.

Todas essas praças, em que pese as diferenças quanto às suas formas de ocupação, não

comportam aquela energia verbal citada por Bolle. A Praça Sete comporta. Significativo,

portanto, no conjunto de algumas das grandes manifestações de Belo Horizonte é que a Praça

Sete foi o grande cenário, seja para as manifestações dos grupos ligados à direita ou daqueles

ligados à esquerda. De alguma forma, ela sempre foi parte do trajeto, seja para iniciar a

passeata, seja para terminá-la. Tal constatação talvez nos forneça pistas para entendermos a

construção simbólica da Praça Sete como lócus das manifestações políticas, de cunho

democrático. Acontecimentos históricos, remotos ainda no início do século XX, já nos dão

conta de sua importância nessa direção. Muitos exemplos podem ser citados. A começar por

Santos (2006), em que encontramos referências sobre manifestações sociais na Praça Sete já

em 1912.

Assim, como em 1912, quando se manifestam grevistas pedindo a redução da jornada de trabalho para oito horas, a Praça Sete continua sendo a tribuna maior da capital mineira... Hoje se o leitor passar pela Praça Sete certamente verá alguém desfraldando uma bandeira ou erguendo um cartaz, ao pé do pirulito. (SANTOS, 2006, p. 60).

Este autor enfatiza ainda a importância da Praça como ponto de encontro dos ativistas

de esquerda, num momento de efervescência político-cultural, fato também lembrado por

escritores mineiros. Assim,

Enquanto poetas e artistas subvertem o conservadorismo cultural, crescem as tensões políticas e a reação às impossibilidades da esquerda em decisiva expansão nos anos de 1950 e 1960. A Praça Sete é início ou fim das mais expressivas manifestações de natureza política. (SANTOS, 2006, p. 56).

Esta é uma história que merece ser contada, sobretudo porque não se pode explicar

esta configuração pela simples noção de centralidade que aquele espaço apresenta. Dentre

tantas manifestações, encontramos aquelas de cunho político-sindicais. Também tantas

façanhas, tantos momentos. Cada qual à sua maneira. Uns momentos mais democráticos, em

que a Praça se faz vivida; outros momentos, menos democráticos, em que a Praça se faz

deserto.

A perspectiva é de um foco e outro. Um olho no movimento e outro no espaço. No

detalhe, as manifestações político-sindicais dos bancários e a Praça Sete. Duas histórias que se

cruzam. Ou mais precisamente, duas histórias que se fizeram reciprocamente na relação.

Page 98: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

97

3.3.5 Importantes manifestações

A Praça Sete é apresentada na abordagem de Lemos (1988) como um espaço

tradicional de luta política. Pudéssemos contar com uma espécie de slide das manifestações

políticas na Praça, veríamos o entrelaçamento das questões nacionais sendo projetadas nas

configurações locais que cada fato vai adquirindo. Não podendo fazer esta trajetória por meio

das imagens, façamo-la por palavras. Por meio destas, tracemos algumas circunstâncias

significativas representadas na Praça Sete.

Um dos primeiros momentos de ocupação das ruas do centro foi em maio de 1912,

mais precisamente de 06 a 14 de maio de 1912, com a greve dos funcionários públicos da

Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, juntamente com outros trabalhadores que foram

aderindo aos protestos. Dentre as reivindicações, a luta pela redução da jornada e aumento

salarial, além dos apelos quanto ao direito à reunião e manifestação pública.

Faria e Grossi (1982) informam que cerca de 2000 trabalhadores aderiram à greve. No

ápice da mobilização, os trabalhadores fizeram passeatas por diversas ruas do centro. Já

relatamos o trajeto dessa manifestação. É apropriado considerar os relatos daquela autora

quanto à disposição dos trabalhadores e a crescente adesão à greve e às manifestações.

Em grupo, 40 operários subiram a rua agitando e concitando seus companheiros a aderir à greve. A partir desse momento, novos contingentes operários se incorporaram. Portando uma bandeira, percorreram várias ruas. “chegaram às oficinas do Srs. Paiva & Pinto” [cerca] de 200 operários, e em seu interior conclamaram os companheiros a aderir ao movimento de protesto e reivindicação (...) [depois] os grevistas deixaram o recinto e ganharam as ruas em passeata (FARIA; GROSSI, 1982, p. 192).

Convém apontar ainda que, naquela época, os trabalhadores já lançavam mão de

símbolos associados ao movimento operário, uma vez que as influências socialistas e

anarquistas já se faziam presentes junto aos trabalhadores. Le Ven e Neves (1996, p. 79)

informam que os trabalhadores portavam “bandeiras do Brasil, Itália e Portugal, Bélgica e

mais um estandarte branco em sinal de paz e soltando vivas ao operariado e à greve.”.

Esta manifestação dos trabalhadores pelas ruas do centro representou um

acontecimento inusitado na vida da cidade, merecendo uma cobertura cotidiana do Diário de

Minas. Os noticiários publicados naquele jornal relatavam a perplexidade da população diante

dos acontecimentos. Boatos surgidos na ocasião, dando conta de que o pior estaria por vir,

aumentavam ainda mais o alarme de alguns setores da população.

Outra manifestação significativa iria ocorrer nos anos de 1940, por ocasião dos

conflitos da Segunda Guerra Mundial, quando diversos setores da sociedade mineira se

Page 99: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

98

organizaram em manifestação de apoio à entrada do Brasil na guerra. O movimento operário

se expressou de diversas formas e uma destas foi a saída às ruas para se posicionarem de

maneira mais clara. O Partido Comunista assumiu proeminência na condução das atividades

em apoio à Força Expedicionária Brasileira (FEB), em 1944, os comitês pró-FEB. Foi nessa

oportunidade que alguns ativistas bancários se apresentaram, mesmo que timidamente num

primeiro momento, mas ganhando proeminência no desenrolar da própria guerra.

A narrativa que Yonne Grossi (1981) faz da organização pró-FEB dos mineiros de

Nova Lima merece ser destacada, já que indica a forte adesão de uma cidade inteira – não por

acaso denominada na época de “cidade vermelha” – a essas campanhas. Fato que merece ser

mencionado, embora faça parte da história de outro movimento operário e de outra cidade.

Aquelas atividades constituíram-se em oportunidades singulares para que os militantes

comunistas despontassem junto ao movimento operário e também para que novas lideranças

surgissem.

Quando o Brasil se declarou em guerra contra as potências do Eixo, os mineiros comemoraram em comícios. Muitos se ofereceram como voluntários da FEB e Nova Lima assistiu a uma celebração de massa operária e popular, no quadro das aberturas democráticas que prenunciaram a queda da ditadura de 1945. (GROSSI, 1981, p. 139).

Essas manifestações propiciaram um aprendizado que mais tarde mostrou os seus

frutos na inserção dos trabalhadores nas lutas pela democratização e também pela adesão às

suas respectivas entidades de classe e aos partidos políticos. Foram circunstâncias singulares,

portanto, para que as organizações operárias pudessem marcar a sua presença nas

manifestações.

Num período anterior, mas dentro do contexto da guerra, algumas manifestações já se

apresentavam em Belo Horizonte. Por ocasião do torpedeamento dos navios brasileiros, em

1942, o centro da cidade foi transformado em lócus de manifestações.

Na área central, as pessoas se aglomeravam, em grande número, junto ao Pirulito da Praça Sete. Vários oradores populares falavam e pediam a entrada do Brasil na guerra. Daquele dia em diante, as manifestações não pararam e, juntamente com elas, vieram os saques e quebra-quebras generalizados na cidade. A chefia de polícia compôs uma lista de nomes e endereços de pessoas ligadas ao ‘eixo’ e, acompanhada de manifestantes, ocupou casas e saqueou lojas no centro. (BICALHO Apud LEMOS, 1988, p. 212).

Page 100: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

99

FIGURA 4 Praça Sete – Campanha Aníbal Benévolo, 1943 Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto.

Conforme vínhamos destacando, a experiência dessas manifestações foi uma

oportunidade extraordinária para os movimentos organizados recrutarem novos ativistas. Isto

ocorreu também no Sindicato dos Bancários, a exemplo de Armando Ziller, uma das

principais lideranças até 1964. Militante comunista, Ziller despontou como liderança sindical

exatamente na ocasião da campanha de apoio à FEB e nos atos públicos contra o fascismo

(STRALEN, 1995). Foi a partir de então que ele ganhou o reconhecimento junto aos

bancários de Belo Horizonte, fato que o habilitou a disputar as eleições do Sindicato dos

Bancários em 1945. Ele fala desse momento em entrevista concedida a Lucília Delgado em

2003.

[...] nós fizemos filas na rua, apoiando o governo na guerra contra o eixo, o Benedito [Valadares] ficou entusiasmado, porque quase não o convidavam para nada. Vai a D. Odete [Valadares], lá, no Sindicato. Aí, foi um sucesso. O Sindicato destacou. (ZILLER, 2003, fita 01, lado A).

Com o fim da Guerra e a abertura política que ocorria no plano nacional, o centro

passou a ser ocupado com mais freqüência pelas manifestações em torno da defesa de uma

abertura democrática e das liberdades.

Page 101: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

100

O centro se reafirmou como lócus da discussão, da manifestação e da propaganda política. Havia grande participação popular nos comícios que se realizavam no centro. Seu espaço, mais uma vez, funcionou como pólo centralizador de pessoas e atividades, passando a constituir um lugar privilegiado de troca e divulgação de idéias. A capacidade do centro de transmitir e divulgar imagens e idéias está diretamente relacionada à capacidade do seu espaço de concentrar atividades e pessoas. Nesse sentido, consolida-se como lócus ideal para o intercâmbio de idéias, palco e cenário de conflitos e tensões políticas. (LEMOS, 1988, p.212).

O período de 1945 até 1964 é marcado pela constante presença dos trabalhadores no

espaço urbano. Le Ven e Neves (1996) enfatizam alguns desses momentos:

Em 1954, os mineiros de Nova Lima desceram a Serra do Curral,, numa passeata de 3000 trabalhadores e caminharam da Assembléia legislativa, na Rua Tamoios, ao Palácio da Liberdade. Repetiram a mesma manifestação em 1961, dessa vez passando pela Rodovia Nova Lima-Belo Horizonte. Nesse mesmo ano, os operários da fábrica têxtil fizeram também a passeata das “panelas vazias” no centro da cidade. [...] (LE VEN; NEVES, 1996, p. 88).

O período de 1961 a 1964 foi um dos mais marcantes em termos de manifestações no

centro da cidade. Diversos movimentos sociais, estudantes e sindicatos entraram em cena para

realizarem suas reivindicações.

Respirava-se, enfim, um ar novo e alimentava-se de uma esperança coletiva [...] trabalhadores e suas organizações manifestavam-se publicamente no centro de Belo Horizonte. (LE VEN; NEVES, 1996, p. 88).

O levantamento jornalístico nos oferece uma dimensão desses acontecimentos

(ANEXO B). Para citar alguns deles, destacamos a passeata da “panela vazia” em 15/06/1962,

atividade que contou com a presença de diversas entidades sindicais, estudantis e populares.

Na ocasião, os manifestantes saíram do centro e dirigiram-se ao Palácio da Liberdade.

Também podemos mencionar a greve dos estudantes universitários pela representação de 1/3

nos órgãos colegiados. Tal greve foi marcada por intensos embates com a polícia nas ruas do

centro, com prisões, quebra-quebras, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral para

impedir que os manifestantes ocupassem o centro.

Esse clima de manifestações por vezes é marcado por fatos pitorescos e até

humorísticos:

Belo Horizonte 1961. Fidel Castro era o grande ídolo estudantil. Marcou-se enorme comício na cidade dizendo que Fidel, pessoalmente, viria a Belo para falar aos operários e estudantes. Às 6 horas da tarde, na Praça Sete, surge Teotônio dos Santos Júnior vestido de Fidel com barba, charuto e tudo. Não disse duas palavras. A TFP, o DOPS e não sei mais que, botaram todo mundo a correr, quebrando cartazes e queimando faixas, cantando o hino nacional, enquanto Fidel, sem fôlego, quase nu, chegava esbaforido ao topo das escadarias do DCE. (SANT’ANNA Apud LEMOS, 1988, p. 283).

Page 102: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

101

A Praça era o espaço de iniciação daqueles que queriam questionar o sistema. O

primeiro ato de ousadia era marcar suas posições políticas no espaço público do protesto. É

assim que Frei Betto, nas suas memórias políticas, também se refere àquele espaço,

reforçando a noção da Praça como lugar das manifestações:

Dirigi-me à Praça Sete e, trepado no ‘Pirulito’ – o obelisco símbolo da cidade –, incitei estudantes do curso noturno a lutar pelo retorno de Jânio Quadros ao poder. Antes de encerrar o meu discurso, ouvido por um punhado de jovens que me fitavam como se Brasília fosse uma cidade muito distante de suas preocupações, a Praça Sete foi cercada pela cavalaria do Exército – Companheiros, não vamos permitir que as botas esmaguem a democracia brasileira – gritei por gritar, sem nenhuma idéia de como um bando de rapazes cansados da labuta diária poderia a caminho das aulas, pelo menos resistir às bombas de gás lacrimogêneo que estouravam por todos os lados, dispersando-os. (BETTO, 2002, p. 174). 41

O momento era também marcado pelo acirramento da repressão com as forças do

DOPS que intensificava, paulatinamente, suas estratégias de repressão às manifestações,

efetuando prisões de ativistas, além do impedimento de deslocamento de manifestantes em

passeatas (DOPS..., 1963b). Naquele momento era necessário solicitar licença ao DOPS para

realização de manifestações na rua e era comum a negação do pedido, bem como o confisco

de alto-falantes e outros equipamentos utilizados nas ruas (DOPS..., 1963a).

Como exemplo da disposição dos manifestantes e, por outro lado, do cerco realizado

pelos policiais do DOPS, vale mencionar também a greve dos motoristas em maio de 1963.

Essa greve marcou-se por uma intensa mobilização, com a organização de algumas passeatas,

mesmo contra o cerco da repressão ao movimento. Numa delas, que passaria pela Praça Sete,

em direção à Igreja São José, a polícia resolveu impedir, dispersando violentamente os

manifestantes, dissolvendo-se, assim, a passeata.

Greve dos motoristas teve no segundo dia, 35 prisões e uma passeata dissolvida. Às 14 horas de ontem os grevistas saíram em passeata do Sindicato dos Bancários para a Avenida Afonso Pena [na Praça Sete]. Depois de percorrerem um trecho da Avenida, foram cercados pela Polícia, cm frente à Igreja São José. (GREVE..., 1963a, p. 10).

O período era marcado por intenso movimento de manifestações e, paralelamente, a

atuação do DOPS e dos movimentos conservadores demonstrava que a Praça não estava tão

aberta assim, sobretudo porque a repressão a quem ousasse ir para a praça, fazer protesto, era

41 O referido comício, conforme relata Frei Betto em trecho, foi realizado em 25 de agosto de 1961.

Page 103: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

102

dada como certa.

Depois do Golpe Militar, a Praça Sete tornou-se ainda mais interditada, somente vindo

a ocorrer ali algumas manifestações, por vezes esparsas, como a dos estudantes e movimento

sindical, em 1968. Nesse contexto, manifestar na rua já era bem mais arriscado.

Somente no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 é que a Praça começa,

timidamente, a ser ocupada por manifestantes. Era o momento da entrada dos novos

personagens no cenário da cidade, a retomada das lutas sociais, combinando-se também a

retomada do espaço público.

Novamente Le Ven e Neves (1996) dão as pistas para se compreender a retomada das

lutas sociais, a retomada do espaço público. Eles apresentam a seguinte consideração que

merece ser tomada como indicador de um momento ímpar na história das manifestações

sociais, desde o período posterior a 1964:

Retomando a tradição, as ruas de Belo Horizonte foram ocupadas por todo tipo de trabalhadores que não tiveram sido convidados a tomar parte no “milagre econômico” e no planejamento tecnológico. O ano de 1979 foi um momento de “catarse” que reavivou a memória e construiu símbolos, presentes até hoje, no imaginário dos movimentos coletivos dos trabalhadores. Foi a reconquista da cidadania. (LE VEN; NEVES, 1996, p. 95).

FIGURA 5 Greve dos Operários da Construção Civil, 1979 Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto.

Page 104: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

103

Dentre esses acontecimentos, a greve dos Operários da Construção Civil foi um dos

marcos daquela retomada, inserida no bojo das grandes greves de 1979, no mesmo período

em que as famosas greves do ABC Paulista sacudiam o Brasil. Afrontando a lei anti-greve

que imperava no país, em Belo Horizonte os “peões” ousaram ir para as ruas, tomando a

dianteira no processo de mobilizações de trabalhadores no período de abertura política.

Diante de tamanha ousadia, os meios de comunicação anunciaram, alarmados e

escandalizados, as manifestações daqueles trabalhadores:

Eram 9h30m da manhã e, embora a Praça da Estação estivesse cheia de trabalhadores da construção civil – eles estavam fazendo greve reivindicando melhores salários – o ambiente era de calma. A grosso modo, eles somavam 20 mil, espalhados por toda Praça e ruas adjacentes. Quatro grupos vinham chegando e fechando as ruas que dão acesso à Praça... impedindo os carros que por ali passassem... Os piquetes desceram para a Praça da Estação, onde cerca de 20 mil operários se espremiam erguendo cartazes. Os primeiros comerciantes... alarmados com a multidão desceram suas portas – e [um] táxi é totalmente destruído pelos operários... A raiva, então, dominou os manifestantes na Praça da Estação: viraram um carro duas, três vezes, para um lado e para o outro, quebrando os vidros, as portas, provocando uma explosão, que foi seguida de incêndio. [...] Daí pra frente o que se viu foi uma guerra, de um lado os manifestantes jogando pedras, laranjas e mexericas nos policiais e, de outro, soldados lançando bombas e afastando aqueles que se aproximassem com cassetetes. [...] Dentro de pouco tempo a cidade se transformou. Saques de lojas, incêndios nas bancas de revista e nos carros. O comércio ficou inteiramente paralisado. (Estado de Minas, Julho de 1979 [30/07/1979] – Apud PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 1996, p. 108).

Le Ven (1987), referindo-se a essa greve, considera-a como um indicativo da entrada

em cena de atores que até então não haviam se apresentado reivindicando os direitos à cidade.

Essa entrada em cena de categorias que sofreram as conseqüências da modernização da sociedade (professores e pedreiros) e da espoliação urbana [...], marca a nova composição da classe trabalhadora do “milagre mineiro”. (LE VEN, 1987, P. 34).

Tratava-se de um novo ator, diferente dos consagrados segmentos que ocupavam as

ruas no pré-64, ou seja, bancários, estudantes e metalúrgicos. Nesse momento, os

trabalhadores encampam uma luta que, além das questões particulares da categoria, levantava

questões políticas, contestando o Estado autoritário e sua política econômica. Denunciava,

portanto, as condições de trabalho nas empresas e as condições de vida do trabalhador na

cidade, com as questões do transporte, moradia, saúde, dentre outras. Daí também a dureza

dos protestos e a emergência de um grito que ecoava pela cidade.

Diante de tamanha ousadia, a reação dos setores conservadores foi imediata.

Page 105: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

104

Foi muito significativa a reação da imprensa falada e também escrita, como da Revista Veja, de 08/12/79, que julga a greve dos pedreiros como a “demonstração cristalina do que existe de pior em matéria de baderna, truculência e desrespeito à lei’, enquanto joga a ‘culpa’ do desrespeito em um Governo ‘não mineiro’ e na Diretoria Sindical.” (LE VEN, 1987, P. 34).

Esse acontecimento deve ser considerado como o grande preâmbulo, o grande

espetáculo de entrada que preparava outros momentos importantes. Consequentemente,

marca-se também pela sua dramaticidade, dadas as dificuldades de ir para as ruas naquele

momento. Depois de então, outros movimentos imprimiram sua marca de maneira indelével

sobre a Praça Sete. Entre estes, não poderíamos deixar de mencionar a Campanha das Diretas

Já, em 1984, e, mais tarde, a campanha do “Fora Collor”.

Concentrando milhares de pessoas na Praça, a Campanha das Diretas representava

mais do que um momento da cidade, marcando-se um acontecimento nacional, um dos poucos

dessa natureza ocorridos no Brasil. Tal manifestação representava o ápice de um conjunto de

manifestações que ocorriam no bojo da abertura política. A greve dos Pedreiros teria sido o

início. Outras também foram significativas, como a luta pela Anistia. Vinte anos depois da

Marcha das Mulheres, essas manifestações que antecedem as Diretas iniciaram-se na Praça

Afonso Arinos, e, num movimento mais ousado, chegaram até à Igreja São José ou a Praça

Rio Branco, mas sem ousar ocupar de imediato a Praça Sete, já que a repressão ainda era

intensa. Só depois é que ganharam definitivamente a Praça. A Campanha das Diretas faz esse

percurso “bairro-centro”, um trajeto inverso empreendido pelos movimentos conservadores.

Na simbologia, estaria a representação da sociedade buscando ocupar o poder. Um

movimento democrático, portanto.

Page 106: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

105

FIGURA 6 Campanha das Diretas Já – Praça Sete, 1984 Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto.

Gilson Mello refere-se a esses trajetos. A sua percepção ajuda-nos a entender esse

movimento de paulatina retomada da Praça Sete, simbolizando o movimento da

democratização brasileira, representada nos espaços centrais de Belo Horizonte.

[...] a lembrança política primeira que eu tenho da Praça Sete, talvez que eu lembre, foi o movimento de “Melhoria do Transporte Coletivo”. Eu não lembro se foi no ano de 80 [...]. E aí o Exército foi pra rua, como há muitos anos não tinha ido. E nós chegamos na Praça Sete. Foi um “pau cerrado”. Em seguida, [...] começa a tentativa de ir definitivamente às ruas. E aí o ponto de escolha é a Afonso Arinos [...]. Até pra criar um paralelo com o Largo do Machado [...], em frente à Escola de Direito em São Paulo [...]. Até porque era questão de direito que tava exatamente em questão sendo tratada. [...]. Em seguida, da Afonso Arinos, o passo seguinte é a escadaria da Igreja São José. O que na verdade foi um recuo. Foi tamanha a repressão na Afonso Arinos que o movimento vai buscar o apoio da Igreja. [...] Invadir ali era invadir Dom Serafim tinha que conversar...[...]. A Praça Sete ela só vai ser conquistada definitivamente com o fim da Ditadura. Era quase que ganhar politicamente... A Praça Sete, em Belo Horizonte, significa ter derrotado a Ditadura. (Informação verbal grifo nosso)42

O que ele nos apresenta é precisamente o momento da festa política na Praça. O prazer

de estar na rua, pensando uma nação e um projeto para o mundo, apropriando-se da praça

42 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Gilson Mello Martins.

Page 107: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

106

pública com irreverência, com palavras de ordem, xingamentos, injúrias dirigidas ao governo,

ao sistema e aos setores conservadores. Essa consideração merece ser associada às análises

que Bakthin faz sobre a função da praça pública na Idade Média, ao indicar que, quando o

povo ocupa esse espaço, ele o toma como lugar para rir. Donde também o grotesco tem seu

lugar, elemento muito apropriado pelos bancários, no final da década de 1980. Assim, a rua é

o lugar para rir da polícia, da Igreja e do poder político e econômico.

Por fim, já no início dos anos 1990, uma outra grande manifestação pública ocupava

totalmente o trecho que vai do início da Afonso Pena, na Praça da Rodoviária até a Praça

Sete: o “Fora Collor”, movimento que teve o seu ápice com a votação do Impeachment do

Presidente Collor, no dia 29/09/1992. Note-se que essa talvez tenha sido uma das poucas

manifestações ocorridas na Praça Sete desde a década de 1990.

É importante destacar que esse movimento realiza também o fechamento da rua,

tomando-a em outro sentido distinto daquele cotidianamente associado às ruas, ou seja,

transformando a praça dos negócios numa praça dominical, para usarmos uma referência

também utilizada quando da manifestação dos perueiros.

Diversos atores se apresentaram com suas bandeiras e discursos. Os “cara-pintadas”,

com suas simbologias, novamente guerreiras, indicavam que também nessa manifestação

lançava-se mão de um repertório cultural, trazido às ruas. Também nesse episódio

manifestante, diversos movimentos sociais disputaram suas representações nas ruas,

apresentando indiretamente suas concepções sobre a cidade e a Praça Sete.

Page 108: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

107

4 O MOVIMENTO SINDICAL BANCÁRIO E A PRAÇA SETE

FIGURA 7 Manifestação na Praça Sete, 1989. Fonte: CRMS/SEEB-BH. Fotógrafo: não identificado.

