a progressão continuada no sistema de ciclos - a atuação e a formação do professor
Escola em tempos de Progressão Continuada: percepção dos ... · identificar as representações...
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Escola em tempos de Progressão Continuada: percepção dos alunos sobre a avaliação que não reprova
Aluna: Sarah Martins Lopes
Programa: Institucional FEUSP (sem bolsa)
Orientadora: Profª Drª Rita de Cássia Gallego
Resumo
Este relatório apresenta os resultados da pesquisa inserida no Programa de Iniciação
Científica da FEUSP e buscou compreender as percepções que os alunos matriculados
no último ano do Ensino Fundamental, os quais estudaram sempre sob o regime da
Progressão Continuada, apresentam sobre o sentido das avaliações em sua formação e
trajetória escolar bem como as maneiras como percebem os elementos da tradição e os
imperativos de mudança colocados à escola na atualidade. A coleta de dados de uma
escola paulista, com base em documentos como Projeto Pedagógico, atas de reuniões
do Conselho, reunião de pais e mestres, observações realizadas pela pesquisadora do
cotidiano escolar e, por fim, a conversa com alguns alunos concluintes do Ensino
Fundamental constituiu material para análise dos aspectos elegidos à luz do referencial
teórico selecionado. Esta pesquisa integra-se a um projeto maior intitulado Tradições e
imperativos de mudanças na cultura escolar no contexto da Progressão Continuada: um
estudo acerca da organização do tempo de ensinar e aprender sob a perspectiva de
alunos do Ensino Fundamental II, coordenado pela Profa. Dra. Rita de Cassia Gallego
que trata, dentre outras temáticas, da tensão entre os imperativos de mudanças e as
tradições. Com base nas discussões colocadas por Perrenoud, sobre o ofício de aluno, e
nas considerações desse mesmo autor a respeito da Avaliação além dos conceitos de
habitus, ethos trazidos por Bourdieu dentre outros autores lidos, no decorrer da
pesquisa, foram feitas análises que apontam para a maneira peculiar como os jovens
ouvidos encaram a avaliação, ora atribuindo-lhe o status de legitimadora do saber ora
colocando essa mesma tradição em xeque. Esta pesquisa colabora com as discussões
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já iniciadas a respeito da avaliação dentro da perspectiva da Progressão Continuada,
mediante a ênfase nas representações dos alunos.
Palavras-Chave: Progressão Continuada, Avaliação, Perspectiva do Aluno.
1. Introdução
Com a inquietação de saber como os alunos estão vivenciando a escola com
proposta de Progressão Continuada, foi iniciada a pesquisa que aqui se apresenta.
Tendo em vista que uma das práticas postas em xeque por essa política foi a que se
refere às maneiras de avaliar e os usos destinados aos resultados aferidos, o foco
voltou-se para essa dimensão. A escola é a paulista de nível fundamental, os sujeitos
são os que estudaram sempre na mesma instituição, tendo esta adotado o regime de
Progressão Continuada desde o início da escolarização desses indivíduos.
Tem-se, nesse caso, sujeitos que já ingressaram numa escola com
Progressão Continuada e desses intentou-se saber como percebem a avaliação que não
reprova, ou seja, a avaliação que não é mais sinônimo de prova e de uso anual para
balizar a passagem de um ano para outro do Ensino Fundamental. O que é feito com as
avaliações realizadas fora do ano em que ocorrem as reprovações? Que representações
os alunos têm das avaliações que acontecem nesses anos em que podem ser
reprovados? E nos demais? Conhecem essa diferença? Como a percebem? O projeto
desenvolvido integra-se a um projeto maior intitulado Tradições e imperativos de
mudanças na cultura escolar no contexto da Progressão Continuada: um estudo acerca
da organização do tempo de ensinar e aprender sob a perspectiva de alunos do Ensino
Fundamental II, coordenado pela Profa. Dra. Rita de Cassia Gallego, no qual é dado
destaque aos elementos que perpassam a escola moderna e são marcados pela
tradição e pelos imperativos de mudança. Abordar a avaliação dentro da proposta de
Progressão Continuada, a partir desse enfoque, foi um dos objetivos dessa pesquisa.
Para entender esses fenômenos, recorreu-se aos escritos de Perrenoud (1995,
1999) utilizando-se, principalmente, duas obras suas: Avaliação: da excelência à
regulação das aprendizagens - entre duas lógicas; e Ofício de aluno e sentido do
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trabalho escolar, além das considerações de Meirieu (1998) sobre a aprendizagem
presentes em Aprender, sim... mas como? Apesar de destacar essas três obras para
balizar as reflexões, com certeza, outras ancoraram as análises aqui apresentadas e,
entre essas, cabe destaque às noções de capital cultural, ethos e habitus, essas
concebidas por Bourdieu e utilizadas na pesquisa realizada para auxiliar na percepção
das ações e escolhas dos sujeitos.
Esses escritos e outros selecionados ao longo do projeto têm por finalidade
embasar as reflexões sobre os aspectos colocados em destaque na pesquisa, quais
sejam: analisar as percepções de alunos que cursaram o Ensino Fundamental, em
escolas públicas de regime de Progressão Continuada, sobre as práticas de avaliação;
identificar as representações de alunos no final do Ensino Fundamental sobre a
passagem para o Ensino Médio, no que diz respeito à possível reprovação anual; buscar
elementos que subsidiem reflexão sobre os usos da avaliação em configurações
escolares diversas no que concerne ao tempo de ensinar-aprender.
2. Metodologia
Tendo em vista os objetivos propostos, realizou-se, primeiramente, uma
pesquisa bibliográfica, quando se buscou trabalhos e publicações que tratavam do tema
proposto, e um breve mapeamento de como esse era abordado. Nesse processo,
confirmou-se que buscar as representações de alunos sobre a Progressão Continuada
poderia enriquecer a abordagem do tema e também que essa perspectiva de análise
não é tão recorrente. Desse modo, mostrou-se apropriada a metodologia eleita já no
projeto de pesquisa, que culminava com a entrevista com os alunos que, então, falariam
sobre suas percepções a respeito da avaliação numa proposta de Progressão
Continuada.
Após o levantamento bibliográfico e, depois, concomitante a ele, foi selecionada
uma escola estadual paulista que atendia o Ensino Fundamental no período diurno e
adotava a Progressão Continuada há, pelo menos, oito anos. Nessa escola, foram
levantados os documentos como histórico dos alunos, atas das Reuniões do Conselho
de Classe, das reuniões com pais e alunos, Projeto Pedagógico, Regimento Escolar e
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demais registros da dinâmica escolar. Depois desse levantamento, foram escolhidos
alguns alunos que estavam no último ano do Ensino Fundamental e estudaram sempre
nessa escola. Para seleção desses alunos, foram observados alguns critérios: primeiro,
terem estudado sempre na mesma escola; depois, estarem no último ano do Ensino
Fundamental.
A partir desses dois critérios, considerando que a lista de possíveis entrevistados
ficou extensa, foi levantado o histórico escolar dos alunos dessa lista e, a partir dos
dados trazidos nesse documento, foram destacadas algumas trajetórias que tinham
referências, as quais poderiam enriquecer a pesquisa. Os perfis levantados foram:
alunos com trajetória de sucesso escolar, entendido sucesso como não reprovações,
sem registros de ocorrências disciplinares e conceitos próximos ao máximo, sempre.
Depois, os alunos que não foram reprovados no percurso, porém apresentavam
trajetórias marcadas por aprovação pelo Conselho de Classe, conceitos baixos e/ou
ocorrências disciplinares. E, por fim, os alunos que foram retidos uma ou mais vezes
durante o Ensino Fundamental. Levantados esses perfis em discussão com a
orientadora e à luz da bibliografia levantada, foram escolhidos os sujeitos que seriam
entrevistados.
