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1. OS ESTUDOS DE TUPI ANTIGO E A CRÍTICA ESTRUTURALISTA É sabido que, com o advento do Estruturalismo no Brasil na década de cinqüenta e sua disseminação nas universidades brasileiras após a década de sessenta, muita celeuma engendrou a questão da existência das cadeiras de etnografia e língua tupi nas faculdades de Filosofia do país desde a década de trinta, quando a Universidade de São Paulo, em 1935, um ano após sua fundação, passou a incluí-la. Com efeito, naquele ano, tupi e Toponímia passaram a figurar no currículo do curso de Geografia. O primeiro regente de tais cadeiras foi o Prof. Plínio Ayrosa, um engenheiro e pesquisador autônomo que ministrava palestras no Centro do Professorado Paulista havia já algum tempo e que, pela nomeada que alcançara em virtude disso, foi convidado pelo reitor da novel universidade para criar nela os aludidos cursos. Por duas décadas os estudos tupinológicos reinaram soberanos nas universidades que passaram a mantê-los depois. Houve-os na década de quarenta na PUC do Rio de Janeiro, sob a regência do Pe. Antônio Lemos Barbosa, na Universidade da Bahia, estando o Prof. Frederico Edelweiss à frente da dita cadeira, e na Universidade do Paraná, com o professor Mansur Guérios. Tal foi a voga que tiveram tais estudos que, durante o segundo governo de Getúlio Vargas, de 1950 a 1954, tramitava no Congresso Nacional um projeto de lei que tornava obrigatória a criação da cadeira de língua tupi em todas as faculdades de Letras do Brasil. A repentina e trágica morte do presidente, em 24 de agosto de 1954, não frustrou os entusiastas de tal projeto: em 3 de setembro daquele ano, poucos dias após o suicídio de Vargas, o presidente Café Filho, seu substituto naquele doloroso transe, assinava a lei n. 2.311, publicada no Diário Oficial da União em 9 de setembro daquele mesmo ano, cujo texto rezava o seguinte: LEI No. 2.311 – DE 3 DE SETEMBRO DE 1954 Cria a cadeira de “Etnografia Brasileira e Língua Tupi” I

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1. OS ESTUDOS DE TUPI ANTIGO E A CRÍTICA ESTRUTURALISTA

É sabido que, com o advento do Estruturalismo no Brasil na década de cinqüenta e sua disseminação nas universidades brasileiras após a década de sessenta, muita celeuma engendrou a questão da existência das cadeiras de etnografia e língua tupi nas faculdades de Filosofia do país desde a década de trinta, quando a Universidade de São Paulo, em 1935, um ano após sua fundação, passou a incluí-la.

Com efeito, naquele ano, tupi e Toponímia passaram a figurar no currículo do curso de Geografia. O primeiro regente de tais cadeiras foi o Prof. Plínio Ayrosa, um engenheiro e pesquisador autônomo que ministrava palestras no Centro do Professorado Paulista havia já algum tempo e que, pela nomeada que alcançara em virtude disso, foi convidado pelo reitor da novel universidade para criar nela os aludidos cursos.

Por duas décadas os estudos tupinológicos reinaram soberanos nas universidades que passaram a mantê-los depois. Houve-os na década de quarenta na PUC do Rio de Janeiro, sob a regência do Pe. Antônio Lemos Barbosa, na Universidade da Bahia, estando o Prof. Frederico Edelweiss à frente da dita cadeira, e na Universidade do Paraná, com o professor Mansur Guérios.

Tal foi a voga que tiveram tais estudos que, durante o segundo governo de Getúlio Vargas, de 1950 a 1954, tramitava no Congresso Nacional um projeto de lei que tornava obrigatória a criação da cadeira de língua tupi em todas as faculdades de Letras do Brasil. A repentina e trágica morte do presidente, em 24 de agosto de 1954, não frustrou os entusiastas de tal projeto: em 3 de setembro daquele ano, poucos dias após o suicídio de Vargas, o presidente Café Filho, seu substituto naquele doloroso transe, assinava a lei n. 2.311, publicada no Diário Oficial da União em 9 de setembro daquele mesmo ano, cujo texto rezava o seguinte:

LEI No. 2.311 – DE 3 DE SETEMBRO DE 1954

Cria a cadeira de “Etnografia Brasileira e Língua Tupi”

O Presidente da República:

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º É instituída em todas as Faculdades de Filosofia e Letras do País a cadeira de “Etnografia Brasileira e Língua Tupi”.

Art. 2º Enquanto o Poder Executivo não enviar mensagem ao Congresso Nacional solicitando a criação dos respectivos cargos, os lugares de professor desta disciplina serão exercidos mediante contrato com especialistas e estudiosos da matéria e custeados pela verba própria dos estabelecimentos em cujo curso a cadeira for programada.

3º Uma vez criados os cargos, eles serão providos mediante concurso, a exemplo do que se verificou com o provimento da cadeira de Língua Tupi na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de São Paulo.

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Art. 4º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, em 3 de setembro de 1954, 133º da Independência e 66º da República.

JOÃO CAFÉ FILHOCândido Mota Filho

Tal iniciativa de Café Filho tinha um sentido nacionalista evidente. Articulava-se, na verdade, com a forte tendência estatizante que o segundo governo de Vargas apresentava, um dos últimos ecos dos pactos populistas que o capital internacional faria soçobrar em todo o Terceiro Mundo, representado, no Brasil, pelo golpe militar de 1964, pela queda de Perón na Argentina e pela de Ahmed Sukarno na Indonésia.

Coincidentemente, o Estruturalismo deita raízes na universidade e na intelligentsia brasileiras nesse momento de desnacionalização econômica e alinhamento político do Brasil com os Estados Unidos, mais forte e mais evidente durante o regime militar, que somente findou em 1985, mas já perceptível imediatamente após o término da Segunda Guerra Mundial.

Destarte, já em 1952, o filólogo Antenor Nascentes, embalado pelas novas idéias de forte conteúdo anti-historicista de matrizes norte-americanas e francesas, dizia em seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa:

“Tupi não se faz no asfalto. Faz-se na selva, em contato com o índio, com o desconforto, com o mosquito, com as cobras e outros animais perigosos, numa verdadeira vida de missionário. Precisamos fazer tábua rasa de tudo o que se tem produzido em matéria de tupi e mandar aos Estados Unidos meia dúzia de rapazes, ou mesmo algum professor, que tenha gosto por esses estudos, para com os discípulos de Boas aprenderem os processos de estudarem línguas de selvagens, processos esses tão ligados à filologia quanto à antropologia.”

Mattoso Câmara (1965), onze anos depois da lei promulgada por Café Filho, em capítulo de livro de teor contundente, desferia um golpe contra a Tupinologia:

“...As nossas faculdades de Filosofia...criaram uma cadeira de Tupi-Guarani dentro da velha idéia de que o tupi é o protótipo das línguas indígenas brasileiras. E a programação da Cadeira tende a desenvolver-se na base de uma filologia tupi dos textos jesuíticos e não na do exame in loco das línguas tupis ainda vivas...

Nem é admissível a atitude implícita, e até explícita, de desprezo pelas verdadeiras línguas indígenas, que passam a ser tupi impuro, línguas travadas e deturpações do tupi clássico...”

A crítica estruturalista à Tupinologia aconteceria, assim, em várias frentes:

1) Em primeiro lugar, a questionar seu domínio na universidade brasileira e a quase ausência de estudos das línguas indígenas vivas.

II

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2) Em segundo lugar, a lançar dúvidas sobre sua importância como uma das matrizes da formação da língua portuguesa do Brasil e da cultura brasileira, bem à frente de quaisquer outras línguas indígenas contemporâneas, que teriam influências mais restritas a determinadas regiões do país.

3) Em terceiro lugar, no afã de querer tornar o tupi uma língua indígena a mais, entre outras, propagou-se o designativo tupinambá em substituição ao tradicional designativo tupi, pretendendo-se, com isso, esvaziar seu conteúdo histórico, como que retirando seu valor de língua indígena clássica e equiparando-a ao Parintintin e ao Xavante, por exemplo.

4) Outras críticas que remontam à década de cinqüenta e que intentam desmerecer um dos instrumentos mais importantes de conhecimento do tupi são as que se fizeram contra as gramáticas dos missionários, consideradas latinizantes e de feitio artificial, como se os jesuítas tivessem amoldado a língua tupi à gramática latina.

5) Finalmente, muito já se argüiu, desde aquela época, a correspondência entre o que os missionários escreveram e a língua efetivamente falada pelos índios tupis da costa. Segundo Lemos Barbosa (1956, p. 18),

“Diz-se que os textos dos jesuítas são fictícios, que versam assuntos estranhos à cultura indígena (p.ex., nos catecismos, sermões, poesias etc.), aceitam neologismos inventados pelos padres, não se sabe com que real penetração na língua.)

É patente a perspectiva anti-historicista de tais posições, influenciadas pelo Estruturalismo,

que se contrapunha ao humanismo em sua feição clássica ou existencialista mais recente.Passemos à discussão das opiniões supracitadas.

1.1. A tupinologia e os estudos das outras línguas indígenas brasileiras

Ora, é bem verdade que o tupi não era a única língua falada no Brasil no início de nossa colonização. Centenas de línguas indígenas eram faladas no país por ocasião da chegada dos portugueses em 1500. Ocorre, contudo, que essa foi uma das poucas línguas indígenas aprendidas pelos portugueses no período colonial. Tornou-se, assim, dada a antiguidade de seu estudo, de sua literatura e de seu emprego por europeus e colonos não indígenas e dada sua abrangência pelo território colonizado nos dois primeiros séculos do Brasil, uma língua indígena clássica.

Nessa categoria de língua indígena clássica, o tupi situa-se ao lado do quéchua e do aimara, do Peru, da Bolívia e de outros países andinos, do guarani do Paraguai e do náuatle do México. Todas essas línguas da América Espanhola conviveram com os primeiros colonizadores europeus, tendo sido algumas delas ensinadas em cátedras universitárias nos séculos XVI e XVII. Sabemos que, em 1579, foi criada a cátedra de quéchua na Universidade de San Marcos de Lima, a primeira do continente americano. Tal cátedra existiu por mais de duzentos anos, até 1784, quando a política lingüística do governo espanhol mudou bruscamente, a exemplo do que ocorrera no Portugal pombalino. Uma Ordenanza de 1579 determinava que os sacerdotes não poderiam ordenar-se sem saber quéchua, nem os licenciados e os bacharéis obteriam graus na universidade sem estudar aquela língua indígena (Barrenechea, 1989, p.IX). Ademais, em 1642 as línguas náuatle e otomi eram ensinadas na Real Universidade do México, o que continuou a acontecer por décadas, segundo documentos existentes. (Viñaza, 1892, pp. 97, 106 e 113).

III

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Assim, para a definição de língua indígena clássica concorrem vários fatos, entre os quais o ter ela sido ensinada no período colonial nas escolas dos colonizadores, o que também aconteceu com o tupi.

Com efeito, em 1556 iniciava-se o curso de língua tupi no Colégio da Bahia, onde o Padre Luís da Grã seria o primeiro professor. O visitador Inácio de Azevedo determinou a obrigatoriedade de seu estudo para os membros da Província brasileira da Companhia de Jesus, pelo menos no que concerne à doutrina e às orações. O conhecimento do tupi foi, desde logo, considerado condição sine qua non para a admissão de um candidato à Companhia de Jesus. A Congregação Provincial de 1568 pede que se eximam os que conheçam aquela língua da exigência de estudos muito aprofundados para a ordenação sacerdotal e para a profissão dos votos (apud Leite, 1940, livro V, p. 563). O próprio conhecimento de latim passou a ser considerado dispensável se o candidato fosse versado na língua do Brasil. Saber tupi era condição fundamental para o bom êxito da catequese e a Arte de Anchieta, segundo seu biógrafo Pero Rodrigues (1897, p. 199),“he o instrumento principal de q se ajudão os nossos P.es e Irmãos q se ocupam na conversam da gentilidade q ha por toda a costa do Brasil”.

Os novéis jesuítas da Europa estudavam grego em seu curso de humanidades, propedêutico para os de Filosofia e Teologia. No Brasil, trocou-se o grego pelo tupi. Por isso os estudantes chamavam grego à língua brasílica (Carta do Pe. Rui Pereira, 1560, apud Leite, 1938-1950, p. 306). Acreditamos, também que tal designação fosse atribuída ao tupi por sua vasta extensão no território brasileiro, isto é, por seu caráter de koinê. Disso dá-nos relato o mesmo Pero Rodrigues (op. cit. , p. 199):

“Esta lingoa he a jeral comesando ariba do Ryo do Maranhão e correndo por todo o destrito da Coroa de Portugal atee o Paraguay, e outra Provinçias sogeitas a Coroa de Castella: aqui entrão os Pitiguares atee Pernambuco, os Tupinabâs da Bahia, os Tupinaquis e Tumiminos da Capitanìa do Espirito S.to e os Tamoijos do Ryo de jan.ro e muitas outras nações, a quem serve a mesma lingoa com pouca mudança de palavras; desta arte ha no Colegio da Bahia liçam em casa para os q de novo comesão aprender a lingoa.”

A única gramática de outra língua indígena brasileira foi publicada em Portugal já no final do século XVII (1699) pelo jesuíta italiano Luiz Vincencio Mamiani. Intitulava-se “”Arte de Gramática da Língua Brasílica da Naçam Kiriri. O kiriri foi, assim, a única língua indígena brasileira, além do tupi, que teve as honras do prelo no período colonial brasileiro. A nação kiriri ou kariri pertencia ao tronco lingüístico Macro-Jê e encontrava-se disseminada no Nordeste brasileiro, desde os rios Paraguaçu e São Francisco até o Itapicuru. O contato desses índios com os colonizadores passou a intensificar-se somente no século XVII. Durante a dominação holandesa no Nordeste brasileiro, uma parte desses índios tomou o partido dos flamengos na luta contra os portugueses, razão pela qual há muitas informações nos textos dos cronistas holandeses a respeito deles.

Todos os estudos de outras línguas indígenas do Brasil tornam-se significativos somente a partir do século XIX, muitos deles com as explorações de viajantes europeus que percorreram o interior do Brasil. Contudo, estudos universitários de outras línguas indígenas brasileiras tiveram início somente na década de quarenta do século XX, sendo um de seus precursores o Prof. Mansur Guérios, do Paraná.

IV

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Não falecem razões às palavras supracitadas de Mattoso Câmara: houve real desprezo pelo estudo das outras línguas indígenas em muitas faculdades de Filosofia brasileiras antes da década de cinqüenta. Com efeito, as humanidades clássicas dominavam os ambientes acadêmicos nessa época e lá gozavam de prestigiosa posição antes do advento do Estruturalismo. Ora, a Tupinologia é estudo clássico, filológico, e interessava aos modelos de intelectuais que dominavam os quadros acadêmicos brasileiros na primeira metade do século XX. Por terem as línguas indígenas contemporâneas pouca presença no português e na toponímia, na literatura e na história do Brasil, seu estudo não lhes era atraente. Tal questão é, no fundo, de natureza ideológica, de profundo conflito de visões de mundo.

Mas as teses estruturalistas vingaram no mundo ocidental e as conseqüências disso não se fariam esperar muito: gradativamente os estudos tupinológicos foram desaparecendo das faculdades de Filosofia, juntamente com os estudos de latim e grego, os pilares do humanismo clássico, que desapareceram, inclusive, das escolas secundárias. Pela primeira vez na história do Ocidente, desde a Antigüidade, o latim deixaria de ser ensinado nas escolas para a juventude. O tupi, no Brasil, sofreria a mesma dita do latim: na década de setenta já não havia mais cadeiras de tupi no Rio de Janeiro e as de Salvador e Curitiba extinguiram-se na década de noventa. Somente se manteve a cadeira de tupi em São Paulo, mas de envolta com estudos de Toponímia, até a saída do último discípulo de Plínio Ayrosa, o prof. Carlos Drumond.

Assim, se era verdade que os estudos tupinológicos eram dominantes nas faculdades de Filosofia até os anos sessenta, conforme se depreende das palavras de Mattoso Câmara, o inverso é hoje a verdade: nos dias que correm, é somente na Universidade de São Paulo que ele ainda se mantém.

1.2. O tupi na formação da língua portuguesa do Brasil e da cultura brasileira

A participação do tupi na formação do léxico do português do Brasil, na toponímia e na literatura brasileiras é incontrovertível. Contudo, ao Estruturalismo anti-historicista isso não se afigurou tão claro assim. É o que mostra, por exemplo, o texto abaixo de Ernesto de Faria (apud Barbosa, 1956, p. 20):

“Quanto à pretensa influência lingüística do tupi no português do Brasil, é também, pelo menos até hoje, lirismo lingüístico, pois tal estudo ainda não foi feito objetivamente. Aliás, influência lingüística pode afirmar-se não ter havido, por não se ter ela manifestado nos processos gramaticais, isto é, na fonética, fonologia e sintaxe Algumas dessas inculcadas influências fonéticas, morfológicas e sintáticas têm sido, uma por uma, desmascaradas pelo estudo da dialetologia portuguesa, que aponta os mesmos fenômenos em regiões de Portugal, onde as suas populações não tiveram o menor contato com o indígena.”

Com efeito, a extensão e a intensidade da influência tupi no português do Brasil ainda estão por se conhecer com exatidão. Nenhum estudo do gênero submeteu-se, ainda, a um tratamento estatístico de dados que nos permita saber a porcentagem dos termos de origem tupi que existem em nossa língua. Isso porque aos dicionaristas e aos versados na lingüística e na filologia portuguesas tem faltado conhecimento da língua tupi. Silveira Bueno escreveu um Vocabulário Tupi-Guarani Português que mais confunde que esclarece. Nele, termos do tupi antigo aparecem de envolta com os do nheengatu da Amazônia, conferindo-lhe caráter de mixórdia, sem fundamento nos textos

V

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antigos. Não se poderia ler uma linha sequer escrita por Anchieta recorrendo-se a tal vocabulário. Mesmo Aryon Rodrigues faz extrapolações que não encontram amparo nos autores quinhentistas e seiscentistas.

O que é inconteste é que a mera consulta aos dicionários que primam em apresentar vasta gama de brasileirismos, como é o caso do dicionário de Aurélio Buarque de Holanda ou do Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, donde aquele se originou, permite-nos vislumbrar alguns milhares de palavras portuguesas de origem tupi. É certo que as há também de outras origens indígenas, mas essas são ínfima minoria em face das de origem tupi. Por mais que a Lingüística estruturalista tenha tentado reduzir o tupi a dimensões equiparáveis ao Xavante e ao Tapirapé, falados ainda hoje por poucos milhares de indígenas, os fatos falam por si: nenhuma outra língua indígena teve o grau de penetração que teve o tupi no léxico do português do Brasil.

Substrato ou adstrato, se o tupi deixou ou não influências na sintaxe do português do Brasil não nos é dado aqui analisar. Para o léxico do português do Brasil o tupi forneceu palavras que estão, principalmente, no campo semântico da fauna, da flora, da pesca, da caça, da culinária etc. e que compõem muitas expressões. Seria quase impossível ao colonizador dominar a nova terra sem se apropriar da língua do nativo, na qual já estavam nomeados os animais e as plantas, os alimentos da terra, os instrumentos de domínio da natureza etc.

