EDUCAÇÃO NO ADVENTO DA REPÚBLICAnead.uesc.br/arquivos/Letras/historia-educacao/historia... ·...
-
Upload
duongthien -
Category
Documents
-
view
213 -
download
0
Transcript of EDUCAÇÃO NO ADVENTO DA REPÚBLICAnead.uesc.br/arquivos/Letras/historia-educacao/historia... ·...
Discutir os principais elementos do processo histórico da educação durante o contexto da República. . M
eta
Obje
tivos
4unidade
EDUCAÇÃO NO ADVENTO DA REPÚBLICA
Possibilitar a compreensão dos fatos históricos, no contexto de diferentes fases da República, no tocante a educação brasileira.
75Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4 UNIDADE IVEDUCAÇÃO NO ADVENTO DA REPÚBLICA
1 INTRODUÇÃO
Nessa unidade final, vamos adentrar no contexto da República,
iniciando o debate com os diferentes interlocutores que discutiram
sobre a educação, no início do século XX, com o advento da República.
A organização do ensino em diferentes períodos e as posições definidas
nas Cartas Constitucionais republicanas fazem parte da terceira
seção dessa unidade, objetivando convergir as orientações legais e
as caracterizações dos modelos de ensino, para compreendermos o
legado de exclusão e seletividade que a educação brasileira imprimiu
ao longo de sua trajetória histórica. Também procuramos retratar como
o modelo desenvolvimentista definiu as orientações educacionais para
as massas, preocupado com a formação de uma mão-de-obra para
indústria em franca ascensão, as consequentes reformas do ensino e
a perpetuação da característica seletiva e dualista do ensino. Por fim,
fechamos essa unidade, com a última seção, voltada para discutir
um pouco a contemporaneidade, para contextualizar a Constituição
Federal de 1988 e a atual LDBE/96.
História e Educação
76 Módulo 3 I Volume 1 EAD
Educação no advento da República
2 DEBATE DOS INTERLOCUTORES DA EDUCAÇÃO: OS CATÓLICOS, OS LIBERAIS E OS REVOLUCIONÁRIOS
Viva a República! Agora vamos democratizar o ensino no Brasil!
O advento da República, em 1889, promove novas perspectivas do
ensino no Brasil, é o que se poderia pensar. Contudo, essa mudança no
contexto político não representou necessariamente grandes rupturas
e mudanças radicais de um contexto emancipatório. Voltamos à
mesma expectativa quanto à educação. Agora vamos deslanchar...
É a República! Ledo engano, ainda foram muitas as pedras no
caminho... Não se pode esquecer que, em termos históricos, pouca
coisa mudou com a República no Brasil, afinal, a elite política e
econômica do Império se reproduziu no contexto republicano. Os
domínios do arsenal político dos cargos públicos e as bases dos meios
de produção permaneceram os mesmos. Ainda que algumas revoltas
populares e críticas sociais estivessem em curso, por parte de grupos
desprivilegiados socialmente, não conseguiram promover alterações
substanciais na estrutura político-econômica, de modo a conferir
à atmosfera republicana, grandes novidades em termos dos ideais
republicanos.
Durante muito tempo, a economia no Brasil (Colônia, Império
e na República Velha) foi marcada por um modelo agrário-exportador,
ou seja, a principal atividade econômica foi marcada por uma única
forma de geração de recursos, sobretudo por atividade econômica
de origem agrária. Recuperemos nossas lembranças conceituais
da história econômica do Brasil: os ciclos do pau-brasil, açúcar e
ouro, mediados pela escravatura e tráfico negreiro até o ciclo do
café, borracha e soja – expoentes da captação econômica do país:
pelas vias de uma colônia ou de uma república, porém sempre com
características exploratórias.
Particularmente, no tocante ao período da República Velha, a
adoção de uma política agrária capitaneada pela articulação entre os
fazendeiros de café, definia um modelo econômico sustentado por
uma única atividade econômica: produção e exportação do café. Ah,
então a relação entre a atividade econômica e as relações de poder
político defendiam seus interesses próprios – da oligarquia agrária e
estava longe de estar preocupado com a educação das massas. Aqui
então, reside a explicação dos atrasos no tocante à educação. Todos
os interesses econômicos e políticos estão focados para uma política
agrária, que não parece ter pretensões em favorecer a população,
de modo mais amplo, a garantia de uma educação. Afinal, a mão-
77Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4
SAIBA MAIS
Figura 1. Autor: Bruno BuccalonFlickr “bucclon”
de-obra está centralizada no campo e para plantar não é necessário
escolarizar, qualificar... Percebe porque o Brasil demorou a iniciar
um processo de modernização do país? É uma dentre as variadas
explicações.
Mas é claro que a sociedade vai mudando, afinal uma elite
intelectual se graduou e foi buscar novas referências educacionais, em
outros países, e tenta reproduzir esses princípios; o conflito social se
intensifica, na medida em que os grupos sociais começam a procurar
seus espaços nessa sociedade republicana; ao mesmo tempo, os
grupos privilegiados defendem seus interesses e domínios até então
inalterados. É um caldeirão de caminhos e possibilidades a serem
discutidos. Nesse contexto de efervescência política nova, debates
acalorados foram travados entre diferentes pedagogias e cita-se aqui
as principais discussões entre uma pedagogia tradicional, pedagogia
liberal e a pedagogia libertária. Vamos ver cada uma dessas discussões
no advento da nova República.
A Pedagogia Tradicional defendida pelos católicos se dirigia
a manter uma educação privada, sob os domínios da Igreja, com
uma educação religiosa de defesa de valores morais, mas, sobretudo,
defendendo uma escola confessional, que pudesse garantir os lucros
de uma educação privada. Não se pode esquecer que os católicos
tinham uma posição privilegiada no campo da educação: detinham
em suas mãos, as principais instituições de ensino do país, afinal
o legado da Companhia de Jesus, criou um grande patrimônio
(tanto material com escola, colégios; e de formação pedagógica)
nessa área. Lembram? Essa pedagogia defendia a autoridade e a
disciplina, o aluno era um mero receptor dos conteúdos e o método se
caracterizava por aulas expositivas, atividades repetitivas, um grande
senso moral e ênfase na memorização. Isso lembra a você alguma
coisa? “Qualquer semelhança é mera coincidência”. Durante muitos
anos esse método foi a grande referência pedagógica no Brasil... Há
quem diga que ainda se encontram professores que aplicam esse
método! Está explicado o legado jesuítico na pedagogia nacional...