4.1 Uma visão panorâmica antes do mergulho

Retomando o recurso dos múltiplos focos indicado na introdução, antes mesmo de

tecermos maiores considerações acerca das entrevistas propriamente ditas, sugere-se agora

nos afastarmos das mesmas olhando-as no seu conjunto, ainda sem aprofundamentos, mais no

sentido de tomarmos a “fundura do poço”, como quem quer reconhecer o terreno, antes de se

aventurar na trilha desconhecida. Também em ciência se faz isso, e – convém dizer – é assaz

útil para que o pesquisador não se aventure em caminhos que não merecem uma aventura, ou

mergulhar em poços rasos demais.

A imagem panorâmica nos pareceu adequada para nos familiarizarmos com os dados

que foram trazidos pelos entrevistados. A metáfora é adequada, sobretudo porque ela diz algo

sobre nossa construção do conhecimento, como apreendemos algo, como captamos sentido

em entrevistas muitas vezes desconectadas umas das outras. Poderíamos dizer que o roteiro

prévio seria suficiente, mas o que se vê na prática do campo é que muitos “não-ditos”, os

silêncios (e também algumas repetições) podem ser relevantes e eles não se encontram no

roteiro (MINAYO, 1993).

Page 109: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

108

O recurso que ora apontamos também pode ser expresso a partir da imagem do feixe

de luz, apontado por Limoeiro Cardoso. Vejamos:

O conhecimento se faz a custo de muitas tentativas e da incidência de muitos feixes de luz, multiplicando os pontos de vista diferentes. A incidência de um único feixe de luz não é suficiente para iluminar um objeto. O resultado dessa experiência só pode ser incompleto e imperfeito, dependendo da perspectiva em que a luz é irradiada e da sua intensidade. (LIMOEIRO CARDOSO Apud MINAYO, 1993, p. 89).

Valemo-nos dessa imagem para indicar que as entrevistas mereceriam também olhares

múltiplos, talvez não só do pesquisador que as analisa no momento. Na dificuldade de se

analisá-las dessa forma, o critério do olhar panorâmico pelo menos fornece a possibilidade de

um outro ângulo de visão.

Diante das pesquisas realizadas, o primeiro aspecto que pode ser destacado é

precisamente a noção temporal realçada pelos entrevistados. Verifica-se que cada entrevistado

vê e reforça um determinado enfoque sobre o tempo, o seu tempo. Assim, podemos intuir que

aspectos da respectiva conjuntura nacional apresentam-se inscritos nos depoimentos.

Alguns olham para trás. Outros singularizam o presente. A este respeito, Fernando

Neiva, dirigente sindical do período mais recente, relata os dilemas vividos na conjuntura da

globalização, além do refluxo do movimento sindical, em que as ações são mais defensivas do

que ofensivas, ou seja, têm seu foco mais no sentido de garantir as conquistas obtidas ao

longo dos anos do que efetivamente obter conquistas novas. De sua narrativa, nota-se certo

pessimismo, já que os tempos atuais marcam-se pela dificuldade de ação da categoria.

Outros entrevistados buscam reacender a chama da esperança, ou mantém, apesar do

pessimismo marcado pelas agruras do presente, um tom esperançoso, uma necessária utopia

que precisa marcar-se no espaço público. Moisés Augusto e Gilson Mello, ambos da gestão de

1987-1990, mostram essa característica de quem ainda não se resignou. O passado é visto não

como o lugar mítico ideal, mas um lugar que foi formador, sem o qual não seriam sujeitos. O

lugar que marcam como ponto de partida é o tempo da abertura política, a efervescência

democrática e também cultural, cujo fundamento apresenta-se pelo simbolismo da luta pelas

“Diretas” e pela memorial greve dos Trabalhadores da Construção Civil.

Delgado (2006), a propósito da ancoragem dos indivíduos em determinados momentos

históricos, situa a importância de um tempo coletivo, esse tempo que não pertence ao

indivíduo, mas que é vivido pela coletividade. Nas palavras da autora: “no processar da

memória estão presentes as dimensões do tempo individual (vida privada – roteiro biográfico)

e do tempo coletivo (social, nacional, internacional)” (DELGADO, 2006, p. 16). É assim que

Page 110: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

109

se verifica a ancoragem dos indivíduos em tempos que lhes foram significativos, tais como a

“Greve de 46”, “as greves da final dos anos 80”, “O Fora Collor”, e outras situações.

Importante também frisar o fato de que a própria memória está inscrita como processo

que se constrói-reconstrói socialmente. Assim, as definições da autora são úteis para

entendermos melhor esse processo.

“Memória e história são processos sociais, são construções dos homens, que têm como referências as experiências individuais e coletivas inscritas nos quadros da vida em sociedade. Dessa forma, a memória, como substrato da identidade, refere-se aos comportamentos e às mentalidades coletivas, na medida em que o relembrar encontra-se relacionado à inserção histórica de cada indivíduo.” (NEVES Apud DELGADO, 2006, p. 50).

E finaliza assim o seu raciocínio:

[...] cada pessoa é componente específico de um mosaico maior que é a coletividade. Portanto, cada depoente fornece informações e versões sobre si próprio e sobre o mundo no qual vive ou viveu. (DELGADO, 2006, p. 52).

As conjunturas em que os sujeitos históricos são forjados não são as mesmas. Tais

circunstâncias nos levam aos termos de Delgado (2006) no sentido da existência de uma

representação histórica que “educa” os indivíduos. Ou, em outros termos, no sentido de que

somos filhos do nosso tempo social. Nessa lógica, é interessante notar as peculiaridades do

tempo inscrito nos depoimentos, sabendo que isto não deve ser uma camisa-de-força, mas um

dado a ser levado em conta. Os indivíduos, vivenciando processos sociais distintos, são

também influenciados de forma diferenciada e dão respostas diferenciadas.

Nessa acepção, ativistas que viveram conjunturas marcadas pela repressão e pelo

quadro de uma democracia instável, isto é, um vai-e-vem entre democracia e ditaduras,

trazem tal experiência nos seus depoimentos. Esses indivíduos demonstram as dificuldades

para a militância em determinados períodos históricos. Armando Ziller e Antônio Faria

vivenciaram este tempo incerto. Em conseqüência, o mesmo tempo não produziu indivíduos

iguais. Mas há um traço que se pode notar: estes sujeitos históricos trazem o recorte da

solidariedade bem presente nas palavras. Poderíamos dizer até de um corporativismo que os

mesmos incorporaram na linguagem. Tendo sido, digamos assim, forjados nessa conjuntura e

vivenciando posteriormente outras realidades, os ativistas em questão não deixaram para trás

aquele momento fundador que marcou suas histórias pessoais.

A propósito, lembramos de uma exposição de Le Ven (1996), em que o mesmo

argumentava que nossa “trajetória de vida” não comporta o “ex”. Aquilo que fomos um dia se

inscreve na nossa identidade, ao ponto de não poder mais ser apagado. Não podemos

Page 111: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

110

simplesmente nos desvencilhar daquilo que fomos um dia. Destarte, se o indivíduo foi um

militante político, viveu determinada conjuntura, participou de uma greve ou manifestou-se na

rua, tais fatos deverão inscrever-se na sua história de vida, na sua identidade, mesmo que,

anos depois, esse indivíduo não mais veja sentido naquilo que acreditou ou fez no passado.

Toda matéria que passa pelo teste do fogo nunca voltará a ser a mesma.

Não devemos firmar uma proposição do “eterno retorno” ou do tempo circular. E é por

isso que entendemos que o retorno do indivíduo ao passado faz-se em forma de re-elaboração,

e não numa espécie de repetição. Pode-se fazê-lo apontando para o futuro; pode-se confirmar

o presente ou ainda situar, de maneira saudosista, o passado como momento em que as coisas

aconteciam e as pessoas eram felizes, mas esse tempo revisitado nunca se repete nem mesmo

nas lembranças. Já que, a cada recordação, alguns fatos são esquecidos, enquanto outros são

lembrados.

Os indivíduos entrevistados revelam uma condição militante, em suas múltiplas

dimensões. Ao revelarem suas trajetórias sindicais e políticas, revelam também suas utopias,

ou visões de mundo, mesmo que, em alguns casos, rejeitem enfaticamente a aliança entre

política e o movimento sindical.

Mas não só as trajetórias merecem ser consideradas como elementos de análise.

Também os gestos, as palavras e expressões faciais dos entrevistados mereceriam uma

atenção especial por parte do pesquisador. No conjunto da nossa pesquisa não foi possível

atentarmos aos detalhes de uma forma roteirizada. Não tínhamos estabelecido tais

observações como elementos de nossa análise. Contudo, no decorrer da primeira entrevista

realizada, alguns detalhes do denominado campo “falavam” e não podiam ser ignorados.

No depoimento de um dos entrevistados, notamos um constante reforço da unidade

como fato significativo da categoria bancária, como um corpo solidário. Por diversas vezes,

ele fez menção às palavras unidade e irmãos bancários, enfatizando-as na frase.

Nós fizemos unidade com todas as correntes. Aqui nós somos irmãos bancários, minha doutrina era essa. Lá fora cada um que tivesse seu partido, sua religião, seu negócio.... mas aqui nós somos irmãos bancários. O inimigo comum, no caso, é o banqueiro porque ele nos paga mal, não reconhece o nosso esforço, o nosso trabalho. (Informação verbal).43

Os depoimentos dos militantes bancários no período anterior a 1964 revelam um

contexto de um sindicalismo fortemente atrelado ao Estado. Não era por menos. Stralen 43 Entrevista concedida em 03/08/2007 por ex-dirigente sindical.

Page 112: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

111

(1995) apresenta um contexto de constantes intervenções do governo nas atividades sindicais.

Não bastasse a regulamentação do Estado, as diretorias sindicais eram freqüentemente

destituídas, com a perseguição dos dirigentes mais combativos. Quanto à organização sindical

bancária, o que se infere a partir das entrevistas é que se construía um espírito solidário, em

que a defesa do bancário colocava-se em primazia frente a outras lutas. Era difícil romper

com o modelo sindical corporativo, e a visão sindical privilegiada seria aquela em que o

sindicalismo se afastava das questões políticas, mesmo que os militantes fossem ligados a

alguns partidos políticos. Esse distanciamento foi enfatizado por alguns entrevistados.

Já as entrevistas de Moisés e Gilson indicam outra ancoragem conjuntural. Tem-se a

impressão de que as demandas sociais, estancadas durante o período da ditadura não só

puderam, mas também precisaram ocorrer nas ruas. A dimensão da política é exacerbada

nessas falas, mas de uma mescla entre a ação cultural e política. Isto também é confirmado

pelas palavras de Marcelo D’Agostini e José Prata, porém a perspectiva da ação política passa

pela intervenção junto à categoria bancária e pela disputa dentro do Sindicato. Conforme

Prata, a decisão de sair para as ruas era ponto que diferenciava o grupo da Oposição Sindical

Bancária do grupo que estava na direção do Sindicato.

José Prata enfatiza essa dimensão com freqüência. Não bastasse a sua condição de

participante nas manifestações, ele informa que teria sido um observador dos atos na Praça

Sete, antes de entrar para o Sindicato. Trabalhando no prédio do antigo Banco do Estado de

Minas Gerais, localizado precisamente naquela Praça, ele pôde observar, do seu local de

trabalho, os acontecimentos.

Eu trabalhava no prédio do Bemge da Praça Sete [...]. Então sempre eu era observador. [...] quase todo dia tinha, ou quase toda semana, tinha uma caminhada ou alguma passeata e sempre lá no meu quinto andar, lá no prédio, sempre tava observando ... [...] Era um grande número de pessoas de fato, se manifestando naquele espaço....[...] simbólico para o caso de BH [...]. (Informação verbal).44

Não poderíamos deixar de considerar situações das entrevistas que merecem ser

lembradas pelo fato de algumas emoções serem evocadas quando se levantava esse ou aquele

assunto. De Gilson Mello destaca-se a emoção de falar de sua trajetória de militância política

e sindical. Ele lembra com detalhes a sua inserção nas lutas políticas do final dos anos de

1970, com destaque para a militância estudantil e a opção pela proletarização, idéia corrente

no grupo político “A Centelha”, do qual fez parte. A proletarização significava, em síntese, ir 44 Entrevista concedida em 24/08/2007 por José Prata de Araújo.

Page 113: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

112

em busca da classe operária e participar dos movimentos sociais. Em função dessa opção,

participou do movimento comunitário do Barreiro, vivenciando diversas lutas. Posteriormente

ele descobre a militância sindical.

Já o ator de rua Jacó do Nascimento, contratado pelo Sindicato a partir da gestão de

1987, lembra com alegria o reconhecimento e a identificação do povo com o personagem “O

Banqueiro”. Viveu na pele, atuando na rua, uma sensação de gozo ou desforra ao satirizar o

poder do banqueiro. A propósito, o ator lembra uma situação em que a Polícia Militar fora

chamada pelo gerente para impedir uma manifestação dos bancários na porta da agência. Na

ocasião, a equipe de teatro fazia uma encenação ali e, em função disso, os policiais vieram

prender o “Mensageiro do Rei” e o “Banqueiro”. Jacó, atuando como “Mensageiro do Rei”,

não poderia deixar que o “Banqueiro”, seu superior, representado pelo ator Calau, fosse preso.

Sem interromperem a encenação, os atores tentaram incorporar os policiais à cena, o que

acabou por irritá-los, sobretudo porque a população presente divertia-se diante da situação

inusitada. No fim das contas, os bonecos da encenação e o “Bobo da Corte” – que

representavam naquele momento a figura do povo trabalhador – acabaram presos. No entanto,

o “Mensageiro do Rei” e também o “Banqueiro” foram poupados.

O “Banqueiro” na época era no chão, fez uma roupa de espuma pra ele ficava enorme, muito gordo, muito né... cheio de dólares e mais dólares... e ele pirava o cabeção com aquilo. [...] Então o nosso discurso era claro e ele incomodava, vamos dizer, a direita, incomodava o povo do poder. E isso incomodou a polícia, porque a gente não saía do personagem pra discutir com a polícia. A polícia pedia documento pra gente... [e a gente] continuava....a mesma coisa, sério. Aí o Calau: “Não, meu senhor! Pois aqui eu sou um banqueiro, cê não pode levar um banqueiro desse jeito!”, não sei o que.... O policial achou que ele tava desacatando o policial e começou a querer levar ele. Eu como era o Mensageiro do Rei, [...] eu disse: “Não, ninguém vai levar o Mensageiro do Rei preso. Não tem um poder que possa levar um Mensageiro!” E virei as costas e fui embora. E a população ouvindo aquilo vibrou de enlouquecida. [...]. A coisa virou.... virou uma coisa meio Boal, né [risos]. Aí foi bacana esse teatro todo que foi feito com o poder público, né?E a polícia se sentiu menor, e simplesmente o que que ela fez: ela pegou...[...] o Bobo da Corte, o Cavaleiro e colocou dentro da Rádio Patrulha, pegou o cavalo... [...] eles quebraram o pau do cavalo aí... isso em cima de vaia da população que queria ver o teatro. (Informação verbal, grifo nosso).45

Aqui há que se lembrar de uma formulação de Da Matta (1990), destacando uma das

expressões recorrentes de nossa cultura: o famoso jargão autoritário “Sabe com quem você tá

falando?”. A encenação dos atores colocava concretamente um dos dilemas da sociedade

brasileira, em que só os pobres vão para cadeia.

45 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Jacó do Nascimento.

Page 114: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

113

Tiãozinho do Banerj enfatiza também sua alegria no momento em que Solange Ayres

propõe o nome de Helena Greco46 para substituir o nome da Praça Sete. Uma exaltação que dá

a significação acertada entre os dois entrevistados, participantes de uma trajetória comum.

Por fim, ressaltam-se as situações em que os entrevistados estão diante do gravador.

Por vezes, o entrevistado só pode confidenciar algo se obtiver a certeza de que não estamos

registrando o que não deve ser divulgado. Precisamente, a expressão “tá gravando isso aí?”

remete a algo que pode ser significativo. Às vezes, as informações mais preciosas encontram-

se naquilo que não foi gravado ou não pôde ser gravado, já que guardam certo sigilo. Uma

pista sobre determinado assunto poderia comprometer o sujeito informante.

Passando a outro nível de considerações, indicamos o fato de que os discursos dos

entrevistados podem ser situados como representativos de determinada conjuntura. Nesta

acepção, estamos tomando os entrevistados como verdadeiros sujeitos históricos, que

integraram uma coletividade, ou seja, um sujeito coletivo. Esses sujeitos fizeram história,

muito embora, por vezes, não se percebam como parte da história. Alguns desses sujeitos

estariam ligados às antigas matrizes discursivas do sindicalismo, do comunismo e da Igreja.

Outros estariam ligados à novas matrizes, que subsidiaram a entrada de novos personagens na

cena política, ao final dos anos 1970.

No conjunto das transformações políticas do final da década de 1970, constata-se a

criação de um novo sujeito social e histórico. Sobre esses novos sujeitos que entraram em

cena, Sader (1988) sugere que se tratava um novo sujeito coletivo que se caracterizaria pela

produção de uma nova matriz discursiva, reformulando-se as antigas matrizes que embasavam

os movimentos sociais, antes daquele período. Assim, a antiga matriz discursiva da Igreja,

passa a ser reformulada com a nova matriz da Teologia da Libertação. A matriz discursiva da

esquerda reformula-se com os questionamentos ao marxismo ortodoxo que orientava a visão

dos comunistas. E, por fim, a matriz discursiva do sindicalismo é redefinida com o “novo

sindicalismo”. Assim, as antigas raízes ou centros organizadores dos movimentos sociais, em

crise, são desfeitos e refeitos.

Esse sujeito novo refaz-se de certos traços dos movimentos anteriores, determinado a

“[...] romper com a tradição sócio-política da tutela e da cooptação e, por isso mesmo,

fazendo a política criar novos lugares para exercitar-se.” (CHAUÍ, 1988, p.11). Nessa

46 Dona Helena Greco foi vereadora em Belo Horizonte no período de 1983 a 1992. É reconhecida junto

aos movimentos sociais da cidade principalmente por sua militância no Movimento Feminino pela Anistia em Minas Gerais e na luta pelos direitos humanos.

Page 115: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

114

acepção, esse novo sujeito tenta criar lugares políticos novos, aqui se entendendo a utilização

cotidiana do espaço público, a irreverência, a manifestação artístico- cultural, bem como uma

prática nova, ou seja, uma prática que transcenda a linguagem puramente sindical corporativa,

ou supere a imagem de um sindicato voltado para dentro.

Considerando-se os sujeitos escolhidos para as entrevistas, não é de todo impróprio

partir do fato de que, de alguma forma, estes representam em alguma medida a antiga matriz

discursiva representada pelo sindicalismo, Igreja e Comunismo, e também a nova matriz

discursiva, com o novo sindicalismo, a Teologia da Libertação e a militância de esquerda dos

anos de 1980.

Em relação aos representantes das antigas matrizes, poderíamos dizer que Armando

Ziller representaria a matriz comunista, mais precisamente o campo da orientação marxista-

leninista, do Partido Comunista Brasileiro (PCB); já Antônio Faria orientar-se-ia por uma

matriz sindical, bem como pelo discurso da Igreja, iniciando a sua militância política na

Juventude Operária Cristã (JOC).

Na linha dos novos sujeitos sociais, orientados pela nova matriz discursiva, temos as

seguintes representações: José Prata e Marcelo D’Agostini representariam a reformulação da

antiga matriz sindical, em que se produziu o Novo Sindicalismo. Fernando Neiva também

estaria associado a essa nova matriz, com a ressalva de que, a partir da década de 1990, o

sindicalismo precisaria ser considerado em relação a outras categorias analíticas, como a

reestruturação produtiva. Seguindo a categorização, Moisés Augusto apresentaria a matriz da

Teologia da Libertação. Solange, Tiãozinho, Gilson Mello e Jacó estariam associados a um

campo mais amplo, que ultrapassaria o discurso puramente sindical, indo às formulações de

um discurso de esquerda, compreendendo aspirações mais amplas do ponto de vista cultural e

também político, a linha que passou também a nortear os novos movimentos sociais a partir

dos anos 1970. Assim, eles trazem demandas relacionadas às lutas populares, relações de

gênero e raça.

Tal exercício de aproximação em torno das matrizes discursivas não pretende ser

exaustivo, nem esgotar as possibilidades de trânsito que os militantes realizam entre diversos

centros organizadores dos movimentos sociais. O que nos interessa ver é que determinadas

filiações, principalmente aquelas do final da década de 70 parecem ser determinantes para os

indivíduos participarem deste ou daquele movimento social, de caráter mais progressivo.

Assim sendo, muitos indivíduos tomaram contato com as questões políticas e sindicais a partir

de determinadas linguagens, de certos matizes que se apresentavam.

José Prata, por exemplo, recorda-se do contato com um professor do seu curso de

Page 116: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

115

graduação, também militante sindical, que lhe sugeriu a necessidade da participação nos

sindicatos. Além disso, ele lembra-se das aulas de filosofia, nas quais tomou contato com o

marxismo, no final dos anos 1970. Seria interessante destacar que esse marxismo já vinha

temperado nas questões particulares daquela época, com críticas à ortodoxia dos partidos

comunistas. A fundação do PT, em 1982 insere-se no bojo da incorporação de uma nova

linguagem pela esquerda brasileira, agregando diversas demandas dos novos movimentos

sociais.

Eu passei a estudar na Católica [PUC-MG], Economia [...]e fiz, ali dentro dos cursos de introdução... Sociologia, Filosofia. Tomei contato com as idéias de Karl Marx e outros caras de esquerda e foram eles que acabaram mesmo me empurrando pro sindicalismo também, né. Então, combinando as duas coisas e acabou que uma coisa influenciou forte a outra. (Informação verbal).47

Gilson Mello também rememora as circunstâncias da sua politização. Militando nos

movimentos de bairro, teve contato com as questões sindicais, partidárias e dos movimentos

populares.

[...] o meu vínculo político naquele tempo [1978] com determinada corrente política [A Centelha] apontava muito na idéia da proletarização. [...] Então naquele momento eu fiz a opção de sair da Universidade pra ir participar dos movimentos sociais. [...]Embora desde aquele tempo eu já estava morando na periferia. Eu não fui na periferia. Eu morava no Barreiro desde 1972. [...]. A minha primeira grande participação política foi na fundação do Partido dos Trabalhadores e [...] a inserção no movimento comunitário da região do Barreiro. [...] E desde então é destacada uma questão que foi considerada a questão mais grave da região que era o transporte. E isso resultou na criação do movimento da melhoria do transporte coletivo da região Industrial. Foi um movimento muito marcante no final da década de 70. (Informação verbal, grifo nosso).48

Esse levantamento torna-se importante porque dá conta de que as matrizes discursivas

circulavam entre os sujeitos e eram difundidas de diversas formas. Assim, esses sujeitos,

militantes de outros movimentos e demandas, tendo se politizado muitas vezes em outras

circunstâncias, irão se encontrar na ação sindical dos bancários.

47 Entrevista concedida em 24/08/2007 por José Prata de Araújo. 48 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Gilson Mello Martins.

Page 117: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

116

4.2 Histórico do Sindicato dos Bancários

As considerações de ordem metodológica antecederam a descrição histórica do

Sindicato que ora apresentaremos por uma legítima razão: como já salientamos, a história do

indivíduo traz a história também dos fatos da coletividade, da cidade e do país. Muitos fatos

relativos à história do Sindicato – já que feito por sujeitos historicamente situados – já foram,

em alguma medida, mencionados. Partiremos, pois, para o destaque de algumas

particularidades da instituição. Metodologicamente, não deixa de ser um recurso possível, o

de começar pelos sujeitos históricos, isto é, por suas narrativas, para em seguida

complementar a discussão com dados levantados, digamos, externamente.

O Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte foi fundado em 1933, a partir da

Associação dos Bancários, criada em 1932. Portanto, são 75 anos de atuação, uma história

que atravessa diversas situações da economia e da política nacional, o que possibilita a análise

dentro de diversos recortes conjunturais.

Na pesquisa sobre a literatura pertinente ao Sindicato dos Bancários, encontramos

duas produções que abordam diretamente esta entidade. O primeiro trabalho é o de Terezinha

Stralen (1986), que cobre o período da fundação do Sindicato até o golpe de 1964. Trata-se de

um trabalho elementar sobre a história daquela instituição. Foi-nos de extrema importância

para a organização do quadro histórico em que destacamos os “momentos manifestantes” do

Sindicato (ANEXO B). Salienta-se a leitura porque, sempre tendo a conjuntura nacional como

referência, ela também aponta os principais momentos de intervenção do Sindicato nas ruas

da cidade e também as grandes greves do período, bem como os momentos de refluxo, em

que a entidade estava sob intervenção do governo.