No campo da fauna, são bem conhecidos nomes como jacaré, tatu, cotia, perereca, mocó, buriqui, guará, etc. Conhecer a fauna brasileira implica adentrar o léxico do tupi antigo. No que tange à flora, o mesmo se dá: indaiá, pindoba, gravatá, taquara, piripiri são somente alguns dos milhares de nomes que se acham a nomear as plantas do Brasil.

Inúmeras são as expressões que levam termos tupis: ficar com nhenhenhém, ficar jururu, ir para a cucuia, chorar as pitangas, etc., todas oriundas do período colonial brasileiro, época em que a língua indígena era falada em grande parte do território colonizado por Portugal no Brasil.

No campo da culinária, a presença do tupi é maciça, a nomear muitos pratos e comidas em todo o país: pipoca, pirão, pururuca, mandioca etc.

Enfim, em muitos campos semânticos a origem tupi de palavras portuguesas é verificável. Assim como não se pode prescindir do árabe para se conhecer bem o léxico do castelhano ou do português, que sofreram daquela língua semítica uma penetração de milhares de termos, um conhecimento mínimo de tupi é indispensável para se melhor compreender o português do Brasil.

Por outro lado, o que suscitou provavelmente a criação, em 1935, na Universidade de São Paulo, da cadeira de tupi junto com Toponímia foi o fato de ser imensa a contribuição daquela língua indígena para a onomástica brasileira.

É claro que a maior parte dos nomes geográficos do Brasil tem origem portuguesa. Mas, ao impor novos padrões de organização ao espaço brasileiro, os portugueses depararam sociedades indígenas havia milênios aqui estabelecidas e topônimos indígenas a nomear seus territórios. Esses nomes estão em segundo lugar, depois dos de origem portuguesa, em número de ocorrências na toponímia brasileira. Os que predominam são os nomes de origem no tupi, falado por quase todos os grupos indígenas da costa no século XVI. Os nomes geográficos com origem em outras línguas indígenas são pouco expressivos e acham-se restritos a certas áreas do território brasileiro, ao contrário dos nomes de origem tupi, que se encontram em quase todo o país, tendo maior densidade toponomástica.

A que se deve tal difusão dos nomes geográficos de origem tupi no espaço brasileiro? Em primeiro lugar, ao fato de que essa língua tinha grande difusão linear no século XVI, praticamente em toda a costa. Como os índios eram nômades, à medida que avançava a colonização portuguesa no Brasil, eles passaram a migrar para regiões mais interiores, produzindo nomes geográficos em diferentes áreas. Por outro lado, segundo Sampaio (1987), a maior parte dos topônimos de origem

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tupi e guarani foi produto da ação do civilizado, não tendo sido atribuída pelos próprios índios, mas, principalmente, com a ação das missões e das bandeiras.

Esses topônimos de origem tupi que se espalham pelo território brasileiro diferenciam-se quanto ao tempo de sua existência. Podemos classificá-los, assim, quanto a sua antiguidade, em:

a-) Topônimos anteriores ao descobrimento do BrasilÉ o caso, por exemplo, dos nomes tupis da costa brasileira, já citados nos primeiros documentos dos cronistas e missionários que percorreram nosso litoral no século XVI. Incluem-se, aí, nomes como Piratininga, Bertioga, Itanhaém, Paraguaçu etc. Tais nomes remontam, assim, à pré-história do Brasil, um importante legado cultural das sociedades mais primitivas que habitaram este país.

b-) Topônimos do século XVIForam, presumivelmente, atribuídos por índios e por colonos já conhecedores do tupi, na época em que a colonização brasileira iniciava-se. Concentram-se, fundamentalmente, na costa brasileira.

c-) Topônimos dos séculos XVII e XVIIISão aqueles que aparecem nas regiões interioranas do Brasil e que foram atribuídos principalmente por bandeirantes e por missionários, quando já se desenvolvia a língua geral. É o caso de Uberaba, Cuiabá, Curitiba etc.

d-) Topônimos dos séculos XIX e XXÀ independência do Brasil, em 1822, seguiu-se um período de forte nacionalismo cultural, em que se buscava afirmar a identidade nacional em oposição a Portugal, a antiga metrópole da qual o Brasil separara-se. O tupi seria visto, assim, como a referência da pátria brasileira. Muitos nomes geográficos datam dessa época. Também foi nessa época que a língua geral amazônica evoluía para o nheengatu, língua atualmente falada no norte do Brasil. Destarte, muitos nomes surgidos no século XIX provêm desta língua, um desenvolvimento do tupi antigo da costa. Já no século XX, com a colonização do oeste paulista, paranaense, matogrossense etc., apareceram muitos nomes de origem tupi, como Toriba, Potirendaba, Nhandeara, Ibirá, Tangará da Serra etc. Tais nomes não têm nenhuma relação com a presença de grupos indígenas da família tupi-guarani ou com as bandeiras, mas foram atribuídos por engenheiros, topógrafos, fazendeiros que acompanhavam a expansão das frentes pioneiras na primeira metade do século, construindo as estradas de ferro, fazendo loteamentos ou expandindo áreas de cultivo ou de pastagens.

Assim, no espaço brasileiro coexistem nomes geográficos de origem tupi de mais de quinhentos anos com nomes atribuídos há poucas décadas. A importância deles é vital porque são uma verdadeira crônica de comunidades humanas em cinco séculos de história do Brasil, preenchendo lacunas evidentes de nosso conhecimento da organização pretérita do espaço brasileiro.

Também de fundamental importância é o estudo do tupi antigo para a literatura brasileira. Esta não é exclusivamente literatura em língua portuguesa, mas também em língua tupi (p.ex., o teatro e a lírica anchietanos). Primeiro poeta brasileiro, Anchieta guindou o tupi à posição de língua

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literária, abrindo canais de expressão artística na língua dos povos indígenas do Brasil, fato incomum na América Espanhola, onde a produção de textos em língua indígenas restringir-se-ia, geralmente, à tríade gramática, catecismo e dicionário. Anchieta foi mais longe que outros missionários de sua época, legando ao Brasil textos de grande valor literário, como é o caso do seu “Auto de São Lourenço”, representado pela primeira vez em Niterói, em 1585.

A poesia de Anchieta filia-se às escolas quinhentistas, principalmente à lírica dos cancioneiros ibéricos. Na sua forma, ela emprega o que era mais comum na Península Ibérica e de gosto mais popular.

A poesia tupi de Anchieta vai atacar de frente elementos da cultura tradicional dos índios, como a antropofagia e a comunicação com os mortos, além das práticas de curandeirismo e de transe, que eram encaradas como demoníacas. Com efeito, Anchieta, em seu auto Na Aldeia de Guaraparim, põe na boca do diabo Guaixará uma série de práticas que ele encarava como diabólicas:

Moraseîa é i katuÎeguaka, îemopyrangaSamongy, tetymanguanga, Îemoúna, petymbu, Karaí monhamonhanga...Îemoyrõ, morapiti, îo’u, tapuîa rara, agûasá, moropotara, manhana, syguaraîy: naipotari abá seîara.

A dança é que é boa, adornar-se, tingir-se de vermelho, untar as penas, tingir-se de urucu as pernas,tingir-se de preto, fumar, ficar fazendo feitiçaria, enfurecer-se, matar gente, comer um ao outro, apanhar tapuias, mancebia, desejo sensual, espiar, prostituir-se:Não quero que os índios deixem tais coisas.

Sua poesia e seu teatro em tupi reproduzem, muitas vezes, um mundo dividido entre forças do bem e do mal, onde o sobrenatural comandaria as ações dos índios. Mas há, às vezes, nesses poemas, momentos de singeleza:

Pitang moraûsubaraîandé ruba, îandé Îara!

Pitang pa’i JesuOgueîyb îandé rekoápeÎandé ‘anga raûsupápeYbaté suí oú

VIII

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îandé raûsubá-katuPitang moraûsubara,Îandé ruba, Îandé Îara!

Neném compadecedor,Nosso Pai, Nosso Senhor.

O Senhor Jesus criancinhaDesceu a nossa moradaPor amar a nossa alma,Vindo do céu,Compadecendo-se muito de nós.Neném compadecedor, Nosso Pai, Nosso Senhor.

Se uma literatura em língua tupi restringe-se ao século XVI, a influência que tal língua exerceu sobre a literatura brasileira posterior foi enorme. O tupi esteve presente nas penas de Gregório de Matos, de Basílio da Gama, de Santa Rita Durão, no período colonial, em José de Alencar e Gonçalves Dias, no período romântico, em Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Raul Bopp, Cassiano Ricardo, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, só para mencionar os autores mais conhecidos do Modernismo. Oswald de Andrade colocava o dilema do Brasil na máxima que parafraseia Shakespeare: Tupi or not Tupi.

Com efeito, em todos os momentos em que se procurou afirmar a identidade brasileira em oposição à cultura lusitana, recorreu-se sempre à velha língua indígena da costa do Brasil. Isso aconteceu após a independência do país, com o Romantismo, com o Modernismo e até mesmo como parte de alguns ideários políticos, como o Integralismo de Plínio Salgado, por exemplo.

1.3. Tupi ou tupinambá? A controvérsia em torno do nome da língua

Desde os primeiros tempos de colonização do Brasil, constatou-se que, na costa brasileira, desde o Maranhão até a capitania de São Vicente, aproximadamente até o paralelo de 27 graus, falava-se uma mesma língua. Segundo muitos textos coevos, ela era falada por tupiniquins, potiguaras, tupinambás, temiminós, caetés, tabajaras, tamoios, tupinaés etc. Já no século XVI e, mais ainda, no século XVII, foi dado a ela pelos portugueses o designativo de língua brasílica. Ela tinha algumas variantes dialetais:

“A língua de que usam, toda pela costa, é uma, ainda que em certos vocábulos difira em algumas partes, mas não de maneira que se deixam uns aos outros de entender.” (Gândavo, 1576)

Qual teria sido o nome dado pelos índios a essa língua da costa? Os textos antigos não no-lo esclarecem. Só no século XIX o termo tupi passou a ser corrente para designá-la.

Ora, o termo tupi tinha, já no século XVI, dois sentidos, um genérico e outro específico. Como termo genérico, designava os índios da costa falantes da língua brasílica, apresentando o caráter de um denominador comum. Isso o prova o auto “Na Aldeia de Guaraparim”, de Anchieta, escrito entre 1589 e 1594, nos versos 183-189, onde um diabo, personagem do auto, diz:

IX

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-Paranagoaçu raçapa, -Atravessando o grande mar, ibitiribo guibebebo, voando pela serra,aço Tupi moangaipapa vou para fazer os tupis pecarem.(...)

(Um outro personagem pergunta:)

-Bae apiaba paipó? -Que índios são esses?

(O primeiro personagem responde:)

Tupinaquijã que igoara -Os tupiniquins, habitantes daqui.

Isto é, Anchieta está a reconhecer aí que Tupiniquim é um termo compreendido no termo Tupi, empregando este último como um genérico, como um termo de maior extensão, um hiperônimo. Ao fazer seu personagem perguntar que índios são esses, Anchieta deixa evidente que tupi designava mais de um grupo indígena. Simão de Vasconcelos corrobora tal idéia:

“...De Tupi (que dizem ser o donde procede a gente de todo o Brasil) umas nações tomaram o nome de Tupinambás, outras de Tupinaquis, outras de Tupigoaés e outra Tupiminós.” [in Crônicas, (Not.) I, §149]

Como termo específico, tupi designava os índios de São Vicente. O próprio Anchieta no-lo confirma:

“Os Tupis de São Vicente, que são além dos Tamoios do Rio de Janeiro, nunca pronunciam a última consoante no verbo afirmativo. Em lugar de apab dizem apá, em lugar de asem e apen, ase e ape, pronunciando o til somente, em lugar de aiur, (dizem) aiu.”

Esse é o tupi em sentido específico, nome de nação indígena falante da língua brasílica, cujos componentes não pronunciavam a última consoante dos verbos afirmativos, segundo nos informa Anchieta.

É o mesmo que acontece com o termo americano, que significa tanto o que nasce nos Estados Unidos da América quanto o que nasce em qualquer parte do continente americano. Com o termo tupi aconteceu exatamente a mesma coisa: era-o, em geral, o índio da costa falante da língua brasílica e, especificamente, o da capitania de São Vicente.

Diz-nos também Anchieta que

“...desde os petiguares do Paraíba até os tamoios do Rio de Janeiro, pronunciam inteiros os verbos acabados em consoante, como apab, asem, apen, aiur.” (Arte, fol. 1v).

A variante dialetal dos potiguaras, dos caetés, dos tupiniquins, dos tamoios e dos tupinambás era, assim, segundo Anchieta, usada num trecho muito maior da costa (desde o Nordeste até o Rio de Janeiro) que a variante tupi de São Vicente.

X

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Aryon Rodrigues, alheio ao conteúdo dos versos do auto Na Aldeia de Guaraparim que citamos anteriormente (nunca sequer os mencionou nem os discutiu em seus artigos), vive a propagar a idéia de que tupi e tupinambá são línguas diferentes e que a língua que Anchieta descreveu foi o tupinambá. Isso porque ele só concebe, contrariamente ao que rezam os textos antigos, que tupi era somente o habitante de São Vicente e textos quinhentistas provam que não o era. Aryon Rodrigues, influenciado pelas idéias de Alfred Métraux, é contraditado pelos textos coloniais em suas idéias sobre o tupi.

O próprio Aryon Rodrigues não apresenta coerência no uso de tais designativos. Por vezes chama a antiga língua da costa de tupi (em seus primeiros artigos), outras vezes diz que tupinambá designa o mesmo que tupi antigo e, finalmente, por vezes chega a dizer que são línguas diferentes...

Além disso, os seguintes fatos afastam a possibilidade de se empregar o termo tupinambá como um genérico, pelo menos como sinônimo de língua brasílica:

1) A variante dialetal tupinambá apresentava aspectos diferenciados pela costa brasileira: as gramáticas de Anchieta e Figueira mostram diferenças entre si, podendo-se dizer que Figueira descreveu uma outra variante dialetal, o tupinambá do norte. Assim, o termo tupinambá não possui extensão suficiente para ser aplicado à língua brasílica como um todo. Edelweiss (1969), analisando vocabulários de três áreas geográficas diferentes em que estavam os tupinambás, a saber, a Guanabara, a Bahia e o Maranhão, mostrou que havia diferenças entre eles.Assim, se chamarmos a língua falada nos séculos XVI e XVII na costa oriental e setentrional brasileira de tupinambá, estaremos desprezando variações apontadas nessa mesma faixa costeira para certos aspectos gramaticais. Ora, em pleno domínio do que Rodrigues (op. cit.) chama tupinambá, o missionário gramático Luís Figueira, em sua Arte da Língua Brasílica, do século XVII, assinalou divergência morfossintática importante, a saber, o emprego do modo indicativo circunstancial com formas nominais:

Ndaerojái imaenduari. – Nem por isso se lembra. (1687: 94)Quecé Pedro nderecé imaenduari. – Ontem Pedro de ti se lembrou. (ibidem: 95)Quecé cäa rupi Pedro oguatabo çopari. – Ontem, andando pela mata, Pedro perdeu-se. (ibidem: 95)

Ora, Anchieta diverge claramente de Figueira nessa questão, embora ambos tratem da mesma língua que Rodrigues chamou de tupinambá. Diz Anchieta em sua Arte, que no modo indicativo circunstancial

“Os verbos que não tem artículos fazem no fim âmo, conforme a formação do seu gerúndio” (...) (1946: 40)

Ora, os verbos que Figueira nos apresenta no exemplo acima são exatamente dessa categoria que Anchieta afirma deverem levar o sufixo -amo. Assim, o que Figueira escreveu Ndaerojai imaenduari, Anchieta escreveria Ndaerojai imaenduaramo, onde Figueira escreveu çopari, Anchieta escreveria çoparamo.

XI

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Ora, essa é uma diferença significativa e não somente léxica, mas morfossintática. Assim, a mesma distância que separaria o tupi de São Vicente do tupinambá do Rio de Janeiro separaria este do tupinambá de Pernambuco (o de Luís Figueira). Assim, Rodrigues, procurando identificar a língua brasílica ao tupinambá, está a considerar somente a pronúncia da consoante final dos verbos afirmativos ou o uso do pronome objetivo i com verbos causativos, opondo o tupinambá ao tupi, mas despreza outros aspectos que tornam o tupinambá da costa heterogêneo em suas formas. Se o tupinambá não era uno, tal termo não merece o caráter de designativo genérico, pois se faria tabula rasa de aspectos morfossintáticos importantes que se diferenciavam na costa entre o Rio de Janeiro e o Maranhão, sem mencionarmos os aspectos léxicos que Edelweiss (op. cit.) já analisou.Assim, chamar a língua brasílica de tupinambá não é absolutamente preciso, pois esta era uma variante dialetal e não uma língua propriamente dita. O tupi stricto sensu, o de São Vicente, era uma variante dialetal de menor uso que o tupinambá, mas este, por sua vez, não era o mesmo em toda a costa compreendida entre o Rio de Janeiro e o Maranhão.

2) Tupi, como vimos, é um termo que entra na composição de outros, todos nomes de povos falantes da língua brasílica: tupinambá, tupiniquim, tupiguaé etc. Sendo assim, é termo mais antigo que tupinambá e, pelo que nos sugeriu Simão de Vasconcelos, mais extenso.

3) A poesia lírica e o teatro que Anchieta nos legou (ele que foi o maior escritor do século XVI no Brasil) está, em grande parte, na variante de São Vicente, que ele aprendeu primeiro, quando viveu em São Paulo de Piratininga, de 1554 a 1562. Por muitas vezes, Anchieta empregou as duas variantes dialetais num mesmo texto, como que considerando irrelevantes suas diferenças, impossibilitando dizer-se que havia uma língua tupinambá e outra língua tupi.

Acerca desse último ponto é preciso dizer-se o seguinte: Anchieta informa-nos acerca de outro aspecto em que a variante dialetal tupinambá diferia da variante tupi de São Vicente: no uso do pronome objetivo com um verbo na voz causativa:

“(...) comumente os verbos começados por m, ativos, tem i depois do artículo, ainda que em algumas terras pronunciam muitos sem ele.” (1946: 48 v)

Assim, poder-se-ia dizer, em algumas partes, em vez de – pinto-o de vermelho, somente , excluindo-se o pronome objetivo; em vez de – faço-o voltar, somente .