A Pedagogia Liberal foi caracterizada pelos
intelectuais graduados das escolas superiores,
participantes do movimento abolicionista e
republicano, profissionais liberais etc., ou seja,
do grupo socialmente privilegiado, de grande
maioria dos filhos da elite agrária do país que
criticavam o que consideravam a sociedade
patriarcal, atrasada, tradicional. A formação
desse grupo, dotada não só de conhecimentos
Processo de moder-nização pode ser com-preendido como uma fase de superação das organizações societá-rias. Vários autores da moldura teórica da so-ciologia explicam que a modernização cor-responde ao complexo processo de transição de uma condição da so-ciedade para outra con-dição. Categorias ana-líticas como: sociedade tradicional x moderna; estagnada x dinâmi-ca; relações primárias x relações secundá-rias, sociedade agrária x industrial etc podem caracterizar um pouco como essas relações se estabelecem.
História e Educação
78 Módulo 3 I Volume 1 EAD
Educação no advento da República
curriculares profissionais (direito, medicina e outras formações para
os que saíam do país), era dotada de conhecimentos culturais que
ampliavam seus campos de interpretação da realidade. De modo
geral, na república velha, esse grupo defendia a modernização da
sociedade, a industrialização, a destituição dos valores morais da
Igreja, a essência dos princípios republicanos, pois queria romper com
a estrutura das mentalidades ainda de caráter agrário e escravocrata
do Brasil.
É claro que para empreender essa façanha, defendia-se a
democratização do ensino; a sociedade brasileira precisava de uma
instrução pública mais ampliada, gratuita, de modo que a população
pudesse acessá-la para modernizar-se. Desse grupo saiu o Movimento
Modernista, de 1922, por exemplo. Agora repare que, nesse contexto,
os liberais e os católicos (privatistas) vão se opor ferrenhamente,
por adotarem uma postura publicíssima diante da educação e,
posteriormente, lá nos idos da década de 1960, eles vão se aliar.
Por isso é importante observar os contextos históricos. Na verdade,
o que cada grupo defende são seus interesses e, nesse momento, é
pertinente para a elite intelectual promover essa modernização, que
vinha a reboque de um processo de industrialização. Não se esqueça
que os liberais vão ganhar muito com esse processo, a partir da
transferência da produção de riqueza do campo (lavouras de café)
para as cidades (industrialização, modernização das cidades).
A pedagogia liberal é toda inspirada na Pedagogia Escolanovista,
originada da Europa, mas, sobretudo, dos Estados Unidos, que
procurou atender a demanda de uma educação voltada para preparar
profissionais para o mercado de trabalho oferecido pela indústria.
Além dessa preocupação com a formação profissional, autônoma, a
pedagogia da Escola Nova tinha como princípio deslocar a
atenção do processo ensino-aprendizagem para o aluno, em
detrimento do professor; defendia o respeito à higienização
(medicalização) na disciplinarização do corpo na escola, o
que fez com que a arquitetura escolar sofresse grandes
reformas; a metodologia escolar era voltada a favorecer
a capacidade de intuir, construir conhecimento; o ler e
escrever passam a ser racionalizados etc. (HORA, 2006).
Os liberais criaram um movimento muito importante
para a história da educação no Brasil que foi Manifesto dos
Pioneiros da Educação. Esse movimento de intelectuais
importantes como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo,
Cecília Meirelles, Lourenço Filho etc., consolidava a visão da
elite intelectual do país voltada, sobretudo, para a defesa
Figura 2 - AbaporuQuadro de Tarcila do Amaral
79Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4
de um projeto de modernização da educação, que
culminou na elaboração de um documento, em 1932,
denominado Manifesto. Esse documento se tornou
um marco no projeto de renovação educacional do
país defendendo uma educação pública, gratuita, de
qualidade, laica, mista e obrigatória.
E, por fim, a Pedagogia
Libertária foi defendida por grupos
socialmente desfavorecidos,
motivados por uma análise crítica
das realidades sociais, originados,
sobretudo, pelo movimento
anarquista, no início do século XX.
Essa pedagogia foi inspirada em
educadores como Francisco Ferrer
(1859-1909), Paul Rodin (1837-
1912), dentre outros, que observaram
que a educação instituída nos bancos
escolares, de instrução pública reproduzia valores próprios de uma
sociedade preocupada com seu sistema de rentabilidade e lucro. E
que, para isso, servia apenas para favorecer uma elite dominante,
reproduzindo uma estrutura de classes, extremamente, desigual.
Essa pedagogia condenava os castigos (muito comuns à
época) e defendia a liberdade da criança, pois se acreditava que,
em uma formação integral, não se podia desprezar a vontade e
as necessidades dela. Acreditava-se, sobretudo, que a educação
libertária tinha de ser conduzida por uma formação integral,
respeitando esses princípios, fundamentada nos conhecimentos
científicos racionalizados para criar a capacidade dos alunos de
questionar e transformar sua realidade.
A pedagogia libertária acabou sendo muito conveniente
às escolas comunitárias em algumas regiões do Brasil, dado o
concentrado de imigrantes em São Paulo, Rio Grande do Sul etc.
Após a abolição dos escravos, a mão-de-obra nas lavouras cafeeiras
ficou desabastecida, uma vez que o negro não foi incorporado ao
processo produtivo como mão-de-obra assalariada, deixando-os
prover-se com a própria sorte. Os imigrantes se tornaram uma
alternativa para ocupar essa lacuna na atividade econômica, bem
como atendia a um projeto de “branqueamento” do país, que
enaltecia alguns arautos de temor em criar uma nação mestiça.
As escolas comunitárias, durante um bom tempo da
República Velha, caminharam com plena autonomia nos desígnos
Figuras 3 e 4 - Movimento anarquista no inicio do seculo XX
História e Educação
80 Módulo 3 I Volume 1 EAD
Educação no advento da República
das orientações políticas educacionais dos órgãos centrais, uma vez
que eram financiadas pelos países de origem e revelavam sua própria
pedagogia e método: defendiam os valores culturais de seus países
de origem, ensinavam a língua materna etc. Foi uma alternativa para
garantir a seus filhos uma instrução pública, uma vez que o Brasil
não conseguia nem garantir cobertura ampla para sua população,
quiçá para filhos de imigrantes deslocados dos grandes centros
urbanos onde se concentravam as escolas. Posteriormente, com o
avanço da industrialização do país e o recrudescimento do Estado,
as escolas comunitárias foram proibidas de ensinar a língua materna
e obrigadas a instituir a gramática nacional em seus currículos, em
razão da “ameaça nacional” (KREUTZ, 2000).
3 A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO E AS MATÉRIAS CONSTITUCIONAIS
Vamos ver agora como se estruturava a organização do
ensino. Ora, com a República formaliza-se a Constituição de 1891,
atribuindo às esferas estaduais a responsabilidade de legislar sobre
o ensino secundário e primário e criar as instituições de ensino
superior, bem como criar e manter as escolas primárias. A atribuição
da União se restringia aos poderes específicos de legislar sobre a
organização municipal do Distrito Federal e o ensino superior. No
tocante a universalização do ensino ainda não se caracteriza como
uma realidade.