O segundo trabalho é a dissertação de Nobre (1993). Esse trabalho cobre a atuação do

Sindicato a partir do surgimento da Oposição Sindical Bancária, em 1979, passando pela

vitória desse grupo ligado à CUT, nas eleições de 1987, até o fim da primeira gestão cutista

no Sindicato, em 1990. Ele não aborda propriamente as lutas do Sindicato nas ruas, as greves,

ou as intervenções culturais que marcaram a primeira gestão da CUT no Sindicato, mas atém-

se à máquina sindical e as relações da militância com a estrutura sindical burocrática. De

maneira esparsa, no entanto, sobretudo a partir de trechos de entrevistas que o autor

apresentou naquele trabalho, conseguimos levantar aspectos sobre a dimensão que nos

interessava mais diretamente, ou seja, as atividades de rua.

Page 118: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

117

Passaremos a partir então a considerar alguns momentos significativos da ação do

Sindicato dos Bancários, apreciando aquelas oportunidades em que os bancários ousaram sair

às ruas.

4.2.1 Principais greves

4.2.1.1 Greve de 1946

Em 1946 ocorreu a primeira greve da categoria bancária em Belo Horizonte, dezesseis

anos após a fundação do Sindicato. De fato, algumas lutas importantes já vinham sendo

travadas pelo movimento sindical bancário49, embora em nenhuma dessas circunstâncias o

Sindicato houvesse ido às ruas. 1946 foi, portanto, o primeiro momento em que o Sindicato

experimenta a sensação de manifestar-se nas ruas do centro de Belo Horizonte.

Com a greve de 1946, os bancários ocuparam as ruas por 19 dias, durante os quais

uma diversidade de atividades tomou a Praça Sete; um repertório bastante diversificado foi

utilizado, como a organização de fundo de greve, com venda de bônus na Praça Sete e

realizações de “passeatas-monstro”, termo bastante comum na linguagem sindical na época.

Na Praça também se instalou um “Placard da Greve”, listando os nomes das entidades que

apoiavam o movimento.

Stralen (1995) informa que, além das já mencionadas atividades de rua, os bancários

realizaram uma grande passeata no 15º dia de greve, com a proposição de um juramento

coletivo, referendando a intenção dos manifestantes em resistirem até que suas demandas

fossem atendidas.

Tal greve é memorável para a categoria bancária. Diversos militantes que viveram

aqueles momentos falam daquela greve com grande satisfação. É desta forma que João Vieira

conduz a sua explanação;

Foi uma greve unitária. Foi muito, acredito que foi bem planejada, eu ainda não tinha aquela vivência, aprendi muito com o Ziller. A luta dele e tudo. Fiquei conhecendo depois também os líderes do Rio de Janeiro e São Paulo. (VIEIRA, 2003).

49 Entre essas lutas estariam a da jornada de 6 horas e a reivindicação pelo Instituto de Aposentadoria e

Pensão dos Bancários – IAPB. Stralen (1995) informa que os bancários de Belo Horizonte fizeram campanhas de apoio às reivindicações, mas efetivamente não acompanharam os movimentos grevistas que ocorriam em outros estados.

Page 119: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

118

Armando Ziller lembra as atividades de rua:

Houve muitas [passeatas]. Fizemos um movimento bem organizado, modéstia á parte, por causa da experiência que colhemos lá fora. Não inventamos nada. Na verdade aproveitamos duas experiências. A da greve de dois dias, de 1934, e, antes dela, a da luta pela lei de seis horas, quando foi necessário fazer greve, porque estávamos tão unidos que os banqueiros resolveram fazer logo a concessão. (MINAS GERAIS, 2000, p. 167).

4.2.1.2 Greves de 1961/63

Conforme destacamos em outra oportunidade, o início da década de 1960 foi marcante

em termos de mobilizações políticas. Diversos movimentos sociais passaram a fazer

manifestações de rua nesse período. Também os bancários realizaram diversas manifestações,

ocupando as ruas com bastante freqüência. Foi nessa circunstância que algumas greves

vitoriosas e expressivas manifestações de rua foram conduzidas pelos bancários. Um exemplo

foi a greve de 1961. Le Ven e Neves, a propósito desse momento, propõem a seguinte

interpretação:

[...] os bancários, já em número de 14000 na época, deflagraram uma greve que ocupou o centro da cidade, fazendo piquetes, com presença marcante de mulheres bancárias. Essas mobilizações ocorreram em frente aos bancos líderes do capital financeiro do Brasil. (LE VEN; NEVES, 1996, p.88).

Ativistas sindicais daquele momento expressam-se vibrantemente sobre as grandes

mobilizações bancárias. O Sindicato era uma referência para todas as mobilizações:

Era bom sindicato. E pelo fato de ser um sindicato que tinha uma sede própria, no centro da cidade, então o Sindicato dos Bancários era um pouco, até 64, o centro da movimentação popular porque aí nós cedíamos também para, para os favelados se reunirem, não é!? Até coral ensaiava no Sindicato. A gente achava que aquele era um veículo coletivo que tinha de ser usado. (FARIA, 1999 fita 02, lado B , p. 19).

O fato de ser um sindicato aberto daria, por si, o tom de uma dimensão democrática

impregnando as concepções políticas dos militantes sindicais. Se havia abertura para que

outras entidades utilizassem o espaço do sindicato, é de supor também que essa dimensão

inspiraria o desejo de se ter uma cidade mais aberta.

As palavras de Antônio Faria dão a dimensão de que, já em 61, fazer greve e ir para a

rua não era uma coisa simples, mas isso não era impedimento para a realização das mesmas.

[...] o direito de greve não havia. Do ponto de vista legal não havia. Os tribunais decidiam, é, a greve segundo um decreto anterior à Constituição de 46. Decreto 9070. Um decreto da ditadura militar. [...] Então nós decidimos que não daríamos

Page 120: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

119

bola para isso. O direito de greve; para nós a greve vitoriosa era legal, e a greve fracassada era ilegal. (FARIA, 1999, fita 02, lado B, p. 22).

Portanto, apesar das restrições, os atos de rua eram teimosamente realizados. Antônio

Faria fala com vibração desses momentos, fazendo questão de ressaltar que as atividades dos

bancários eram verdadeiras festas na rua. Os piquetes terminavam geralmente em passeatas,

espontâneas:

Espontâneo. Porque, quando chegavam... As coisas foram acontecendo, quando chegava 3, 4 horas da tarde se recolhiam os piquetes numa passeata, em que cada um botava a cadeira em cima da cabeça e vinha cantando pela cidade, em volta do Sindicato [...] (FARIA, 1999, fita 03, lado A, p. 3).

Utilizando-se do repertório cultural daquele momento, faziam-se marchinhas para as

atividades da greve:

Michel Le Ven: vocês tinham feito músicas?

[Antônio Faria]: ah, muitas músicas da... que foram se fazendo, nos próprios piquetes. O... a nossa reivindicação principal era o aumento mínimo de CR$ 7000,00. É... e o pessoal fez uma marchinha, para essa... e tinha um programa na televisão Itacolomi, que vinha Lamartine Babo. Chamava “O Baú do Lamartine”. E ele cantou, na televisão a marchinha da greve dos bancários. Então um apoio muito grande. A greve foi muito bonita. Durou 7 dias. E foi amplamente vitoriosa. (FARIA, 1999, fita 03, lado B, P. 3).

Nessas atividades era comum também a participação da população apoiando o

movimento grevista, e até cantando as marchinhas da greve:

Quando chegava no fim da tarde, o apoio da população, não é!? O pessoal aplaudia os bancários, no final da passeata, todo mundo contando, não sei o que. (FARIA, 1999, Fita 03, lado A, p. 5).

De certa forma, a greve correspondia a uma expectativa da população. Uma espécie de

revanche diante de toda angústia reprimida por conta da situação política, em que os militares

haviam tentado impedir a posse de João Goulart.

Antônio Faria destaca a importância da participação nas manifestações como processo

de conscientização, da satisfação dos trabalhadores bancários em se descobrirem como

sujeitos, e também do prazer em fazer política naquela época. Tal destaque nos remete àquilo

que Morán (2005) definiu como um aprendizado cidadão e Chauí (1988), juntamente com

Sader (1988), definiram como um a constituição de sujeitos históricos.

Quanto nós vencemos a greve, nos meses seguintes, os bancários diziam assim: “eu sou um pouco dono do meu destino. Eu sou capaz. Eu existo.”. Então isso aí criava: “- Bom, então o país também pode ser meu. Então, nós podemos mudar as coisas”,

Page 121: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

120

e aí era muito, muito numa linha de que a pobreza e a opressão não era uma coisa definitiva, que podia se reverter como uma participação política solidária, etc. (FARIA, 1999, fita 03, lado A, p. 10, grifo na transcrição).

O período também é marcado por uma intensa repressão aos movimentos sociais. O

DOPS já atuava desde o período getulista, agindo para inibir as manifestações, mostrando que

as ruas não estavam franqueadas aos movimentos populares. Com relação aos bancários a

situação não era diferente. Não raro, os manifestantes eram presos e fichados como

comunistas. Naquele período, o então presidente do Sindicato, João Vieira, protagonizou

diversas situações em que a polícia política mostrava suas “sutis” técnicas importadas de

outros países para acabar com qualquer tipo de manifestação. Essas técnicas compreendiam os

equipamentos sofisticados de repressão, tais como os caminhões com jato d’água, bem como

os cursos de treinamento dos soldados para enfrentar situações de rua. A matéria publicada no

Correio de Minas merece ser destacada porque situa bem as dificuldades para os

manifestantes naquela época:

Polícia tem caminhão de CR$ 60 Milhões para acabar com greve.

A Aliança para o Progresso entregou ontem ao Comandante da Polícia Militar, através do agente do Ponto IV em Minas um caminhão que custou CR$ 60 Milhões. Tem 39 acessórios e será usado para acabar com os distúrbios grevistas e manifestações populares. (POLÍCIA..., 1963, p. 8)

Em função desse incremento das técnicas de repressão, o já mencionado dirigente

sindical bancário, numa matéria publicada no Correio de Minas, denunciava as técnicas anti-

manifestação adotadas pelo DOPS:

Líder Denuncia DOPS.

Os lideres sindicais de BH ficaram revoltados com os métodos introduzidos pelo DOPS para acabar com manifestações de trabalhadores e estudantes, que agora não poderão fazer nenhuma manifestação pública, porque o DOPS conta com técnicos, treinados para acabar com tumultos.

O Sr. João Vieira, presidente do Sindicato dos Bancários de BH, afirmou que a medida contraria declarações do governador, que sempre afirmou ser sensível às aspirações do povo, mas contratou um técnico que fez curso nos EUA, para ensinar os soldados a bater [...]. (LÍDER..., 1963, p. 5)

Page 122: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

121

4.2.1.3 As Greves de 1979 a 1990

Durante o longo período em que o sindicato esteve sob a intervenção do governo

ditatorial, ou com direções comprometidas com aquele regime, as manifestações tornaram-se

escassas, ou, quando ocorriam, apresentavam um cunho tímido face àquelas manifestações

ocorridas no período anterior a 1964 (ARAÚJO, 1993). Somente em 1979, no clima da

abertura política, e a partir das intervenções da Oposição Sindical Bancária, é que os

bancários voltaram novamente às ruas.

Em 1979 o movimento grevista durou apenas dois dias, mas foi suficiente para ensaiar

a retomada das lutas sindicais e também para a conquista do Sindicato pelo grupo ligado à

CUT (NOBRE, 1994). A vitória nas eleições ocorreu, de fato, em 1987, mas, ao longo desse

período, a Oposição Sindical Bancária – OSB – já fazia intervenções junto à categoria

bancária, participando de assembléias e distribuindo panfletos nas agências.

Prata informa em sua entrevista essa dura trajetória até chegar ao poder no Sindicato.

Atuando como oposição, os ativistas precisavam tomar cuidado para não serem identificados

e demitidos. A disputa nas assembléias era acirrada. Na pauta, os ativistas ligados à OSB

apresentavam a defesa de realizações de manifestações. Esse ponto de pauta geralmente era

um dos divisores de água entre a Oposição e a diretoria do Sindicato.

No processo de...e....de luta sindical a questão chave, [...] é a disputa na base da assembléia, pra saber se ia ter o ato de rua ou não. Ali dividia, não é? Então nós tínhamos no sindicato algumas questões que nos dividiam, por exemplo, quem ia conduzir a assembléia, não é? [...] e a outra que sempre demarcava é isso, se tinha ato de rua ou não, tá certo? [...]. E aí a oposição sempre puxou a categoria, defendendo nas assembléias, e na maioria das vezes ganhou, pra levar o movimento pras ruas de fato, não é? Em particular para dar visibilidade ao movimento, digamos assim, gerar preocupação do lado dos banqueiros, e ao mesmo tempo também questionar as restrições, às manifestações que existiam muito naquela época ainda, [...] teve diversos momentos aí, por exemplo, acho que os momentos mais significativos foram, por exemplo, a...na época da oposição sindical, [...] as entregas coletivas da pauta de reivindicação. Era algo realmente fantástico não é? Era uma demonstração de forças [...] logo no início da campanha salarial. É.... mais tarde a luta das Diretas, não é, outro grande momento que foi na luta da... dos trabalhadores. As campanhas salariais sempre convergia com atos públicos para a Praça Sete [...] (Informação verbal, grifo nosso).50

Marcelo D’Agostini e Prata eram ligados politicamente a tendências políticas cujas

características eram a combatividade e a aposta na mobilização de massa. Os instrumentos

para essa mobilização seriam as greves e as passeatas.

50 Entrevista concedida em 24/08/2007 por José Prata de Araújo.

Page 123: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

122

Com efeito, o Sindicato passa, a partir de 1979, a levar cada vez mais em conta as

manifestações de rua como parte do seu repertório de ações. Era comum a realização de

manifestações para iniciar a campanha, com a entrega da pauta de reivindicações.

Cê fazia uma assembléia, aprovava a pauta de reivindicação e na semana seguinte cê convocava uma grande manifestação de rua pra sair coletivamente lá, subsidiar e dar suporte à comissão que ia entregar a pauta pros banqueiros. Eu lembro uma época, tinha manifestação com dois, três, quatro mil bancários pra ir nessas manifestações, logo no início da campanha salarial. Era um momento realmente fantástico [...]. (Informação verbal).51

As greves eram marcadas por um intenso trabalho de preparação e, não raro, eram

realizados shows e atividades culturais na Praça, tais como a “Passeata Alto Astral” e “Show

Altíssimo Astral”, que foram realizados no período da campanha salarial, em setembro.

Campanha ganha a cidade

Quem não foi perdeu. A passeata Alto Astral, promovida pelo Sindicato e realizada ontem marcou a cidade. A campanha salarial dos bancários e a população se encantaram com o som das bandas Axé e Lombinho com Cachaça e se divertiram com a Rádio Ali-é-Nada. Para quem não foi, um consolo: a campanha não acabou. Novos agitos, de altíssimo astral, estão vindo por aí para mostrar que nosso trabalho vale mais. E vale mesmo. (CAMPANHA..., 1995).

4.2.1.4 Movimento sindical e conjuntura neolibera l: 1995-2007

O período compreendido a partir da década de 1990 inaugura um novo cenário na

conjuntura mundial e, por conseguinte, trará repercussões para todo movimento social

organizado. Um novo cenário de abertura da economia ao capital estrangeiro é apresentado, o

que possibilitará a entrada dos bancos internacionais no país. Agrega-se a esse dado a adoção

de uma política econômica austera de combate à inflação. Ainda no plano das políticas

econômicas, uma série de medidas associadas a uma estratégia de encolhimento do Estado

passam a ganhar força, sobretudo a partir de 1994, com o Governo Fernando Henrique

Cardoso. Conseqüentemente, a partir de 1995, inicia-se uma onda de terceirizações e

privatizações dos bancos estatais, e, como agravante, uma intensificação da informatização do

setor. Essas medidas implicaram em um intenso enxugamento e em uma considerável

diminuição da categoria bancária.

51 Entrevista concedida em 24/08/2007 por José Prata de Araújo.

Page 124: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

123

Configura-se um cenário difícil. Com a drástica redução da categoria, os anos 1990

(Tabela 1) já não irão se marcar pela presença dos bancários nas ruas, ou mesmo realizando

greves. A categoria bancária, agora bastante reduzida, já não é aquela que antes se dispunha a

fazer piquetes e até mesmo a participar ativamente das campanhas salariais.

TABELA 1 ( 52) TABELA 1 Estoque estimado de Empregos no Setor Financeiro Bancos Múltiplos, Comerciais, de Investimento, Caixas Econômicas, etc.

Brasil

Ano Estoque

1988 795.625

1989 807.867

1990 788.572

1991 722.177

1992 687.162

1993 676.753

31/12/99 384.932

31/12/00 388.030

31/04/01 389.218

Fonte: Rais e Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados (Lei 4923/65) – Módulo 1 Elaboração: DIEESE – Linha Bancários (Adaptado pelo autor).

Perante tal crise, o movimento sindical passa de uma fase mais ofensiva, em que se

conquistava direitos, para uma fase mais defensiva, em que a luta fundamental dos sindicatos

de bancários por todo o país passa a ser pela manutenção das conquistas obtidas ao longo dos

últimos 50 anos.

As estratégias de reivindicações também foram sendo alteradas. Diante da

impossibilidade de se fazer greves, devido à baixa adesão da categoria, a partir de 1995 as

entidades sindicais lançaram mão de uma nova estratégia, denominada de “Operação

Kinderovo”, em alusão a um chocolate que guardava uma surpresa. Trata-se de um recurso

utilizado por ocasião das campanhas salariais, no Brasil inteiro, em que os diretores dos

sindicatos decidem previamente a paralisação das agências de um determinado banco,

contando com toda a equipe de diretores e o pessoal de apoio dos sindicatos. A novidade é

52 1- Os valores são estimativas. A base de cálculo é o estoque em 31/12 da Rais 1999.

Page 125: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

124

que os bancários, verdadeiros interessados no sucesso da campanha salarial, ficam do outro

lado da rua, somente assistindo à movimentação dos sindicatos.

Paramos! Paralisações no Nacional iniciam “operação Kinderovo” e esquentam campanha salarial em todo o país. O Banco Nacional foi surpreendido na manhã de quinta-feira, 22, com a “operação Kinderovo” que parou de surpresa várias agências em todo o país. [...] Sob forte repressão policial [...], o Sindicato dos /bancários de BH paralisou a agência Carijós de 7h às 11h, impedindo a entrada de cerca de 200 funcionários. (PARAMOS!, 1994, grifo nosso).

A princípio, os banqueiros ficaram incomodados com tal recurso. Em 1995, a polícia

foi chamada pelos gerentes de bancos para intervir nas paralisações. Contudo, nos anos

seguintes, os próprios banqueiros assimilaram tal estratégia e passaram a desviar os

funcionários para outras agências. No final das contas, a agência ficava fechada, mas todos os

funcionários encontravam-se trabalhando normalmente.

Há toda uma discussão atualmente em torno desse tipo de recurso. Primeiramente

porque se altera o conceito de greve. A categoria entrega aos sindicatos a tarefa de conduzir a

campanha salarial, sem participar. José Prata tece uma crítica a essa estratégia do movimento

sindical, a qual tem considerado como “sindicalismo profissional”:

[...] ele é um pouco [o “Kinderovo”] a forma de manifestação de um sindicalismo muito burocratizado [...] Se você perdeu a capacidade de mobilização, cê passou a adotar um sindicalismo mais profissional, digamos assim, Para parar de fora pra dentro das empresas, tá certo? [...] o “Kinderovo” pra mim é insuportável por isso. Quer dizer, é me jogar uma tonelada nos meus ombros, tá certo? Resolver uma coisa que a categoria não tava disposta a resolver [...] ( Informação verbal).53

Este fato tem sido apontado por alguns como uma verdadeira terceirização das greves

e manifestações. Aos sindicatos cabe a tarefa de arregimentar o maior número de pessoas para

realizarem o fechamento das agências. Se ele contrata pessoas para semelhante atividade,

menos mal ainda, pois o que importa é a concretização de uma campanha salarial, com

reajustes. Nesta ação, os bancários concedem um aval para as ações dos sindicatos e eximem-

se de participar das greves e manifestações.

Tal modalidade da terceirização não se aplica somente à greve. Em recente artigo

publicado na imprensa, Martins (2007, p. 5) destaca uma notícia veiculada pela BBC, dando

conta de que algumas organizações estão alugando manifestantes para diversas causas.

53 Entrevista concedida em 24/08/2007 por José Prata de Araújo.

Page 126: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

125

A notícia difundida pela BBC e pelos jornais, nesta semana, do surgimento, na Alemanha, de uma organização que aluga manifestantes para diferentes causas joga água gelada no devaneio de um protesto social puro e legítimo. Por cerca do equivalente a R$ 300,00, um manifestante de aluguel pode participar da multidão, carregar cartazes, gritar palavras de ordem e defender uma causa que não é a sua e que não o afeta diretamente.

Lamentando aquela situação, Martins percebe um comprometimento do próprio

processo democrático, já que os participantes não se propõem a agir como cidadãos, mas sim

como atores, assumindo um papel, fingindo acreditar em causas que não são as suas. São

questões dessa natureza que nos levam, novamente, a fazer uma alusão ao texto de Oliveira

(1999), no qual há referência a um processo de perda de sentido do público. A rigor, a questão

também tem se colocado no âmbito das manifestações, e o aluguel de manifestantes ou a

alteração dos sentidos da greve são sinal visíveis desse processo.

4.3 Sindicalismo e política

Quando as categorias profissionais ocupam o espaço público buscam principalmente o

reconhecimento do seu discurso. Desta forma, é a partir da apropriação do espaço público –

aqui entendido na sua acepção mais restrita, ou seja, o espaço da rua – que os sujeitos se

tornam sujeitos políticos. Arendt (1993, p. 36) aborda o significado de constituir-se

politicamente, conforme a vida na polis. Referindo-se aos gregos, ela indica que:

O ser político, o viver numa polis, significava que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não através da força ou violência. Para os gregos, forçar alguém mediante violência, ordenar ao invés de persuadir, eram modos pré-políticos de lidar com as pessoas, típico da vida fora da polis, característicos do lar e da vida em família, na qual o chefe da casa imperava com poderes incontestes e despóticos.

A relação de trabalho bancário pode ser avaliada à luz dessas interpretações. Uma

representação recorrente que os bancários trazem à tona em seus depoimentos – sobretudo os

antigos militantes – é a referência aos bancos como “casas bancárias”. Tal representação

mereceria algumas considerações, primeiramente porque essa alusão, embora tenha sido

superada pelo lugar da instituição bancária, ainda é recorrente. Em conseqüência, semelhantes

associações nos remetem à questão de se saber o que prevalece no interior deste recinto

bancário, tomado como esfera privada. Da Matta (1997), utilizando-se da oposição entre a

“casa” e a “rua”, indica que na casa prevalecem as relações familiares, o domínio do poder

despótico do pai de família; por extensão, no seio da instituição bancária, tomada como

“casa”, é o patrão quem define as próprias regras, numa relação paternalista. O autor,

Page 127: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

126

lembrando exatamente o fato de algumas empresas utilizarem o termo “casa” para se

referirem ao local de trabalho, sugere que

[...] se o local de trabalho é uma casa, isso é sinal de que os patrões são pais (as palavras têm uma mesma raiz) e seus empregados são seus filhos (ou suas mulheres). (DA MATTA, 1997, p. 54)

Visto assim, a relação patrão-empregado, lembrando uma relação pai-filho, situa-se na

esfera da infra-política, conforme interpretação de Arendt (1993). Essa relação ainda pode ser

observada no mundo do trabalho de hoje, em que resquícios do poder tutelar dificultam a

defesa dos direitos dos indivíduos.

Pode-se ir além e perguntar-se se o Sindicato também não estaria reduzido a uma

esfera privada, da casa, quando se nega a atuar como portador de um discurso político.

Quando o Sindicato privilegia ações puramente econômicas ou sindicais (atendo-se

estritamente às negociações, mandatos sindicais, dissídios coletivos), recusando-se a

discussões políticas (em que pese a dimensão que tais questões possam ser colocadas), podem

reproduzir a fragmentação da dimensão política, privilegiando-se o privado em detrimento do

público. O corporativismo – o cuidado exclusivo com as dimensões particulares ou

domésticas de uma categoria – foi apontado como um dos problemas do movimento sindical.

Não se trata, evidentemente, de trazer a público as questões puramente sindicais, mas de

incorporar a esse discursos questões do âmbito da cidade, pois, conforme salienta um de

nossos entrevistados, os bancários também vivem na cidade e se alimentam, amam, ou seja,

têm outras questões além das pautas econômicas. A propósito dessa questão, Prata salienta

que o sindicalismo brasileiro deixou de abraçar campanhas nacionais semelhantes àquelas

abraçadas pelo anarco-sindicalismo no início do século XX.