Embora Anchieta não nos diga em que terras ocorria tal emprego diferenciado de formas verbais na voz causativa sem o pronome objetivo, é sabido, por evidências indiretas, que isso ocorreria, fundamentalmente em São Vicente. Assim, esse seria mais um fator de diferenciação das variantes dialetais em questão.Nos dois aspectos considerados (ausência da consoante final nos verbos na forma afirmativa e ausência do pronome objetivo i na voz causativa) o tupi de São Vicente

XII

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distanciar-se-ia do que seria praticado na maior parte da costa brasileira e aproximar-se-ia do guarani antigo, falado no Paraguai. O próprio Antonio Ruiz de Montoya, primeiro gramático desta língua, escreveu o Vocabulario y Tesoro de la Lengua Guarani (o más bien, Tupi), como que identificando o guarani ao tupi ou, ao menos, apresentando-lhes as semelhanças.Examinando-se o Auto de São Lourenço de Anchieta (1989), representado pela primeira vez em Niterói, no ano de 1583, em pleno domínio do que Rodrigues (1986) chamou de tupinambá, vemos inúmeros exemplos de emprego da variante dialetal tupi e isso vinte anos depois de ter deixado Anchieta de residir na capitania de São Vicente, onde aquela variante era empregada. Na relação abaixo vemos alguns exemplos de emprego de temas verbais causativos (com o prefixo mo- ou mbo-) sem o pronome objetivo i, à maneira do tupi vicentino:

v. 104 - Abape eremoangaipa? (e não ereymoangaipa)v. 119 - er aani amorãbuev. 145 - opacatu yamomba v. 189 – Namoangi, de moauyene. vv. 203-204 – . tião ae omondic tata çeçe v. 252 – Yamõba taba yãdune. v. 284 – Yamõgua moxi ruubavv. 320-321 – Igaçape caõy tuya aere yamomota v. 327 – nomoetei omonhangarav. 398 – Aracayate omboriv. 409 – Marã ejara omboribv.v.442-443 – xe angaipa tubixagoera amoçene (...)v. 473 – pemoirõ pay Ieuv.v. – 522-523 – caõyaya uçeya e, opacatu amboapi.v. 544 – Cotipe muru amoingev. 596 – omõbab erimbae

(in Poesias, 1989: 141-163)

Na amostra tomada acima, vemos que, em pleno domínio da variante dialetal tupinambá, isto é, em Niterói, na Baía da Guanabara, temos o emprego da variante tupi. Nos exemplos apresentados Anchieta não empregou o pronome objetivo i antes do prefixo causativo mo- ou mbo-. Assim, tomando por exemplo o verso 104, dever-se-ia dizer, em legítimo tupinambá, supostamente falado na região em questão, Abape ereymoangaypab. Ora, com relação à queda da consoante b, neste último caso, isso seria perfeitamente justificável, uma vez que Anchieta escreve aí em versos e precisava de encontrar uma rima para uiyerobia, do verso 101. Poder-se-ia argumentar que ele não queria escrever na variante tupi de São Vicente, mas, tão somente, encontrar uma rima, eliminando, assim, o b de ereymoangaypab. Mas, como explicar a ausência do pronome i com um tema causativo com o prefixo mo-? Se Anchieta tivesse escrito ereymoangaypa (forma tupinambá) continuaria a palavra a ter o mesmo número de sílabas de eremoangaypa (forma tupi de São Vicente). Assim, a queda das consoantes finais das formas verbais, como, por exemplo, nos versos 119 (amorãbue em vez de aymorãbuer) ou 145 (yamomba, em vez de yaymombab) pode ser explicada por questões de métrica e de

XIII

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necessidade de rima, mas não o uso das formas verbais causativas tais como o fez Anchieta nos exemplos acima considerados. Ainda em pleno domínio suposto do tupinambá, Anchieta utiliza formas verbais características do tupi de São Vicente, fazendo cair a consoante final de verbos afirmativos (1980: 164-165):

v. 625 – tocanhperecopuera (em vez de tocanhem pe recopuera) v. 629 – Peçauçu pemonhangara (em vez de Peçauçub pemonhangara)v. 639 – Peyeauçubuca yxupe (em vez de Peyeauçubucar yxupe)

Em nenhum dos exemplos acima considerados o emprego da consoante final nas formas verbais alteraria o número de sílabas e, portanto, a métrica dos versos. Assim, não foi por questões de métrica que Anchieta empregou a forma corrente entre os tupis de São Vicente, em plena Baía da Guanabara, domínio suposto do tupinambá.Como vemos, o maior autor naquela língua considerada, e justamente em sua maior obra literária em língua indígena, o Auto de São Lourenço, desprezou aquilo que ele disse em sua Arte de Gramática acerca das variantes dialetais que haveria na língua falada na costa: ele empregou as duas variantes numa só obra, como que considerando irrelevantes e desprezíveis suas diferenças.

1.4. A questão da latinização das gramáticas tupis ou de seu suposto artificialismo

Alguns quiseram ver Anchieta como um gramático latinizante, como qualquer outro de sua época. Mattoso Câmara (1965) atacou o estudo da língua tupi nas universidades brasileiras, afirmando a artificialidade dos textos dos antigos missionários, entre os quais Anchieta, criando grande polêmica em torno dessa questão. Segundo ele, (op. cit., p. 104), com as gramáticas dos missionários,

“. . . a língua (tupi) se regulariza pelo modelo da gramática latina, adulterando-se as categorias genuínas e o valor dos morfemas. Os verbos passaram a ter uma conjugação à latina”.

Já nas primeiras linhas do Capítulo I de sua obra, Anchieta passa a utilizar termos latinos de permeio com formas portuguesas. Isso será procedimento seguido ao longo de toda a sua gramática. Por exemplo, ao tratar das letras, na fol. 1, afirma ele:

“Em lugar do s. in principio ou medio dictionis, serve ç com zeura, ut Aço, çatâ. ”

Há, aqui, o uso de morfologia e de sintaxe híbridas, latina e portuguesa. Ele utiliza a preposição em, portuguesa, e a latina in. Insere a conjunção ou portuguesa num conjunto de construções latinas, como, por exemplo, “in principio ou medio dictionis”. Finalmente, em vez de utilizar a conjunção portuguesa como, utiliza a latina ut.

É bastante estranho tal hibridismo morfossintático. Não se encontra ele em outras gramáticas de sua época. A explicação para isso seria o fato de a Arte de Anchieta ter sido escrita, originalmente, em latim. A publicação de 1595 seria uma tradução imperfeita sob a qual se percebe um texto latino original, o que enganou muitos comentadores desavisados.

XIV

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Outros estudiosos caíram no mesmo engano. Buescu (1983) e González Luís (1992), consideraram Anchieta um gramático exatamente como outro qualquer de sua época. Em Buescu (op. cit., p. 74), lemos que “. . . quanto ao resto, a Gramática de Anchieta segue, mais uma vez, rigorosamente, o modelo universal: a gramática clássica. Curioso é de notar o fato, que tomamos como registro dessa universalidade, de alternarem nas titulações, exemplificações e correspondências, o português e o latim...”

A verdade é que a Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, de Anchieta, é uma das obras gramaticais mais originais de todo o século XVI. Só a comparação dessa obra com outras de sua época pode dar conta disso. Alguns aspectos são espetaculares e merecem menção:

-Anchieta nega que o tupi tenha o sistema de casos do latim. Entre os gramáticos de sua época, afirmar isso era algo quase impensável. -Na Arte tupi de Anchieta não há referência às oito partes “sagradas” da oração latina, que os outros gramáticos de sua época acreditavam ser as mesmas em todas as línguas. Anchieta só trata de cinco dessas partes da oração.-Em Anchieta há o tratamento simultâneo da morfologia com a sintaxe, coisa que só o século XX tornaria comum. Os outros gramáticos de sua época reservavam umas poucas páginas finais para tratar da sintaxe das línguas que descreviam, sempre separadamente.-Pelo que se sabe, Anchieta foi o primeiro gramático a utilizar em português escrito um grande número de termos técnicos da descrição lingüística, como numeral ordinal, posposição, indicativo, modo permissivo, freqüentativo, negativo, interrogativo, instrumental, monossílabo, polissílabo, etc. -Anchieta, diante de fatos lingüísticos novos, criou, muitas vezes, termos apropriados e não aproveitou a terminologia tradicional. Ele privilegiou, por outro lado, os critérios morfossintáticos em vez dos semânticos na descrição da língua, o que seria comum somente entre os estruturalistas do século XX.-Anchieta teve uma fina percepção da fonologia do tupi, sendo o único a descrever a existência de certos sons naquela língua.-Ninguém antes de Anchieta, certamente, falou de acento enquanto sinal gráfico, como hoje se entende. Para os outros gramáticos de sua época, acento era quantidade, como existe em latim. Por exemplo, na palavra arma, no ablativo (leia-se ármaa, demorando no a final), o a final é chamado de longo e o a inicial é breve. Acento, assim, até o século XVI, era algo totalmente diferente do que entendemos hoje e Anchieta foi, talvez, o primeiro gramático que usou esse termo no sentido atual.

Assim, no que diz respeito a Anchieta, a opinião de Câmara não condiz com os fatos, conforme mostramos, pois inúmeras foram as descontinuidades verificadas e, em certos pontos, originalidades impressionantes que fazem com que sua contribuição para a história da gramática seja inegável. Que outro gramático do século XVI, falou de acento enquanto grafema e não enquanto quantidade silábica? Quem, em pleno século XVI, recusou subordinar o nome e o pronome ao sistema de casos do latim? Em quantas gramáticas quinhentistas verificamos a total omissão do número “sagrado” das oito partes da oração latina, e da ausência de tratamento de categorias gramaticais às quais, havia séculos, as gramáticas consagravam alentados capítulos? Quantos gramáticos do século XVI tiveram a intuição fonológica de Anchieta e sua acuidade no que concerne ao tratamento das semivogais, das vogais nasais etc., embora Câmara (op. cit., p. 104)

XV

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afirme que houve nas Artes dos gramáticos do tupi antigo “simplificação fonética muito grande”? Que gramáticas do Quinhentos tratavam a morfologia junto com a sintaxe?

Assim, são inúmeros os elementos que apontamos que nos facultam afirmar que a gramática de Anchieta não é latinizante, e que sua originalidade é, em muitos pontos, tão grande que, para o momento histórico em que foi escrita, ela representa um monumento lingüístico dos mais admiráveis, uma obra sui generis que, em muitos aspectos, antecipa procedimentos da Lingüística moderna, que busca estudar a estrutura das línguas em si e não em referência à estrutura de outras. Ela contraria “dogmas” gramaticais havia muito definidos nas formulações teóricas do Ocidente, desde Donato e Prisciano e recuperados pelos gramáticos renascentistas.

Em Anchieta, a pretensa “regularização da língua pelo modelo da gramática latina” (in Câmara, op. cit.) está ausente quase sempre. Se o capítulo destinado ao verbo evidencia maior subordinação àquele modelo, não é menos verdade que ele está repleto de originalidades.

Não sendo uma gramática latinizante, afastando-se, em muitos pontos, do modelo universal latino, a Arte de Anchieta aproxima-se mais de uma moderna descrição lingüística que das outras gramáticas de sua época, estas sim, muito latinizantes. Daí, a nosso ver, seu caráter pouco didático. O fato de ter resultado “muy diminuta e confusa”, conforme a ela se refere a Aprovação da segunda gramática da língua tupi, a Arte do jesuíta Luís Figueira, em suas edições de 1621 e 1687, deve-se, certamente, a esse seu caráter de descrição lingüística antes que de método de aprendizagem de uma língua. Quem, com efeito, aprenderia uma língua estrangeira se, ao invés de buscar uma gramática ou um método didático, fosse estudar uma obra que versasse somente sobre as estruturas lingüísticas do idioma que quisesse aprender? Assim, a gramática de Anchieta peca por seu pouco didatismo, mas supera imensamente outras gramáticas contemporâneas (a de Figueira, por exemplo) por maior acuidade metalingüística.

Embora educado no Colégio das Artes de Coimbra, onde recebeu a mais genuína cultura renascentista, e embora fosse considerado em sua época um grande latinista, Anchieta foi, talvez, o gramático missionário menos vinculado ao modelo latino de todo o século XVI. Ele foi um homem da Companhia de Jesus, escrevendo catecismos e poemas religiosos e místicos. Foi um homem do Renascimento, se levarmos em conta o latim em que suas obras épicas vazaram-se. Foi, finalmente, um homem situado muito adiante de sua época, se considerarmos o valor de sua obra gramatical que é, sem dúvida, um dos maiores monumentos da lingüística americana.

1.5. A questão da correspondência entre os textos dos missionários e o que os índios efetivamente falavam

Somente no século XIX, com o advento da Antropologia Cultural como ciência, é que se começou a compreender o que fosse o relativismo cultural. Com o Estruturalismo de Lévi-Strauss surgiu o primeiro questionamento realmente sério acerca de concepções universalistas do homem. O Deus dos Evangelhos ficaria, assim, reduzido a um deus entre outros. Rompe-se totalmente com o evolucionismo social e uma perspectiva anti-historicista invade as reflexões acerca das sociedades humanas e acerca do homem. Na verdade, para o Estruturalismo não existe o Homem, mas os homens. A Filosofia é questionada em sua antiga reflexão sobre o indivíduo.

Por outro lado, o que o Estruturalismo questiona nos textos dos missionários é a interpenetração de sistemas simbólicos que conduz, necessariamente, nesse caso, à desagregação de uma cosmologia tradicional e de uma religião primitiva, criando uma esfera simbólica híbrida. Se, com os missionários, a língua dos tupis da costa fixou-se em formas literárias, a forte articulação original do universo simbólico tupi começou a desfazer-se. Com efeito, o problema não é a transmissão do Cristianismo, que apresenta, seguramente, alguns princípios universalistas, presentes

XVI

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em outros sistemas ético-religiosos, mas sim que muitos conteúdos culturais, relativos no tempo e no espaço e nos quais o mundo judaico-cristão se plasmou, seriam apresentados como universais e absolutos, utilizando-se, para isso, um dos mais poderosos instrumentos de nossa cultura que é o texto escrito. Nesse sentido, tal empreendimento é fator de empobrecimento: a diversidade cultural da humanidade é seriamente atingida, o “outro” é visto como o “mesmo”, o que conduz a uma entristecedora homogeneização de visões de mundo. Não é aleatório o fato de, historicamente, terem as missões cristãs obtido bom sucesso somente no continente americano: na Ásia, sociedades letradas como a chinesa e a indiana recusaram-nas e, na África, o crescimento do Islão tornou lentos seus passos. Já as sociedades indígenas da América foram frágeis diante dos instrumentos de dominação cultural trazidos pelos missionários, que, desde os tempos coloniais, têm insistido na idéia de que os índios são uma tabula rasa, sem religião alguma, onde se devem imprimir os sinais da verdadeira fé.

Se, por um lado, o Estruturalismo instaura a impossibilidade de se encontrar qualquer sentido para a vida humana dentro do relativismo cultural, ele permite que as culturas minoritárias e dominantes sejam vistas em seus valores intrínsecos. Segundo Lemos Barbosa (1956, 18),

“Os antigos missionários pagaram tributo à mentalidade dominante na época. Considerando a cultura européia e as línguas clássicas o tipo ideal de cultura e de linguagem humanas, não lograram compreender o interesse de registrar produções espontâneas de uma língua de índios. Deixaram inúmeras traduções de livros europeus, de composições ocidentais; não nos legaram uma só lenda ou narração autêntica no idioma nativo. Dessa natureza restam-nos apenas frases esparsas. Segue-se que todos aqueles textos não têm interesse para a etnologia, por isso que não traduzem o pensamento nem a cultura do índio.”

É certo que muitos termos do tupi antigo sofreram deslocamentos semânticos para transmitir conteúdos distantes da primitiva cultura tribal, como são alguns conceitos do Cristianismo. Cria-se uma esfera simbólica que não é nem a dos missionários nem a do índio. Não é crível, contudo, que não esteja mais ali presente a língua dos tupis, nem que a língua escrita pelos missionários fosse um tupi “jesuítico”.

Bem lembra Bosi (1992) que

O projeto de transpor para a fala do índio a mensagem católica demandava um esforço de penetrar no imaginário do outro, e este foi o empenho do apóstolo (i.e., Anchieta). Na passagem de uma esfera simbólica para outra, Anchieta encontrou óbices por vezes incontornáveis. Como dizer aos tupis, por exemplo, a palavra pecado, se eles careciam até mesmo da sua noção, ao menos no registro que esta assumiria ao longo da Idade Média européia? Anchieta, neste e em outros casos extremos, prefere enxertar o vocábulo português no tronco do idioma nativo; o mesmo faz, e com mais fortes razões, com a palavra missa e com a invocação a Nossa Senhora:

Ejorí, Santa Maria, xe anama rausubá!Vem, Santa Maria, para se compadecer de minha família!

Tais casos são, porém, atípicos. O mais comum é a busca de alguma homologia entre as duas línguas, com resultados de valor desigual:

Bispo é Pa’i-guaçu, quer dizer, senhor maior. Nossa Senhora às vezes aparece sob o nome Tupã-sy, mãe de Tupã. O reino de Deus é Tupãretama, Terra

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de Tupã. Igreja, coerentemente, é Tupãoka, casa de Tupã. Alma é ‘anga, que vale tanto para sombra quanto para o espírito dos antepassados. Demônio é anhanga, espírito errante e perigoso. Para a figura bíblico-cristã do anjo, Anchieta cunha o vocábulo karaibebé, profeta voador...

A nova representação do sagrado assim produzida já não era nem a teologia cristã nem a crença tupi, mas uma terceira esfera simbólica, uma espécie de mitologia paralela que só a situação colonial tornara possível.

Começando pela arbitrária equação Tupã-Deus judeu-cristão, todo o sistema de correspondências assim criado procedia por atalhos incertos. Tupã era o nome, talvez onomatopaico, de uma força cósmica identificada com o trovão, fenômeno celeste que teria ocorrido a primeira vez com o arrebentamento da cabeça de uma personagem mítica, Maíra-Monã. De qualquer modo, o que poderia significar, para a mente dos tupis o nome de Tupã com a noção de um Deus uno e trino, ao mesmo tempo todo-poderoso, e o vulnerável Filho do Homem dos Evangelhos?

Os missionários quinhentistas não dispunham, contudo, do repertório teórico-científico de que hoje dispõe a humanidade. Como admitirmos, mais de um século depois do surgimento da ciência antropológica, que as populações indígenas atuais ainda sejam tratadas como as do século XVI por missionários evangélicos totalmente despreparados para um autêntico diálogo inter-cultural? O próprio Concílio Vaticano II, na encíclica Gaudium et Spes (parte II, cap. II) atentou para tal perigo:

“Que fazer para que os intercâmbios culturais mais freqüentes, que deveriam levar os diferentes grupos e nações a um diálogo verdadeiro e frutuoso, não perturbem a vida das comunidades, não destruam a sabedoria dos antepassados nem coloquem em perigo a índole própria de cada povo?”

Se tal problema ainda não foi solucionado nos nossos dias, que esperar de missionários jesuítas do século XVI, que não poderiam sequer saber o que fosse o relativismo cultural?

Mas, seja como for, como bem lembra Lemos Barbosa (op. cit., p. 19),

“...O objeto da Lingüística não é o pensamento nem a cultura, mas a expressão simbólica e vocal do pensamento ou emoção. – Um catecismo em língua indígena não é mais artificial do que uma lenda indígena escrita em português. Nem do que uma tragédia de Sófocles representada em inglês.

O que é artificial na literatura missionária é o pensamento ou, quiçá, a cultura que se põe na língua do índio, não necessariamente a linguagem que se expressa aquele pensamento. As palavras, o material sonoro empregado, os conceitos gramaticais expressos, os processos que os exprimem, os prefixos, os sufixos, a ordem das palavras, enfim, tudo o que é material estritamente lingüístico (e não apenas cultural) tudo ali é autêntico e legítimo – excetuado algum ou outro neologismo ou erro acidental – e não um artifício lingüístico, como seria, p.ex., um discurso em esperanto ou uma poesia em volapuque.”

Se não fosse assim, os lingüistas missionários americanos integrantes da Sociedade Bíblica do Brasil, dotados de todo o instrumental da moderna ciência da linguagem, estariam certamente

XVIII

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perdendo seu tempo se a Bíblia completa em dialeto guarani Mby’a que publicaram em 2004 não fosse a língua que aqueles guaranis falassem...