As orientações políticas para a educação, então, começam a
ser repensadas para atender as demandas sociais de universalização
do ensino. O processo de modernização na economia e na política
ao longo da República Velha vai sofrendo a pressão das camadas
populares para o acesso a educação. A partir dessas reformas do ensino
nos estados da federação, bem como as mudanças substanciais no
contexto histórico, político e cultural do país, várias mudanças passam
a se configurar também no debate da educação, mediadas pelo legado
teórico entre a pedagogia tradicional, liberal e libertária. Alguns dos
interlocutores significativos nesses contextos foram os intelectuais à
frente de um projeto de modernização do país, inspirados na escola
nova europeia e americana, denominados Pioneiros da Educação. As
reformas mais significativas foram: a Lourenço Filho no Ceará, em
1923; a Anísio Teixeira, na Bahia, em 1925; a reforma Fernando de
Azevedo, no Distrito Federal, em 1927 e a reforma Francisco Campos,
em Minas Gerais, em 1928.
81Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4
SAIBA MAIS
Uma das bandeiras dessa modernização era a democratização
do ensino e, nesse período, dá-se a criação do Ministério da Educação
e Cultura (1930), tendo à frente o então ministro Francisco Campos.
Sucederam-se duas reformas: a do ensino secundário e a do ensino
superior, por meio de dois estatutos, ambos de 11 de abril de 1931, o
decreto-lei 18.951 - Estatuto das Universidades Brasileiras - e o Decreto
18.952, que reorganizou a Universidade do Rio de Janeiro. Observa-
se que, na criação da Universidade no Brasil, há controvérsias quanto
à primazia de sua inauguração. Somente em 1934 surge, de fato, a
Universidade de São Paulo – USP, com uma missão de intelectuais
franceses como primeiros professores e estabelecendo mesmo uma
concepção universitária, com vários cursos, e constituindo seus
princípios no tripé: ensino, pesquisa e extensão. Já em 1928, foi
criada a Universidade do Brasil, conhecida hoje como Universidade
Federal do Rio de Janeiro que, apesar do decreto de criação, só foi
inaugurada por lei para conceder a um príncipe belga, em visita ao
país, o título de honoris causa, como era de praxe à época, para
visitantes aristocratas. A controvérsia da primazia disputa a criação
prática e a criação legal, como se observa. (BOAVENTURA, 1986). De
qualquer forma, uma das reivindicações dos pioneiros foi incorporada
para a demanda de criação de universidades.
As defesas de algumas reivindicações do Manifesto dos Pioneiros
da Educação foi aderida pela Constituição de 1934, estabelecendo
uma mudança radical na estrutura educacional brasileira. Frente
a uma nova configuração política e econômica, as relações entre
Estado e sociedade também exercem influência na configuração da
Constituição de 1934, que introduz um novo paradigma educacional.
Esse movimento deu ao tema da educação grande destaque
e mudou radicalmente a realidade brasileira, dando à educação um
sistema de ensino.
A Constituição de 1934 estabeleceu um capítulo sobre família,
educação e cultura na Carta Constitucional. Repare que o destaque
ao qual se refere é em relação à importância do tema no período,
ainda que se considere que essa importância ainda estava aquém
das necessidades das políticas sociais do período. Dentre as várias
atribuições desse manifesto, destacam-se a educação como direito de
todos; ensino primário gratuito e obrigatório, extensivo aos adultos;
tendência à gratuidade do ensino posterior; criação do Plano Nacional
de Educação, elaborado pelo Conselho Nacional de Educação, criado
também por esse dispositivo legal; competência aos estados e Distrito
Federal para organizar e manter seus sistemas educativos; definição
dos recursos para aplicação nas esferas municipais, estaduais e da
Sistema de ensino É um tipo de organização e articulação entre os segmentos de ensino: educação infantil, ensi-no fundamental, ensino médio e ensino superior (na linguagem de hoje). Você não pode ir direto para o ensino médio sem passar pelas outras etapas, por mais que você tenha apreendido os conteúdos em casa, por exemplo. O sistema organiza as diferentes etapas nas diferentes instituições no âmbito municipal, estadual e federal ou Distrito fe-deral.
História e Educação
82 Módulo 3 I Volume 1 EAD
Educação no advento da República
FIGURA 5 - Anísio Teixeira
União. Enfim, aqui se inicia uma fase de definição das
competências nas esferas administrativas do Brasil e uma
lógica de institucionalização de políticas educacionais.
Por isso, a importância desse dispositivo legal.
Na sequência do histórico das legislações
educacionais no Brasil, a Constituição de 1937 estabelece
um retrocesso político, restringindo as competências dos
estados adquiridas na constituição de 1934, em razão
do contexto histórico da época, marcado pelo Estado
Novo, de Vargas. A marca das políticas educacionais
nesse período é a ênfase no ensino pré-vocacional e no
profissional, considerando, em matéria de educação, o
primeiro dever do Estado, sobretudo, nas classes menos
favorecidas. Outra atribuição nesse contexto adotada
por Vargas é a expansão do Ministério da Educação e Saúde, criando
o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Essa instituição
foi criada para promover convênios de auxílio aos estados, no campo
do ensino primário, integrando-se, em 1942, ao Fundo Nacional do
Ensino Primário. Nesse período também é promulgada a Lei Orgânica
do Ensino Secundário - conhecida como Reforma Capanema, que
instituiu o primeiro ciclo secundário de quatro anos, ou curso ginasial,
e um segundo ciclo, de três anos, apresentando duas opções: curso
clássico ou científico. No concernente ao contexto histórico, sob a
égide das influências da Segunda Guerra Mundial, essa reforma institui
também a educação militar somente para alunos do sexo masculino,
bem como se caracteriza, no tocante ao currículo, a predominância de
enciclopedismo e a valorização da cultura geral e humanística.
A marca emblemática da educação na década de 1937 até a
Constituição de 1946 é a dualidade do ensino: retirou-se o direito
de todos à educação, explícito na Constituição de 1934, e passou
a ser implícito na Constituição de 1937, privilegiando as escolas
particulares e instituindo como primeiro dever do Estado, o ensino
pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas.
E o ensino secundário, destinado às elites dirigentes. O que significava
isso? Significava que a educação elementar pré-vocacional se dirigia
para as camadas desfavorecidas e atendia a demanda de ocupar o
mercado de trabalho, promovido pela industrialização. Afinal, nesse
pleno avanço da indústria precisava-se formar um operariado. O
ensino propedêutico se dirigia às classes mais favorecidas, voltada
para acessar uma formação mais qualificada no ensino superior, era
destinado ao público mais privilegiado socialmente, estava selada,
pois, a dualidade e a seletividade do ensino.
83Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4
PARA CONHECER
Esse debate vai se destacando nesse caminho histórico,
justamente para atentar-se às preocupações educacionais nesses
períodos, bem como as influências do contexto econômico nas
definições da política educacional, em cada governo. Você está
observando que, nessas condições, percebe-se o descaso com a
educação elementar no Brasil. Somente com a Constituição de 1946,
retomam-se algumas das prerrogativas legais da Constituição de
1934, como a definição dos recursos pelas esferas administrativas
da federação; a competência da União para legislar sobre diretrizes e
bases da educação nacional, mantendo o capítulo da educação e da
cultura; a criação da obrigatoriedade da assistência educacional nos
diversos sistemas de ensino, assegurando aos alunos necessitados
eficiência escolar; bem como a manutenção dos dispositivos sobre o
ensino primário obrigatório, oficial e gratuito.
Observa-se que, no contexto de pós-guerra e no período
de redemocratização do país, uma das questões destacáveis nessa
constituição foi o apontamento da necessidade de criação de uma
lei nacional sobre a educação. É porque até então não havia uma
lei específica sobre a educação. O que isso significa? Significa a
fragilidade das conquistas legais, porque as políticas encontram-se
reféns dos arbítrios dos governos em cada período. Não existe uma
lei que conduza a organização e o sistema do ensino. A lei específica
daria o norte da educação de forma mais explícita e não de forma tão
genérica como do dispositivo legal da Carta Magna do país. Ficou clara
agora a necessidade da regulamentação das propostas e projetos
na condução da governabilidade na administração de um ente da
federação, seja município, Estado e país.
Em 1948, foi encaminhado o anteprojeto da primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, popularmente conhecida
como LDBE. Foram treze anos de tramitação no Congresso Nacional,
frente a muitos debates e várias tendências educacionais, cada um
defendendo seus interesses. A Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de
1961, quando chegou a ser promulgada, foi considerada atrasada
diante da realidade do ensino brasileiro.
4 MODELO DESENVOLVIMENTISTA E A DITADURA MILITAR E REFORMAS 68/71
Chegamos então no momento da segunda fase histórica
no desenvolvimento da educação, caracterizada pelo período
desenvolvimentista. O contexto histórico desse período é marcado
Para saber mais sobre a LDBE ler o livro ROMANELLI, Otaiza de O. História da educação no Brasil (1930/1973). 8 ed. Petropólis: Vozes, 1986. Bem como SAVIANI, Demerval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. São Paulo: Autores Associados, 1997. Esses textos explicam com detalhes o complexo processo de elaboração de uma legislação específica sobre a educação no Brasil, caracterizando as disputas de interesses no Congresso Nacional e os avanços e retrocessos clássicos nos domínios da educação.
História e Educação
84 Módulo 3 I Volume 1 EAD
Educação no advento da República
pelo desenvolvimento econômico do país, a partir do processo de
industrialização, iniciado pela Era Vargas (1945), caracterizado pelo
modelo econômico keynesiano/desenvolvimentista; foi altamente
potencializado por Kubitscheck e Jango (1964) e depois alimentado
pelos governos militares, no chamado milagre econômico (1969-
1973). Esses períodos marcam um processo de endividamento do
Estado brasileiro, que se estende durante muitos anos e pelo qual
pagamos a conta até hoje. Numa frase emblemática, o General
Golbery Couto e Silva, chefe da Casa Civil da Presidência, em
1974, numa alusão à necessidade de prover a economia do país
pelas vias das teses capitalistas declarou: “O povo é um mito, só
existe mercado e o mercado é o Estado.” Essa declaração esclarece
bem as prerrogativas intencionais dos governos militares. Para os
desinformados, fica a impressão de que o período foi marcado por
um grande desenvolvimento econômico. O período se caracterizou
por empreendimentos vultosos, cuja prioridade era duvidosa em
detrimento das necessidades sociais que a população brasileira
passava (passava? Vamos ver...).
Vamos começar a analisar criticamente... Em que sentido a
sociedade compartilhou desse desenvolvimento, se desconsiderarmos
quem participou desse desenvolvimento, o país, em toda a sua
dimensão? Ou apenas se beneficiou uma minoria composta por uma
elite política e econômica do país? Questionamos a essência desse
milagre. É bom lembrar que, nesse período, o acesso à educação e à
saúde era restrito (grande parecla da população não encontrava vaga,
embora tivesse a gratuidade do ensino); as condições de habitação,
segurança e infraestrutura das cidades tinham notáveis limitações;
o trabalho consequentemente, com uma baixa qualificação da
população em geral, tinha características muito claras para
cada segmento social da população. Enfim, as mazelas sociais
eram consideráveis. Bom, se esse crescimento foi realizado
sob o viés de um endividamento, alguém teve que pagar
a conta... Quem pagou? E de que jeito foi? É uma grande
questão colocada para entendermos como essa estruturação
da vida econômica do país, hoje, reflete diretamente nas
diretrizes educacionais.
Em termos históricos, caminhamos bem desde
proclamação da República e, repare como nos avanços em
políticas sociais e educacionais, engatinhamos: só em 1934
tivemos declarado em texto constitucional a obrigação do
Estado com a educação pública, definindo os percentuais que
cada ente da federação (municipal, estadual, União e DF)
SAIBA MAIS
Modelo keynesiano/desenvolvimentista é uma expressão uti-lizada para explicar o modelo econômico utilizado no período desenvolvimentista. No Brasil, é o carac-terizado pelo modelo keynesiano, que tem esse nome, em razão do autor chamado John Keynes, precursor da macroeconomia, que defendia uma política econômica de Estado intervencionista, ou seja, o Estado regulava com mais contumá-cia as diretrizes da economia, a partir de políticas fiscais e mo-netárias.
FIGURA 6 - Construção da ponte Roberto Marinho.“Wikimediacommons”
85Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4
teria que deslocar para educação. Perdemos isso na Constituição de
1937, retomamos em 1946 e, assim, os descaminhos da educação
no Brasil vão delegando um flagelo de analfabetos... Esse período
é caracterizado por grande desenvolvimento industrial do país,
financiado pelo capital estrangeiro, o que promoveu o intenso
crescimento da iniciativa privada nas atividades econômicas nacionais.
A educação não deixou de abarcar essa direção econômica e, nesse
período promoveu-se a expansão do ensino privado, especialmente
do ensino superior. Agora não são os católicos os maiores defensores
do ensino privado, mas os liberais (não mais aqueles da década de
1930): uma nova elite formada pelo liberalismo da economia toma
frente do contexto educativo.