As entrevistas foram elaboradas a partir de dois eixos: primeiro, um que
apareceu em todas as entrevistas e que buscava fazer uma breve caracterização do
aluno e levantar suas percepções de alguns aspectos centrais da pesquisa, tais como
conhecimento sobre as regras da Progressão Continuada, o final dos ciclos e suas
implicações, representações sobre avaliação entre outros; o segundo eixo foi traçado a
partir do percurso levantado no histórico do aluno, desse modo, aos alunos ou a um
aluno que frequentou o reforço foi perguntado sobre as implicações dessa “ajuda” para
sua aprendizagem e as percepções que têm desse espaço; de outro que foi retido,
buscou-se saber quais memórias essa situação evoca e de que maneira foi vivenciada e
ajudou ou não em sua aprendizagem nos anos seguintes, por exemplo.
Terminada a entrevista, acontecia a transcrição da mesma e posterior
levantamento de categorias, tais como conhecimentos sobre a Progressão Continuada;
avaliação; percepções sobre provas e atividades avaliativas; conflitos entre tradição e
mudança; maneiras de viver a escolarização frente a esses possíveis conflitos
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identificados por eles, entre outros que, abordando o tema pesquisado, poderiam
enriquecer a reflexão. Algumas dessas categorias apareciam em todas as entrevistas,
outras apenas em algumas conversas. A partir dessa trajetória, foram elaboradas as
considerações apresentadas nesta escrita.
3. Promoção automática, ciclos e Progressão Continuada: um breve histórico.
Para entender como a Progressão Continuada, da qual se tratará neste relatório,
colocou imperativos de mudança à organização escolar, é proveitoso resgatar um pouco
de como se constituiu o sistema escolar e também trazer à memória as políticas que
serviram de escopo para que fosse instituída a Progressão Continuada tal como se vê
na escola de hoje. Apesar de estar entranhada na sociedade atual, a escola não é um
dado natural, mas uma construção histórica. Em sua tese, Rita de Cássia Gallego
retoma um pouco desse processo:
Gradativamente, a escola tornou-se o lugar legítimo para educar as crianças e, ao ordenar as atividades docentes e discentes, delimitou como se deve aprender e o quanto se deve saber, pois determina o número de horas a ser dedicado a cada disciplina e o momento do processo de escolarização em que se deve ter acesso a determinados conhecimentos, evidenciados por meio de avaliações. (GALLEGO, 2008 p. 18)
Lugar legítimo para adquirir o conhecimento, grade de disciplinas,
conhecimentos agrupados por série e bimestres, séries correspondentes à idade
cronológica, metodologias de ensino, número de horas de frequência à escola e dentro
dessa, a carga horária de cada disciplina e maneiras de avaliar são algumas das
características da escola graduada. Na referida pesquisa, a autora desmistifica a
“naturalidade” que essas construções possam aparentar, atualmente, e é nesse viés de
construção que se quer inserir as maneiras consagradas pela escola de avaliar seus
alunos.
A avaliação colocada pela Progressão Continuada dialoga diretamente com uma
maneira particular de organização escolar que é a seriação. Em linhas gerais, pode-se
dizer desse modelo que a escola era tida como representante de um saber que deveria
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ser adquirido por todos os alunos e, por meio de uma seleção anual, aqueles que
obtinham sucesso passavam para a próxima etapa enquanto que os tidos como mal
sucedidos nessa aquisição repetiam a mesma série no ano seguinte. Uma vez que os
conteúdos, metodologia de ensino e maneira de avaliar permaneciam quase inalterados,
não era incomum a multirepetência (vários anos repetindo a mesma série) seguida pela
evasão (abandono) escolar. Dessa forma, a escola pública acabava por não atender à
maioria da população, uma vez que os que ingressavam nem sempre tinham sucesso na
progressão para as séries seguintes, a repetência nos anos iniciais era altíssima. Nesse
contexto de exclusão das populações de baixa renda, as propostas de mudanças se
inserem.
Apesar de alguns autores apontarem 19201 como o período em que ocorreram
as primeiras tentativas de subverter a lógica da seriação, para os objetivos desta
pesquisa, serão trazidas as propostas que aconteceram no estado de São Paulo a partir
da década de 1980 – uma vez que essas dialogam mais com as características da
escola atual e ainda considerando que, até a década de 1980, as políticas de não
retenção ainda não eram uma realidade, como se pode apreender das estatísticas
apresentadas sobre as retenções nos anos iniciais. Outro dado que leva a esse recorte é
tanto o breve perfil que se quer aqui apresentar quanto o fato de que a escola de massa
consolidou-se apenas nos anos finais do século XX.
Na escola “para todos” é que se apresenta com mais forças as políticas de ciclos
na educação. Os ciclos têm a ver com a intenção de regularizar o fluxo de alunos ao
longo da escolarização, a fim de assegurar que todos possam cumprir os anos de
estudo previstos para o ensino obrigatório, sem interrupções e retenções que
inviabilizem a aprendizagem efetiva e uma educação de qualidade. “Eles têm recebido
denominações diversas, estando, em certa medida, associados a propostas de
promoção automática, avanços progressivos, progressão continuada”. (BARRETTO,
SOUSA, 2004 p. 33).
1 Em 1920, a defesa do professor Sampaio Dória da adoção de promoção automática no ensino primário paulista, com o objetivo de ampliar o atendimento escolar aos ingressantes, e a proposta de promoção em massa, do então diretor-geral do ensino, Oscar Thompson. (JACOMINI, 2004 p. 404).
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Nesse sentido, cabe citar a adoção do Ciclo Básico de Alfabetização (CBA) em
1983–1984 no estado de São Paulo e, nos anos seguintes, em outros estados
brasileiros. Esse pretendia enfrentar uns dos mais sérios problemas da escola pública
brasileira: a reprovação escolar, especialmente nas séries iniciais. O CBA foi implantado
em São Paulo no período de abertura democrática, no governo de Franco Montoro,
eleito governador após quase vinte anos de ditadura militar. Nessa política, não
acontecia a reprovação da primeira para a segunda série.
No município de São Paulo, a implementação dos ciclos no Ensino Fundamental
ocorreu em 1992 e abrangeu todas as escolas municipais. Era a primeira vez, desde as
iniciativas estaduais de introdução dos ciclos de alfabetização citados anteriormente,
que se propunha a sua extensão para o ensino fundamental como um todo. Além disso,
a implantação dos ciclos deveria ser imediata e não gradual. Também foram
sistematizados princípios de um novo modelo; nesse, a avaliação era assim configurada:
necessidade de a avaliação se constituir em atividade contínua e qualitativa, cujos resultados deveriam ser registrados em relatórios semestrais e discutidos com os alunos e seus responsáveis. Os registros síntese do desempenho escolar passaram de notas para conceitos. Foi prevista a possibilidade de reprovação do aluno ao final de cada ciclo e, neste caso, deveria o aluno refazer o último ano do ciclo correspondente. (BARRETTO, SOUSA, 2004 p. 39).
Nesse cenário de abertura e consolidação da escola “para todos” (no tocante à
matrícula), em 1996 é promulgada a lei 5692 que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB). De acordo com seu artigo 23,
Os sistemas de ensino podem organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
Na referida LDB, foi consagrado o princípio da diversificação de organizar o
percurso escolar e, em 1998, é implantada a progressão continuada na rede estadual
paulista. O regime de progressão continuada e a organização do ensino fundamental em
dois ciclos (Ciclo I – os quatro primeiros anos e Ciclo II – os quatro últimos anos) foram
instituídos pela Resolução SE n. 4/98, publicada no Diário Oficial do Estado de São
Paulo, em 15 de janeiro de 1998. Os ciclos e a progressão continuada foram parte de
uma reforma mais ampla realizada na gestão do ex-governador Mário Covas. A reforma
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visava a otimização de recursos e uma reestruturação da rede, tanto no plano dos
órgãos mais centrais – como as antigas delegacias de ensino, reestruturadas em
Delegacias Regionais de Ensino – quanto no plano das escolas, reestruturadas em
escolas que atendem crianças do primeiro ciclo do ensino fundamental (da 1ª a 4ª série
do antigo sistema, agora do 1º ao 5º ano) e escolas que atendem o segundo ciclo (da 5ª
a 8ª série do antigo sistema, agora 6º ao 9º ano).