2. OS FALANTES DO TUPI ANTIGO: ORIGEM, HISTÓRIA E DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA NO PASSADO

Segundo testemunho do jesuíta Fernão Cardim (op. cit., p.121),

“Em toda esta província há muitas e várias nações de diferentes línguas, porém uma é a principal que compreende algumas dez nações de índios: estes vivem na costa do mar, e em uma grande corda do sertão, porém são todos estes de uma só língua, ainda que em algumas palavras discrepam e esta é a que entendem os portugueses.”

A ancestralidade dos tupis com relação às outras nações falantes da língua brasílica da costa foi atestada por vários textos do período colonial brasileiro:

“...De Tupi (que dizem ser o donde procede a gente de todo o Brasil) umas nações tomaram o nome de Tupinambás, outras de Tupinaquis, outras de Tupigoaés e outra Tupiminós.” [Vasconcelos, in Crônicas, (Not.) I, §149]

No décimo segundo capítulo de sua História, Frei Vicente do Salvador dá-nos essa mesma idéia:

D. Diogo de Avalos, vizinho de Chuquiabue no Peru, em a sua Miscelânea Austral, diz que em as serras de Altamira em Espanha havia uma gente bárbara, que tinha ordinária guerra com os espanhóis e que comiam carne humana, do que enfadados os espanhóis juntaram suas forças e lhes deram batalha na Andaluzia, em que os desbarataram e mataram muitos. Os poucos que ficaram, não se podendo sustentar em terra, a desampararam e se embarcaram pera onde a fortuna os guiasse, e assi deram consigo nas Ilhas Fortunadas, que agora se chamam Canárias, tocaram as de Cabo Verde e aportaram no Brasil. Saíram dois irmãos por cabos desta gente, um chamado Tupi e outro Guarani; este último deixando o Brasil, passou a Paraguai com sua gente e povoou o Peru. (grifos nossos)

O fenótipo mongolóide dos tupis da costa não permite, por outro lado, vinculá-los aos mais

antigos antepassados do homem brasileiro já encontrados, a saber, a Luzia da Lagoa Santa, esqueleto descoberto em 1975 por uma equipe franco-brasileira coordenada por Annette Laming-Emperaire e as ossadas da Serra da Capivara, descobertas pela equipe de Niède Guidon no Piauí, na década de noventa. Ambas as ossadas do homem pré-histórico brasileiro são de negróides e não de mongolóides.

Os tupis da costa eram recentes no litoral na época da chegada dos portugueses ao Brasil. Entre eles ainda havia memória de sua origem comum. Uma prova disso eram certos designativos de nações tupis, como temiminós e tamoios. Temiminó quer dizer neto ou descendente, conforme vemos em textos do início do século XVII:

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1) neto(a): O emiminõ...r-esé nd’e’ikatu-î abá o-mendá. - Com sua própria neta não pode ninguém casar-se. (Ar., Cat., 128v)

2) descendente: A’e roîré bé-pe Noé r-emiminõ-etá r-oparamo?... - Depois disso, os descendentes de Noé perderam-se? (Ar., Cat., 41v)

Tamoio, por outro lado, em tupi antigo é tamuîa, que significa avô, antepassado, segundo textos quinhentistas e seiscentistas:

1) avô (de h. ou m.) (Ar., Cat., 116): ...Xe r-amuîa Îaguaruna - meu avô Jaguaruna (Anch., Teatro, 60)

2) os antepassados, os avós: A-îkó xe r-amuîa r-ekó-bo. - Vivo pelos costumes de meus antepassados. (Fig., Arte, 7)

Além disso, a grande semelhança cultural entre os grupos indígenas da costa permite-nos afirmar uma separação recente deles a partir de uma migração anterior de regiões interioranas da América do Sul.

Nem todos os grupos indígenas que falavam o tupi antigo são bem conhecidos historicamente. Os documentos antigos sobre alguns deles são escassos. Apresentaremos informações sobre os mais conhecidos e sobre aqueles dos quais há documentação coeva mais abundante.

2.1. Os tupiniquins

Entre os temiminós, ao sul, desde o rio Cricaré no atual Espírito Santo, e os aimorés ao norte, até o rio Camamu, na Bahia, viviam os tupiniquins, os primeiros índios com que os portugueses avistaram-se ao chegarem ao Brasil em 1500. Pero Vaz de Caminha fez deles a primeira descrição física, a primeira feita de um índio brasileiro:

A feição deles é serem pardos, maneira d’avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma coisa cobrir nem mostrar suas vergonhas. E estão acerca disso com tanta inocência como têm em mostrar o rosto. Traziam ambos os beiços de baixo furados e metido por eles um osso branco de comprimento de uma mão travessa e de grossura de um fuso de algodão e agudo na ponta como furador. Metem-no pela parte de dentro do beiço e o que lhe fica entre o beiço o os dentes é feito como roque de xadrez; e em tal maneira o trazem ali encaixado que não lhes dá paixão nem lhes estorva a fala, nem comer, nem beber. Os cabelos seus são corredios e andavam tosquiados de tosquia alta, mais que de sobre-pente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas.”

(In: Carta a El Rey dom Manuel sobre o achamento do Brasil, pp.34-39)

Gabriel Soares de Sousa (1938, 87-88) tratou desses indígenas:

“Com este gentio tiveram os primeiros povoadores das capitanias dos Ilhéus e Porto Seguro e os do Espírito Santo, nos primeiros anos, grandes guerras e trabalhos, de quem receberam muitos danos; mas, pelo tempo adiante

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vieram a fazer pazes, que se cumpriram e guardaram bem de parte a parte. (...) Este gentio e os tupinaés descendem todos de um tronco e não se têm por contrários verdadeiros, ainda que muitas vezes tivessem diferenças e guerras, os quais tupinaés lhes ficavam nas cabeceiras, pela banda do sertão, com quem agora a maior parte dos tupiniquins estão misturados. Este gentio é da mesma cor baça e estatura que o outro gentio de que falamos, o qual tem a linguagem, vida e costumes e gentilidades dos tupinambás, ainda que são seus contrários. (...) E ainda que são contrários os tupiniquins dos tupinambás, não há entre eles na língua e costumes mais diferença do que têm os moradores de Lisboa dos da Beira; mas este gentio é mais doméstico e verdadeiro que todo outro da costa deste Estado. É gente de grande trabalho e serviço, e sempre nas guerras ajudaram aos portugueses contra os aimorés, tapuias e tamoios, como ainda hoje fazem esses poucos que se deixaram ficar junto ao mar e das nossas povoações, com quem vizinham muito bem, os quais são grandes pescadores de linha, caçadores e marinheiros, são valentes homens, caçam, pescam, cantam, bailam como os tupinambás e nas coisas da guerra são mui industriosos, e homens para muito, de quem se faz muita conta a seu modo entre o gentio.

Nos textos coloniais há também referências a tupiniquins na capitania de São Vicente:

“Em São Vicente não usam isto (i.e., vender seus próprios familiares) aqueles gentios Topinachins.” (Nóbrega, 1988, p. 197)

“Outra nação se chama Carijó: habitão além de São Vicente como oitenta léguas, contrários dos Tupinaquins de São Vicente.” (Cardim, 1978, p. 123)

Essas referências a tupiniquins em São Vicente permanecem ainda enigmáticas e somente a descoberta de novos documentos históricos poderá lançar luzes sobre essa questão.

2.2. Os potiguaras

Segundo Moonen (1992, p.111),

“Os documentos históricos são unânimes em afirmar que os potiguaras eram índios tupis. O cronista Gabriel Soares de Sousa, em 1587, informa que os potiguaras "falam a mesma língua dos tupinambás e caetés, têm os mesmos costumes e gentilidades".

Os potiguaras são um grupo indígena tradicional da costa brasileira, localizado há séculos no litoral paraibano e desaparecido há muito tempo do litoral do Rio Grande do Norte. Seus remanescentes ainda se encontram em terras avoengas, o que se constitui fato sui generis na história das populações indígenas do Brasil. Foram dos primeiros grupos indígenas com que os portugueses se depararam ao chegarem ao Brasil. Por causa de seu contato multissecular com a sociedade não indígena, os potiguaras atualmente só falam a língua portuguesa. Até cerca de 1650 há provas do emprego do tupi antigo por essa nação indígena: as cartas dos Camarões, únicos documentos conservados que foram escritos pelos antigos índios da costa do Brasil, da época da

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guerra contra a Holanda. O desaparecimento dos últimos falantes de tupi antigo deve ter ocorrido no final do século XVII.

O local mais importante onde se concentrava a vida potiguara foi, desde muito cedo, registrado nos mapas quinhentistas: trata-se da Baía da Traição, chamada pelos índios Acajutibiró. Não se sabe exatamente o ano em que tal topônimo apareceu. Segundo Gabriel Soares de Sousa (op. cit., p. 52), “chama-se esta baía pelo gentio potiguar Acajutibiró, e os portugueses, da Traição, por com ela matarem uns poucos de castelhanos e portugueses que nesta costa se perderam. Para Moonen (op. cit., 153),

“Capistrano de Abreu pretende que tal fato tenha ocorrido em 1501, quando da expedição de André Gonçalves, embora outros, como o Padre Galante, aventem a hipótese de que o acontecimento tenha-se dado em 1505 com dois franciscanos. (...) No mapa “Terra Brasilis”, atribuído a Lopo Homem e publicado em Lisboa nessa data (1519), aparece já indicada a Baía da Traição.

Mas os territórios potiguaras, que se estendiam desde a costa norte do Brasil até o rio Paraíba, na latitude aproximada de João Pessoa, foram progressivamente diminuindo, a ponto de hoje estarem seus remanescentes concentrados somente em torno da Baía da Traição e adjacências, seu tradicional centro nervoso.

Os potiguaras constituíram-se, desde cedo, um problema para a colonização portuguesa. Segundo Cardim (op. cit., p.121), eles eram “senhores do melhor pau do Brasil e grandes amigos dos franceses e com eles contrataram até agora, casando com eles suas filhas”. Atacaram por décadas os moradores das capitanias de Pernambuco e Itamaracá. Somente durante o período do domínio espanhol, em 1584, é que os potiguaras foram submetidos pelos portugueses, que expulsaram os franceses daquela costa, tendo à sua frente o general espanhol Diogo Flores. Ele, na Baía da Traição, assentou um forte, pondo-lhe cem soldados, “afora os portugueses, que também têm seu capitão e governador Fructuoso Barbosa, que com a principal gente de Pernambuco levou exército por terra com que venceu os inimigos”. (Cardim, ibidem, p. 121)

Mas a submissão total dos potiguaras aos portugueses só se daria mesmo em 1599, segundo notícias do Frei Vicente do Salvador que fez missão entre eles. O famoso historiador, autor de uma História do Brasil, publicada em 1627, relata campanhas que se fizeram contra aqueles índios nos anos posteriores a 1584. Em 1585, como conseqüência das lutas contra os potiguaras e contra os franceses que os apoiavam, iniciou-se a construção de um forte de madeira às margens do rio Paraíba, origem da cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, a atual João Pessoa. No final da década de oitenta do século XVI esse forte foi assediado pelos potiguaras, sendo que a cidade só foi reconquistada em 1590.

Assim, somente em 1599, após vinte cinco anos de guerras, é que os potiguaras foram submetidos pelos portugueses, após terem perdido o apoio dos franceses, mais uma vez vencidos em seus planos de se estabelecerem em terras de Portugal. Foi somente nos primeiros anos do século XVII que os potiguaras foram convertidos ao Cristianismo, por obra de missionários franciscanos que atuaram entre eles.

O último grande momento histórico em que os potiguaras aparecem como importantes partícipes foi o da invasão holandesa. Em 1625 os holandeses desembarcaram na Baía da Traição, levando para Holanda alguns índios (apud Moonen, op. cit., p.97).

Repelidos em sua tentativa de invadir a Bahia, os holandeses voltam em 1630, dessa feita a Pernambuco, donde se alastram por grande parte da costa nordestina. Muitos potiguaras tornaram-se

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seus aliados, entre os quais o tuxaua Pedro Poti, que também vivia na Baía da Traição. Esse Pedro Poti esteve na Holanda por cinco, donde voltou em 1530 com os invasores do Nordeste. Foi mais tarde capturado pelos portugueses, que o assassinaram cruelmente.

Os únicos documentos de que dispomos que dão informação sobre a língua tupi falada pelo potiguaras são as cartas dos índios Camarões, escritas durante a guerra contra a Holanda. Após a expulsão dos holandeses em 1654, “cessam por completo as informações sobre a cultura potiguara, de modo que é impossível analisar as mudanças culturais em sua dimensão histórica.” (Moonen, op. cit., 111)

2.3. Os tupinambás

A nação tupinambá, entre as de língua tupi, era a que se dividira mais pela costa: no final do século XVI eles estavam na Bahia, no Maranhão e no Rio de Janeiro. Isso é o que atestam os textos dos cronistas D’Abbeville, Gabriel Soares de Sousa, Jean de Léry, dentre outros.

2.3.1. Os tupinambás da Bahia

Os tupinambás ocupavam um território na costa nordestina que ia desde a margem direita do rio São Francisco até o sul da Baía de Todos os Santos.

Segundo Gabriel Soares de Sousa (op. cit., 299-300), estavam ainda na memória dos anciãos as lutas que desalojaram os tapuias da Bahia de Todos os Santos:

Os primeiros povoadores que viveram na Bahia de Todos os Santos e sua comarca, segundo as informações que se têm tomado dos índios muito antigos, foram os tapuias. (...) Esses tapuias foram lançados fora da terra da Bahia e da vizinhança do mar dela por outro gentio seu contrário, que desceu do sertão, à fama da fartura da terra e mar desta província, que se chamam tupinaés, e fizeram guerra um gentio e outro tanto tempo quanto gastou para os tupinaés vencerem e desbaratarem aos tapuias e lhos fazerem despejar a ribeira do mar e irem-se para o sertão. (...)

E chegando à notícia dos tupinambás a grossura e fertilidade desta terra, se juntaram e vieram de além do rio de São Francisco, descendo sobre as terras da Bahia que vinham senhoreando, fazendo guerra aos tupinaés que a possuíam, destruindo-lhes suas aldeias e roças (...).

E estes tupinaés se foram pôr em frontaria com os tapuias seus contrários, os quais faziam crua guerra com força, da qual os faziam recuar pela terra adentro, por se afastarem dos tupinambás, que a ficaram senhoreando (...) e assim foram possuidores desta província da Bahia muitos anos, fazendo guerra a seus contrários com muito esforço, até a vinda dos portugueses a ela; dos quais tupinambás e tupinaés se tem tomado esta informação, em cuja memória andam estas histórias de geração em geração.”

Assim, os tupinambás da Bahia estavam, à época do Descobrimento, estabelecidos na Bahia de Todos os Santos e nas suas imediações, principalmente na bacia do rio Paraguaçu ou Peroaçu, a oeste daquela. Cada um dessas concentrações de tupinambás deveria conter cerca de cinqüenta mil indígenas.

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Os primeiros contatos dos portugueses com os tupinambás da Bahia devem ter sido os realizados na pessoa de Diogo Álvares Correia, português procedente de Viana. Ele era um náufrago que arribou às costas da Bahia e fez amizade com os índios, que o alcunharam “Caramuru”, nome tupi para a lampreia. Foi o historiador espanhol Gonçalo Fernandez Oviedo e Valdez quem primeiro referiu-se ao Caramuru em sua obra História General e Natural de las Índias.

Nas três primeiras décadas de sujeição aos portugueses ainda não se haviam implantado os instrumentos de dominação do Estado no Brasil. Ou seja, estabelecera-se um regime de promiscuidade sexual entre as mulheres índias e os náufragos, degredados, órfãos de Portugal e aventureiros, ao qual Ribeiro (1999) chamou cunhadismo. Não havia conflitos e guerras entre índios e brancos, uma vez que estes ainda não se haviam lançado à escravização daqueles, haja vista não existir, nos primeiros tempos, exploração econômica lucrativa da terra. Diogo Álvares Correia viveu, assim, em harmonia por décadas com os tupinambás da Bahia e foi, seguramente, o primeiro português que ali falou a língua tupi. Em seu já clássico “O índio Brasileiro e a Revolução Francesa”, Afonso Arinos de Melo Franco (1937) mostra-nos com boa documentação coeva que Correia teria levado sua esposa índia para a França, onde teria sido batizada com o nome de Catarina Paraguaçu. Essa índia tupinambá foi uma verdadeira matriarca do Brasil e mais especialmente da Bahia, tendo sobrevivido muitos anos à morte de Diogo em 1557 e tendo sido uma atuante senhora católica da recém-fundada vila de Salvador, à qual Frei Vicente do Salvador (op. cit., p. 124) referiu-se como uma viúva “mui honrada amiga de fazer esmolas aos pobres e outras obras de piedade”.

Foram justamente esses tupinambás cristianizados e bilíngües, com seus filhos mamelucos, que facilitaram a implantação das estruturas do Estado na Bahia na década de trinta do século XVI, com a adoção do sistema de capitanias hereditárias. Tal sistema conduziria inevitavelmente à escravização dos tupinambás como mão-de-obra para trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar que se estabeleciam em torno de Salvador, fundada ao se implantar o sistema de governo-geral, na década seguinte, em 1548, pelo primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa. Com Tomé de Sousa viria Garcia d’Ávila, que se tornou o maior proprietário de terras do Brasil, tendo ele também casado com uma cabocla da terra, de origem tupinambá, que recebeu o nome de Francisca Rodrigues. Assim, as primeiras matriarcas da Bahia foram, quase todas, mulheres índias. Com efeito, a colonização de exploração que se implantara no Brasil não promovia a migração de famílias inteiras de Portugal para o Brasil. O que predominava era o afluxo de homens em busca de rápida fortuna, que se amancebavam com as índias, às vezes com diversas delas. Isso fez do primeiro brasileiro um mameluco, filho de pai português e mãe tupi. Forma-se na Bahia uma classe de proprietários mestiços, os chamados caramurus, objetos da sátira de Gregório de Matos (1696) num poema seu:

“Há cousa como ver um paiaiá,mui prezado se ser caramuru,descendente de sangue de tatu,cujo torpe idioma é Cobepá?

E noutro poema diria de tal elite cabocla da terra:

Embora tenha um avô nascido lá (i.e., em Portugal),Tem três mais cá nas partes do Cairu...

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Mas os tupinambás do Paraguaçu recusaram-se à submissão aos senhores de terras escravocratas. No final da década de cinqüenta do século XVI, tendo acolhido escravos dessa nação fugidos de engenhos de açúcar, os tupinambás do Paraguaçu não quiseram entregá-los a seus senhores, mesmo com ordens expressas de Mem de Sá.

Diante da recusa deles, o governador-geral organizou um exército de 4.300 homens, dos quais a maior parte índios evangelizados pelos jesuítas e com eles invadiu a região dos índios rebeldes, onde se travou a “Guerra do Paraguaçu”, em 1559. Nessa guerra foram mortos milhares de tupinambás e, segundo Anchieta, 160 aldeias foram destruídas pela sanha de Mem de Sá. (apud Pereira, 2000). O forte de Tarajó, chefe dos tupinambás, caiu no dia 28 de setembro de 1559. Esses e outros foram a “gesta” (i.e., os grandes feitos) de Mem de Sá que Anchieta cantou em versos em sua obra De Gestis Mendi de Saa, epopéia publicada anonimamente em Coimbra no ano de 1563.

