Eficácia da Obra Expiatória de Cristo

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    SEMINRIO TEOLGICO PRESBITERIANO

    REV. DENOEL NICODEMOS ELLER

    DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA SISTEMTICA

    Monografia

    A EFICCIA DA OBRA EXPIATRIA DE CRISTO NA SALVAO DOS ELEITOS

    James Machado Alvarenga

    Monografia Para Concluso de Curso de Bacharel em Teologia

    Prof. Rev. Manasss Jmior Villaa

    Belo Horizonte

    Junho

    2001

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    DEDICATRIA

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    memria do mais excelente dentre os nossos colegas que foi promovido para junto de nosso

    Pai Celestial, antes mesmo de concluir seus estudos no Seminrio,

    Evantuir Aristbulo Rios Pereira,

    Homem por quem Cristo fez eficaz expiao.

    AGRADECIMENTOS

    Foram muitas as pessoas que nos ajudaram na concretizao deste curso, contribuindo com a

    nossa formao acadmica. Gostaria de deixar aqui a minha gratido a cada um deles.

    Ao Autor e Consumador da nossa redeno, o Senhor Jesus, a quem devido todo o louvor, a

    glria, a sabedoria e as aes de graas hoje e para toda a eternidade.

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    Igreja Presbiteriana de Campo Belo, que me avaliou como aspirante, encaminhando-me ao

    Presbitrio e me sustentou espiritual e financeiramente no Seminrio e ao Presbitrio Oeste de Minas, que

    me enviou ao Seminrio como Candidato ao Sagrado Ministrio.

    D. Lida E. Knight que custeou minhas viagens para o trabalho nos campos da Igreja

    Presbiteriana de Campo Belo por trs anos consecutivos.

    SAF da Igreja Presbiteriana de Campo Belo, fiel auxiliadora no decorrer do curso.

    D. Mariana Garcia Gambogi, mantenedora, hospedeira e irm amiga em Campo Belo.

    Tia Guiomar Miserani, que muito me auxiliou em orao.

    D. Priscila Maura Lopes Ribeiro, fiel irm, amiga e auxiliadora.

    Ao Rev. Jeremias Gonalves dos Santos, tutor por trs anos consecutivos, pelo apoio pastoral.

    Ao Rev. Misael F de Oliveira, tutor atual, pelo auxlio no final da caminhada.

    Ao Rev. Romer Cardoso dos Santos que no s prontamente se disps a ser nosso orientador

    monogrfico, como o fez como ningum.

    Ao Seminrio Presbiteriano Teolgico Rev. Denoel Nicodemos Eller, na pessoa de seus

    professores, pela formao acadmica e aos colegas, todos os que nos acompanharam nesses quatro anos,

    ou menos, e que ajudaram no desempenho desta formao acadmica.

    Agradeo ainda queles que, mesmo no anonimato, contriburam para nossa atual vitria.

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    NDICE

    Introduo .................................................................................................................................................... 6

    Captulo 1 .................................................................................................................................................... 8

    A Expiao De Cristo Pelos Eleitos E A Contemporaneidade. ................................................................... 8

    1. No Pensamento Protestante.............................................................................................................. 8

    2. No Pensamento Heterodoxo .......................................................................................................... 10

    3. No Pensamento Catlico Apostlico Romano ............................................................................... 13

    Captulo 2 .................................................................................................................................................. 17

    O Desenvolvimento Histrico Da Doutrina Da Expiao ......................................................................... 17

    1. Da Patrstica at Antes da Reforma do sculo XVI ....................................................................... 17

    2. Da Reforma do Sculo XVI at a poca Moderna. ....................................................................... 21

    3. Da poca Moderna at a poca Contempornea ........................................................................... 26

    Captulo 3 .................................................................................................................................................. 29

    O Conceito Bblico De Expiao............................................................................................................... 29

    1. No Antigo Testamento................................................................................................................... 29

    2. No Novo Testamento ..................................................................................................................... 33

    3. Anlise do Conceito....................................................................................................................... 37

    Captulo 4 ................................................................................................................................................ 41

    A Eficcia Da Expiao ............................................................................................................................. 41

    1. Na Consumao da Redeno........................................................................................................ 41

    2. Na Aplicao da Redeno ............................................................................................................ 53

    Concluso .................................................................................................................................................. 77

    Bibliografia ................................................................................................................................................ 79

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    INTRODUO

    Enquanto ainda catlico e amigo de espritas, mrmons, adventistas, etc. no sabia como o

    modo de entender a morte expiatria de Cristo fazia tanta diferena. De modo geral, as seitas acima e

    outras mais, negam a eficcia da obra expiatria de Cristo, em favor dos seus eleitos.

    Quando Deus me chamou sua graa, lendo as Escrituras, comecei a entender que tanto os

    sacrifcios no Antigo Testamento, quanto a morte de Cristo, no Novo, constituam tema essencial no

    relacionamento de Deus com o seu povo e na salvao graciosa desse povo, pela oferta de um substituto.

    Desde ento, tenho sempre me confrontado com idias religiosas e filosofias seculares que se unem para,

    uma voz, repudiar o fato de que Deus salva o seu povo eleito pela eficcia da obra expiatria de Cristo.

    Atravs dessa monografia, vejo a oportunidade providencial de me inteirar mais sobre a questo

    e procurar dar uma resposta adequada, atravs da pesquisa e anlise do assunto, aos que se ope s

    doutrina. E como s doutrina afirmo que a morte de Cristo, que foi consumada e que se aplica aos

    coraes dos eleitos de Deus, eficaz para a salvao de cada um deles.

    Outra razo para a realizao desse trabalho o fato de que muitos insistem em no aceitar a

    expiao a proviso do Senhor por meio da qual salva o seu povo. Desse modo, muitos se arrogam no

    direito de atriburem a si mesmos algo que provm do Senhor, graciosamente. Por fim, vejo preocupado,

    que dentro de nossas prprias igrejas tem-se comprometido do contedo do verdadeiro Evangelho, cuja

    cruz o centro; isto , no vejo como coisa de somenos importncia o fato de que um grande nmero de

    pastores e lderes que se dizem reformados, lastimavelmente, repudiarem a eficcia da obra expiatria de

    Cristo em favor dos eleitos.

    Nesse trabalho monogrfico tomamos como bssola a perspectiva reformada tal como

    apresentada pela Confisso de F de Westminster e seus Catecismos Menor e Maior, e isso, de tal modo

    que seja pautado sob as bases das doutrinas da graa; com a mente cativada por tais verdades,

    permaneam convictos e certos nossos leitores de que novas geraes esto clamando por reforma,

    fincadas nos mesmos princpios da reforma do sculo XVI; tal gerao traz consigo a certeza de que a

    exposio da doutrina da expiao uma das bases do cristianismo por revelar a proviso de Deus para a

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    redeno do pecador. Outras obras que nos orientaram grandemente foram: A Redeno, Consumada e

    Aplicada, de John Murray e Salvos Pela Graa, de Anthony Hoekema.

    Mas como devemos conceituar, biblicamente, a expiao de Cristo? Como se consumou

    salvao objetiva na histria, a expiao de Cristo? Como se efetiva salvao objetiva hoje, a

    aplicao da expiao de Cristo? Podemos afirmar que a expiao de Cristo foi eficaz para a salvao dos

    eleitos? Essas so algumas das questo a que nos propomos trabalhar, avaliando-as numa perspectiva

    bblico-reformada, e atualizando-as para a nossa poca. Para tanto, tomaremos um caminho que segue o

    seguinte raciocnio: (1). No captulo 1 A Expiao de Cristo pelos Eleitos e a Contemporaneidade,

    fazendo assim um levantamento do pensamento atual que demonstra a situao do assunto; (2). No

    captulo 2 O Desenvolvimento Histrico da Doutrina da Expiao, onde tratado o panorama histrico

    do posicionamento das principais abordagens, correntes e escolas dentro da Histria da Igreja; (3). No

    captulo 3 O Conceito Bblico de Expiao, que a base para a parte principal dessa monografia, onde

    feita uma fundamentao bblico-teolgica (AT/NT); e (4). No captulo 4 A Eficcia da Expiao, uma

    exposio tanto da Consumao como da Aplicao da obra de Cristo, como aplicaes ao contexto atual.

    Propomos, portanto, preparar este trabalho acadmico tendo como objetivo expor sobre a

    eficcia da obra expiatria de Cristo na salvao dos eleitos usando como metodologia o Manual

    Aprovado pela Congregao do Seminrio Teolgico Presbiteriano Rev. Denoel Nicodemos Eller para

    Normatizar os Trabalhos Acadmicos do Curso de Bacharel em Teologia.

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    CAPTULO 1

    A EXPIAO DE CRISTO PELOS ELEITOS E A CONTEMPORANEIDADE.

    A maioria das religies tm seu cdigo moral ocupando o centro das atenes. Quando

    pensamos no cristianismo bblico no podemos deixar de ter em mente a cruz de Cristo. A expiao de

    Cristo , sem sombra de dvida, o evento mais significativo da histria. Ao declarar a eficcia da

    expiao na salvao dos eleitos, desejo frisar a sua suprema importncia para a vida do homem cado,

    espiritualmente morto. Todos ns, um dia, nos encontrvamos nesse estado at que a obra que Cristo

    consumou no Calvrio foi aplicada s nossas vidas.

    Acredito firmemente que a expiao eficaz, como coloca Paulo Anglada: Cristo, ao morrer na cruz,

    expiou de fato, e no apenas potencialmente, o pecado dos eleitos de Deus.1 Porm, um grande nmero de

    evanglicos, hoje em dia, embora acreditem na teologia da cruz, desacreditam de sua essncia objetiva,

    esvaziando-a, se que o podem fazer, do seu contedo bblico. To falaciosos so os falsos conceitos que

    concorrem hoje com a verdade do evangelho que tem-se perdido a sua preciosidade; tomando emprestadas as

    palavras de James Denney: A palavra da f mais simples a palavra mais profunda da teologia: Cristo

    morreu por nossos pecados. 2

    Portanto, o objetivo deste captulo consiste em apresentar uma anlise de algumas tendncias

    contemporneas de interpretao da doutrina da expiao nos pensamentos: Protestante, heterodoxo,

    Catlico Apostlico Romano e conduzir o leitor ao problema que se enfrenta na atualidade ao se expor sobre

    tal ensino bblico.

    1. No Pensamento Protestante

    1 Paulo Anglada, Calvinismo, As Antigas Doutrinas da Graa (So Paulo: Editora Os Puritanos, 1996),

    49.

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    Podemos destacar, como exemplo das principais interpretaes contemporneas, o pensamento de

    dois telogos protestantes: Karl Barth e G. C. Berkouwer.

