Entrevista: Tadashi Endo

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6 SALVADOR DOMINGO 18/3/2012 7 SALVADOR DOMINGO 18/3/2012 ABRE ASPAS TADASHI ENDO BAILARINO «Após a destruição, algo novo nasce» Texto MARCEL BANE [email protected] Fotos FERNANDO VIVAS [email protected] O mestre japonês Tadashi Endo estreou nos palcos fazendo teatro amador na década de 1960. Mudou-se para a Alemanha em 1970, onde recriou raízes e fixou moradia. For- mado em direção de palco em Viena, é um dos grandes mestres do Butô, ou Butoh, estilo de dança criado por Tatsumi Hijitaka, que carrega forte influência da dança ex- pressionista alemã dos anos 1930 e da filosofia zen-budista. Autor do espetáculo Ikiru – Réquiem para Pina Bausch, de quem foi amigo e com o qual percorre o mundo desde 2007, Endo colaborou com a Cia. De Teatro Lume, de Campinas, na criação do espe- táculo Shi Zen – 7 Cuias, com o qual foi indicado em duas categorias do Prêmio Shell, em 2004. Coreografou e dirigiu os atores do premiado filme alemão Hanami – Cerejeira em Flor, de Doris Dörrie (2008). Atualmente dirige o Butoh-Center Mamu, em Göttingen, onde mora. E entre o ser e o não ser, o estar e o desaparecer, Tadashi Endo passou por Salvador, onde ensaiou e dirigiu os atores do Bando de Teatro Olodum na criação de uma nova peça, ainda sem nome. Como o senhor começou na arte da dança e como descobriu o Butô? Até 1985, 1986, eu fazia somente teatro, atuando e dirigindo peças de Shakespeare, de Schiller. Parei de trabalhar no teatro porque eu não queria ser um artista acadêmico. Is- so eu não queria. Então parei e criei um grupo amador, mais orientado para o movimento. Em 1989 eu co- nheci Kazuo Ohno, que faleceu há dois anos, aos 103 anos de idade, e desde então eu danço Butô. Mas ele estava no Japão e eu na Alemanha. Eu não fui ao estúdio dele para aprender Butô, não foi esse o caso. Para mim, ele foi um pai. Através de- le, eu conheci o Butô. Mas eu o dan- ço com o meu próprio estilo. O senhor crê que o Butô teria surgido se não fosse pelas bombas sobre Hiroshima e Nagasaki? Muita gente me pergunta se o Butô e a bomba atômica estão relaciona- dos. Não diretamente. Mas o Butô

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Entrevista com Tadashi Endo, bailarino e coreógrafo japonês, mestre do Butô, tradicional estilo de dança que preza pela liberdade dos movimentos. Publicada na seção Abre Aspas, da revista MUITO (Jornal A Tarde), em 18.03.2012

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6 SALVADOR DOMINGO 18/3/2012 7SALVADOR DOMINGO 18/3/2012

ABRE ASPAS TADASHI ENDO BAILARINO

«Após adestruição, algonovo nasce»Texto MARCEL BANE [email protected] FERNANDO VIVAS [email protected]

Omestre japonêsTadashiEndoestreounospalcosfazendoteatroamadornadécadade

1960. Mudou-se para a Alemanha em 1970, onde recriou raízes e fixou moradia. For-

mado em direção de palco em Viena, é um dos grandes mestres do Butô, ou Butoh,

estilo de dança criado por Tatsumi Hijitaka, que carrega forte influência da dança ex-

pressionista alemã dos anos 1930 e da filosofia zen-budista. Autor do espetáculo Ikiru

– Réquiem para Pina Bausch, de quem foi amigo e com o qual percorre o mundo desde

2007, Endo colaborou com a Cia. De Teatro Lume, de Campinas, na criação do espe-

táculoShiZen–7Cuias, comoqual foi indicadoemduascategoriasdoPrêmioShell,em

2004.CoreografouedirigiuosatoresdopremiadofilmealemãoHanami–Cerejeiraem

Flor, de Doris Dörrie (2008). Atualmente dirige o Butoh-Center Mamu, em Göttingen,

onde mora. E entre o ser e o não ser, o estar e o desaparecer, Tadashi Endo passou por

Salvador, onde ensaiou e dirigiu os atores do Bando de Teatro Olodum na criação de

uma nova peça, ainda sem nome.

Comoosenhorcomeçounaartedadança

e como descobriu o Butô?

Até 1985, 1986, eu fazia somente

teatro, atuando e dirigindo peças de

Shakespeare, de Schiller. Parei de

trabalhar no teatro porque eu não

queria ser um artista acadêmico. Is-

so eu não queria. Então parei e criei

um grupo amador, mais orientado

para o movimento. Em 1989 eu co-

nheci Kazuo Ohno, que faleceu há

dois anos, aos 103 anos de idade, e

desde então eu danço Butô. Mas ele

estava no Japão e eu na Alemanha.