A interpretação levantada por alguns entrevistados é emblemática. Ao se referirem à

categoria, utilizam-se de termos tais como “irmãos bancários” ou “nós éramos unidos”,

elementos tomados da linguagem religiosa, que remetem também à linguagem familiar, e,

nesse sentido, recusam-se a adentrar a esfera propriamente política.

Fizemos a unidade. E tive apoio dos comunistas, dos católicos, independentemente dos partidos. Todas as tendências. Porque a nossa convicção pedia mesmo à turma, né? Era unir a classe e lutar pelos nossos direitos, né, independente de tudo. Cada

Page 128: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

127

um tivesse o seu partido, a sua convicção política, mas não trouxesse para dentro do Sindicato. Aqui nós éramos irmãos bancários. (Informação verbal).54

José Prata discorre a esse respeito em sua entrevista. Ele defende que o Sindicato atue

como agente político, sustentando não só a legitimidade, mas também a necessidade dos

sindicatos agirem politicamente. Buscando compreender os motivos da crise do movimento

sindical, ele aponta questões de caráter intrínseco a estas entidades, tais como a

“profissionalização dos sindicatos”, isto é, a substituição da militância – e também da

dimensão política – pelo diretor com perfil mais técnico – além da burocratização das

entidades. De acordo com ele, o sindicalismo passa a perder sentido quando se desliga das

questões políticas.

São muitas questões que poderiam explicar aí essa [esvaziamento dos sindicatos]. A desconexão também entre partido e sindicato, no Brasil eu acho grave também, né, porque despolitiza muito os sindicatos, né [...] você pega o caso europeu, por exemplo, goste ou não, os sindicatos são... a presença da Social Democracia nos... aqui os sindicatos são separados dos partidos, completamente autônomos... autônomos têm que ser. Independentes em relação aos partidos, não é?O PT, por exemplo, o maior partido de esquerda não tem uma corrente sindical. Não é. [...] No caso europeu o sindicato, a central sindical é a corrente do partido social democrata. A DGB alemã é a corrente da Social Democracia, não é. A PUC inglesa é a corrente do Partido Trabalhista. Até a AFLCIO americana [American Union Moviment] é muito próxima do Partido Democrata. Então eu acho também que essa desconexão (...) tira um pouco a visão estratégica do sindicato também. (Informação verbal).55

Gilson Mello é um dos entrevistados que vê a necessidade de os sindicatos saírem de

suas esferas particulares e voltarem suas atenções para a reivindicação do direito à cidade, ou

seja, que os sindicatos apontem suas armas para alvos situados fora das demandas sindicais.

Sim. Eu acho que o chamado a essa abordagem mais ampla do que o corporativo, ele fica no ar até hoje. Eu acho que o que ficou daqueles bons tempos é essa pergunta aos movimentos do que que pode ser mais amplo do que ele próprio. Não que ele, volto a dizer, ele não tem de deixar de ser o que ele tem que ser. Mas ele pode ser algo além dele, né.[...]. A cidade é o lugar comum a todas as questões corporativas, de gênero, de categoria. Então assim, a expressão mais ampla que pode ser, ter se perdido e que precisa ser retomada é um movimento de amor à cidade, de paixão pela cidade, de engajamento pela cidade. E o professor João Antônio [FACE/UFMG] [...] tinha uma frase muito bonita que ele colocava o seguinte: “A cidade é o lugar do outro”. [...] Quando cê é capaz de apaixonar-se pela causa do outro, é o momento onde cê mais se realiza. Porque sem o outro, cê não consegue conquistar o que você quer. [...]. Eu não preciso ser favelado [...]pra ter compaixão, relação de sentimento com o que é vivido de carência ali. Eu tenho que transformar isso num sentimento meu. Embora isso seja muito difícil. Eu posso

54 Entrevista concedida em 03/08/2007 por ex-dirigente sindical. 55 Entrevista concedida em 24/08/2007 por José Prata de Araújo.

Page 129: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

128

não carregar a pele negra, mas eu tenho que tentar sentir ao máximo, sentir o que que é carregar uma pele negra pra compreender essa questão e assim por diante (Informação verbal, grifo nosso).56

A defesa de que o Sindicato passasse a intervir culturalmente e sindicalmente na

cidade, já que a aposta era que as questões sindicais também pudessem ser expressas nas ruas,

não seria uma fuga das questões atinentes à categoria bancária. Tiãozinho lembra que, no

princípio, muitos militantes que apostavam numa linha de ação mais cultural eram acusados

de “carnavalizar a questão política”, como se a linguagem sindical não pudesse comportar

aquela outra dimensão. Gilson é enfático ao dizer que a categoria faz parte da cidade e

defende a necessidade de discutir questões que não estavam colocadas no plano da dimensão

corporativa ou da linguagem sindical, que tinha uma dureza, uma sisudez, que também se

tentava contornar com a manifestação cultural.

Porque a cultura, ela traz exatamente essa abertura pras outras questões que não são imediatamente da luta sindical. Aquele bancário que tá ali ele é homem, ele é mulher, ele é marido, ele estuda, ele pega ônibus, ele ama, ele tem um monte de questões pra expressar. (Informação verbal).57

Esse é também o entendimento de Solange Ayres. Para ela, os bancários também

fazem parte da cidade. Assim, uma das reivindicações que o Sindicato deveria encampar seria

a da qualidade de vida.

Eu acho que a proposta do Sindicato que era que ele fosse um Sindicato ativo e não só reivindicasse salário, mas reivindicasse qualidade de vida... e qualidade de vida significava outras coisas também. A gente queria ter alegria, a gente queria ter dinheiro pra ir ao cinema, a gente queria dinheiro para ir ao teatro, a gente queria ter dinheiro pra divertir. Não só uma negociação direta. Nós queríamos ter dinheiro pra tudo, pra ter mais saúde, né? Mas esse poder de compra, ele não tinha. A gente queria mais. Talvez essa era mais uma idéia de sonho. A gente quer... a gente não quer só comida. (Informação verbal).58

Desta forma, entrava-se no campo da política e saía-se da esfera da “casa”, para

utilizarmos novamente um termo de Da Matta (1997), que também remete à abordagem de

Arendt (1993).

A respeito desse movimento cultural, é interessante salientar que se apresenta como

uma sintonização com as questões políticas, expressas nas falas dos entrevistados, como uma

56 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Gilson Mello Martins. 57 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Gilson Mello Martins. 58 Entrevista concedida em 16/03/2007 por Solange Ayres.

Page 130: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

129

luta pelo direito à cidade ou pelo modo de expressão que se dirige para a cidade. Le Ven

(1987) também faz considerações sobre essa relação entre sindicalismo e política. Para ele, as

relações com a política não são tão problemáticas quanto de fato aparentam ser; a tese

predominante no sindicalismo mineiro é de que não se deve misturar política com

sindicalismo. Este distanciamento só ocorre mesmo em teoria, já que, na prática, muitos

dirigentes são filiados a alguns partidos e suas crenças políticas não são deixadas do lado de

fora do sindicato quando os ativistas vão fazer a defesa de suas propostas.

O debate em torno da relação entre o sindicalismo e a política permite-nos captar a

relação da categoria com a cidade, entendida aqui como o espaço mais amplo, distinto do

espaço da “casa”, para usarmos uma metáfora que remete à defesa corporativista dos

interesses.

Duas dimensões associadas podem ser trazidas à luz dessa polarização entre

sindicalismo e política, as dimensões da utopia e do pragmatismo. A ação sindical pode

oscilar entre um pólo e outro, dependendo da relação que ela tiver com a política. Quando o

sindicato pensa a sua ação apenas como possibilidade de defesa dos interesses imediatos da

categoria, então ele é pragmático-corporativista. Quando o sindicato projeta a sua ação para as

questões da cidade e do país, então ele aproxima-se da utopia, no sentido de uma aspiração,

em que ele pode encontrar outras vozes e somar forças.

A idéia de aspiração é apresentada por Perrot (1992). A aspiração se coloca como

distinta da reivindicação. Vejamos a definição da autora sobre esses termos:

É preciso igualmente distinguir entre “reivindicação” e “aspiração”. O campo daquela, evidentemente, é muito mais limitado: a experiência mostra que só se reivindica o acessível, o possível, o negociável. O canal reivindicativo é estreito. Também é preciso considerar essas falhas do discurso, essas exclamações, esses suspiros que, em torno de uma conversa ou um texto, dizem o desejo e o sonho. Com o que sonham os operários? (PERROT, 1992, p.113).

Bem entendidos os termos, quando Gilson Mello diz que o sindicato precisa ser algo

além dele, aponta precisamente a dimensão da aspiração. É o sonho. É a necessidade de ir

além. Por outro lado, quando o discurso sindical apela para a unidade da categoria como a

causa maior e exclusiva do movimento, então ele reivindica. O dilema inerente ao movimento

sindical é que ele não pode somente atuar na dimensão da reivindicação (pragmático-

corporativista) ou só na dimensão da aspiração (utopia). Caso ele opte pela ação

exclusivamente corporativista, estará deixando de lado o debate sobre a sociedade à qual se

integra, e que, muitas vezes, afetam a sua própria existência enquanto entidade. Caso opte

pela luta política, deixará de ser efetivamente um sindicato para se tornar um partido político.

Page 131: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

130

Não obstante esse dilema, as leituras sobre o Novo Sindicalismo indicam que, quando de seu

surgimento, suas ações foram marcadas pela combinação das duas dimensões, ou seja, as

aspirações e as reivindicações.

4.4 Características das manifestações dos bancário s

FIGURA 8 Lançamento da Campanha Salarial, 1998 Fonte: CRMS/SEEB-BH. Fotógrafa: Nívea Dias

4.4.1 Tempo e espaço do trabalhador bancário

O ritmo de trabalho nas agências bancárias é frenético. Controle de chefias, pressão do

cliente e relógio, cada minuto é extremamente valorizado. Quem trabalha em bancos vive a

regulação intensa da máquina e do cliente. Isto quanto ao tempo. Quanto ao espaço,

rotineiramente os caixas, por exemplo, se vêem num cubículo, sendo vigiados pelo olhar

aflito da clientela e das chefias. Poucos espaços urbanos permitem tamanha visibilidade como

nas agências bancárias. O ambiente clean proporciona uma noção de transparência, adequada

aos negócios bancários; quando se vai a uma agência, a impressão que se tem é que nos

encontramos numa ambiente impermeável e acético. Tudo isso tem o seu propósito: a

iluminação intensa facilita a vigilância do olhar do cliente. É o olho do cliente que controla o

Page 132: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

131

espaço do bancário na agência. A análise é bem apropriada à interpretação de Foucault

(2002).

Uma outra forma de estreitar a relação de controle sobre o bancário é a noção de

espaço amplo que a arquitetura de uma agência apresenta. Essa organização espacial tem

como finalidade torná-lo impessoal e apequenar os indivíduos num ambiente tão imponente.

Não é a idéia de aconchego o que se tem dentro dos recintos bancários, a despeito desta

imagem ser veiculada nas propagandas dos bancos.

Tudo isso poderia ser tomado como uma contraposição à interpretação de Da Matta

(1997), já que a noção de local de trabalho guardaria possibilidade de relações do mundo da

“casa”. Em parte contradiz. O local de trabalho do bancário não tem relação com o espaço da

casa. Todavia essa contradição diz respeito somente ao espaço. Quanto às relações,

ponderamos que aquela interpretação poderia ser retomada, em alguma medida.

O espaço de trabalho não difere, portanto, de um outro espaço que também faz parte

do cotidiano dos bancários que trabalham no centro da cidade: a rua. Nos grandes centros

urbanos, esse espaço foi subordinado à lógica da circulação, serve ao capital e os indivíduos

têm ali uma relação espacial e temporal acelerada. Submetidos à lógica do tempo de trabalho,

os bancários – ou outros trabalhadores – não têm o espaço à sua disposição. Antes o contrário.

Sua trajetória diária, o deslocamento para o trabalho ou do trabalho para casa indica que o

espaço urbano, sobretudo o centro da cidade, só tem sentido como um lugar de passagem. O

espaço, nessa dimensão, é frio, sem possibilidades de qualquer subjetivação ou sociabilidade.

Esta só ocorre num tempo especial, o tempo do não-trabalho, nos finais de semana, quando os

indivíduos podem “desperdiçar” o seu tempo.

Assim entendido, também o tempo não é senão o tempo da produção e reprodução da

vida. Cansados de tanta atividade, aqueles que trabalham em atividades tão rotineiras

precisam descansar para, no dia seguinte, retornarem suas labutas. Não há como permitir-se

gastar o tempo na rua, quando o mandamento é que o tempo perdido será cobrado de alguma

forma.

Isto posto, pode-se afirmar que o espaço de trabalho do bancário, assim como o espaço

de circulação, são espaços que não permitem relações de pessoalidade.

Mas há um momento em que os indivíduos se encontram no espaço do centro da

cidade e se desvencilham de seus controles hierárquicos, relativizando o seu tempo. Da Matta

(1997) considera que o carnaval seria esse tempo. Blass (1992) considera que a greve, e, por

conseguinte, a manifestação de rua, seriam momentos em que as rotinas são desfeitas e os

manifestantes tomam os tempos da cidade e os espaços em outras dimensões.

Page 133: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

132

Nessa apropriação do espaço, pode-se constatar a revelação de uma nova simbologia

para a cidade, em que o riso se faz permitido e os indivíduos se permitem “desperdiçar” o

tempo, jogar cartas, andar descontraídos pelas ruas. De fato constitui-se uma simbologia tão

cara aos movimentos sociais: ao agir publicamente, reinventa-se a cidade, os lugares ganham

novos nomes ou almeja-se algo além do que as rotinas de trabalho poderiam oferecer. Uma

outra dimensão de cidade vai sendo desenhada: a cidade do lúdico, o direito à cidade.

4.4.2 Manifestações como forma de pressão e modo d e expressão

Alguns autores nos oferecem elementos para entendermos duas dimensões associadas

às manifestações. Elas podem, assim como as greves, ser entendidas como forma de pressão

ou como modo de expressão. Pensamos que essas dimensões podem ser apropriadas para a

análise das manifestações de uma forma geral. Chegamos a elas a partir de Tartakowsky

(2003) e Perrot (1996). Os ativistas bancários por diversas vezes ressaltam o caráter festivo

das manifestações encabeçadas pelos bancários, em que predominam a irreverência e o riso, o

que, conforme a perspectiva de Perrot (1996), seria a prevalência do movimento como forma

de expressão. As entrevistas de Solange e também Marcelo D’Agostini são apropriadas para

compreendermos questões relacionadas ao movimento bancário no que diz respeito ao modo

de expressão, nas manifestações de rua. Consideramos ainda o enfoque de Tartakowsky e

Pigenet (2003), em que as marchas e cortejos são relacionadas às nossas passeatas. A leitura

nos possibilita fazer uma associação entre espaço público, território, e movimentos sociais. A

autora suscita a idéia de que as marchas têm inspirações militares (paradas, uniformes,

disciplina), religiosas (cantos, tambores, bandeiras à moda dos estandartes de santos) e cívicas

(lembrando a intenção de romper com os limites instituídos, as hierarquias no espaço urbano).

Blass (1992) também acompanha aquela linha analítica de Perrot (1996) e de

Tartakowsky (1990). A greve dos bancários de São Paulo, em 1985, apresenta a característica

de modo de expressão. No momento das greves, os bancários rompem barreiras impostas

pelos bancos, tomam a rua e ali fazem uma festa irreverente. A leitura de Da Matta (1997)

também parece adaptada para apresentar essa discussão. A rua, espaço de disputa, é situada

como um lugar em que, em ocasiões eventuais, perdem-se os limites propriamente

estabelecidos como inerentes àquele espaço. O carnaval, as festas, os desfiles, e, podemos

acrescentar, as manifestações de rua encabeçadas pelos movimentos sociais, as passeatas, as

greves, tudo isso são formas de subverter temporária e simbolicamente a ordem legada às

ruas. Conseqüentemente, podemos concluir que as manifestações encabeçadas pelos

Page 134: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

133

movimentos sociais fogem muitas vezes à lógica do permitido. A partir dos depoimentos dos

ativistas entrevistados, pode-se verificar o elemento da irreverência que os autores acima

mencionados indicam.

A propósito deste enfoque, é oportuno lembrar novamente as contribuições de Blass

(1992). A autora verifica que uma das características do citado movimento grevista de São

Paulo, quando este se apossa da rua, é exatamente a festa, a irreverência de pessoas que

normalmente, em seus locais de trabalho, são marcadas pela seriedade, inclusive pela forma

de se vestir, exigência do setor financeiro. A manifestação grevista é como um evento festivo,

não no sentido que os outros atribuem ao movimento, mas sim a partir das próprias

representações que os sujeitos manifestantes atribuem a si mesmos. A partir das

representações que os grevistas faziam de suas manifestações, tomando a greve como um

momento de relaxamento, de encontro com amigos, de “jogar conversa fora” e até dançar na

rua, ela verifica enfim que a perspectiva festiva encontra-se inscrita naquelas representações,

muito mais do que uma simples reivindicação salarial. Portanto, tomada nesse sentido, a greve

dos bancários assume, conforme os sentidos dados pelos depoimentos dos manifestantes, a

perspectiva da expressão do movimento, ou seja, uma forma de exprimir as angústias que

ficaram reprimidas durante a labuta cotidiana do trabalho bancário, a pressão da chefia, ou até

mesmo um modo de subverter lógicas associadas às ruas e praças públicas.

Contudo, nem toda greve bancária é marcada por essa dimensão. Trabalhando com um

recorte considerável de tempo, pudemos verificar que os bancários de Belo Horizonte,

alternaram momentos em que as greves tinham uma forma de pressão, com ocasiões em que

combinam-se à greve manifestações festivas.

Assim, pode-se afirmar que as greves de 1946, 1951 e as da década de 1980/90

apresentam esse aspecto festivo, conforme realçam os entrevistados. As greves “kinderovo”,

até pelo esvaziamento de bancários nessas ações sindicais, não apresentam essa

particularidade: são formas de pressão, sem a possibilidade de expressão dos bancários. A

greve do final da ditadura, em 1979, também pode ser relacionada a esse tipo de ação sindical,

a pressão, haja vista o contexto bastante adverso, que não permitia a ousadia nas ações de rua,

já que a relação entre a Oposição Sindical e a diretoria era tensa e os militantes não podiam se

expor; e também em razão da repressão policial bastante intensa. Nessas circunstâncias,

quando os bancários saíam às ruas, a própria estratégia já era vista como possibilidade de

enfrentamento.

São situações que se apresentam nas entrevistas: os antigos bancários viveram

conjunturas políticas difíceis, quando a rua não era o melhor lugar para se manifestar, sendo

Page 135: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

134

ali o espaço mais intenso da repressão política, em que a praça se transformava num campo de

batalha. Mesmo nessas circunstâncias, existiam alguns lampejos de festa, ou seja, momentos

de irreverência. Já a presença em massa nas ruas traduzia um sentimento novo, fato que marca

para sempre e fica na memória, conforme expressam alguns entrevistados.

Salientamos que a condição da manifestação enquanto modo de expressão não a

coloca numa categoria menos significativa, como se não fosse rigorosamente uma forma de

manifestação política. A maneira como cada movimento se expressa na rua é, decerto, o que

nos permite traçar um esboço das próprias características de um movimento (ou um ator

social). Trata-se de uma informação significativa e que fornece pistas sobre a maneira de agir,

os valores inerentes a cada categoria profissional. Sociologicamente, é possível dizer que cada

grupo social apresenta uma identidade específica, que varia com o tempo. A maneira como

esse grupo expõe-se na rua diz muito de suas características, dos seus valores e dos seus

projetos de mundo.

4.5 Implicações da atuação no centro

Especificamente tratando-se do movimento sindical urbano, é relevante o fato de que o

lócus do trabalho nem sempre – ou na maioria das vezes – nada tem a ver com o centro da

cidade. Particularmente as atividades do setor industrial, que são distantes do centro da

cidade. Ali os operários se relacionam com o espaço comumente chamado de chão-de-fábrica.

Suas manifestações muitas vezes têm como palco esse espaço (MARONI, 1982). Os

bancários, por sua vez, têm relação direta com o centro da cidade. Logo, a rua comporta

dimensões sociais que não se apresentam no chão-de-fábrica.

O chão-de-fábrica representa o espaço quase privado do mundo do trabalho: ali o

espaço é fechado e dimensionado a partir da perspectiva da produção; as cadências são

reguladas e supervisionadas, já que não há a possibilidade de se circular aleatoriamente, ou

mesmo utilizar o espaço em outro sentido que não aquele previamente estabelecido pela

lógica inerente à produtividade.

Já na rua ou na praça central, outras peculiaridades se apresentam Na rua, os

enfrentamentos são de outra ordem: é com o poder público, os motoristas, os pedestres.

Também os interlocutores são outros: a população em geral, o setor imobiliário, os

comerciantes, a mídia, o poder público e em alguns casos, inclusive a Igreja.

Assim sendo, quando algumas manifestações ocorrem no centro da cidade, diversas

vozes se levantam em defesa ou no combate às mesmas. Caso pudéssemos acompanhar as

Page 136: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

135

diversas discussões que emergem no calor dos acontecimentos, poderíamos perceber que as

interpretações representam tensionamentos quanto aos usos e funções de determinados

espaços públicos. Nesses termos, podemos destacar as opiniões da mídia repercutindo as

opiniões de diversos setores da sociedade, e as determinações dos poderes constituídos

repercutindo os acontecimentos. O que encontramos são formas de dispor sobre o espaço

público em questão. Saber as ocasiões em que essa opção é colocada ou por que motivos

possui relevância sociológica fundamental.

Mais significativa ainda é a relativa permanência de um determinado movimento no

centro da cidade, o movimento dos bancários. Muitos entrevistados apontam a importância de

estar no centro. Que centro é este? Alguns autores apontados nos capítulos anteriores dão

conta de uma peculiaridade: o centro da cidade tornou-se o centro financeiro (LEMOS, 1988;

LE VEN, 1987). É precisamente ali o lugar em que os bancários precisam circular

cotidianamente. Este fato nos permite afirmar que o espaço de existir dos bancários, o qual

coincide com o centro da cidade/centro financeiro, pode tornar-se um espaço da ação e do

discurso para a categoria e para além dela (ARENDT, 1993), num movimento que almeja, que

aspira e não só reivindica.

Necessariamente, para que a categoria se apresente e apresente suas demandas, é

preciso inventar formas de linguagem que ultrapassem o discurso tradicional – o “sindicalez”

tão bem lembrado por alguns dos entrevistados mais próximos à dimensão cultural –

apropriando-se de novas gramáticas para além daquela linguagem.

Page 137: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

136

4.6 Duas experiências para a cidade: O Carnaval se m AIDS e o Entreposto Cultural.

FIGURA 9 Carnaval Sem AIDS – Sindicato dos Bancários, 1998. Fonte: CRMS/SEEB-BH. Fotógrafa: Nívea Dias

Um dos marcos da atuação do Sindicato para a cidade foi a realização da Campanha

do Carnaval sem AIDS. A primeira campanha ocorreu em 1994, tendo como ápice da

atividade a colocação de uma “camisinha” gigante no Pirulito da Praça Sete. Aquela

intervenção foi bastante noticiada pela imprensa na época. Inspirados numa manifestação

francesa de igual natureza, os bancários decidiram fazer o mesmo em Belo Horizonte, além de

promoverem debates no Sindicato e nas agências bancárias, como formas de alertar os

bancários e a população em geral sobre o problema da AIDS.

O Pirulito da Praça Sete recebe, nesta segunda-feira, dia 31 [de janeiro], uma grande camisinha para passar o Carnaval protegido, como deve ser. A “cerimônia” para vestir nosso obelisco marca o início da campanha “Carnaval sem Aids”, promovida pelo Sindicato. Logo depois, começa a caravana de distribuição de preservativos e folhetos explicativos sobre a prevenção da Aids, em várias agências bancárias da Capital. (CAMISINHA..., 1994).

Interessa-nos destacar alguns pronunciamentos que vieram à tona a partir daquela

iniciativa, já que se apresentam como uma oportunidade de situarmos algumas concepções

Page 138: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

137

sobre o espaço público e também sobre outros temas que a manifestação colocou em debate.

Dentre esses temas estão questões sobre sexualidade, uso de drogas, casamento e concepções

sobre os monumentos históricos.