Essa escola organizada em dois ciclos no Ensino Fundamental é o cenário para
esta pesquisa empreendida. Dos alunos que ingressaram numa instituição com as
características postas por essa política, é que se quer saber quais representações
construíram e como vivem seu ofício de aluno em geral e particularmente no que se
refere à avaliação.
Busca-se a voz dos alunos, ainda que outros agentes estejam envolvidos,
porque se percebe que esses falarão a partir do lugar privilegiado de quem vive o
resultado dos embates que, porventura, se dão entre a legislação e os profissionais
encarregados de aplicá-la. Além disso, se quer apreender em que medida as
representações de escola, pautadas nas tradições, interferem nas dificuldades de
ressignificar as práticas escolares bem como de que maneira os diferentes atores
educacionais percebem as mudanças temporais preconizadas pela Progressão
Continuada.
4. Visita e coleta de dados em uma escola com Progressão Continuada
Em outubro de 2011, foi iniciado o trabalho numa escola estadual paulista que
atendia aos critérios apontados no projeto de pesquisa, quais sejam: possuir turmas de
primeira a oitava série do Ensino Fundamental em turno diurno, trabalhar com a
Progressão Continuada e estar localizada na capital ou próximo a ela.
Situada no centro de uma cidade da região metropolitana, tomando a área de
um quarteirão e rodeada de prédios e avenidas movimentadas, a escola onde foi
realizado o trabalho de campo atende o Ensino Fundamental e Médio. Na entrada,
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possui uma lista enorme de panfletos oferecendo serviços de transporte escolar, dando
indício a uma das características mais adiante confirmada: a escola atende não apenas
alunos do entorno, mas também de bairros mais afastados.
É interessante trazer aqui à memória uma impressão dessa primeira visita.
Estando no último bimestre do ano letivo, a agitação dos estudantes foi notória.
Pequenos grupos de alunos rindo alto, jogando, ensaiando passos de dança (estava
próximo um festival em que os alunos apresentariam seus talentos) e outros
uniformizados suados ou ansiosos (estava tendo, nessa época, também um campeonato
interclasses). Pessoas indo e vindo, professores, funcionários e gestores numa
sucessão interminável de tarefas e afazeres. A partir dos objetivos propostos no projeto,
o foco foi notar como, dentro dessa multiplicidade de vivências, a questão da avaliação
está sendo considerada, tendo-se presente que o regime é de Progressão Continuada.
Nas primeiras visitas, procedeu-se à análise dos documentos oficiais da
instituição: Plano de Gestão, Regimento Escolar, alguns relatórios internos que tratavam
da avaliação anual da unidade pelos professores, registros de conversas com os
responsáveis pelos alunos, por exemplo e também, de nível estadual, algumas
anotações sobre discussões que ocorreram na Diretoria Regional de Ensino além de
atas dos Conselhos de Classe. Nesse sentido, cabe acrescentar que, apesar da escola
ser antiga e atender em média dois mil alunos por ano, não é abundante o material que
possui com o registro de sua trajetória. No entanto, a oportunidade de circular com a
coordenadora pela escola em todas as visitas feitas além da participação nas reuniões
de Conselho de Classe possibilitou, no julgamento aqui feito, farto material para
entender o aspecto elegido, qual seja: a avaliação num sistema de Progressão
Continuada.
Enquanto os documentos eram analisados, foram presenciados momentos em
que a coordenação era chamada à sala de aula pelo professor para solucionar algum
problema, entrevistas com pais de alunos para tratar de mau comportamento ou
dificuldades de aprendizagem, reunião com os professores para discutir assuntos
rotineiros da escola, aplicação da prova do Sistema de Avaliação e Rendimento Escolar
de São Paulo (SARESP), antecedida pela aplicação de um simulado desta. Num último
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momento, presenciou-se também o dia em que foram dados os resultados finais para os
alunos.
5. Avaliação nas perspectivas da escola: tradição e mudança
O subtítulo acima é mesmo com o propósito de colocar em evidência a maneira
como diferentes e até contraditórias concepções surgem quando se olha mais
atentamente para uma instituição complexa como a escola. De um lado, a tradição
representada pelas maneiras cristalizadas de ensinar, aprender e avaliar; de outro, as
mudanças colocadas pela Progressão Continuada. A escola, então, coloca a circular
práticas que ora referem-se à tradição ora à mudança.
Parte-se do pressuposto de que as concepções com as quais a escola opera,
ainda que não explicitadas ou sistematizadas, são postas a circular, alimentando as
práticas, as tomadas de decisão e subsidiando diariamente o funcionamento de toda a
instituição. Como discorre Bourdieu, no texto As categorias do juízo professoral, “(...) O
conhecimento prático é uma operação prática de construção que aciona, por referência
a funções práticas, sistemas de classificação (taxinomias) que organizam a percepção e
a apreciação, e estruturam a prática”. (p. 187). Nas visitas à escola, em muitas ocasiões,
foram vistas situações em que esse conhecimento prático (algumas vezes não
explicitado) organizava a prática.
No artigo 39 do Regimento Escolar, aparece que “a avaliação do processo de
ensino e de aprendizagem será realizada de forma contínua, cumulativa e sistemática”,
tendo como um dos objetivos “possibilitar que o aluno autoavalie sua aprendizagem”.
Aos alunos que porventura possam ter dificuldades de aprender, é assegurado
“atividades de reforço e recuperação” garantindo-se dessa forma “novas e diversificadas
oportunidades para a construção do conhecimento e o desenvolvimento de habilidades
básicas”, ainda de acordo com o Regimento Escolar. Como prevê a legislação, há
também o Conselho de Classe em que os alunos são avaliados pelo conjunto dos
professores e tem como parâmetro o ponto de partida individual. Outro dado é que os
professores são orientados a sempre avaliarem em base em, pelo menos, três diferentes
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instrumentos e nunca apenas por meio de avaliações escritas e individuais, o que
mostrou ser acatado pelos professores.
É recorrente na fala de pais e até mesmo de professores que a escola, quando
deixou de reprovar em massa, passou a ser menos respeitada. Sendo do professor,
segundo esse raciocínio, tirada a autoridade que antes a possibilidade de reprovar lhe
dava. Se considerados apenas esses argumentos, poderia ser pensado que todas as
escolas transformaram-se em “zonas de conflito”, onde os professores querem sempre
ensinar, porém ficam tolhidos pelos alunos que estão sempre desinteressados e
desrespeitosos por saberem que não serão retidos. Claro que aqui se desenha uma
situação caricata, com isso quer-se colocar em evidência a distância entre um discurso
generalizador e simplista em contraposição à complexidade das escolas que, ainda sem
o seu “grande poder de controle que era a reprovação”, continuam a manter (alguma)
legitimidade.
Nessa escola em particular, há um convívio cordial entre os alunos, e desses
com os professores. Mais de uma vez, foi acompanhada a ida da coordenadora à sala
de aula a pedido dos professores para conversar com os alunos; também as solicitações
para os pais comparecerem à escola para tratar sobre o comportamento e
aprendizagem dos alunos eram sempre muito presentes. À medida que se ia às visitas,
na escola, percebiam-se vários instrumentos que esta lança mão para “disciplinar” os
estudantes.
Um desses instrumentos é a Ficha Disciplinar onde são elencados alguns
comportamentos não aceitos, como: chegar atrasado à aula, após o intervalo ou na
entrada; Indisciplina em aula, atrapalhando a aula; aluno brigando com outros dentro ou
fora da sala de aula; aluno desacatando o professor dentro ou fora da sala de aula;
atrapalhando a aula com excessivas conversas e ou posturas inadequadas, dentre
outras. Quando o aluno tem algum comportamento não aceito, o professor ou inspetor
anota na ficha disciplinar o que houve e, abaixo, o aluno assina. Depois de três
ocorrências, a família do aluno é chamada a comparecer para ser comunicada do mau
comportamento; caso este persista, o aluno pode até ser suspenso.