Na década de 1960, alguns movimentos críticos desse flagelo
com a educação nacional são realizados. Paulo Freire, Moacyr de
Góes, dentre outros, lideram um movimento de cultura popular para
mobilizar a população marginalizada dos bancos escolares a participar
de uma grande campanha de educação popular, voltada a alfabetizar
a população adulta do país. A campanha De Pé no Chão também
se Aprende, buscava atender a população rural adulta, destituída
de oferta de um programa de escolarização; era voltada a incluir
os excluídos da sociedade num processo não somente educativo
mas, sobretudo, político, social, econômico e cultural. Paulo Freire
promoveu um método que ficou famoso, internacionalmente,
denominado Pedagogia do Oprimido, que consistia em desenvolver o
conhecimento através da própria bagagem cultural do aluno, dotando-o
de centralidade e importância na construção do conhecimento, de
modo que ele pudesse transformar a sua realidade (GÓES, 2001).
Essa metodologia foi duramente criticada pelos governos militares e,
posteriormente (1964-1985), usada, mas de forma completamente
alterada sob a denominação Movimento Brasileiro de Alfabetização -
MOBRAL, retirando o viés ideológico e político do método.
E a industrialização se
alavanca, levando à adoção
da política educacional num
franco desenvolvimento, com
orientação voltada para o ensino
técnico-profissional, atrelando
à educação uma característica
perversa, marcada pela dualidade
do ensino, intensificando-a, ainda
mais. Observe como as diretrizes
econômicas vão conduzindo o Figura 7 - Educação de Jovens e Adultos. Estudantes do PROEF - UFMG
picasaweb/nepso
História e Educação
86 Módulo 3 I Volume 1 EAD
Educação no advento da República
SAIBA MAIS
ideal pedagógico na formação da sociedade. Como a educação perde
sua autonomia para definir o tipo de condução educativa para uma
formação universalista, humanista... Ou seja, não são as pessoas que
definem a sociedade, mas o mercado, as relações econômicas. Está
claro? As orientações do projeto de desenvolvimento do país tem a
ver com as políticas educacionais: que tipo de formação o sistema
econômico necessita? Na maior parte das vezes é essa a condução
dos sistemas de ensino. No contexto do período desenvolvimentista,
isso marcava o dualismo do ensino: a educação técnico-profissional,
voltada para as camadas populares, que deveria ocupar o setor
industrial, caracterizando a classe operária. E o ensino propedêutico,
voltado para o acesso ao ensino superior, prioritariamente orientado
para as camadas mais abastadas, uma vez que a oferta do ensino é
restrita a grandes centros e a poucas escolas. A oferta maior se dava
para o ensino técnico-profissional, reforçando o tom de seletividade
que a educação brasileira adotou ao longo de sua história.
No contexto dos regimes autoritários, as Constituições de 1967
e 1969 são dispositivos legais coadunados com o espírito político da
ditadura militar, inspirados pela doutrina da segurança nacional, com base na adoção equivocada do conceito de unidade nacional e
marcada por características reacionárias e conservadoras; sobretudo
inspirados no modelo de desenvolvimento econômico dependente,
imposto pela política econômica norte-americana para a América
Latina. As Constituições Federais deram reforço à privatização do
ensino, promovendo inclusive assistência técnica e financeira para
o ensino particular, através dos recursos públicos. Além de conduzir
a uma educação moralista, tradicional, completamente destituída da
capacidade crítica.
Os professores que usassem um método que criasse a
capacidade crítica eram presos, torturados, sob a justificativa de
estarem subvertendo a ordem nacional. Ordem nacional era aquela
ditada pelos militares; portanto, nas escolas eram reproduzidas
doutrinas quase militares: extremo rigor, disciplina, educação de
moral e cívica, hastear a bandeira, fazer “forma” para cantar o hino
nacional, usar as fotos dos símbolos pátrios nas dependências da
escola. Era a uniformização dos modelos, dos comportamentos...
Como se as pessoas dentro da escola não fossem diferentes, como
se não se questionassem as crianças fora da escola... Ou seja, a
perspectiva crítica do social era solapada.
Ufa! Esse período foi difícil na história do Brasil e ainda
sentimos as consequências de seus ditames. É um período marcado
Doutrina da segu-rança nacional é um mergulho na história da guerra fria, onde os EUA, preocupados com o avanço comunista na América Latina, finan-ciam as ditaduras mili-tares nos países latino-americanos, forçando-os a aderirem ao lado capi-talista. No Brasil, a caracterização dessa doutrina foi elaborada no governo militar do General Golbery Couto e Silva coma criação do Serviço Nacional de In-formação – SNI para coibir os inimigos do re-gime capitalista.
87Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4
por retrocessos do ponto de vista da centralização das políticas. A
Constituição de 1967, com as alterações da Emenda Constitucional nº
1, de 17 de outubro de 1969, manteve a atribuição da União de legislar
sobre diretrizes e bases da educação nacional. Um dado interessante
na Constituição de 1967 é a ampliação da obrigatoriedade do ensino
para a faixa de 7 a 14 anos. Contudo, esse preceito entra em conflito
com outro dispositivo legal, permitindo o trabalho infantil a partir
de 12 anos. Ou seja, ao se permitir o trabalho na condição da idade
escolar, dadas as dificuldades financeiras de grande parte das famílias
brasileiras, muitas crianças acabam por ser utilizadas como mão-de-
obra para ajudar nas condições de vida da família, e a prioridade
educacional não é garantida.
Assim, em 1971, o Congresso Nacional propõe alterações
no ensino de 1º e 2º graus e na LDB vigente, nº 4.024/61. O
recrudescimento da ditadura militar provocou maior centralização das
decisões no âmbito nacional das políticas educacionais, boicotando
a LDB/61. Constitui-se a reforma do ensino superior, através da Lei
nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Mais tarde, há a reforma
do ensino de 1º e 2º graus, instituída pela Lei nº 5.692/71, de 11
de agosto de 1971, também conhecida como “Reforma Passarinho”.
Essa lei refletiu os princípios da ditadura na racionalização do trabalho
escolar e na adoção do ensino profissionalizante no 2º grau. Quem não
se lembra dos cursos profissionalizantes que se fazia nesse período?
Para se concluir o segundo grau, o aluno tinha de se submeter à
oferta de curso profissionalizante de sua região de domicílio.
A ideia de profissionalização obrigatória no ensino de 2º grau
não era interessante do ponto de vista de uma política educacional,
afinal, todos devem ter o direito de escolher suas opções profissionais
e de formação. Não ficar a mercê do que as instituições de ensino
colocam como “oferta”. Essa era uma visão tecnocrática, distorcida
pelo crescimento da economia nacional pelas vias de um sistema
capitalista, voltado para interesses próprios. Com a lei nº 7.044, de 18
de outubro de 1982, o então Presidente Figueiredo dá por encerrado
esse ciclo de profissionalização, substituindo o preceito “qualificação
para o trabalho” pela “preparação para o trabalho”.