Solange Ayres destaca a idéia da Campanha e também os problemas enfrentados junto

a alguns setores da sociedade, incluindo os companheiros de partido (PT) que, conforme ela

acreditava, deveriam ser os primeiros a apoiar. Abaixo, a transcrição da sua declaração, já que

ali se apresentam diversos pontos da polêmica:

Primeiro essa idéia de colocar a camisinha não foi nossa. Foi uma idéia que já tinham colocado a camisinha no monumento em Paris. Então a gente falou assim, bem, nós temos um monumento aqui na Praça Sete... é um símbolo fálico aqui no meio dessa cidade. “Ah... também gostaria de por a camisinha nesse pirulito!”. E, no início, quando a gente falou que ia por a camisinha no pirulito houve resistência inclusive dentro do PT, dentro dos próprios companheiros que eram as pessoas que a gente achava que iriam apoiar. E as pessoas diziam “gente, mas que que é isso!? Nós não vamos denegrir a imagem da cidade!?” Isso é... “presta a atenção, nós estamos incentivando a promiscuidade!”. E nós recebemos uma carta do Bispo, naquela época, falando que aquilo era um incentivo à prostituição, que era um absurdo a gente colocar uma camisinha no pirulito, que aquilo estava incentivando pessoas à promiscuidade, à prostituição. (Informação verbal).59

O fato foi bastante discutido pelos setores da sociedade, recebendo cobertura em

jornais e noticiários da TV, em que a “camisinha” no Pirulito foi colocada na cena principal.

Diante do acontecimento, o Bispo D. Serafim se pronunciou veementemente contrário,

encaminhando carta ao SEEB-BH em que criticava aquela manifestação (ANEXO A). Nesse

embate entre a Igreja e o Sindicato, colocam-se elementos para entender também a

organização espacial da Praça e da cidade. Ao analisarmos o conteúdo das cartas, podemos

levantar alguns discursos sobre o espaço urbano e sobre a sociedade.

A primeira concepção é quanto ao patrimônio público. Do lado da Igreja, apresenta-se

o argumento de que aquela manifestação seria “[...] inadimissível [sic] agressão contra o

patrimônio cívico e cultural de Belo Horizonte [...]” (ANEXO A). O termo cívico merece ser

destacado, já que remeteria a duas dimensões já consagradas do monumento, quais sejam, a

representação do poder constituído, para qual o monumento é uma espada, símbolo da força e

conquista – e não um “pirulito” – e também sua representação enquanto valor cultural da elite

mineira, recatada e bem educada, para qual o espaço público deveria ser lugar da sobriedade e

dos bons costumes. Estas dimensões estariam sendo alteradas com a intervenção dos

bancários.

59 Entrevista concedida em 16/03/2007 por Solange Ayres.

Page 139: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

138

Em resposta a essa crítica, o Sindicato argumenta, utilizando-se de um parecer

favorável do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA), que uma nova

simbologia seria acrescentada ao obelisco, por alguns dias, fato positivo, portanto, já que

enriqueceria as relações da população com o monumento. O Sindicato ressaltava a validade

de se incorporar uma nova simbologia, ao passo que a Igreja posicionava-se em favor da

conservação da simbologia cívica associada ao obelisco.

Outra temática que se apresentava naquele debate é a moralidade, tendo como foco a

questão da sexualidade. Aí também se embutem considerações sobre casamento e educação

dos jovens. A Igreja apresenta os seguintes argumentos:

[...] ato de desrespeito aos valores cristãos e familiares [...]. [...] apelos subliminares ou escancarados à promiscuidade sexual, à infidelidade conjugal, ao descompromisso com a família e com as pessoas, anularão quaisquer efeitos positivos que possam possivelmente derivar do propalado uso de preservativos. (ANEXO A).

Como resposta, o Sindicato afirma que tal intervenção teve como objetivo impactar e

despertar a atenção da população para a prevenção à AIDS, passando às considerações sobre

os costumes. Novamente visões desencontradas de mundo vêem à tona:

Longe de nós incentivar a “degradação dos costumes, a dissolução da família, a infidelidade conjugal e a precoce corrupção de jovens e adolescentes”. Acreditamos, contudo, que enquanto há vida, há esperança. Esperança de que a família e os jovens brasileiros e de toda a Terra encontrem meios de equacionar seus desejos e emoções que simultaneamente contribuam para o soerguimento de barreiras intransponíveis a epidemias arrasadoras como a AIDS. [...] De resto, não é supérfluo assinalar que nem toda a repressão dos séculos aos costumes foi capaz de evitar que casamentos se desfizessem, que jovens se corrompessem ou que doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis, se propagassem pelo planeta. (ANEXO B).

O evento continuou sendo realizado até o ano de 1999. No ano 2000 a colocação do

preservativo gigante no Pirulito foi proibida pelo IEPHA, com o argumento de que aquela

atividade poderia comprometer a conservação do obelisco. O Sindicato continuou com a

campanha na Praça, agregando a ela um bloco carnavalesco, o Bloco do Pirulito, mas sem

utilizar o Pirulito para os eventos.

O Entreposto Cultural foi outra experiência que situamos como um diálogo dos

bancários com a cidade. Ele foi pensado para ser uma atividade em que o movimento sindical

de Belo Horizonte, aliado aos movimentos sociais, pudesse fazer da cidade um verdadeiro

Page 140: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

139

palco para discussões de toda natureza. Fruto da movimentação política e cultural que já vinha

ocorrendo no Boteco da Sexta60, no Sindicato dos Bancários, esse espaço servia de referência

para o encontro da diversidade cultural e política de Belo Horizonte. Debates eram travados,

novas idéias, experimentações. Conforme salienta Gilson, todos os matizes da esquerda se

encontravam no Boteco da Sexta.

[o Boteco da Sexta] virou um encontro cultural e político da categoria, da antiga Oposição, agora empoderada, e que virou a sede social, vamos dizer assim, de todo o movimento político de Belo Horizonte. Sexta-feira à noite encontrava a esquerda toda de Belo Horizonte no Boteco da Sexta. E, ou vindo da categoria, ou questões que de fora eram trazidas – questões como droga, sexualidade, família, arte, lazer, tudo isso foi sendo trazido à discussão da categoria, além da reposição salarial, piso mínimo, aquelas questões clássicas, né. (Informação verbal).61

Marcelo D’Agostini também dá a dimensão desse espaço:

Nós jogamos pesado na questão cultural, o SEEB-BH cedeu espaço para diversos eventos que na época eram considerados marginais. [e cita punks e mulheres]. (D’AGOSTINI, 2003).

Essa abertura da entidade sindical para questões que iam além das suas questões

sindicais foi a essência para a concretização de uma outra idéia, o Entreposto Cultural. Para

tanto, o Sindicato, em associação com outros sindicatos, levantou uma lona de circo na Praça

da Estação. Ali seriam realizadas desde assembléias dos sindicatos, como também mostras,

debates e oficinas. A intenção era trazer, efetivamente, o movimento sindical para o espaço da

cidade. Esta experiência seria a própria materialização de todas as discussões que já ocorriam

no Boteco da Sexta. Representava a politização do movimento sindical:

[O] Entreposto é um movimento sindical bancando politicamente e materialmente um movimento que tava voltado pra defesa da Cidade e não de uma corporação ou outra, nem do conjunto das corporações. O Entreposto Cultural vai agregar o Movimento Negro, a luta dos Direitos Humanos, a luta de todos os artistas, de todas as áreas. Ele é um movimento amplo. Ele foi o resultado desse sindicalismo, eu diria politizado. Porque a resposta ao corporativo é o politizado e o politizado é a memória política do movimento que é secular. (Informação verbal).62

Jacó e Gilson Mello relatam que a experiência era realmente aberta e inovadora.

Diversas pessoas vinham debater e realizar oficinas naquele espaço. O diretor e dramaturgo

60 Funcionando na sede do Sindicato dos Bancários conforme explica Gilson Mello em seu depoimento,

o “Boteco da Sexta” foi o primeiro experimento cultural e político da diretoria cutista, no seu primeiro mandato. 61 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Gilson Mello Martins. 62 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Gilson Mello Martins.

Page 141: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

140

Augusto Boal e o conjunto musical baiano Olodum foram algumas das personalidades a

participar da experiência. Esse espaço era aberto, “o povo entrava lá pra dentro e ficava lá”,

lembra Jacó do Nascimento (Informação verbal).63 Assim, meninos de rua que viviam nos

entornos da Praça da Estação passaram a freqüentar o espaço. Aquela experiência, no entanto,

sofreu questionamentos por parte do poder público municipal, que considerava aquela

atividade incômoda. Depois de algum tempo de funcionamento, certo dia a lona apareceu toda

rasgada e a experiência teve que ser encerrada.

4.7 Quando o Sindicato dos Bancários se encontra c om a Praça Sete de Setembro

4.7.1 Importância das manifestações para os manife stantes

Diante de um processo de manifestações, os manifestantes tomam contato com

diversas dimensões que contribuem para que os mesmos possam ter uma outra visão de

mundo, isto é, ganhem consciência política. Sader (1988) enfatiza que, quando os indivíduos

encontram-se com o espaço público, um espaço por vezes reservado para outras finalidades e

cerceado aos movimentos sociais, então esses indivíduos descobrem-se como sujeitos da

própria história, termo que passou a ser assumido pelos movimentos sociais, no final da

década de 1970 (SADER, 1988). Assim, essa experiência fica guardada na memória daqueles

que fizeram parte dos acontecimentos.

As manifestações são momentos singulares vivenciados pelos entrevistados. Cada qual

traz uma marca, uma satisfação com relação a um momento de rua. Trata-se de uma

verdadeira experimentação política, com sua intensidade. Blass (1992) refere-se às greves

como uma escola de educação política. Morán (2005) também aponta essa característica para

as manifestações de rua.

É também nas ruas que os indivíduos podem encontrar-se com os dilemas que se

apresentam na vida da cidade e do país. O governo se faz representar ali, seja através da

polícia, pelos regulamentos de trânsito ou ainda pelos alvarás exigidos para a realização de

atos de rua. A presença desses elementos coloca, nua e crua, a relação conflituosa com o

poder. Também se re-elabora uma nova visão sobre o papel da imprensa, antes, talvez, tida

como neutra, mas que, ao não noticiar as grandes manifestações, fazem o jogo dos

63 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Jacó do Nascimento.

Page 142: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

141

banqueiros. É aí que os manifestantes se dão conta de que nem toda notícia é divulgada e que

também as demandas populares não interessam aos donos da mídia.

Por ocasião de algumas manifestações dos bancários, por vezes essas relações

conflituosas com a imprensa vêm à tona e são retratadas de forma irreverente. Em junho de

1990, por ocasião de uma greve dos funcionários do Banco Real, a imprensa insistia em

mostrar o funcionamento de algumas agências, quando de fato a maioria encontrava-se

fechada. Ao destacar aquelas, sem fazer referência às outras, o noticiário transmitia uma idéia

deturpada de que a greve não estava forte. Para mostrarem insatisfação com relação à

cobertura parcial da imprensa, alguns sindicalistas compareceram à porta da emissora de TV

com melancias na cabeça, para verem se dessa forma seriam filmados: “Fomos para a porta da

Globo de melancia na cabeça... E agora Marinho, vai noticiar nossa greve?” (FATOS...,

1990).

Outro encontro possível nas manifestações de rua é com a população. É a ela que o

discurso é dirigido, é ela quem dá o apoio em momentos críticos, garantindo a vitalidade do

movimento. Os entrevistados destacam diversos momentos em que a população marcava a sua

presença, dando apoio às manifestações.

Também, por vezes, esses manifestantes encontram-se com a Igreja, ora debatendo

com ela, ora ou reivindicando a sua proteção em momentos de repressão. A propósito, é

bastante sugestivo o depoimento de Gilson Mello, citado em outro capítulo, indicando que,

quando a repressão era mais intensa, os manifestantes escolhiam as escadarias da Igreja São

José, para conseguirem a proteção da Igreja.

Um outro elemento a ser considerado ainda quanto à relação entre a manifestação e

suas implicações na formação da identidade dos manifestantes diz respeito à possibilidade do

repertório sindical ser interpenetrado pelas diversas linguagens artísticas, bem como pelos

discursos dos novos movimentos sociais, dos movimentos de bairro, negros, homossexuais e

mulheres no mundo do trabalho (LE VEN, 1987).

Nesse aspecto, as atividades dos Bancários, principalmente aquelas situadas entre

meados dos anos de 1980 até meados dos anos de 1990, trouxeram às ruas uma diversidade de

linguagens. Bonecos foram trazidos para o espetáculo de rua – o “Zé da CUT”, boneco

gigante presente em todas as manifestações do Sindicato fez história nas ruas de Belo

Horizonte – o teatro “Olho da Rua”, de Carla e Jacó; a Rádio Ali-é-Nada, discutindo já no

próprio nome a necessidade de o bancário – e a população – sair da sua vida alienante no

interior das agências e vir para a rua manifestar e reivindicar uma cidade melhor; a Rádio

Peão, discutindo temas gerais com a população; sem esquecer de Moisés Augusto e o seus

Page 143: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

142

personagens: o “Velho”, a “Maria Miséria” e o “Capetalismo”, que transcenderam o

movimento sindical bancário e se tornaram personagens da cidade. Nessa linha também vale

mencionar as alegorias – os bonecos – associadas ao carnaval pernambucano, que foram

incorporadas às manifestações de rua, os estandartes e as músicas (marchinhas) que eram

introduzidas no repertório sindical. Há ainda que se destacar o olhar atento às manifestações

que ocorriam em outros lugares do mundo, a exemplo da idéia de colocar a “camisinha” no

Pirulito, manifestação que já havia sido realizada na França.

Ainda com relação às diversas linguagens utilizadas pelo movimento sindical, vale

lembrar as estratégias que utilizavam para questionar a repressão policial. Uma dessas

situações já foi mencionada anteriormente, por ocasião do teatro na porta do banco, em que a

polícia interveio. Outra situação é a relatada por Moisés Augusto: tendo lhe sido sugerido não

sair fantasiado de “Capetalismo”, por causa da perseguição policial contra o personagem,

então ele resolveu fantasiar-se de “Maria Miséria”, a mãe do “Capetalismo”. Se o

“Capetalismo” não podia, a mãe poderia.

A “Maria Miséria” era a mãe do “Capetalismo”. Então a polícia atirava no “Capetalismo” mas não na mãe dele [risos] então eu até achava engraçado que no dia seguinte eu saio pra passeata os policiais que me prenderam, me viram assim e ficaram...fazer o que? Eles tinham que prender o “Capetalismo”, a mãe dele não, então é...eu trabalhei toda aquela greve como a mãe do “Capetalismo” que foi um negócio, aliás, foi um negócio muito mais interessante do que o personagem, porque ela na verdade questionava o desaparecimento do seu filho e atribuía a responsabilidade por isso. Então como o sistema ele tende a silenciar as diversas vozes que vão questioná-lo e como esse silenciamento, como ele não é....a...a...questão de dominar a subjetividade, é impondo o medo...a repressão. (Informação verbal).64

Tais estratégias utilizadas pelo autor, como a apropriação da Praça por seus

personagens políticos, poderiam render um estudo específico, dada a riqueza de suas

interpretações.

Gilson Mello também relata uma estratégia inovadora utilizada pelos manifestantes.

Numa manifestação de Maio de 68 na França, os jovens colocaram um paredão de espelho

diante da polícia preparada para enfrentá-los, de modo que a polícia se visse ao invés de

verem os jovens. Gilson conta que resolvera fazer algo semelhante em Belo Horizonte numa

manifestação que ocorreu um dia após um duro enfrentamento com a polícia:

64 Entrevista concedida em 02/08/2007 por Moisés Augusto Gonçalves.

Page 144: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

143

E como a gente não tinha dinheiro pra comprar espelhos, e sabíamos que eles seriam quebrados, no dia seguinte a essa pancadaria, nós compramos algo em torno de 300 metros de tecido preto e formamos um muro preto entre a polícia e a passeata. (Informação verbal).65

Por fim, ressalta-se a representação sobre a cidade, ou mais especificamente, o olhar

diferenciado que os entrevistados apresentam com relação à Praça Sete, tendo em vista a sua

inserção política e em função de ali terem participado de manifestações. Indagados sobre os

significados daquele espaço, os depoimentos trazem representações simbólicas que remetem

às palavras “coração” e “palco”:

A Praça Sete é o coração da cidade. A Praça Sete sempre foi um palco importante na história de Belo Horizonte, manifestações políticas. Com variações de período pra período, né?...então o...o...a Praça Sete sempre teve essa marca simbólica de que é...é...ali sendo o coração da cidade, tudo que acontece ali tem repercussão né? irradia com velocidade, e também ela tem essa forte marca me parece simbólica de que os gritos que ali ocorrem, eles chegam aos ouvidos do poder.... (Informação verbal).66

Perguntamos ainda aos entrevistados qual o nome dariam à Praça Sete, tendo em vista

a história por eles vivida naquele espaço. Alguns nomes foram sugeridos: Praça Dona Helena

Greco, Praça da Liberdade, Praça da Democracia e Praça do Povo.

O nome de Dona Helena Greco foi mencionado por duas vezes. A explicação está no

fato de que ela teria sido um dos símbolos da luta contra a Ditadura, tendo participado de

diversas manifestações, desde a luta pela Anistia. Sobre ela, Tiãozinho ressalta o seguinte:

Ela representa Minas Gerais, o Brasil...muito mais do que ter acompanhado as nossas mobilizações do sindicado dos Bancários. Eu acho que é a mulher pioneira a defender os anistiados, sabe, a defender Cuba socialista, abrir espaço.... ela é a primeira presidente da Associação José Marti, que é uma Associação de apoio ... apoio a Cuba, na época. Cuba Socialista. Então, assim, ela representa muito mais pra humanidade, muito mais pra Belo Horizonte, pra Minas Gerais e pro Brasil e pras pessoas que lutaram nesse país, que morreram nesse país [...]. A Dona Helena é uma das pessoas que deu a sua contribuição, que doou a sua vida. Eu acho muito mais por isso. É esse reconhecimento.... é uma cidadã de fato, brasileira de fato. (Informação verbal).67

Solange Ayres, concordando com a sugestão, aproveita para fazer uma crítica à

simbologia contida na Praça Sete, monumento à Independência: “Pra dizer a verdade.... nós

gostaríamos que aquela Praça Sete não chamasse Praça Sete. Sete de Setembro me lembra

65 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Gilson Mello Martins. 66 Entrevista concedida em 02/08/2007 por Moisés Augusto Gonçalves. 67 Entrevista concedida em 16/03/2007 por Sebastião Rodrigues da Costa – Tiãozinho do Banerj.

Page 145: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

144

Pátria, essas coisas.” (Informação verbal).68

Também Moisés Augusto faz um questionamento a respeito do nome atribuído à praça

localizada em frente à sede do Governo estadual, a Praça da Liberdade. Para ele o nome

Liberdade poderia substituir o nome Praça Sete, sobretudo porque

[..] a Praça Sete [o espaço] pra mim seria o órgão da liberdade, entendido a partir da compreensão de que pra lá convergiam todos aqueles que pensavam... efetivamente pensavam na emancipação humana. (Informação verbal).69

Essa nomeação da Praça Sete traz uma diversidade de símbolos associados a uma

visão mais ampliada de mundo. Por vezes, nos nomes sugeridos, os entrevistados levantam

representações de mundo, além de discutir as outras visões que permeiam aquele espaço

público. Quando o entrevistado sugere uma representação, é possível dizer que ele

efetivamente está também dizendo aquilo que as representações oficiais não contemplam. É

nesse sentido que compreendemos o questionamento de Solange, ao levantar uma crítica à

idéia de Pátria. O não-dito é o que restou no depoimento, mas a idéia sugerida é de também

confrontar com aquelas representações e até manifestações conservadoras, como a já referida

parada militar, em que os símbolos pátrios são largamente apresentados, mas que, conforme já

dissemos, buscam colocar o povo como expectador, do lado de fora do alambrado.

4.7.2 Importância das manifestações dos bancários para a cidade de Belo Horizonte

Uma das conseqüências apontadas a partir das manifestações dos movimentos sociais

e, particularmente, do Sindicato dos Bancários no centro da cidade é que a cultura urbana e

social foi enriquecida com a ação política dos trabalhadores (LE VEN; NEVES, 1996).

Através da explicitação dos seus direitos e da manifestação pública, os bancários acabavam

incidindo sobre a formulação de uma visão política também para aqueles que assistiam. É o

que sugere Antônio Faria em sua entrevista. Le Ven e Neves, a propósito, confirmam aquela

sugestão do entrevistado, ao indicarem a importância das ações dos trabalhadores no espaço

público:

68 Entrevista concedida em 16/03/2007 por Solange Ayres. 69 Entrevista concedida em 02/08/2007 por Moisés Augusto Gonçalves.

Page 146: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

145

Dessa forma, contribuíram para construir um espaço urbano como lugar do “público”através de sua ação e de seu discurso, para além do espaço de trabalho. Na história da cidade, a vontade dos trabalhadores de participar da construção do espaço público foi uma constante. (LE VEN; NEVES, 1996, p. 101).

As manifestações no espaço urbano têm a importância de colocar questões sobre a

própria dinâmica da cidade. Alterando-se os fluxos, mesmo que momentaneamente, fazem

com que algumas polêmicas venham à tona.

A manifestação no espaço urbano, mesmo, e talvez sobretudo, quando incomoda o transeunte e o trânsito, é um termômetro da qualidade democrática da vida política, exatamente porque ela rompe, para o ator e o expectador, com a banalidade e a rotina cotidiana. (LE VEN; NEVES, 1996, p. 101).

O ator Jacó do Nascimento apresenta ainda outras considerações sobre a importância

das atividades culturais do Sindicato para a cidade. Desperta o perguntar da população.

Eu acho que despertou esse perguntar da população ... essa... lutar pelos direitos deles. Cê saber... ter clareza o que não pode [pode] e o que não pode fazer. Então, por mais alegria, por mais satisfação que o povo olha pra gente passar... fica lá rindo, aplaudindo a gente... sentimos bem representados ali. Então isso foi uma... ah eu acho que é o mais forte desse movimento todinho é isso. É como a gente tinha o respaldo da população... quando a gente colocava um discurso claro, bem humorado... a ai sentia representado quando a gente .../ “Uai! Isso que esse povo tá falando eles são corajosos! A gente não consegue nem falar isso, mas estão falando”. Ou que só aplaudindo assim...Isso era... era o melhor que tinha, né. Que a alegria estava estampada. / A gente saía fazendo aquele percurso ali Afonso Pena, Augusto de Lima e descia a Espírito Santo... aquilo ali, assim, o povo jogava papel picado pela janela; balançava bandeiras, dava tchau e tudo o mais. (Informação verbal).70

Quando Blass analisa a greve dos Bancários de São Paulo em 1985, destaca a

importância das passeatas e manifestações na rua, pela sua irreverência, pela proximidade

com o lúdico, com o carnaval, atividades que, por vezes, lançam mão de repertórios variados

da cultura brasileira ou regional. Assim, é comum constatar a utilização de diversas

linguagens e diversas intervenções incorporadas do repertório popular, religioso, militar ou

artístico, dentre as quais lembramos os enterros simbólicos (fato recorrente nas manifestações

sindicais), os atos ecumênicos, a utilização de velas e archotes acesos iluminando passeatas,

ou a presença de autoridades religiosas nas manifestações. Além disso, podemos mencionar as

encenações, a linguagem radiofônica, televisiva, dentre tantas outras. Por vezes, também, é

comum a comunicação com outros movimentos sociais de esquerda, como forma de integrar

as lutas, de demonstrar apoio às causas. Nesse sentido, comuns também são as participações 70 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Jacó do Nascimento.

Page 147: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

146

do Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST) nas passeatas e mesmo em greves bancárias.

Por vezes também as manifestações discutem diretamente questões relacionadas com a

vida cotidiana da cidade, sugerindo críticas a alguns valores consagrados, e, particularmente,

questionando as funções da rua/praça. É nessa direção que podemos situar as denominadas

“feiras da miséria” (PARTICIPE..., 1986) e os placares das greves, na Praça Sete. Com essas

atividades, os manifestantes questionam os atributos da vida comercial, em que os produtos

são vendidos, não servindo à solidariedade. A feira, aqui, não tem uma intenção senão a de

comunicar a solidariedade e o encontro, servindo para denunciar uma situação econômica

difícil para aqueles que trabalham.

Tais formas de comunicação e de utilização de repertórios variados são indicativos

para a cidade de uma outra forma de ver o mundo. Trata-se de uma outra forma de utilizar e

viver na rua, confrontando-se com as formas previstas.