Eu não fui ao estúdio dele para

aprender Butô, não foi esse o caso.

Para mim, ele foi um pai. Através de-

le, eu conheci o Butô. Mas eu o dan-

ço com o meu próprio estilo.

O senhor crê que o Butô teria surgido se

não fosse pelas bombas sobre Hiroshima

e Nagasaki?

MuitagentemeperguntaseoButôe

a bomba atômica estão relaciona-

dos. Não diretamente. Mas o Butô

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«Trabalhando como Bando de TeatroOlodum, estoucurioso parasaber como é avida deles»

era para o povo japonês, com paisa-

gens, estilo de vida. E se nós pensar-

mos sobre o Japão, é claro que foi

um momento terrível quando as

bombas caíram sobre Nagasaki e Hi-

roshima, destruindo tudo. Uma si-

tuação horrível. Essa imagem carre-

ga algo muito feio, grotesco e que-

brado. Esse caráter existe muito no

Japão. E o Butô, especialmente, foi

criado por Tatsumi Hijitaka, que des-

cobriu uma outra estética não ligada

à beleza e à moda. E esse foi o início.

Então, indiretamente,éclaroquees-

sa imagem de Hiroshima estava re-

lacionada.

O manifesto MAMU, escrito pelo senhor,

diz que o Butô está em toda parte.

O butô era uma dança que veio do

Japão. Mas, o espírito do Butô, eu

quero encontrar cada vez mais fora

do Japão. Agora, trabalhando com o

Bando de Teatro Olodum, composto

por negros, estou curioso para saber

como é a vida deles e quais os mo-

tivos que os levaram a fazer teatro

ou dança, isso é ambicioso. E isso

nãoétipicamentebrasileirooujapo-

nês. É humano e existe em toda par-

te. Isso é MAMU. O manifesto que

escrevemos tinha como alegoria o

mamute, que foi extinto. O que

aconteceu com os filhos do mamu-

te?Somosnós,os filhosdomamute.

Após a destruição algo novo nasce.

Essa é a primeira vez que trabalha com o

Bando. Qual foi a primeira impressão?

Euosvipelaprimeiraveznoanopas-

sado. Eles apresentaram Cabaré da

Raça, cantando, dançando e tocan-

do instrumentos com uma energia

fantástica. Aí eu me perguntei: “Por

que o povo negro tem essa energia,

diferente da que nós, japoneses, te-

mos?” Eu estava tão curioso. Este foi

o motivo pelo qual eu disse ao Már-

cioMeirelles,apósoespetáculo,que

gostaria de trabalhar com eles.

O que aconteceu nos três dias de ensaio

com o Bando?

Fizemos muito improviso. Um ponto

importante foi o exercício da memó-

ria. Todos tiveram de lembrar de al-

go importante da infância. Essas

memórias têm um significado im-

portante durante toda a vida. Claro

que fizemos também bastante tra-

balho corporal. E continuaremos fa-

zendo em setembro. Fiz uma sele-

ção. De cerca de 20 atores eu sele-

cionei 6 ou 7 para a próxima fase.

O senhor criou um espetáculo chamado

Ikiru em homenagem a Pina Bausch. Co-

mo surgiu a ideia deste espetáculo?

Eu queria dizer-lhe “obrigado” e

mostrar o grande respeito que te-

nho por ela. Então é uma homena-

gem à pessoa da Pina, não apenas à

sua condição de criadora da dan-

ça-teatro. É uma homenagem tam-

bém a Kazuo Ohno e ao meu pai, ao

meu irmão mais novo, que morreu

há 4 anos. Isso significa que se eu danço com este corpo

concreto, eu me movo. Mas existe algo além deste corpo no

palco,quandoeudanço.E issoninguémpodever.Éamorte.

São as pessoas mortas. Essas pessoas me deram muita co-

ragem para fazer o que eu faço. Por isso ainda estou vivo. E

para mim é algo mais do que morte e vida. É a alma.

Qual a sua memória mais querida da Pina Bausch?

Ela aceitava tudo dos seres humanos. Ela dizia estar inte-

ressada não no “quem” mas no “por que”. Ela estava o tem-

po inteiro buscando. Ela nunca dizia: “Faça desta maneira”.

Ela estava sempre improvisando. Às vezes os dançarinos fi-

cavam confusos e ela improvisava. Era uma grande estrela.

Mas ainda assim, era tão polida. Nunca era arrogante.

O senhor tem vindo ao Brasil com uma certa frequência.

Euvimpelaprimeiravezhá10,11anos.Aprimeiravezeufui

a Campinas a convite da Cia. Lume. Eu me apresentei e rea-

lizei um workshop. Aí eles mostraram interesse em traba-

lhar comigo. Aí eu criei a peça Shizen - 7 Cuias, com todos os

atores e atrizes da Companhia Lume, que ganhou o Prêmio

Shell. E, desde então, muitas pessoas me convidam para

festivais em outras cidades. Já fui para Belo Horizonte, For-

taleza, Rio, Porto Alegre, Goiânia.