5 O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL – ATÉ A CONSTITUIÇÃO DE 1988
O pós-milagre econômico foi um período de grande recessão
econômica e de extensiva crise monetária (1973-1990), marcado por
SAIBA MAIS
Milagre econômico é uma expressão atribuí-da durante a ditadura militar no Brasil, para explicar o extenso crescimento econômi-co, particularmente no período de 1969 a 1973, no governo do General Médici. Contudo em detrimento desse de-senvolvimento, a políti-ca econômica promoveu esse crescimento base-ada numa política de concentração expres-siva de renda e con-centrando a pobreza, caracterizando o país com uma significativa desigualdade social.
História e Educação
88 Módulo 3 I Volume 1 EAD
Educação no advento da República
grande retraimento da economia nacional, significativas taxas
de desemprego e movimentos de greve. Houve o endurecimento do
Estado contra a classe trabalhadora diante da crise potencialmente
orquestrada pelas políticas externas do Governo Reagan (EUA) e de
Margareth Thatcher (Inglaterra). Foi o período conhecido como a nova
direita. Começava a se pensar em argumentos sólidos e conceituais
para se justificar a adoção dessas políticas para a América Latina
e para o Brasil. Foi marcado por um período de reestruturação capitalista, buscando o estado mínimo e o apoio das empresas
privadas e internacionais para sustentar o novo modelo econômico –
exigência por parte dos países capitalistas no remodelamento de seus
aparelhos de poder. Não esqueçamos que esse processo chega num
momento de redemocratização política nos países da América Latina.
Ou seja, todo o processo de intensa estruturação de uma sociedade
de mercado foi construído sob a égide de um Estado de Direito Democrático.
Retraimento da economia nacional é uma expressão para explicar uma contenção, um recuo por parte dos investidores estrangeiros e nacionais, considerando a instabilidade econômica. Em períodos econômicos instáveis, como os momentos de crise econômica, é comum observar um retraimento dos investimentos para aguardar as diretrizes da economia, a condução do mercado nacional e internacional. São períodos de grande desemprego, altas taxas de juros, instabilidade cambial e pouco oferta de compra e venda.
Reestruturação capitalista é uma nomenclatura para explicar novas lógicas do sistema capitalista acompanhada da ideologia do livre mercado. Segundo Belluzo (1998) são etapas de subversão das relações de Estado e sociedade, entre a lógica do capitalismo e as aspirações dos indivíduos na sociedade frente à autonomia diante da esfera de poder e do dinheiro, a uma vida boa e decente, onde tudo é privado, ou seja, é preciso pagar. Garante novas relações na sociedade, mas também camufla as conseqüências do processo excludente que a natureza capitalista promove. O livre mercado oferece bens sociais (educação, saúde, segurança pública etc.) para serem comprados. Um produto do mercado. Quem não pode comprar, fica relegado a um serviço público, mas precarizado, na medida em que o Estado se distancia de suas responsabilidades sociais, onde o mercado ganha espaço vendendo seus “produtos”.
Estado de Direito Democrático é a defesa de um dever jurídico, protegido por lei das arbitrariedades políticas, econômicas e sociais. Confluem ao pensar um Estado de Direito como um bem incondicional nas sociedades modernas para a garantia dos direitos fundamentais. Seja do ponto de vista liberal, como pré-requisito primordial para o estabelecimento de economias de mercado eficientes, na defesa da esfera privada e dos mecanismos de proteção de um ideal político particular. Seja do ponto de vista marxista, como mero instrumento superestrutural, voltado para os interesses de uma elite, mas que encontra na luta democrática um elemento para assegurar a liberdade. O que se assemelham nas distintas políticas que apóiam o Estado de Direito é a aversão ao uso arbitrário do poder.
SAIB
A M
AIS
89Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4
Posteriormente, já no período da democratização do país,
na abertura econômica (1990-2003), percebe-se um ostensivo
desenvolvimento de novas teorias administrativas do capitalismo,
teorias de organização empresarial na sua expressão política e social.
O movimento econômico internacional dos países capitalistas começa
a fomentar a internacionalização econômica, principalmente das
empresas multinacionais, sob o pretexto de estreitar o mundo nas teias
dos países com forte potencial econômico e tecnológico como os EUA,
países da Europa e o Japão. Estabelece-se a criação de instituições
financeiras internacionais, que vão definir a economia por critérios
internacionais, com medidas vinculadas ao mercado. Na educação
essas novas formas das teorias administrativas do capitalismo são
transplantadas para os sistemas de ensino. Termos como qualidade
total, eficiência, eficácia, excelência, gestão da educação, gestor da
escola (diga-se de passagem, que esse termo se origina da palavra
“gerência”, então, agora temos o “gerente da escola”) denotam um
modelo educativo inspirado na competitividade (GENTILI, 1994).
Como nas empresas. O problema é que educação não pode ser
pensada como um produto, mas um bem social. Produto se compra,
bem social é direito garantido, conquistado, responsabilidade do
Estado.
Observe: a globalização, enquanto instrumento para essa
internacionalização do capital, teria objetivos globais de organização
do mercado em escala mundial. Esse mercado nada mais é do que
o exercício hegemônico de grupos econômicos, exercendo o poder
de Estado, inclusive nas funções coercitivas e repressivas. Repare
que, mediada pelo legislativo nacional, nova estruturação política e
econômica é inaugurada. O corpo de leis vai sendo, paulatinamente,
orientado a privilegiar grupos econômicos e determinados benefícios
para a iniciativa privada, em detrimento dos dispositivos coletivos da
sociedade e, logo, dos benefícios de ordem pública. O neoliberalismo
foi um nome diferente para a mesma coisa. Ou seja, uma nova forma
de se denominar o sistema econômico vigente, o capitalismo. Há
quem diga que o nome “capitalismo” entrou em desgaste frente às
resistências dos movimentos sociais e também, vamos admitir, não
fez muito bem ao período passado. Um novo modelo nas sociedades
capitalistas começa a aparecer e instauram-se as políticas neoliberais.