    Comeando por Karl Barth (1886-1968), opositor do liberalismo teolgico e principal expoente

    da Neo-ortodoxia, pode-se perceber em sua obra Church Dogmtics, no volume 4, intitulado A Doutrina

    da Reconciliao, Segundo as palavras de Donald o ... quo profundamente ele concebia a obra de Cristo

    como ato de Deus para a salvao da humanidade. 3 Na sua concepo todos os atos de Deus so, por si

    s, to grandiosos, to divinos, a ponto de estarem alm da compreenso clara da mente humana. Por isso,

    a expiao mistrio e milagre, simultaneamente. Para Barth a expiao constituda pelo evento todo de

    Cristo, pela histria toda de sua obra. R. N. Champlim resume assim a idia Neo-ortodoxa sobre a

    expiao:

    A neo-ortodoxia leva a srio a necessidade da misso interventora de Jesus Cristo, incluindo a questo da expiao por seu sangue. Jesus no foi apenas um mrtir de uma causa boa. No foi apenas um bom mestre. No foi apenas um profeta. Foi mais do que Scrates, a beber sua forma de cicuta. Na cruz do Calvrio, Deus triunfou sobre o pecado, e ofereceu os benefcios de sua misso encarnada a todos os homens. Na neo-ortodoxia, as muitas teorias da expiao so consideradas, quando muito, como esforos humanos por explicar o que no tem explicao. Pode haver alguma verdade nessas teorias; mas perfeitamente intil a anlise que podemos fazer sobre a questo. Na neo-ortodoxia, vrios autores refletem teorias diferentes; mas o sistema no se prende a definies. Dentro da neo-ortodoxia, pois, no existe tal coisa como a teoria da expiao. Deus irrompeu em nossa dimenso terrestre na pessoa de Jesus Cristo. E a sua morte, como nosso substituto nos suficiente; e a cessa o nosso conhecimento a respeito.4

    Da, entendemos o porqu de Barth no ter proposto uma doutrina especfica sobre a expiao,

    ainda que a sua nfase recaia sobre idia da vitria de Cristo sobre os adversrios demonacos da

    humanidade, quer pessoais, quer csmicos. Ao mesmo tempo, toma a idia de Anselmo, segundo o

    comentrio de Donald K. McKin Cristo suportou a penalidade do pecado da humanidade em todo o seu

    Ser, humano e divino, ambos concorrendo para tornar eficaz a obra de Cristo. 5 Aparentemente, Barth

    escreve com preciso sobre o assunto, como subscrito abaixo:

    ... [Cristo] no carregou somente a inimizade do homem contra a graa de Deus, revelando-a em toda a sua profundidade. Ele carregou tambm o fardo muito maior da justa ira de Deus contra

    2 John Blanchard (editor), Prolas Para a Vida, Pensamentos para Sermes e Palestras (So Paulo:

    Editora Vida Nova, 1993), 157. 3 Donald K. McKin (editor), Grandes Temas da Tradio Reformada (So Paulo: Associao Evanglica

    de Literatura Pendo Real, 1998), 104. 4 Neo-ortodoxia em Enciclopdia de Bblia Teologia e Filosofia (So Paulo: Editora e Distribuidora

    Candeia, 1995), IV, 483. 5 Donald K. McKin (editor), Grandes Temas da Tradio Reformada, 109.

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    aqueles que eram inimigos da sua graa, a ira que tinha de ser descarregada sobre ns. Em seu prprio Verbo feito carne, Deus ouve que sua justia foi satisfeita, que as conseqncias do pecado humano foram carregadas e expiadas e que, portanto, elas foram extirpadas do homem o homem pelo qual Jesus Cristo intercedeu 6

    Ele destacou ainda que na expiao, encontramos a figura do Deus reconciliador e do homem

    reconciliado e como intermedirio o ato soberano de Deus. Para Barth, no entanto, esse ato puramente

    fruto da necessidade de Deus, e o meio pelo qual ele recupera as coisas perdidas. Mas alm da Bblia

    insistir em que somos reconciliados com Deus por meio da morte de Cristo (cf. Rm 5.10; Cl 1.22), ela

    afirma tambm que foi feita a paz entre Deus e os homens por meio do sangue da sua cruz (cf. Cl 1.20, Ef

    2.15-16); logo, o homem precisava desesperadamente, da obra expiatria.

    G.C. Berkouwer, trabalhou fortemente em defesa da doutrina reformada histrica, ao mesmo

    tempo que afirmou terem sido falhas as diversas teologias ao destacarem exclusivamente um dos

    diversos aspectos do ato mediatrio de Cristo, que to rico que no pode ser seno visto por diversos

    ngulos. Como Calvino e Barth, este telogo afirma que a obedincia de Cristo no abrange simplesmente

    uma parte de sua vida, mas toda sua obra messinica. Alis, impossvel distinguir a pessoa de Cristo de

    sua obra, ambas porm, andam juntas e devem ser inter-relacionadas. Como um bom neo-ortodoxo,

    evitou a idia de que possa ser feita uma perfeita declarao da obra de Cristo, tratando com pouca

    clareza de como ele mesmo entendia a ao redentora de Cristo.

    Em ambos os casos, h tanto omisso de precioso contedo teolgico quanto pouca clareza de

    exposio da doutrina.

    2. No Pensamento Heterodoxo

    Vivemos em tempos ps-modernos, em uma poca onde se tem encarado o pensamento

    heterodoxo como algo razoavelmente bom por muitos telogos. Mas o que apresentamos abaixo se trata

    da pluralidade dos pensamentos filosfico-existencialistas e das aberraes das doutrinas de Allan

    Kardec, de Ellen G. White e de Charles Taze Russel, algo que chega a ir alm da imaginao.

    6 Karl Barth, Church Dogmatics, vol. 4 (T. & T. Clark, Edimburgo, 1936-1969), II, I. 152; II, I. 403,

    citado por Donald K. McKin (editor), Grandes Temas da Tradio Reformada, 102.

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    A filosofia existencialista tambm opinou sobre a doutrina da expiao. Segundo Alfredo B.

    Teixeira,

    A filosofia existencialista criou na atualidade uma escola teolgica que, na Amrica, deu nova forma teoria moral da expiao. Segundo Reinhold Neibuhr (1892-1971), proeminente representante dessa escola, a morte de Cristo no teve finalidade expiatria, constituindo apenas um smbolo de como o homem pode salvar-se. O ideal ou a finalidade da vida humana a realizao no s do amor mtuo e desinteressado de uns para com os outros, mas o amor sacrificial, amor prprio de Deus, que, para melhor distingui-lo, Niebuhr chama gape, a palavra grega que corresponde ao amor capaz de sacrificar-se pelo prximo, e que, para ele, praticamente no existe entre os homens. Evitando o dio, que destruidor, o mximo que normalmente conseguem praticar o amor mtuo ou de reciproco interesse. O amor gape, como atributo de Deus, transcendente ao homem mas nele imanente como um ideal a atingir. A atividade do homem para erguer-se at esse ideal e a atividade de Deus para corresponder aos esforos do homem constituem uma espcie de dilogo ou dialtica que o nome da teologia em apreo. Empenhado nessa dialtica, Jesus conseguia realizar o amor sacrificial, como se evidenciou na cruz. A cruz, pois, no teve por fim expiar os pecados da humanidade, mas tornou-se o smbolo de que a vitria sobre o pecado possvel e de como deve ser tentado por cada homem: a salvao pelas obras. uma teologia semelhante de Socino, segundo a qual a morte de Cristo um exemplo de fidelidade verdade e ao dever, com a diferena que, em Niebuhr, o exemplo no versa a moral comum mas o amor sacrificial que a transcende. Cristo, nesta teologia, mero homem e no uma encarnao da Divindade, porque se o fosse no poderia ser um exemplo para os outros homens, que no gozam desse privilgio. ...........................................................................................................................................................

    Temos de viver a nossa vida sob as condies de finitude; reduzida a um simples exemplo de amor gape por parte de Jesus que, para dar exemplo, no pode ser Deus, porquanto as virtudes de um deus podem ser imitadas pelos homens, que no so deuses. 7

    Essas palavras que espelham de modo renovado a teoria moral, como veremos no captulo II,

    merecem a mesma rejeio daquela.

    No possvel deixar de considerarmos o fato de que muitas seitas de nossos dias surgiram

    nesse perodo. A grande maioria delas traz variaes entre as teorias j expostas e, s vezes, algumas

    verdadeiras aberraes. Vejamos algumas:

    Segundo a doutrina Esprita, h dois motivos pelos quais a alma deve reencarnar: expiao dos

    pecados e progresso ininterrupta. Lon Denis, autor esprita, escreveu: No, a misso de Cristo no era

    resgatar com seu sangue os crimes da Humanidade. O sangue, mesmo de um Deus, no seria capaz de

    resgatar ningum. Cada qual deve resgatar-se a si mesmo, resgatar-se da ignorncia e do mal. o que os

    Espritos, aos milhares, afirmam em todos os pontos do mundo. 8 E para Allan Kardec ... toda a falta

    cometida, todo mal realizado uma dvida contrada que dever ser paga; se no for em uma existncia,

    7 Alfredo Borges Teixeira, Dogmtica Evanglica, 2a. ed. (So Paulo: Livraria Editora Pendo Real,

    1976), 214. Alfredo Teixeira, Dogmtica Evanglica, 334. 8 Lon Denis, Cristianismo e Espiritismo, 7a. Ed. (So Paulo: Federao Esprita Brasileira, ____), 85.

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    se-lo- na seguinte ou nas seguintes. 9 Por fim, no Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec reafirma

    que ... cada qual dever expiar suas prprias culpas: no h salvao vicria ou redeno feita por

    outrem; todos devero conquistar a perfeio por esforos e merecimentos pessoais: a graa divina e os

    mritos de Cristo seriam privilgios e injustias. 10 Em vista de idias tais como estas, no h como ser

    kardecista e cristo, crer na auto-redeno e na hetero-redeno; trata-se de tomar uma deciso: contra ou

    a favor de Cristo.

    Ellen G. White, profetiza da Igreja Adventista do Stimo Dia, apresenta estranhas concluses

    sobre a obra de Cristo, afirmando ser esta incompleta, como segue,

    O sangue de Cristo, oferecido em favor dos crentes arrependidos, assegurava-lhes perdo e aceitao perante o Pai; contudo, ainda permaneciam seus pecados nos livros de registro. Como no servio tpico havia uma expiao no fim do ano, semelhantemente, antes que se complete a obra de Cristo para redeno do homem, h tambm uma expiao para tirar o pecado do santurio. Este o servio iniciando quando terminaram os 2.300 dias. Naquela ocasio, conforme fora predito pelo profeta Daniel, nosso sumo Sacerdote entrou no lugar santssimo para efetuar a ltima parte de Sua solene obra purificar o santurio. ...........................................................................................................................................................

    Pela sua morte iniciou essa obra, para cuja terminao ascendeu ao Cu, depois de ressurgir. ...........................................................................................................................................................

    Remisso, ou ato de lanar fora o pecado, a obra a efetuar-se. 11

    Os erros aqui se somam: uma vez que a expiao de Cristo no est completa pois lemos: ...

    antes que se complete a obra de Cristo para redeno do homem ... questionamos qual a

    possibilidade do crente ter certeza da salvao. Mas as Escrituras nos declaram que o sacrifcio de Cristo

    no Calvrio apagou eficazmente os pecados de todos os que pe a sua confiana em Cristo. No haveria

    qualquer necessidade de esperar at 22 de outubro de 1844 para que qualquer um dos eleitos comeassem

    a receber o princpio do perdo, nem at a segunda vinda de Cristo para que se complete a obra da

    redeno. Cristo j fez eficaz expiao, conforme Hb 9.11,12: Quando, porm, veio Cristo como sumo

    sacerdote dos bens j realizados, mediante o maior e mais perfeito tabernculo, no feito por mos, quer

    dizer, no desta criao, no por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu prprio sangue,

    entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redeno. (grifo nosso).