Quando o senhor está se apresentando, há espaço para pen-

samentos? Parece sempre estar em um tipo de transe.

Se eu danço em performance solo, para mim é sempre um

espírito de “é agora ou nunca”. No ano passado, quando eu

estava em São Paulo, eu tinha de me apresentar no mesmo

dia em que recebi a notícia da catástrofe em Fukushima. Eu

quis ligar para a minha mãe, em Tóquio. Mas as linhas es-

tavam fora do ar. Eu estava muito nervoso. Aí eu pensei: “É

um momento tão terrível no Japão e eu estou dançando no

Brasil. Qual o sentido de subir ao palco? O que estou fa-

zendo?” Mas decidi dançar. E falei com o público ao final da

performance. ”Foi muito bom para mim ter decidido dan-

çar.Porqueissoéoquemefazumartista,umdançarino,um

butoísta. Só a chance de poder fazer isso já vale a pena”. Se

eu parar, então eu não sou nada. Se eu não fizer, as coisas

nunca acontecem. É esse tipo de concentração que tenho.

Qual a diferença entre coreografar um grupo de teatro e fazê-lo

com atores, para a tela grande?

O bailarino Tadashi

Endo, durante ensaio

com o Bando de

Teatro Olodum

MAR

CIO

MEI

RELL

ES/

DIV

ULG

AÇÃO

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10 SALVADOR DOMINGO 18/3/2012 11SALVADOR DOMINGO 18/3/2012

A diretora do filme Hanami – Cere-

jeira em Flor veio a um dos meus

workshops, porque havia visto o Ka-

zuo Ohno dançando na TV. Ela não

sabia o que aquilo era, mas ficou tão

fascinada. Ela conhecia muito da cul-

tura do Japão e do budismo japo-

nês, mas não conhecia o Butô. Então

veio ao meu workshop e me pediu

para ajudá-la com uma peça. Duran-

teosensaios,medissequequeriafa-

zer um filme com o Butô. Eu fiquei

um pouco cético, porque até pouco

tempo ela sequer conhecia o Butô.

Osalemãestêmumconceito,zugän-

glichkeit, algo que existe, mas logo

desaparece. Isso está por trás da flor

de cerejeira também. As pessoas es-

perampelas floresdecerejeiraoano

inteiro. Mas quando elas florescem,

vem o vento e logo elas desapare-

cem. O Monte Fuji é uma paisagem

linda, mas o ano inteiro está nubla-

do. Na minha vinda inteira me lem-

bro de ter visto apenas duas ou três

vezes a bela silhueta do monte, cla-

ramente. É claro que o monte está lá

o tempo todo, mas, para nós, ele

existe e no instante seguinte vêm as

nuvens e ele desaparece. Ela me fa-

lou do zugänglichkeit, aí eu pensei:

“Ah, ela entendeu um aspecto muito

profundo do Butô”. Claro que coreo-

grafar os atores e atrizes não foi tão

fácil. Mas desde o início, a história, o

contexto, a filosofia estavam muito

claros para mim. «

«Se eu parar, então eu não sou nada. Seeu não fizer, as coisas nunca acontecem.É esse tipo de concentração que tenho»

ATALHO DANDUN CAFÉ & GOURMET

Sobrado reúne arte, decoração e comida

Texto RONALDO JACOBINA [email protected] Foto FERNANDO VIVAS [email protected]

DESTAQUE Aproveite para visitar a galeria dearte e a loja Madu, que ficam no mesmosobrado. Segunda a sexta, das 8h às 18h.Sábados, das 8h às 13h.ONDE FICA Alameda das Algarobas, 74.Caminho das Árvores. Tel.: 71 3419-2977

A ideia do arquiteto Décio Viana quando montou o Sobrado, no Caminho das Árvores, era

reunir num só lugar decoração, moda e comida. Foi neste último item que entrou a dupla

Helena Araújo e Genilda Souza. Elas buscavam um espaço para montar um café gourmet

e se encantaram com a ideia de ter, além de uma pequena área climatizada, uma outra,

aberta.Assimnasceu,emjaneiroúltimo,oDandunCafé&Gourmet.Onomefoidadopelo

filho de Helena, Samuel, de 8 anos, mas as delícias que elas servem lá vêm do forno e do

fogão das duas. Além dos cafés, quentes e gelados, tem uma torta de bacalhau (R$ 6,70)

que é de comer rezando. A massa desmancha na boca. Para acompanhar, peça o suco

Dandun. A receita parece meio esquisita (maracujá ou pêssego, batido com refrigerante

de limão), mas o sabor compensa o choque inicial. Para arrematar, vá de trufa de damasco

(R$ 3,40). Depois, ouça o som da água que cai da cascata e siga sem culpa.