Além da Ficha Disciplinar, que é preenchida durante o ano letivo, há também um
formulário que os pais ou responsáveis dos alunos que apresentaram maus
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comportamentos assinam quando renovam a matrícula. Nessa Ficha Disciplinar,
comprometem-se a acompanhar e cobrar melhores comportamentos dos filhos e a estar
mais presentes na escola quando solicitados. Segundo a coordenadora, essa ficha não
é simplesmente assinada, mas no dia da assinatura acontece uma reunião com os
responsáveis em que são lidas todas as observações que o aluno teve em sua Ficha
Disciplinar. Em casos extremos, a escola chega a transferir os alunos por meio de um
sistema denominado pela escola de “dança das cadeiras”, que consiste num acordo
entre duas ou mais instituições em trocar os alunos mais “problemáticos” entre si; nesse
julgamento, predominam as atitudes mais que os conhecimentos, e é um julgamento
referendado pelo Conselho de Escola.
Como presenciado e, mais tarde, falado pela coordenadora, toda essa
“estrutura” demanda tempo e gasto de energia dada a proporção da escola (mais de
dois mil alunos) e a seriedade como a escola encara esses “mecanismos de controle”.
Poderia ser imputado a esses instrumentos o bom andamento da escola, a aparente
ordem que impera no convívio dessa unidade? Há também mecanismos menos voltados
ao controle do comportamento, como os exames externos e também um ranking dos dez
melhores alunos de cada turno que é fixado na parede do corredor da escola.
Mobilização maior que o citado ranking acontece quando da época dos exames
externos como o SARESP. Antes da aplicação da prova, a escola promove um simulado
para todas as turmas que estão no final dos ciclos, os acertos dos alunos são
computados como pontos em sua média final do bimestre. Antes, os professores fazem
um esforço para conscientizar os alunos da importância da prova bem como do
empenho em responder todos os itens, tanto do simulado quanto da prova oficial.
Depois, corrigem as provas comentando cada uma das questões.
Nessa escola, acontece a divulgação de oportunidades de bolsa em escolas
particulares, datas de vestibulinhos das escolas técnicas e dos vestibulares para os
concluintes do Ensino Médio. Toda essa divulgação é acompanhada de uma celebração
do bom comportamento, da importância do esforço em estudar e aprender. Percebe-se
que, em certa medida, há um esforço em premiar os alunos que têm destaque durante
os anos de escolarização, chegando mesmo a acontecer uma cena que corrobora essa
impressão. Aconteceu de um coordenador de curso de idiomas pedir à escola que
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indicasse certo número de alunos a quem seriam oferecidas bolsas de quase cem por
cento. Nessa ocasião, a coordenadora passou nas salas e chamou à frente os alunos a
quem seriam dados os cupons, aproveitando para enfatizar que aquele era o momento
da escola reconhecer os alunos que sempre se empenharam nos estudos.
Após diversas situações cotidianas do funcionamento dessa unidade escolar, vai
aproximando-se o fim do ano letivo de 2011 e, então, chega a data da última Reunião do
Conselho de Classe do ano quando será decidido a promoção ou retenção dos alunos.
As reuniões de Conselho de Classe acontecem ao final de cada bimestre e é um
“colegiado responsável pelo processo coletivo de acompanhamento e avaliação do
ensino e da aprendizagem”, de acordo com o Regimento Escolar dessa unidade em que
foi realizada a coleta de dados.
Graças à boa acolhida da escola, também foi possível que se participasse desse
momento; do que foi observado, alguns eventos merecem relato. Um aluno foi apontado
pelo professor de matemática como tendo muita dificuldade, opinião essa chancelada
pelos demais professores. Depois de cada um discorrer sobre esse aluno e apontar suas
lacunas, o professor de matemática encerrou a discussão com a seguinte fala “esse daí
não tem mais jeito, o jeito é mandar para frente”, o que teve novamente a concordância
dos demais professores, sendo decidido que o referido aluno seria promovido pelo
Conselho. Nesse caso, é possível perceber concepções de ensino, aprendizagem e
avaliação, ainda que essas não se encontrem escritas em documentos oficiais da
escola. Identificar como o aluno vive sua escolarização em meio a realidades forjadas a
partir dessa dinâmica é o que moveu esta pesquisa realizada.
Em outra reunião de Conselho, um professor de história havia dado a um aluno
uma nota inferior à média da escola. Quando o professor anunciou a nota, foi
abertamente repreendido pelos colegas que alegaram que não adiantava dar notas
abaixo da média para alunos que estavam na sétima série, pois isso apenas gerava
mais trabalho, uma vez que se fazia necessário elaborar um relatório justificando o
motivo de o aluno ter sido aprovado pelo Conselho. Isso porque, num sistema de
Progressão Continuada, os alunos dificilmente ficam retidos na sétima série, mas, se o
aluno tiver uma nota abaixo da média e for aprovado pelo Conselho, a escola deve
apresentar um relatório do que foi feito para melhorar o rendimento do aluno e do quanto
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essa ação foi eficaz ou não. A percepção foi a de que a atitude do professor de dar uma
nota abaixo da média foi reprovada pela maioria dos colegas, uma vez que já pareceu
ser consenso (ainda que implicitamente) que alunos fora dos anos de final de ciclo não
podem ter notas abaixo da média. Em nenhum momento foi discutido o que fazer para
recuperar os conhecimentos supostamente não dominados; sobre esse aspecto nada foi
dito, nem quanto a aquele aluno em especial ou a qualquer outro.
Ainda nas reuniões de Conselho, foi tomado conhecimento de algo colocado
pela nova política educacional da Progressão Continuada: o quinto conceito.
Tradicionalmente, a escola constituiu a avaliação anual dividida em bimestres, sendo em
cada um deles atribuída uma nota ao aluno e, no final do ano letivo, calculada uma
média dessas quatro notas bimestrais. O quinto conceito consiste na mudança dessa
tradição, melhor explicando: o aluno continua tendo notas bimestrais, porém, ao final do
ano, não é calculada mais a média dessas notas, mas cada professor atribui uma nota
final baseada no desempenho anual do aluno, esse é o quinto conceito. Desse modo, a
decisão de reprovar ou não o aluno é indicada pela nota que ele recebe no quinto
conceito. Como mais tarde foi verificado, nenhum dos alunos ouvidos conhece esse
quinto conceito, apesar de em algumas falas relatarem que o professor avalia o
desempenho do aluno e valoriza quando esse melhora ao longo do ano. Um aluno
chega a dizer textualmente: “se a pessoa se esforçar no último bimestre é aprovada” –
as possíveis percepções dos alunos sobre a avaliação escolar, mostradas por meio
dessa fala, serão tratadas mais adiante.
Passadas as reuniões de Conselho, chega o dia de entrega dos resultados finais
no mês de dezembro. Cada professor estava em uma mesa com a lista dos aprovados/
aprovados parcialmente (DP) ou reprovados, e os alunos e/ou responsáveis, depois de
verem o resultado fixado no mural, podem se dirigir a esses professores e solicitar
esclarecimentos. Ainda que o contato não seja diretamente com seu professor, o aluno
poderá saber os motivos do resultado, tendo em vista uma ficha que foi preenchida
pelos professores logo após o Conselho justificando as reprovações e apontando os
encaminhamentos da escola. Sobre o preenchimento da ficha, muito se poderia inferir,
tendo em vista que foram colocadas informações muito semelhantes para todos os
alunos. Desse modo, no campo que caberia apontar o que foi feito pela escola, a favor
desse aluno, quase sempre consta “diversificação das metodologias, orientação com a
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coordenação e professores”; no quesito “causas da reprovação”, invariavelmente se lê
“falta de empenho e/ou compromisso”. Contudo, voltemos à entrega dos resultados
finais.
