ECCOM 14 – Revista de Educação, Cultura e Comunicação
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
ISSN 2177-5087
Lorena, SP – Brasil volume 7, número 14, jul./dez. 2016
EDUCAÇÃO, CULTURA E COMUNICAÇÃO
FACULDADES INTEGRADAS TERESA D’ÁVILA
LORENA - SP
1
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
2
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
ISSN 2177 – 5087
ECCOM – Revista de Educação, Cultura e Comunicação
Lorena, SP, volume 7, número 14, jul./dez. 2016
© Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – FATEA
Pós Graduação em Docência no Ensino Superior: Educomunicação
Cursos de Comunicação Social Jornalismo/Publicidade e Propaganda/Rádio, TV e Internet
Curso de Letras
ECCOM – Revista de Educação, Cultura e Comunicação / Faculdades
Integradas Teresa D´Ávila - vol. 7, n. 14 (2016). – Lorena, SP: Cursos de
Comunicação Social, 2016 –
Semestral
ISSN: 2177-5087
1. Educação - periódicos. 2. Cultura - periódicos. 3. Comunicação - periódicos. I.
Brasil, Faculdades Integradas Teresa D´Ávila.
CDU.001.5(05)
CDU 001.5 (05)
3
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Equipe Editorial
Editor Científico
Neide Aparecida Arruda de Oliveira, Fatea, Brasil
Editor Gerente
Neide Aparecida Arruda de Oliveira, Fatea, Brasil
Revisores
Neide Aparecida Arruda de Oliveira, Fatea, Brasil (Línguas portuguesa e inglesa)
Jefferson José Ribeiro de Moura, FATEA, Brasil (Normatização)
Conselho Editorial
Prof. Dr. Adilson da Silva Mello, UNIFEI, Brasil
Prof. Dr. André Luiz Moraes Ramos, UniFOA, Brasil
Prof. Dr. Carlos Manuel Nogueira, Universidade de Lisboa, Portugal
Profª Drª Débora Burini, UFSCar, Brasil
Profª Drª Lucia Rangel Azevedo, FATEA, Brasil
Profª Drª Olga de Sá, PUC-SP, FATEA, Brasil
Prof. Dr. Rosinei Batista Ribeiro, UniFOA, FATEA, Brasil
Prof. Dr. Walter Moreira, UNIMAR, Brasil
Prof. Dr. Wellington de Oliveira, PUC-SP, FAINC, FATEA, Brasil
Prof. Me. Jefferson José Ribeiro de Moura, FATEA, UNITAU, Brasil
Profª Me. Neide Aparecida Arruda de Oliveira, FATEA, Brasil
Publicação On Line
http://publicacoes.fatea.br/
http://www.issuu.com
http://www.doaj.org
© Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – FATEA
Especialização em Docência no Ensino Superior: Educomunicação
Cursos de Comunicação Social Jornalismo/Publicidade e Propaganda/Rádio, TV e Internet
Curso de Letras
4
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
SUMÁRIO
EDITORIAL
6
O CENTRO PROFISSIONAL DOM BOSCO (CPDB):
DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE PARA O ENSINO TÉCNICO DE NÍVEL
MÉDIO
Rodrigo Tarcha Amaral de Souza
9
A METÁFORA NA ECONOMIA – UM ESTUDO COM REPORTAGENS
JORNALÍSTICAS
Marlene Silva Sardinha Gurpilhares, Alba Luciene Thiago
19
COMUNICAÇÃO, ECONOMIA POLÍTICA E SOCIEDADE MUNDIAL DE
CONTROLE: COMPLEXIDADE E PODER NA CONTEMPORANEIDADE
José Antonio Martinuzzo, Wagner Piassaroli Mantovaneli
31
EDUCAÇÃO PARA O TURISMO: O PROGRAMA “MAIS CULTURA NAS
ESCOLAS” EM UMA ESCOLA DE PARNAÍBA/PIAUÍ
Aline Ribeiro de Sousa, Dilene Magalhães Borges, André Riani Costa Perinotto
49
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR E A LINGUÍSTICA
Fernanda Valéria Pereira Moliterno, Neide Aparecida Arruda de Oliveira
75
UM ESTUDO GRAMATICAL DO POEMA “O MUNDO, O NOVO MUNDO” DE
PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS
João Francisco Pereira Nunes Junqueira
83
CARTOGRAFIA DE CONTROVÉRSIAS COMO PROCEDIMENTO
METODOLÓGICO: MAPEANDO PROCESSOS CULTURAIS EM UMA
ASSOCIAÇÃO DE ARTESÃOS DE MARIA DA FÉ/MG
Adilson da Silva Mello, Guilherme Garrido, Camila Lorrichio Veiga
93
O (IM)POSSÍVEL DA EDUCAÇÃO COMO PROCESSO E A CONSTITUIÇÃO
DO SUJEITO NO CAMPO DA CULTURA: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE
O ENSINAR E O EDUCAR
Polyana Ribeiro de Assis Corrêa, Rogério Rodrigues
111
EDUCAÇÃO ONLINE E MUDANÇAS NAS PRÁTICAS COMUNICACIONAIS
DE DISCENTES NO SERTÃO DO PIAUÍ NA MODALIDADE EAD
Juscelino Francisco do Nascimento, Lívia Fernanda Nery da Silva
125
INTERAÇÕES TEMPORAIS NA ERA DA CONVERGÊNCIA: PERSPECTIVAS
DAS GERAÇÕES Y E Z NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS
Moisés Cardoso, Álvaro Nunes Laranjeira, Alexandre Artur Kumm
139
JORNALISMO E CULTURA: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO E EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA
Carlos Fernando Martins Franco, Verônica Dantas Meneses
155
5
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
A EVASÃO ESCOLAR NA MICRORREGIÃO DE GUARATINGUETÁ: UMA
ANÁLISE A PARTIR DE INDICADORES EDUCACIONAIS
José Edson da Silva, Ludmila Correa Gesualdi Chaves Gomes, Márcia Maria Dias
Reis Pacheco, André Luiz Silva
169
O NOVO VOLUNTARIADO E A COMUNICAÇÃO DE ONGS NO CONTEXTO
DA AMÉRICA LATINA
Ricardo Carvalho de Almeida, Gino Giacomini-Filho
191
TEMPO LINEAR E TEMPO MÁGICO NAS PROPAGANDAS EDUCACIONAIS
Marcelo Siqueira Maia Vinagre Mocarzel, Cláudia da Silva Pereira
205
USOS E APROPRIAÇÕES DE MULTIMÍDIAS NA EDUCAÇÃO PARA A
BIODIVERSIDADE EM ESCOLAS DE BELÉM/PA
Mayara Santos Maciel, Vanja Joice Bispo Santos, Lúcia das Graças Santana da
Silva
217
A LITERATURA ORAL NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Carlos Nogueira
231
O ENSINO DE LITERATURA COM BASE EM UMA ATIVIDADE SOCIAL: O
RESGATE DA VOZ DISCENTE A PARTIR DA CRIAÇÃO COLETIVA DE UM
BLOG
Rodolfo Meissner Rolando
237
WEB RÁDIO: MODELOS DE GESTÃO E EMPREENDEDORISMO
Marcus Augusto Santos Silva, Sandro Ramos Obeica Cardoso
251
O SERVIÇO DE CONTACT CENTER COMO UM DIFERENCIAL
COMPETITIVO DE RELACIONAMENTO EM UMA INSTITUIÇÃO RELIGIOSA
Adriana Bernadete Barros Carvalho Garcia, Ana Carolina de Brito Bombachi,
Daniela da Silva França, Érica Bizaio
267
NORMAS PARA ENVIO DE ORIGINAIS
279
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Editorial
A revista ECCOM – Educação, Cultura e Comunicação circula desde 2010, com
periodicidade semestral em versão eletrônica. A revista divulga estudos inéditos, de caráter
teórico ou aplicado. Em 2014, publicada em 2015, foi classificada pela CAPES no estrato B1
do Qualis, na área de Ciências Sociais Aplicadas.
É com imenso prazer que se coloca mais uma vez um novo volume para apreciação, reflexão
e discussão da comunidade pesquisadora. A ECCOM está se consolidando ao longo destes
seis anos de publicação. Autores de todo o Brasil e até do exterior têm submetido artigos à
apreciação pelo sistema SEER.
No volume 7, número 14, segundo semestre de 2016 encontram-se dezenove artigos.
O primeiro deles é “O Centro Profissional Dom Bosco (CPDB): do ensino profissionalizante
para o ensino técnico de Nível Médio”, de Rodrigo Tarcha Amaral de Souza.
Em seguida, as pesquisadoras Marlene Silva Sardinha Gurpilhares, Alba Luciene Thiago
propõe um estudo sobre “A metáfora na economia- um estudo com reportagens jornalísticas”.
O terceiro artigo intitulado “Comunicação, economia, política e sociedade mundial de
controle: complexidade e poder na contemporaneidade”, é dos pesquisadores José Antonio
Martinuzzo e Wagner Piassaroli Mantovaneli.
“Educação para o turismo: o Programa ‘Mais Cultura nas Escolas’ em uma escola da
Parnaíba/Piauí”, é mais um estudo das autoras Aline Ribeiro de Sousa, Dilene Magalhães
Borges e André Riani Costa Perinotto sobre as áreas de Turismo e Educação.
Segue-se “A formação do professor alfabetizador e a linguística” de Fernanda Valéria Pereira
Moliterno, Neide Aparecida Arruda de Oliveira abordando a importância da Linguística na
alfabetização.
Já o sexto artigo “Um estudo gramatical do poema ‘O mundo, o novo mundo’ de Péricles
Eugênio da Silva Ramos” tem como autor o doutorando João Francisco Pereira Nunes
Junqueira.
O estudo “Cartografia de Controvérsias como procedimento metodológico: mapeando
processos culturais em uma Associação de Artesãos de Maria da Fé/ MG”, vem dos
pesquisadores da Universidade Federal de Itajubá, Adilson da Silva Mello, Guilherme Garrido
e Camila Lorrichio Veiga sempre contribuindo com a sociedade.
O oitavo artigo “O (Im)Possível da educação como processo e a constituição do sujeito no
campo da cultura: alguns apontamentos sobre o ensinar e o educar”, de Polyana Ribeiro de
Assis Corrêa e Rogério Rodrigues promove uma reflexão sobre a área educacional.
Abordando a educação a distância encontra-se o nono artigo “Educação on-line e mudanças
nas práticas comunicacionais de discentes no sertão do Piauí na modalidade EAD”, cujos
autores são Juscelino Francisco do Nascimento, Lívia Fernanda Nery da Silva.
O décimo estudo trata de outro tema atual, “Interações temporais na era da convergência:
perspectivas das Gerações Y e Z nas redes sociais digitais”, de Moisés Cardoso, Álvaro
Nunes Laranjeira e Alexandre Artur Kumm.
Em seguida, Carlos Fernando Martins Franco e Verônica Dantas Meneses abordam um estudo
sobre “Jornalismo e cultura: uma experiência de ensino e Extensão Universitária”.
“A evasão escolar na microrregião de Guaratinguetá: uma análise a partir de indicadores
educacionais”, dos pesquisadores José Edson da Silva, Ludmila Correa Gesualdi Chaves
7
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Gomes, Márcia Maria Dias Reis Pacheco e André Luiz Silva tratam de um tema regional no
Vale do Paraíba, interior de São Paulo.
O décimo terceiro estudo, traz “O novo voluntariado e a comunicação de ONGS no contexto
da América Latina”, de autoria de Ricardo Carvalho de Almeida e Gino Giacomini-Filho.
O “Tempo linear e tempo mágico nas propagandas educacionais” dos pesquisadores Marcelo
Siqueira Maia Vinagre Mocarzel e Cláudia da Silva Pereira, analisa as propagandas
relacionadas à área educacional.
“Usos e apropriações de multimídias na educação para a Biodiversidade em escolas de Belém/
PA”, das autoras Mayara Santos Maciel, Vanja Joice Bispo Santos e Lúcia das Graças
Santana da Silva relata mais experiências na área educacional.
Contribuindo com esta edição, encontra-se também “A literatura oral no ensino da Língua
Portuguesa”, do professor e pesquisador português Carlos Nogueira.
Ainda sobre o Literatura há o artigo “O Ensino de literatura com base em uma atividade
social: o resgate da voz discente a partir da criação coletiva de um blog”, do doutorando
Rodolfo Meissner Rolando da PUC-SP.
O penúltimo estudo apresentado é “Web rádio: modelos de gestão e empreendedorismo” de
Marcus Augusto Santos Silva e Sandro Ramos Obeica Cardoso
Para finalizar esta edição, apresenta-se “O serviço de Contact Center como um diferencial
competitivo de relacionamento em uma instituição religiosa” de Adriana Bernadete Barros
Carvalho Garcia, Ana Carolina de Brito Bombachi, Daniela da Silva França e Érica Bizaio.
Agradecemos a todos os pesquisadores e colocamo-nos à disposição para receber novas
pesquisas.
Boa leitura a todos!
Neide Aparecida Arruda de Oliveira
Editora Gerente
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O centro profissional Dom Bosco (CPDB): do Ensino
Profissionalizante para o Ensino Técnico de Nível Médio
Rodrigo Tarcha Amaral de Souza Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Metodista de Piracicaba –
UNIMEP. Mestre pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, unidade de Americana, SP.
Professor do Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, unidade São José/Campinas, SP. E-
mail: [email protected]
Resumo
Este artigo é fruto de uma dissertação de mestrado em educação desenvolvida em 2013 que
investigou a incidência dos princípios salesianos na prática dos educadores docentes no
Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) Campinas – SP. O objetivo deste trabalho é
apresentar o processo de passagem do ensino profissionalizante para o ensino técnico de
nível médio, permitindo inquirir sobre a Educação Salesiana em seus aspectos pedagógicos e
profissionais.
Palavras-chave
João Bosco; Educação Salesiana; Ensino Profissionalizante; Ensino Técnico.
Abstract
This article is the result of a master's thesis in education developed in 2013 that investigated
the incidence of Salesian principles in practice of teacher’s educators in the Professional
Center Don Bosco (CPDB) Campinas - SP. The objective of this paper is to present the
process of transition from vocational education to mid-level technical education, allowing
inquire about the Salesian Education in teaching and professional aspects.
Keywords
João Bosco; Salesian Education; Vocational Education; Technical Education.
Introdução
Este artigo investiga como são entendidos e desenvolvidos os princípios
educacionais salesianos elaborados por João Bosco e que servem de referencial para os
gestores e educadores docentes do Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) da Escola
Salesiana São José de Campinas, SP.
O escopo deste artigo é o de apresentar elementos da passagem pedagógica e jurídica
funcional do ensino profissionalizante para o ensino técnico de nível médio no Centro
Profissional Dom Bosco – Campinas – SP, apoiando-se em bibliografia atualizada, entrevistas
semiestruturadas com colaboradores e professores, e observação participante no CPDB. Além
de uma análise dos currículos dos cursos do CPDB, procurando verificar, se são coerentes
com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e com o Projeto Educativo Salesiano.
10
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O tempo das fundações
A gênese da educação salesiana está ancorada na história do trabalho profissional de
João Bosco com os jovens do século XIX no norte da Itália, então em processo de
industrialização. O ponto central de sua práxis educativa é a abordagem integral do jovem nas
suas potencialidades e dimensões humanas e, os salesianos, ao se expandirem pelo mundo, o
fizeram nessa óptica.
Estabelecidos e consolidados como Congregação na Itália, os salesianos partem para
expedições missionárias. A expansão salesiana na Europa e continente sul-americano
aconteceu com Bosco ainda vivo. O êxito do trabalho salesiano na educação de jovens
tornara-se cada vez mais visível e bem sucedido, crescendo os pedidos de autoridades civis e
eclesiásticas a Bosco para que enviasse salesianos para trabalharem com os jovens. Em alguns
casos, tratava-se de assumir pedagógica e administrativamente estabelecimentos educacionais.
Consolida-se a presença salesiana no Brasil com a implantação dos colégios Santa
Rosa no Rio de Janeiro, o Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo e o São Joaquim em Lorena
(CUNHA, 2000). Na cidade de Campinas, os salesianos chegaram em 1897, fundando
sucessivamente três obras educativas: Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, Escola Agrícola,
hoje Escola Salesiana São José e Externato São João, atual Obra Social São João Bosco.
Na Escola Agrícola eram realizadas as oficinas de Arte e Ofício dirigidas aos jovens
pobres da cidade. Passadas algumas décadas, diante da expansão da cidade e o perigo de
invasões dos campos da escola, os salesianos elaboraram um projeto de venda dos terrenos.
O espaço pegava da rua Carolina Florença, a rua Barão de Itapura e dava
volta atrás do Liceu, descia para o bairro Taquaral e subia aqui, outra vez.
Depois começou a lotear. A inspetoria começou, mas como não é do ramo,
passou para a prefeitura. Loteamento não era nosso ramo e estava indo para
trás. A prefeitura assumiu1, loteou, trouxe os serviços de luz, esgoto, toda a
infraestrutura de praças e jardins. A inspetoria não estava preparada para
isso. Então, a prefeitura assumiu no mandato político do prefeito Joaquim de
Castro Tibiriçá. [Pergunto em que ano foi isso. E ele:] 1945 e 1946. Por isso
puseram o nome de jardim Nossa Senhora Auxiliadora, pelos salesianos.
Este loteamento aqui em baixo, muitos compraram. (TESTONI,
29/08/2012).