    9 Allan Kardec, O Cu e o Inferno,16a. Ed. (So Paulo: Federao Esprita Brasileira, ____), 88.

    10Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, 39a. Ed. (So Paulo: Federao Esprita Brasileira, ____), 76. 11

    Ellen G. White, O Conflito dos Sculos (Santo Andr: Casa Publicadora Brasileira, 1978), 420, 492, 417. grifo nosso

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    As Testemunhas de Jeov da Sociedade Torre de Vigia de Bblias e Tratados, fundada por

    Charles Taze Russel no se mostram menos enganadas do que isso. Vejamos o que eles afirmam sobre

    a morte de Cristo: Assim, o Rei Jesus Cristo foi morto na carne e ressuscitado uma criatura

    espiritualmente invisvel. 12 Portanto, eles negam a propiciao de Cristo; ensinam que a morte de

    Cristo apenas uma porta para libertao de todo gnero humano, atravs do reino milenial. A salvao,

    portanto, no benefcio proveniente de uma justificao imputada sem mrito, mas um bem apropriado

    atravs de exerccio efetivo da f pessoal, que se obtm por meio do conhecimento racional da proviso

    divina em Jesus Cristo 13. Ao que tudo indica, foram abandonados vrios textos que tratam da obra

    expiatria de Cristo, tais como 2 Co 5.21: Aquele que no conheceu pecado, ele o fez pecado por ns;

    para que nele fossemos feitos justia de Deus., 1 Pe 3.18: Pois tambm Cristo morreu, uma nica vez,

    pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no

    esprito ... e ainda outros como Is 53 e At 8.28-35.

    Ficamos certamente surpresos, bem como estarrecidos, diante dessas idias herticas, mas

    prossigamos ainda um passo a frente.

    3. No Pensamento Catlico Apostlico Romano

    Os Catlicos Apostlicos Romanos anunciaram, em 2000, o Ano do Jubileu que,

    pretensiosamente, promete o perdo por meios absolutamente estranhos s Escrituras. Com base numa

    interpretao alegrica de uma lei civil do Israel estado, quanto ao Ano do Jubileu judaico o 50 ano,

    que vinha aps sete anos sabticos, que tinha como propsito proclamar liberdade queles que tinham

    tornado-se escravos por causa de dvida e devolver as terras aos seus antigos donos (cf. Lv 25:8-55,

    27:17-24; Ez 46:17).

    Historicamente, os Papistas instituram, a partir de 1300, sob o Papa Bonifcio VIII, a

    indulgncia plenria que era outorgada a todos os fiis que visitassem as baslicas romanas de So Pedro,

    So Paulo, Santa Maria Maior e So Joo Latro, e recebessem os Sacramentos da Penitncia e da

    12Seja Deus Verdadeiro (So Paulo: Sociedade Torre de Viglia de Bblias e Tratados, 1952), 134. grifo nosso

    13 Ulisses Horta Simes, Apostila de Heresiologia Apologtica Aplicada, Seitas, 8. Do Curso de

    Heterodoxia do Seminrio Presbiteriano Rev. Denoel Nicodemos Eller, Belo Horizonte, Minas Gerais.

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    Eucaristia. Originalmente, fora instituda para ter intervalos de 100 anos, caindo para 50, depois 33, e, por

    fim, o Papa Paulo II fixou sua proclamao num perodo de 25 em 25 anos, em 1470. A revista Defesa da

    F traz a seguinte afirmao sobre esse dogma Catlico: O Jubileu, que ordinariamente se concede todos

    os 25 anos, uma indulgncia plenria, qual esto anexos muitos privilgios e concesses particulares,

    como o poder de obter-se a absolvio de alguns pecados reservados e de censuras, e a comutao de

    alguns votos14. Heresias antigas e modernas se mesclam num mar de descrdito morte de Cristo, como

    sendo eficaz, toda suficiente, para a absolvio e o perdo dos eleitos de Deus, como relatado em Hb

    10.12-14: Jesus, porm, tendo oferecido, para sempre, um nico sacrifcio pelos pecados, assentou-se

    destra de Deus, aguardando, da em diante, at que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seus

    ps. Porque com uma nica oferta aperfeioou para sempre quantos esto sendo santificados. (grifo

    nosso)

    A ttulo de finalizao, a Declarao de Cambridge [The Cambridge Declaration], produto da

    reunio histrica de 120 pastores, docentes e lderes evanglicos de organizaes paraeclesisticas, em

    Cambridge, Massachusetts, de 17 a 20 de abril de 1996, realizada com a finalidade de convocar os

    evanglicos da Amrica a se arrepender de seu mundanismo e a buscar a recuperao das doutrinas

    bblicas apostlicas. Essa reunio foi convocada pela Aliana de Evanglicos Confessionais e assinada

    por homens como James Montgomery Boice, David F. Wells, Ervin S. Duggan, Gene Edward Veith,

    Michael S. Horton, Sinclair B. Fergunson e W. Robert Godfrey. Um de seus artigos chamou ateno ao

    afirmar uma das Solas da Reforma

    Solus Christus: A Eroso da F Centrada em Cristo. medida que a f evanglica se secularizou, seus interesses se confundiram com os da cultura. O resultado uma perda de valores absolutos, um individualismo permissivo, a substituio da santidade pela integridade, de arrependimento pela recuperao, da verdade pela intuio, da f pelo sentimento, da providncia pelo acaso e da esperana dourada pela gratificao imediata. Cristo e sua cruz se deslocaram do centro de nossa vida. Tese 2: Solus Christus: Reafirmamos que nossa salvao realizada unicamente pela obra mediatria do Cristo histrico. Sua vida sem pecado e sua expiao por si s so suficientes para nossa justificao e reconciliao com o Pai. Negamos que o evangelho esteja sendo pregado se a obra substitutiva de Cristo no estiver sendo declarada e a f em Cristo e sua obra no estiver sendo invocada. 15

    14 Natanael Rinaldi, O cu em liquidao, em Defesa da F III:19 (Fevereiro 2000), 16.

    15 James M. Boice, Gene E. Veith, Michael Horton, Sinclair Ferguson e outros, Reforma Hoje - Uma

    Convocao feita pelos Evanglicos Confessionais (Cambuci: Editora Cultura Crist, 1999), 13.

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    Atender a essa convocao se faz urgente em face da realidade da secularizao da Igreja.

    Faltam-nos vozes que clamem em alto e bom som: Solus Christus!

    Algum tempo atras, lendo A Soberania Banida de R. K. MacGregor Wright fui despertado quanto a

    necessidade de proclamar todo o desgnio de Deus, como cristo reformado, nas suas palavras: Para um

    calvinista, a morte de Cristo realmente assegurou e completou a salvao do eleito por satisfazer a justia

    de Deus, e assegurou as bnos da redeno em favor daqueles a quem a oferta foi feita. Este o

    propsito da orao intercessria de Jesus em Joo 17. Seu objetivo deliberadamente limitado:

    Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo (v.6)16.

    Porm, nos tempos em que vivemos, chamados de ps-modernos, temo que as pessoas que

    ouvem a mensagem do evangelho a estejam entendendo mais como uma terapia, onde o enfoque o

    sentimento de bem-estar social, e no como deveria ser: a proclamao das verdades de Deus que mesmo

    sendo duras de se ouvir, so as Boas Novas salvficas.

    A isso faz referncia Gene Edward Veith, Jr., em seu livro Tempos ps-modernos, ao considerar

    os escritos de Lutero: [Ele] estava pensando em algo semelhante quando contrastou a teologia da glria

    [que busca satisfazer as multides] baseada no poder e no orgulho, com a teologia da cruz [que enfoca

    a verdade] baseada em nossa prpria humilhao e no sofrimento de Jesus Cristo.17

    Ns, os filhos da Reforma, por entendermos que essa perda do legtimo contedo do evangelho

    da cruz letal para os cristos de ontem, hoje e do amanh, firmaremos a verdade de que a expiao de

    Cristo a proviso de Deus para a salvao do pecador. Nas palavras do apstolo Pedro: ...no foi

    mediante cousas corruptveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso ftil procedimento que

    vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mcula, o sangue

    de Cristo, conhecido com efeito, antes da fundao do mundo, porm, manifestado no fim dos tempos,

    por amor de vs. (1 Pe 1:18-20)

    Segundo o texto acima foi pelo sangue de Cristo que fomos resgatados. No

    entanto, a viso pluralista em que nossa gerao se encontra submersa v Deus to somente com um Ser

    de infinito amor, que no poderia deixar de salvar os no cristos pelo simples fato de eles no serem

    16 R. K. MacGregor Wright, A Soberania Banida, Redeno para a cultura Ps-moderna (Cambuci:

    Editora Cultura Crist, 1998), 163. 17

    Gene Edward Veith, Jr. Tempos Ps-modernos (Cambuci: Editora Cultura Crist, 1999), 207.

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    cristos. Jesus Cristo tem sido considerado como apenas um caminho no processo de salvao da

    humanidade. Nas palavras do Dr. Heber C. de Campos:

    Jesus Cristo no pode ser [para a cultura ps-moderna] a revelao especial de Deus no sentido de a salvao depender dele unicamente. H outras revelaes de Deus que so igualmente soteriolgicas. H outras formas de salvao que no so concentradas em Jesus Cristo, segundo o ensino da cristologia pluralista. Enquanto o cristianismo pr-moderno ensina que no h salvao parte da obra expiatria de Cristo e sua conseqente f nele, o cristianismo ps-moderno postula que muitos sero salvos parte de Cristo, e que o Esprito Santo poder trazer salvao mesmo aos que no conhecem a Cristo18.

    Mas isso no faz parte seno de um falso evangelho, um evangelho barateado. E mesmo que

    proclamemos parte do evangelho, sem a expiao, este falso. James Montgomery Boyce, tratando da

    centralidade da cruz, afirma que

    Qualquer evangelho que proclama somente a vinda de Cristo ao mundo, significando a encarnao sem a expiao, um falso evangelho. Qualquer evangelho que proclama o amor de Deus sem ressaltar que seu amor O levou a pagar, na pessoa de seu Filho, na cruz, o preo final pelos nossos pecados, um falso evangelho. O verdadeiro evangelho aquele que fala sobre o nico Mediador (1 Tm 2.5-6), que ofereceu a Si mesmo por ns. 19

    No que tange ao fato de que nossa sociedade e a teologia ps-moderna no mais vem a Cristo

    como a Pedra Angular, o nico Caminho, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, h de se ter

    uma sria preocupao em mente.

    Ser que no passado, outros tiveram problemas em entender a eficcia da obra expiatria de

    Cristo na salvao dos eleitos? Vejamos no captulo seguinte.

    18 Heber Carlos de Campos, O Pluralismo do Ps-modernismo, em Fides Reformata, II:1 (Janeiro-Julho

    1999), 10. 19

    James Montgomery Boyce, A Centralidade da Cruz, em F para Hoje, VIII (Janeiro-Julho, 2000), 7.

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    CAPTULO 2

    O DESENVOLVIMENTO HISTRICO DA DOUTRINA DA EXPIAO

    Quando folheamos as pginas das Escrituras constatamos o fato de que elas levam o pecado

    muito a srio. Este, uma barreira entre o homem e Deus (cf. Is 59:2). Como destruir essa barreira?