Nesse dia, ficou claro que a possibilidade de retenção é presente para muitos
alunos, ainda que o regime seja de Progressão Continuada. Em alguns momentos,
presenciaram-se adolescentes que não tiveram coragem de olhar o resultado, pediram
para um colega fazê-lo e viveram efusivamente o veredicto (positivo ou negativo). Foi de
fato surpreendente ver esses acontecimentos que, poder-se-ia julgar, ficaram nas
memórias de gerações passadas. De modo geral, o que predominou foram alunos que
estavam na iminência de serem retidos, mas ficaram de DP. Em muitos desses casos,
os pais e/ou responsáveis reagiram de modo que pareciam aprovar mais a reprovação
que uma promoção com DP. Contudo, os argumentos dos professores, de que no ano
seguinte poderiam recuperar o conhecimento perdido, parecem amenizar essas queixas.
Outro dado significativo, quando a resposta era negativa e os responsáveis
questionavam, é que logo era apresentada a possibilidade de pedirem reconsideração,
que consistia num pedido encaminhado à secretaria apontando os motivos para que a
reprovação fosse revista – alguns se acalmavam com essa possibilidade. Entretanto,
como depois ficou evidente, a probabilidade de conseguirem a mudança de julgamento
era bastante remota; de todos os pedidos feitos, nenhum foi aprovado. Para os alunos
que estavam com defasagem idade-série, também era apresentada a oportunidade de
pedirem reclassificação, que consistia num pedido encaminhado em data divulgada pela
escola e posterior aplicação de uma prova com os conteúdos correspondentes à série
pretendida. Nesse caso, como o descrito anteriormente, as chances eram pequenas:
dos alunos inscritos em 2011, nenhum conseguiu a reclassificação.
6. Os sujeitos ouvidos
Concluída a primeira etapa de levantamento de dados da escola e a busca pelos
sujeitos que poderiam compor a amostra, levando-se em conta o critério de estarem na
oitava série em 2012 e, desde o primeiro ano do Ensino Fundamental, nessa mesma
16
escola, têm-se cinco nomes, de um total aproximado de duzentos alunos matriculados
no final do Ensino Fundamental dessa escola.
Discutir a reprovação é sempre polêmico e ainda que esses alunos não tenham
vivenciado uma escola que reprova em massa, não se pode dizer que não tenham
contato com essa, seja porque os adultos estão sempre se remetendo à escolarização
que viveram “no seu tempo...” ou porque tenham contato com uma escola que está
impregnada das tradições do século XX, ainda que essas estejam em conflito com os
imperativos de mudança colocados a circular. Um exemplo é a mãe de um aluno, dentre
os alunos ouvidos, que fez o pedido para que a escola o reprovasse na sétima série. A
seguinte informação constava em sua ficha: “a mãe pediu que o aluno fosse retido”.
Algumas questões permanecem: por quais motivos? Como ficam para essa mãe os
ideais de avaliação formativa e acompanhamento individualizado das aprendizagens,
pressupostos pela Progressão Continuada (se é que os conhece)? Para seu filho, como
essas percepções (da mãe) dialogam com sua experiência numa escola que opera com
Progressão Continuada?
Embora a reprovação não tenha acontecido naquele ano, tendo em vista a
Progressão Continuada, ela veio no ano seguinte, aí já sem indicação se com o aval ou
não da mãe. Que julgamentos esse aluno faz da importância de aprender, tendo em
vista que, quando deveria ter ficado retido, foi promovido (se é que ele concordou com o
julgamento da mãe)? Fica claro para ele que a Progressão instituiu gargalos onde é
mais complicado passar? Ele direciona (ou direcionaria) melhor seus esforços a partir
dessa realidade? Como o faz (ou faria)?
Nesse caso, tem-se exemplo de aluno que viveu a reprovação (fracasso?!) sem
conhecer um dos mecanismos de ajuda do sistema: o reforço escolar. Poderia ser falado
que, se frequentasse esse espaço, os resultados seriam diferentes? O que esse aluno
pensa sobre isso? Conhece essa possibilidade? Como a percebe?
O reforço, nessa escola, consiste em frequentar duas ou três vezes por semana
um espaço ano qual o aluno é atendido individualmente por um professor que recebeu
da escola uma ficha com as defasagens detectadas na aprendizagem do aluno. A partir
dessa ficha, o professor tem a responsabilidade de propor atividades que possam ajudar
esse aluno a suprir suas lacunas e acompanhar sem dificuldades o ensino em sala
17
regular. As aulas são no contra turno e a frequência não é obrigatória. Apesar da
importância desse recurso para a aprendizagem, há dois anos essa escola não tem
turmas de reforço. Entre os cinco ouvidos, um esteve no reforço, e desse foi possível
apreender sua percepção desse espaço. Ele de fato o ajudou? Como? Qual papel o
aluno delega-lhe na luta contra as possíveis dificuldades que teve em seu percurso? Na
percepção do aluno, como esses momentos dialogaram (ou não) com o que o professor
requeria dele em sala de aula regular?
Aqui cabe também acrescentar algo relevante: apesar de reforço ser colocado
quase como imprescindível num sistema de Progressão Continuada, no ano de 2011, a
escola não ofereceu essa possibilidade aos alunos. Segundo a gestão, isso não ocorreu
por motivos alheios à vontade do corpo docente, e a intenção era retomar o mais
brevemente esse espaço de aprendizagem. Aqui também se percebe uma lacuna entre
o que deveria acontecer e o que de fato acontece na escolarização desses estudantes.
De outro aluno que vivenciou a reprovação, temos algo diferente: nenhuma
indicação de mau comportamento, sem ficha disciplinar, sem pedido de retenção, sem
frequência a reforço. Consta em sua ficha que a mãe assinou o termo de compromisso
no início de 2008 (indicando possíveis reclamações feitas pelos professores) e que, em
2011, ele foi retido. Se nos registros oficiais não aparecem indícios de retenção, ficam as
questões: para o aluno foram dados (ou não) tais indícios? Quais foram esses? Como
ele os interpretou e os interpreta após a retenção? Foram reavaliados (os indícios)?
Ficava claro para o aluno o que a escola esperava dele e como estava seu
desempenho? De que maneiras?
Para ele, as perguntas se colocam: foi uma surpresa ser retido? Por quê? O que
a reprovação acarretou ou não em mudança na maneira como esse aluno percebe a
escola e vive sua escolarização?
Dos cinco alunos ouvidos, três não têm experiências de ser retido, o que não
significa que as trajetórias foram homogêneas.
Dois desses sujeitos chamam a atenção pelo fato de que, embora não tenham
sido retidos, em seu percurso aparecem notas abaixo da média, ainda que por um ou
outro bimestre. Para esses sujeitos, que importância tiveram essas avaliações? Como
18
eles vivenciaram (com angústia!?)? Atribuem essas notas mais baixas a uma menor
aprendizagem? E as mais altas (que são maioria), quais significados lhes dá? O que é
aprender para eles que sempre foram promovidos? O ofício de aluno deles dialoga com
o dos colegas que foram retidos, ainda que na Progressão Continuada? Como? A partir
de que percepções de ensino-aprendizagem e avaliação?
Por fim, o quinto e último sujeito da amostra, aluno exemplar (a tomar pelas
indicações em seu prontuário), nada de notas vermelhas, sem queixas ou reclamações
de nenhuma ordem. Para esse sujeito, essas mesmas questões se colocam, porém ele
fala a partir da posição de quem, aparentemente, passou sossegadamente em sua
escolarização. Mas, numa trajetória com esses indícios, cabe indagar: o que o motivou a
estudar? Como percebeu que aprendia ou não? Para ele, como essa escola com
Progressão Continuada dialoga (ou não) com a imagem cristalizada de escola que
circula na sociedade (aprende-se mais e melhor? Por quê? Deveria ser assim? O que
poderia mudar?). Que percepções tem daqueles colegas que têm dificuldades em
manter-se acompanhando a turma? A que atribui seu desempenho e o deles? No
desempenho diário de seu ofício, sente-se como em relação ao desempenho que tem,
ao que gostaria de ter e ao que percebe que esperam dele?
As questões apontadas não se esgotam no que foi escrito acima e não poderiam
ser direcionadas apenas a um desses sujeitos. São apenas um apanhado de
questionamentos que vieram à tona a partir das leituras dos dados coletados na escola.
No decorrer das entrevistas, muitas outras se colocaram e sobre elas se tratará às
páginas a seguir.