Com a renda da venda das terras da antiga Escola Agrícola, orçada em 5 milhões de
cruzeiros, somada à doação da prefeitura municipal de Campinas de quinhentos títulos da
dívida pública, chegou-se ao montante de 12 milhões de cruzeiros, o suficiente para a
construção de um novo edifício para ensino agrícola profissional, hoje, a Escola Salesiana São
1 “Um ofício do então Prefeito de Campinas, Dr. Joaquim de Castro Tibiriça, passava às mãos do Diretor do
Liceu N. S. Auxiliadora o processo protocolado de nº 5879, de 7 de junho de 1945, sobre a construção de um
parque municipal, solicitando a manifestação positiva sobre esse plano e cessão da área para o parque. Em
resposta adenda ao referido Ofício, à mão, dizia-se que os Salesianos não se opunham, contanto que houvesse
indenização justa, em benefício da Escola Agrícola, uma vez que se tratava de patrimônio beneficente dessa
Escola. Em carta ao padre José Joaquim Santana, o Provincial salesiano, padre Orlando Chaves, manifestava a
opinião de não ceder a título gratuito os terrenos da Escola Agrícola, porque não pertencia aos Salesianos, e sim
a essa instituição, que os Salesianos deviam ‘defender e desenvolver em benefício dos pobres’, mas autorizava a
cessão dos terrenos se as compensações fossem as melhores possíveis, exigindo indenização da cocheira uma
vez que a construção de outra seria bastante elevada. O cumprimento da cláusula imposta pela Resolução
1.141/1946 começava assim a realizar-se com a construção da Escola São José” (SANTOS; CASTILHO, 2003,
p. 49-50).
11
ECCOM, v. 7, n. 14, jul. /dez. 2016
José, inaugurada em 1953. (VIEIRA, 2002). Sua origem remonta à “Associação Agrícola de
Educação e Assistência com o objetivo de ministrar cursos profissionais na modalidade de
internato” (MIRANDA, 2002, p. 139).
No ano de inauguração da Escola eram 214 internos nas oficinas de mecânica,
carpintaria, sapataria, alfaiataria, tipografia e nas suas plantações. Do total de alunos internos,
68 procediam do serviço social de menores da Capital Paulista, sendo que muitos destes
jovens traziam uma carga de maus costumes difíceis de erradicar, causando dificuldades à
manutenção de uma disciplina tranquila (CASTRO, 2002).
A Educação Profissional no Centro Profissional Dom Bosco (CPDB)
Sendo hoje o braço social da Escola Salesiana São José, o Centro Profissional Dom
Bosco - CPDB esteve sujeito às leis do Estado, desde seu início com a antiga Associação de
Educação e Assistência Beneficente e depois, como Escola Agrícola. A lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) de 1961 foi um marco na história da Educação no Brasil, trazendo
avanços, principalmente quantitativos. Universalizou-se o ensino fundamental e foram
atraídos mais alunos para as escolas em todos os níveis e modalidades, ainda que a qualidade
do ensino não tenha sido preservada com a expansão quantitativa de alunos, caracterizando
um divórcio entre o ideal pedagógico e a instituição escolar (BUFFA, 1979).
Novas leis surgiram nas décadas seguintes, como a LDB 5.692 de 1971 que
estabelece o ensino profissionalizante obrigatório para todos os alunos do 2º grau (atual
ensino médio), mas que fracassou na pretensão de capacitar profissionais necessários para
atender à demanda de trabalho (PACHECO, 2012). Em 1996, a LDB 9.394 permite que o
curso profissional técnico de nível médio possa ser realizado concomitantemente com o
ensino médio.
Com aprovação do Congresso Nacional, em 1996, a LDB, no que corresponde à
educação profissional, segundo Pacheco (idem, p. 19):
[…] se encontra estruturada em dois níveis – educação básica e educação
superior -, por não localizar a educação profissional em nenhum deles, o
texto explicita e assume uma concepção dual em que a educação profissional
é posta fora da estrutura da educação regular brasileira, considerada algo que
vem em paralelo ou como um apêndice2.
Niskier (1996, p. 92 – 93) traz, em forma de estudo comparativo, a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional no que diz respeito à educação profissional:
Tabela 1 – Educação Profissional
ANTIGA LEGISLAÇÃO A NOVA LEI Nº 9394/96
CAPÍTULO IV
Dos Serviços Nacionais de
CAPÍTULO III
Da Educação Profissional
2 A Lei 11.741/08, ao alterar a LDB, localiza a educação profissional técnica de nível médio no Capítulo I – Da
Educação Básica, explicitando que essa oferta educacional é integrante desse nível de ensino (PACHECO,
2012).
12
ECCOM, v. 7, n. 14, jul. /dez. 2016
Aprendizagem
Art. 159. (Dec.-Lei 4.936, art. 2º
O Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI) deverá organizar e
administrar escolas de aprendizagem não
somente para trabalhadores industriários,
mas também para trabalhadores dos
transportes, das comunicações e da pesca.
Art. 39. A educação profissional,
integrada às diferentes formas de
educação, ao trabalho, à ciência e à
tecnologia, conduz ao permanente
desenvolvimento de aptidões para a vida
produtiva.
Parágrafo único. Todas as
escolas de aprendizagem ministrarão
ensino de continuação e de
aperfeiçoamento e especialização.
Parágrafo único. O aluno
matriculado ou egresso do ensino
fundamental, médio e superior, jovem ou
adulto, contará com a possibilidade de
acesso à educação profissional.
Art. 160. (Dec.-Lei 4.048/42,
art. 3º e Dec.-Lei 4.936/42, art. 1º) O
Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial será organizado e dirigido pela
Confederação Nacional da Indústria.
Art. 40. A educação profissional
será desenvolvida em articulação com o
ensino regular ou por diferentes
estratégias de educação continuada, em
instituições especializadas ou no
ambiente de trabalho.
Art. 161. (Dec.-Lei 8.621/46,
art. 1º) Fica atribuído à Confederação
Nacional do Comércio o encargo de
organizar e administrar, no território
nacional, escolas de aprendizagem
comercial.
Art. 41. O conhecimento
adquirido na educação profissional,
inclusive no trabalho, poderá ser objeto
de avaliação, ao reconhecimento e
certificação para prosseguimento ou
conclusão de estudos.
Parágrafo único. As escolas de
aprendizagem comercial manterão
também cursos de continuação ou
práticos e de especialização para os
empregados adultos do comércio, não
sujeitos à aprendizagem.
Parágrafo único. Os diplomas
de cursos de educação profissional de
nível médio, quando registrados, terão
validade nacional.
Art. 162. (Dec.-Lei 8.621/46,
art. 2º) A Confederação Nacional do
Comércio, para o fim de que trata o
artigo anterior, criará e organizará o
Serviço Nacional de aprendizagem
Comercial (SENAC).
Art. 42. As pessoas técnicas e
profissionais, além dos seus cursos
regulares, oferecerão cursos especiais,
abertos à comunidade, condicionada a
matrícula à capacidade de
aproveitamento e não necessariamente ao
nível de escolaridade.
Para além das divergências entre especialistas sobre os aspectos de melhorias e/ou
13
ECCOM, v. 7, n. 14, jul. /dez. 2016
retrocessos das leis sancionadas em vários períodos, percebe-se o enquadramento do Centro
Profissional Dom Bosco a essas leis, enquanto marco regulatório que tem guiado a condução
do ensino e trabalho técnico, metodológico e pedagógico do CPDB.
Castro (2002, p. 12) a respeito do Centro Profissional Dom Bosco afirma:
Todas as diretrizes pedagógicas são de responsabilidade do coordenador
pedagógico dos cursos, que faz um acompanhamento dos programas que está
sendo desenvolvido. Este acompanhamento acontece através de reuniões
pedagógicas mensais, observações diárias, acompanhamento do
planejamento de cada professor, entrevistas individuais com os professores,
com pessoal administrativo, orientação educacional e serviço social.
O Centro Profissional Dom Bosco elaborou seu quadro curricular dos cursos
profissionais, considerando a prática de oficina, desenho técnico, tecnologia aplicada, cálculo
técnico, associados a conteúdos salesianos como o ensino religioso escolar e a educação
física. Esta estrutura era dimensionada e aplicada aos alunos dos cursos de mecânica
industrial, eletricidade, marcenaria e desenho de máquinas, tendo como referência os
procedimentos metodológicos desenvolvidos pelo SENAI. Foram ofertados no formato de
ensino profissionalizante até o ano de 2009, quando, por motivos de legislação, passaram a ser
de nível técnico.
O programa do curso de mecânica industrial consistia em formar o aluno para
desenvolver atividades nas áreas industriais de usinagem convencional e assistida por
computador. Foi um dos cursos mais procurados, chegando a ter cinco candidatos disputando
uma vaga (MENÃO, 2003).
No curso de eletricidade, o aluno era formado para desenvolver atividades nas áreas
industriais de manutenção e instalações elétricas, como também comandos elétricos e
automação industrial (CASTRO, 2002). No curso de marcenaria, o aluno era formado para
desenvolver atividades nas áreas industriais de fabricação e montagem de móveis. Já no curso
de costura industrial, o aluno era formado para desenvolver atividades nas áreas industriais de
confecção de vestimentas. No curso de máquinas, o aluno desenvolvia atividades nas áreas
industriais de projeto e desenho de componentes de máquinas, assistido por computador.
No âmbito pedagógico, de acordo com os conteúdos programáticos dos cursos
profissionalizantes, os docentes, até então com a nomenclatura de instrutores3, tinham uma
carga horária de disciplinas que favorecia um maior tempo de contato com os alunos de cada
curso. Com competência e profissionalismo ministravam as aulas práticas e teóricas referentes
a sua área de curso. Neste sentido, do ponto de vista pedagógico, havia o benefício de exercer
influência moral nos alunos.
Ainda que o CPDB esteja integrado numa escola de ensino regular, sua estrutura
interna e operacionalização dos cursos profissionais e proposta pedagógica se enquadrava até
20084, na educação não formal.
Referendado por Trilla (apud Fernandes; Park, 2007, p. 132):
[…] A educação não formal é definida como aquela que não tem uma
legislação nacional que regula e que incide sobre ela; portanto seu foco é na
3 Os docentes do CPDB, no formato de ensino profissionalizante, eram registrados como instrutores. No formato
de ensino técnico de nível médio, por força de lei, foram, em 2008, registrados como professores. Ambas as
categorias na Escola Salesiana São José passaram a ter a mesma faixa salarial. 4 Ano que o CPDB teve seus programas curriculares legislados pelo MEC. Anterior a essa data, a coordenação
pedagógica realizava os programas curriculares com certa aproximação da estrutura do SENAI.
14
ECCOM, v. 7, n. 14, jul. /dez. 2016
parte legislativa que, ao ser adotada de forma generalizada, conforma as
possibilidades do fazer educativo e pedagógico.
Na modalidade de educação não formal, compreendemos que, segundo Gohn (2008,
p. 128):
[...] esta ocorre em ambientes e situações interativas construídas
coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos – usualmente a
participação dos indivíduos é optativa, mas ela também poderá ocorrer por
forças de certas circunstâncias da vivência histórica de cada um.
Se ampliarmos a discussão sobre a educação não formal, perceberemos que esta
modalidade, em sua ampla compreensão, tem proporcionado certa integração entre
casa/família e escola/educador/educando. Considerem-se, para isso, projetos extracurriculares
no período de férias ou mesmo projetos sociais que integrem a família, educadores e
educandos, favorecendo uma maior interação social e cultural de âmbito comunitário
(SOUZA, 2012).
Observamos que: “O espaço educativo ocupado pela práxis comunitária não é o da
educação formal, mas preponderantemente o da denominada não formal [...]” (MARTINS,
2007, p. 23). Modalidade não formal que, segundo nos orienta Lima; Dias (2008, p. 05), “[...]
propicia a reflexão sobre as desigualdades sociais e possíveis encaminhamentos para sua
superação [...]”.
A descrição da modalidade não formal, compreendida também como formação
complementar e cultura geral, tem potencial para aplicação no campo laboral. Desta forma,
salientamos que a parte educativa profissional, com suas devidas competências e habilidades,
está em total correlação com valores e princípios humanos e salesianos, podendo assim, no
CPDB, ser desenvolvida a educação profissional com os procedimentos educativos salesianos
que são permeados pelas dimensões sociocultural e comunitária, visando não somente a
preparação dos jovens para o mundo do trabalho, mas também sua formação integral
(VILLANUEVA, 2012).
Conforme Fernandes (2007, p. 125):
Uma educação integral visa desenvolver todas as facetas humanas,
facilitando e descobrindo habilidades. Uma educação em tempo integral visa
promover novas e ousadas formas de se ensinar, aprender e construir o
conhecimento, em diferentes espaços e temporalidades, valendo-se da
contribuição de variados sujeitos com seus repertórios geracionais, sociais,
históricos e culturais, ou seja, do intercâmbio entre contextos sociais e
culturais e da mistura da idade, gênero, etnia etc.
Neste sentido, o CPDB, setor genuíno do trabalho e educação salesiana, faz jus ao
termo sociocomunitário, uma vez que a perspectiva comunitária de cunho social tem suas
raízes na sua história e forma de intervenção educativa de Bosco. Conforme Gomes (2008, p.
52 – 53):
[...] a proposta da investigação em educação sociocomunitária surgiu do
estudo da identidade histórica de uma prática educativa, a educação
salesiana. Em suas origens históricas, ela se fundava na articulação de uma
comunidade civil de religiosos e cidadãos comuns – em torno de um projeto
educacional, que participou e promoveu transformações sociais em seu
tempo e lugar histórico.
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A educação sociocomunitária salesiana é o pano de fundo do programa educativo do
CPDB que procura favorecer e garantir a centralidade da pessoa em relação à economia, haja
vista que é um setor de preparação para a inserção ao mundo do trabalho. Procura também
salvaguardar a dimensão da gratuidade contra o poder incontestável do lucro, e “[…] a
promoção de modelos mais justos de desenvolvimento, impedindo o alargamento da
disparidade das desigualdades presentes no sistema” (VILLANUEVA, 2012, p. 10). Que outra
educação se pode fazer para o trabalho que não deva ser uma educação para a esperança e
para o sonho? “Que outra forma existe de o ser humano se realizar que não através do
trabalho, na amplitude das suas formulações possíveis?” (AZEVEDO, 2012, p. 86).
Com uma estrutura de curso de dois anos, o CPDB pretende apresentar uma prática
pedagógica que busque harmonizar e integrar valores humanos e salesianos com a dimensão
do trabalho e da profissionalização. Um elemento da prática pedagógica salesiana é o
denominado ‘bom dia’ ou ‘boa tarde’. É uma mensagem de cunho humanístico e motivacional
dirigida aos alunos no início de cada período de aula com duração média de cinco minutos.
Esta mensagem é transmitida pelos docentes5, por meio de escala organizada pela
coordenação pedagógica.
Eu observei nesses dois anos, dando aulas no CPDB, uma coisa muito linda.
Eu nunca tinha participado antes porque sempre trabalhei no UNISAL e lá
não há a dinâmica de bom dia, boa tarde e boa noite. Aliás, acho que bons
dias, boas tardes e boas noites são imprescindíveis e obrigatórios em todos
os lugares. Já fiz e faço bom dia e boa tarde no CPDB quando sou
convidada. Antes na escola tinha o dia certo. Então, há oportunidade para
todos. Acho isso fantástico. (MARLI, E 10/10/2012).
[Pergunto o que poderia ser potencializado e fortalecido no CPDB. E ele:]
olha, a vivência dentro da escola, já faz toda uma diferença. O que a gente
não pode perder é o princípio, deixar as coisas caírem no esquecimento,
embora sempre trabalhemos com as palestras que envolvam a questão da
salesianidade, com os vídeos, com os bons dias e boas tardes. São muito
importantes, pois, sempre se passa uma mensagem. Não necessariamente
você precisa colocar o nome de João Bosco no meio das coisas. O sistema
preventivo é independente de João Bosco. Acho que quando você trabalha
com o jovem, mostra para ele o caminho certo, como as coisas devem ser.
Quando ele está ali, prestando atenção no que você faz, já estamos aplicando
o que João Bosco fez. Você não precisa levar o nome dele, embora sempre o
façamos de alguma forma (JORGE, E 19/10/2012).
A estratégia e a dinâmica de ‘bom dia’ e ‘boa tarde’ foram mantidas na ocasião da
adaptação da estrutura do CPDB às leis Nº 12.101/2009 da transferência da responsabilidade
da concessão e renovação dos certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social para
os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Saúde e da Educação.
Adequação de estrutura também feita ao Parecer CNE/CEB Nº 11/2008 da homologação da
Proposta de Instituição do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio.
Pacheco (2012, p. 29) referenda:
Ao alterar a LDB, a Lei 11.741/08 localiza a educação profissional técnica
de nível médio como seção IV – A do Capítulo II Da Educação Básica. Essa
disposição no texto legal procura ressaltar a concepção de que esses cursos
5 Os depoentes membros do corpo docente tiveram suas identidades preservadas e serão identificados por nomes
fictícios.
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são da Educação Básica e encontram-se, portanto, no âmbito das políticas
educacionais.
Ainda que comparações entre o antigo ensino profissionalizante e o novo ensino
técnico de nível médio fossem inevitáveis, para além da esfera pedagógica e da gestão, Castro
(E 06/12/2012) ressalta que, no CPDB, o procedimento educativo extracurricular,
denominado ‘bom dia e boa tarde’, não sofreu alteração:
Há essa preocupação de realizarmos o bom dia e o boa tarde e não se perder
a característica de passar sempre os princípios salesianos de Dom Bosco.
Trazer os jovens aqui para que sintam que é uma escola de preventividade.
Penso que o bom dia e a boa tarde não os perdemos. É uma característica
bem forte no CPDB e não deixamos de realizá-lo.
Embora esta estratégia didática, ‘bom dia e boa tarde’, aconteça, efetivamente, no
CPDB, percebia-se, por meio de observação participante que, tanto no ano de 2012 como no
primeiro semestre de 2013, havia certa desconformidade entre o ideal dos princípios e
referenciais salesianos e a prática do bom dia e boa tarde. Consiste em que o docente,
entendido como educador, devia, por meio de escala elaborada pela coordenação pedagógica,
transmitir a mensagem humanista cristã de cunho motivacional ao aluno. Por motivos
diversos, esta estratégia pedagógica apresentava inconstâncias.