    Como temos visto, Deus j lidou com o problema problema que nenhum de ns poderia

    solucionar. No Antigo Testamento, Deus deu o sacrifcio como o meio correto (cf. Lv 17:11); o que no

    diferente no Novo Testamento, onde a cruz ocupa o lugar central, sendo o meio de Deus trazer a salvao

    (cf. Cl 1:20).

    Porm, no encontramos nas Escrituras uma exposio sistemtica sobre a expiao. Essa

    provavelmente a razo de terem surgido diferentes concepes sobre esse assunto no decorrer da histria.

    No presente captulo, recorreremos grande contribuio que telogos de diversas pocas deram para o

    desenvolvimento dessa doutrina.

    1. Da Patrstica at Antes da Reforma do sculo XVI

    Desde os apstolos at a Reforma do sculo XVI essa doutrina ocupou um espao muito

    pequeno na discusses de conclios e aparece to somente nos escritos de alguns telogos. Assim, os pais

    apostlicos e todos os que os seguiram antes e depois de Nicia, em 325 A D., a expressaram na

    linguagem de sacrifcio do Antigo e Novo Testamentos, sem darem s suas idias forma definitiva ou

    consistente.

    Na Patrstica, em geral, o ensino da Igreja era o de que a morte de Cristo foi para salvar os

    pecadores, mas o porqu desse sacrifcio no devidamente esclarecido, seno por dois proeminentes

    proponentes de duas concepes acerca da expiao: Orgenes e Anselmo. Alm deles veremos Irineu,

    Pelgio, Abelardo, Bernardo e Tomas de Aquino.

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    Orgenes, pai grego e defensor da Teoria de Resgate a Satans, exps vrios pontos de vista sem

    combin-los num todo sinttico. Em sua concepo: Cristo salva deificando a natureza humana atravs

    da encarnao; conferindo-lhes o supremo exemplo de auto-sacrifcio, assim inspirando outros a sacrifcio

    similar; dando sua vida como sacrifcio expiatrio pelo pecado, e redimindo os homens do poder de

    satans.20

    Assim, segundo Orgenes, a morte de Cristo foi um resgate pago a satans para libertar o ser

    humano cativo das suas reivindicaes. Sua suposta base bblica era: Mt 20:28; Mc 10:45; 1 Co 6:20. A

    condio espiritual do homem seria, ento, a de escravido a satans 21 e o sentido da morte de Cristo, a

    vitria de Deus sobre satans, ou seja, a libertao da servido a Satans. 22

    Contudo, percebeu-se que satans no tinha direito sobre os pecadores, pelo contrrio, Deus

    poderia soberanamente t-los libertado, se assim o quisesse, e, ainda que o diabo no pudesse ter feito

    nada a respeito disso, como responde MacGregor Wright: ... um resgate pago somente porque algum

    importante para ter de volta os cativos de qualquer outra forma. Foi ento concludo de forma correta

    que o resgate realmente foi pago, mas o foi justia do Pai, no a satans. Resgate foi apenas uma

    figura de linguagem para um pagamento satisfatrio, e nesse caso, o pagamento foi sacrificial.23

    A segunda teoria desse perodo formulada por Anselmo de Canterbury. Ele foi o primeiro a

    tentar expor a doutrina da expiao de modo harmonioso e coerente. Sua teoria chamada de Teoria

    Comercial e exposta em seu clssico e obra-prima da erudio teolgica Cur Deus Homo, onde

    ... sujeitou a crticas severas o conceito patrstico de um resgate pago a Satans. Entendia que o pecado uma desonra majestade de Deus. Ora, um soberano pode estar bem disposto, em suas atribuies particulares, a perdoar uma ofensa ou uma injria, mas, por ser soberano, no pode faz-lo. O Estado foi desonrado na pessoa de seu chefe. Uma satisfao apropriada deve ser prestada. Deus o Governador soberano de todos, e no lhe apropriado deixar passar impune qualquer irregularidade no Seu reino. Anselmo argumentava que a ofensa que o pecado causou a Deus to grande que somente Deus poderia fornecer reparao. Mas o pecado foi cometido pelo homem; logo, apenas o homem deve pagar. Assim, conclui que se faria necessrio algum que fosse Deus e homem ao mesmo tempo24.

    20 Louis Berkhof, A Histria das Doutrinas Crists (So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas,

    1992), 150. 21

    W. Wayne House, Teologia Crist em Quadros (So Paulo: Editora Vida, 1999), 112. 22

    Ibid., 112. 23

    R. K. MacGregor Wright, A Soberania Banida, Redeno para a cultura Ps-moderna (Cambuci: Editora Cultura Crist, 1998), 158. 24

    Expiao, Teorias da em Enciclopdia Histrico-Teologica da Igreja Crist, (So Paulo: Sociedade Religiosa Edies Vida Nova, 1990), II, 143.

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    Portanto, segundo Anselmo, a morte de Cristo trouxe honra infinita a Deus. Assim, Deus

    concedeu a Cristo uma recompensa da qual ele mesmo no necessitava, e ento, Cristo transferiu-a ao ser

    humano, conforme Jo.10:18. No seu modo de entender, a condio espiritual do homem de desonra a

    Deus. Ento, o sentido da morte de Cristo que, por meio dela, ele trouxe honra infinita a Deus. 25 Por

    isso, essa teoria passou a ter tambm o nome de Teoria da Satisfao. Alberto Borges Teixeira faz o

    seguinte comentrio sobre essa teoria:

    A teoria de Anselmo era a de que a obra da cruz foi necessria para que o homem no fosse aniquilado pela punio merecida pelos seus pecados (aniquilamento que frustaria a prpria obra da criao), e para que a honra de Deus no sofresse com a quebra impune da sua lei. Por esse motivo, o filho de Deus se encarnou para poder, como homem, sofrer em lugar dos pecadores e, como Deus, oferecer um sacrifcio capaz de expiar todos os pecados e satisfazer plenamente a justia de Deus. Essa teoria, proposta em lugar da do resgate pago ao diabo, foi aceita com pouca modificao por todos os grandes telogos escolsticos e pelos reformadores, sendo depois incorporada tanto nos cnones de Trento como nos smbolos de todas as igrejas filhas da reforma. 26

    Como tambm afirma MacGregor Wright, muito embora esteja longe de ser completo, esse

    conceito...est bem mais perto das Escrituras, apontando para a necessidade que o pecador tem de um

    substituto. 27

    Alm desses dois grandes expoentes, poderamos citar outros importantes nomes, como segue

    abaixo.

    Irineu, proponente da Teoria da Recapitulao que diz que em sua vida, Cristo recapitulou todos

    os estgios da vida humana, e assim fazendo reverteu o caminho que Ado havia iniciado. O homem sem

    Cristo, ento, est espiritualmente em servido a Satans. O sentido da morte de Cristo seria a

    recapitulao feita por Cristo de todos os estgios da vida humana. 28 Ento, o seu valor para o ser

    humano a reverso do caminho da humanidade, da desobedincia para a obedincia. 29 Ao que parece,

    Irineu no considerou seno o carter da obedincia/desobedincia que se detm ao aspecto moral,

    25 W. Wayne House, Teologia Crist em Quadros, 113.

    26 Alfredo Borges Teixeira, Dogmtica Evanglica, 2a. ed. (So Paulo: Livraria Editora Pendo Real,

    1976), 214. Alfredo Teixeira, Dogmtica Evanglica, 334. 27

    MacGregor Wright, A Soberania Banida, 158. 28

    W. Wayne House, Teologia Crist em Quadros, 112. 29

    Ibid., 112.

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    esquecendo-se do carter legal envolvido na questo, de que a ofensa contra Deus feita por Ado, exigia

    cobertura.

    J Teoria do Exemplo foi defendida por Pelgio, o polmico telogo que afirmava ser a condio

    espiritual do homem a de espiritualmente vivo. 30 Sua definio da expiao rezava que a morte de

    Cristo to somente ofereceu um exemplo de f e obedincia para inspirar o ser humano a ser obediente.

    Outros expoentes, como Abelardo e Socino, que traremos mais abaixo, eram simpatizantes dessa teoria.

    Pelgio afirmava que o sentido da morte de Cristo era a de dar um exemplo de verdadeira f e

    obedincia 31, e quanto ao seu valor para o ser humano, inspir-lo a uma vida de f e obedincia. Acima

    de tudo, segundo essa teoria, no h seno um problema de natureza tica. Mas no isso que

    entendemos quando consideramos a bondade e a severidade do Senhor. Argumentos que refutam tal

    teoria so os mesmos usados abaixo, ao tratarmos da prxima teoria.

    Pedro Abelardo, que props a Teoria da Influncia Moral onde a morte de Cristo havia, ento,

    demonstrado o amor de Deus, o que amolece o corao do ser humano e o leva a arrepender-se. A

    redeno o grande amor despertado em ns pela paixo de Cristo. Isso por Deus ser, na sua convico,

    todo amor, no necessitando do sacrifcio de Cristo. Consequentemente, o pecado no visto como uma

    barreira objetiva entre o homem e Deus, mas um estado subjetivo da mente que vencido pelo amor

    despertado pela morte de Cristo, no corao do pecador. Esse amor nos redime, capacitando-nos a viver

    em obedincia voluntria a Deus, por amor a ele. Essa teoria furta os sofrimentos de Cristo de seu

    significado remidor e reduz o Cordeiro de Deus a mero mestre moral, que influencia os homens por meio

    de seus ensinos e de seu exemplo.

    Bernardo de Clairvaux, crtico de Abelardo e opositor das idias de Anselmo no se satisfazia

    com a questo puramente subjetiva da expiao, mas cria firmemente numa redeno de carter objetivo

    com sua base no aspecto subjetivo.

    Toms de Aquino estudou a fundo todos os seus antecessores e tomou aspectos

    consideravelmente similares aos de Anselmo. Porm,

    ... relacionou a satisfao em a idia que Cristo foi o segundo Ado, o cabea de nova humanidade. Esta descrio se enquadra melhor nas categorias bblias. Cristo apresentado no

    30 Ibid., 112.

    31 W. Wayne House, Teologia Crist em Quadros, 112.

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    apenas como o Deus-homem, cuja satisfao foi transferida aos homens, mas tambm como o cabea da congregao que participa em sua morte e ressurreio por meio da f e do batismo. Este conceito vai alm da avaliao meramente jurdica dos mritos alcanados por outrem.32

    Ao mesmo tempo, atestava uma grande nfase sobre os mritos de Cristo, abordando a idia da

    satisfao penal, isto , satisfao mediante castigo. Porm, afirmou que a paixo e a morte de Cristo,

    estritamente falando, no foram necessrias.33

    Pode-se perceber um grmen da idia que domina as Escrituras em Anselmo, e que

    posteriormente exposta por Calvino. Mas havia muito a percorrer at se chegar mais ao centro da questo;

    formular-se-ia futuramente o que melhor refletiria a mensagem bblica como um todo.

    2. Da Reforma do Sculo XVI at a poca Moderna.

    Reformadores e Papistas no debateram sobre a doutrina da expiao. A morte de Cristo era

    aceita por ambos como satisfao em lugar do pecado, satisfao de valor infinito. A diferena se dava

    em termos de nfase. Os reformadores aprimoraram a doutrina de Anselmo, enquanto os Papistas, de

    modo geral, primavam pelo ensino de Aquino.