4.8 Novas tecnologias e repercussão sobre as manif estações

Os novos tempos em que as tecnologias informacionais apresentam-se como forma de

alterar as comunicações entre os indivíduos também trazem mudanças quanto às formas dos

sindicatos se comunicarem com suas bases. Dessa forma, os boletins sindicais, que antes eram

distribuídos nas portas dos bancos pelos ativistas, passaram também a ser veiculados nas

páginas da Internet. A comunicação com a categoria passou a ser feita de uma forma quase

instantânea, através da lista de e-mails; consultas à categoria já podem ser realizadas sem a

necessidade de uma assembléia. Enfim, o fenômeno da comunicação de massas potencializa a

substituição de diversas atividades que antes eram conduzidas pelos militantes da categoria,

com um agravante de que, no caso dos bancos, os trabalhadores podem se conectar a essas

tecnologias com muito mais freqüência, já que são profissionais bastante familiarizados com

as tecnologias de informação, dadas as características modernas da própria atividade.

As rotinas bancárias já vêm sendo paulatinamente automatizadas desde a década de

60, para a área de processamento de dados (GRÜN, 1986). E, a partir da década de 1980, os

bancos deixaram de funcionar como simples agências de atendimento ao público e investiram

maciçamente na automação, criando inovações tecnológicas para facilitar o acesso às contas-

correntes, tais com os bancos instantâneos e modalidades de atendimento à distância,

procedimentos para acesso ao banco, via Internet ou telefone, dentre outras novidades. Essas

mudanças possibilitaram transformações do bancário num profissional bastante diferente

daquele de outros tempos atrás (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA

Page 148: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

147

E ESTUDOS ECONÔMICOS, 1984). Há alguns anos atrás, para se executar as operações

exigidas para a função de caixa, por exemplo, um domínio técnico era exigido do bancário.

Hoje, para se executar a mesma função, já não são mais necessários aqueles domínios, já que

boa parte das operações são realizadas pelo computador71. Não é à toa que os caixas, em

algumas oportunidades, se indignem com o rebaixamento de suas funções à condição de

caixas de supermercados. Em suma, as duas atividades nunca estiveram tão próximas quanto

agora. Daí também advirem alguns problemas em tempos de negociações salariais: já existem

argumentos favoráveis à unificação dos digitadores, caixas de bancos e de supermercados em

uma só categoria. Isto por si só explica a drástica mudança do perfil do bancário de alguns

tempos para cá.

Antônio Faria vivenciou dois momentos distintos no banco. O primeiro, antes de 64, e

o outro, alguns anos depois. Tendo sido demitido por ocasião do Golpe de 64, ficou bom

tempo fora dos bancos, sendo readmitido, em 1980, em função da luta pela Anistia. Suas

palavras são relevantes para dar a dimensão dessas mudanças:

A modernização veio mais violenta depois de 64. E eu em 64 fui demitido do banco, então, é, a lembrança que eu tenho disso é que quando eu voltei depois da Anistia, em 1980, eu, eu não sabia manipular nenhuma daquelas máquinas, eram todas rigorosamente novas para mim, eu não, eu não tinha nenhuma aptidão para nenhum dos serviços mais do banco. (FARIA, 1999, fita 02, lado B, p.15)

Diante deste quadro, a questão que se propõe é saber se as novas modalidades de

comunicação (internet, teleconferência, mídia e outras) substituirão ou já estão substituindo as

ações sindicais, podendo interferir na disposição dos bancários em realizar manifestações ou

mesmo participar das assembléias da categoria.

Os entrevistados apontam a característica contraditória dessas novas tecnologias.

Perguntados sobre a possibilidade das novas tecnologias de informação virem substituir ou já

terem substituído o espaço público das manifestações, alguns deles sugerem que essa

possibilidade é realmente colocada. Indagados sobre a possibilidade de o espaço perder o

significado perante essas novas tecnologias, Jacó aponta precisamente as limitações dessas

novas tecnologias. Elas substituem o contato face-a-face.

71 Conforme pesquisa DIEESE, os bancos passaram realizar investimentos maciços em automação e

informática no período de 1990-1993. Nesse período, os investimentos saltaram de US$ 1,8 bilhão, em 1991, para US$ 3, bilhões, em 1993 (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS ECONÔMICOS, 1994).

Page 149: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

148

Mas com essa, com essa coisa de computador, Internet, realmente perde-se um pouco assim, o .... os diretores, ou o sindicato preferem trabalhar ali. Então reduz-se o número de diretores, o sindicato não precisa ser tão grande assim... então se ele fica ali, então, dali dá pra discutir um monte de coisas. Então, dentro do monitor ele coloca um monte de coisas, entendeu? Então fica mais difícil... pra que que ele vai querer aquilo lá?[ir para as agências] (Informação verbal).72

Gilson Mello chega a ser bastante enfático: para ele, nenhuma tecnologia poderá

substituir o espaço público. Ressalta também que a tecnologia não pode ser utilizada para

substituir a comunicação humana nas ruas.

De jeito nenhum. Não, não num tem como... o espaço público ele vai existir enquanto existir o humano, né. Ele pode diminuir, aumentar, mas o espaço público, é o lugar da relação humana. Não é isso? Essencialmente aquele lugar fora do Estado, do... é o espaço da liberdade. A liberdade vai sempre existir enquanto existir o humano. [...]. Então, assim, nada contra.... Agora, o que não pode é a... esses meios de comunicação vir pra substituir a maior das comunicações humanas que é o contato humano, né. Então esse encontro humano, do humano com o humano, sem nenhum meio que não seja o próprio humano, esse é o lugar público, não é. [...]. (Informação verbal, grifo nosso).73

Fernando Neiva informa que os novos meios não esvaziaram o Sindicato. Considera

que não se trata de rejeitar as novas tecnologias, já que os sindicatos precisam se adaptar às

novas linguagens do mundo globalizado para não ficarem em desvantagem perante os novos

tempos. Contudo, não acha que as novas ferramentas possam substituir o trabalho de base, o

corpo-a-corpo.

Não, acho que de forma alguma. [...]... porque o quorum pra decidir é a assembléia, em qualquer sindicato. Esse negócio de pesquisa via Internet, não funciona. Tem que ser aqui. [...] O principal meio de comunicação que o Sindicato tem que ter é o Sindicato, né? São as lideranças....Claro que eu continuo defendendo que o principal meio de comunicação é a presença do diretor junto à categoria ou junto à sociedade, né? Agora, tem outros pontos que a gente....outras formas da gente passar a mensagem, principalmente é o jornal do Sindicato, né?O jornal do Sindicato ele é de suma importância e....na atual... Igual a partir de 1990, não só o Sindicato, mas qualquer empresa ou...seja o Sindicato Eletricitário ou de Saúde ele tem que....se adaptar com o novo modelo, a globalização. [...] se o Sindicato não se adaptar, seja e-mail, seja a própria página, né, do Sindicato, ele vai ficar pra trás, porque a notícia...a notícia hoje é....você bateu numa tecla, chega na sua casa. (Informação verbal, grifo nosso).74

72 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Jacó do Nascimento. 73 Entrevista concedida em 14/08/2007 por Gilson Mello Martins. 74 Entrevista concedida em 03/08/2007 por Fernando Ferraz do Rêgo Neiva.

Page 150: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

149

Outros apontam a necessidade de ser reinventar e reocupar o espaço público. José

Prata informa que o contato face-a-face é essencial, não havendo meios de comunicação que

possam substituí-lo.

Não, eu acho que tem que ser reinventado, tá certo? Tem que ver uma forma de potencializar a comunicação, não é? e ela não substituir a mobilização, quer dizer, não...// e também não se perder a... o contato face a face também, tá certo?Ele é decisivo realmente. Eu lembro muito bem, quer dizer, na nossa época lá, eu fui diretor administrativo do Sindicato e então eu fiquei muito atarefado com a máquina do Sindicato e eu ia pro banco só duas vezes pro local de trabalho. Eu era acusado de ser um dos mais burocratizados. Eu ia duas vezes ao banco toda a semana, ficava três horas lá dentro do banco, tá certo? Hoje, quem vai duas vezes por mês, está de bom tamanho já, provavelmente, né? [...]. Então eu acho que isso aí tá substituindo muito a.../Em vez de ir banco, no local de trabalho distribuir o boletim, passa um e-mail só, mas perde o contato face-a-face, e perde muito também a ligação do dirigente com sua base representada também. (Informação verbal, grifo nosso).75

As visões apresentadas acima a respeito da relação entre as novas tecnologias e o

esvaziamento do espaço público merecem ser associadas a uma discussão que Santos (2002)

levanta, com respeito à linguagem informática, marcante em nosso tempo. Ele sugere que o

computador, símbolo máximo desse momento, é uma tecnologia cujas operações estão

sustentadas numa forma de pensamento calculante, que não consegue operar com outras

lógicas inerentes à própria condição humana. Por conseguinte, tudo que é considerado inútil e

heterogêneo precisa ser eliminado (SANTOS, 2002). Semelhante lógica informacional tende a

simplificar as comunicações, submetendo-as a códigos que possam ser interpretados dentro do

padrão de operações dos computadores. Entretanto, as diversas esferas da vida humana, dentre

as quais ressaltamos a experiência política, a experiência da rua, a experiência do “estar

juntos”, não se enquadram naquele universo de operações.

Com respeito a essa discussão, Bondía (2002) ressalta que nosso mundo padece da

pobreza de experiência. E ele traz à tona as observações de Walter Benjamin a propósito da

discussão, para quem o nosso mundo está repleto de coisas, mas a experiência tem se tornado

raridade. Salienta que vivemos num mundo em que a informação é excessiva. O fato de

podermos acessar a Internet e realizarmos pesquisas não implica numa assimilação daquilo

que encontramos. Não raro nos perdemos diante de tantas informações. Longe do que

acreditam algumas pessoas, a informação não é experiência.

75 Entrevista concedida em 24/08/2007 por José Prata de Araújo.

Page 151: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

150

[...] a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a constituir-nos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência. (BONDIA, 2002, p. 21).

Estes apontamentos nos auxiliam a buscar algumas respostas também para o âmbito de

nossas questões. Assim sendo, podemos indicar o espaço público como o lugar da

experiência, por excelência, de se viver a dimensão da política, do heterogêneo e do dissenso.

As novas modalidades de mobilização que se baseiam na informação – tais como, as

teleconferências, os jornais e possíveis consultas à categoria via internet – não podem se

colocar no lugar da dimensão do vivido, da experiência, que precisamente precisam do espaço

público para se concretizarem.

Sendo confirmados esses prognósticos sobre o esvaziamento do espaço público como

lugar das manifestações, o que se apresenta concretamente é um retorno à vida privada, um

esvaziamento das relações humanas. Esse movimento já vem ocorrendo de alguma forma.

Page 152: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

151

5 CONCLUSÕES

As questões abordadas nesta dissertação dizem respeito ao tripé espaço público,

manifestações e movimento sindical. No decorrer da nossa argumentação, tivemos a

oportunidade de trazer à tona diversos aspectos de cada um desses elementos e da interação

entre eles. Acompanhar a trajetória de um movimento sindical foi um recurso importante para

que pudéssemos perceber os diferentes fatores considerados para a ocorrência das

manifestações. Pudemos comparar situações em que o espaço público esteve mais fechado

com outras em que as manifestações simplesmente inexistiam, a despeito da possível abertura

do espaço público. Em conseqüência, fechamos o último capítulo com uma discussão que nos

remete a uma crise atual do movimento sindical, cujas implicações estão relacionadas ao

esvaziamento das manifestações da categoria bancária nos últimos anos. Apresenta-se, no

momento atual, uma dificuldade do movimento sindical em ocupar o espaço público e fazer

manifestações.

Essas dificuldades de ação do movimento sindical estão relacionadas às questões do

mundo do trabalho de um modo mais geral. Particularmente quanto ao trabalho bancário,

esses dilemas apresentam-se agravados, sobretudo a partir dos anos 1990, com a

intensificação da automação, a chegada dos bancos estrangeiros e os processos de

terceirização e privatizações dos bancos públicos, medidas que representaram um drástico

enxugamento do setor financeiro. Isso implicou em uma mudança de perfil da categoria,

acarretando transformações também na ação sindical. Todavia, não podemos, a partir desse

contexto, simplesmente afirmar o fim das manifestações e greves no setor bancário. Não

obstante, é inegável o fato de que os anos de 1990 inauguraram um contexto de trabalho

distinto daquele dos anos de 1980. É um dado que precisa ser considerado. Nos anos de 1980,

as greves e manifestações tinham como contexto um período inflacionário, em que se

demandavam campanhas salariais emergenciais duas vezes ao ano para recuperação

monetária dos salários. Nos anos de 1990, verifica-se um significativo decréscimo do número

de greves, coincidindo também com fenômeno da globalização. Esse novo contexto não

afetou somente os bancários, mas os trabalhadores de uma forma geral.

A redução do número de manifestações não pode ser associada somente a uma crise do

mundo do trabalho. Fizemos alusão a alguns fatores que incidem sobre a percepção dos

indivíduos sobre as ruas e praças como espaços públicos. Ora, pode-se inferir que espaços

desprovidos do sentido de público não guardam a devida acolhida para a realização de

manifestações. Cidades sem praças públicas, onde a diversidade possa se expor, são cidades

Page 153: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

152

sem a dimensão da vida política; são autoritárias, se não permitem que essas diferenças se

expressem, ou totalitárias, quando chegaram ao ponto de abolir as diferenças.

Alguns analistas da sociedade de consumo têm indicado uma constante necessidade de

“nivelamento” do espaço. Nesse sentido, vale dizer, há uma constante apropriação do espaço

público como mecanismo de especulação, eliminando-se as possibilidades de apropriação que

fujam a esse critério. É um dos fatores que explicam o esvaziamento da dimensão pública, já

que outros espaços de socialização estão sendo recriados, artificialmente, de forma a que os

indivíduos só encontrem os seus iguais, e paguem por isso. São espaços sem estrias, espaços

previstos e para ações previstas. Ou, dito de outra forma, são espaços planejados para que

determinadas relações possam ocorrer ali. Ganha-se em artificialidade, perde-se em

simbologia e representação.

Outro fator a ser destacado é o maior individualismo, apontado como uma das

características associadas ao tempo contemporâneo, representado, sobretudo, pelo

recolhimento dos indivíduos para as questões do mundo privado. Esse fator traz

conseqüências para a dimensão do espaço público. A título de exemplo, esse recolhimento

pode ser notado a partir de um significativo afastamento dos indivíduos das questões

partidárias ou sindicais, marcadas pelo decréscimo do número de filiações às instâncias

associativas. Mas não só. Os indivíduos recusam-se a apoiar causas que não sejam as suas, ou

seja, as causas do outro, causas universais ou mesmo comunitárias. Podem apoiar

efetivamente as grandes questões que se apresentam no mundo atual, mas apóiam de longe. A

estratégia da “Operação Kinderovo” pode ser tomada como um episódio que retrataria tal

afastamento. Também se apresenta como indicativo desse tempo o aluguel de manifestantes,

em que “ativistas” defendem causas várias, em troco de um pagamento, fato relatado por

Martins (2007). Nas ações promovidas pelas entidades que representam alguns segmentos

sociais, os filiados remetem a responsabilidade para a entidade ou para os manifestantes

contratados para representar suas demandas, eximindo-se da atuação direta nas manifestações.

Esse é um horizonte nada promissor para as manifestações. Poderíamos retomar uma

questão dirigida aos entrevistados: não se trata do fim do espaço público como espaço

significativo para as manifestações? Não seriam os atos públicos reminiscências de um

passado que teima em apresentar-se, mas cuja tendência é a perda de sentido? Há quem

responda que sim.

Dentro das Ciências Sociais, há apontamentos sobre a perda de sentido das questões

macro com o advento da pós-modernidade. É precisamente esse aspecto o que tem sido objeto

de reflexão de Maffesoli (1998). A despeito de defender a idéia de que o tempo atual é de um

Page 154: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

153

declínio do individualismo na sociedade de massas, ele acaba reforçando justamente a idéia

de um individualismo já que aposta numa tendência ao reforço das tribos, ou neotribalismo ou

um reforço da comunidade, com os indivíduos se localizando muito mais a partir de seus

grupos e não pelas questões universais, tais como a democracia, a sociedade nacional, o

direitos humanos. Conforme a perspectiva do autor, estas questões mais abrangentes não

mobilizam os indivíduos. Nesse sentido é que, embora não se apresente a questão do

individualismo, a tendência apontada é que os indivíduos não abracem senão as causas do

mundo particular. Diante desses apontamentos, verifica-se também uma tendência pessimista,

apontando a direção da perda de sentido das manifestações públicas e, em conseqüência, a

não reivindicação da importância desse espaço. É um apontamento para nosso tempo,

portanto.

Contudo, outra resposta também é possível de ser apresentada. Há quem aposte que o

espaço público continuará sendo um espaço estritamente relacionado com os ambientes

político-democráticos. Não o deixará de ser, nem agora, nem em outro momento, cabendo ao

mesmo a perspectiva de ser reinventado.

A propósito dos dilemas apontados ao longo da dissertação, não é correto dizer que o

espaço público fora esvaziado. Decerto, se tivéssemos o cuidado de observar cotidianamente

as cenas urbanas, e mais especificamente, as cenas que ocorrem na Praça Sete, veríamos que a

mesma ainda é palco de manifestações de diversas naturezas. Algumas merecem um olhar

mais acurado, já que remetem a um novo traço que se associa a novas linguagens, com novos

atores também, comunicando-se com outros movimentos de outras partes do mundo. Fruto

desse novo contato “mundializado”, os movimentos trazem para o espaço público as

articulações entre o local e o global. Não é possível desconsiderar que essas novas

manifestações fazem parte do cenário de diversas partes do planeta. Na esteira desses

movimentos, questões que vão além do mundo do trabalho são apresentadas, tais como

movimentos contra o desemprego, as “Paradas Gay”, causas indígenas, movimento dos sem-

casa, dos sem-terra, articulados com apoiadores de diversas partes do planeta, numa

comunicação potencializada pelos novos meios de comunicação. Também nessa seara

estariam os denominados de movimentos anti-sistêmicos, ou seja, os movimentos que vêm

questionando as bases atuais do processo de globalização e o neoliberalismo

(WALLERSTEIN, 2005). No conjunto, esses movimentos não desprezam o espaço público;

ao contrário, fazem dele um lugar para expressarem suas lutas. A questão passível de ser

pesquisada é em que sentido esse “contágio” já marca os movimentos da cidade de Belo

Horizonte. Ou, em outras palavras, em que sentido os movimentos sociais e o movimento

Page 155: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

154

sindical lançam mão do repertório de ação que se elabora hoje com esses novos movimentos.

São questões que se apresentam como possibilidade analítica. O tema das manifestações

permite que se busque entender essas novas dinâmicas dos movimentos sociais da cidade.

Ao longo do trabalho, foi possível constatar que é sempre espinhoso tratar de questões

envolvendo sujeitos político-sindicais, situados em determinados momentos históricos e com

filiações ideológicas diversas. Corre-se o risco – e nesse sentido assumimos desde já nossa

parcela de responsabilidade – de se atribuir um peso maior a determinados recortes históricos

ou matrizes discursivas, desconsiderando outros. Dessa forma, ao retomar a evolução

histórica do movimento, optamos por destacar aspectos associados ao auge das manifestações,

coincidindo com o final dos anos de 1970 até os anos de 1990. Em nossa discussão, esse

momento foi realmente significativo em termos de manifestações e greves, já que apresentou

relevantes interseções envolvendo a cultura, a política e o sindicalismo, além da luta pelo

direito à cidade. Logo, tomamo-lo como um momento destacado de nossa análise. Isso não

quer dizer que consideramos esse tempo um exemplo para os outros ou que esse tempo seja

passível de se repetir em outras circunstâncias históricas. Não é o caso aqui de tecer

considerações sobre essa ou aquela diretoria do Sindicato, ou sobre esse ou aquele momento

de manifestações. É certo que determinados posicionamentos políticos, uma maior

burocratização sindical, uma situação de crise na entidade, podem interferir diretamente sobre

a propensão ou não em se manifestar.

Não poderíamos deixar de mencionar também as interseções que se abrem a partir da

temática. Tivemos a oportunidade de trazer as formulações de Lefebvre (2001b), Santos

(2002) e Arendt (1993), para que pudéssemos compreender as questões do campo da Filosofia

Política e a relação com a organização espacial da cidade. A interpretação que Arendt (1993)

nos proporciona a respeito do espaço público foi uma das contribuições mais significativas,

retomada em diversas circunstâncias nesse trabalho. A partir de sua leitura, pode-se entender a

cidade como um espaço político. Assim também são importantes as contribuições de Lefebvre

(2001b) e Santos (2002). Através desses autores, pudemos fazer as devidas considerações

sociológicas sobre o espaço, percebendo-o como um produto das relações sociais, conflituosas

e desiguais.

No estudo que ora apresentamos, cremos ter demonstrado, com base na Sociologia das

Manifestações, que há um rico campo de estudo relacionado ao tema das manifestações,

incluindo questões como trajetos, matrizes discursivas e visões de mundo, combinadas às

circunstâncias históricas, discursos e disputas sobre o espaço e no espaço. Diversas leituras

foram sugeridas, a começar pela farta produção francesa sobre as manifestações, com Favre

Page 156: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

155

(1990), Fillieule (1993), Fillieule e Pechu (1993), Tartakowsky (1990) e Tartakowsky (2004),

dentre outras análises sobre apropriação da praça pública como espaço legítimo de expressão.

Tais obras ainda são pouco mencionadas nas Ciências Sociais brasileiras, embora constituam

um suporte teórico essencial para pesquisas no terreno das ações coletivas.

Enquanto o espaço for ocupado por grupos de protesto, quanto mais diversidade

comportar, maiores serão as possibilidades de investigação. A esse respeito, lembramos que

uma das perspectivas de análise dos autores que utilizamos para este estudo é justamente as

manifestações no contexto da globalização. É precisamente naqueles movimentos de

manifestação, que alguns poderiam apontar como sintomas de uma desagregação da

sociedade ou das instituições democráticas, outros têm percebido como possibilidade de

estudo, entendendo que as novas formas sociais da manifestação apontam novos elementos,

novas demandas, fazendo com que a história se mova e confirmando a noção da democracia

como um processo que incorpora novas demandas.

Se agregarmos a dimensão da expressão – a manifestação como modo de expressão –

então o enfoque ganhará ainda novas possibilidades, sobretudo porque tal perspectiva poderá

ser apropriada como forma de se analisar as visões de mundo associadas a determinados

segmentos sociais que realizam manifestações. Elas circulam por dentro dos movimentos

sociais, constituem a educação política, o modo como as pessoas passam a perceber o Estado,

a cidade e a política. Problemas sociais, como a exploração, a exclusão social e a

discriminação podem ser vivenciados por diversos indivíduos, mas sem que se procure

resoluções coletivas. Contudo, quando esses indivíduos se encontram com outros que

partilham as mesmas agruras, isto é, quando esses resolvem aderir a movimentos que

partilhem os mesmos anseios, então esses indivíduos tomam contato com questões que

extrapolam as dimensões individuais, trazendo a dimensão da cidade, do país e do mundo. É

um aprendizado. Esse aprendizado também está associado às manifestações, quer dizer, a

expressão dos indivíduos e do grupo.

Page 157: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

156

6 REFERÊNCIAS

15 de março vou protestar na Praça. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 12, 14 mar. 1991.

1992: enfim, o sabor da vitória. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região. Especial Banco do Brasil. Belo Horizonte, 26 nov. 1992.

300 mil cristãos ouviram a mensagem do Padre Peyton. Correio de Minas, Belo Horizonte, 18 jun. 1963. p.1.

ALBERTINO diz que corta as árvores porque elas atrapalham o Progresso. Correio de Minas, Belo Horizonte, 20 nov. 1962. p.10.

ANTUNES, Ricardo. O que é sindicalismo. São Paulo: Brasiliense, 1985.

ANTUNES, Ricardo. O novo sindicalismo no Brasil. Campinas: Pontes, 1995.

APÓS 4 dias de greve bancários voltam ao trabalho. Pedem compreensão da população. Correio de Minas, Belo Horizonte, 22 set. 1963.

ARAÚJO, José Prata de. A construção do sindicalismo livre no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Lê, 1993.

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.

ATO público em BH. Notícias Bancárias, Belo Horizonte, Ano IX, n.77, 01 abr. 1979.

ATO contra o desemprego agita a Praça Sete. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 211, 19 mai. 1994.

ATO contra as emendas constitucionais do governo. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 270, 16 mar. 1995.

ATO Show Altíssimo Astral. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 314, 19 set. 1995.

ATO-SHOW pelo reajuste mensal. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 138, 27 mai. 1993a.

ATO-SHOW da CUT contra a corrupção. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, 08 nov. 1993b.

BAKTHIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1987.

BANCÁRIOS entram em greve por reformas e Ziller elogia Kruel. Correio de Minas, Belo Horizonte, 26 mai. 1963. II Caderno, p. 6.