Em suma, o CPDB, ao longo de sua história de trabalho social e educacional como
ensino profissionalizante, hoje ensino técnico de nível médio, tem fortalecido a malha
industrial da cidade de Campinas e região, atendendo às demandas industriais e tecnológicas.
O CPDB, como obra salesiana, preocupa-se com a formação humana, profissional e
religiosa de seus destinatários. Elementos fundamentais para que os objetivos institucionais
salesianos sejam alcançados, que seu corpo docente e colaboradores técnico administrativo
estejam afinados e comprometidos com a Educação Salesiana. O CPDB é herdeiro da tradição
educacional e pedagógica que legou o educador Bosco, especialmente, voltada à educação dos
jovens de baixo poder aquisitivo.
A estrutura salesiana, em obras, recursos humanos e financeiros pauta-se na
convicção e fidelidade criativa, por parte de seus seguidores, aos princípios educacionais
salesianos, originários de Bosco. Seu entendimento, aplicação e vivência são requisitos
basilares a todos os educadores salesianos para a eficácia da educação salesiana.
Considerações finais
O propósito deste trabalho foi apresentar o Centro Profissional Dom Bosco num
processo de passagem do ensino profissionalizante para o ensino técnico de nível médio,
verificando, se a educação profissional técnica de nível médio preservou os procedimentos
educativos salesianos, mediante a adequação das leis vigentes em cada tempo.
Constatamos que no processo de mudança do ensino profissionalizante para o ensino
técnico de nível médio foram preservados espaços e estratégias pedagógicas que favorecem o
desenvolvimento dos princípios e referenciais salesianos no CPDB. Não obstante, havendo
pouco tempo de existência nessa nova configuração de cursos e currículos, faz-se necessária
uma análise mais completa do CPDB como estrutura de educação profissional de nível médio.
O Centro Profissional Dom Bosco tem sua história documentada e marcada na vida de
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muitos colaboradores, docentes, alunos e ex-alunos. Confiantes na máxima salesiana ‘Com
Dom Bosco e com os tempos’, o CPDB, hoje, como ensino técnico de nível médio, uma vez
consolidado, terá sua história narrada pelas vivências que nele surgirem. Uma outra história
está por vir.
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A metáfora na economia – um estudo com reportagens
jornalísticas
Marlene Silva Sardinha Gurpilhares Doutora em Linguística Aplicada, pela PUC/SP, professora de Linguística e de Língua Portuguesa na FATEA,
professora do Mestrado em Design, Tecnologia e Inovação, da FATEA.
Alba Luciene Thiago Licenciada em Letras, com habilitação em Inglês, pela FATEA.
Resumo
Este trabalho tem como objetivo examinar a força argumentativa da metáfora conceptual na
construção do sentido do gênero discursivo “reportagem jornalística”, sobre economia. A
opção por esse gênero deve-se ao fato de o mesmo ser um importante veículo de
comunicação, que transmite informações atualizadas e aprofundadas, além de fazer parte do
nosso cotidiano. A fonte de coleta – o jornal O Estado de São Paulo – foi escolhida devido à
sua credibilidade na comunidade intelectual do país. O Corpus selecionado constituiu-se de
uma reportagem jornalística, do caderno Economia & Negócios. Como fundamentação
teórica, utilizamos propostas de GEARY (2011), SARDINHA (2007) e VEREZA (2007), sobre
metáforas; COIMBRA (2004), KINDERMANN (2003) e MELO (2003), sobre reportagem
jornalística, entre outros. Essa pesquisa teve como foco de análise, a dimensão argumentativa
da metáfora e, sua análise mostrou que as expressões metafóricas, discursivamente inter-
relacionadas, funcionam como fortes mecanismos de argumentação na construção do sentido
do texto.
Palavras-chave
Argumentação; Economia; Metáfora Conceptual; Reportagem.
Abstract
This research has as objective to examine the argumentative strength of conceptual metaphors
in the meaning construction of “economy news reporting discoursive genre”. The choice for
this discoursive genre is due to the fact that this is an important méans of communication,
which transmits updated and deepened information, besides making part of our day-by-day.
The choice for the journal O Estado de Sao Paulo was done for the fact that it is well-
qualified by the intellectual community of our country. The selected corpus was composed of
news reportings, extracted from its section Economia & Negócios. As theoretical background,
we used GEARY’s (2011), SARDINHA’s (2007) and VEREZA’s (2007) proposals about
metaphors; COIMBRA’s (2004), KINDERMANN’s (2003) and MELO’s (2003) proposals
about news reporting discoursive genre, among others. This research had as focus of analysis,
the discursive dimension of metaphor, and its corpus analysis revealed that metaphorical
expressions, discursively inter-related, work as strong mechanisms of argumentation, in the
meaning construction of the text.
Keywords
Argumentation; Economy; Conceptual Metaphor; News Reporting.
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Introdução
O tema abordado, a Metáfora e o Discurso Jornalístico, especificamente a reportagem
sobre economia, é particularmente relevante, uma vez que contribui com a sociedade,
despertando no leitor comum, um processo de conscientização a respeito das estratégias
persuasivas utilizadas pelos jornalistas – sendo a metáfora uma delas – na construção do
sentido do texto.
Por outro lado, visa romper com as práticas rotineiras, que acabam sempre focando a
visão tradicional da metáfora, vista apenas como um ornamento linguístico ou uma figura de
linguagem.
A opção pelo gênero discursivo reportagem jornalística deve-se ao fato de o mesmo
ser um importante veículo de comunicação, que transmite informações atualizadas e
aprofundadas a respeito de fatos relevantes que já repercutiram no organismo social, além de
fazer parte do nosso cotidiano. E a fonte de coleta – o jornal O Estado de São Paulo – foi
escolhida devido à sua credibilidade na comunidade intelectual do país.
A partir do exposto, esta pesquisa tem como objetivo examinar a força argumentativa
das metáforas conceptuais na construção do sentido do gênero discursivo reportagem
jornalística sobre economia, e tem, como foco de análise, a dimensão discursiva da metáfora,
que foca em seu emprego em situações reais de linguagem em uso, como também propõe uma
articulação entre os enfoques cognitivo, linguístico e pragmático.
Nossos pressupostos teóricos constam de propostas de GEARY (2011), SARDINHA
(2007) e VEREZA (2007) sobre metáforas; COIMBRA (2004), KINDERMANN (2003) e
MELO (2003), sobre reportagem jornalística, entre outros.
O corpus selecionado constitui-se de uma reportagem jornalística, do caderno
Economia & Negócios. E, para sua análise, propomos um modelo que segue a fundamentação
teórica exposta nessa pesquisa. O método utilizado é, portanto, estritamente bibliográfico, de
abordagem qualitativa, uma vez que não emprega dados estatísticos como centro do processo
de análise.
Considerações sobre a metáfora
A metáfora, ao longo dos tempos, deixou de ser um mero ornamento linguístico e
passou a desempenhar uma função cognitiva. Essa mudança paradigmática tem merecido a
atenção de muitos pesquisadores. Por isso, apresentaremos os principais conceitos da teoria da
metáfora conceptual, bem como das abordagens da metáfora sistemática e da cognitivo-
discursiva pragmática, por serem as mais relevantes para essa pesquisa.
A metáfora conceptual
De acordo com Sardinha (2007), a Teoria da Metáfora Conceptual (TMC) foi
formulada por George Lakoff e Mark Johnson, linguista e filósofo americanos
respectivamente, e divulgada no seu consagrado livro Metaphors We Live By, de 1980. Os
conceitos principais dessa teoria são a própria noção de metáfora conceptual: “uma maneira
convencional de conceitualizar um domínio de experiência em termos de outro, normalmente
de modo inconsciente” (LAKOFF, 2002, p.4, apud SARDINHA, 2007, p.30); expressão
metafórica, expressão linguística que exprime uma metáfora conceptual; domínio, área do
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conhecimento ou experiência humana; mapeamentos, relações entre os domínios; e
desdobramentos, inferências que fazemos a partir de uma metáfora conceptual. Com base
nesses conceitos, ‘nosso casamento está indo muito bem’, é uma expressão metafórica que
advém da metáfora conceptual AMOR É UMA VIAGEM, na qual amor é o domínio-alvo,
abstrato, o qual desejamos conceitualizar, ao passo que viagem é o domínio-fonte, concreto,
que está conceitualizando metaforicamente o amor.
Nessa teoria, o termo metáfora é sinônimo de metáfora conceptual e é uma
representação cognitiva, pois existe na nossa mente e atua no nosso pensamento, sendo,
portanto, abstrata. Entretanto, apesar de abstrata, a metáfora conceptual se manifesta tanto na
fala quanto na escrita, por intermédio das expressões metafóricas, assim como também são
acionadas automaticamente na nossa mente sem nos darmos conta de que as usamos. Dessa
forma, as metáforas conceptuais ‘licenciam’ ou ‘motivam’ as expressões metafóricas, as quase
não teriam sentido imediato e aparente sem esse licenciamento ou motivação, como é o caso
do exemplo anterior: ‘nosso casamento está indo muito bem’, expressão metafórica que
advém da metáfora conceptual AMOR É UMA VIAGEM.
Sardinha (2007) também salienta que a TMC contrapõe-se à visão lógico-positivista
do mundo, propondo que não há verdades absolutas, pois as metáforas são culturais,
resultantes de mapeamentos que variam entre uma cultura e outra, refletindo tanto sua
ideologia como seu modo de ver o mundo. TEMPO É DINHEIRO é uma metáfora conceptual
das culturas ocidentais, não tendo o mesmo sentido para os povos aborígenes, por exemplo.
Segundo esse autor, o próprio título Metaphors we live by já evidencia o fato de que vivemos
de acordo com as metáforas existentes na nossa cultura, bem como se quisermos fazer parte
da sociedade, interagir, ser entendidos e entender o mundo, precisamos obedecer (live by) a
estas metáforas que fazem parte do nosso cotidiano. Além disso, as metáforas conceptuais são
em maior ou menor grau, corporificadas, possuindo uma base no corpo humano. Quando
abraçamos alguém de quem gostamos muito, estamos exercendo a metáfora conceptual
AFEIÇÃO É CALOR. Há também as metáforas orientacionais, que são aquelas que envolvem
uma direção, como no caso BOM É PARA CIMA.
Por fim, existem muitas vertentes dessa teoria. A tradicional, de Lakoff e Gibbs, segue
em grande parte os preceitos originais. Todavia, há outras que seguem apenas alguns desses
pressupostos teóricos, sendo que para uma dessas, a metáfora é um fenômeno ‘social’ que
busca entender como as pessoas vivem e interagem e, não um fenômeno individual ou
corporificado, como o é na teoria essencialmente cognitiva. Por essa razão, o foco de suas
pesquisas é a política, ideologia, produção de texto, ensino e aprendizagem de línguas,
interfaceando com áreas como a análise do discurso crítica, a lexicografia, as ciências
políticas e a linguística de corpus.
A metáfora sistemática
Segundo Sardinha (2007), a metáfora sistemática, também conhecida por abordagem
discursiva ou metáfora em uso, é uma corrente de pesquisa que teve início por volta de 2000,
com os estudos de Lynne Cameron, uma educadora inglesa. O enfoque principal dessa
abordagem é a primazia dada à metáfora em uso, sendo quaisquer suposições sobre o
processamento mental, um ato secundário. Portanto, ela é o oposto da teoria cognitiva da
metáfora conceptual, na qual a representação mental antecede a realização linguística. Além
disso, as expressões metafóricas são o foco da análise, e não as metáforas conceptuais.
Essa abordagem surgiu tanto pela grande disponibilidade de dados sobre o uso da
linguagem – principalmente em formato digital, permitindo, através de softwares adequados,
a percepção da sistematicidade do uso da metáfora em sua plenitude – quanto por causa do
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ceticismo em relação às não provadas alegações sobre o funcionamento da mente pela TMC.
Uma dessas alegações é a de que todas as pessoas acionam a mesma metáfora conceptual
independentemente do contexto, ao passo que, na abordagem discursiva se faz necessária uma
ocorrência sistemática de metáforas linguísticas, isto é, de expressões metafóricas, para
alegarmos que alguma metáfora abstrata e mental está em jogo em determinado contexto.
Conforme Vereza (2007, p.490), “muito do material linguístico usado nesses estudos
consiste de exemplos inventados” e, se os exemplos forem amostras reais de linguagem em
uso, a sua legitimidade e eficácia podem ser garantidas. Ela ainda salienta que, “essas
pesquisas pressupõem que a metáfora, mesmo como figura de pensamento, manifesta-se no
âmbito da linguagem em uso, e é a partir do contexto discursivo que ela pode ser mais bem
compreendida”.
De acordo com Sardinha (2007), as principais influências dessa abordagem são de
Richards, Bakhtin, Firth, Sinclair e Vygotsky, de quem veio a noção de pensamento como
uma ação internalizada:
Desse modo, as metáforas que conhecemos e usamos estariam disponíveis na
nossa cognição por meio da abstração e da internalização de nossa
experiência real. Uma metáfora como AMOR É UMA VIAGEM faz sentido
para algumas pessoas porque elas foram capazes de abstrair e internalizar os
conceitos de amar e viajar a partir de suas experiências (SARDINHA, 2007,
p.43).
O mesmo autor conclui que, na visão discursiva, a metáfora é entendida como um
processo social e não individual como o é nas visões tradicional e conceptual. Além disso,
apesar de não descartar a existência de metáfora na mente e no corpo, enfatiza o seu uso
recorrente e sistemático.
A metáfora e a argumentação
Segundo Vereza, vários estudiosos têm, mais recentemente, se focado na dimensão
discursiva da metáfora, propondo uma articulação entre discurso e cognição. Desse modo,
essas pesquisas têm se voltado para o uso da metáfora em situações reais de linguagem em
uso, as quais presume a metáfora conceptual como uma ferramenta fundamental na
construção de significados em determinados campos do discurso. Além disso, “a tentativa de
ressaltar o aspecto social nos estudos cognitivos confere clara legitimidade ao conceito de
sócio-cognição, que não dicotomiza as noções de mente, sociedade e linguagem” (VEREZA,
2007, p.491). Pelo contrário, considera o enfoque cognitivo, bem como o pragmático, o qual
pode ser associado a uma teoria geral de argumentação, com o intuito de oferecer um maior
entendimento quanto ao uso da metáfora convencional ou nova, no discurso persuasivo.
Assim sendo, essa pesquisadora também filia-se a esta tendência, pois também explora a
dimensão argumentativa da metáfora, em especial a metáfora nova, como um recurso de
natureza cognitivo-pragmática. Seguindo as propostas de Turner (2001) e Van Dijk (1990),
apud Vereza (2007, p.494),
[...] adota-se uma visão que rejeita qualquer hierarquização ou até mesmo
dicotomização entre a dimensão social e a cognitiva do significado: qualquer
“atividade discursiva” emerge a partir de uma estrutura cognitiva sócio e
discursivamente inserida.
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Em seus estudos, Vereza optou por analisar o papel da metáfora nova na
argumentação, por entender que “essa é uma das dimensões do uso da linguagem em que
vários recursos linguístico-cognitivos, entre eles a metáfora, são acionados, mais
explicitamente, para criar efeitos discursivos” (KOCH, 1988/2002, apud VEREZA, 2007,
p.494). Essa pesquisadora propõe que, “a metáfora nova, a partir de uma cadeia de
desdobramentos, textualmente coesivos, colabora, linguística, cognitiva e pragmaticamente
para a força argumentativa do discurso” (VEREZA, 2007, p.496). Tais inferências, presentes
em muitos textos argumentativos são vistos como um grupo de expressões metafóricas,
discursivamente inter-relacionadas, denominadas nichos metafóricos.
Para concluir, Sardinha (2007) sintetiza que cada teoria ou abordagem possui
um enfoque que contribui para entendermos um determinado aspecto da metáfora. Entretanto,
elas apresentam alguns pontos em comum, tais como o fato de que a metáfora é um fenômeno
cognitivo e um recurso habitual dos usuários de uma língua, uma vez que as pessoas se
expressam metaforicamente. Adotar, portanto, apenas uma visão como a correta seria um
meio de estreitar o nosso entendimento a respeito da metáfora.
Considerações sobre a reportagem
Conforme Kindermann (2003, p.30), um dos estudiosos que se destaca na área
jornalística é José Marques de Melo, o qual afirma que “embora a identificação dos gêneros
jornalísticos seja tarefa de pesquisadores acadêmicos, é na práxis que se busca a sua origem”.
De acordo com esse estudioso, há duas categorias de trabalhos jornalísticos: o
jornalismo informativo, que engloba a nota, a notícia, a reportagem e a entrevista; e o
opinativo, composto pelos gêneros editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica,
caricatura e carta. Todavia, Melo (2003, p.25) enfatiza que a distinção entre essas duas
categorias “corresponde a um artifício profissional e também político (...), onde a expressão
ideológica assume caráter determinante. Cada processo jornalístico tem sua dimensão
ideológica própria, independentemente do artifício narrativo utilizado”.
Para Kindermann (2003, p.11) a reportagem é um dos principais gêneros do jornal,
porém sua constituição não é clara, uma vez que “as definições constantes nos manuais
jornalísticos acadêmicos e de redação e estilo variam bastante, principalmente quanto às suas
especificidades estruturais e funcionais”. Ainda acrescenta que, “um breve olhar sobre o
jornal nos revela variantes da reportagem e mesmo momentos em que não é muito fácil
discerni-la da notícia”.
Segundo essa pesquisadora, embora os teóricos acadêmicos que tratam do gênero
jornalístico não o estabeleçam explicitamente, a reportagem pode ser caracterizada tanto
como uma notícia ampliada quanto como um gênero autônomo.