    Pode-se afirmar que o mago da teologia de Lutero era a declarao de que Deus se deu a si

    mesmo por ns sem reservas em Jesus Cristo. Assim como Lutero no aceitava argumento algum para a

    existncia de Deus, ele tambm no props uma teoria consistente sobre a expiao. Timothy George

    relata que segundo Lutero

    Nunca o suficiente saber apenas que Cristo morreu, ou mesmo por que morreu. Tal conhecimento resultante de uma f meramente histrica, a qual no pode salvar. Os demnios tambm possuem suas teorias acerca da expiao; eles crem e tremem! A f que salva deve penetrar at uma apropriao pessoal. Apenas quando reconhecemos que Cristo foi dado pro me, pro nobis (por mim, por ns), teremos discernido a importncia da realizao de Cristo ..........................................................................................................................................................

    A forte nfase de Lutero no por mim do evangelho levou alguns crticos a caracterizarem sua teologia como subjetivista e antropocntrica. Essa uma acusao estranha, j que o lema de Lutero era a frmula teocntrica deixe Deus ser Deus, e o peso de sua ruptura na Reforma estava na solene afirmao da soberania de Deus na salvao.34

    32 Bengt Hgglund, Histria da Teologia, 6a. Ed. (Porto Alegre: Concrdia Editora Ltda, 1999), 148.

    33 Louis Berkhof, A Histria das Doutrinas Crists, 155.

    34 Timothy George, Teologia dos Reformadores (So Paulo: Sociedade Religiosa Edies Vida Nova,

    1994), 62-63.

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    Portanto, para Lutero, a boa nova que, em Jesus Cristo, o soberano Deus por ns, no contra

    ns. Mas, argumentava o ex-monge, a boa nova s podia ser conhecida quando fosse apreendida pela f,

    nas profundezas da experincia do homem.

    Para Calvino, por exemplo, no h, em Deus, vontade arbitrria. Antes a vontade de Deus

    determinada pelo complexo integral dos seus atributos, enfocando-se assim devidamente o fato de que a

    expiao feita por Cristo satisfez amplamente a justia de Deus. Nas suas palavra ...pelo que, assim

    dividimos a matria de nossa salvao entre a morte e a ressurreio de Cristo: que mediante aquela, [foi]

    aniquilado o pecado e extinta a morte, atravs desta foi restaurada a justia e restabelecida a vida, assim,

    entretanto, que aquela exiba sua fora e eficcia para conosco em virtude desta. 35

    Portanto, todas as coisas que pertencem nossa salvao devem ser encontradas em Cristo. Sem

    ele nada, com ele, tudo. Para Calvino, Cristo o centro absoluto do credo, o objeto nico de nossa f e o

    tesouro exclusivo das riquezas de nossa salvao, nas suas palavras:

    Quando, porm, vemos a suma de nossa salvao, e tambm cada uma de [suas] partes, compreendidas em Cristo, impe-se [-nos] guardar de que derivemos a outrem sequer a mais pequenina poro. Se salvao se busca, ensinados somos no prprio termo JESUS (cit.) que [ela] nEle est;... se fora, exibida est em Sua soberania; se pureza, em Sua concepo; se complacncia, em Seu nascimento, pelo qual Se nos fez em tudo semelhante, para que aprendesse a compartilhar de nossas dores; se redeno, em Sua cruz; se satisfao, em Seu sacrifcio; se purificao, em Seu sangue; se reconciliao, em [Sua] descida ao Hades; se mortificao da carne, em Seu sepultamento; se novidade de vida, em Sua ressurreio; se imortalidade, na mesma; se herana do Reino Celeste, em [Seu] ingresso no cu; se proteo, se segurana, se abundncia e proviso e todas as bnos, em Seu Reino; se confiante expectao do Juzo, no poder de julgar a Ele conferido. Enfim, como nEle estejam [quais] tesouros toda espcie de bens, da, no de outra parte, sejam hauridos saciedade. 36

    H. D. McDonald fala da concrdia entre Joo Calvino e Martinho Lutero quanto a essa nfase :

    Lutero e Calvino estavam juntos ao enfatizar a justia e o amor de Deus pelos pecadores. Por um lado

    existe a ira de Deus contra o pecado e, por outro lado, a sua graa providenciando uma expiao. Ambas

    as coisas esto reunidas na obra redentora de Cristo. 37

    Por fim, h de se destacar que Calvino no negligenciou o tema do Christus Victor, frente a

    maldio que a Lei lhe infringiu e da qual ele se tornou alvo, nas suas palavras no se deve entender que

    35 Joo Calvino, As Institutas ou Tratado da Religio Crist (So Paulo: Casa Editora Presbiteriana, S/C,

    1985), II, 285. 36

    Joo Calvino, As Institutas, II, 292-3. 37

    Donald K. McKin (editor), Grandes Temas da Tradio Reformada (So Paulo: Associao Evanglica de Literatura Pendo Real, 1998), 102.

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    Haja [Cristo] arrostado com esta maldio de modo tal que [Ele] prprio haja sido dela avassalado. Pelo contrrio, em arrostando[-a], antes abateu, quebrantou, destroou-lhe todo o poder. Consequentemente, a f apreende na condenao de Cristo uma absolvio, e [Sua] maldio uma bno. Pelo que, no sem causa, magnificentemente proclama Paulo o triunfo que Cristo para Si alcanou na cruz, como se a cruz, que era plena de ignomnia, haja sido convertida em carro triunfal. Pois diz haver sido pregada na cruz a nota de dvida que nos era desfavorvel, e totalmente desbaratados os principados, e [assim despojados,] exibidos em pblico - Cl.2:14-1538.

    Segundo o reformador de Genebra, a morte de Cristo, em suma, foi um sacrifcio vicrio

    (substitutivo) que satisfez as exigncias da justia de Deus em relao ao pecado, pagando a penalidade

    do pecado humano, trazendo perdo, imputando justia e reconciliando o ser humano com Deus. Sua

    formulao dessa doutrina ficou conhecida como Teoria da Substituio Penal. Alguns textos bblicos que

    podem ser

    listados sobre essa matria so: Jo.11:50-52; Rm.5:8-9; Tt.2:14; I Pe.3:18. Tudo isso por uma simples

    razo: o ser humano totalmente depravado. Por essa razo o valor da morte de Cristo para ns

    altssimo, e por meio do arrependimento que o homem pode aceitar a substituio de Cristo como

    pagamento pelos seus pecados.

    Por outro lado, Socino, Maurice, Jowett e Bushenell, sob a influncia de Abelardo afirmavam

    com nfase cada vez maior que a morte de Cristo teve por fim mudar a atitude do homem para com Deus,

    e no a de Deus para com o homem.

    Exemplo disso a Teoria do Exemplo defendida pelos socinianos que definiram a morte de

    Cristo como um exemplo de f e obedincia para inspirar o ser humano a ser obediente. Ento, a morte de

    Cristo tem nada mais que um valor inspirativo para o ser humano, chamando-o a uma vida fiel e

    obediente, nada mais que isso e o valor dessa morte para o ser humano , consequentemente, o de

    inspirao para uma vida fiel e obediente. Com isso, fica fora a justia de Deus. Tal conceito remonta

    Pelgio que afirmara a heresia, j muito refutada, de que a condio espiritual do homem a de que ele

    est vivo mesmo parte de Cristo.

    Desejoso de trazer equilbrio entre a doutrina exposta pelos reformadores e a teoria sociniana,

    Hugo Grcio formulou a Teoria Governamental dizendo que a morte de Cristo demonstra a alta

    considerao de Deus para com a sua Lei. Ela mostra a atitude de Deus em relao ao pecado. Deus, por

    meio da morte de Cristo, tem agora uma justificativa para perdoar os pecados daqueles que se arrependem

    38 Joo Calvino, As institutas, II, 276-7.

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    e aceitam a morte substitutiva de Cristo. Segundo a sua teoria, a condio espiritual do homem a de um

    violador da lei moral de Deus e o sentido de sua morte foi uma substituio para a penalidade do pecado

    que mostrou a atitude de Deus para com o pecado. Ao que parece, para Grcio, o Soberano que governa o

    universo lida com suas leis de modo leviano, pois no intuito de salvar a humanidade abrandou a lei que

    dizia: a alma que pecar, essa morrer.

    A teoria grotiana da expiao recebeu como fortes aliados os que defendem a idia arminiana da

    expiao, como Curceleus e Limborch. Sem dvida nenhuma essa uma posio um tanto quanto

    divergente da que a igreja reformada confessava dizendo que a expiao de Cristo foi de carter geral e

    universal, o que significa que ele fez expiao pelos pecados da humanidade em geral, e por cada

    indivduo em particular. 39 Lastimavelmente, o que est sendo dito que a aplicao eficaz da expiao

    depende, em ltima anlise, da vontade do pecador, o qual tem o poder de neutralizar o propsito divino,

    ou mesmo de fazer sua histria, esconsiderando o fato de que Deus quem dirige os nossos passos.

    Em oposio ao erro arminiano, o Snodo de Dort assumiu a posio de que a expiao de

    Cristo, sendo perfeitamente suficiente para a salvao de todos os homens, teve a inteno de beneficiar

    somente aqueles a quem ela vier a ser aplicada, que so os eleitos de Deus. O texto do Cnone assim diz

    da eficcia da morte de Cristo:

    Pois foi o soberano conselho, a vontade graciosa e o propsito de Deus, o Pai, que a eficcia vivificante e salvfica da preciosssima morte de seu Filho fosse estendida a todos os eleitos. Daria somente a eles a justificao pela f e por conseguinte os traria infalivelmente salvao. Isto quer dizer que foi da vontade de Deus que Cristo, por meio do sangue na cruz (pelo qual ele confirmou a nova aliana), redimisse efetivamente, de todos os povos, tribos, lnguas e naes, todos aqueles e somente aqueles que foram escolhidos desde a eternidade para serem salvos e lhe foram dados pelo Pai. Deus quis que Cristo lhes desse a f, que ele mesmo lhes conquistou com sua morte, juntamente com outros dons salvficos do Esprito Santo. Deus quis tambm que Cristo os purificasse de todos os pecados por meio do seu sangue, tanto do pecado original como dos pecados atuais, que foram cometidos antes e depois de receberem a f. E que Cristo os guardasse fielmente at o fim e finalmente os fizesse comparecer perante o prprio Pai em glria, sem mcula, nem ruga (Ef.5:27) 40.

    Essa confisso reformada responde, precisamente, sem deixar dvidas a esta questo. E mais, a

    Confisso de F de Westminster afirma ainda que a morte de Cristo assegurou efetivamente a

    reconciliao, o perdo dos pecados, a justificao, a vida e a ressurreio dos fiis, seno vejamos:

    39 Louis Berkhof, Histria das doutrinas crists, 170.

    40 Os Cnones de Dort. Os Cinco artigos de f sobre o arminianismo, cap. II, Art. 8, pg. 29.

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    Aprouve a Deus, em seu eterno propsito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unignito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabea e Salvador de sua Igreja ...........................................................................................................................................................

    e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua semente e para no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado. O Senhor Jesus, pela sua perfeita obedincia e pelo sacrifcio de si mesmo ..........................................................................................................................................................

    satisfez plenamente a justia do Pai, e, para todos aqueles que o Pai lhe deu, adquiriu no s a reconciliao, como tambm uma herana perdurvel no Reino dos cus ............................................................................................................................................................