7. Algumas considerações sobre avaliar
A avaliação formativa se constrói em uma lógica cooperativa,
baseada na hipótese de que o aluno quer aprender e faz tudo o
que pode para esse fim.
Perrenoud
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Tomando-se por inspiração a afirmação de Perrenoud, seria possível afirmar
que, em alguma medida, a Progressão Continuada opera a partir dessa mesma
hipótese. Depois da leitura dos documentos da escola e de algumas falas e situações
presenciadas, ficou a impressão de que, algumas vezes, a escola, de fato, parte do
pressuposto de que o aluno quer mesmo sempre aprender e está disposto a mostrar
todas suas lacunas com vistas a este fim. Contudo, seria interessante pensar como
esses pressupostos se dão, se é que isso acontece realmente e, de que maneira, são
ratificados ou não pelos alunos no seu ofício diário.
Dentro da escola, em linhas muito gerais, avaliar já foi medir conhecimentos,
consistindo então a avaliação em testes, mensuração e quantificação de resultados.
Noutros momentos, avaliar foi examinar e, nesse contexto, tem lugar central os temidos
exames que eram nucleares ao longo da escolarização balizando o fluxo de uma série
para outra. E todo o processo de ensinar e aprender voltava-se para esses objetivos.
Ainda hoje, a ideia de que a avaliação é uma medida dos desempenhos dos
alunos encontra-se fortemente enraizada na mente dos professores e, frequentemente,
na dos alunos, e a dificuldade para a superação dessa concepção talvez resida na
suposta “confiabilidade” das medidas em educação e nos parâmetros “objetivos”
utilizados pelos professores para atribuir notas às tarefas dos alunos. Como escreve
Perrenoud (1999, p. 148), esse sistema “parece equitativo, racional, preciso, é bastante
simples e convence, pois parece justo, saudável e educativo que o bom trabalho seja
recompensado e o mau sancionado por notas ou uma classificação medíocres”.
Contudo, é preciso ter presente, também, que medir é diferente de avaliar. Ao se
medir um fenômeno por intermédio de uma escala, de provas, de testes ou por uma
classificação ou categorização, apenas se está levantando dados sobre um fenômeno.
Mas, a partir das medidas, para se ter uma avaliação, é preciso que se construa o
significado dessas grandezas em relação ao que está sendo analisado quando
considerado com um todo, em suas relações com outros fenômenos, suas
características historicamente consideradas, o contexto de sua manifestação, dentro dos
objetivos e metas definidos para o processo de avaliação, considerando os valores
sociais envolvidos.
20
Portanto, parte-se do pressuposto de que, num sistema de Progressão
Continuada, a avaliação não se limita a medir desempenhos, mas, principalmente, a
atribuir-lhes significados e, a partir desses, direcionar os momentos seguintes do
processo de ensino aprendizagem. Nesse ponto, chega-se à conclusão de que avaliar
pode (e deve) ser também qualificar. Desse modo, a Progressão Continuada não veio
para excluir a avaliação, mas para dar-lhe um significado, auxiliar o professor a ensinar e
o aluno a aprender. Isso posto, cabe perguntar: decorrida mais de uma década da
instituição dessa política, como estão os conflitos entre a tradição e os imperativos de
mudança? Essa questão é nuclear para a pesquisa desenvolvida.
Avaliação diluída no processo, contínua, não pontual são exemplos de termos
que aparecem nas falas dos professores e nos documentos da escola na atualidade. E,
talvez acreditando que mudando nomes é possível mudar práticas e, ainda mais,
significados historicamente constituídos do que é avaliar dentro da escola, muitas vezes
não se vai além de nomear uma mesma prática com substantivos diferentes. Não
obstante, a premissa aqui é que as mudanças em educação acontecem, ainda que em
pequenas doses.
É inegável que a Progressão Continuada veio colocar em xeque as formas
consolidadas de pensar a escola e, passados alguns anos dessa lei, quer-se ouvir dos
alunos que percepções construíram sobre a escola que foi instada a mudar uma de suas
marcas mais acentuadas: a maneira como avaliava. Essa avaliação diluída é o objeto
sobre o qual se reflete aqui, mas já de entrada se procurará desmistificar esse suposto
interesse do aluno em sempre querer aprender e seu empenho para tal, como adverte
Perrenoud (1999, p. 43)
Quando a avaliação é contínua, feita ao longo de todo o ano pelos professores, ela se dilui no fluxo do trabalho cotidiano em aula. Ela não escapa, portanto, ao cálculo intuitivo dos custos e dos benefícios que está no princípio de qualquer investimento dos alunos na escola. (...) Na medida em que a excelência é o produto de um trabalho o aluno dosa seu esforço em função das necessidades do momento.
Nessa consideração, é preciso colocar atenção ao que o autor chama de ofício
do aluno e a hipótese que levanta sobre sua relação com esse, ou seja, dosar o esforço
de acordo com a necessidade. Seria acertado pensar que, quando não há mais
21
semanas de prova, fica mais complicado para o aluno perceber o que contribuirá para
sua excelência? Como ele se coloca frente a essa nova realidade?
Pensando sobre o conflito da tradição com os imperativos de mudança, uma
questão pode exemplificar bem os paradoxos que a escola atual mantém a partir dessas
duas variáveis. Quando o projeto foi apresentado, a partir do fato de que a Progressão
Continuada acontece no Ensino fundamental e não no Ensino Médio, uma das questões
colocadas foi como o aluno vive essa passagem de um ciclo onde não há possibilidade
de reprovação anual para outro onde isso está posto. A partir das leituras tanto dos
autores quanto da legislação e do material da escola, pareceu evidente que esse seria
um ponto forte nas representações dos alunos. Contudo, depois de feita toda a coleta de
dados, o que se tem é uma situação não esperada.
Dos alunos ouvidos, nenhum demonstrou percepção dessa mudança de regra
do jogo quando entrarem no Ensino Médio. Na realidade, mesmo tendo ingressado
numa escola com Progressão Continuada, eles mantêm em suas representações muito
da tradição e não demonstraram perceber que o Ensino Médio opera a partir de outras
regras. Isso ficou claro nas cenas vistas e já descritas acima, no dia da entrega dos
resultados finais. Também apareceram nas falas de alguns alunos quando dizem terem
sempre um “frio na barriga” quando vai chegando o final do ano, na valorização das
notas para conseguirem alcançar a média e não repetirem (pareceu que não sabem
sobre o Quinto Conceito, do qual já foi falado acima).
Nesse sentido, se construíram as análises aqui apresentadas, muito marcadas
pelo conflito da tradição e dos imperativos de mudança. A partir dessa constatação,
serão apresentadas abaixo algumas categorias que se destacaram seja pela repetição
na fala dos alunos ou pela representatividade do conflito que norteou essa escrita.
8. A recorrência da nota e da reprovação/aprovação quando se fala em avaliar
Os professores dão conta de diferentes situações em seu cotidiano profissional,
entre elas a avaliação dos alunos e, tanto quem avalia quanto quem é avaliado, após
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anos de prática num tipo definido de organização, “arrastam consigo a formação de um
conjunto de esquemas de ações, de pensamentos, de avaliação, de antecipação,
daquilo a que se chama, em sociologia, um habitus” (Perrenoud, 1995, p.33) e, a partir
desse, coloca a funcionar uma instituição secular perpassada por contradições e
desafios, como os colocados pela Progressão Continuada e concernentes aos modos de
pensar e executar a avaliação dos alunos.
Márcia Aparecida Jacomini, no artigo Os ciclos e a progressão continuada na
opinião de pais e alunos (2011), levanta algumas representações sobre essa maneira
diferente de organizar o ensino. Em sua pesquisa, os alunos foram insistentes em
apontar o fato de não haver mais reprovação anual como a grande mudança, ficando
ausente nas representações colhidas, ainda segundo o trabalho de Jacomini, qualquer
percepção de mudança na organização curricular da escola.