Derrotados os tupinambás do Paraguaçu, muitos deles migraram para regiões mais distantes, inclusive para o Maranhão, onde foram encontrados pelos franceses de Daniel de la Touche, em 1612.

Da língua falada pelos tupinambás na Bahia de Todos os Santos e regiões contíguas, o primeiro a fazer dela notas foi o jesuíta basco Azpilcueta Navarro, que as daria em 1553 ao jovem canarinho José de Anchieta, recém-chegado ao Brasil, que delas lançaria mão para compor sua Arte, só publicada em 1595.

2.3.2. Os tupinambás do Maranhão

Os tupinambás do Maranhão procediam de áreas da costa brasileira já ocupadas por portugueses. Mostram-no textos dos dois cronistas da França Equinocial, Claude D’Abbéville e Yves d’Évreux. No capítulo XI de sua Histoire, conta-nos D’Abbeville (1614) que Japi-açu, o principal da Ilha do Maranhão fez um discurso de recepção aos ádvenas franceses em agosto de 1612, dizendo:

“Os perós (i.e., os portugueses) maltrataram-nos outrora e praticaram contra nós muitas crueldades...”

Conta D’Abbéville (op. cit., cap. XLIII), que os tupinambás do Maranhão diziam proceder de uma terra mais ao sul chamada Caeté (floresta boa), com grande quantidade de matas, onde haviam habitado no passado. Quando os portugueses conquistaram tal região, quiseram sujeitar seus habitantes a suas leis. Eles, por essa razão, teriam saído dali e uns teriam migrado para outras bandas até encontrarem o mar, perto do qual passaram a habitar, outros teriam ficado na Serra do Ibiapaba e, outros ainda, às margens dos rios Tabucuru, Mearim etc., conservando todos o nome de tupinambás, que servia, até então, para qualificá-los.

O dialeto dos tupinambás do Maranhão foi documentado pelos cronistas franceses supracitados, o que nos permite comparações com variantes dialetais de outras partes da costa brasileira.

Em sua Histoire (cap. XLIII), D’Abbeville conta que os índios tupinambás do Maranhão ainda se lembravam do tempo em que houve divisão entre eles, resultando daí um grupo inimigo da mesma nação que foi chamado tabajara, de tobayara, o inimigo da nação. Esses eram, sem dúvida alguma, falantes do tupi antigo.

2.3.3. Os tamoios ou tupinambás do sul

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Os tamoios, “os avós”, eram tupinambás que se espraiaram pelo litoral do Rio de Janeiro. Em meados do século XVI, seus limites meridionais iam até Iperoig, a atual Ubatuba, na costa de São Paulo, chegando, ao norte, à região de Campos dos Goitacazes, no atual estado do Rio de Janeiro, e entrando pelo vale do Paraíba do Sul. Os goitacazes, seus vizinhos ao norte, eram do tronco Macro-Jê, índios aguerridos e inimigos, como demonstra o Colóquio de Léry (1578):

-Marã-pe pe r-obaîara r-era? -Marakaîá, gûaîtaká, gûaîanã, karaîá, kariîó. -Quais os nomes dos vossos inimigos? -Maracajás, goitacazes, guaianás, carajás, carijós. (Léry, Histoire, 354, grifo nosso)

Os goitacazes de “língua travada” eram uma intermitência num litoral dominado por indígenas falantes do tupi antigo. Já a nordeste do território dos goitacazes estendia-se o território dos temiminós, “os netos”, uma cisão dos tamoios do sul.

Os tamoios tornaram-se, desde cedo, a grande ameaça para a colonização portuguesa no Brasil meridional, que naquela época correspondia à capitania de São Vicente. Com a invasão dos franceses na Baía da Guanabara, em 1555, os tamoios tornam-se seus grandes aliados. Sete anos depois, instigados por aqueles, estavam todos confederados contra os portugueses numa aliança conhecida como Confederação dos Tamoios, que deveria destruir o que havia de civilização lusitana na porção sul do Brasil quinhentista, agrupando índios desde Cabo Frio até Bertioga e também incluindo os índios do Vale do Paraíba. A colonização portuguesa no Sudeste corria sério risco. Se os tamoios fossem bem sucedidos, os franceses tomariam conta de uma vasta área do Brasil, que passaria a ser colônia francesa.

Além das constantes ameaças dos franceses e dos índios seus aliados, havia também as ameaças dos chefes e feiticeiros indígenas tamoios que combatiam a catequese. Em 1562 São Paulo sofre um ataque de índios, instigados por seus caraíbas, que viam nos padres uma ameaça a sua estabilidade. O ataque aconteceu em 9 de julho de 1562. Milhares de homens, todos pintados, aparecem em torno da vila, fazendo um barulho infernal. Contudo, a vila foi defendida por Tibiriçá, com apoio das aldeias próximas e com reforços vindos do litoral e, apesar das muitas mortes, a vila não foi destruída e os atacantes retiraram-se.

Anchieta e Nóbrega, ainda em 1562, com o fito de evitar a guerra iminente, oferecem-se como reféns dos tamoios em Iperoig, para que eles enviassem seus emissários a São Vicente para entabular negociações com os portugueses e, assim, encontrar diplomaticamente uma solução para a animosidade minaz que preocupava os portugueses.

O acordo de paz demoraria meses para ser conseguido. Nóbrega volta para São Vicente, deixando Anchieta sozinho no meio dos índios inimigos, que em todo momento falavam em matá-lo e em devorá-lo. Além disso, muitos o ridicularizavam por não aceitar as mulheres que eles lhe ofereciam, procedimento comum entre os primitivos habitantes da costa do Brasil. Os índios dividiam-se, uns a favor, outros contra os missionários. Contudo, um dos caciques tamoios, o famoso Pindobuçu, que fora convertido ao cristianismo, protegia Anchieta dos índios hostis.

Depois de sete meses de permanência com os tamoios, a paz foi conseguida com algumas tribos e Anchieta foi embora para São Vicente. Mas os franceses continuavam na Baía da Guanabara e sua presença ali era uma constante ameaça, por causa das alianças que faziam com os índios inimigos dos portugueses.

A paz que os portugueses haviam conseguido com os tamoios não foi durável e somente se efetivou com algumas tribos mais próximas. A Confederação dos Tamoios voltou a organizar-se e o perigo de um guerra era grande.

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O governador-geral Mem de Sá manda, então, seu sobrinho Estácio de Sá para expulsar os franceses. Ele chega a São Vicente em 1564, em busca de apoio e de reforços para realizar seu projeto. Nóbrega e Anchieta conseguem recrutar muita gente para reforçar a armada de Estácio de Sá. Em janeiro de 1565 eles partem para a Baía da Guanabara. Estácio de Sá funda junto ao Pão de Açúcar uma fortificação, que era o núcleo inicial da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A guerra estende-se na terra e no mar por todo o ano de 1565, com muitas mortes das duas partes.

De Portugal chegam reforços para a guerra contra os franceses que continuavam na Baía da Guanabara. O próprio Mem de Sá resolve ir ajudar seu sobrinho, que lutava havia mais de um ano e meio, sem conseguir vitórias decisivas. A 19 de janeiro de 1567, chegam à Baía da Guanabara e, no dia seguinte, dia de São Sebastião, desfecham, com o apoio do cacique Araribóia, um ataque decisivo contra o reduto dos franceses, o atual Morro da Glória. Estácio de Sá é frechado no rosto e morre um mês depois. Num segundo ataque, ocorrido na Ilha do Governador, os soldados e índios de Mem de Sá obtêm completa vitória contra os franceses. As aldeias tamoias são destruídas e muitos índios são mortos.

O Auto de São Lourenço (versos 147-156), de Anchieta, escrito em 1583, dá testemunhos dessa guerra. Nele vemos os diabos gabarem-se de seus feitos, entre os quais o de terem destruído os tamoios e suas aldeias:

“Îa’u pá Mosupyroka,Îekeí, Gûatapytyba,Nheterõîa, Paraíba,Gûaîaîó, Kariîó-oka,Pakukaîa, Arasatyba.

Opá umã tamyîa sóû,okaîa tatápe oupa;mokõînhõ, Tupã raûsupa,kó taba pupé sekóû,oîepysyrõmo okupa.”

“Comemos toda a Moçupiroca,Jequeí, Guatapitiba,Niterói, Paraíba,Guajajó, Carioca,Pacucaia, Araçatiba.

Todos os tamoios já foram,Estando a queimar no fogo;Poucos somente, amando a Deus,Nesta aldeia moram,Estando a salvar-se.”

Assim, sobre os escombros da guerra é feita a segunda fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O núcleo primitivo, fundado em janeiro de 1565 por Estácio de Sá é deslocado para um lugar mais seguro, o Morro do Castelo. Seria em torno dele que iria crescer, agora sob o domínio português, a futura cidade do Rio de Janeiro.

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2.4. Os temiminós

Cisão dos tamoios do sul, os temiminós também eram índios tupis. Ocupavam o nordeste do Rio de Janeiro e o sul do atual Espírito Santo, até o rio Cricaré, atual São Mateus. Eram aliados dos portugueses. Seu mais famoso tuxaua foi Araribóia, que participou da Guerra da Guanabara, em 1565-67, auxiliando na expulsão dos franceses. Por seus feitos em prol das quinas portuguesas, ele receberia a Ordem de Cristo de Portugal.

Anchieta faz diversas referências aos temiminós nas suas cartas e nos seus autos teatrais. Segundo as palavras dos personagens diabos em seu Auto de São Lourenço (versos 157-158), os temiminós eram índios convertidos:

Kó temiminó-poxy Esses temiminós malvados îandé rekó ogûeroyrõ... nossa lei detestam...

Em seu auto Na Aldeia de Guaraparim (versos 130-138), os personagens diabos confirmam-no, dizendo, ademais que os temiminós estavam no sul do Espírito Santo (a posição da atual cidade de Guarapari):

Koromõ, Logo,keygûara, temiminó os temiminós, habitantes daqui,moaûîébo, asapekóne. derrotando, freqüentá-los-ei.

Diabo 1: -Aã! Nd’ereîtyki xóne. Não, não os derrotarás.I porãngatu sekó. É muito belo seu proceder.Nde reroyrõ, nde mombóne. Detestam-te, far-te-ão pular fora.Osaûsu kó Tupã sy, Amam essa mãe de Deus,i membyra rerobîá. Acreditando no seu filho.Nd’e’ikatuî nde rapîá. Não podem obedecer-te.

2.5. Os caetés

Conta-nos Gabriel Soares de Sousa, no XIX capítulo de seu Tratado Descritivo do Brasil, que os caetés eram uma nação indígena que dominava o litoral nordestino desde a foz do rio São Francisco até o rio Paraíba, onde sempre teve guerras com os potiguaras, sendo, portanto habitantes da costa de Alagoas e Pernambuco. Diz ele que eles tinham a mesma compleição física e a mesma cultura e língua dos potiguaras, que eram em tudo como a dos tupinambás.

Ao chegar à capitania que lhe fora concedida por D. João III, Duarte Coelho deparou-se com tais índios, tendo-os desalojado do sítio que ocupavam e onde seria a futura Vila de Olinda, por ele fundada em 1535. No início manteve boas relações com os caetés mas, na década de cinqüenta daquele século, tais índios desavieram-se com os portugueses. Em 1556 D. Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo do Brasil, foi morto e devorado por eles, após o naufrágio da nau em que partia para Portugal.

Por esse ato perpetrado contra o bispo Sardinha, o governo de Portugal, um ano depois, promulgava ato que considerava legal a escravização dos caetés. Começa, assim, a animosidade entre os colonos portugueses e tais índios. Em 1560 começa a Guerra dos Caetés, que duraria cinco anos. Milhares deles retiraram-se daqueles seus antigos territórios e migraram para o Maranhão e Pará, sendo que muitos foram reduzidos à escravidão.

XXVIII

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2.6. Os tupis de São Vicente

Os tupis de São Vicente são mencionados pela primeira vez num texto do navegante português Diego Garcia, que viajava na expedição de Juan Diaz de Solis para o Rio da Prata. Estava ele, portanto, a serviço da Coroa espanhola. Tendo chegado ao porto de Cananéia, em 1527, ali avistou-se com o misterioso Bacharel, um degredado português que ali estava havia longos anos, vivendo em perfeita harmonia com os índios.

Contudo, o mais importante personagem da história daquela região nessa época foi João Ramalho. Amancebado com as índias, tinha dezenas de filhos mamelucos e fácil trato com os tupis.

Esses contatos dos tupis com europeus num regime de cunhadismo garantiriam, mais tarde, o apoio à colonização portuguesa e à implantação das estruturas de poder do Estado. Isso garantiu o bom sucesso dos empreendimentos portugueses na região.

João Ramalho já percorria o planalto de Piratininga antes de os jesuítas ali fundarem seu colégio em 1554, embrião da cidade de São Paulo. Ali eles construíram, naquele ano, um barracão de madeira do mato perto das aldeias de índios amigos, que eram Tibiriçá, Caioby e Tamandiba. Assim, Piratininga, o nome da região onde havia as três aldeias indígenas, passou a chamar-se São Paulo de Piratininga. Perto dali, também no planalto, havia uma outra povoação, fundada por João Ramalho e que se casara com Bartira, a filha do cacique Tibiriçá, amigo dos portugueses.

Anchieta permaneceria em São Paulo de Piratininga nos primeiros anos de sua vida no Brasil. Ele foi designado para professor de latim dos irmãos jesuítas que ali viviam. Assim, com dezenove anos de idade, ele foi o primeiro professor de São Paulo e, certamente, o maior humanista clássico do Brasil. Foi em São Paulo de Piratininga que ele aprendeu o tupi, tornando-se um nhe’engyîara (isto é, o que domina a língua). Ali permaneceu ininterruptamente até 1562, garantindo, com o apoio dos tupis, a existência da vila recém-fundada.

Segundo Prezia (2000, p. 169), “os grupos do litoral sul, São Vicente e planalto deviam fazer parte de uma mesma etnia.” Ainda segundo ele “quanto aos grupos do interior, localizados no chamado “sertão”, a documentação jesuítica confirma, também, uma vasta área indicada por Staden, que fala de 80 milhas para o interior, isto é, 593 km.”

Os índios tupis de São Vicente miscigenaram-se profundamente com os europeus. Segundo um testemunho do Pe. Vieira (1925-28, p. 249), “é certo que as famílias dos portugueses e índios de São Paulo estão tão ligadas hoje umas às outras, que as mulheres e os filhos se criam mestiça e domesticamente, e a língua que nas ditas famílias se fala é a dos índios, e a portuguesa a vão os meninos aprender à escola...”

XXIX

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3. AS FONTES PARA O CONHECIMENTO DO TUPI ANTIGO

Os textos que nos dão informações acerca do tupi dos séculos XVI e XVII são, quase todos, da lavra de europeus, podendo ser, em sua maioria, incluídos na categoria de literatura de viagens. Cristóvão (1999) inclui até mesmo o teatro de José de Anchieta nesse subgênero literário.

Com efeito, a expansão geográfica européia nos séculos XVI e XVII levaria os europeus a se depararem frontalmente com a problemática das línguas. Com o Renascimento e através dos Descobrimentos, a Europa passará a concentrar não só capitais imensos que fariam dela, na Idade Moderna, o centro da nova ordem econômica que emergia, mas também a informação e os bens espirituais de todo o mundo. A Europa passa a ser um banco de dados em escala planetária, o que lhe permitiria dominar pelos séculos vindouros os outros continentes.

As fontes para o conhecimento do tupi antigo têm, basicamente, duas procedências: as jesuíticas e as não jesuíticas. É assim que analisaremos tais obras neste presente capítulo. Abordaremos somente aquelas cuja contribuição para o conhecimento daquela língua foi expressivo, deixando de lado, aqui, outros textos que somente portam informações ocasionais ou poucos termos dela.

3.1. A contribuição jesuítica para o conhecimento do tupi antigo no século XVI

Com a profunda divisão no seio da Cristandade, ocasionada pela Reforma Protestante, em 1517, perdia-se a unidade religiosa do Ocidente. A Igreja Católica encontrava-se mergulhada em profunda crise desde o início do século XVI. O Concílio de Trento e a fundação da Companhia de Jesus viriam em resposta à situação de crise então vivida. A Igreja Católica, em meados do século XVI, recuperava forças e passava por profundas revisões internas, justamente para poder enfrentar o grande desafio representado pela Reforma Protestante. Com a descoberta da América, um vasto campo oferecia-se ao trabalho de expansão da religião. Toda a empresa colonizadora seria justificada como um instrumento de cristianização dos povos dos novos continentes. Nessa tarefa, a Companhia de Jesus, a última ordem da Igreja, teria papel essencial. Foi ela a grande força do Catolicismo durante a Idade Moderna.

Até a chegada dos primeiros missionários jesuítas ao Brasil em 29 de março de 1549, não houve nenhuma preocupação com o estudo sistemático da língua tupi. Falantes brancos da língua havia-os muito na terra naquela época. Com efeito, esses eram os degredados ou os órfãos que Portugal para cá enviava. Sem embargo, somente os missionários é que passaram a escrever naquela língua a partir de então. A primeira leva deles era constituída pelos padres Manuel da Nóbrega, Azpilcueta Navarro, Leonardo Nunes, Antônio Rodrigues e por dois irmãos, Vicente Rodrigues e Diogo Jácome. Era o superior da missão no Brasil o Pe. Nóbrega, mas já em 1553 Inácio de Loyola criou a Província Jesuítica do Brasil, a primeira do continente americano.

Desde os primeiros anos da novel ordem religiosa era praxe a intensa atividade epistolar. Por meio das cartas sabemos como se houveram os primeiros jesuítas com as dificuldades de comunicação com os indígenas.

Em 1549 o Pe. Nóbrega escrevia ao Provincial de Portugal, dizendo que “trabalhamos de saber a língua deles e nisto o Pe. Navarro nos leva vantagem a todos” (apud Leite, 1954). O Padre

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Nóbrega atribuiria depois tal desenvoltura do Pe. Navarro em falar tupi a sua origem basca, crendo haver semelhanças entre a língua indígena e a dos bascos.

As pregações eram feitas, assim, no início, por meio de intérpretes. Mesmo as confissões passaram a sê-lo dessa maneira, o que ensejou o desacordo de D. Pero Fernandes Sardinha, vendo aí uma prática pouco ortodoxa.

Em 20 de julho de 1551 o irmão Pero Correia fez a primeira alusão à unidade da língua tupi, que nessa época era chamada “língua brasílica”, “língua dos brasis”, “língua da terra” etc. Dizia ele que o padre Leonardo Nunes vivia em São Vicente com “irmãos, a maioria bons línguas, sendo que padres que vierem do Reino poderão logo entrar terra adentro a pregar”. (apud Leite, 1954)

Com a chegada dos jesuítas começam as chamadas escolas de ler, escrever e contar. O primeiro a organizá-las foi o irmão Vicente Rodrigues. Tais escolas disseminaram-se por toda a colônia e nelas os meninos aprendiam o português. Poucos índios, entretanto, devem ter aprendido a escrever sua língua com os missionários. Um caso conhecido é o dos índios Camarões, das guerras contra a Holanda.

Assim, alfabetização na língua indígena não houve no período colonial brasileiro, mas ela era o instrumento mais usual de comunicação em largos trechos da costa.