    Cristo, com toda a certeza e eficazmente, aplica e comunica a salvao a todos aqueles para os quais ele a adquiriu... 41

    A Confisso Escocesa afirmam a mesma verdade, como segue abaixo:

    O mesmo eterno Deus e Pai, que somente pela graa nos escolheu em seu Filho Jesus Cristo, antes que fossem lanados os fundamentos do mundo, designou-o para ser nosso Chefe, nosso Irmo, nosso Pastor e o Grande Bispo de nossas almas. Mas, visto que a inimizade entre a justia de Deus e os nossos pecados era tal que nenhuma carne por si mesma poderia ter chegado a Deus, foi preciso que o Filho de Deus descesse at ns e assumisse o corpo de nosso corpo, a carne de nossa carne e os ossos de nossos ossos, para que se tornasse o perfeito Mediador entre Deus e o homem ...........................................................................................................................................................

    Confessamos que nosso Senhor Jesus Cristo se ofereceu ao Pai em sacrifcio voluntrio por ns [os eleitos], que sofreu a contradio dos pecadores, que foi ferido e aoitado pelas nossas transgresses; que, sendo o Cordeiro de Deus puro e inocente, foi condenado na presena de um juiz terreno, a fim de que fssemos [ns, os eleitos, claro] absolvidos perante o tribunal de nosso Deus... 42

    J a Confisso de F dos Pases Baixos encontramos o seguinte ensino sobre a morte de Cristo

    pela sua igreja:

    Cremos que Deus, que perfeitamente misericordioso e justo, enviou seu Filho para tomar a natureza na qual se havia cometido a desobedincia, a fim de satisfazer e levar sobre ela o castigo dos pecados por meio de usa amarga paixo e morte. Assim pois, demonstrou Deus a sua justia contra o seu prprio Filho quando carregou sobre Ele nossos [dos eleitos] pecados; e derramou sua bondade e misericrdia sobre ns [os eleitos] que ramos culpados e merecedores de condenao, entregando seu Filho para ser morto por ns [os eleitos], movido por um mui perfeito amor, e ressuscitando-o para nossa [dos eleitos] justificao, para que por Ele tivssemos [ns, os eleitos] a imortalidade e a vida eterna.43

    Por fim, a Segunda Confisso Helvtica, tambm calvinista reza que

    Deus, desde toda a eternidade, livremente e movido e apenas pela sua graa, sem qualquer respeito humano, predestinou ou elegeu os santos que Ele quer salvar em Cristo ......................................................................................................................................................

    Alm do mais, pela sua paixo e morte, e tudo o que , em sua carne e na sua vida, Ele fez e suportou por nossa causa, nosso Senhor reconciliou o Pai celestial com todos os fiis, expiou o pecado, desarmou a morte, arruinou a condenao e o inferno, e pela sua ressurreio dos mortos,

    41 A confisso de f de Westminster, Cap. VIII, Parag. I, V, VIII.

    42 Confisso Escocesa, Captulo VIII e IX.

    43 Confisso de F dos Pases Baixos, Artigo 20.

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    trouxe de novo e restituiu a vida e a imortalidade. Ele a nossa justia, a nossa vida e ressurreio, em uma palavra, a plenitude e perfeio de todos os fiis, a salvao e a mais completa suficincia. 44

    Todas estas confisses refletem um perodo dourado, muito frtil, da ortodoxia reformada e um

    grande amadurecimento no entendimento da expiao, desde Anselmo.

    3. Da poca Moderna at a poca Contempornea

    Podemos citar dois grandes vultos dessa poca Schleiermacher e Ritschl que no

    acrescentaram, antes reafirmaram antigas teorias e antigas heresias.

    O primeiro nome a ser citado nesse perodo o de Friedrick Daniel Ernst Schleiermacher (1768-

    1834), considerado o pioneiro da teologia moderna. W. A. Hoffecker diz que ele freqentemente

    chamado o pai da teologia protestante liberal ou da teologia da experincia religiosa.45 Atravs de suas

    obras, ele ensinou teologia a mais de trs geraes.

    Quanto expiao, props uma linha comparativamente nova de pensamento na sua Teoria

    Mstica que afirma que Cristo assumiu uma natureza humana e pecaminosa, mas por meio do poder do

    Esprito Santo triunfou sobre a mesma. O conhecimento desse fato influencia o ser humano misticamente.

    Essa lamentvel viso dizia que ao homem faltava uma conscincia de Deus, e esse era o seu maior

    problema. Por isso, quando Cristo triunfa sobre a sua prpria natureza pecaminosa, influencia o nosso

    subconsciente de maneira mstica. Sua menor falha vista no fato de no esclarecer como se salvaram os

    santos do Antigo Testamento; a maior tremendamente grosseira afirmar que Cristo teve uma natureza

    pecaminosa rejeitando-se ainda a doutrina da satisfao penal. Ao demorar-se acerca dos sofrimentos

    simpticos de Cristo e seus efeitos sobre os homens, ela faz aluso a Abelardo.

    Em segundo lugar e menos influente, aparece Albrecht Ritschl (1822-1889) que tomava como

    mago da sua teologia, sua prpria noo de justificao.

    Definia o cristianismo como uma elipse com dois pontos focais Jesus, que revela o amor que Deus tem por ns e nos reconcilia; e a Igreja, que a comunidade espiritual e tica que Ele fundou, e cujo alvo a transformao da sociedade humana no reino de Deus .............................................................................................................................................................

    44 Segunda Confisso Helvtica, Captulo X e XI.

    45 Shleiermacher, Friedrich Daniel Ernst, em Enciclopdia Histrico-Teologica da Igreja Crist (So

    Paulo: Sociedade Religiosa Edies Vida Nova, 1990), III, 357.

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    Ao rejeitar um conceito jurdico da justificao, Ritschl via a morte de Cristo no como uma propiciao pelos pecados, mas como o resultado da lealdade Sua vocao para levar os homens plena comunho com Deus pelo compartilhar da Sua prpria conscincia de filiao.46

    Para esse telogo, portanto, no h uma expiao vicria, antes, Cristo reconcilia o homem com

    Deus exclusivamente pela mudana de atitude do pecador para com Deus. Tambm manteve que a obra

    de redeno pertence primariamente comunidade, e s em segundo lugar aos indivduos, e mesmo assim

    s na proporo em que se tornarem membros da comunidade redimida, compartilhando assim de seus

    benefcios. Contudo, Deus perdoa os pecadores pela obra de Cristo como fundador do Reino, ou mesmo

    por causa do Reino. Ele atribui a influncia de Cristo primariamente vida e ao esprito coletivos que

    fluem do Senhor para a comunidade fundada por ele. 47 Mais uma vez est claro o erro desse telogo,

    julgar que a justia de Deus no requer satisfao pelas dvidas do pecador. Ao que parece, sua teologia

    influenciou algumas interpretaes contemporneas, como j vimos acima.

    Em suma, na poca moderna o que vemos a renascena de falsos ensinos, inspirados do

    perodo da Patrstica. Porm pode-se perceber um grmen da idia que domina as Escrituras em Anselmo,

    e que posteriormente exposta por Calvino. O que vemos no decorrer da histria foi o percorrer de um

    longo caminho que culminou na Reforma e nas Confisses que chegaram mais ao centro da questo. A

    formulao que melhor refletisse a mensagem bblico-teolgica como um todo chegou a sua maioridade

    na teoria da Substituio Penal e a sua maturidade plena nas Confisses Reformadas Cremos que essas

    Confisses refletiram um perodo dourado da ortodoxia reformada e um grande amadurecimento no

    entendimento da expiao, desde Anselmo.

    Agora, podemos dar um passo a frente. J vimos o problema atual que envolve a questo, no

    captulo um, e acabamos de debater as principais idias j levantadas sobre a doutrina na histria. Chegou

    a hora de buscarmos, nas Escrituras, um conceito adequado de expiao como sendo a eficaz obra de

    Cristo para a salvao dos eleitos.

    46 Ritschl, Albrecht, em Enciclopdia Histrico-Teologica da Igreja Crist (So Paulo: Sociedade

    Religiosa Edies Vida Nova, 1990), III, 313.

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    47 Louis Berkhof, Histria das doutrinas crists, 175.

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    CAPTULO 3

    O CONCEITO BBLICO DE EXPIAO

    A origem da palavra expiao latina (expiationem, reparao de culpas), no pode ser

    encontrada nem no Antigo nem no Novo Testamento. No Antigo Testamento, a palavra

    pode ser traduzida por fazer cobertura ou literalmente, cobertura e no Novo, o

    vocbulo Katalagh traduzido por reconciliao.

    Reveste-se de particular importncia para ns aqui a idia ou conceito bblico-teolgico que

    encontramos por detrs do termo expiao: a obra eficaz que produz o efeito desejado, eficiente 48

    de Cristo na cruz, derramando seu sangue em sacrifcio. Esse sacrifcio que satisfaz as injustias

    cometidas contra o Deus Santo.

    Portanto, temos por objetivo nesse captulo apresentar uma anlise dos temos e dos conceitos

    bblico-teolgicos que nos levam a uma compreenso correta da eficcia da expiao.

    1. No Antigo Testamento

    o verbo denominativo hebraico que pode ser traduzido por fazer

    expiao, fazer reconciliao, purificar. Ele usado cerca de 150 vezes. Podemos relacionar

    diversos textos que expressam esta idia: x 29:33; 32:30; Lv 17:11; Nm 15:25; Ne 10:33; 1 Cr 6:49.

    48 Aurlio Buarque de Holanda Ferreira, Minidicionrio da Lngua Portuguesa, 3a. ed. (Rio de Janeiro:

    Editora Nova Fronteira S.A, 1993), 197.

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    Um dos derivados do verbo o substantivo

    , usado tal qual o verbo no grau intensivo e refere-se somente ao Dia da

    Expiao, que era o dcimo dia do stimo ms, o ms de tisri.