A reportagem, como uma notícia ampliada, é defendida por autores como Bahia e
Melo. Para Bahia (1990, p.49, apud Kindermann, 2003, p.39), a grande notícia é a
reportagem, acrescentando que toda reportagem é notícia, mas o inverso não, pois a notícia
não muda de natureza e sim de caráter ao evoluir para a reportagem. Isso acontece quando a
notícia “se situa no detalhamento, no questionamento de causa e efeito, na interpretação e no
impacto, adquirindo uma nova dimensão narrativa e ética”. Já para Melo (2003, p.65) “a
notícia é o relato integral de um fato que já eclodiu no organismo social”, enquanto que “a
reportagem é o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e
produziu alterações que são percebidas pela instituição jornalística”.
Lage (1987, p.46) é um dos estudiosos que trata a reportagem como um gênero
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jornalístico que se diferencia da notícia por vários aspectos. Para ele, “a reportagem não cuida
da cobertura de um fato ou de uma série de fatos, mas do levantamento de um assunto
conforme ângulo preestabelecido”. Além disso, acrescenta que a distância entre esses dois
gêneros distintos se dá na prática, através do projeto de texto, isto é, da pauta, que deve
indicar de que maneira o assunto deve ser abordado, que tipo de ilustrações e quantas, o
tempo de apuração, os deslocamentos da equipe, o tamanho e até o estilo da matéria. Para
Lage, o estilo da reportagem também é menos rígido do que o da notícia, variando de acordo
com o veículo, o público e o assunto e, as informações podem aparecer em ordem decrescente
de importância e por meio de uma linguagem mais livre.
Coimbra (2004, p.44) trabalha com tipologia textual e considera a dissertação, a
narração e a descrição como modelos de estrutura do texto da reportagem. Para ele, na
reportagem dissertativa, essa estrutura “se apoia num raciocínio explicitado através de
afirmações generalizantes”, seguidas de fundamentação. Já, na reportagem narrativa, o texto
contém os fatos organizados dentro de uma relação de anterioridade ou de posterioridade que
mostra mudanças progressivas de estado nas pessoas ou nas coisas, através do tempo. Por
último, a reportagem descritiva mostra as pessoas e coisas fixadas em um único momento,
sem as mudanças progressivas que lhe traz o tempo, além de ter também como característica,
o detalhamento do momento apreendido. Tanto o texto narrativo como o dissertativo podem
conter trechos descritivos, da mesma forma que o texto descritivo pode ter trechos narrativos
e dissertativos e, em geral o tem, pois “uma reportagem totalmente descritiva corre o risco de
tornar-se discursiva ou extremamente fria” (SODRÉ e FERRARI, 1977, p.115, apud
COIMBRA, 2004, p.90). Esse autor ainda salienta que “como na reportagem dissertativa a
função de informar é inseparável do esforço para convencer o leitor a aceitar a informação no
contexto de um raciocínio que se pretende correto, é óbvia a presença nela de argumentação”.
E lembra também que os jornalistas em geral admitem que sua atividade contém alguma carga
de subjetividade:
Por exemplo, o Manual geral da redação da Folha de S. Paulo (1987, p.34)
diz no verbete sobre objetividade: Não existe objetividade em jornalismo. Ao
redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma uma série de decisões que são
em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais,
hábitos e emoções.
Entretanto, essa subjetividade não anula a busca da exatidão no Jornalismo. Esse
mesmo manual (1987, p.30) declara que a exatidão é o elemento-chave da notícia, ou seja, da
informação como puro registro dos fatos, sem comentário nem interpretação, afirmando que
“a busca das informações corretas e completas é a primeira obrigação de cada jornalista”.
Por fim, esse autor faz menção à metáfora. Para ele, como um elemento articulador de
imagem, a metáfora dá intensidade a um fragmento de texto que, sem ela, poderia tornar-se
sem graça. Um fragmento descritivo sobre a fragilidade da economia brasileira,
cientificamente correto, pode ter mais rigor, mas não será tão atraente quanto a frase: “A
economia brasileira está na corda bamba”. Além disso, a metáfora evita o hermetismo.
O corpus
O corpus selecionado para essa pesquisa constitui-se de uma reportagem do jornal O
Estado de São Paulo, do Caderno Economia & Negócios, conforme Anexo A.
O critério de escolha desse material deve-se à importância de refletir sobre o poder
persuasivo das metáforas no discurso jornalístico sobre economia, uma vez que jornalistas se
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valem desses poderosos recursos tanto para criar um estilo próprio, quanto para formular uma
linguagem mais acessível ao entendimento do leitor comum – especialmente na área da
Economia, traduzindo o complicado “economês”.
As metáforas estão presentes em textos cotidianos de uma forma mais
especializada do que se imagina. Pesquisas recentes constatam uma relação
estreita, por exemplo, entre metáforas econômicas e a área da saúde (‘O
mercado está na UTI’, Brasil recebe alta do FMI’, (...). No campo da
política, tornou-se comum o apego ao repertório da guerra e do esporte (‘O
candidato sofreu um nocaute nas urnas’, ‘O escândalo foi um golpe para o
ministro’, em que a noção de disputa está em primeiro plano (GEARY apud
GUERREIRO e JUNIOR, 2011, p.16).
Geary explica que essas afinidades revelam intenções enraizadas no idioma.
Procedimentos metodológicos
Trata-se de uma pesquisa estritamente bibliográfica, de abordagem qualitativa, uma
vez que não faz uso de dados estatísticos como centro do processo de análise. Considerando a
fundamentação teórica exposta, o método de análise do corpus segue cinco etapas,
1) seleção do fragmento da reportagem contendo a expressão metafórica para análise.
2) exposição da expressão metafórica.
3) explanação da incongruência semântica1 que gerou a expressão metafórica.
4) relação entre a expressão metafórica e a sua força argumentativa no texto.
5) levantamento de metáforas conceptuais subjacentes.
Análise do corpus
Para uma melhor visualização, a análise do corpus, contendo as cinco etapas propostas
será apresentada na Tabela 1 – Reportagem do Caderno Economia & Negócios.
1) fragmento: (...), a presidente Dilma Rousseff voltou a criticar o “tsunami monetário” na
Europa, (...)
2) expressão metafórica: “tsunami monetário”
3) incongruência semântica: literalmente, tsunami é uma onda gigantesca provocada por um
maremoto. Portanto, representa um fenômeno de ordem natural, diferentemente do sentido
empregado no texto jornalístico, que retrata um fenômeno econômico.
4) força argumentativa: esse excesso de liquidez no mercado global é tão grave que causou 1 Refere-se à incompatibilidade entre as porções não-metafórica e metafórica de uma expressão linguística,
quando interpretadas literalmente. Para o levantamento do sentido literal dos termos foi utilizado o Novo
Dicionário da Língua Portuguesa, com exceção de ‘tsunami’, que veio do Dicionário Escolar da Língua
Portuguesa.
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um desastre econômico tão impactante quanto um tsunami.
5) metáfora conceptual subjacente: MAIOR É PIOR e RUIM É PARA CIMA.
Segue-se, portanto, a análise de alguns dos fragmentos selecionados para essa pesquisa:
1) fragmento: (...), os chefes de Estado e de governo dos dois países entraram em rota de
colisão em público, ontem, em Hannover.
2) expressão metafórica: “entraram em rota de colisão em público”.
3) incongruência semântica: uma das acepções do substantivo rota seria combate, luta, bem
como caminho, direção e rumo; já o substantivo colisão, envolve um embate recíproco de
dois corpos. Como ambos implicam ações físicas, ocorre incongruência semântica na
expressão, pois a situação de desentendimento entre os dois países, Brasil e Alemanha, é
representada através da ação verbal, que é um processo cognitivo e não físico.
4) força argumentativa: está na analogia à uma batalha, visto que as discussões e as
polêmicas políticas são fortes a ponto de se assemelharem a esforço físico.
5) metáfora conceptual subjacente: POLÍTICA É UMA GUERRA.
1) fragmento: (...) advertindo que o país poderia adotar medidas para proteger o real das
“desvalorizações artificiais” de outras moedas.
2) expressão metafórica: “proteger o real das desvalorizações artificiais”.
3) incongruência semântica: o verbo proteger implica, literalmente, dispensar proteção a,
tomar a defesa de alguém, revelando, portanto, incongruência semântica quando empregado
com o sentido de proteger o real, a moeda vigente em nosso país, que é uma medida de valor.
4) força argumentativa: essa expressão se relaciona à metáfora da saúde, pois trata a
economia como um organismo que para se manter saudável, necessita de cuidados
preventivos. Assim como é importante manter o organismo saudável, também a economia
precisa manter-se forte e robusta para o bom desempenho do desenvolvimento do país.
5) metáfora conceptual subjacente: ECONOMIA É UM ORGANISMO.
1) fragmento: (...), Dilma disse que a injeção de US$ 8,8 trilhões no sistema financeiro nos
últimos três anos causa “desvalorização artificial” (...)
2) expressão metafórica: “a injeção de US$ 8,8 trilhões no sistema financeiro”.
3) incongruência semântica: injeção é o ato ou efeito de injetar, de introduzir sob pressão
(gás, líquido ou fluido) em um corpo. Envolve, portanto, esforço físico, gerando
incongruência semântica com o termo abstrato US$ 8,8 trilhões, uma quantia representativa
de valores econômicos.
4) força argumentativa: essa expressão também se relaciona à metáfora da saúde, porém
agora, tratando a economia como um organismo doente e carente de cuidados. A decisão de
injetar uma quantia grande de dinheiro na Economia (‘o remédio’), tomada pelos BCs de
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países ricos (‘médico especializado’), gerou um descontentamento por parte do governo
brasileiro, pois essa medida vem desvalorizando a moeda brasileira.
5) metáfora conceptual subjacente: ECONOMIA É UM ORGANISMO.
1) fragmento: (...) e “equivale a barreiras tarifárias”.
2) expressão metafórica: “barreiras tarifárias”.
3) incongruência semântica: o substantivo barreira significa um parapeito (muro ou parede),
composto de madeira ou de qualquer outro material como barro, saibro, metal etc. É,
portanto, um substantivo concreto e gera incongruência semântica ao representar um
obstáculo econômico.
4) força argumentativa: a palavra barreira confere mais força à instabilidade econômica
gerada pela consequente desvalorização do real por causa da introdução de uma quantia alta
de dinheiro no mercado financeiro. Nesse contexto, podemos fazer uma analogia com uma
guerra porque não está havendo espírito cooperativo, uma vez que as barreiras tarifárias
podem constituir obstáculo para entrada de produto externo.
5) metáfora conceptual subjacente: POLÍTICA FINANCEIRA É UMA GUERRA.
1) fragmento: (...) O mercado de derivativos cambiais também permanece na mira do
governo.
2) expressão metafórica: “na mira do governo”.
3) incongruência semântica: o verbo mirar significa cravar a vista em; fitar os olhos em;
olhar, visando; tomar como alvo. Trata-se, portanto, de um ato físico enquanto que mercado
de derivativos cambiais é uma entidade (abstrata).
4) força argumentativa: Enquanto a presidente toma medidas está protegendo o país, como
também colaborando com o seu desenvolvimento econômico.
5) metáfora conceptual subjacente: POLÍTICA FINANCEIRA É UMA GUERRA.
Análise dos resultados
A análise do corpus selecionado para essa pesquisa nos permitiu constatar que nossos
objetivos foram realmente atingidos, pois as expressões metafóricas, discursivamente inter-
relacionadas, constituem forte mecanismo argumentativo na construção do sentido, do gênero
discursivo reportagem jornalística, sobre economia. Quando a presidente Dilma Rousseff
utiliza a expressão “tsunami monetário”, o sentido que ela quer transmitir assume um caráter
persuasivo extremamente convincente, muito mais forte do que a utilização de uma linguagem
literal.
Pudemos verificar também, como aponta Geary (2011), a estreita relação entre
determinados tipos de metáforas e certas áreas do conhecimento e da atuação humana, como
por exemplo, entre metáforas econômicas e a área da saúde; entre a política e o repertório de
guerra. Da mesma forma, em nossa análise, a Política foi retratada pelas metáforas de guerra e
a Economia, pelas metáforas da saúde.
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Seguem-se alguns exemplos:
Expressões Metafóricas Metáforas Conceptuais
“...tsunami monetário...” MAIOR É PIOR. / RUIM É PARA
CIMA.
“...entraram em rota de colisão em público...”
POLÍTICA É UMA GUERRA. “...barreiras tarifárias.”
“...na mira do governo.”
“...proteger o real das desvalorizações artificiais...”
ECONOMIA É UM ORGANISMO. “...a injeção de US$ 8,8 trilhões no sistema
financeiro...”
Considerações finais
Em vista do exposto, entendemos que o nosso trabalho é relevante porque contribui
com a sociedade, despertando o senso crítico do leitor comum em relação às estratégias
persuasivas utilizadas pelos jornalistas (sendo a metáfora uma delas) na construção do sentido
do texto.
Esse trabalho também vai ao encontro dos objetivos do ensino-aprendizagem de
Língua Portuguesa, visto que abre perspectiva para se trabalhar com outros gêneros
discursivos, que além de contribuir para que os alunos desenvolvam senso crítico e
criatividade, os tornam mais aptos e autônomos para ler, interpretar e lidar com as múltiplas
linguagens que compõem o nosso cotidiano.
Além disso, favorece a interdisciplinaridade, pois as metáforas, por estarem presentes
em muitos materiais didáticos como os de Química, Ciências, Biologia etc, constituem uma
dinâmica ferramenta que facilita o entendimento de conceitos difíceis de serem
compreendidos literalmente, como por exemplo, o de átomo, de DNA, de funcionamento das
células e do corpo humano.
Adicionalmente, rompe com as práticas rotineiras, que sempre evidenciam a visão
tradicional da metáfora e passa a focar o seu emprego em situações reais de linguagem em
uso, reforçando, desse modo, o fato de que a metáfora é muito mais que uma figura de
linguagem ou ornamento linguístico.
Essa pesquisa mostrou que a metáfora é um poderoso recurso de retórica, o qual
muitos jornalistas, políticos e escritores fazem uso, com o objetivo de dar mais força
argumentativa aos seus discursos, sejam eles orais ou textos escritos. Ela é, portanto, um
recurso tão humano e natural e nós a utilizamos sem nos darmos conta.
Referências
COIMBRA, Oswaldo. O texto da reportagem impressa: um curso sobre sua estrutura. 1ª.
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ed. 3ª. impr. São Paulo: Ática, 2004 (Série Fundamentos).
FERREIRA, Aurélio de Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1ª.
ed. 14ª. impr. Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A., 1975.
GUERREIRO, Carmem; PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. Figura de linguagem: a metáfora
ocupa seu espaço. Língua Portuguesa. São Paulo, ano 6, n. 71, p. 16-21, set. 2011.
KINDERMANN, Conceição Aparecida. A Reportagem Jornalística no Jornal do Brasil:
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LAGE, Nilson. A notícia hoje e amanhã. In: _______. Estrutura da Notícia, 2ª. ed. São
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MELO, José Marques de. Jornalismo Opinativo: gêneros opinativos no jornalismo
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NETTO, Andrei. Dilma promete ‘proteção’ ao real, e Merkel critica ‘protecionismo
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Negócios. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,dilma-promete-
protecao-ao-real-e-merkel-critica-protecionismo-unilateral--,844514,0.htm. Acesso em: 20
nov. 2012.
SARDINHA, Tony Berber. Metáfora. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
VEREZA, Solange Coelho. Metáfora e Argumentação: uma abordagem cognitivo-
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Anexo
Dilma promete 'proteção' ao real, e Merkel crítica
'protecionismo unilateral'
ANDREI NETTO, ENVIADO ESPECIAL / HANNOVER - O
ESTADO DE S.PAULO
06 Março 2012 | 03h 05
Em um evento que deveria marcar a comunhão de interesses entre Brasil e
Alemanha, os chefes de Estado e de governo dos dois países entraram em rota
de colisão em público, ontem, em Hannover.
Em entrevista concedida ao meio-dia de ontem, a presidente Dilma Rousseff
voltou a criticar o "tsunami monetário" na Europa, advertindo que o país
poderia adotar medidas para proteger o real das "desvalorizações artificiais" de
outras moedas.
A resposta veio oito horas depois. Em discurso de improviso, a chanceler
Angela Merkel advertiu que os países desenvolvidos observam "as medidas
protecionistas unilaterais", em referência indireta aos emergentes.
A discussão foi o desdobramento da insatisfação do governo brasileiro com a
crescente liquidez estimulada pelos BCs de países ricos. Citando números do
Banco de Compensações Internacionais (BIS), Dilma disse que a injeção de
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US$ 8,8 trilhões no sistema financeiro nos últimos três anos causa
"desvalorização artificial" das moedas e "equivale a barreiras tarifárias".
O tom das reclamações do Brasil cresceu quando o Banco Central Europeu
(BCE) ofereceu mais € 530 bilhões aos seus bancos. De dezembro para cá, o
valor chega a € 1 trilhão.
Questionada pelo Estado se o governo brasileiro estava pedindo a Merkel
uma intervenção na autonomia do BCE, Dilma respondeu: "Não, sabe por
quê? Porque estão interferindo na nossa". "O que o Brasil quer com isso é
mostrar que está em andamento uma forma concorrencial de proteção de
mercado, que é o câmbio. O câmbio virou uma forma artificial de proteção."
Dilma antecipou que o governo pode tomar medidas para evitar a valorização
artificial do real. "Tomaremos todas as medidas para nos proteger. Vamos ver
quais medidas, como essa que tomamos recentemente sobre o IOF"
Questionada se pensava em quarentena de capital externo, reagiu: "Não estou
defendendo quarentena".