Em 2 de agosto de 1551 o Padre Antônio Pires escrevia que o Padre Navarro começara a fazer confissões na língua dos índios (apud Leite, 1954). Foi ele o primeiro a fazer confissões sem intérprete. Por outro lado, as orações e os sermões são, desde logo, vertidos em tupi. Informa-nos Viñaza (1892, p.28) que na biblioteca particular do rei da Itália havia, na época em que ele publicou sua Bibliografia, uma Doctrina y Confessionario en lengua del Brasil, por el Pe. Leonardo Nuñes, S.J, manuscrito de 1574. Ademais, há notícias de um esboço da gramática tupi feita pelo Padre Navarro já na década de cinqüenta do século XVI.

Assim, até 1553 já se tinham traduzido para o tupi os rudimentos da doutrina cristã, as orações fundamentais, sermões e cantos. Tudo isto pertence à categoria catequética. Começam a ser organizados os vocabulários pessoais que somente serviam aos missionários. Apenas uma década mais tarde começa-se a pedir da Europa um vocabulário que fosse útil aos futuros missionários.

Em 1553, José de Anchieta chega ao Brasil, com a idade de dezenove anos. Humanista clássico de boa cepa, conhecedor de algumas línguas românicas e, talvez, da língua basca, mui fácil ser-lhe-ia aprender a língua indígena mais difundida pela costa do Brasil. Chegado que foi a São Vicente, na véspera do Natal de 1553, participou da primeira missa que se celebrou, um mês depois, no campo de Piratininga e que marcava a fundação de São Paulo. Já em 1555, esboçava uma gramática do tupi, tendo-se servido de notas do Pe. Navarro, que tomara quando de sua passagem pela Bahia, a caminho de São Vicente, no ano anterior.

As obras gramaticais constituíam-se um gênero de literatura (em seu sentido lato, é claro) feita por missionários e para missionários. Produzir gramáticas para falantes da língua que é gramaticalizada somente faz sentido se se tiver por objetivo a preservação e o ensino de um patrimônio literário escrito ou a afirmação de uma nacionalidade. Segundo João de Barros (op. cit., p.293), a gramática é “um modo certo e justo de falar e escrever, colheito do uso e autoridade dos barões doutos”. Ora, esse não era o objetivo dos missionários ao gramaticalizarem as línguas exóticas. Não lhes interessava preservar patrimônio literário escrito algum (e, no caso das línguas ameríndias, ele não existia), mas levar a mensagem evangélica aos povos de ultramar. Muito menos poderia ser o seu desiderato a afirmação de uma nacionalidade: essa deveria anular-se em face da empresa colonial e os povos de ultramar dever-se-iam converter em súditos dos reis europeus.

A catequese, com efeito, era o corolário do trabalho de dicionarização e gramaticalização. Assim, na tríade vocabulário, gramática e literatura catequética esgotavam-se as exigências de produção de textos que se punham diante das ordens religiosas e de seus devotados missionários.

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A gramática de Anchieta, já em 1556, foi levada à Bahia pelo Padre Nóbrega, provincial do Brasil, com o fito de, com ela, instruir os meninos e irmãos da casa.

Em 1565 o Padre Geral da Companhia manifestou ao Padre Leão Henriques, provincial de Portugal, o desejo de que se mandasse da Índia, do Brasil e do Japão vocabulários da língua mais comum para que os futuros missionários pudessem aprendê-las antes mesmo de chegarem às terras de missão. Assim, na Bahia, o Padre Leonardo do Valle organizou o Vocabulário na Língoa Brasílica, na época em que era lente dessa língua no Colégio da Bahia, entre 1572 e 1574. Tal vocabulário, que continha cerca de cinco mil verbetes, apareceu anônimo numa cópia existente na biblioteca particular de Felix Pacheco em São Paulo, o qual havia trazido da Europa. Com sua morte, tal texto foi parar no acervo da Prefeitura de São Paulo e foi publicado por Plínio Ayrosa, em 1938. Em 1952, seu sucessor na Universidade de São Paulo, Carlos Dumond, publicou uma outra cópia daquele cimélio, existente em Portugal.

Foi o Provincial Marçal Beliarte quem, em 1591, testemunhou ser de autoria do Pe. Leonardo do Valle o Vocabulário na Lingoa Brasílica, que ficou inédito por duas razões: a morte do Padre Leonardo e a mudança de provincial. O livro correu em cópias manuscritas sem o nome do autor, tendo sido dado por anônimo até surgir a carta de 1591 de Marçal Beliarte, que esclareceu a questão da autoria do primeiro vocabulário quinhentista da língua tupi, de importância nevrálgica para a feitura do nosso Dicionário do Tupi Antigo.

Afirma-se também que, em 1574 o Padre Leonardo do Valle compôs uma Doutrina na Língoa do Brasil, que se perdeu.

A tríade gramática, vocabulário e literatura catequética já se delineava no Brasil desde os primeiros anos da catequese. Mas seria somente no século XVII que um catecismo seria efetivamente impresso em língua tupi. Tal literatura catequética, na América Latina, incluía:

- O Catecismo Romano propriamente dito (contendo a doutrina cristã) vertido para as línguas

indígenas- Sermões e homilias- Cartilhas seguidas das orações, para o ensino das línguas indígenas para as crianças,

concomitantemente com o ensino da religião (p. ex., a Cartilla para los niños en lengua Tarasca, pelo Frei Maturino Gilberti, México, 1559)

- Confessionários- Santorais- Exercícios espirituais quotidianos- Salmodia cristã e cantos religiosos- Tradução das Epístolas e dos Evangelhos- Tradução de bulas papais para as línguas indígenas- Biografia de índios piedosos (P. ex., La Vida y Muerte de tres niños de Tlaxcalla, que

murieron por la confesion de la Fe, traduzida para o náuatle por Fray Iuan Baptista, México, 1601)- Manuais de párocos (Missais)- Biografias de santos- Obras sobre a vida de Jesus- Manual dos sacramentos

Nem sempre os missionário estiveram diante de línguas de tradição puramente oral. No século XVI os europeus defrontaram-se também com sociedades complexas que já conheciam a escrita e que já possuíam literatura escrita mais que milenar: foi o caso dos chineses, dos japoneses e dos indianos, que possuíam, inclusive, livros religiosos tão antigos ou mais antigos, ainda, que a Bíblia,

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como é o caso do Rg Veda e do Tao Te King. Nesse caso, as exigências do estudo lingüístico por parte dos missionários transcendia a mera produção de textos catequéticos. Bem ilustrativo dessa situação deparada pelos missionários na Ásia foi o trabalho do jesuíta Matteo Ricci, na China, que chegou a Macau em 1582. Ricci produziu literatura em chinês de natureza não catequética, com o fito explícito de chamar a atenção da China para sua cultura e, ao interessar os chineses em sua cultura, buscava levá-los a se interessarem pelo seu Deus.

Se, por um lado, na China da dinastia Ming os missionários católicos defrontavam-se com uma sociedade complexa, letrada e com uma língua dotada de alfabeto ideográfico com literatura milenar, outros eram os desafios para os missionários da América, que dotariam, demiurgicamente, as línguas americanas de uma escrita, elas que tinham somente uma tradição oral. Das dificuldades que aí topavam os que se arrostavam com tão árduo empreendimento dá-nos conta o passo do famoso “Sermão do Espírito Santo” do Padre Vieira (1959):

“Pois se a Santo Agostinho, sendo Santo Agostinho, se à águia dos entendimentos humanos se lhe fez tão dificultoso aprender a língua grega, que está tão vulgarizada entre os latinos e tão facilitada com mestres, com livros, com artes, com vocabulários e com todos os outros instrumentos de aprender, que serão as línguas bárbaras e barbaríssimas de umas gentes onde nunca houve quem soubesse ler nem escrever? Que será aprender o nheengaíba, o juruna, o tapajó, o tremembé, o mamaianá, que só os nomes parece que fazem horror?

As letras dos Chinas e dos Japões muita dificuldade têm porque são letras hieroglíficas, como a dos Egípcios; mas, enfim, é aprender línguas de gente política e estudar por letra e por papel. Mas haver de arrostar com uma língua bruta e de brutos, sem livro, sem mestre, sem guia e no meio daquela escuridade e dissonância haver de cavar os primeiros alicerces e descobrir os primeiros rudimentos dela; distinguir o nome, o verbo, o advérbio, a proposição, o número, o caso, o tempo, o modo e modos nunca vistos nem imaginados, como os de homens enfim tão diferentes dos outros nas línguas, como nos costumes; não há dúvida que é empresa muito árdua a qualquer entendimento e muito mais árdua à vontade que não estiver muito sacrificada e muito unida com Deus.” (vol. II, pp. 415-416)

Se, como vimos anteriormente, em certas regiões as necessidades de produção de textos não se resumiam à tríade “vocabulário-gramática-literatura catequética”, espraiando-se para o campo da Ética, das ciências e da Apologética, isso foi mais uma exceção que uma regra. Na América e na África foi exatamente aquela tríade que predominou, com raros desvios para campos conexos, como é o caso da poesia tupi de Anchieta e mesmo de seu teatro naquela língua.

Com efeito, no Archivum Romanum Societatis Iesu em Roma encontra-se o caderno de Anchieta, uma reunião de textos, alguns autógrafos, outros não, de poemas de sua autoria. Inclui poemas líricos e literatura dramática em quatro línguas: português, castelhano (a língua materna de Anchieta), latim e tupi. Tais textos permaneceram inéditos durante séculos e somente vieram ao prelo no ano de 1554, publicados por Maria de Lourdes de Paula Martins, por ocasião do quarto centenário de fundação da cidade de São Paulo. Tais textos são de suma importância para o conhecimento do tupi antigo, mormente as peças teatrais, como o “Auto de São Lourenço” e “Na Aldeia de Guaraparim”, este último totalmente escrito naquela língua indígena, pois se aproximam mais daquilo que seria a língua falada pelos tupis da costa na segunda metade do século XVI no Brasil.

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Da lavra dos missionários jesuítas o século XVI só assistiu à publicação de uma única obra, em prelos portugueses: A Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, do padre José de Anchieta, publicada em 1595. Tal obra vinha à luz quarenta anos depois de ter sido escrita e foi a única que Anchieta publicou em sua vida. Dessa primeira edição são conhecidos no mundo somente três exemplares: o da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, o da Biblioteca Vittorio Emmanuelle e o do Arquivo da Companhia de Jesus, ambos em Roma.

Simão de Vasconcelos (1672), embora não contemporâneo de Anchieta, dá-nos importantes informações acerca da gestação da Arte de Gramática e da obra de Anchieta em tupi. Diz-nos ele, nas páginas 25 e 26:

“No mesmo tempo era Mestre & era discípolo; E os mesmos lhe serviam de discipolos & Mestres; porque na mesma classe falando latim, alcançou da fala dos que o ouviam a mor parte da lingoa do Brasil, que brevemente aperfeiçoou, com tal excellencia, que pode reduzir aquelle idioma bárbaro, a modo & regras gramaticais, compondo arte dellas, tam perfeitas, que aprovada dos mais famosos lingoas, foi dada a impressam & tem servido de guia & mestra daquella faculdade aos que depois vieram: E della ha liçam particular em alguns Collegios da Provincia. Alem da arte fez tambem Vocabulario da mesma lingoa: Traduzio a doutrina Christam & misterios da fé, dispostos a modo de Dialogo em beneficio dos índios Cathecumenos & fez tratado & interrogatorios & avisos necessarios para os que ouvessem de confessar e confessarse & pera instruir principalmente no tepo da morte aos ja bautizados, deixando alivio com seus trabalhos aos vindouros, que se ouvessem de occupar no trato da salvaçam das almas.”

Em 1556, iniciava-se o curso de língua tupi no Colégio da Bahia, onde o Padre Luís da Grã seria o primeiro professor. O visitador Inácio de Azevedo determinou a obrigatoriedade de seu estudo para os membros da Província brasileira da Companhia de Jesus, pelo menos no que concerne à doutrina e às orações.

A Arte de Anchieta foi, assim, até as primeiras décadas do século XVII, quando foi publicada a segunda gramática da língua tupi, a Arte da Língua Brasílica, do Padre Luís Figueira, o único compêndio existente para o ensino de tupi, embora não lhe fossem reconhecidas grandes qualidades didáticas. Na Aprovação da Arte do Pe. Figueira (1621), o Pe. Manuel Cardoso dizia que ela é “confusa, como nós todos experimentamos”.

Do final do século XVI data um manuscrito intitulado Coisas Notáveis do Brasil, do jesuíta Francisco Soares, publicado somente em 1966. Ele nasceu em Portugal em 1560, ingressando na Companhia de Jesus em 1575. Tal texto foi escrito provavelmente para o superior geral daquela ordem religiosa ou para o provincial de Portugal. Compõe-se de uma sinopse da história brasileira, com informação sobre os índios tupis da costa, seus mitos e suas tradições, costumes e rituais guerreiros. Na segunda parte, ele faz uma descrição da terra brasileira, com seus climas, suas plantas e seus animais, apresentando inúmeros termos em tupi antigo.

Mas se, dos textos jesuítas em língua tupi somente a Arte de Anchieta foi publicada no século XVI, o mesmo não se diga das obras da lavra de viajantes leigos ou não jesuítas, alguns deles não portugueses. Certamente que sua importância para o conhecimento do tupi antigo não se iguala à que tiveram os jesuítas, mas suas obras apresentam, de permeio com textos em francês, em alemão ou em português, a língua falada pelos tupis da costa do Brasil.

3.2. A contribuição dos outros viajantes e cronistas quinhentistas

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1558 - A primeira obra quinhentista publicada sobre os índios tupis da costa e onde se apresentam informações sobre sua língua e sua cultura foi Les Singularitez de la France Antarctique, autrement nomée Amerique & de plusieurs terres & isles decouvertes de nostre temps, do frade André Thevet, cujo nome consorcia-se a um famoso empreendimento colonial ocorrido em terras brasileiras.

Com efeito, em 15 de novembro de 1555, chegava à Baía da Guanabara uma esquadra francesa, comandada pelo francês Nicolau de Villegaignon. Homem de boa cultura humanística, helenista e latinista, manteve correspondência com Calvino. Em sua expedição ao Brasil viriam, contudo, católicos e protestantes.

Ao desembarcar em 1555, Villegaignon iniciava um projeto chamado “França Antártica”, destinado a estabelecer uma colônia francesa em terras brasileiras. Seus homens permaneceram na Guanabara até 1567, quando foram definitivamente expulsos por Estácio se Sá, depois de acirrada luta em que se defrontaram milhares de índios.

André Thevet acompanhou a expedição de Villegagnon ao Brasil, onde permaneceu por poucas semanas. Já em 31 de janeiro de 1556 partia de volta para a França. Seu livro traz termos em tupi antigo e descrições das terras percorridas, embora cometa inexatidões por conta do curto lapso de tempo em que permaneceu em terras brasileiras. Muitos dos fatos que descreve soube-os por ouvir dizer e não por os ter visto.

1567 – A segunda obra quinhentista publicada sobre os índios tupis da costa e onde se apresentam informações sobre sua língua e sua cultura foi a Warhaftige Historia que o marujo alemão Hans Staden publicou em Marburgo em 1567. Tendo naufragado nas costas do litoral sul do Brasil, em 1549, logo reuniu-se aos portugueses em São Vicente, aliados dos índios tupiniquins, com os quais passou a viver e a trabalhar, ajudando-os na defesa contra os índios inimigos, no forte da ilha de Santo Amaro. Tendo sido aprisionado pelos índios tupinambás, viveu meses entre eles, correndo grande risco de vida, até ser resgatado por franceses do navio Cathérine de Vetteville, que o conduziu de volta à Europa.

O livro de Hans Staden logrou dezenas de edições em várias línguas. Além de obra imprescindível para a Etnologia, porta muitos termos e frases em tupi antigo.

1570 – Ainda na década de setenta do século XVI vem ao prelo em Portugal obra que apresenta interesse para o conhecimento do tupi antigo, que foi o Tratado da Terra do Brasil, de Pero de Magalhães Gândavo. Homem de grande saber humanístico, amigo pessoal de Camões, Gândavo traz em sua obra alguns termos do meio natural em Brasil na língua tupi da costa. Diz ele aí, no capítulo VII, que a língua tupi não tem F, nem L nem R, “coisa digna de espanto porque asi não têm Fé, nem Lei, nem Rei”.

1575 – Poucos anos após a derrocada da França Antártica é publicado na França o livro de André Thevet intitulado La Cosmographie Universelle, em dois alentados tomos. O termo cosmografia, no século XVI, equivaleria, hodiernamente, a geografia. Com efeito, nessa obra Thévet escreve acerca dos lugares que percorreu no Oriente, que ele pôde conhecer in loco durante os anos de 1549 e 1552 numa missão diplomática.

O capítulo destinado ao Brasil é rico de informações sobre a língua tupi e sobre a cultura dos índios tupinambás da Guanabara.

XXXV

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1576 – A segunda obra de Gândavo sobre o Brasil foi sua História da Província de Santa Cruz. Dá ali notícias da extensão do emprego do tupi pela costa brasileira e uma descrição geral do país, nomeando as árvores, as frutas, os peixes, vários animais terrestres e, finalmente, dando informações sobre os índios. Seu contributo para o conhecimento do tupi antigo é, porém, pequeno. Nenhuma frase nessa língua é apresentada em sua obra.

1578 – Nesse ano vem ao prelo a grande obra do calvinista francês Jean de Léry, intitulada Histoire d’um Voyage faict em la terre du Bresil. Ele chegou à Guanabara em 7 de março de 1557, tendo ali permanecido até 4 de janeiro de 1558. Voltando à Europa, passa a viver em Genebra. Sua obra foi publicada ali e recebeu uma segunda edição aperfeiçoada por ele mesmo em 1580. Dezenas de edições far-se-iam desse livro em diferentes línguas e até em latim. Até sua quinta edição francesa, em 1611, estava vivo o autor, só falecendo em 1613.

Sua Histoire é de grande importância para o conhecimento do tupi antigo. Dezessete anos antes da publicação da Arte de Anchieta, Léry fez a primeira descrição conhecida de aspectos da gramática daquela língua indígena. No capítulo XX da obra, intitulado Colloque de l’entrée ou arrivée en la terre du Brésil entre les gens du pays nommez Tououpinambaoults et Toupinenkins en langage sauvage et François, Léry apresenta um texto que reproduz um diálogo que manteve com um tupinambá na Baía da Guanabara. Seu início é assim:

- Ere-ioubé? - Es tu venu? (Vieste?)- Pa-aiout. - Ouy, je suis venu. (Sim, eu vim.)- Teh! Auge-ny-po. - Voila bien dit. (Ah, muito bem.) - Mara-pé-déreré? - Comment te nommes tu? (Como te chamas?)- Lery-oussou. - Une grosse huitre. (Uma grande ostra.)

Apresenta-se nesse capítulo uma lista de termos em tupi antigo, como a de um verdadeiro guia de viagens moderno. Finalmente, exibem-se aspectos da gramática tupi, iniciando pela conjugação de um verbo:

PremierementSingulier indicatif ou demonstratif:Aico, Je suis. Ereico, Tu es. Oico, il est.

Pluriel.Oroico. Nous sommes. Peico. Vous estes. Auraèo iço. Ils sont.

Era a primeira vez que uma obra publicada apresentava elementos da gramática tupi. Ao final de seu Colloque, Léry arrolou nomes de aldeias onde esteve e as quais freqüentou

durante sua estação entre os tupinambás.Mas não é somente o capítulo XX que traz informações importantes. Muitos outros capítulos

da obra exibem em profusão termos do tupi antigo à medida que seu autor analisa o meio físico do Brasil e seus primitivos habitantes, sendo a obra um monumento da etnografia americana.