    Como traz o Dicionrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento: Esse dia solene era o

    nico dia de jejum determinado para Israel. Era celebrado com uma oferta especial pelo pecado a favor de

    toda a nao. Somente naquele dia o Sumo Sacerdote entrava no Lugar Santssimo e levava o sangue da

    oferta pelo pecado (cf. Hb 9:7). Um segundo bode era solto como bode expiatrio, simbolizando a

    eliminao completa do pecado. 49

    Falando sobre os sacrifcios, o Dr. Gerard Van Groningen afirma que

    A expiao era feita pelo sacerdote por meio de sacrifcios especficos: holocaustos (Lv.1.4), oferta pelo pecado (p. ex., 4.20; 5.6), oferta por pecados no intencionais, de um governante ou do povo (4.26, 31), ofertas de restituio (6.7) e oferta pelo pecado e por transgresses (7.7, KJV; NIV tem pelo pecado e pela culpa (Ver tambm Lv.16.11-19 em relao oferta pelo pecado e vv.20-28 em relao ao bode expiatrio). O verbo (cobrir, untar) na forma intensiva do piel acentua o apaziguamento (Gn.32.21), a reparao (2 Sm.21.3), o cobrimento (Dt.21.8) e freqentemente expiao. O sacerdote, como mediador diante de Deus, devia declarar o adorador coberto. Ele no mais devia considerar-se exposto ira de Yahwh sobre o pecado e a culpa. Yahwh aceitara o substituto; Ele estava aplacado; sua ira contra o pecado fora apaziguada. O adorador pecaminoso era agora um adorador purificado. A paz fora restaurada entre Yahwh e o adorador; a reconciliao era completa. 50

    Portanto, tendo em vista o fato de o homem ser pecador, a expiao ou remoo de culpas visava

    a reconciliao entre o homem e Deus quando ambos se encontravam alienados um do outro, pela oferta

    de um substituto que satisfizesse as injustias

    cometidas. Aqui, no caso, requeria-se a vida de um animal. Foi da que surgiu a idia de sangue que se

    refere matana do cordeiro sacrificial, cuja garganta era cortada e o sangue jorrava. Isso era parte do

    relacionamento da aliana, um sistema de sacrifcios, que eram tpicos, isto , prenunciavam alguma

    49 R. Laid Harris (Organizador), Dicionrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento (So Paulo:

    Vida Nova, 1998), 744. 50

    Gerard Van Groningen, Revelao Messinica no Velho Testamento (Campinas: Luz Para o Caminho, 1995), 213.

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    coisa melhor 51. Em troca da vida do ofertante, do adorador, era sacrificado o animal sobre a cabea do

    qual haviam sido impostas as mos, fazendo-se a transferncia de culpa (cf. Lv 16:21; 1:4; 4:4).

    O substantivo tambm derivado de pode

    ser traduzido por local da expiao ou propiciatrio. Ele sempre se refere tampa de ouro da Arca

    Sagrada, que ficava no Santurio Interior do Tabernculo ou do Tempo. 52 Aquele era o local, indicado

    por Deus, para ali tornar-se favorvel aos homens, por meio da asperso de sangue.

    Segundo a Apostila de Teologia Bblica elaborada pelo Rev. Jos Joo de Paula,

    Nossas verses trazem com freqncia propiciao como sendo expiao. O sentido que a obra expiatria de Cristo tem como objetivo a propiciao. Ela tem no contexto hebreu do Antigo Testamento o sentido de cobrir e remover. uma idia oriunda do sacrifcio do Dia da Expiao idia inerente aos dois bodes (o da expiao e o emissrio). A palavra do piel infinitivo [absoluto] de , pode trazer duas idias: uma fruto do paganismo, que seria o pecador por si mesmo cobrir a face de Deus. Cremos que o homem no pode trazer algo dele mesmo para Deus e ser aprovado. O homem no pode tomar a iniciativa em ir de encontro a Deus. Ela no pode, jamais, ser seu prprio protetor. O sentido bblico que Deus mesmo quem toma providncia e a iniciativa para fazer a cobertura. Se a ira o santo e justo desprazer de Deus, segue-se que Deus procura cobrir sua prpria viso do pecador. A cobertura a providncia que remove esse santo desprazer provocado pelo pecado. Naturalmente, se Deus est no propiciatrio, faz-se expiao diante da face de Deus para lhe aplacar a ira e no no pecador. Deus se cobre com o sangue de Cristo. 53

    Deus era aplacado por meio da asperso dos sacrifcios. A idia presente a de que ele cobria,

    assim tanto o pecado (Sl 78:38; 79:9; Lv 5:18), como o prprio pecador (Lv 4:20). Assim, o pecado era

    oculto da vista de Deus de tal modo que o adorador tornava-se-lhe aceitvel. sobre isso que o Dr. Van

    Groningen comenta:

    Em muitas passagens, principalmente em Levticos, a frase fazer expiao seguida pelo verbo slah, (sic) que no nihal significa perdoar (Lv.4.20,26). Essa expresso enfatiza a idia de uma remoo completa do pecado anulao ou cancelamento de qualquer dbito de pecado. O adorador podia estar certo de que sua vida seria poupada; ele continuaria a viver. Vrias passagens falam do sangue do animal substituto a ser recolhido e aspergido de vrios modos em vrias partes do tabernculo. Que o sangue do sacrifcio tinha um papel importante est claro na afirmao de Deus de que a vida da carne est no sangue, e, portanto, o sangue com vida dentro de si mesmo seria efetivo para expiao e perdo (Lv.17.10,11). Esta importante passagem faz uma afirmao muito profunda: vida tem de ser substituda por vida; quando o adorador hebreu tivesse sua vida

    51 Bblia de Estudo de Genebra (So Paulo e Barueri: Cultura Crist e Sociedade Bblica do Brasil, 1999),

    1322. 52

    R. Laid Harris (Organizador), Dicionrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento, 744. 53

    Jos Joo de Paula, Apostila de Teologia Bblica, 31. Do Curso de Teologia Bblica I, Seminrio Presbiteriano Rev. Denoel Nicodemos Eller, Belo Horizonte, Minas Gerais.

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    comprometida por causa do pecado, essa vida poderia ser restaurada, tornada limpa e ntegra somente por outra vida. A vida removia a morte e suas causas; a vida era um meio para a vida. 54

    Nas palavras de Myer Pearlman: expiar, era cobrir e cobertura, no no sentido de torn-lo

    invisvel a Jeov, mas no de neutralizar o pecado, por assim dizer, de desarm-lo, de torn-lo inerte para

    provocar a justa ira de Deus. 55

    Ento, na expiao pelo pecado, o sangue aspergido do animal sacrificado, cobria o pecado e o

    pecador de tal maneira que no eram vistos por Deus, nem provocavam ira divina. O pecador estava livre

    de culpa e, consequentemente, do castigo pois Deus aplacava sua santa ira (cf. Lv 10:16,17; 4:20,31; Sl

    65:3; 78:38). Sobre isso, Louis Berkhof comenta que o sangue do sacrifcio interposto entre Deus e o

    pecador e, em vista da ira de Deus, afastado. 56 Somando a estas palavras, Walter Kaiser afirma que o

    homem, por causa do seu delito contra Deus, tinha de considerar a prpria vida como confiscada por

    Deus; Deus, porm, tinha estipulado que as vidas dos animais servissem como resgate, por enquanto, at

    que o Deus-homem mais tarde pudesse dar a sua vida como o nico substituto apropriado e final 57. Deus

    no inocenta o culpado mas lana a sua culpa sobre o substituto.

    Na aliana que Deus firma com o homem, conforme o pacto da redeno, constavam elementos

    que firmavam um pacto em termos de vida e morte, ou seja, um pacto de sangue, o que, na verdade

    constitui uma aliana. O. Palmer Robertson, em seu livro Cristo dos Pactos, comentando acerca da frase

    pacto de sangue afirma que

    Esta frase pacto de sangue concorda idealmente com a nfase bblica de que sem derramamento de sangue no h remisso (Hb.9.22). O sangue tem significao nas Escrituras porque representa vida, no porque seja bruto e sangrento. A vida est no sangue (Lv. 17.11), e por isto o derramamento de sangue representa um julgamento sobre a vida. A imagem bblica do sacrifcio de sangue d nfase inter-relao de vida e sangue. O derramar de vida-sangue significa o nico caminho de livramento das obrigaes de aliana uma vez contradas. Uma aliana um pacto de sangue que compromete os participantes lealdade sob pena de morte. Uma vez firmada a relao de aliana, nada menos do que o derramamento de sangue pode libertar das obrigaes contradas no evento de violao da aliana. 58

    54 G. Van Groningen, Revelao Messinica no Velho Testamento, 213.

    55 Myer Pearlman, Conhecendo as Doutrinas da Bblia (So Paulo: Editora Vida, 1997), 132.

    56 Louis Berkhof, Teologia Sistemtica (Campinas: Luz para o Caminho, 1994), 375.

    57 Walter C. Kaiser, Jr., Teologia do Antigo Testamento (So Paulo: Vida Nova, 1980), 122.

    58 O Palmer Robertson, Cristo dos Pactos (Campinas: Luz Para o Caminho, 1997), 14.

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    Nesse caso, uma aliana firmada mediante a morte, que principia as relaes entre as duas

    partes, e simboliza o fator de maldio potencial na aliana. 59

    O Dr. Martun Lloyd-Jones, ministro da Capela de Westminster, em Londres, resume

    magistralmente o efeito dos sacrifcios no Antigo Testamento afirmando que

    ...sob o velho pacto, da Antiga Dispensao, no havia proviso para tratar com pecados num sentido radical. Era simplesmente um meio, por assim dizer, de passar por eles, cobrindo-os durante aquele tempo. Aquelas antigas ofertas e sacrifcios propiciavam uma certa purificao da carne, concediam uma pureza cerimonial, habilitavam o povo a continuar orando a Deus. Mas no havia, sob o Velho Testamento um sacrifcio que pudesse realmente remover o pecado. O mximo que faziam era apontar para o sacrifcio que estava para acontecer na cruz, a qual poderia realmente faz-lo e poderia purificar a conscincia de obras mortas e reconciliar verdadeiramente o homem com Deus. 60

    A expiao eficaz de Cristo o veculo pelo qual foram entesourados a totalidade dos benefcios

    salvficos em prol dos eleitos, a qual havendo sido

    tipificada no ritual vtero-testamentrio foi cabalmente consumada na cruz.

    2. No Novo Testamento

    Trs palavras se destacam para a definio do conceito neotestamentrio de expiao:

    ilaskomai, ilsmos e ilasterion .

    A idia do efeito da obra expiatria como eficaz j aparece logo de incio como sendo aplicada

    morte de Jesus, como o caso de Hebreus 2:17, onde os vv. 14 e 18 mostram que isto se refere sua

    morte. E quando em I Joo 2:2, aparece o termo ilasmos expiao ou propiciao no h dvida

    de que se refere morte de Jesus pois o sangue de Jesus, seu filho, que nos purifica de todo pecado

    (1 Jo 1:7). Mesmo que a morte de Cristo no seja diretamente mencionada, tudo isso corresponde ao que

    dito em 1 Jo 4:10: [Deus] enviou o seu filho como expiao pelos nossos pecados. Alm de Joo,

    Paulo enfatiza esse ensino: o sangue de Cristo foi derramado como sacrifcio (cf. Rm 3:25;5:9; Ef 1:7).

    Cristo removeu, expiou os pecados anteriormente cometidos. Isso deve ser entendido num

    contexto de aliana, como afirma O. Palmer: A morte de Cristo foi um sacrifcio substitucional. Isso

    59 Ibid., 15.

    60 Dr. Martyn Lloyd-Jones, A Cruz A Justia de Deus (So Paulo: Publicaes Evanglicas

    Selecionadas, 1980), 12.

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    significa que Cristo morreu como um substituto do infrator da aliana. A substituio essencial para a

    compreenso da morte de Cristo. 61 Assim, Cristo morreu em lugar do pecador, e isso por causa das

    violaes da aliana. Ou seja, na violao da aliana, os homens foram condenados a morrer, esse era seu

    destino. Ento, Cristo tomou sobre si mesmo as maldies da aliana e morreu no lugar do pecador. 62

    O sangue de Cristo foi derramado pela salvao de seu povo; portanto, foi uma morte vicria.