O caminho que estamos fazendo nos leva a refletir como a
condução das políticas vai definindo as estratégias que o sistema
econômico cria para qualificar a sociedade que acessa o sistema
de ensino. O advento da nova conjuntura, com o fim da ditadura
militar, aspira pela construção de uma nova Constituição Federal e,
História e Educação
90 Módulo 3 I Volume 1 EAD
Educação no advento da República
na carona, uma nova LDB. Afinal, além de chegar atrasada e sofrer
reformas que não mostraram resultados significativos no processo
educativo, encontra-se caduca. Até a o final da década de 1980,
ainda não tivemos uma efetiva democratização do ensino, garantindo
cobertura completa para o público em idade escolar. Esse é um
momento de grande destaque para os movimentos sociais frente ao
processo de redemocratização do país. São eles que alimentaram
muitos preceitos legais, hoje incorporados aos dispositivos jurídicos
do ordenamento legal do Brasil, a partir de suas cobranças e de
suas lutas para garantir o que se tem direito por lei. O regimento
da Assembléia Nacional Constituinte acolheu o pedido do Plenário
Nacional admitindo as emendas populares e as reivindicações desses
segmentos sociais, diga-se de passagem, que, não na sua totalidade,
mas em grande medida.
O contexto dessa nova Constituição é um pouco diferente
da construção das anteriores; incorpora os princípios gerais da
educação do país, contudo, no concernente à discussão da escola
pública, os ânimos foram acirrados, pois dada a importância desse
dispositivo legal, inclusive sobre a orientação da educação do
país a partir daquele momento, a disputa entre os privatistas e o
publícola continua a ser recorrente na história da educação. O texto
da Constituição de 1988, frente à grande mobilização de educadores
nos movimentos pela escola pública, conquistou os preceitos legais
relativos à gratuidade do ensino público; obrigatoriedade do ensino
fundamental; autonomia universitária; definição maior dos recursos
para educação nos municípios, estados, Distrito Federal e União; e
a instituição do Plano Nacional de Educação, integrado às ações das
outras pastas setoriais do poder público.
Mas como, comumente, se observa nas relações de poder,
essas relações são sempre de via dupla, uma concessão aqui para
garantias acolá. Nessa dinâmica de negociação do jogo político, a
expansão do ensino privado tomou
proporções nunca então vistas e
que são evidentes, hoje, nas suas
dimensões em todo o território
nacional. Não é uma exclusividade
da realidade brasileira. A América
Latina, de modo geral, foi assolada
por essa tendência privatista,
fomentada pelo Banco Mundial.
Outro elemento importante da
Constituição Federal de 1988 é sua
Figura 8 - Congresso Nacional(Mario Roberto Duran Ortiz)
“commons.wikimedia”
91Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4
admissão de uma nova configuração do Estado Nacional. Essa leitura
é importante para sustentar os preceitos legais das novas políticas
educacionais. Agora, não a partir de uma lei somente, mas de uma
política pública integrada às ações públicas na sua totalidade. Observe
que, até aqui, destacam-se sempre as leis, os preceitos legais que
regularam a educação do país, mas não se fala em política pública,
porque não se observa todos os elementos constituidores de uma
ação integralizada; e mesmo essa categoria é recente, foi incorporada
a partir da década de 1990. Essa compreensão vai ser mais bem
explicada nos pressupostos políticos das políticas educacionais.
E, por fim, a terceira fase da história da educação pode se
configurar a partir dos desdobramentos da CF/88. A Constituição
de 1988 incorpora também, por sua natureza, a exigência de uma
nova lei para a educação, já dimensionada no substitutivo de autoria
do Senador Darcy Ribeiro, com a colaboração do Senador Marco
Maciel, dando origem ao projeto da atual LDB nº 9.394/96. Nessa
nova lei, os preceitos da Constituição Federal são complementados.
É considerada uma lei aberta, permitindo as intervenções do MEC,
através do Conselho Federal de Educação, e sofreu muitos reveses na
sua tramitação na Assembleia Nacional. Sem dúvida foi um avanço
frente a 25 anos de regência da Lei nº 5.692/71, de 11 de agosto
de 1971; contudo não se pode ainda dizer que é a lei desejada por
grande parte das representações da sociedade organizada, sobretudo
por sua característica indicativa e não prescritiva.
Pelo que se vê, em termos de pressupostos históricos, o Brasil
sofreu frente aos avanços e retrocessos das políticas educacionais,
mas, no seu histórico, não se deixou de registrar os elementos de
seletividade do ensino, cada vez mais perversos, ao deslocar para os
indivíduos as responsabilidades dos entes públicos, com relação ao
acesso e qualidade do ensino.
Ainda na tentativa de elucidar as regulamentações da
legislação educacional, outro dispositivo legal destacável é o Estatuto
da Criança e do Adolescente - ECA, Lei nº 8069, de 13 de julho de
1990; embora não faça parte do rol de legislações educacionais,
propriamente ditas. Contudo se ressalva esse dispositivo legal,
enquanto instrumento importante na cobertura de direitos de crianças
e adolescentes, sobretudo no que concerne à educação básica.
Particularmente, é importante para educadores desse segmento
de ensino, em razão da promoção de um princípio de respeito com
esse grupo social, na medida em que o reconhecem como sujeito de
direito. Nesta lei existe um capítulo inteiro voltado para educação,
cultura, esporte e lazer (Cap. IV), bem como há orientações sobre
História e Educação
92 Módulo 3 I Volume 1 EAD
Educação no advento da República
os serviços de atendimento, na política de atendimento como, por
exemplo, os conselhos de direito e tutelares, entidades que devem
apoiar as escolas e efetivar o sistema de garantia de direitos, do
qual a escola faz parte e formaliza as políticas públicas na sua
integração. Atualmente, esse dispositivo legal tem ganhado cada vez
mais espaço no universo escolar por estabelecer especificidade na
proteção integral de crianças e adolescentes – o público majoritário
do universo educacional. É a partir desse instrumento legal que
muitas famílias estão garantindo vagas em hospitais, escolas perto de
suas residências e outras necessidades básicas garantidas em lei às
crianças e aos adolescentes. Houve muitas mudanças dos jesuítas até
hoje, mas uma questão ficou ainda por ser resolvida: a seletividade
e a baixa qualidade da escola de massa continuam como a mazela da
educação nesse país.
LEITURA RECOMENDADA
Para melhor sistematizar o conteúdo dessa unidade você deve procurar ler também o livro de GENTILI, P. Neoliberalismo, qualidade total e educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1994, bem como os capítulos IV e V de ZOTTI, S. A. Sociedade, educação e currículo no Brasil: dos
jesuítas aos anos de 1980. Campinas: Autores Associados. Brasília, DF: Ed. Plano, 2004.
RESUMINDO
6 RESUMINDO
Nesta aula você viu:
1. No início do século XX, diante das transformações que a sociedade
brasileira se deparou, a educação recebeu várias propostas de
orientações pedagógicas. Os principais debates foram marcados pela
pedagogia tradicional, pedagogia liberal e a pedagogia libertária.
2. A pedagogia tradicional era defendida pelos católicos e se dirigia
a manter uma educação privada, sob os domínios da Igreja, com
uma educação religiosa de defesa de valores morais, mas, sobretudo,
defendendo uma escola confessional, que pudesse garantir os lucros de
uma educação privada.