1587 – Sem dúvida alguma foi da lavra de um português a melhor descrição da costa do Brasil no século XVI, mostrando seus aspectos físicos e humanos pormenorizadamente, nos diferentes tratos do litoral. Em seu Tratado Descritivo do Brasil em 1587, escrito durante o reinado de Filipe II da Espanha, Gabriel Soares de Sousa buscava conseguir do rei algumas benesses e

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concessões que lhe facultassem ir em demanda das pedras preciosas no interior do Brasil. O valioso escrito foi oferecido a D. Cristóvão de Moura, um influente e valido estadista da Corte no dia 1º de março de 1587.

Alcançadas do rei as concessões desejadas, entre as quais o título de “capitão-mor e governador da conquista e descobrimento do Rio de São Francisco”, Gabriel Soares partiu para o Brasil em 7 de abril de 1591 em demanda das cobiçadas minas, e nessa porfia haveria de encontrar sua morte, sem nada achar.

Sua obra é de importância palmar para o conhecimento da fauna e da flora do Brasil, às quais Soares dedica diversos capítulos, assaz minudentes em suas descrições. Centenas de nomes de plantas e animais em tupi antigo vão sendo gradativamente apresentados, enriquecendo sobremaneira o conhecimento da natureza do Brasil, num grau de detalhes que só é inferior ao ostentado pelos naturalistas europeus que acompanharam Maurício de Nassau ao Nordeste brasileiro no século seguinte.

Também a cultura dos índios da costa é descrita em profusão de detalhes, com as particularidades de cada grupo indígena que habitava o litoral leste brasileiro no final do século XVI.

3.3. A contribuição jesuítica para o conhecimento do tupi no século XVII

No século XVII a colonização brasileira atingiria a costa norte, no trato que ia do litoral norte-riograndense até a foz do Amazonas. Tal ampliação do eixo da colonização deveu-se sobretudo à invasão francesa do Maranhão, no ano de 1612, sob o comando de Daniel de la Touche, Sieur de la Ravardière.

Novos desafios abrem-se à ação missionária, desta feita no Meio-Norte do Brasil. Ademais, a expansão do trabalho catequético exigia textos publicados, não podendo mais recorrer ela a manuscritos, que poderiam conter muitos erros por terem sido mal copiados.

Entre os textos inéditos seiscentistas da autoria de jesuítas há que se fazer menção ao de Pero de Castilho, autor de Nomes das partes do corpo humano pella língua do Brasil, do ano de 1613.

1618 - Nesse ano veio ao prelo o Catecismo na Língua Brasílica, do jesuíta Antônio de Araújo, publicado em 1618. É o mais longo texto impresso em tupi antigo e importante fonte de informações sobre essa língua. No seu frontispício lê-se:

Catecismo na Lingoa Brasílica, no qual se contem a summa da doctrina christã.

Com tudo o que pertence aos myterios de noa anta Fè & bõs custumes.Composto a modo de Diálogos por Padres Doctos & bons lingoas da Companhia

de Iesu.Agora nouamente concertado, ordenado & acrecentado pello padre Antonio d’

Araújo Theologo, & lingoa da nema Companhia. Com as licenças necearias.Em Lisboa por Pedro Crasbeeck, ano 1618A cuta dos Padres do Brail.

O que se depreende da leitura do frontispício do Catecismo de Araújo é que ele foi uma elaboração coletiva, uma compilação de textos de diferentes autores. Na verdade, hoje se sabe que o autor da maior parte dos textos nele insertos são da lavra de Anchieta. É bastante elucidativa, a tal

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respeito, a licença de publicação da Arte de Anchieta, de 1595. Aí se declara que a gramática seria impressa juntamente com um catecismo tupi:

“Vi por mandado de Sua Alteza estes livros de Grammatica & Diálogos compostos pelo Padre Ioseph de Anchieta Provincial que foy da Companhia de Iesu no estado do Brasil...

(...) Por honde me parece que se devem imprimir estas suas obras. Em Lisboa, a vinte & cinco de Septembro de mil & quinhentos & noventa & quatro.

Augustinho Ribeyro.”

Assim, duas obras de Anchieta deveriam vir ao prelo em 1595. Somente uma, contudo, o foi, com efeito, isto é, a gramática tupi. Se o Catecismo de Anchieta não logrou igual destino, isso ocorreu, certamente, devido aos custos de impressão que não permitiam publicação concomitante. O Catecismo de Anchieta só seria impresso, assim, no corpo do Catecismo do Pe. Araújo, em 1618. Revela-se no seu frontispício que o foi “à custa dos padres do Brasil”.

Assim, a publicação de textos em línguas americanas, iniciada no século XVI, não se fez aleatoriamente. Ela incidiu, sim, sobre as línguas que tinham grande extensão geográfica. Com efeito, a realidade lingüística do continente era complexa: somente no Brasil, estima Rodrigues (1986, p.19) que, na época do seu Descobrimento, o número de línguas indígenas era o dobro do que é hoje (i.e., cerca de 350). Ademais, a impressão de uma gramática, dados os seus custos elevados numa época de imprensa ainda incipiente, só se justificaria se a língua descrita fosse falada por muitas pessoas, o que faria com que o esforço redundasse na conversão de muitas almas, fim colimado pela publicação dessa sorte de obra. É preciso que somemos a isso o fato de os recursos humanos serem limitados. O clero no século XVI era principalmente de origem européia. Somente no século XVII o clero de origem autóctone seria significativo numericamente.

Desse modo, muitos catecismos e gramáticas elaborados por missionários católicos nunca viriam ao prelo. Os custos de publicação corriam por conta das províncias religiosas. É sabido, destarte, que os catecismos escritos pelo Pe. Antonio Vieira jamais seriam publicados, haja vista destinarem-se a poucas centenas de falantes de determinadas línguas ameríndias:

“Compus no mesmo tempo, com excessiva diligência e trabalho, seis catecismos que continham, em suma, todos os mistérios da fé e a doutrina cristã em seis línguas diferentes: um na Língua Geral da Costa do Mar, outro na dos Nheengaíbas, outro na dos Bocas, outro na dos Jurunas e dois na dos Tapajós.”

(Vieira, I, 49-50, apud Leite,1938, tomo II, p.313).

1621 – Nesse ano publicou-se a segunda gramática do tupi pelo jesuíta Luís Figueira, A Arte da Língua Brasílica. Figueira arribou ao Brasil em 1602. Já pertencia à Companhia de Jesus havia dez anos, onde já fizera todos os estudos que lhe eram misteres, à exceção do curso de Teologia, que, ao que consta, completou no Brasil, onde professaria os votos solenes no ano de 1611.

A aprendizagem do tupi, que já deveria ter encetado ao chegar ao Nordeste brasileiro, em 1602, não se consumara ainda no ano de 1607, segundo o códice Bras. 5, 72 v. do Archivum Romanum Societatis Iesu, onde se lê que, naquele ano “Scit aliquid linguae brasilicae”. (“...sabe alguma coisa da língua brasílica.”) (apud Leite, 1940, p.22)

O grande sucesso a que se vinculou a vida de Luís Figueira foi a célebre viagem e missão à Serra de Ibiapaba, no Ceará, que mediou entre 1607 e 1608 e que tinha o fito declarado de buscar

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comunicação, por terra, de Pernambuco com o Maranhão. O Catálogo de 1607 chamou-a de Missio ad Fluvium Maranhão (apud Leite, 1940, p. 25).

Com efeito, no começo do século XVIII, a colonização portuguesa, que estivera adstrita à costa litorânea oriental, desde Cananéia até Natal (onde o Forte dos Reis Magos era o marco mais setentrional da conquista portuguesa), começou a demandar rincões mais remotos. Era compreensível tal iniciativa: banidos da baía da Guanabara, os franceses buscavam estabelecer uma colônia no Maranhão, empresa que foi capitaneada por Daniel de la Touche, como já vimos.

Expedições anteriores haviam tido efeito daninho sobre o ânimo das populações indígenas que viviam no sertão nordestino, no trato que medeia entre Pernambuco e a Serra de Ibiapaba. Os índios quedavam-se infensos ao trato com os portugueses, refratários à catequese. Muitos eram industriados pelos franceses, cuja presença na costa maranhense tinha o apoio indígena.

Em 1607, os jesuítas Luís Figueira e Francisco Pinto dispuseram-se a ir, com a aquiescência do governador do Brasil e do provincial da Companhia de Jesus, Fernão Cardim, em demanda do Maranhão, mas sem soldados nem quaisquer outros homens brancos, somente acompanhados por um séquito de 60 índios.

Chegados que foram à Serra de Ibiapaba, permaneceu Figueira com seus acompanhantes na aldeia de Jurupariaçu por quatro meses, onde ensaiou uma catequese improvisada. Advertido da hostilidade dos índios que assistiam no trato entre a Serra de Ibiapaba até o Maranhão, Figueira não se entibiou e quis avançar mesmo assim. Os tapuias Carariju (quiçá falantes de língua do tronco Macro-Jê) obstaram a que a expedição avançasse. Em 10 de janeiro de 1608, após malogro de embaixada enviada para cometer as pazes com aqueles aborígenes, a expedição encabeçada por Figueira foi acometida pelos Carariju, que trucidaram o Padre Francisco Pinto. Debilitados pelo ataque, Figueira e os índios sobreviventes retrocederam para o Ceará, donde aquele passou por mar para o Rio Grande do Norte e, daí, para Pernambuco.

Em Pernambuco, Figueira quedaria de 1608 a 1622, a executar diversos ofícios que lhe foram confiados e em serviço de pregação. Foi, com efeito, a partir de 1610, prefeito dos estudos no colégio dos jesuítas de Pernambuco; em 1612 foi nomeado reitor daquele colégio, permanecendo em tal múnus até 1616. Em 1619, achamo-lo superior da aldeia de Nossa Senhora da Escada, em Pernambuco. Em 1620, Figueira obtém a aprovação eclesiástica para a publicação de sua Arte da Língua Brasílica, que viria ao prelo, ao que se crê, em 1621, não constando dela a data de sua publicação. Em 1621, estava novamente no mesmo colégio, que deixara havia dois anos, na condição de mestre de noviços, superintendente de estudos e diretor espiritual.

Nesse ínterim, a iniciativa oficial já optara pela via militar para a conquista do Maranhão. Os franceses já estavam oficialmente estabelecidos e somente manu militari seriam desalojados. Assim, sob o comando de Alexandre de Moura, Jerônimo de Albuquerque Maranhão e Diogo de Campos Moreno, a expedição foi coroada de êxito e os franceses foram expulsos em 1615.

O Maranhão abria-se, então, ao trabalho missionário. Buscava-se fundar ali uma missão. Até então, o trabalho catequético junto aos índios fora pulverizado nas diferentes aldeias que se espalhavam pela costa brasileira. A fundação de uma missão conferiria poder temporal (além de espiritual) aos missionários, que teriam a administração das aldeias dos índios, além de relativa soberania nos seus territórios.

Com tal intuito, o de firmar as bases da missão que surgia no Maranhão, Luís Figueira foi para lá enviado em 1622. Recomeçava, assim, para o Pe. Figueira, seu trabalho de missionário nas terras maranhenses, ele que fora um precursor no processo de sua conquista. No Maranhão, Figueira permaneceria até 1636.

A Arte da Língua Brasílica do Pe. Figueira não traz o ano de sua impressão, porém a aprovação para sua publicação é de “Olinda & Dezembro de 1620”. Presume-se, assim, que aquela

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obra foi publicada em 1621. O exemplar que parece ser o único existente no mundo, acha-se na Biblioteca Nacional de Lisboa. Ayrosa (1954, p. 101) afirmou ter visto outro exemplar dessa edição:

“Pe. Serafim Leite supunha não existir outro exemplar desta 1ª ed. além do da Bibl. Nac. de Lisboa, mas nós tivemos em mãos, em princípios de 1952, belo exemplar adquirido pela livraria Kosmos, em Buenos Aires.”

1625 - Um dos grandes nomes da Companhia de Jesus nos primeiros cem anos de sua existência no Brasil foi o do jesuíta português Fernão Cardim. Pouco se sabe sobre sua vida. Chegou ao Brasil em 1583 e ocupou posições importantes na administração da sua ordem religiosa: foi reitor do Colégio da Bahia e do Rio de Janeiro e provincial da Companhia. Em 1598 viajou para a Europa com encargos de sua função. De volta, em 1601, o navio em que viajava foi atacado por piratas ingleses. Preso pelos piratas, Cardim foi conduzido à Inglaterra e só retornou ao Brasil em 1604. Durante esse episódio, roubaram-se do jesuíta textos que ele havia escrito sobre o Brasil. O primeiro deles intitulava-se Do clima e terra do Brasil, o segundo, Do princípio e origem dos índios do Brasil. Tais textos apareceram em 1625 numa coleção de literatura de viagens publicada por Samuel Purchas, em Londres, com o título His Pilgrimes. Tal coleção, de vários volumes, exibia em seu livro VII um texto intitulado A Treatise of Brazil, written by a Portugall which had long lived there.

A autoria dos textos foi atribuída de maneira equivocada a um irmão da ordem:

“I finde at the end of the Booke some medicinal receipts and the name subscribed Ir. Manoel Tristaon Emfirmeiro do Colégio da baya, whom I imagine to have beene Author of this Treatise. Cook reported that it had it of a Friar: but the name Iesu divers times on the top of the page and often mention of the Fathers and societie maketh me thinke him a brother of that order.”

“Eu encontrei no final do livro algumas receitas médicas e o nome subscrito do Ir. Manoel Tristão, enfermeiro do Colégio da Bahia, que eu imagino ter sido autor deste Tratado. Cook relatou que ele o teve de um frade, mas o nome Iesu diversas vezes no alto da página e a freqüente menção dos padres e da sociedade fazem-me pensar ser ele um irmão daquela ordem.” (ibidem, p. 1289)

Afortunadamente, havia manuscritos desse tratado de Cardim na Biblioteca de Évora, em Portugal, que foram descobertos em seu catálogo por Capistrano de Abreu, que, ao cotejá-los com o Treatise de Purchas, percebeu tratarem-se da mesma obra. Ele publicou os dois na década de oitenta do século XIX em periódicos do Rio de Janeiro.

Somente em 1925 é que os dois textos de Cardim seriam publicados conjuntamente pelo editor J. Leite com o título Tratados da Terra e Gente do Brasil. Tal edição incluiu um outro texto daquele autor, intitulado Informação da Missão do Padre Christóvão Gouvêa às partes do Brasil – ano de 83, que Varnhagen já havia editado em Lisboa em 1847. Em 1939 a coleção “Brasiliana” faria uma segunda edição dessa obra e, novamente, em 1978.

Em seus textos, Cardim apresentou grande número de palavras tupis relativas à flora, à fauna, à vida social, à cultura material dos índios tupis. Sobre a língua deles disse que “é fácil, e elegante e suave e copiosa, a dificuldade dela está em ter muitas composições.” (in Cardim, op. cit., p. 121)

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1663 - Nesse ano vem ao prelo a obra do jesuíta Simão de Vasconcelos, intitulada “Crônica da Companhia de Jesus no Estado do Brasil”. Nascido em Portugal em 1597, Simão de Vasconcelos veio ainda menino para o Brasil com sua família. Com a idade de dezenove anos, ainda aluno do Colégio da Bahia, ingressou na Companhia de Jesus. Ocupou importantes cargos na administração de sua ordem religiosa. Foi reitor dos colégios da Bahia e do Rio de Janeiro e um notável educador.

Sua Crônica trata do Brasil desde o Descobrimento até a morte do Pe. Manuel da Nóbrega, trazendo uma parte intitulada Notícias, Antecedentes Curiosas e Necessárias das Cousas do Brasil, de importante valor histórico. Tal obra nos traz muitos termos e até frases em tupi antigo, sendo um contributo inegável para o melhor conhecimento de seu léxico.

1686 – O Catecismo de Araújo recebeu uma segunda edição nesse ano, desta feita intitulando-se Catecismo Brasílico da Doutrina Cristã. Seu frontispício porta a informação de que “foi emendado nesta segunda impressão pelo P. Bertholameu de Leam, da mesma Companhia”. Além de excluir textos que figuram na edição de 1618, houve nessa edição a utilização de trema para assinalar tanto a ocorrência da consoante oclusiva glotal quanto de hiatos, o que representou um aperfeiçoamento ortográfico evidente. A publicação dessa segunda edição do Catecismo de Araújo foi levada a efeito pelo jesuíta João Felipe Bettendorff.

1687 - Nesse ano vem ao prelo a segunda edição da Arte de Luís Figueira. Intitulava-se Arte de grammatica da língua brasilica. Sua reimpressão, em Lisboa foi tarefa levada a efeito pelo padre Bettendorff.

É interessante ressaltar que, numa época em que o tupi antigo já se achava em pleno desenvolvimento para a língua geral, Bettendorff buscava publicar uma segunda edição da obra. É, com efeito, fato sabido que os jesuítas, ao contrário dos franciscanos, não se interessaram em publicar obras na língua geral. Edelweiss (1969, p. 110) confirma-o:

“Como facilmente se conclui das publicações encaminhadas pelo Pe. Bettendorff durante a sua permanência em Lisboa, de 1684 a 1688, os jesuítas continuavam a cultivar o legítimo tupi, ainda que, como catequistas, eles próprios fossem co-responsáveis no seu progressivo aviltamento através dos aldeamentos conjuntos de índios de diversas famílias lingüísticas.”

Na página 142, Edelweiss remata:

“Todos os trabalhos em dialeto brasiliano até hoje publicados são da lavra de franciscanos, enquanto, como vimos salientando, os jesuítas se esforçavam por manter castiço e cultivar, qual novo latim, o primitivo tupi, como se vê claramente nas edições de 1686/87.”

A “Aprovaçam” que figura na segunda edição de 1687 revela em que esta diferia da edição de 1621:

“Por ordem de P. Alexandre de Gusmão Provincial desta provincia do Brasil, vi esta emenda dos erros que a impressão causou na Arte da Lingua Brasilica do Padre Luis Figueira de nossa Companhia: & achei estar no verdadeiro estilo da lingua Brasilica, & com mais clareza tudo o emendado, por

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onde fica a dita Arte mui digna de se imprimir de novo, com as advertências de novo acrescentadas ...”

Assim, conforme se depreende do passo supracitado, a edição de 1687 da Arte de Figueira era uma edição escoimada dos erros de impressão que inquinavam a de 1621. Contudo, não somente vinha emendada dos senões tipográficos, mas também havia recebido alguns acréscimos. É o que se constata da leitura da “Licença” do P. Provincial, Alexandre de Gusmão, datada de 1685, que acompanha a edição de 1687:

“Eu o P. Alexandre de Gusmão da Companhia de Jesus, provincial da Provincia do Brasil, por comissão, que para isso tenho, de nosso Muito R. P. Geral Carollo de Noielle, dou licença, para que se torne a imprimir a Arte da Grammatica Brasilica do P. Luis Figueira, com as emendas e additamentos, que de novo leva, revirão, & aprovâraõ Religiosos doutos, & versados na lingua do Brasil.”