Page 158: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

157

BANCOS fechados até solução definitiva do conflito social. Diário da Tarde, Belo Horizonte, 24 set. 1963.

BASTA Collor. Manifestação na Praça Sete com Lula. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, 12 mar. 1992.

BEGUIN, François. As máquinas inglesas do conforto. Espaço & Debates. São Paulo. n. 34, p.39-54, 1991.

BENJAMIM, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora Universidade Federal de Minas Gerais, 2006.

BETTO, Frei. Alfabetto. Autobiografia Escolar. São Paulo: Ática, 2002.

BLASS, Leila Maria da Silva. Greve dos bancários. São Paulo, 1985: As faces de um movimento. 1990. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo.

BLASS, Leila Maria da Silva. Estamos em greve! São Paulo: Hucitec, 1992.

BOLLE, Willi. O centro da cidade como personagem de ficção. Espaço & Debates. São Paulo. n. 17, p.130-137, 1986.

BOMBAS e metralhadoras nas ruas para impedir passeata ao Palácio. Correio de Minas, Belo Horizonte, 16 jun. 1962. I Caderno, p.2.

BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação. [s.l]. n. 19, p. 20-28, 2002.

BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm. Acesso em : 12 out. 2007.

BRASIL. Constituição (1937). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm. Acesso em : 12 out. 2007.

BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm. Acesso em : 12 out. 2007..

BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao67.htm. Acesso em : 12 out. 2007.

Page 159: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

158

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São Paulo: Iglu, 2001.

BRASIL: mudança prá valer o povo faz acontecer. Ecos do Grito. [s.l], n.10, jul. 2004. Disponível em < http://www.gritodosexcluidos.org/publicacoes/ecos10/> Acesso em: 23 fev. 2008.

CAMISINHA no Pirulito. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 189, 31 jan. 1994.

CAMPANHA ganha a cidade. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, 14 set. 1995.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (re) produção do espaço urbano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996.

CARLOS, Ana Fani Alessandri; DAMIANI, Amélia Luisa; SEABRA, Odette Carvalho (orgs.). O espaço no fim de século. A nova raridade. São Paulo: Contexto, 1999.

CARVALHO, Marco Eliel Santos de. A construção das identidades no espaço urbano: A Praça Sete como representação da Sociabilidade em Belo Horizonte. 2005. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.

CHAUÍ, Marilena. Prefácio. In: SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Experiências, Falas e Lutas dos Trabalhadores da Grande São Paulo (1970-80). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2003.

COMERCIÁRIOS adiam passeata porque DOPS ficou com medo de que acabasse em tumulto. Correio de Minas, Belo Horizonte, 23 mar. 1963. p.2.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO RAMO FINANCEIRO. Veja como foram as atividades de ontem em MG e no PR. Disponível em <http://www.contrafcut.org.br/Artigos.asp?CodNoticia=10320> Acesso em: 23 fev. 2008.

CRUZADA quer reunir 400 mil pessoas na Praça Raul Soares. Correio de Minas, Belo Horizonte, 31 mai. 1963. p.7.

D’AGOSTINI, Marcelo José Nunes. Marcelo José Nunes D’Agostini. Entrevista concedida ao Centro de Pesquisas Históricas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte: [s.n.], 10 jul. 2003.

DA MATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1997.

DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Para uma sociologia do dilema

Page 160: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

159

Brasileiro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990.

DAENS. Direção: Stijn Coninx. Intérpretes: Jan Decleir, Gérard Desarthe, Antje de Boeck, Johan Leysen, Michael Pas, Jappe Claes, Karel Baetens, Idwig Stephane, Brit Alen, Wim Meuwissen. Bélgica, França, Holanda, 1992. 1 vídeo-disco 2 horas e 18 minutos. Son., color.

DAHL, Robert. La democracia y sus críticos. Barcelona: Paidós, 1993.

DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997.

DE GREVE em greve. Boletim do Sindicato dos Bancários. Especial informativo dos Funcionários do Nacional, Belo Horizonte, 03 jul. 1990.

DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS ECONÔMICOS. Os efeitos da automação no sistema bancário. In: DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS ECONÔMICOS. Trabalho - reestruturação produtiva. São Paulo: Publicações DIEESE, 1984.

DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS ECONÔMICOS. Terceirização e Reestruturação produtiva ao setor bancário no Brasil. In: DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS ECONÔMICOS. Estudos setoriais / Linha Bancários. São Paulo: Publicações DIEESE, n.2, jul. 1994.

DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS ECONÔMICOS. Setor Financeiro: Conjuntura, Resultados, Remuneração e Emprego. In: DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS ECONÔMICOS. Estudos Setoriais DIEESE / Linha Bancários. São Paulo: Publicações DIEESE, jun. 2001.

DIA 22, ao meio dia, tem Ato Show contra a falta de ética e a ganância dos banqueiros e pelo atendimento de nossas reivindicações, na Praça Sete. Boletim do Sindicato dos Bancários. Especial BB, Belo Horizonte, 21 set. 1993.

DOPS proíbe alto-falante na rua, mas UMES não pára. Correio de Minas, Belo Horizonte, 19 jan. 1963a. p.2.

DOPS vai prender líderes sindicais. Correio de Minas, Belo Horizonte, 01 jun. 1963b. p.10.

ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Global, 1986.

ESTUDANTES entram em greve com prisões e quebra-quebra. Correio de Minas, Belo Horizonte, 24 abr. 1962, p.8.

EX-BANCÁRIO não apóia bancários. Correio de Minas, Belo Horizonte, 25 nov. 1962. p.10.

FARIA, Antônio. Antônio Faria (Entrevista história de vida) [1991]. Entrevista concedida a

Page 161: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

160

Michel Marie Le Ven. Programa de história Oral – Centro de Estudos Mineiros. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: [s.n.], 1999.

FARIA, Maria Auxiliadora; GROSSI, Yonne de. Souza. A Classe Operária em Belo Horizonte: 1897/1920. Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte. n. 5, p.165-213, 1982.

FARIA, Maria Auxiliadora. Belo Horizonte: espaço urbano e dominação política (uma abordagem histórica). Revista do Departamento de História. Belo Horizonte. n. 1, p.26-43, nov. 1985.

FATOS e fotos de 15 dias de Luta. Realmente CUT. Boletim informativo dos Funcionários do Real. Belo Horizonte, 10 jun. 1990.

FAVRE, Pierre. Manifester en France aujoud’hui. In: FAVRE, Pierre (org). La Manifestation. Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1990.

FILGUEIRAS, Cristina Almeida Cunha. L’Enjeu des droits sociaux au Brésil: organizations Populaires et politiques sociales. (etudes de cas à Belo Horizonte dans les anées 1979 -1988). 1992. Tese (Doutorado em sociologia) – École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris.

FILLIEULE, Olivier. Sociologie de la protestation: les formes de l'action collective dans la France contemporaine. Paris: L’Harmattan 1993. 287 páginas.

FILLIEULE, Olivier; PECHU, Cécile. Lutter ensemble: les theories de l'action collective. Paris: L'Harmattan, 1993.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir . Petrópolis – RJ: Vozes, 2002.

FOI demais! Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região Diário da greve, Belo Horizonte, n. 7, 19 set. 1991.

FREITAS, Marina Mônica. A rebelião dos pedreiros. Estudo sobre a grande greve dos operários da Construção Civil de Belo Horizonte no ano de 1979. 1993. Monografia (conclusão do curso) de Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de História, Belo Horizonte.

FUNCIONÁRIOS da Minas-Caixa em greve. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 13, 19 mar. 1991.

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro . CPDOC Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/3035_1.asp acesso em: 13 out. 2007.

GERMINAL. Direção: Claude Berri. Interpretes: Gerárd Depárdieu, Miou-Miou, Jean Carmet, Renaud, Jean-Roger Milo. Bélgica, 1993. 1 vídeo-disco 2 horas e 38 minutos. Son., color.

Page 162: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

161

GOMES, Ângela de Castro. A invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Vértice, 1988.

GONÇALVES, Moisés Augusto. Brados retumbantes. Belo Horizonte: Leiditathi, 2006.

GONÇALVES, Moisés Augusto. Brados retumbantes. Belo Horizonte: Colibri Filmes, 2007. 1 vídeo-disco (9 min). Direção Sérgio Ribeiro.

GOVERNO quer acabar com aposentadoria por tempo de serviço. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 271, 21 mar. 1995.

GRANDE ato público hoje. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 6, 18 set. 1990.

GREVE dos motoristas teve no segundo dia 35 prisões e uma passeata dissolvida. Correio de Minas, Belo Horizonte, 08 mai. 1963a. p.10.

GREVE é de 100 mil operários. Correio de Minas, Belo Horizonte, 01 jun. 1963b. Capa.

GREVE precisa de concentração. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região. Diário da greve. Belo Horizonte, n. 3, 13 set. 1990.

GREVE bancos estaduais. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região. Belo Horizonte, n.396, 27 nov. 1996a.

GREVE bancos estaduais. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região. Belo Horizonte, n.397, 05 dez. 1996b.

GROSSI, Yonne de Souza. As greves de Contagem - 1968: notas para uma revisão crítica. Cadernos Movimentos Populares Urbanos. Belo Horizonte, n.1, p.48-61, out. 1979.

GROSSI, Yonne de Souza. Mina Morro Velho. A extração do homem. Uma história de experiência operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

GROSSI, Yonne de Souza; DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Historiografia e movimento operário: o novo em questão. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, n. 65, p. 101-103, jul. 1987.

GRÜN, Roberto, Taylorismo e Fordismo no Trabalho Bancário, Agentes e cenários. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo. 2 (1), out. 1986 p. 13-27.

GUATTARI, Félix. Espaço e Poder: a criação de territórios na cidade. Espaço & Debates. São Paulo.n. 16, p.109-120, 1985.

HOBSBAWM, Eric. Rebeldes primitivos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

HOBSBAWM, Eric. Os trabalhadores. São Paulo: Brasiliense, 1981.

HOJE, Show Altíssimo Astral. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 314, 19 set. 1994.

Page 163: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

162

KATTAH, Eduardo. “Grito dos Excluídos” em MG cobra apoio do governo Lula. O Estado de São Paulo. São Paulo, 07 set. 2007. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/geral/not_ger48149,0.htm >. Acesso em: 23 fev. 2008.

LANÇAMENTO da Campanha salarial Praça Sete. Jornal dos Bancários, Belo Horizonte, 28 ago. 2007. Disponível em: <http://extranet.bancariosbh.org.br/novosite>. Acesso em: 12 out. 2007.

LE VEN, Michel Marie. Classes sociais e poder político na formação de Belo Horizonte (1893/1914). 1977. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Ciência Política, Belo Horizonte.

LE VEN, Michel Marie. Movimento operário e sindical, 1972-1985. In: POMPERMAYER, Malori J. Movimentos sociais em Minas Gerais. Emergência e Perspectivas. Belo Horizonte: Editora Universidade Federal de Minas Gerais, 1987.

LE VEN, Michel Marie. Trabalho e democracia: a experiência dos metalúrgicos mineiros. 1988. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo.

LE VEN, Michel Marie. Biografia, autobiografia, romance familiar. Belo Horizonte: UFMG, 1996. Notas de aula.

LE VEN, Michel Marie; NEVES, Magda de Almeida. Belo Horizonte: trabalho e sindicato, cidade e cidadania (1897-1990). In. DULCI, Otávio; NEVES, Magda de Almeida (orgs.). Belo Horizonte: poder, política e movimentos sociais. Belo Horizonte: C/Arte, 1996. Coleção Belo Horizonte. p. 75-106.

LEFEBVRE, Henri. De lo rural a lo urbano. Barcelona – Espanha: Ediciones Península, 1975.

LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A, 2001a.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001b.

LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.

LEFORT, Claude. A invenção democrática. Os limites da dominação totalitária. São Paulo: Brasiliense, 1987.

LEMOS, Celina Borges. Determinações do espaço urbano: a evolução econômica urbanística e simbólica no centro de Belo Horizonte. 1988. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Sociologia e Antropologia, Belo Horizonte. 2 v.

LESSA, Renato. A Teoria da democracia: balanço e perspectivas. In: PERISSINOTO, Renato, FUKS, Mário. Democracia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Curitiba-PR: Fundação Araucária, 2002.

Page 164: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

163

LÍDER denuncia DOPS. Correio de Minas, Belo Horizonte, 23 fev. 1963. Informe Sindical, p.5.

MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1998.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade. São Paulo : Hucitec, 1998.

MANIFESTAÇÃO funcionários Bradesco Praça 7. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região. Boletim específico Bradesco, Belo Horizonte, n. 2, 06 abr. 1988.

MANIFESTAÇÃO na Praça Sete dos Bancos Estaduais. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 394, 13 nov. 1996.

MARONI, Amnéris. A Estratégia da recusa. São Paulo: Brasiliense, 1982.

MARTINS, José de Souza. Democracia de aluguel. Jornal Estado de São Paulo. São Paulo, 28 jan. 2007. Caderno Aliás, p.5. Disponível em: <http://www.estado.com.br/pesquisa/arquivo/anteriores.php>. Acesso em: 22 set. 2007.

MELLO, Gilson. A Utopia tem data marcada! De novo o horizonte. Belo Horizonte: 2007. 1 vídeo-disco (15 min.).

METALÚRGICOS farão passeata para mostrar solidariedade aos operários da MAFERSA . Correio de Minas , Belo Horizonte, 03 mar. 1963. p.2.

MINAS GERAIS. Belo Horizonte: uma história em marcha. Belo Horizonte: Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 1997.

MINAS GERAIS. Armando Ziller. Belo Horizonte: Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2000.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec, 1993.

MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo. Belo Horizonte: a cidade planejada. In: MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo (coord.). Belo Horizonte: espaços em construção. Belo Horizonte: Cedeplar-UFMG/PBH, 1994.

MORÁN María Luz. Viejos y nuevos espacios para la ciudadanía: la manifestación del 15 de febrero de 2003 en Madrid. Política y Sociedad, Madrid, vol. 42, n.2, p. 95-113. 2005. Disponível em: <http://www.ucm.es/BUCM/revistas/cps/11308001/articulos/POSO0505230095A.PDF>. Acesso em: 02 fev. 2008.

MOTORISTAS revoltados com a atitude da Polícia na greve. Correio de Minas, Belo Horizonte, 09 mai. 1963. p.8.

MOURÃO, Rui. Curral dos crucificados. Belo Horizonte: Edições Tendências, 1971.

Page 165: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

164

MOURIAUX, René. Stratégies syndicales et manifestations de rue. In: FAVRE, Pierre (org). La manifestation. Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1990.

MUITA garra...e repressão na greve dos bancários. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região. Especial BB, Belo Horizonte, 20 set. 1988.

MUNFORD, Lewis. A Cidade na história. Belo Horizonte: Itatiaia, 1965.

MURILLO, Gabriel; MÁRQUEZ, Tatiana. La redefinición del Espacio Público en Bogotá: eslabonamiento conceptual y seguimiento de las políticas públicas de la última década. In. MURILLO, Gabriel e GÓMEZ, Victoria (org.). Redefinición del espacio público: eslabonamiento conceptual y seguimiento de las Políticas Públicas en Colombia. Bogotá: Ediciones Uniandes, 2005.

NEGOCIAÇÃO é hoje. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 315, 20 set. 1995.

NO PEITO e na raça, a Kombi ficou. Boletim do Sindicato dos Bancários, Belo Horizonte, n.9, 10 mai. 1988.

NOBRE, Renarde Freire. Organizações sindicais: Máquina e Militância: um estudo da experiência da militância Cutista junto ao sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e Região. 1993. 125f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Sociologia, Belo Horizonte.

NOVO perfil da Praça Sete. Estado de Minas, Belo Horizonte, 02 jun. 2003. p. 20.

O PENSADOR, Gabriel. Até quando. Intérprete: Gabriel O Pensador. In: O PENSADOR, Gabriel. Seja você mesmo (mas não seja sempre o mesmo). Rio de Janeiro: Sony-BMG, 2001. 1 CD. Faixa 02.

OFFERLÉ, Michel. Descendre dans la rue: de la « journéee » à la « Manif ». In: FAVRE, Pierre (org). La manifestation. Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1990.

OLIVEIRA, Francisco de. Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o totalitarismo neoliberal. In: OLIVEIRA, Francisco; PAOLI, Maria Célia (orgs.). Os sentidos da democracia. Políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis-RJ: Vozes; Brasília: NEDIC, 1999.

OZOUF, Mona. La fête révolutionnaire. 1789-1799. Paris: Galimard, 1988.

PANELA e bolso vazios levam trabalhadores à Praça Sete. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 200, 24 mar. 1994.

PÁRA nessa Brasil! Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região. Especial CEF - Banco do Brasil, Belo Horizonte, 01 jun. 1990.

PARALISAÇÃO 24 horas. Jornal dos Bancários, Belo Horizonte, 29 set. 2007. Disponível

Page 166: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

165

em: < http://extranet.bancariosbh.org.br/novosite>. Acesso em: 12 out. 2007.

PARAMOS! Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 240, 23 set. 1994.

PARTICIPE da Feira da Miséria. Jornal da Oposição Sindical Bancária. Belo Horizonte, n. 12, 04 set. 1986.

PASSEATA de operários alerta autoridades sobre MAFERSA. Correio de Minas, Belo Horizonte, 08 mar. 1963a. p.5.

PASSEATA dos bancários rumo ao Palácio da Liberdade. Correio de Minas, Belo Horizonte, 13 out. 1963b. p.5.

PASSEATA Alto Astral. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 308, 11 set. 1995.

PENNA, Octávio. Notas cronológicas de Belo Horizonte. 1711-1930. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1992.

PERALVA, Angelina. Levantes urbanos na França. Tempo Social. Revista de Sociologia (USP). São Paulo, v. 18, n. 1. p. 81-104, jun. 2006.

PERROT, Michele. Les Ouvriers en Grève. France, 1871-1890. Paris: Mouton, 1974.

PERROT. Michelle. Os excluídos da historia: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

PERROT. Michelle. A História feita de greves, excluídos e mulheres. Entrevista concedida a Michael Hall. Tempo Social. Revista de Sociologia (USP). São Paulo, n. 8(2), p.191-200, out. 1996.

PERUEIROS entram em confronto com PM em Minas; 30 saem feridos. Folha de São Paulo. São Paulo, 19 jul. 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u33280.shtml>. Acesso em: 08 jul. 2007.

POCHMANN, Márcio e ANTUNES, Ricardo. O novo mundo do trabalho. O trabalho no novo mundo. Entrevista concedida a Álvaro Kassab. Jornal da Unicamp. Campinas, n. 351, 09 a 15 abr. 2007.

POLÍCIA tem caminhão de CR$ 60 milhões para acabar com greve. Correio de Minas, Belo Horizonte, 11 mai. 1963. p.8.

POLÍTICA sindical do país muda em agosto. O Diário, Belo Horizonte, n. 10350, jul. 1964. II Caderno, p.5.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Graduação. Sistema de Bibliotecas. Padrão PUC Minas de normalização: normas da ABNT para apresentação de trabalhos científicos, teses, dissertações e monografias. Belo Horizonte,

Page 167: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

166

2007. Disponível em: <http://www.pucminas.br/biblioteca>. Acesso em: 01 fev. 2008.

PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Cenas de um Belo Horizonte. Belo Horizonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 1996.

PREFEITURA deixa cidade sem suas árvores e põe Nordeste no asfalto. Correio de Minas, Belo Horizonte, 20 mai. 1962. p.1, caderno I.

PREPARANDO a greve. Boletim do Sindicato dos Bancários de BH, Belo Horizonte, 20 abr. 1988.

PRESO João Vieira. Correio de Minas, Belo Horizonte, 06 jul. 1962. p.5.

PRISÃO por Fidel. Correio de Minas, Belo Horizonte, 04 jul. 1963. p.12.

PROTEGIDO pro Carnaval. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 266, 21 fev. 1995.

PROTESTO contra a carestia e contra o governo. Estado de Minas, Belo Horizonte, 12 jan. 1960.

PROTESTOS contra demissões e desmonte da CLT. Jornal dos Bancários, Belo Horizonte, n. 77, 20 dez. 2001.

QUINTA é dia de luta. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 302, 16 ago. 1995.

RUDÉ, George F. E.. A multidão na história: estudo dos movimentos populares na França e na Inglaterra 1730-1848. Rio de Janeiro: 1991. 299p.

SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Experiências, Falas e Lutas dos Trabalhadores da Grande São Paulo (1970-80). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

SADER, Eder; e PAOLI, Maria Célia. Sobre classes populares no pensamento sociológico brasileiro. In. CARDOSO, Ruth (org.). A Aventura Antropológica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

SANTOS, Ângelo Oswaldo de Araújo. Praça Sete: o coração da cidade. Belo Horizonte: Conceito, 2006.

SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

SANTOS, Milton. A Natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, Editora da Universidade de São Paulo, 2002.

SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática, 1994. v.1 (O debate Contemporâneo)

Page 168: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

167

SEEB divulga programação de manifestações. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 470, 25 ago. 1998.

SHOW pelo reajuste mensal. Jornal do Sindicato dos Bancários de BH e Região, Belo Horizonte, n. 133, 05 mai. 1993.

SIMÉANT, Johanna. La violence d'un répertoire: les sans-papiers en grève de la faim. Cultures & Conflits. Paris, n.9-10, p.315-338. 1993. Disponível em: <http:// www.conflits.org/document218.html>. Acesso em: 02 fev. 2008.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia, no dia 29 de outubro de 1935.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia Permanente, do dia 15-28 de abril de 1946.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia, no dia 10 de junho de 1951a.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia, no dia 16 de agosto de 1951b.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia Permanente, do dia 24 a 31 de agosto de 1951c.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia, no dia 26 de setembro de 1959.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia, no dia 16 de julho de 1960.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da reunião da Diretoria, no dia 12 de setembro de 1961.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da reunião da Diretoria, no dia 17 de julho de 1962a.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da reunião da Diretoria, no dia 14 de agosto de 1962b.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da reunião da Diretoria, no dia 04 de dezembro de 1962c.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia, no dia 11 de janeiro de 1963a.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da reunião da Diretoria, no dia 05 de março de 1963b.

Page 169: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

168

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da reunião da Diretoria, no dia 05 de junho de 1963c.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia Permanente, do dia 30 de agosto a 02 de setembro de 1963d.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da reunião da Diretoria, no dia 05 de novembro de 1963e.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da reunião da Diretoria, no dia 19 de fevereiro de 1964a

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da reunião da Diretoria, no dia 05 de março de 1964b.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia, no dia 08 de março de 1988.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia, no dia 05 de setembro de 1990.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da Assembléia, no dia 21 de junho de 1991.

SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO. Ata da reunião da Diretoria, no dia 06 de março de 1996.

SINDICATO vai às ruas em defesa do consumidor. Jornal dos Bancários, Belo Horizonte, n. 206, 19 dez. 2005.

SINGER, Paul. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, Ermínia (org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil Industrial. São Paulo: Alfa-ômega, 1982.

STARLING, Heloisa Murgel. Os Senhores das Gerais. Petrópolis-RJ: Vozes, 1986.

STRALEN, Terezinha Berenice de Sousa Van. Trincheira de Lutas: Ação sindical e política dos Bancários de Belo Horizonte (1932/1964). [s.l.], [s.n.], 1995.

SUBORNO na Avenida. Realmente CUT. Boletim informativo dos Funcionários do Real. Belo Horizonte, 25 jun. 1990.

TARTAKOWSKY, Danielle. La province sans Paris ou la province contre Paris? In FAVRE, Pierre (org). La manifestation. Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1990.

TARTAKOWSKY, Danielle; PIGENET, Michel. Les territories des mouvements sociaux. Les marches aux XIX et XX siècles. Le Movement Social. n. 202, janvier-mars, 2003. Les Editions de l’Atelier/Editions Ouvrières.

Page 170: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

169

TARTAKOWSKY, Danielle. La manif en éclats. Paris : La dispute, 2004.

THOMPSON, Edward P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

TRABALHADORES param BH na terra e no ar. Correio de Minas, Belo Horizonte, 06 jul. 1962. I Caderno, p.5.

VIEIRA, João Alves. João Alves Vieira. Entrevista concedida ao Centro de Pesquisas Históricas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte: [s.n.], 23 abr. 2003.

WALLERSTEIN, Immanuel. O que significa hoje ser um movimento anti-sistêmico? In: LEHER, Roberto; SETÚBAL, Mariana. Pensamento crítico e movimentos sociais. Diálogos para uma nova práxis. São Paulo: Cortez, 2005.

ZILLER, Armando. Armando Ziller. Entrevista concedida a Lucília de Almeida Neves Delgado. Centro de Pesquisas Históricas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte: [s.n.], [1991?].