Especulações. Nos últimos dias, aumentaram as especulações em torno da
decisão de amanhã do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Analistas
interpretaram as medidas cambiais adotadas na semana passada e as
declarações de Dilma sobre o "tsunami" como uma sinalização de que o BC
poderá ser mais agressivo no corte de juros.
Nesse cenário, um corte mais forte da Selic seria uma forma de se antecipar ao
"tsunami" de dinheiro que deverá chegar ao Brasil como resultado da ação do
BCE nos bancos europeus.
Nos bastidores do governo, aumenta o desconforto com o câmbio valorizado. A
possibilidade de uso do Fundo Soberano do Brasil (FSB) vem ganhando força.
O Fundo pode atuar comprando dólares em ações de surpresa. O mercado de
derivativos cambiais também permanece na mira do governo.
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,dilma-promete-protecao-ao-
real-e-merkel-critica-protecionismo-unilateral--,844514,0.htm. Acesso em: 20 nov. 2012.
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Comunicação, economia política e sociedade mundial
de controle: complexidade e poder Na
contemporaneidade
José Antonio Martinuzzo Professor Doutor no Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades, na mesma instituição, do qual é
coordenador-adjunto. Lidera os grupos de pesquisa Laboratório de Comunicação e Cotidiano (ComC) e
Sociedade Midiatizada e Práticas Comunicacionais Contemporâneas.
Wagner Piassaroli Mantovaneli Mestre em Comunicação e Territorialidades pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Graduado em
Comunicação Social (UFES) e Graduando em Direito (UFES). Pesquisador no grupo de pesquisa Sociedade
Midiatizada e Práticas Comunicacionais Contemporâneas, na linha de pesquisa Economia Política da
Comunicação.
Resumo
Objetivamos discutir como a análise da economia política, conjugada à análise dos sistemas
de comunicação, pode ajudar a entender a complexidade da formação de uma sociedade
mundial de controle, condição indispensável para a sobrevivência acadêmica frente ao tecido
complexo do real com o qual tem de lidar para criar efeitos positivos no campo da ação
social. As técnicas metodológicas utilizadas são análises bibliográficas de autores específicos
do campo da economia política da comunicação e da sociologia. Nossos resultados desvelam
a intricada complexidade que compõe a sociedade mundial de controle em termos de sistemas
econômico, político e comunicacional.
Palavras-chave
Sistemas de comunicação; Economia política; Sociedade mundial de controle; Comunicação.
Abstract
This paper aims to discuss how the political economy analysis joint a communication systems
analysis can help understand the complexity of global society of control, an indispensable
condition for academic survival given the complexity of reality which we have to deal with to
create positive effects in the social action structure. The methodological technique used is a
bibliographic analysis of particular authors of the political economy of communication field
and sociology. Our results unveil the intricate complexity that makes up the global society of
control in terms of economic, political and communication systems.
Keywords
Communications systems; Political economy; Global society of control; Communication.
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Introdução
Aproximar-se do social é sempre uma difícil tarefa, pois envolve organizar o
complexo continuum do real com o qual devemos nos defrontar enquanto pesquisadores
encarregados de providenciar à sociedade um conhecimento rigorosa e sistematicamente
fundamentado. Organizar essa complexidade é tarefa que irresistivelmente faz-nos debruçar
nas atividades de seleção e decisão entre opções metodológicas que comporão o método de
toda a pesquisa.
Com uma complexidade organizada em mãos, o pesquisador tem condições de
controlar as variáveis que conhece e promete relacionar. Caso contrário, estaria apenas
entregando o caos do real ou o senso comum àqueles que por ele são direta ou indiretamente
afetados. Junto a essa complexidade organizada, a forma com que conhecemos deve sempre
ser-nos consciente para que possibilite um conhecimento apto a se integrar nas discussões
acadêmicas e sociais de maneira profícua.
Nossa complexidade aqui se organiza de acordo com o entendimento do papel dos
sistemas no saber humano, que separam sua ordem da desordem do meio (LUHMANN,
2011). Na vida, o mesmo ocorre: “nosso mundo organizado é um arquipélago de sistemas no
oceano da desordem” (MORIN, 2013, p. 129). Deste modo, o humano faz parte de “um
sistema social, no seio de um ecossistema natural, que está no seio de um sistema solar, que
está no seio de um sistema galáctico”. Por sua vez, ele, o humano, é constituído de “sistemas
celulares, que são constituídos de sistemas moleculares, que são constituídos de sistemas
atômicos” (MORIN, 2013, p. 129).
Os sistemas atuam na organização do saber e na organização de toda a vida. Não há
como viver sem ordem. Não há como viver sem um poder instituído. Não há como não
conviver dentro de uma civilização. Os sistemas atuam para organizar as condições de
possibilidade em que a vida ocorre. Ao se fechar operacionalmente em si mesmo, como nos
ensinou Luhmann, o sistema consegue organizar seus elementos e probabilidades de relações
entre eles e, assim, reproduzir-se (autopoiesis). O mundo fora de um sistema tem um
gradiente muito maior de complexidade, uma complexidade com a qual o sistema só consegue
se relacionar no âmbito do ruído.
A economia política, ciência, assim como tantas outras, que organiza a complexidade a
seu modo, é uma disciplina que pode nos oferecer o entendimento do sistema social em seu
todo a partir da seguinte definição proposta pelo sociólogo Vincent Mosco (2009): economia
política é controle e sobrevivência em vida social. Controle é metáfora para os processos de
organização da complexidade interna do poder social, referindo-se, portanto à política (do
grego: polis, referindo-se à organização de uma cidade, nação, país, território). Sobrevivência
é metáfora para os processos de produção e reprodução social, isto é, como a sociedade e o
homem, por meio de sua própria produção, resultado do trabalho, consegue produzir a si
mesmo. O interessante que vamos notar é que ambos, sobrevivência e controle, imbricam-se
na realidade por meio da comunicação.
A comunicação também será tratada em termos de sistema. Ela é a operação básica de
uma sociedade, segundo Luhmann (2001; 2011), e que é capaz de tornar qualquer sociedade
apta a se observar e produzir-se continuamente. A comunicação se torna preposto da ordem
sistemática, servindo para criar e recriar a todo momento estruturas e processos econômicos
(observação dos preços) e políticos (observação da opinião pública).
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Economia política: uma forma de conceber o social
Entendemos que devemos conhecer um objeto e ao mesmo tempo conhecer as
possibilidades e limites do saber que nos permite ter acesso à realidade do objeto. Assim,
afastamos o risco do que acusou Rosa Luxemburgo [s.d], em 1925, de que “por mais incrível
que possa parecer, é um fato que a maior parte dos especialistas em economia política apenas
têm noções confusas sobre o verdadeiro objeto de seu saber” (p. 35). Desse modo, trataremos
primeiro de explicar o que é a economia política e como esse conhecimento pode, logo após,
ser atrelado a uma realidade formada por sistemas comunicacionais, que nos leva à uma
sociedade mundial de controle.
Para o estudo da economia política, Vincent Mosco (1996; 2009) elabora uma
definição ampla. Essa definição ampla – de economia política como controle e sobrevivência
na vida social – foi sugerida a Mosco por Dallas Smythe, uma das figuras fundadoras, junto a
Herbert Schiller e outros, da economia política da comunicação, em uma entrevista para a
primeira edição do livro de Mosco, The political economy of communication (1996).
A definição em sentido lato, que Mosco chama de “uma definição mais geral e
ambiciosa de economia política” (2009, p. 3), trata esta disciplina como “o estudo do controle
e sobrevivência na vida social” (p. 3). Junto a essa definição, o autor já delimita o que seria o
controle e a sobrevivência. São, primeiramente, metáforas para os processos políticos e os
econômicos (MOSCO, 2015) que, juntos, conformam a disciplina e que nos permitem um
alcance de sentido mais abrangente que na definição estrita. O controle significa
especificamente “como uma sociedade se organiza, conduz seus problemas e se adapta ou não
às inevitáveis mudanças que todas as sociedades enfrentam”. O controle, portanto, “é um
processo político porque molda as relações dentro de uma comunidade”. Sobrevivência, por
sua vez, significa “como as pessoas produzem o que elas necessitam para se reproduzir e
manter o andamento da sociedade”. Assim, sobrevivência “é principalmente um processo
econômico porque envolve o processo de produção e reprodução” (p. 3). A constituição mútua
de controle e sobrevivência é a tarefa mais interessante a se observar, isto é, como poder
social e reprodução social se imbricam.
Adicionalmente, segundo Mosco (p. 3), para descrever a economia política podemos
ampliar seu significado para além das definições mais comuns, realçando características
centrais que a caracterizam. Para isso, a economia política tem como pressupostos básicos: 1)
Entender a mudança social e a transformação histórica; 2) Examinar o todo social ou a
totalidade das relações sociais que conformam as áreas econômicas, políticas, sociais e
culturais da vida. Segundo Mosco, “a economia política sempre acreditou existir o todo de
uma sociedade e que nós deveríamos tentar entendê-lo” (p. 4). Mosco ainda vai mais longe ao
dizer que fazer uso do todo social não requer essencialismos ou reducionismos. “Na verdade,
como Marx e intérpretes do século XX como Gramsci e Lukács nos lembram, o pensamento
dialético nos leva a reconhecer que a realidade é compreendida de partes e do todo,
organizados na totalidade concreta de integração e contradição que constitui a vida social”
(2009, p. 31); 3) Ter o compromisso com a filosofia moral, isto é, procurar entender o dever-
ser na forma de valores, princípios e normas morais e legais capazes de constituir e também
mudar o comportamento social; e 4) Executar o pensar e o fazer em unidade, o que constitui a
ideia de práxis social.
Essas quatro características, portanto, colaboram para o entendimento da relação
controle-sobrevivência na vida social para além da própria definição, pois destacam
elementos que são pressupostos centrais da própria economia política. Assim, ao tempo em
que descrevemos a relação da distribuição de poder em uma organização social e de sua
reprodução, não devemos nos esquecer de que tal definição está atrelada à compreensão de
mudanças sociais, que se relacionam com um todo social, que processa mutuamente ser e
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dever-ser e que, por isso, dá azo a uma práxis social.
Na conclusão de Political economy of communication, Vincent Mosco (2009) também
nos deixa claro algumas tendências para as quais a economia política da comunicação pode
ajudar a construir. Vemos no conceito de controle e sobrevivência um notável ponto de partida
para ajudar nessas tarefas, que são: 1) construir pontes com ajuda dos estudos da ciência e
tecnologia; 2) um projeto maior, que ajudaria a unir o amplo programa das ciências sociais e
humanidades, das quais a economia política, os estudos culturais e estudos de política são
parte e o programa de ciências, principalmente a física, a química e a biologia, que se arroga
quase completa autoridade na vida intelectual de hoje. Obstruir essa separação, segundo
Mosco, é um desafio enorme, porém vital (2009).
Ora, tanto a primeira ponte, quanto a segunda, a economia política da comunicação
pode ajudar a construir a partir da definição da qual partimos aqui neste estudo, utilizando,
como complementação de sentido a perspectiva da complexidade de Edgar Morin, que nada
mais requer, dentre outros desafios, a religação de saberes hoje afastados na Academia,
sobretudo criando uma relação circular virtuosa, como diz, e não viciosa, entre física, biologia
e antropossociologia (p. 30-32, 2013).
A economia política da comunicação atinge um estágio ambicioso, como Mosco nos
coloca, se seguirmos essa tendência. A ideia não é, portanto, a de retomar perspectivas
antigas, mas de retornar a elas por um estudo crítico da epistemologia e da história das
ciências, e delas avançar nesse projeto de construção de uma economia política coerente com
a complexidade inerente ao conhecimento da vida desde sempre, e também desvelar truísmos
que a humanidade moderna inocentemente codificou por detrás de conceitos meteóricos e
também por conta de sua perplexidade ante a novidade do aparato tecnológico que
rapidamente construiu. Assim, é importante não só reestabelecer o conhecimento que
lentamente foi se acumulando, mas de expô-lo criticamente na forma de uma economia
política que dê conta da complexidade cada vez mais mistificada pela ignorância e pela
influência do pragmatismo decorrente da marcha de aceitação do poder econômico
(COMPARATO e SALOMÃO FILHO, 2014).
Para uma história da economia política, podemos sempre partir de dois pontos
comumente utilizados, conforme Mosco (2009): 1) Período da Grécia clássica, o que permite
um ponto de partida pela análise etimológica do termo; e 2) Período dos filósofos escoceses
da moral iluminista do século XVIII, culminando em Adam Smith. Não é difícil perceber que
em sua raiz grega a economia política que hoje discutimos na forma de ciência referia-se
àquilo que nos evidencia a etimologia da palavra economia, uma junção de oikos (casa,
ambiente, meio) e nomos (lei, organização, controle), isto é, a lei ou organização da casa, o
que requer pensar na complexidade de nossa sociedade, uma evolução que nos remonta à
organização política de toda uma economia, que deixa de ser familiar para ser controlada por
um estado. Política originou-se, por sua vez, do termo grego polis, para cidade-estado, “a
unidade fundamental da organização política no período clássico” (MOSCO, 2009, p. 23).
Economia política se origina, portanto, na organização da casa familiar e da casa
propriamente política. A etimologia nos atenta que o termo “economia política” nada mais é
que o estudo de uma economia adjetivada por características políticas, isto é, a organização de
um meio politizado.
Aristóteles é certeiro, no início de seu opúsculo Econômicos (2011), ao nos dar uma
síntese do que discutimos como economia e política, a partir de uma diferença básica: “a arte
de administrar uma casa e a de administrar uma polis diferem entre si não apenas na medida
em que a casa e a polis também diferem (uma vez que aquela é o fundamento desta), mas
ainda no fato de a administração da polis envolver muitos governantes e de a administração
doméstica depender somente de um” (p. 5, 2011).
Unindo à análise da etimologia do termo, podemos encontrar uma associação a um dos
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pilares do Iluminismo, no qual se baseavam a economia política clássica: a visão de
racionalidade de Descartes (MOSCO, 2009, p. 38). Descartes é fundamento, como diz Morin
(2010; 2011; 2013), de toda uma ciência que dissocia res extensa e ego cogitans, que busca
esforços de uma objetividade como que separada da interferência do sujeito pensante. É obvio
que a economia política clássica, derivada desse paradigma cartesiano, não poderia ser outra
em suas primeiras figuras, com destaque para Adam Smith. As preocupações dessa economia
política giram muito mais em torno de um equilíbrio social por meio de um mercado de livre
conduta, o qual, pela concorrência acirrada de seus constituintes, trataria naturalmente de se
autorregular. A influência cartesiana na economia política continuou com as tentativas de
fundamento da economia enquanto ciência, principalmente na obra Principles of Economics
(1890) de Alfred Marshall. Assim, a economia normativa preocupar-se-ia apenas com
questões de ordem puramente econômica, descrevendo forças em equilíbrio. “Em resumo”,
escreve Mosco (2009, p. 48), “a legitimidade matemática e científica veio com um preço
substancial: deixou de lado a economia política e a integração de história, todo social,
filosofia moral e práxis dentro de um significado de pesquisa e vida intelectual”.
Ao contrário da visão dialética e crítica de Marx da economia política clássica, essa
visão estática tendeu a afastar a história para tratar das mudanças sociais e a tornar, cada vez
mais, a economia uma ciência matemática, que buscasse uma objetividade científica, acima de
quaisquer outras características (MOSCO, 2009). Um retorno da análise da economia política
nos dias de hoje, no âmbito marxiano e marxista, pode ser interpretado como uma tentativa de
retorno do sujeito e suas reflexões críticas na ordem objetivista das ciências.
Sobrevivência e controle retomam o conceito de história e trabalho de Marx, no
sentido de que não há reprodução social sem a organização do poder social; e essa
organização implica uma organização do trabalho social para que possa ser controlada. A
história, para Marx, “significava, acima de tudo, como as pessoas produzem a si próprias por
meio do trabalho” (MOSCO, 2009, p. 42). Nossa visão de trabalho está aqui inclusa na visão
de processamento de energia e matéria para constituição de uma organização social. Neste
sentido, não se diferencia substancialmente da de Marx, entendendo que a sobrevivência na
vida social se dá principalmente na economia social como um processador de matéria, energia
e consequentemente informação, o que possibilita a produção e a reprodução social,
construindo um curso histórico sob o qual, vale sempre lembrar, não tem uma finalidade em
si, mas no qual os homens podem interferir e prever circunstâncias futuras a partir do controle
e da comunicação que circula em sociedade. Assim, lembrando célebre passagem de Marx em
O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, “os homens fazem a sua própria história; contudo, não
a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob
as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram”, e, portanto,
o passado torna-se um problema constante para aqueles que desejam sobreviver, e isso inclui
previsão sobre a insegurança que aguarda o futuro: “a tradição de todas as gerações passadas é
como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos” (MARX, 2011, p. 25).
O sistema de comunicação
Há quem diga que a comunicação é o ponto cego do marxismo ocidental (SMYTHE,
1977). A modernidade está baseada numa constante observação da observação, ou cibernética
de segunda ordem, de modo que esse ponto cego circula sem que sua materialidade seja
apontada. Os sistemas político e econômico têm suas formas de observação de segunda
ordem, para se proteger da complexidade e da contingência. Daí as tarefas de observar a
opinião pública e o sistema de preços para ambos sistemas, respectivamente, serem primordial
à sobrevivência (reprodução) mútua. Se a observação da observação da modernidade
evidencia a existência de um ponto cego, este obviamente não se trata de um ponto
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literalmente, mas de um sistema informacional e comunicacional que permite aos sistemas
verem a si próprios. Como observar os preços e a opinião pública? Uma resposta é visível:
pelo controle informacional e comunicacional. Por esse motivo, a informação e a
comunicação não devem ser tratadas como entes abstraídos do mundo material, nem sequer
devem ser consideradas abstrações, pois não existem sem controle e este requer uma
materialidade onde são possíveis os fenômenos comunicacionais. Assim, a revolução da
informação não é uma revolução na informação, mas, antes, uma revolução no controle, no
modo de processar matéria. A informação, portanto, “só adquire sentido dentro de um
contexto particular (...) do contrário, a informação não possui sentido; é indiferenciável do
ruído” (MULGAN, 1991, p. 10). Uma sociedade da informação é sempre, também, uma
sociedade do controle, onde o propósito é o de controlar por meio da obtenção de informação
a partir de uma dada materialidade. Entretanto, uma sociedade do controle põe logo a questão
de início: quem programa? quem dita a lógica? quem controla? Há uma reprodução milenar de
um sistema de classes e, se ainda existe, é porque seus propósitos estão sendo alcançados
continuamente. O sistema comunicacional é o ponto cego1.