3. A pedagogia liberal foi defendida pelos intelectuais graduados
93Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4
das escolas superiores, participantes do movimento abolicionista e
republicano, profissionais liberais etc., ou seja, pelo grupo socialmente
privilegiado, em grande maioria, filhos da elite agrária do país que
criticavam o que consideravam a sociedade patriarcal, atrasada,
tradicional.
4. A pedagogia libertária foi defendida por grupos socialmente
desfavorecidos, motivados por uma análise crítica das realidades
sociais, promovidos, sobretudo, pelo movimento anarquista, no início
do século XX.
5. Um grupo de intelectuais reformistas defendeu um documento
para reivindicar uma escola pública, laica, de qualidade e para todos,
criando o Manifesto dos Pioneiros da Educação. As defesas de algumas
reivindicações do Manifesto dos Pioneiros da Educação foi aderida pela
Constituição de 1934, estabelecendo uma mudança radical na estrutura
educacional brasileira. Frente a uma nova configuração política e
econômica, as relações entre Estado e sociedade também exercem
influência na configuração da Constituição de 1934, que introduz um
novo paradigma educacional.
6. A Constituição de 1937 derruba as conquistas de 1934 e só as
recupera no contexto da complexa Constituição de 1946, frente aos
adversos contextos políticos à época.
7. Destacam-se também o processo de formulação da primeira LDBE:
processo de luta de interesses entre privatistas e publícolas; os revezes
do jogo político e como os governos sucumbem aos interesses políticos.
8. Uma das grandes mudanças no contexto das políticas educacionais
pode ser caracterizada pela Reforma do Ensino/68 e 71 – perspectiva
tecnicista da educação e formação centrada para quadros técnicos para
a indústria nacional.
9. O marco histórico do advento da CF/88 – pressupostos políticos da
descentralização, municipalização e as problematizações do legado
histórico-social na perspectiva educacional (patrimonialismo, processo
de modernização da sociedade dual, elitização dos processos políticos,
mercantilização da educação etc.).
História e Educação
94 Módulo 3 I Volume 1 EAD
Educação no advento da República
7 ATIVIDADES
1. Apresente o debate dos interlocutores da educação no contexto da primeira República (1889-1930), quem são e suas principais posições sobre a educação.
2. O que foi o projeto de modernização no Brasil? Apresente suas características para o contexto da educação.
3. Leia o texto abaixo e responda:
Funcionando como estratégia de legitimação do grupo de educadores mais afeitos ao projeto de modernização da sociedade brasileira, o Manifesto surge carregado de um verdadeiro arsenal simbólico que atua no imaginário social, construindo uma memória educacional que tem no próprio Manifesto o marco da renovação educacional no Brasil (XAVIER, 2002, p. 8-9).
(a) O que representou esse manifesto para a educação brasileira?
(b) Quais as principais reivindicações presentes nesses documentos?
(c) Quais reivindicações foram incorporadas a Constituição de 1934?
4. Apresente o debate e como se deu, no âmbito das matérias constitucionais, a criação da primeira LDBE no Brasil.
5. Explique como se caracterizaram as reformas do ensino de 1968 e 1971.
6. O Brasil é um país que, graças à difusão do método criado por Paulo Freire, nas décadas de 60 e 70, ajudou a erradicar o analfabetismo em outros países, com a internacionalização da Pedagogia do Oprimido. Infelizmente, neste mesmo período, este educador era proibido de ajudar a combater o analfabetismo no seu próprio país, exilado que foi pela ditadura militar, que via em seu método um elemento de subversão da ordem estabelecida. Diante desse contexto, responda:
(a) Em que consistia o método de Paulo Freire?
(b) Em que contexto ele foi criado e como ele se realizou no contexto brasileiro.
7. Explique por que as políticas educacionais no Brasil sofreram tantas mudanças sem garantir uma democratização do ensino.
ATIVIDADE
PARA
CO
NH
ECER
Vamos suscitar a reflexão assistindo a um filme. Observe atentamente as grandes mudanças e transformações político, econômicas e sociais ao longo do século XX, com um filme que apresenta imagens do complexo mosaico de uma época em MASAGÃO, Marcelo. Nós que aqui estamos por vós esperando. Brasil: Marcelo Masagão, 1998, DVD, (55 mim).
95Letras VernáculasUESC
Uni
dade
4
RE
FE
RÊ
NC
IAS
8 REFERÊNCIAS
ANDREOTTI, A. L. O projeto de ascensão social através da educação
escolarizada na década de 1930. In: LOMBARDI, J. C.; SAVIANI,
D.; NASCIMENTO, M. I. M. (Orgs.). Navengando na história da educação brasileira. Campinas: Graf. FE: HISTEDBR, 2006. Cd ROM.
BOAVENTURA, E. Universidade e multiversidade. Rio de Janeiro:
Ed. tempo Brasileiro, 1986.
CRUZ, M. V. Brasil nacional-desenvolvimentista (1946-1964). In:
LOMBARDI, J. C., SAVIANI, D.; NASCIMENTO, M. I. M. (Orgs.).
Navengando na história da educação brasileira. Campinas: Graf.
FE: HISTEDBR, 2006. Cd ROM.
GENTILI, P. Neoliberalismo, qualidade total e educação. Rio de
Janeiro, Vozes, 1994.
GÓES, M. Educação popular, campanha De pé no chão também se aprende a ler, Paulo Freire e movimentos sociais contemporâneos. Disponível em: < http://www.paulofreire.ufpb.
br/paulofreire/Files/seminarios/mesa16-b.pdf >. Acesso em : 16 de
janeiro de 2010, 16:15:30.
HORA, D. M. Medicalização, Escola Nova e modernização da nação
(1930-1945). In: LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D.; NASCIMENTO, M.
I. M. (Orgs.). Navengando na história da educação brasileira.
Campinas: Graf. FE: HISTEDBR, 2006. Cd ROM.
KREUTZ, L. Escolas comunitárias de imigrantes no Brasil: instâncias de
coordenação e estruturas de apoio. Revista Brasileira de Educação,
n. 15, set./out./nov./dez., 2000.
SILVA, M. A. Anos 80: da transição com abertura, mas sem ruptura,
do governo burocrático autoritário para o civil. In: LOMBERDI, J. C.;
SAVIANI, D.; NASCIMENTO, M. I. M. (Orgs.). Navegando na história da educação brasileira. Campinas: Graf FE: HISTEDBR, 2006. Cd
Rom.
XAVIER, L. N. Para Além do campo educacional: um estudo sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Bragança
Paulista, SP: EDUSF, 2002.
Suas anotações
________________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________