Page 171: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

170

7 APÊNDICES

7.1 APÊNDICE A – Roteiro de entrevista semi-estrut urada com ativistas sindicais.

Apresentação: a entrevista versará sobre a relação pessoal com o movimento sindical e

político e sobre suas visões sobre as intervenções político-sindicais (de rua) dos bancários.

Mais precisamente, o cerne da entrevista é investigar a relação entre o sindicalismo e a

construção de um espaço público – A Praça Sete.

1. Primeiramente fale sobre você: sua formação e o início de sua militância junto ao movimento sindical e político.

2. De que forma o Sindicato contribuiu para a sua formação política?

3. Como os bancários intervinham (ou intervém) no espaço público? Fale sobre a relação do movimento sindical e o espaço público desde que você iniciou sua militância no movimento sindical. Quais são as mudanças significativas nesse momento?

4. Como eram/são as manifestações dos bancários? Elas se diferenciam de outras categorias nas suas manifestações?

5. Como se organiza (ou organizava) uma manifestação de rua? Quais eram (ou são) as dificuldades, suportes, estratégias, situações inusitadas?

6. Cite alguns momentos significativos em que os bancários estiveram presentes na Praça Sete.

7. Sobre o significado da Praça Sete nessa trajetória. O que representa (ou representava) para você a manifestação na Praça?

8. Como é (era) a interlocução com a população?

9. Você acha que as suas intervenções e outras manifestações político-culturais contribuíram para mudar as representações sobre a Praça Sete?

10. O que significava para você as intervenções de rua? O que sentia ao realizar tais atividades?

11. Como você vê hoje a utilização da Praça Sete pelo movimento sindical?

12. Com respeito à introdução de novas ferramentas de comunicação (internet, jornais e celulares), em sua opinião elas poderão substituir as manifestações dos movimentos sociais no espaço público?

13. Tendo em vista a sua atuação político-sindical, se você pudesse dar um novo nome para a Praça Sete qual nome seria? Por que?

14. Se o movimento sindical pudesse planejar a Cidade e mais especificamente as Praças e Ruas do centro, quais seriam as suas sugestões?

Page 172: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

171

7.2 APÊNDICE B – Manifestações políticas e Sindica is em Belo Horizonte

A partir das pesquisas efetuadas nos jornais, no Centro Histórico e também junto ao

Centro de Referência e Memória Sindical, foi possível ordenar um quadro em que consta os

diversos períodos históricos, a partir da fundação do Sindicato dos Bancários e as lutas

expressivas que marcaram cada período. Nesse quadro são incluídas as manifestações

ocorridas em Belo Horizonte, no período de 1932 a 2007. O quadro foi elaborado a partir de

diversas pesquisas, tais como: boletins do Sindicato dos Bancários, jornais do arquivo Público

Mineiro, pesquisa no Museu Histórico Abílio Barreto, atas de reunião da diretoria do

Sindicato, atas das assembléias, além da leitura de artigos e livros sobre o movimento

operário e manifestações de Belo Horizonte.

Manifestações no espaço público e atividades do SEEB-BH em Belo Horizonte. Período 1932-2007

ANO DATA MANIFESTAÇÕES CENTRO BH-

DIVERSOS SETORES

PRINCIPAIS ASSOCIADAS DOS

BANCÁRIOS

DESDOBRAMENTOS FONTE

1932 17/09/1932 Criação da Associação Mineira dos Bancários

(STRALEN, 1995).

1933 09/03/1933 Fundação do Sindicato dos Bancários

(STRALEN, 1995).

1933 Luta pela Jornada 6 Horas. A participação do SEEB-BH foi muito ínfima

(STRALEN, 1995).

1934 07/1934 Mobilização pela criação IAPB

Não houve greve em BH, mas muita mobilização e apoio ao pessoal do RJ e SP

(STRALEN, 1995).

1935 04/11/1935 Congresso Regional de Minas Gerais (04-07/11/1935)

Bancários oficialmente não aderiram ao Congresso.

A diretoria questionava a imprensa por ter publicado adesão do sindicato que de fato não houve.

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1935).

1935-40

Refluxo e repressão Desmobilização e retrocesso da organização sindical

(STRALEN, 1995).

1936-37

Lei Segurança Nacional

Repressão e fechamento do SEEB-BH e ausência de greves

(STRALEN, 1995).

1942 10/08/1942 Movimento reivindicando entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial

Militantes comunistas fizeram campanhas.

(CARVALHO, 2005).

1941-44

Sinais de ressurgimento da ação sindical

Novas assembléias. Diretoria inicia atuação

(STRALEN, 1995).

1944 11/1944 Movimento sindical luta contra o fascismo.

O SEEB-BH atuou nessa campanha

Comitê Pró-FEB que foi importante para dar visibilidade às novas lideranças: Armando

(STRALEN, 1995; GROSSI, 1981).

Cont.

Page 173: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

172

ANO DATA MANIFESTAÇÕES CENTRO BH-

DIVERSOS SETORES

PRINCIPAIS ASSOCIADAS DOS

BANCÁRIOS

DESDOBRAMENTOS FONTE

Ziller 1945 07/07/1945 Concentração em

frente à Escola Normal (hoje Instituto Educação). Apoio aos Pracinhas da FEB.

Imprensa cobre os preparativos. Comissões de fábrica: fixam cartazes no Centro de BH, faixas na Praça Sete.

(STRALEN, 1995).

1945-1946

Luta pela democratização, pós Guerra.

Ressurgimento do movimento sindical bancário

(GROSSI, 1981).

1946 19/01/1946 Preparativos da greve de 1946

Assembléia e passeata no Centro e Sede Jornais

(STRALEN, 1995).

1946 23/01/1946 Ocupação das ruas (redemocratização)

1ª primeira greve com participação ativa dos bancários de BH. Duração: 19 dias e foi nacional

Fundo de greve; Placar da greve na Praça Sete Apoio da população comprando bônus Juramento coletivo na rua

(STRALEN, 1995).

1946 15/04/1946 Questões políticas aparecem nas assembléias

Proposta de rompimento com o regime de Franco; luta pela autonomia sindical; Fundação de Central Sindical; apoio aos Estivadores de Santos.

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1946).

1947-1950

Perseguição e Repressão aos militantes comunistas.

Deposição dos dirigentes do PCB: 47 diretores, dentre eles Armando Ziller.

(STRALEN, 1995).

1951 10/06/1951 Campanha salarial na rua

Assembléia decide concentração dos bancários na Praça Sete no dia em que fosse encaminhada a tabela de salários ao Presidente da República

Representantes da imprensa estavam na assembléia

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1951a).

1951 17/07/1951 Eleita Nova diretoria Nova diretoria Pres. Magno Fernandes esquiva-se de temas político-partidários.

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1951b).

1951 16/08/1951 Aprovada Proposta de “Passeata monstro”

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1951b).

1951 01/09/1951 Piquetes, passeatas, shows e arrecadação de fundos.

Deflagração da greve. (26 dias de paralisação). Repressão policial. Fracasso da greve se deve à aliança com PTB e Getúlio. Erro tático e fim traumático

(STRALEN, 1995).

Cont.

Page 174: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

173

ANO DATA MANIFESTAÇÕES CENTRO BH-

DIVERSOS SETORES

PRINCIPAIS ASSOCIADAS DOS

BANCÁRIOS

DESDOBRAMENTOS FONTE

1951 10/1951 Lacuna de atuação bancária

Ausência de Atas deste período até 1955

1952 Protestos contra aumento dos Ingressos Teatro/Cinema

(PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 1996).

1954 Eleição SEEB-BH: nova diretoria composta por novos elementos: católicos e comunistas

(STRALEN, 1995).

1954 1954 Passeata dos Mineiros de Nova Lima.. Centro até Palácio da Liberdade

(LE VEN; NEVES, 1996).

1959 26/09/1959 Proposta de passeata com concentração DRT.

Discussão do direito de greve entra na pauta.

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1959).

1960 15/01/1960 “Dia de Protesto e da Omissão” – Protesto contra a carestia contra o governo.

(PROTESTO..., 1960).

1960 16/07/1960 Concentração dos bancários no centro de BH.

Assembléia aprova concentração dos bancários saindo do SEEB-BH antes da reunião com os banqueiros

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1960).

1962 15/06/1962 Passeata das “Panelas Vazias” Têxteis Centro BH - Palácio da Liberdade

SEEB-BH participou dessa manifestação

Polícia armada para dispersar a multidão

(LE VEN; NEVES, 1996; BOMBAS..., 1962).

1961 1961 Passeata dos Mineiros de Nova Lima. Rodovia Nova Lima-Centro de BH

(LE VEN; NEVES, 1996).

1961 12/09/1961 Campanha Salarial nas ruas.

Campanha Salarial 1961.

A diretoria aponta, entre os preparativos, a necessidade de “oficiar o DOPS para fazer transitar os carros com alto falantes (o “tinhoso” era o megafone do sindicato”).

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1961).

1961 17/10/1961 Ocupação do centro da cidade. Passeatas e piquetes.

Greve dos bancários (STRALEN, 1995; LE VEN; NEVES, 1996).

1962 25/04/62 Agitação de Estudantes na Praça Sete.

Houve prisões e quebra-quebras

(ESTUDANTES..., 1962).

1962 06/07/1962 Greve da CGT Os bancários não paralisam, mas manifestam-se na porta

O “Tinhoso” e o presidente do SEEB-BH, João Vieira, são

(PRESO..., 1962).

Cont.

Cont.

Page 175: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

174

ANO DATA MANIFESTAÇÕES CENTRO BH-

DIVERSOS SETORES

PRINCIPAIS ASSOCIADAS DOS

BANCÁRIOS

DESDOBRAMENTOS FONTE

dos bancos e centro. presos pelo DOPS. 1962 17/07/1962 Clima político tenso:

diretoria propõe apoio aos sindicalistas presos na Guanabara

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1962a).

1962 14/08/1962 O Diretor Alberto José dos Santos propõe a criação de comissões de propaganda, de piquetes, feminina para mobilizar a classe.

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1962b).

1962 24/11/1962 Passeata Bancária no centro

Luta pela Paridade com Banco do Brasil

(EX-BANCÁRIO..., 1962).

1962 04/12/1962 Sindicato oficializa solicitação junto do DOPS para fazer manifestação

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1962c).

1963 11/01/1963 Movimentações, piquetes

Campanha pelo 13º Salário

18-20/01/1963. (SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1962a).

1963 21/01/1963 Greve dos Banqueiros – Direita prepara o Golpe

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1963a).

1963 05/03/1963 Manifestação Mafersa Diretoria propõe participar da passeata da Mafersa com faixa de apoio

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1963b). (PASSEATA..., 1963a; METALÚRGICOS..., 1963).

1963 08/05/1963 Greve e passeata dos Motoristas

A Polícia efetuou 35 prisões e dissolveu a passeata.

(GREVE..., 1963a; MOTORISTAS..., 1963).

1963 26/05/1963 Bancários entram em greve por Reformas

(BANCÁRIOS..., 1963).

1963 11/06/1963 Cruzada do Rosário em Família – promovida pelos setores conservadores

Cerca de 300 mil pessoas se reuniram na Praça Raul Soares. Autoridades militares e civis aderiram à Cruzada.

(300..., 1963).

1963 01/06/1963 Greve nacional pelas Reformas de Base – CGT. Atividades de rua.

A diretoria propõe apoio à greve e formas de atuação.

Correio de Minas informa que greve é de 100 mil operários

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1963a; GREVE..., 1963b).

1963 04/07/1963 Comício pró Fidel Castro na Praça Sete

Ativistas que realizaram um comício relâmpago

(PRISÃO..., 1963).

Page 176: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

175

ANO DATA MANIFESTAÇÕES CENTRO BH-

DIVERSOS SETORES

PRINCIPAIS ASSOCIADAS DOS

BANCÁRIOS

DESDOBRAMENTOS FONTE

foram presos 1963 18/09/1963 Greve dos bancários (SINDICATO DOS

ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1963d; APOS..., 1963).

1963 24/09/1963 Greve dos Bancos. Bancos fecham em contra-ataque greve dos bancários.

(BANCOS..., 1963)

1963 14/10/1963 Passeata dos bancários rumo ao Palácio da Liberdade

Campanha Salarial Utilização de Archotes Acesos.

(PASSEATA..., 1963b).

1963 17/11/1963 Manifestação dos Trabalhadores Favelados

O SEEB-BH propôs apoio a esta manifestação.

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1963a).

1964 19/02/1964 Indicativo de concentração da Frente de Mobilização Popular.

SEEB-BH aprova apoio a organizações de esquerda

Apoio financeiro (CR$ 30000,00). Concentração organizada pela Frente de Mobilização Popular – Ajuda ao Congresso da JOC

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1964a).

1964 24 a 28/01/1964

Impedimento da realização do Congresso CUTAL.

Diretoria do SEEB-BH discute a participação no evento

Estava programado para BH, mas reação de grupos direitistas obrigou à transferência para DF.

(STARLING, 1986).

1964 25/02/1964 Comício pró-Reformas de Base

Repressão de grupos da Direita e da PM. Participantes são atingidos a pedradas (muitos saem feridos).

(STRALEN, 1995; STARLING, 1986).

1964 13/03/1964 Comício no RJ SEEB-BH envia delegação de bancários.

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1964b).

1964 13/05/1964 Marcha da Família com Deus pela Liberdade

Manifestação de apoio ao Regime Militar

(STARLING, 1986).

1964 30/07/1964 Intervenção Militar no SEEB-BH

Diretoria antiga sofre perseguição.

(POLÍTICA..., 1964).

1968 03/1968 Concentração operária na Secretaria de Saúde

(GROSSI, 1979).

1968 04/1968 Greve de Contagem Preparação do Comando Intersindical

(GROSSI, 1979).

1968 01/05/1968 Manifestação na Secretaria de Saúde e rua

Luta aberta entre operários, estudantes e policiais.

(GROSSI, 1979).

1968 09/1968 Greve Funcionários Crédito Real de MG.

Acabou devido à repressão interna do banco. O Sindicato sofre nova intervenção.

(STRALEN, 1995).

Page 177: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

176

ANO DATA MANIFESTAÇÕES CENTRO BH-

DIVERSOS SETORES

PRINCIPAIS ASSOCIADAS DOS

BANCÁRIOS

DESDOBRAMENTOS FONTE

1968 10/1968 Greve Mannesmann, Bancários, professoras primárias, operários da PBH, Marceneiros e Metalúrgicos.

(GROSSI, 1979).

1979 01/04/1979 Ato Público em apoio aos Metalúrgicos do ABC e Lula.

SEEB-BH fez divulgação do evento

(ATO..., 1979).

1979 1979 Passeata das Professoras Ensino Público em direção ao Palácio da Liberdade – Praça da Liberdade

Recebidas à Jato d’água pelo governador do estado.

(LE VEN; NEVES, 1996).

1979 11/06/1979 Passeata bancários do Banco Nacional pelo pagamento dos 20%

Campanha Salarial Banco Nacional

(BANCÁRIOS..., 1979).

1979 30/07 a 03/08/1979

Greve dos operários da Construção Civil

Confronto entre PM e grevistas nas ruas do centro, deixando um operário morto.

(FREITAS, 1993).

1979 16/08/1979 Manifestações dos bancários nas ruas do centro.

Greve. Prisões de bancários e afastamento do Presidente Arlindo Ramos por incitar greves (16 e 17/08/79).

(NOBRE, 1993).

1981 Eleições no Sindicato OSB concorre às eleições pela primeira vez.

(ARAÚJO, 1993).

1984 25/02/84 Comício das Diretas (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 1996).

1984 25/04/84 Manifestação pelas Diretas

Houve confrontos com a Polícia Militar

(PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 1996).

1985 Manifestação da TFP na Praça Sete

A CUT revidou com bandeiras vermelhas

(CARVALHO, 2005).

1985 11/09/1985 Passeata pelas ruas do Centro

Greve dos funcionários do nacional

Atuação da OSB. Greve abortada pela diretoria, com panfleto distribuído (Dois dias).

(NOBRE, 1993).

1986 06/09/1986 “Feira da Miséria” Praça Sete.

Campanha Salarial 1986.

A OSB distribuiu panfleto convidando os bancários a participarem.

(PARTICIPE..., 1986).

1988 13/03/1988 Greve dos funcionários da CEF

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1988).

1988 06/04/1988 Manifestação Funcionários do Bradesco na Praça Sete

Greve dos bancos privados

(MANIFESTAÇÃO..., 1988).

1988 20/04/1988 Preparando a greve dos bancários - 1988

(PREPARANDO..., 1988).

1988 05/1988 Manifestação das SEEB-BH divulgou o A Polícia Militar tentou (NO PEITO..., 1988).

Page 178: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

177

ANO DATA MANIFESTAÇÕES CENTRO BH-

DIVERSOS SETORES

PRINCIPAIS ASSOCIADAS DOS

BANCÁRIOS

DESDOBRAMENTOS FONTE

Estatais - CUT evento rebocar a Kombi. Ativistas do Sindicato e CUT impediram.

1988 15/09/1988 Dia Nacional de Luta – bancários do Banco do Brasil.

Greve dos funcionários da CEF continua

A greve foi marcada por confrontos na rua. Foram presos 05 grevistas, entre eles o Presidente do SEEB-BH.

(MUITA..., 1988).

1990 20/06/1990 Greve dos funcionários Banco Nacional (10 dias).

(DE GREVE..., 1990).

1990 20/06/1990 Greve dos funcionários do Banco Real

(FATOS..., 1990).

1990 05/09/1990 Passeata dos funcionários do Unibanco

Deflagração de Greve (SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1990).

1990 18/09/1990 Passeata. Concentração na Praça Sete.

Campanha Salarial 1990.

Convocação extensiva às famílias dos bancários.

(GRANDE..., 1990; GREVE..., 1990).

1991 15/03/1991 Protesto contra governo Collor

SEEB-BH distribuiu jornais chamando a categoria para o evento.

(15..., 1991).

1991 19/03/1991 Greve dos Funcionários. Motivo ameaça de demissões.

(FUNCIONÁRIOS..., 1991).

1991 27/06/1991 Greve (SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1991).

1991 18/09/1991 Ato público na Praça Sete

Greve dos funcionários dos Bancos Federais.

A greve é considerada a maior da CEF e BB

(FOI..., 1991).

1992 12/03/1992 Manifestação “Basta Collor”. Praça Sete – com Lula.

SEEB-BH distribuiu adesivos e panfletos

(BASTA..., 1992)

1992 29/09/1992 Ato-Festa pelo Impeachment

A proposta de adesão à campanha “Fora Collor” foi debatida na Diretoria do Sindicato

O SEEB-BH distribuiu adesivos e jornais na campanha “Fora Collor”

(1992..., 1992).

1993 05/05/1993 Show Pelo Reajuste Mensal – Praça Sete

Campanha Salarial 1993. Reposição emergencial.

(SHOW..., 1993).

1993 27/05/1993 Ato-Show Pelo Reajuste Mensal

Campanha Salarial 1993. Reposição emergencial.

(ATO-SHOW..., 1993a).

1993 21/09/1993 Ato Show contra a ganância dos banqueiros

Campanha Salarial 1993

(DIA..., 1993).

1993 08/11/1993 Ato Show contra a corrupção

SEEB-BH fez a divulgação do evento.

(ATO-SHOW..., 1993b)

1994 31/01/1994 I Campanha Carnaval Sem AIDS.

O SEEB-BH colocou uma imensa

Repercussão na imprensa. Igreja

(SOLANGE AYRES, 2007; CAMISINHA...,

Page 179: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

178

ANO DATA MANIFESTAÇÕES CENTRO BH-

DIVERSOS SETORES

PRINCIPAIS ASSOCIADAS DOS

BANCÁRIOS

DESDOBRAMENTOS FONTE

“Camisinha” no Pirulito da Praça Sete.

Católica condena essa manifestação.

1994).

1994 23/03/1994 Manifestação Dia Nacional de Luta CUT Contra Alta dos Preços

(PANELA..., 1994).

1994 19/05/1994 Ato Contra o desemprego na Praça Sete.

SEEB promove ato contra desemprego.

Cerca de 3000 pessoas participaram. Diversas entidades.

(GOVERNO..., 1995; ATO..., 1994).

1994 22/09/1994 Início da “Operação Kinderovo”

Repressão policial. Um funcionário do SEEB-BH foi ferido.

(PARAMOS!..., 1994).

1995 02/1995 II Campanha Carnaval sem AIDS

(PROTEGIDO..., 1995).

1995 16/03/1995 Ato contra emendas constitucionais de FHC

O SEEB-BH fez divulgação do evento.

(ATO..., 1995).

1995 16/08/1995 Ato-show contra a política de juros FHC

O SEEB-BH fez divulgação do evento.

(QUINTA..., 1995).

1995 28/08/1995 Manifestação “Enterro do Plano Real” – nas ruas do centro

O SEEB-BH fez divulgação do evento.

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1995).

1995 13/09/1995 Passeata “Alto Astral” Campanha Salarial 1995.

(CAMPANHA..., 1995).

1995 19/09/1995 Ato Show “Altíssimo Astral”

Campanha Salarial 1995.

(ATO..., 1995; HOJE..., 1995; NEGOCIAÇÃO..., 1995).

1995 25/10/1995 Greve bancos Federais – CEF (até 06/11/95).

JSB n. 328 26/10/1995

1996 07/03/1996 Manifestação na Praça Sete

A manifestação foi discutida na reunião de diretoria 06/03/1996.

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO, 1996).

1996 13/11/1996 Manifestação Praça Sete

Funcionários dos bancos estaduais reivindicam cumprimento de acordo

(MANIFESTAÇÃO..., 1996)

1996 27/11/1996 Greve dos funcionários dos bancos estaduais mineiros.

(GREVE..., 1996a)

1996 05/12/1996 Realização de carreata nas ruas do centro

Funcionários dos bancos estaduais mineiros entram em greve por tempo indeterminado.

(GREVE..., 1996b)

1998 25/08/1998 Manifestações conjuntas com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). em diversos bancos.

25/08: Bradesco; 26/08: Banco Central; 27/08: CEF; 28/08: Dia do Bancário; 01/09: Itaú: 04/09: BB.

(SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE E REGIÃO..., 1998).

Page 180: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

179

ANO DATA MANIFESTAÇÕES CENTRO BH-

DIVERSOS SETORES

PRINCIPAIS ASSOCIADAS DOS

BANCÁRIOS

DESDOBRAMENTOS FONTE

2001 20/07/2001 Protesto dos Perueiros na Praça Sete

31 feridos, 69 prisões e 141 remoções de veículos irregulares.

(PERUEIROS..., 2001).

2001 20/12/2001 Protestos contra demissões e desmonte da CLT

O SEEB-BH fez a divulgação do evento.

(PROTESTOS..., 2001)

2004 07/09/2004 10º Grito dos Excluídos Praça da Liberdade

(BRASIL..., 2004).

2005 13/12/2005 Campanha Defesa do Consumidor – Praça Sete.

Campanha do SEEB-BH busca medidas para a que os bancos obedeçam ao Código de Defesa do Consumidor.

(SINDICATO..., 2005).

2007 24/05/2007 Centrais sindicais fazem ato contra Emenda 3

O Sindicato dos Bancários integrou-se a esta manifestação.

(CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO RAMO FINANCEIRO, 2007).

2007 28/08/2007 Lançamento da Campanha Salarial Praça Sete – Praça Sete.

Comemoração do Dia do Bancário

(LANÇAMENTO..., 2007).

2007 07/09/2007 Grito dos Excluídos (KATTAH..., 2007). 2007 28/09/2007 Passeatas Praça Sete e

ruas do Centro. Paralisação 24 horas (PARALISAÇÃO...,

2007).

QUADRO 1 Manifestações no espaço público e atividades do SEEB-BH em Belo Horizonte. Período 1932-2007 Fonte: Dados da pesquisa, 2007

Page 181: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

180

8 ANEXOS

8.1 ANEXO A – Carta do Bispo Dom Serafim ao Sindic ato dos Bancários

Page 182: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

181

Fonte: Arquivo do CRMS - SEEB-BH.

Page 183: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

182

8.2 ANEXO B – Resposta do Sindicato à carta do Bis po

Page 184: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

183

Page 185: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

184

Fonte: Arquivo do CRMS- SEEB-BH.

Page 186: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

185

8.3 ANEXO C – Alvará de circulação de carro de som

Fonte: Arquivo do CRMS- SEEB-BH.

Page 187: ESTRATÉGIAS DE RUA: manifestações político-sindicais do ... · iii Fabiano Rosa de Magalhães Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários

186

8.4 ANEXO D – Solicitação de licença para som no c hão

Fonte: Arquivo do CRMS- SEEB-BH.