    Tomemos como nossas as palavras de Dwight. L. Moody, a principal figura dos avivamentos

    urbanos do sculo XIX, que tambm proclamou a expiao exclusivamente pelo sangue de Cristo,

    ...Ex.29.16: E degolars o carneiro, e tomars o seu sangue, e o espalhars sobre o altar ao redor. Eu lia estas palavras do Velho Testamento, desejando saber o que significavam. Eles haviam de tomar o sangue e o espalhar sobre o altar ao redor. Agora julgo que compreendo a significao. Elas ensinam que s se pode aproximar de Deus por meio de sangue. Tem sido assim em todos os tempos. At mesmo Aro, o sumo sacerdote, tinha de tomar sangue e o espalhar sobre o altar ao redor, antes de ele poder chegar a falar com Deus ensinando-nos a grande lio de que acesso a Deus nunca tem sido, nunca ser, nunca pode ser, seno pelo sangue do Cordeiro. Encontramos a mesma coisa outra vez no cap. 30:10: E uma vez no ano Aro far expiao sobre as pontas do altar com o sangue do sacrifcio das expiaes; uma vez no ano far expiao sobre ele pelas vossas geraes: santssimo ao Senhor. O sangue de Cristo faz expiao pelos pecados do pecador, reconciliando-o com Deus. Antes da queda de Ado havia perfeita harmonia entre Deus e ele, a qual foi destruda pela queda. Cristo veio a este mundo para que Deus e os pecadores pudessem ser reconciliados. Propiciao isto que o sangue de Cristo fez. Falamos de pecados serem perdoados; mas nunca foi perdoado um pecado que no foi punido primeiro punido na pessoa de Cristo: Ele fez expiao o qual levou Ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro! (I Ped.2:24). 63

    D. M. Lloyd-Jones afirma, enfaticamente que o que Deus fez no Calvrio foi derramar sobre

    Seu amado e unignito Filho a Sua ira contra o pecado. A ira de Deus que deveria cair sobre ns por

    causa de nossos pecados caiu sobre Ele 64. Verdadeiramente Cristo o ...Cordeiro de Deus que tira o

    pecado do mundo! (Jo.1.29b) aquele que nos salva pela oferta de si prprio, de sua vida, de seu sangue.

    Berkhof traz as expresses gregas extradas da Septuaginta e do Novo Testamento

    ilaskomai e ilasmoj, que so traduzidas por gracioso, misericordioso, propiciar, expiar e conciliar,

    na sua forma verbal como trazendo a idia de tornar propcio, e na forma de substantivo dando a idia

    de apaziguamento ou meio de apaziguar, nas sua palavras:

    Na Septuaginta e no Novo Testamento os termos hilaskomai (sic)e hilasmos (sic) so empregados num sentido conexo. O verbo significa tornar propcio, e o substantivo, apaziguamento ou

    61 O Palmer Robertson, Cristo dos Pactos,15.

    62 O Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, 15.

    63 D. L. Moody, O Sangue (_____:_____, ____), 12.

    64 Dr. Martyn Lloyd-Jones, A Cruz A Justia de Deus, 14.

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    meio de apaziguar. So termos de carter objetivo. No grego clssico muitas vezes ocorrem em construes gramaticais com o acusativo de theos (Deus), embora no haja exemplo disso na Bblia. No Novo Testamento ocorrem em construes com o acusativo da coisa referida (hamartias) [sic], Hb.2.17, ou com peri (sic)e o genitivo de coisa (hamartion) [sic], I Jo.2.2; 4.10. Interpreta-se melhor a primeira passagem luz do uso do hebraico kipper (sic); a ltima pode ser interpretada de modo semelhante, ou com theon como o objeto compreendido. H tantas passagens que falam da ira de Deus e de Deus estando irado com os pecadores, que estamos plenamente justificados por falar de uma propiciao de Deus, Rm.1.18; Gl.3.10, Ef.2.3; Rm.5.9. Em Rm.5.10 e 11.28 os pecadores so chamados inimigos de Deus (echthroi) [sic] num sentido passivo, indicando, no que so hostis a Deus, mas que so objetos do desprazer de Deus. Na primeira passagem este sentido exigido por sua ligao com o versculo anterior; na ltima, pelo fato de que echthroi (sic)est em contraste com agapetoi (sic), que no significa os que amam a Deus, mas, sim, amados de Deus. 65

    Outras duas palavras que merecem nossa ateno so katalasso e katalage, que

    significam reconciliar e reconciliao e que quase sempre, no Novo Testamento, expressam o

    restabelecimento das relaes entre Deus e homem; como expe Berkhof, estas palavras

    Indicam uma ao pela qual a inimizade transformada em amizade e certamente possuem, primeiramente, uma significao objetiva. O ofensor reconcilia, no a si prprio, mas a pessoa ofendida. Isto vem demonstrado claramente em Mt.5.23, 24: Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmo tem alguma cousa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmo (o que, neste contexto, s pode significar, reconcilia teu irmo contigo mesmo, o que objetivo); e, ento, voltando, faze a tua oferta. O irmo que supostamente fizera a oferta procurado para que o mal ou a injustia feita seja retirada. Ele precisa propiciar ou reconciliar consigo o seu irmo, seja qual for a compensao requerida. Em conexo com a obra de Cristo, as palavras que esto sendo consideradas certamente denotam, nalguns casos, a efetuao de uma mudana na relao judicial entre Deus e o pecador pela retirada da demanda judicial. De acordo em 2 Co 5.19, o fato de que Deus reconciliou Consigo o mundo evidencia que Ele no lhe imputa os seus pecados. Isto no mostra nenhuma mudana moral ocorrida no homem, mas, sim o fato de que as exigncias da lei esto satisfeitas e que Deus est satisfeito. Em Rm.5.10,11 o termo reconciliao s pode ser entendido num sentido objetivo, pois (1) dela se diz que foi efetuada pela morte de Cristo, ao passo que a reconciliao subjetiva resultado da obra do Esprito; (2) foi efetuada enquanto ainda ramos inimigos, isto , enquanto ainda ramos objetos da ira de Deus; e (3) descrita no versculo 11 como uma coisa objetiva que recebemos. 66

    Muito alm do alcance de uma boa concordncia bblica existem textos no Novo

    Testamento nos quais embora no aparea o termo ilaskomai , tm em si a verdade da morte

    expiatria de Cristo. A preposio hyper um bom exemplo disso: seu uso enfatiza o ensino bblico

    que a morte de Jesus a expiao pelos nossos pecados (cf. Rm 5:8; 8:32; 2 Co 5:21; Gl 3:23; Ef 5:21; 1

    Ts 5:10; Tt 2:14; 1 Pe 2:21; 1 Jo 3:16). Ali, hyper significa que Jesus morreu por ns. Em 1 Co 1:13;

    11:24, por vocs; em Gl 2:20, por mim; em Rm 5:6, pelos mpios; e ainda em 1 Co 15:3; Gl 1:4; 1 Pe

    65 Louis Berkhof, Teologia Sistemtica, 375.

    66 Ibid., 376.

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    3:18 pelos nossos pecados. Por fim, vale a pena citar o que Gerhard Barth afirma sobre o termo hyper :

    no significa aqui que Cristo morreu em favor dos nossos pecados nem em lugar dos nossos

    pecados; ele morreu, antes, por causa dos nossos pecados ou em nosso lugar por causa dos nossos

    pecados. 67

    Mais do que isso, a Bblia nos declara que Deus deu prova do seu amor para conosco pelo fato

    de ter Cristo morrido por ns, o que o faz sujeito dessa ao (cf. Rm 8:32; 4:25) e no de se estranhar

    que Jesus, o Deus Filho se oferece como oferta a Deus por causa dos nossos pecados, entregando a si

    mesmo (cf. Gl 2:20; 1:4; Ef 5:2, 25; Tt 2:14; Mc 10:45).

    Podemos observar o aspecto expiatrio da morte de Cristo, freqentemente, nas referncias

    feitas ao seu sangue. Dentre os muitos aspectos em que se aplica essa verdade como relacionaremos

    abaixo podemos destacar o fato de ns, os pecadores, sermos justificados devido observncia irrestrita

    de Cristo Lei e pelo derramamento do seu sangue; sobre essa verdade que deve repousar a nossa

    certeza de salvao. Observemos o que Louis Berkhof diz sobre os dois aspectos da obra de Cristo; isto

    , Cristo por ns e Cristo em ns aspectos legal e vital, respectivamente:

    costume distinguir entre a obedincia ativa e a obedincia passiva de Cristo. Mas, ao fazer-se discriminao entre ambas, deve-se entender distintamente que elas no podem ser separadas. As duas acompanham uma outra em todos os pontos da vida do Salvador. H uma constante interpenetrao de ambas. Uma parte da obedincia ativa de Cristo era que Ele se sujeitasse voluntariamente aos sofrimentos e morte. Ele mesmo diz, referindo-se Sua vida: Ningum a tira de mim; pelo contrrio, eu espontaneamente a dou, Jo.10.18. Por outro lado, tambm era parte da obedincia passiva de Cristo que Ele vivesse em sujeio lei. Seu viver de servo constitui um importante elemento dos Seus sofrimentos. A obedincia ativa e a obedincia passiva de Cristo devem ser consideradas partes complementares de um todo orgnico. Na discusso deste assunto preciso ter em conta a trplice relao de Cristo com a lei, a saber, a relao natural, a federal, e a penal. O homem revelou-se um fracasso em cada uma delas. Ele no guardou a lei em seus aspectos natural e federal, e agora no est em condies de cumprir a pena, para ser restabelecido no favor de Deus. Embora naturalmente Cristo tenha entrado na primeira relao por Sua encarnao, vicariamente s entrou na segunda e na terceira relaes. E particularmente nestas que est o nosso interesse neste contexto. 68

    Mas no foi a justificao o nico benefcio da redeno consumada na expiao. Por intermdio dele

    obtivemos tambm a propiciao (cf. Rm 3:25), a justificao (cf. Rm 5:9), a redeno (cf. Ef 1:7), nos

    aproximamos de Deus (cf. Ef 2:13), obtemos a paz (cf. Cl 1:20). Todos esses benefcios estavam

    vinculados ao sacrifcio expiatrio do Antigo Testamento, ao derramamento de sangue (cf. Lv 4:16-20;

    67 Gerhard Barth, Ele morreu por ns (So Leopoldo: Sinodal, 1997), 48.

    68 Louis Berkhof, Teologia Sistemtica, 380-381.

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    Hb 9:14, 22, 28; 10:4). A morte de Cristo est distintamente associada com o ritual e o conceito de

    sacrifcio do Antigo Testamento, no dia da expiao, o dia do perdo.

    Foi na cruz de Cristo que os pecados foram tratados de uma vez por todas, como podemos

    aprender de Lloyd-Jones, ao comentar Romanos 3:25 e 26,

    na cruz que todos aqueles pecados sob a Velha Dispensao, por cima dos quais Deus havia passado e foram por Ele, por assim dizer, pretermitidos os pecados que havia perdoado a Abrao, Isaque e Jac e de todos os crentes da Velha Dispensao l que os meios para fazer isso foram providenciados. Seus pecados foram includos no Calvrio. Sim, diz Paulo, e os pecados que agora esto sendo perdoados foram tambm tratados l. E todos os pecados que ainda sero cometidos foram tambm tratados l. ..........................................................................................................................................................

    Ali esto os meios de perdo e ali