Robert McChesney (2008) enfatiza e explica o papel do sistema de comunicação nas
sociedades modernas. Para ele, “é axiomático em quase todas variantes de teoria política e
social que o sistema de comunicação seja o pilar das sociedades modernas”. Em termos
políticos, “o sistema de comunicação pode servir para elevar a democracia, ou para negá-la,
ou alguma combinação dos dois”. Em termos econômicos, “o sistema de comunicação surgiu
como uma área central para fins lucrativos em sociedades capitalistas modernas” (p. 305). A
relação disso tudo junto, que é o que fazemos aqui em termos de controle e sobrevivência, é
enfatizada por McChesney (2008) ao dizer: “um grande esforço de pesquisa é, portanto,
realizado para avaliar a relação de comunicação enquanto uma atividade privada com os
mais amplos e necessários deveres políticos e sociais que também são operados pelos
mesmos sistemas de comunicação” (p. 305-306). Para McChesney, esse é um ponto central e
recorrente nos estudos de mídia. “A vida dupla do sistema de comunicação, de uma só vez o
pivô da economia global emergente e também um alicerce da democracia política, constitui a
tensão vital no cenário mundial” (2008, p. 306). Essa relação da economia global
contemporânea e da democracia política já é uma materialidade de onde podemos deduzir a
definição de controle e sobrevivência em vida social atrelando o ponto cego: o sistema de
comunicação, no qual se baseiam tanto política (organização interna do poder de controle) e
economia (reprodução social). O sistema de comunicação, apontado por McChesney, é o
mesmo que “compreende as bases institucionais indispensáveis para a deliberação social –
discussão, debate e tomada de decisão – para além dos fóruns de elite” (2008, p. 336). A
dualidade do papel do sistema de comunicação na reprodução social é essencial, portanto,
para ligar economia e política em uníssono.
De la Haye destaca que “durante o desenvolvimento do modo capitalista de produção,
o sistema de comunicação, que não era mais do que um fenômeno periférico e desorganizado
na sociedade feudal, tornou-se um elemento central” (1979, p. 16). Os meios de comunicação
1 Apesar da acusação de Smythe de a doutrina marxista não ter se preocupado com a comunicação do modo
devido, há autores marxistas que enfatizam o elemento comunicacional em Marx. Um exemplo é o Professor
Christian Fuchs, quem já possui um trabalho extenso que relaciona marxismo e comunicação. Um dos artigos em
que trata diretamente sobre o assunto é “Some theoretical foundations of critical media studies: reflexions on
Karl Marx and the Media”. O subtítulo é sugestivo e visa a combater a visão de alguns autores em dizer que
Marx não tinha nada a nos oferecer sobre o assunto das mídias, da comunicação e da cultura. Muito pelo
contrário, o argumento central de seu artigo é de que “Marx deveria ser considerado como uma das figuras
fundadoras dos estudos críticos de comunicação e da mídia e que seus trabalhos podem ser aplicados hoje em dia
para explicar fenômenos como a comunicação global (...)” (FUCHS, 2009, p. 269). Um outro importante
exemplo de trabalho já existente sobre a relação da obra de Marx e Engels e a comunicação é o de Yves de la
Haye – Marx & Engels on the means of communication (1979), que trataremos neste artigo.
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não passam a ser apenas fatores na circulação de mercadorias e de manutenção da indústria
moderna, mas o seu papel passa a ser também como “a condição geral de aparecimento da
figura de um novo homem: o capitalista” (DE LA HAYE, 1979, p. 25). O nascimento de um
mercado mundial do qual o capitalista seria a base dependeu de mudanças no processo social
de produção e reprodução, das quais participavam os meios de transporte (ferrovias) e
comunicações (telégrafo), mas também a presença inconteste do Estado no estabelecimento
dessas condições gerais de produção. O Estado serve à burguesia em vários motivos, com o
uso de sua autoridade para regular salários, coordenar a transformação dos modos de troca e
também “para gerir contradições decorrentes do desenvolvimento desigual dentro da
formação social” (DE LA HAYE, 1979, p. 43). Não é uma questão apenas de um interesse de
classe que dirige o Estado, mas de interesse ao próprio Estado nos meios de comunicação e
transporte. O Estado, como de la Haye coloca, é agente para criar o consenso necessário para
a hegemonia, “como um agente que coagula a formação social dentro das fronteiras
nacionais” (1979, p. 43). A questão comunicacional é interessante, em termos de soberania,
inclusive, pois também diz respeito à administração de seu território, de suas forças armadas,
de sua polícia, inteligência (DE LA HAYE, 1979). A comunicação passa a ser também uma
utilidade pública na medida em que não só conduz a vida dentro de um território, mas também
é fator essencial para decidir sobre a continuidade dessa vida em um território, principalmente
em momentos de guerra, onde a defesa da soberania e da população correm risco. Podemos
observar que inventos importantes da comunicação também surgem em momento de guerra,
impulsionados pelo investimento em pesquisa e desenvolvimento estatal. O Estado, em
momentos de crise, é quem carrega a legitimidade sobre o monopólio da força e precisa
utilizar essa força não só para manter a coesão da produção e reprodução sociais, mas também
a defesa e controle de seu território e territorialidades2.
Para de la Haye, “as forças armadas, de um lado, e a indústria, de outro, devem ser
considerados as matrizes históricas reais do setor da comunicação” (1979, p. 46). E esta
afirmação nos basta para perceber, mais uma vez, a relação de mútua constituição de controle
e sobrevivência e o papel do sistema de comunicação. Assim, a comunicação não pode ser
simplesmente “resumida como uma vasta superestrutura industrial”. A “‘comunicação’ como
uma atividade social compreende o conjunto de formas sociais pelas quais as relações sociais
são expressas, materializadas e modificadas”; a “comunicação estabelece a moldura, os
limites e as implicações dessas relações sociais, seja lá uma questão de nações, classes,
mercados ou impérios” (DE LA HAYE, 1979, p. 55). Essa afirmação complementa, portanto,
a noção de comunicação de Luhmann (2006; 2011), um sistema fechado que produz a si
mesmo e operador central do sistema social. A autopoiesis do sistema comunicacional se
confirma na materialidade do sistema social, que possui múltiplas formas responsáveis, como
diz de la Haye (1979), a dar expressão, materialidade e a modificar as relações sociais. A
comunicação é uma atividade social que estabelece os próprios limites dessa atividade. Uma
economia política da comunicação, como dissemos, deve relacionar poder e reprodução
sociais por meio desse sistema autopoiético: a comunicação social. A comunicação,
pensamos, deveria não ocupar o lugar, mas ter considerado um grau de relevância equiparado
ou, talvez, maior que os estudos de ideologia, seguindo a esteira de la Haye: “‘comunicação’
enquanto uma atividade social não pode ser restringida à pura ideologia, ao comércio de
mensagens ou às relações individuais e sociais, como faz a dominante sociologia da
comunicação” (1979, p. 55).
Luhmann nos possibilita pensar a sistemicidade das operações comunicacionais, o que
pode complementar a ideia de mútua constituição entre economia e política de Mosco.
Atentando à cibernética de um sistema autopoiético, que sobrevive na clausura para diminuir
2 Territorialidade, para Soja (1971, p. 19), “é um fenômeno comportamental associado a organização do espaço
em esferas de influência ou territórios claramente delimitados que são feitos distintos e considerados ao menos
parcialmente exclusivos por seus ocupantes”.
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a complexidade do mundo, Luhmann, para construção de uma teoria dos sistemas sociais,
partiu da comunicação como operação fundamental para que esse sistema exista. A
comunicação de Luhmann “é uma realidade emergente, uma situação sui generis” (1992, p.
252). A comunicação, como uma “situação sui generis”, não há de ser confundida, portanto,
com o sistema psíquico humano, onde opera a consciência. Sistemas social e psíquico, assim,
são coisas, apesar de suas relações na realidade fática, diferentes. Este último está ligado à
operação da consciência e aquele primeiro, o social, às operações de comunicação. Há um
entendimento corrente de que são indivíduos ou sujeitos que comunicam. Como uma situação,
a comunicação não pode estar ligada ao ato de um indivíduo, pois trata-se de um sistema em
sua complexidade, em primeiro lugar. Dessa maneira, o conceito de comunicação não é
atribuído à ação individual, a qual faz parte da realidade comunicacional, mas não pode ser
encarada como aquela que comunica. Nesse sentido, para Luhmann, somente a comunicação
pode comunicar e é somente dentro dessa rede de comunicação que está o que entendemos a
ação criada. A comunicação é assim um sistema de complexa organização. Se fôssemos
definir apenas a comunicação enquanto realidade emergente, a definição de Luhmann nos é
esclarecedora: “a comunicação surge por meio da síntese de três seleções diferentes, a saber,
seleção de informação, seleção de expressão ou modo de emissão (utterance) dessa
informação e seleção do entendimento ou desentendimento dessa expressão ou da
informação” (1992, p. 252). Esses três componentes só podem criar comunicação em sua
síntese e não separados. Assim, a seleção da informação em conjunto com a seleção do modo
de expressá-la e do decorrente entendimento ou desentendimento dessa informação, ou de seu
modo de expressar, constituem a síntese que faz emergir a comunicação enquanto situação
complexa. A comunicação ocorre, portanto, “somente quando a diferença de expressão e
informação é entendida”, e isso quer dizer que comunicação é diferente da mera percepção do
comportamento dos outros. Ambos, o comportamento expressivo e a informação, apenas
formam a situação comunicacional, pois “são experimentados como seleção e, por esse modo,
distinguidos” (LUHMANN, 1992, p. 252). “Em outras palavras”, resume Luhmann, “alguém
deve ser capaz de assumir que a informação não é auto-compreendida, mas requer uma
decisão separada. Isso também é verdade quando o enunciador enuncia algo sobre ele
mesmo”. Assim, “enquanto essas distinções não são feitas estamos lidando apenas com mera
percepção” (LUHMANN, 1992, p. 252). A distinção de percepção e comunicação é sempre
necessária ser feita para o entendimento da definição de Luhmann: “o que alguém percebeu
não pode ser confirmado nem repudiado, ou questionado nem respondido. A percepção
permanece fechada dentro da consciência e opaca ao sistema de comunicação assim como
para outra consciência” (1992, p. 253). Um sistema de comunicação é, para Luhmann, “um
sistema completamente fechado que cria componentes dos quais ele surge por meio da própria
comunicação”. Nessa visão cibernética de comunicação, Luhmann quer nos dizer que a
comunicação é um sistema autopoiético e que não existe informação nem controle fora desse
sistema de comunicação. Assim, as atividades de processamento de informação, comunicação
mútua e controle são possíveis de ser separadamente descritas, mas em Beniger (1986)
veremos que todos os sistemas vivos mantêm os três inter-relacionados, sendo que um não
existe sem o outro. A visão de Luhmann é estritamente voltada ao sistema social e não aos
sistemas vivos de uma forma geral, daí sua ênfase na comunicação como a situação ou a rede
de onde a informação e o controle são possíveis existir. Seja lá o que for que os participantes
desse sistema entendem no fechamento de suas consciências, “o sistema de comunicação
elabora seu próprio entendimento ou desentendimento. E, para esse propósito, ele cria seu
próprio processo de auto-observação e auto-controle”. O processo de entendimento ou
desentendimento é uma condição de autopoiesis do próprio sistema, pois é pelo entendimento
ou desentendimento que há uma conexão com comunicação posterior dentro do sistema de
comunicação (LUHMANN, 1992, p. 253). Quem quer que seja pode comunicar sobre
entendimento, não compreensão ou mal-entendido, mas dentro das condições de autopoiesis
do sistema de comunicação (LUHMANN, 1992). Mesmo quando alguém diz não entender, a
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comunicação procura resolver o problema por intermédio dela mesmo, uma comunicação
sobre a comunicação.
Comunicação, que enlaça em um sistema as três seleções – informação, expressão e
entendimento –, não pode ser também considerada simplesmente uma transmissão de
mensagens, informações ou expectativas de compreensão (LUHMANN, 1992, p. 254). A
seleção (e o fluxo comunicacional decorrente) é, portanto, uma situação emergente da própria
comunicação, não podendo se falar, inclusive, de comunicação fora da comunicação. Com a
criação de sistemas de processamento de informação, seja pela invenção da escrita, ou seja
pela invenção da imprensa, do telégrafo, do rádio, da televisão, do computador etc., a
formação desse sistema autopoiético só se tornou mais complexo com grande consequência
para a estrutura social, para a semântica, para a linguagem (LUHMANN, 1992). Assim, a
própria seleção da qual depende a atividade comunicacional é afetada pela própria
comunicação. As escolhas da informação, da expressão dessa informação e de seu
entendimento (ou não) são afetadas pela situação comunicacional do sistema. Assim, como
um sistema fechado, a comunicação produz a si própria (autopoiesis), produzindo e
reproduzindo tudo que funciona como uma unidade para o sistema por meio do próprio
sistema. Neste momento que a crítica deve entrar, ao analisar quem tem maior influência
sobre esse sistema que produz e se reproduz e se esse sistema está de acordo ou não com
determinados valores sociais. Assim, a produção da comunicação por ela mesma depende de
um meio e de restrições desse meio para ser efetivada (LUHMANN, 1992). Um crítico pode
entrar e perguntar: mas quem impõe as restrições, quem controla o meio? Essa, todavia, é
tarefa que distingue Luhmann ao fazer sua teoria dos sistemas sociais.
Sejam quais/quem forem seus elementos, o sistema de comunicação, por ele mesmo,
em sua autorreferência, cria seus próprios elementos e estruturas. Assim, “o que não é
comunicado não contribui nada para o sistema” (LUHMANN, 1992, p. 254), sendo visível
que a falta de quaisquer uma daquelas seleções que definem a comunicação não gera
comunicação. Assim, na torrente informacional que invade a sociedade da informação, é fácil
entender que a confusão, o ruído e o caos dentro da ordem das estruturas dos sistemas sociais
(econômicas e políticas) surgem em algum momento pela não-seleção e, portanto,
descontinuidade do processo comunicacional que só pode ser revertida se a seleção for feita,
isto é, se a diferença se realizar. Daí a importância da troca de sentido dentro de uma
sociedade, para reforçar a ordem social pela própria comunicação que a produz e que a
reproduz. O sistema social produzido e reproduzido pelo da comunicação, entretanto, é
processado pelas operações comunicacionais até que encontre os limites para o
processamento, que devem ser resolvidos pela própria comunicação, pondo em relação
recursiva ordem e desordem. A não resolução do limite comunicacional implica a morte do
sistema social, o que, entretanto, não nos aconteceu até hoje, como veremos com a Revolução
do Controle, de Beniger (1986). A dificuldade do sistema em se comunicar, devido à expansão
social levada pela industrialização, tanto no âmbito político como no econômico, foi resolvida
pela própria comunicação, por novos meios de processamento de informação (burocracia e
racionalização) e feedback (marketing, pesquisa de mercado, técnicas de recenseamento,
sondagem de opinião etc.).
A sociedade mundial de controle
O conceito de Sociedade de Controle foi posto por Deleuze (2013) em seu Post-
scriptum sobre as sociedades de controle e desenvolvido mais a fundo por Hardt (1996) e
também Hardt e Negri (2000). Alguns preferem tratar essa sociedade em termos de vigilância
(LYON, 2011; BAUMAN, 2013), mas consideramos a palavra controle com maior
profundidade teórica, de acordo com o que já vimos na biologia, na cibernética, na sociologia,
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na filosofia etc. Continuando o pensamento de Foucault (1998; 2015) sobre as sociedades
disciplinares, e lembrando Burroughs, Deleuze trouxe ao conhecimento a crise generalizada
institucional de espaços tradicionais de construção subjetiva como a escola, a família e a
fábrica. É como se “os muros das instituições” estivessem “desmoronando”. Portanto, sem
barreiras rígidas ou restrições, a livre circulação do poder hegemônico global tem a habilidade
de ser ubíquo e, portanto, o controle sobre o comportamento. As instituições passam a estar
constantemente se corrompendo. Esta característica que as torna muito próximas do que quer
a mais complexa fase do capitalismo: sua habilidade de se esfacelar, pois sem essa
flexibilidade o poder de controle social não se torna efetivo. O dispositivo de construção
subjetiva do indivíduo controlado por uma sociedade mundial de controle só pode ser aquele
em que as comunicações estejam presentes vinte e quatro horas por dia. Assim, o tempo livre
do trabalhador é também tempo de trabalho. No seu próprio lazer, o indivíduo tem seu
comportamento registrado, avaliado e alimentado na grande máquina. Isso é simples de ver
com a utilização da propaganda massiva, tanto por governos quanto por mercados, e também
outros elementos simples de estímulo da demanda social e retorno comportamental como as
pesquisas de mercado, as relações públicas. Verdadeiras indústrias da consciência, como
lembrou Dallas Smythe (1977).