E quais, com efeito, teriam sido os “additamentos” feitos à Arte de 1621 a que alude o texto de Gusmão? O cotejo das duas edições revela-nos que a de 1687 acrescenta à de 1621 quase que tão somente a representação gráfica da consoante oclusiva glotal []. O índice de oclusão glotal passou a ser, assim, o trema sobre a vogal que precede a oclusão. Alguns exemplos:

“Ajucáäéreme” (p. 13);“Xemäenduár” (p. 36);“mingäu” (p. 79);“Aporöauçub” (p. 88);“Aixüu” (p. 89).

A publicação da Arte da Lingua Brasilica, provavelmente em 1621, atendeu a exigências de aperfeiçoamento do ensino do tupi antigo num momento em que, com a colonização doutras partes do Brasil, tornava-se mais promissora a obra de catequese dos índios, que já escasseavam no litoral oriental do país no final do século XVI.

1687 - Já no final do século XVII eram evidentes os sinais de transformação do tupi antigo na língua geral. Exemplo disso é o Compêndio da Doutrina Cristã na Língua Portuguesa e Brasílica, do jesuíta João Felipe Bettendorff. Ele teve um destacado papel na missionação do Maranhão na segunda metade do século XVII. Seu Compêndio é um texto doutrinário diferente dos catecismos de Anchieta (só publicado na década de noventa do século XX) e de Araújo, em suas duas edições de 1618 e 1686, sendo de grande importância para se estudar a história interna do tupi antigo.

3.4. A contribuição dos outros viajantes e cronistas seiscentistas

Entre os textos seiscentistas não jesuíticos que nos trazem informações sobre o tupi somente um ficou inédito no período colonial brasileiro. Trata-se de um manuscrito de número 1660 do Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal, de 1631, de autoria de Frei Cristóvão de Lisboa, intitulado História dos animaes e árvores do Maranhão, trabalho de grande valia para nosso escopo, pois traz inúmeros termos em tupi antigo, alguns de forma exclusiva. As outras fontes de

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que nos valemos foram todas publicadas no século XVII e apresentamo-las abaixo na ordem cronológica de sua impressão:

1614 - Em 1612, acompanhando os homens de Daniel de la Touche, comandante do empreendimento conhecido como França Equinocial, vêm os frades capuchinhos franceses Claude D’Abbeville e Yves D’Évreux. Logo após sua chegada, os franceses fundam São Luís, em homenagem ao rei Luís XIII, mas já em 1615 são expulsos do Maranhão. Voltando em 1613 à França, frei D’Abbeville publica sua obra “Histoire de la Mission des Pères Capucins em l’Isle de Maragnan”, o grande registro do malogrado empreendimento colonial francês em terras do norte do Brasil.

Sua obra relata os fatos que sucederam naqueles poucos anos de invasão do Maranhão, fazendo, outrossim, descrição da natureza da região e dos índios que habitavam aquelas partes do Brasil no início do século XVII. Apresenta, assim, centenas de nomes tupis de animais e plantas, dos artefatos dos tupinambás, de suas práticas culturais, de seus alimentos etc. Mas, sem dúvida, a mais rica contribuição da obra para o conhecimento do tupi antigo são os textos que exibe naquela língua, comprovando que o tupi jesuítico não existia, que a língua em que os jesuítas escreveram era a mesma que os tupinambás do Maranhão falavam, eles que nunca haviam tido contato, até então, com jesuítas e cujo contato com franciscanos fora efêmero.

Relata-nos D’Abbeville em sua Histoire que, em 1613, índios brasileiros foram levados para a França, onde se apresentam diante de Luís XIII, Catarina de Medicis e de toda a corte francesa. O índio tupinambá Itapuku, vestido em trajes de gala, em pleno palácio do Louvre, diante de centenas de pessoas, fez o seguinte discurso, registrado pelo capucinho:

“Yby îar, nde angaturam-eté erima’e, apyaba, morubixaba, kyre’ymbaba mondóbo xe retama pupé. Pa’i, oré sepîak’ îanondé, oré mo’e-potar Tupã nhe’enga ri, oré pysyrõmo apyá-memûã suí.

Oré oroîkó pe rerekoaretéramo. Kûesenhe’yme oroîkó Îurupari ra’yramo, oroîo’u raka’e.

Xe putupab ne reburusu resé, ne repîaka, apyaba opakatu ne remimbo’e sekóreme. (...) Aîemoorybusu nde robaké ûitu, ne repîaka potá, Tupã ra’yra kuapa pe îabé nhe. Kûesenhe’yme Îurupari ra’yra oroîkó. Nde angaturameté erima’e apyaba mondóbo xe retama pupé, Pa’i Tupã ra’yreté, oré sepîakyîanondé. Aûîekatu, erima’e i xóû oré retama pupé; n’osóî tenhe ebapó.

I îekuapabamo, oré rubixaba oré mbourukar pe retama pupé. Nde resé i îeruréû nde remimbûaîa ri t’oroîkó. Oroîeruré bé nde resé t’oîeme’eng apyabangaturama oré retama pora ri, pa’i-îemo’esaba Tupã resé i‘ekatuba’e, oré mo’esara a’e t’oîkó, kyre’ymbaba abé oré pysyrõ irã t’oîkó. Opakatu xe yby pora7 nde remimbûaîamo sekóû. Apyaba karaíba é atûasaba kori oîkó.”

“Senhor da terra, tu foste muito bondoso, enviando homens, chefes e guerreiros,para minha terra. Os padres, antes de os vermos, quiseram ensinar-nos na palavra de Deus, para nos livrar dos homens maus.Nós somos vossos legítimos guardiões. Antigamente estávamos como filhos do diabo,comíamos uns aos outros.Eu estou admirado por tua grandeza, vendo-te, por todos os homens serem teus súditos. Alegro-me muito, vindo diante de ti, querendo ver-te, para o filho de Deus conhecer como vós. Antigamente éramos filhos do diabo. Tu foste muito

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bondoso outrora mandando homens para minha terra, filhos verdadeiros do Senhor Deus, antes de nós os vermos. Muito bem, eles foram outrora para nossa terra; não foram em vão para lá. Como reconhecimento disso, nosso chefe nos mandou fazer vir para vossa terra. Pede a ti que estejamos entre teus súditos. Pedimos também a ti que se dêem homens bons para habitantes de nossa terra, padres doutos, que saibam acerca de Deus, para que sejam eles nossos mestres, e guerreiros, para que sejam nossa libertação. Todos os habitantes de minha terra são teus súditos. Os índios e os cristãos hoje são companheiros.”

(in Histoire, 341v-342)

Com efeito, todos os lexemas do texto anterior estão registrados no Vocabulário da Língua Brasílica, dos jesuítas portugueses, assim como seus morfemas gramaticais. Seus conteúdos semânticos são os mesmos, os períodos têm a mesma sintaxe, em suma, a língua é a mesma. É certo que Itapuku já era um índio cristianizado e, ao empregar ele o termo Tupã, realizou, aí, um deslocamento semântico, de influência missionária. Mas nada mais existe no texto que não seja autêntico, original, a legítima língua falada pelos índios tupis da costa, na variante dialetal dos tupinambás do Maranhão. Evidenciar isso foi o maior mérito dos cronistas e viajantes franceses.

1615 – No mesmo ano do final da França Equinocial, o frade capuchinho Yves d’Evreux publica a Suitte de l’histoire des choses plus memorables advenues em Maragnan es annéss 1613 et 1614. À semelhança da Histoire de Jean de Léry, na qual certamente se baseou, traz um capítulo em que apresenta um diálogo e a língua falada pelos tupinambás do Maranhão, com listas de vocabulário, semelhantemente ao que fizera Léry em 1578. Essa obra teve má fortuna, por razões políticas, a saber, o casamento do rei francês Luís XIII com Ana d’ Áustria, filha do rei da Espanha, a quem pertencia o Brasil naquela época de união dinástica, que só findaria em 1640. Assim, só se conhece um único exemplar da obra na Biblioteca Nacional da França, em Paris.

Por trazer fatos da língua oral dos tupinambás do Norte, a obra reveste-se de grande importância para a lingüística americana, permitindo comparações com o tupi falado no sul. Com efeito, certas construções e certos termos apresentados por D’Evreux não encontram paridade em textos de outros autores, o que evidencia a existência de uma variante dialetal, que ele conseguiu, de alguma forma, documentar.

1618 - Ao Nordeste brasileiro haviam afluído desde o início da colonização muitos cristãos-

novos, principalmente após a instalação da Inquisição em Portugal, em 1536. Muitos deles continuavam a manter práticas judaizantes em sua vida privada. Um desses foi o senhor de engenho Ambrósio Fernandes Brandão, que publicou em 1618 seus “Diálogos das Grandezas do Brasil”, em que dois personagens, Alviano e Brandônio discorrem sobre fatos da natureza física e humana do Brasil. Muitos termos do tupi antigo são ali apresentados. Durante o período holandês em Pernambuco, abriu-se no Recife a primeira sinagoga das Américas, a Kahal Zur Israel e o Judaísmo pôde expressar-se livremente. Consta de registros históricos que Ambrósio Fernandes Brandão participou dos círculos judaicos do Recife, sendo que seus Diálogos expressam sua condição judaica em vários passos.

1625 – Também na coleção de literatura de viagens publicada em 1625 por Samuel Purchas, em Londres, com o título His Pilgrimes, já anteriormente mencionada, aparecem dois textos de piratas ingleses que estiveram no Brasil e fizeram registros de suas viagens, um de Antonie Knivet, intitulado “The admirable adventures and strange fortunes of Master Antonie Knivet which went

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with Master Thomas Candish in his second Voyage in the South Sea. 1591” e outro de Peter Carder, intitulado “The relation of Peter Carder of Saint Verian in Cornwall, within seven miles of Falmouth, which went with Sir Francis in his Voyage about the world begun 1577”. Ambos trazem termos em tupi antigo e até mesmo frases nessa língua, sendo material rico em informações históricas e etnográficas.

1645 - Buscando estabelecer uma colônia no Brasil, os holandeses invadiram Pernambuco em 1630. Poucos anos depois, já em 1640, chegaram a dominar vasto trecho do litoral nordestino, especificamente Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Bahia, Sergipe e Maranhão. Em 1645, porém, inicia-se a Insurreição Pernambucana, que visava a expulsá-los do Brasil. Esse movimento era comandado por André Vidal de Negreiros, Henrique Dias e Felipe Camarão, este último um índio potiguara, falante do tupi. Felipe Camarão comandou os índios cristianizados do Nordeste que lutaram contra o domínio holandês no Brasil, dentre os quais seu primo Diogo Camarão. Contudo, alguns índios, insatisfeitos com os portugueses, passaram para o lado dos holandeses, aí se incluindo Pedro Poti, outro primo de Felipe Camarão, e o cacique Antônio Paraopeba.

Durante a guerra, tais potiguaras trocaram correspondência entre si, que passaram para os arquivos da Companhia das Índias Ocidentais e, dali, para a Real Biblioteca de Haia, na Holanda. Reproduzimos abaixo uma carta de Diogo Camarão, índio potiguara, de 1645, onde pede a seu primo Pedro Poti que passe para o lado dos portugueses, pois, segundo ele, os holandeses eram hereges. Avisa-o também que ele os retiraria da região que então ocupavam. É um dos poucos textos conhecidos que foram escritos por um índio no período colonial brasileiro, de inestimável valor para o conhecimento do tupi antigo falado no nordeste brasileiro naquela época:

Ao sñor capitão Pedro Poti Îandé Îara Pa’i Tupã tekobé-katu t’ome’eng endébe. Ikó xe papera endé sepîak-y îanondé, xe rorykatu ã opabenhe pe marane’yma resé gûiporandupa, xe abé ã na xe marani nhe gûitekóbo. Peeme ma’e monhangagûama resé, ma’e pe remimotara, ma’e monhangagûama resé, aîmondó ã xe soldados ebapó nde rapé ypype pe sema resé, “pekûaî ãgûa amõ sema repîaka” gûi’îabo. Aîmondó capitão Diogo Costa, “peîpysyk abá amo koîpó kunhã amõ ta peîmongetá. Pe renosema ikó oroîur” peîé i xupé. “Peîmongetá ranhe. I mongetá roîré, ta peîmondó ãgûa mongakuapa” gûi’îabo. Pa’i Tupã Îandé Îara reminguabamo, ikó xe nhe’enga aîmondó endébe, Sr. Pedro Poti. Marãnamo xe ã nde anama reté-katu? Eîor esema Anhanga ratá nungara suí. Eîkuab cristãoramo nde rekó. Marã ereîmokanhemotaretekatupe cristãoramo nde rekó? Marã ereîmokanhemotaretépe Pa’i Tupã ra’yramo nde rekó? Marã ereikopotaretépe? Tekó kuabe’ymamo, erenhemokanhemotaretekatu endé anhe eîkóbo. Mobype cristão-kanhema eresepîá? Karaíba na okanhemba’e ruã. Marãnamo cristãoramo sekóreme, nd’i katuî, Pa’i Tupã i mokanhema? Ikó bé oroîkó pe renosema motá, sr. Capitão-mor Antônio Felipe Camarão nhe’enga rupi, opabenhe karaíba rubixaba nhe’enga rupi bé. Xe putubabeté ã gûitekóbo pe resé, oré suí pe nhegûasema repîaka. Na pe anama ruãtepe oré? Ma’e resépe oré amotare’ym peîepé? Oré n’oromonhangi ma’eaíba amõ peemo. Nei, pee na peîmonhangi ma’eaíba amõ orébe. Emokûeî bé capitão-mor papera sóû endébe. Emokûeî bé Antônio Paraopeba supé amõ capitão-mor papera sóû. Pa’i Tupã temõ oîké pe py’a-pe-mo, cristão gûé! A’emo peseme oré rorybetémo, pe se-me-mo, meme pe repîakamo. Emokûeî bé mokoî kunhã aîmondó peeme moranduba rerasóbo, t’omombe’u ké xe rekó endébe. Aîpó nhõ moranduba sóû.

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Peîkobé-katu peîkóbo. Pa’i Tupã t’oikó pe irunamo. Hoje 21 de outubro, 1645 anos. Nde rybyra, nde raûsupara, Sargento-mor Dom Diogo Pinheiro Camarão.

Ao senhor capitão Pedro Poty Nosso Senhor Deus dê a ti uma vida boa. Antes de veres esta carta, eis que eu estou muito feliz, perguntando pela saúde de todos vós, eu também não estando mal.

Para vos fazer coisas, as coisas que vós desejais, para vos fazer coisas, enviei meus soldados aí, perto dos teus caminhos, para vossa saída, dizendo: “- Ide para ver sair alguns deles”. Mandei o capitão Diogo da Costa, dizendo “-prendei alguns homens ou algumas mulheres para que converseis”. Dizei a eles: “-Eis que viemos para vos retirar”. Conversai com eles primeiro; depois de conversar com eles, que os envieis para dar notícias àqueles.”

Como coisa sabida do senhor Deus, Nosso Senhor, estas minhas palavras envio a ti, senhor Pedro Poti. Por que é que eu sou a parte boa dessa tua família? Vem para sair do que é parecido ao fogo do diabo. Saibas que és cristão! Por que queres fazer perder verdadeiramente tua vida como cristão? Por que queres verdadeiramente fazer perder teu estado de filho do Senhor Deus? Que queres fazer na verdade? Sem saber os fatos, tu, na verdade, estás querendo muitíssimo perder-te a ti mesmo. Quantos cristãos perdidos viste? O cristão é o que não se perde. Por que, sendo cristãos, não são bons, fazendo-os perder o Senhor Deus?

Eis que aqui estamos, querendo vossa retirada, conforme as palavras do senhor capitão-mor Antônio Felipe Camarão, e também conforme as palavras do chefe de todos os brancos. Eis que eu estou muito admirado convosco, vendo-vos fugir de nós. Não somos nós vossa família? Por que vós nos odiais? Nós não fizemos nada mau para vós. Eia, vós não fizestes nada mau para nós.

Para aí também vai a ti a carta do Capitão-mor. Para aí também vai outra carta do Capitão-mor para Antonio Paraopeba. Oxalá o Senhor Deus entrasse em vossos corações, ó cristãos. E ficaríamos muito felizes se saísseis, para vos ver sempre. Para aí também enviei duas mulheres a vós para levar notícias e para que contem a ti como aqui estou. Vão estas notícias somente. Que estejais vivendo bem. O Senhor Deus esteja convosco. Hoje, 21 de outubro de 1645 anos. Teu primo e teu amigo Sargento-mor Dom Diogo Pinheiro Camarão.

1648 - Com o Conde Maurício de Nassau, o governador dos territórios ocupados pela Holanda no Brasil, viriam artistas e intelectuais, entre os quais naturalistas, que pela primeira vez descreveram cientificamente a fauna e a flora do Brasil. Em 1648 veio ao prelo, em Amsterdam, a Historia Naturalis Brasiliae, do alemão Jorge Marcgrave, que compunha a comitiva de Nassau. Tal obra apresenta centenas de ilustrações de espécies animais e vegetais do nordeste brasileiro, além de descrições científicas pormenorizadas delas, que foram utilizadas pelo sueco Linnaeus, o criador da Taxonomia, em suas classificações. Por causa de Marcgrave, muitos táxons têm origem na língua tupi: com relação às aves, a família dos anhingídeos, com relação aos mamíferos, a família dos cavídeos, dos tapirídeos, dos tayassuídeos, com relação aos peixes, a família dos caracídeos etc. Ele pode ser considerado o primeiro estudioso da história natural da América.

A obra foi publicada quatro anos após o passamento de Marcgrave, ocorrido em 1644, por seu amigo João de Laet.

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A Historia de Marcgrave traz em seu livro VIII preciosas informações sobre a natureza e os índios do Brasil, incluindo aí também um pequeno vocabulário de nomes e verbos da língua tupi e até mesmo algumas frases nessa língua.

1648 – Inserida na Historia de Marcgrave vinha a De Medicina Brasiliensis Libri Quatuor, do médico Guilherme Piso. Ela compreendia quatro livros: I – Ar, águas e localidades; II - Moléstias endêmicas; III – Venenos e seus antídotos; IV – Do uso dos símplices. Consta de 132 páginas in folio e está ilustrada com 104 gravuras, sendo noventa e duas delas sobre plantas. A obra de Piso traz importantes informações sobre as propriedades medicinais das plantas brasileiras e sobre os ingredientes que figuram na composição dos medicamentos dela derivados. Os nomes tupis da flora brasileira são aí amplamente apresentados.

1660 – Na Universidade Jaguelônica, em Cracóvia, Polônia, acham-se os originais de uma obra intitulada Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae, que só seriam publicados em 1992. Consta de pinturas a óleo e desenhos, a maioria de autoria do pintor Albert Eckhout, feitas durante o governo de Maurício de Nassau. Acompanham tais pinturas e desenhos suas respectivas legendas, a grande parte delas sendo nomes tupis, principalmente de plantas e de animais. Todo esse material foi organizado por Christian Mentzel, médico do Eleitor de Brandemburgo, Frederico-Guilherme, a quem Maurício de Nassau deu de presente tal acervo em 1652.

1682 – Nesse ano é publicada em prelos holandeses a Gedenkenweerdige Brasilianense Zeen Lant-Reize (Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil) por Johan Nieuhof, que participou da guerra que daria fim ao domínio batavo no Brasil. Seu livro é rico em referências aos fatos naturais e humanos do país, contendo muitos termos do tupi falado na costa nordestina em meados do século XVII, embora muitos deles retirados da obra de Marcgrave.

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