Na produção acadêmica que busca compreender a escola nos moldes como ela
se apresenta hoje (obrigatória até os 14 anos, com Progressão Continuada), não é raro
encontrar a correlação entre Progressão Continuada e não reprovação, sendo também
muito presente a opinião contrária a essa política que, muitas vezes, é entendida como
de promoção automática. Como o objetivo da pesquisa realizada foi buscar entender
como os imperativos de mudança estão sendo recebidos dentro de um modelo
tradicional de organizar a escola, intentou-se saber, para além dessas representações,
como os alunos estão vivendo sua escolaridade e que conhecimentos têm da
organização da escola onde sempre estudaram.
Nas entrevistas feitas, há referência à presença como requisito para a
aprovação, distinguindo momentos em que a reprovação acontece ou não por falta,
conforme exemplificado na fala de Endy: “Da sétima para a oitava passa se tiver
presença, repete só por falta, mas se tirar notas vermelhas todos os anos aí passa, mas
na oitava em diante é por nota”. Yuri também demonstrar ter esse conhecimento e
acrescenta algo mais
Tirar boas notas (do que precisa para ser promovido) e não faltar muito, em todas as séries. Se não faltar muito eu acho que passa. Mas por nota vai para o Conselho, aí eles passam também. Uma vez eu fiquei em quatro matérias, aí fui reprovado, acho que três eles passam suave, mas quem tem quatro não passa. Yuri.
23
Apesar de estar presente nas falas citadas a possiblidade de aprovar/reprovar,
que acaba por caracterizar uma marca tradicional da escola, tem-se alguns pontos que
não apareceriam se a conversa acontecesse há algumas décadas, uma vez que com a
Progressão Continuada se algumas mudanças na configuração da escola, o que
aparece nas transcrições acima, quais sejam: primeiro a necessidade de não faltar
muito, depois a referência ao Conselho de Escola e, por fim, a uma regra instituída no
Regimento Escolar dessa unidade que é aprovar pelo Conselho de Classe apenas os
alunos que não atingem a média no máximo em três matérias. Esse mesmo aluno mais
adiante toca em outro ponto bastante citado na fala dos professores e também colocado
como imperativo de mudança para a escola, que é a necessidade da avaliação ser feita
tendo o desempenho do próprio aluno como ponto de partida: “se se esforçar no quarto
bimestre aí passa (mesmo indo mal durante os três primeiros bimestres) porque aí os
professores vão ver que o aluno se desenvolveu”. Yuri. Na mesma entrevista disse que
tem um parente que trabalha em escola que o orientou a mostrar esforço no último
bimestre, e que isso bastava para que não fosse retido “mas eu não ouvi, por isso repeti
o ano passado”, diz o Yuri.
Vê-se aqui um exemplo de como o aluno no seu ofício desenvolve maneiras de
burlar as regras para obter o maior benefício possível. Ainda nesse caso temos um
conflito entre a tradição e os imperativos de mudança, uma vez que, mesmo numa fala
que demonstra conhecer que se aprecia a melhora do aluno em relação ao seu próprio
desempenho, o valor do conhecimento não é dado por si, mas em função de uma
aprovação, que desprovida de aprendizagem poderia esvaziar-se de sentido, mas
aparentemente não é vista assim por todos uma vez que a tradição legitima a
aprovação, ainda que seja produto de uma burla.
É o que se vê em outro momento da entrevista em que se propôs aos alunos a
seguinte situação: se um aluno não sabe o conteúdo de uma prova e mesmo assim
consegue uma boa nota, você acha que ele sente-se mal ou bem com isso? As
respostas mais recorrentes foram:
Quando consegue a nota, ele nem liga se não sabia o assunto. Porque a nota é
o que faz você passar de ano. Yuri.
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Fica feliz não é (quando consegue a nota)... porque mesmo sem saber você tirou
uma nota alta. Vale uma nota no boletim. Endy.
Acho que alegre né (risos), não sei nada como é que tirei nota boa?! Acho que
alegre porque ele quer uma nota né. Kaio.
Ainda na escola de Progressão Continuada, em que a avaliação deve ser mais
qualitativa que quantitativa, em que os diferentes tempos de aprender devem ser
respeitados, em que o ponto de chegada dos alunos deve ser ponderado em relação ao
seu desempenho inicial, ainda assim a nota mostra-se legítima mesmo quando não
acompanhada do conhecimento que ela acena quantificar. Que lugar tem então o saber?
Como a escola contemporânea está passando para esses alunos o valor do
conhecimento? Estariam os imperativos de mudança colocados à margem, e a tradição
da nota encarnada nas situações de prova reinando como nos tempos dos exames
admissionais?
Certamente que não.
Dos mesmos alunos que exprimiram os julgamentos acima, foram ouvidas
considerações sobre a diferença entre realizar uma prova ou uma atividade. No caso, a
prova seria a situação mais tradicional em que os alunos sentam-se em filas e
respondem às questões a partir de um conteúdo previamente dado pelo professor e em
data estipulada; já a atividade é aquela situação em que o professor reúne os alunos em
grupo, duplas ou individualmente e pede que elaborem uma resenha, resumo, cartaz,
apresentação oral ou demais forma de transmitir o que entenderam ou pesquisaram de
determinado conteúdo. Sobre essas diferentes formas de avaliar, os alunos assim
colocaram-se:
Nas atividades consegue aproveitar mais que nas provas. Eu fico muito nervosa
e me atrapalha um pouco, já nas atividades eu fico mais calma. Endy.
Se fosse só atividade assim... somando, somando até chegar na prova eu acho
que ia ser muito mais divertido, a gente ia aprender muito mais do que se fosse a
prova. Cecília.
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(aprende mais) quando eles passam atividade. Sei lá... é mais calmo, porque
prova é... medo. Kaio.
Eu estou aprendendo (nas atividades), mas estou aprendendo de outro jeito,
com o jeito que eu estou entendendo, com as minhas palavras. Cecília.
Poderia ser pensado que nesse momento os alunos estão legitimando mais o
conhecimento que a tradição da nota, ainda que essas atividades acabem por compor
sua média. Aprender de outro jeito, com as minhas palavras, todos unanimemente
apontaram que, quando estão realizando atividades, aprendem mais. Em outra fala, um
estudante toca num aspecto também de mudança que é aprender também quando um
colega vai à frente explicar o assunto “Vai outro aluno e ele consegue explicar e o
professor fala que ele teve uma facilidade maior, muitas vezes acontece isso e eu presto
atenção e aprendo”. Endy
Foi válido perceber como os momentos de atividades são relatados pelos alunos
como mais tranquilos, de maior possibilidade de conversar e tirar dúvida com os
colegas, de muito menos pressão se comparado às provas e, mesmo assim, em
nenhuma das respostas, tidos como menos importante. Nas falas registradas, foi muito
curioso ouvir dos mesmos indivíduos a expressão de um conflito tão evidente que eles
manifestaram viver e sobre o qual não mostraram indignação, qual seja: se a prova é tão
estressante e fica cristalizada na descrição da Cecília como “uma metralhadora na
cabeça” e, ao mesmo tempo, se consegue obter melhor aprendizagem nas atividades,
então porque continuar-se a fazer provas e viver todo o estresse de que eles falaram?
Por que, a despeito de apontar para a mudança, ainda se continua a legitimar uma
tradição que, em algumas falas dos alunos, está cada vez menos representando o
domínio do saber? Por que o mesmo aluno Endy, que fala sobre se sentir nervoso na
hora da prova, sobre dar branco e não conseguir responder, defende que “a nota serve
para indicar se você conseguiu aprender”?
Talvez por isso mesmo se esteja tratando do conflito entre a tradição e os
imperativos de mudança. E não do estabelecimento de uma dessas duas variáveis. Esse
paradoxo pareceu tão evidente no projeto e, no decorrer da pesquisa, ficou cada vez
mais destacado como digno de análise.