Deleuze, para retratar a passagem da disciplina ao controle, equipara os dois
momentos respectivamente, aos “túneis estruturais da toupeira” e às “ondulações infinitas da
serpente”, fazendo referência aos moldes pré-definidos da disciplina e à modularidade
reajustável do controle. Tal metáfora se refere basicamente às novas ferramentas de
realimentação do poder social. O espectro eletromagnético, por exemplo, que é o que nos
mais remete às ondulações infinitas dessa serpente, para não causar abstrações exageradas,
passa a ser um elemento de disputa com a invenção do rádio, tanto pelo Estado, como pelo
mercado. Ora, o controle desse elemento ubíquo, nada mais é que o controle sobre a
informação em momentos de guerra que põem em risco a soberania estatal e o controle sobre
a demanda para o mercado. A família e a fábrica não podem dar mais contas sozinhas, em
seus muros, de uma demanda de controle global. A família e a fábrica tradicionais precisam se
corromper o máximo possível para dar lugar ao controle ubíquo da população e das
demandas, que precisam ter suas subjetividades produzidas e reproduzidas no mesmo ritmo da
expansão populacional e industrial.
O mercado mundial, os Estados e suas ligações a instituições transnacionais formam
hoje instâncias globais que ditam a nova ordem mundial. Elas surgem, em sua maioria, dos
Estados Unidos. Chega-se ao império, após a crise do imperialismo colonialista, conforme
Hardt (1996). O poder não possui mais limites claros e não respeita fronteiras, mas possui
origem material bem clara: os países industrializados e detentores de know-how e tecnologias
de ponta. A fluidez exigida pelos mercados na contemporaneidade solapou a concepção da
“soberania moderna”. A delimitação de locais é substituída por fluxos que não permitem
mais, segundo Hardt, estabelecer os contornos de um espaço “de fora”. O dentro e o fora cada
vez mais se tornam hibridizados e confusos. A construção das civilizações, agindo
constantemente sobre a natureza humana, reprimindo seus instintos em nome da ordem,
alcança seu ápice nessa nova era. A artificialidade da ordem civil chegou a um extremo onde
o natural não é mais reconhecido, pois se hibridiza com a estrutura que foi construída pelo
humano. É como que se anunciassem o fim da natureza, para Hardt. Entretanto, nosso
trabalho, ao passo que é uma descrição de uma Sociedade de Controle, é também uma
alternativa a ela pelo estudo de sua complexidade e da compreensão de sua necessidade para
que uma consciência possa de fato efetuar mudanças na realidade social.
Hardt também nos informa sobre a privatização dos espaços tidos antes como
públicos. Há aí também uma evidente tendência à hibridização ou de quase eliminação do
“fora”. Por isso, entende-se que há um déficit do pensamento político na sociedade de
controle. Separar, portanto, “um dentro de um fora – o natural do social, o privado do
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público” é tarefa complexa no abstracionismo da sociedade de controle. Mulgan (1991, p.
243-261), nesse sentido, leva-nos a repensar o que seria o controle público e a ideia de
“interesse público”, especialmente em um contexto democrático. Se a comunicação é privada
e pública ao mesmo tempo e se subjuga ao processamento social de reprodução, qual o espaço
ético a ser buscado? O espetáculo de Debord, utilizado pela mídia hodiernamente, é nada mais
que estratégia que desemboca nas fusões pós-modernas, onde o mercado se confunde com a
cultura (JAMESON, 2001).
O “fim da história”, em Fukuyama (apud HARDT, 1996), introduz o reino da paz. Isso
porque não cabe mais à potência soberana confrontar diretamente o “fora”. A ideia é de
extensão de seus domínios não mais pela força, mas pela persuasão. O “lugar da soberania” é
indistinto e o soberano se impõe difusamente. Na arquitetura do poder panóptico foucaultiano,
a disciplina mostrava sua estrutura. Na sociedade controlada, o mercado mundial instala seu
poder de tal forma que não mais é possível conceber seu lugar e sua estrutura. “O planeta
inteiro é seu domínio” (HARDT, 1996, p. 361). Assim, não existe algo que possa ser chamado
de espaço de “fora” para o mercado mundial, tal como existia para o poder na era
disciplinada. “Nesse espaço liso do império, não há mais lugar do poder: ele está em todos os
lugares e em nenhum deles. O império é uma utopia, ou, antes, um não-lugar” (HARDT,
1996, p. 362).
A não existência de um fora deve ser interpretada como a crescente sistemização das
sociedades em torno de um mercado mundial. Deve-se tomar muito cuidado, pois a falta de
conhecimento do que é um sistema, pode levar um a achar que a não existência do fora é uma
realidade. Mas não é. O que o sistema faz é fechar-se operacionalmente para reduzir
complexidade e controlar. Durante essa operação contínua, que envolve o processamento de
informação e comunicação mútua, os sistemas processam também ruídos, caos. Estes são
informados por feedback e os limites reajustados de acordo com o conhecimento deles pelo
sistema. Esse sistema cibernético não se iguala a uma máquina fechada, pois diz respeito à
complexidade social. A realidade social é um jogo de reprodução que encontra, para tal
finalidade, conflitos que determinam os próprios limites dessa reprodução e que são
resolvidos para que o sistema não morra. Dizer que não existe um fora, é uma visão
unicamente que parte do ponto de vista interior ao sistema, mas que não diz respeito à
realidade complexa.
As estratégias do poder na era controlada evidenciam sua realidade amorfa e moldável.
São estratégias de reorganização de empresas, por exemplo, na concepção de um mercado
mundial que trarão à mostra esse “não-lugar”. A descoberta ou a ilação do caminho do poder
contribui para evidenciar as diferenças entre era disciplinar e era do controle e, ainda,
contribui para afastar a ideologia persuasiva que a todos cega. A “desdiferenciação” entre o
dentro e o fora, para usar terminologia de Jameson (2001), na sociedade de controle, não
obstante, vem interferir diretamente na construção da subjetividade dos indivíduos. A fluidez
que diluiu as barreiras entre instituições provoca uma intensificação do contato dos indivíduos
com elas e, consequentemente, uma intensificação na produção de subjetividades. Segundo
Hardt, o lugar de cada instituição foi estendido a todo campo social. Disso se depreende que
os indivíduos não deixam de participar das instituições, mas se perde a limitação que era
inerente a todas elas.
A relação das desregulamentações institucionais com o capitalismo é essencial para
explicar o mundo em que vivemos. “Assim como o capitalismo, quanto mais elas [as
instituições] se desregram, melhor elas funcionam” (HARDT, 1996, p. 369). A lógica do
capitalismo está em seu esfacelamento ou corrupção, como nos mostra Hardt. É se
aproveitando da corrupção da subjetividade, portanto, que o capitalismo se aperfeiçoa. O
controle é, assim, uma intensificação e uma generalização da disciplina, em que as fronteiras
das instituições foram ultrapassadas, tornadas permeáveis, de forma que não há mais distinção
entre fora e dentro. Dever-se-ia reconhecer que os aparelhos ideológicos do Estado também
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operam na sociedade de controle, e talvez com mais intensidade e flexibilidade do que
Althusser jamais imaginou (HARDT, 1996, p. 369).
A sociedade de controle, consoante conclusão de Hardt (1996), conforma um “ponto
de chegada” do capitalismo. Há a constituição de uma nova “axiomática social” que
contempla uma “soberania propriamente capitalista”. Chega-se, logo, à sociedade
genuinamente capitalista que Marx definiu como “sociedade da subsunção real” (apud
HARDT, 1996, p. 372). É de grande importância, portanto, sublinhar o que esclarece Dênis de
Moraes (1998, p. 251). A diversidade de ofertas e os grandes fluxos de informação
proporcionados pela era digital contribuem para modificar a lógica entre mídia e público. O
que existe de diferente entre a mídia atual da mídia pré-digital, com relação ao controle, é que
hodiernamente não se pressupõe uma atuação disciplinar clássica, baseada na coerção. “A
antiga disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. As novas práticas de controle
social passam a ser de curto prazo, com rotação rápida e contínua” (MORAES, 1998, p. 251).
Embora o modelo disciplinar clássico não desapareça, aquele que impõe a informação,
justamente por saber que esta emana dele e apenas dele, o modelo atual de controle social,
segundo Moraes, conduz essa disciplina através de “modelos discursivos, fluidos e
sugestivos”. É uma (aparente) contradição perigosa que emerge nessa nova era: de um lado
megacorporações condicionando o mercado simbólico; de outro, a (aparente) diversidade de
oferta de informação.
James Ralph Beniger (1986), procurando compreender a centralidade da informação
para a vida material dos dias de hoje, já inicia sua grande obra – The Control Revolution – nos
convidando a pensar o porquê, como já demos sinal anteriormente, dentre as muitas coisas
que os seres humanos valorizam, de a informação ter sido aquela que dominaria as maiores e
mais avançadas economias do mundo. Por que agora os computadores, as máquinas
cibernéticas, que processam informação? A informação não haveria de se tornar bem e serviço
à toa. Simplificando: por que informação? Por que agora? Resposta: Por conta de uma
revolução na forma de o controle social operar. Isto é, a Revolução do Controle se trata de
“um complexo de rápidas mudanças nos arranjos econômicos e tecnológicos pelos quais a
informação é coletada, armazenada, processada e comunicada e pelos quais decisões
programadas ou formais podem afetar o controle social” (p. vi). A história apenas, sozinha,
argumenta Beniger (1986), não consegue explicar porque é a informação que passa a ser tão
crucial à economia e à sociedade. O cérebro mecânico que operaria e controlaria esse novo
processo de informação na era da cibernética só existe por conta da centralidade dada à teoria
da informação. Isto é, matéria não se confunde com informação, mas uma depende da outra.
“O cérebro mecânico não secreta pensamento ‘como o fígado faz com a bílis’, tal como
pretendiam os primitivos materialistas, nem o externa sob a forma de energia, como o
músculo externa sua atividade”. Assim, “informação é informação e não matéria ou energia.
Nenhum materialismo que não o admita pode sobreviver hoje em dia” (WIENER, 1970, p.
171). O caminho descrito pela cibernética para pensar um “cérebro mecânico” abriu outros
para pensar os mesmos processos em todos os sistemas vivos, o que faz com que a
informação tenha sua contrapartida e fundamento de validade naquilo que há de mais
complexo nas ciências: a própria vida. A resposta, assim, deve ser buscada “na natureza de
todos sistemas vivos – em última análise, na relação entre informação e controle” (BENIGER,
1986, p. vi). A razão disso é simples e complexa ao mesmo tempo: a vida já implica controle,
em células e organismos, não menos do que em economias nacionais ou qualquer outro
sistema finalista (purposive system) (BENIGER, 1986, p. vi).
Sociedades são sistemas de processamento de matéria e esse papel se tornava mais
claro na medida em que a Revolução Industrial aumentou o ritmo e a velocidade com as quais
a matéria se tornava processada. Houve um momento em que a necessidade de um
processamento mais rápido ultrapassou as possibilidades humanas, sendo necessários novos
avanços econômicos e tecnológicos com vistas em se criar ferramentas propícias ao
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processamento daquilo de que sempre precisou a vida: informação. A razão da informação
também é clara: a necessidade de controle se tornou cada vez maior. Controle sempre gera
controle e, nisso, a velocidade para controlar ultrapassou o ritmo humano nos momentos
próximos e posteriores à Revolução Industrial, necessitando de extensões para controlar o
próprio controle e, como consequência, para processar informação e comunicação. Entender a
economia da informação em expansão como meio de controle parece ser apenas um modo
diferente de olhar as coisas. Apesar disso, as pretensões de Beniger são maiores: propor uma
síntese dos conhecimentos parcelares sobre as sociedades de informação, trazendo todas as
verdades produzidas dentro de outras que abarquem o todo (p. viii). Assim, criamos uma série
de teorias com termos diferentes (Sociedade de controle, Sociedade do conhecimento,
Sociedade pós-fordista etc.) que, a fundo, referem-se a uma verdade em comum: necessidade
de controle, daí a Revolução do Controle. Controle tem raízes no biológico, no físico e no
antropossociológico, compondo um pondo de partida importante para realização de um
pensamento complexo, conforme proposto por Morin (2013). O termo “revolução”, explica
Beniger, é um termo emprestado da astronomia que somente apareceu no discurso político na
Inglaterra do século XVII, referindo-se à “restauração de uma forma prévia de governo”,
sendo somente com a Revolução Francesa que a palavra ganhou um significado oposto até
hoje utilizado: “de mudança abrupta e frequentemente violenta” (1986, p. 7). No estudo de
Beniger, esse cuidado com a etimologia implica dizer que seu trabalho encara a palavra
revolução na combinação dos dois sentidos, não somente no popular, pois a Revolução à qual
Beniger se refere também tem seu sentido de restabelecimento de uma ordem que se
encontrava em crise – é o que ele chama de “crise do controle”, iniciada com a Revolução
Industrial e que levou mais tarde à Revolução do Controle, o que podemos encarar como uma
sobrevivência por meio do controle do sistema capitalista. Até mesmo a palavra “crise” pode
passar a ganhar uma autorreflexão nesse contexto, sendo levada às suas origens na medicina
como sinônimo de um ponto máximo de adoecimento de um sistema que, passado esse
momento por meio das realimentações vitais para combater seu enfraquecimento, voltaria à
sua homeostase; ou não, à sua morte. Isso é, entretanto, muito complicado para dizer sobre os
sistemas complexos humanos na forma de sociedades. Há quem diga que estamos em crises
constantes. Mas, esse não é nosso ponto aqui, já que controle absoluto é improvável e não
deve ser encarado no trabalho de Beniger, nem neste, como uma forma de absoluta
dominação. A renovação constante da crise é uma forma dialética de ver a mudança social, de
acordo com sua necessidade de manutenção de controle sobre a vida.
No trabalho de Beniger, como escreve, “a palavra controle representa sua mais geral
definição, influência proposital direcionada a um objetivo predeterminado” (purposive
influence toward a predetermined goal) (1986, p. 7). A ideia de controle como “influência” é
uma possibilidade que confirmamos com o estudo etimológico da palavra feito por
Comparato (2014). A origem do termo do Latim, entretanto, oferece-nos mais informação
importante. A palavra controle deriva do verbo do Latim medieval contrarotulare. Beniger
interpreta o verbo como “comparar algo contra os rolos” (rolos tem o sentido de “registro”),
cilindros de papel que serviam como registros oficiais nos tempos antigos. Essa própria
origem latina já é explicativa do processo de controlar algo, comparando os inputs de
determinados sistemas a seus programas armazenados, registrados. Assim, o programa de um
sistema serve como o registro da história do sistema com o qual o insumo que adentra o
sistema será comparado. Assim, inseparáveis do conceito de controle são as atividades de
processamento de informação e comunicação recíproca, centrais para realização do controle.
O processamento de informação, segundo Beniger, “é essencial para toda atividade com um
propósito, que são por definição direcionadas a um objetivo (goal) e devem, portanto,
envolver a contínua comparação dos estados atuais aos fins futuros, um problema básico de
processamento de informação” (1986, p. 8). Junto à comparação entre inputs e objetivos, uma
interação comunicacional mútua entre controlador e controlado deve também ocorrer, “não
apenas para comunicar a influência daquele para este, mas também para comunicar de volta
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os resultados dessa ação (daí o termo feedback, por conta do recíproco fluxo de informação de
volta ao controlador” (BENIGER, 1986, p. 8). Daí, portanto, a centralidade do processamento
de informação e da comunicação mútua entre controlador e controlado. Não apenas essa
concepção influenciou Wiener em sua definição de Cibernética, mas também, conforme
Beniger, os pioneiros da teoria matemática da comunicação, Shannon e Weaver. Para estes,
conforme Beniger, a comunicação era um controle proposital, ou o conjunto de procedimentos
pelos quais uma mente pode afetar a outra. Eles notaram que “ou a comunicação afeta um
comportamento ou não possui qualquer efeito discernível ou provável” (BENIGER, 1986, p.
8).
Pondo tal conceito de controle, inseparável das atividades de processamento de
informação e comunicação, ao nível de uma sociedade, Beniger (1986) nos afirma, portanto,
que a habilidade dessa sociedade em manter controle, em todos os níveis (do interpessoal ao
das relações internacionais), será diretamente proporcional ao desenvolvimento de suas
tecnologias de informação.
O processamento de informação, explica Beniger, pode ser mais difícil de apreciar do
que o processamento da matéria e energia, como é simples perceber com o processamento
tanto do carvão, da energia à vapor e dos tecidos em algodão pelos inventos que levaram à
Revolução Industrial. Isso ocorre, pois, ao contrário do processamento de matéria e energia, a
informação é epifenomenal, ou seja, “deriva da organização do mundo material no qual ela é
inteiramente dependente para sua existência” (BENIGER, 1986, p. 9, grifo nosso). Aqui,
precisamente, lembramos as palavras de Wiener: de que não há materialismo que se sustente
sem sua relação com a informação. Apesar de ser derivada da matéria e da energia que
constituem esse mundo material, a informação está ligada diretamente aos sistemas vivos que
necessitam de organização, de ordem e de poder. Resumindo, com Beniger: “todos os
sistemas vivos precisam processar matéria e energia para se manter contra a entropia, a
tendência universal da organização rumo ao colapso e à aleatoriedade” (1986, p. 10). Sendo o
controle necessário para tal processamento, a informação é, por sua vez, essencial ao controle.
Em decorrência, o processamento da informação e a comunicação mútua, enquanto elementos
que diferenciam os sistemas vivos do universo inorgânico, são elementos que definem a vida,
“excetuados alguns artefatos recentes de nossa própria espécie” (1986, p. 10).