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E não se está aqui tentando culpar um indivíduo, uma vez que o próprio
funcionamento da instituição no particular e da sociedade como um todo leva a essa
situação paradoxal. Selecionar, excluir, hierarquizar são ações que a escola fez (ainda
faz) durante anos de seu funcionamento, e a própria neutralidade sobre a qual diz
construir seus julgamentos faz com que a legitimidade de seus veredictos estivesse (em
certa medida ainda está) descrevendo uma realidade e não um julgamento, em certa
medida porque, como escreve Perrenoud (1999, p. 36)
(...) A escola recebeu da sociedade o direito de impor sua definição do êxito aos usuários e de lhe dar, se não status de “verdade”, pelo menos o de “coisa julgada”. O êxito que conta, em definitivo, na determinação dos destinos escolares é exatamente aquele que a escola reconhece! O êxito escolar é uma apreciação global e institucional das aquisições do aluno, que a escola cria por seus próprios meios em um dado ponto do curso e que depois apresenta, se não como uma verdade única, ao menos como a única legítima assim que se trata de tomar uma decisão de reprovação, de orientação/seleção ou de certificação.
Enquanto a escola formalmente não reprovar, colocar como meta que todos os
professores utilizem, no mínimo, três diferentes instrumentos de avaliação, porém
continuar a expor um ranking com as dez melhores médias de cada série, na medida em
que essa contradição estiver presente nas vivências dos alunos, não será inusitado que
suas falas sobre a escola estejam perpassadas de contradições. Contudo, a análise
dessas representações de conflito pode ajudar os envolvidos no processo educacional a
melhor ver o que se descortina à sua frente.
9. Considerações finais
A escola como instituição secular traz em seu funcionamento características que
já se apresentavam no início do século passado, o que em si não evidencia problema
algum. Contudo, quando se pensa em mudar um dos elementos nucleares dessa
instituição, como as suas maneiras de avaliar, os sentidos e usos dessas avaliações,
então acontece o que aqui se denominou conflito entre a tradição e os imperativos de
mudança. No bojo das propostas de organização da escola, insere-se a Progressão
Continuada que foi o pano de fundo sobre o qual se buscou entender as percepções dos
alunos acerca da avaliação.
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Depois de passar brevemente sobre as mudanças colocadas por essa proposta
e caracterizar um pouco a escola estadual onde se colheram os dados e estudaram os
alunos ouvidos, chega-se a análises que ratificam o que era esperado quando se propôs
a pesquisa, mas também se encontram realidades percebidas e vividas de maneira não
esperada. Como exemplo, pode ser citada a hipótese trazida no início de que os alunos
diferenciariam claramente a passagem do Ensino Fundamental para o Ensino Médio, o
que acabou por não se confirmar nas falas dos jovens entrevistados.
Outro fato que se cogitou encontrar nas percepções desses alunos seria a
distinção dos anos que encerram cada ciclo dentro do Ensino Fundamental, daí querer-
se saber que sentidos viam nas avaliações em um ano em que estão no início/meio do
ciclo e quando estão no final de cada ciclo. De certa maneira, a maior distinção que
demonstraram fazer entre o primeiro ciclo e o segundo do Ensino Fundamental refere-se
à organização (uma professora para todas as disciplinas, poucas disciplinas) e não às
maneiras de avaliar. Na verdade, os alunos ouvidos falaram bem pouco desses
primeiros anos e, nessas falas, foram bem sucintos.
De maneira geral, os adolescentes ouvidos não demonstraram perceber
diferença da avaliação em relação ao ano em que estavam; contudo, a proximidade com
o final do ano letivo acarreta ainda algumas angústias nesses alunos, independente de
em que etapa (início, meio, final) do ciclo estão.
Talvez fosse fértil ouvir sobre uma avaliação que não passe pela nota ou pela
aprovação/reprovação, mas esteja ligada diretamente ao domínio do saber, à relação
com o conhecimento – uma vez que seria esse o objetivo final de uma avaliação
formativa. Contudo, o peso da tradição e a aparente objetividade do sistema de
avaliação tradicional acabam, entre outras coisas, por dar muita legitimidade à
associação nota/conhecimento. Essa foi uma óptica muito presente durante a pesquisa,
o que, de certa forma, não foi inesperado.
Contudo, os imperativos de mudança também se apresentaram muito
claramente na organização da escola e também na fala dos alunos. E, nesse sentido, o
que foi visto estava dentro do esperado, uma vez que, desde o início, foi colocada
ênfase na tradição e nos imperativos de mudança. O inesperado ficou por conta da
maneira como os alunos vivem esse conflito. Se, entre os professores e pais, esse é um
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tema que traz algumas polêmicas, isso não se deu na fala dos alunos – o que foi
surpreendente, tendo em vista que expuseram paradoxos gritantes sem nenhum exaltar
de ânimo que, em algumas situações, se vê quando esse assunto é tratado por
professores e pais. A demonstração de algumas contradições e o aparente fato de não
exprimirem julgamentos condenatórios foram admiráveis. Talvez seria proveitoso que
pesquisas fossem feitas para explorar mais de perto as maneiras como os alunos vivem
as contradições que percebem.
Outro ponto que somente nas escritas finais pôde ser mais claramente percebido
é a maneira como se deu a coleta de dados. Com o decorrer das visitas à escola, depois
das entrevistas com cada aluno e, por fim, das análises dessas conversas, cogita-se em
que medida um tempo de observação dentro da sala de aula comporia ou não um bom
cenário para entender mais sobre o objeto elegido nesta pesquisa, nuances que talvez
as entrevistas não possam dar conta. Com certeza, nesse sentido as informações
seriam sem a intencionalidade e parcialidade que a fala em uma entrevista acarretam.
Não que tenha sido pobre o material colhido; contudo, enquanto se analisavam os
prontuários dos alunos, não havia vínculo entre o nome e a pessoa. Isso ocorria tanto na
análise dos prontuários quanto no preparo da entrevista. Nessa medida é que, talvez,
seja enriquecedor ter também dados colhidos dos sujeitos em seu ofício para depois
ouvi-los no tocante a aspectos específicos como os tratados na entrevista.
E, talvez, essa seja mesmo uma das grandes contribuições das pesquisas como
um todo e dessa em particular: colocar as verdades sempre em xeque e buscar novas
perspectivas de olhar para um objeto que está sempre acessível, mas nem por isso
deixa de ter nuances que desafiam os pressupostos e contribuem para a construção do
conhecimento.
10. Referêncas Bibliográficas
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29
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PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens- entre duas lógicas. Tradução: Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artmed, 1999.
Divulgaçãodapesquisa
Durante o período em que foi realizada a pesquisa, algumas apresentações
foram feitas para turmas da Pedagogia e da Licenciatura da Faculdade de Educação da
USP nos anos de 2012 e 2013. Nesses momentos, foram trazidos à discussão tanto o
percurso da pesquisa quanto algumas questões que os dados colhidos traziam à tona,
tendo em vista as leituras realizadas e a pertinência desses com a temática tratada nas
disciplinas em questão.
Também, como meio de divulgação da pesquisa, aconteceu a entrevista com a
Prof Paula Vicentini, por ocasião da disciplina Didática no curso de Licenciatura em
Ciências pela UNIVESP, abaixo segue o link da referia conversa:
http://iptv.usp.br/portal/home.jsp?tipo=0&_InstanceIdentifier=0&_EntityIdentifier=
uspPB8Pks4Aws2gm5hsfdHcECho0ZfRUgIPka8SYjnCfqU.&idRepositorio=0&modelo=0
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É interessante destacar a importância desses momentos para o aprimoramento
da pesquisa, tanto porque, quando se comunica algo, sempre vem à tona novas
perspectivas de olhar o objeto quanto pelo fato de que a oportunidade de ouvir
apreciações de estudantes sobre a pesquisa traz questões que poderiam não se
apresentar a quem está envolvido tão de perto com a realização do projeto. Esses
momentos foram de fato bastante enriquecedores pelas possiblidades que trouxeram de
avaliar o que estava sendo desenvolvido e, se preciso, reorientar ou ratificar o que se
tinha como caminho a percorrer.
Em eventos oficiais, aconteceu a participação no 20º SIICUSP (segue o
comprovante em anexo) e acontecerá também a apresentação das discussões finais no
21º SIICUSP, a ser realizado no segundo semestre do corrente ano.