A crise do controle, que levaria à Revolução do Controle, é encontrada por Beniger na
descrição de Émile Durkheim sobre o processo de industrialização das sociedades. A
industrialização, assim, de acordo com Durkheim (apud BENIGER, 1986), tende a quebrar
barreiras para transporte e comunicação que isolam mercados locais, chamados por ele de
“tipo segmentado”, estendendo a distribuição de bens e serviços para o “tipo organizado” de
mercado, que se trata de mercados em âmbito nacional e global. Quando ocorre isso, há uma
quebra de equilíbrio sob o qual a produção é regulada por intermédio de comunicação direta
entre produtor e consumidor. Essa descrição de Durkheim, presente no livro Da divisão do
trabalho social, é a descrição do que Beniger caracteriza como “crise de controle”. A saída da
crise seria solucionada com novos meios de comunicação com a finalidade de controlar
economias organizadas em níveis mais complexos que o do mero tipo segmentado,
localizado. Há, como diz Beniger, uma crescente “sistemização” (“systemness”) da sociedade,
na qual a capacidade de comunicar e processar informação está diretamente ligada ao que
funcionalistas estruturalistas como Durkheim chamaram de “problema de integração”
(BENIGER, p. 11), ou seja, “a crescente necessidade de coordenação de funções que
acompanham a diferenciação e a especialização em qualquer sistema” (BENIGER, p. 11).
Para Beniger, o que Durkheim descreve como uma crise de controle no âmbito social tem sua
contrapartida no âmbito da psicologia individual. A “anomia” de Durkheim surge, portanto,
do colapso de normas que governam o comportamento grupal e individual. A anomia é um
estado patológico do comportamento, exceção da própria regra de Durkheim que via o
aumento da divisão do trabalho diretamente associado a uma integração normativa e de
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solidariedade social. Todavia, o estado de anomia não decorreria primeiramente dessa
mudança na estrutura da divisão do trabalho social, mas do colapso da comunicação entre os
setores sociais cada vez mais isolados. Assim, tanto o problema da integração econômica
quanto o da anomia, resultam da incapacidade de comunicação. O que Beniger segue
mostrando em todo seu livro são exatamente os esforços tecnológicos e econômicos para que
a comunicação se tornasse possível.
Para Beniger, principais respostas tecnológicas à essa crise de controle estão em
Weber, quem primeiro analisou o rápido crescimento da burocracia formal na virada do século
XIX para o XX (BENIGER, 1986), mais notavelmente em Economia e Sociedade. A
burocracia é a tecnologia que controla outros inventos tecnológicos capazes de cuidar dessa
organização complexa trazida pela crise do controle. Apesar do apelo à formalidade da
burocracia nesse novo momento histórico, não se deve atribuir novidade ao fenômeno. Os
antigos estados-nação da Mesopotâmia e do Egito necessitavam de administrações
centralizadas, sendo daí que surge o aparato burocrático, o qual continuou a ser utilizado e
aperfeiçoado atingindo os impérios pré-industriais de Roma, China e Bizâncio (BENIGER,
1986). As organizações burocráticas, sintetiza Beniger, “tendem a aparecer qualquer que seja
o local em que uma atividade coletiva necessite ser coordenada por muitas pessoas em direção
a objetivos explícitos e impessoais, isto é, ser controlado”. Assim, “burocracias têm servido
como meios generalizados de controle a qualquer sistema social amplo na maior parte das
arenas institucionais e das culturais desde sua emergência em torno de 3.000 a.C.”
(BENIGER, 1986, p. 13, grifo nosso).
Por conta dessa pervasividade da forma burocrática, a história e seus historiadores,
segundo Beniger (1986), tendeu a discutir com superficialidade o seu papel no último século
XIX como uma grande tecnologia de controle. É na sua forma moderna, sobretudo, que a
burocracia atinge o grau de tecnologia de controle e também de sobrevivência, isto é, tanto em
termos políticos como em econômicos. Com ajuda de novos meios de comunicação que
entrariam como parte desse aperfeiçoado objeto de controle, a sobrevivência de toda uma
economia social se tornara possível, juntamente com o lucro visado por particulares
detentores do poder econômico cada vez mais centralizado. O aparato estatal, é claro, bem
mais evidente inclusive que o econômico, aproveitou-se dessa nova organização do mundo
material, podendo aplicar a força da lei com a ajuda de meios de controle tentaculares como a
burocracia. A burocracia é, assim, um constituinte, ao mesmo tempo, econômico e político na
modernidade, dela se apropriando o imperium para aplicar suas leis e controlar a ordem
social, e a economia para permanecer sobrevivendo, inclusive mantendo padrões antigos de
exploração. A burocracia não pode deixar de ser vista como um meio de comunicação maior
que organiza outros menores. Se a comunicação, enquanto objeto, está situada nessa
encruzilhada de controles, como podemos falar de comunicação “livre”, em “free” flow of
information? Assim, como o poder não mostra sua materialidade com facilidade para a
sociedade emergente, estando “escondido” em uma rede de controle e sobrevivência,
podemos dizer que a comunicação que ali circula só pode dele “ser serva”.
A afirmação de Morin (2011) de que o poder que está escondido faz a comunicação
sua serva é corolário do pensamento de que à organização do controle e da comunicação não
se tem dirigido tanta atenção. Aliás, o seu pensamento complexo evidenciou que a forma
organizacional das coisas não pode estar imiscuída em um black-box onde os processos não
são vistos e reduzidos ao esquema input-output das máquinas triviais. Controle e
comunicação, em sua relação, só se tornam temas novamente postos em discussão, mesmo
assim marginalmente, com a Cibernética, quando exatamente o homem tem o aparelho ou a
máquina em suas mãos para analisá-lo e controlá-lo, observando nele os fluxos de
comunicação e de controle. Na guerra, mais do que nunca, era preciso dominar os processos
de comunicação e de controle.
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Considerações finais
Como visto, a “‘comunicação’, como uma atividade social, compreende o conjunto de
formas sociais pelas quais as relações sociais são expressas, materializadas e modificadas”; a
“comunicação estabelece a moldura, os limites e as implicações dessas relações sociais, seja
lá uma questão de nações, classes, mercados ou impérios” (DE LA HAYE, 1979, p. 55, grifos
nossos). Essa afirmação complementa, portanto, a noção de comunicação de Luhmann, um
sistema operacionalmente fechado que produz a si mesmo e operador central do sistema
social. A comunicação é uma atividade social que estabelece os próprios limites de tal
atividade.
Para organizar e, ao mesmo tempo, por limites à situação de um todo social complexo
que se produz e reproduz continuamente, a comunicação tem de ser relativa ao controle
social. Controle social e comunicação social são faces de uma mesma moeda, de uma mesma
realidade: a dos sistemas vivos (Estados, indivíduos, empresas, sociedades) que produzem e
se reproduzem para sobreviver à tendência eterna à entropia que foi estabelecida pela segunda
lei da termodinâmica (MORIN, 2011).
O caráter central da reprodução social está no movimento de seus limites e isso só é
possível por meio da realimentação sistêmica (feedback). A informação, epifenômeno do
mundo material, passa por todas as barreiras físicas, como lembra Raffestin: “as barreiras em
volta dela não servem para nada”. E Raffestin lembra Wiener em Cibernética e Sociedade ao
dizer que gozará de maior segurança aquele país em que “a situação da informação e da
ciência for apropriada para satisfazer as eventuais exigências – o país no qual se constatar que
a informação interessa na qualidade de um processo contínuo, pelo qual observamos o mundo
exterior e agimos eficazmente sobre ele” (1993, p. 220).
A informação e sua existência no processo comunicacional dos sistemas sociais
(político e econômico) hoje só revelam a vida dupla da comunicação. Ela organiza o poder
social (política) ao mesmo tempo em que estabelece os limites da produção e reprodução
social sistêmica (economia). É na e pela comunicação que se vive e que se permite viver e
sobreviver. O que nos resta é criticar o processo comunicacional engendrado nesse tipo de
realidade – se compatível com a axiologia democrática preconizada pelos territórios
ocidentais ou se a comunicação é apenas serva de uns poucos. Daí, portanto, a tarefa do
sujeito e do intelectual é buscar e criticar os limites dos usos e alcances da comunicação em
sociedade, principalmente na atual complexidade da sociedade mundial de controle.
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Educação para o turismo: o programa “Mais cultura nas
escolas” em uma escola de Parnaíba/Piauí
André Riani Costa Perinotto Doutor em Ciências da Comunicação – UNISINOS/RS; Mestre em Geografia (Organização do Espaço) –
UNESP/Rio Claro; Especialista em Docência para Ensino Superior (Turismo e Hotelaria) – SENAC/SP; e
Bacharel em Turismo – UNIMEP/SP. Professor Adjunto do Curso de Turismo da UFPI (Universidade Federal
do Piauí – Brasil). Professor do Mestrado Profissional em Artes, Patrimônio e Museologia – UFPI e Professor
do Mestrado em Gestão de Negócios Turísticos da UECE. Endereço para correspondência: Av. São Sebastião,
2819 (Bairro Reis Veloso). CEP: 64202-020 – Parnaíba – Piauí (Brasil). Telefone (+55 86 33235299). E-mail:
Aline Ribeiro de Sousa Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Piauí- UFPI; e Licenciada em Pedagogia pela
Universidade Federal do Piauí- UFPI. E-mail: [email protected]
Dilene Magalhães Borges Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Piauí- UFPI. E-mail: [email protected]
Resumo
Buscou-se neste trabalho refletir sobre o papel da Educação para o Turismo, tendo a
Educação Patrimonial como ponto de partida para as reflexões a respeito do fazer turístico
no município de Parnaíba-Piauí. O objetivo consiste em analisar como a Educação
Patrimonial tem ajudado os alunos da escola Municipal Borges Machado a conhecer e
valorizar a cultura local e consequentemente a educação para o turismo. Neste sentido,
adotou-se uma linha de conteúdos sobre Educação Patrimonial, o projeto Mais Cultura nas
Escolas, sobre turismo, educação e hospitalidade. O delineamento da pesquisa se
caracterizou como estudo de caso, por conseguinte a pesquisa classificou-se como
exploratória e descritiva, e utilizou-se a pesquisa bibliográfica e documental. Para a coleta
dos dados usou-se da entrevista não padronizada e aplicação de questionário. Diante dos
resultados pode-se perceber que a Educação Patrimonial tem contribuído para validar as
experiências e conhecimento da realidade dos envolvidos e com isso cria-se um sentimento de
pertencimento e afetividade com seus bens patrimoniais. No entanto, notou-se as limitações
existentes no projeto, por isso acredita-se que a educação para o turismo pode além de
agregar valores em relação ao exercício da cidadania, como também ajuda no despertar de
um sentimento de pertencimento da comunidade local, o que auxilia na preservação de suas
tradições.
Palavras-chave
Patrimônio; Educação e Turismo; Parnaíba/PI.
Abstract
This job wanted to reflect the role of the Education for Tourism, having the Heritage
Education as a starting point for the tourist reflections about doing in the city of Parnaíba-
Piauí. The goal to analyze consist as the Heritage Education has helped the students of
Municipal School Borges Machado to know and value to the local culture and therefore
education for tourism, in this sense adopted a line of contents about Heritage Education, the
project More Culture in Schools, about tourism, education and hospitality. The delineation of
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the research was characterized as a case study, so the research was classified as exploratory
and descriptive, it was used bibliographical research and documental. For the collection of
the data using one of the interview not standardized and application of questionnaire. Given
the results can be realized the Heritage Education has contributed to validate the experience
and knowledge of the reality of the people involved, and with that creates a sense of belonging
and affectivity with your capital actives. However you noticed the limitations existing in the
project, so help is believed that the education for tourism can beyond adding values in
relation to the exercise of citizenship, as well as her to wake from a sense of belonging to the
local community, what you watch on the preservation of your traditions.
Keywords
Heritage; Education and Tourism; Parnaíba/PI.
Introdução
O que seria do homem se não fosse a sua história, seus costumes e tudo mais que o
faz ter uma identidade ou que o identifique como pertencente a um grupo social específico? É
com este questionamento que se abre esta pesquisa e uma das respostas mais plausível para
essa pergunta vai de encontro ao pensamento de Karl Marx (s/d, p.2) que já dizia “o homem é,
inseparavelmente, produto do meio em que vive”. Deste modo o homem é fruto do meio em
que vive, seja pelos fatores ambientais/naturais, seja pelas relações sociais, advindas dos
ambientes de trabalho, escolar e principalmente, familiar. Dessa forma, infere-se que o
homem se estrutura, influenciando e sendo influenciado nesse processo de interação.
Essas relações veiculam e fortalecem o que se conhece como patrimônio cultural,
que do ponto de vista de Dias e Machado (2009) “compreende os elementos significativos da
memória social de um povo ou de uma nação que englobam os elementos do meio ambiente”,
como as crenças, costumes tradições e monumentos que são repassados de geração para
geração e que ao longo dos anos sofrem transformações. Devido a isso o indivíduo é
considerado um ser social, que constrói o seu legado e o transmite para seus descendentes.
Isso significa dizer que a cultura, constituída de princípios éticos e morais, é a essência do ser
humano no que diz respeito ao seu convívio em sociedade. Por conseguinte faz-se necessário
repensar o que o sistema educacional tem feito em relação à preservação das diferentes
culturas e de que maneira pode-se manter viva a identidade de um povo, haja vista que a
educação tem papel decisivo no que diz respeito à construção do conhecimento e só se
preserva o que se conhece.
Com base no que foi exposto buscou-se neste trabalho discutir o papel da escola no
que tange a Educação para o Turismo, tendo a Educação Patrimonial como ponto de partida
para as reflexões a respeito do fazer turístico no município de Parnaíba-Piauí. Para isso
adotou-se o seguinte questionamento: De que maneira o projeto de Educação Patrimonial,
desenvolvido na Escola Municipal Borges Machado no Município de Parnaíba-Piauí colabora
no processo de ensino aprendizagem em relação ao grau de pertencimento da cultura local que
os alunos podem adquirir com as atividades extraclasses?
Embora o turismo seja considerado uma atividade econômica por ser geradora de
emprego e renda, este se encontra ligado a diversos setores que o torna multidisciplinar, visto
que engloba diferentes áreas do saber como a geografia, história, artes, biodiversidade, dentre
outras que estão contidas no universo e propostas educacionais, por isso, o interesse de se
trabalhar a educação tendo como perspectiva o desenvolvimento da atividade turística no
município de Parnaíba- Piauí.
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Há de se ter em vista que a cidade possui um grande acervo histórico-cultural e
natural, que tem tudo para se tornar um dos destinos mais procurados e visitados da região
nordeste para a prática do turismo. No entanto, a população parece não se atentar ao fato de
que seu envolvimento nesse processo se torna necessário para alcançar o sucesso da atividade
e em decorrência disto o seu patrimônio será salvaguardado para que as futuras gerações
possam ter conhecimento das suas raízes e tradições e sintam-se orgulhosos do seu povo.
Para isso, é necessário que se incentive desde muito cedo o envolvimento e a
inclusão da comunidade em conhecer e defender o que é seu, a sua identidade e seus
costumes. A maneira mais viável é trazer essas discussões para a sala de aula através dos
temas transversais que são destacados nos Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação-
PCN e isso pode ser feito através da Educação Ambiental, Educação Patrimonial e demais
disciplina formais, visto que a integração entre esses conteúdos são importantes para uma
educação de qualidade, tendo em vista o novo momento que se vive.
Neste sentido, acredita-se que uma educação turística, possibilita a construção de
meios para trabalhar desta maneira a multidisciplinaridade característica do turismo e da
educação e com isso pode-se inserir uma infinidade de temas que estão direta ou
indiretamente ligados à atividade turística e que são importantes para a relação entre hóspede
e hospedeiro. Todavia o que se pode perceber é que as instituições não têm uma percepção de
que através do turismo é possível reverter um problema que há muito tempo é debatido no
meio educacional, que é a falta de conscientização e interesse dos alunos em assuntos que
dizem respeito à cidadania e sua participação ativa no meio em que vivem. Assim, esse aluno
passa de sujeito passivo para ser um indivíduo proativo, atuante no que tange a sobrevivência
da sua história, cultura e tradições dentro desse sistema globalizado em que se vive.
Deste modo, a educação para o turismo traz consigo a possibilidade de salvaguardar
a história de um lugar, fato este que define a origem e identidade de um povo que através
disto o homem guarda seus costumes e valores, os quais irão ser transmitir para seus
descendentes. E isso é que o visitante procura quando sai do seu local de origem, ou seja, o
turista vem em busca de troca de experiências e vivências com o autóctone. Vale ressaltar que
possibilita o enriquecimento do indivíduo e da sociedade, bem como se torna uma alternativa
para o desenvolvimento consciente da atividade turística dentro de uma comunidade.
Portanto, a educação para o turismo tem como fator importante nesse processo, a
inserção da população local com a finalidade, não só de envolvê-los nas ações de preservação
do seu patrimônio, mas de sensibilizá-los e prepará-los para receberem bem o visitante,
despertar assim o sentimento de povo acolhedor, de modo que a relação entre anfitrião e
hóspede seja inteiramente amistosa e recíproca. Para alcançar esse objetivo não basta esperar
que a comunidade receptora por si só já esteja preparada para recepcionar esse viajante, ela
precisa ser introduzida no sistema de forma a participar das tomadas de decisões que
interferem na sua vida, no seu cotidiano. Nesse sentido é relevante destacar que não basta só
estruturar o destino para satisfazer as necessidades dos turistas, mas o envolvimento dos
moradores com os visitantes são peça-chave com relação à hospitalidade de um lugar, tendo
em vista que a maioria dos turistas preza pela boa receptividade que encontrarão nos futuros
destinos.
Na concepção de Issa (2007) a hospitalidade se caracteriza pela proximidade de
ações como solidariedade, vínculos e laços sociais que estão enraizados na composição e
concepção das comunidades, deve-se assim iniciar no seio dos componentes da população
local para posteriormente exteriorizar aos visitantes, ou seja, criar um ambiente amigável
entre os próprios moradores e isso se reflete na recepção do turista.
Assim a Educação para o Turismo cria possibilidades do desenvolvimento
sustentável da atividade turística, em que vise buscar meios de minimizar seus impactos
negativos e maximizar os positivos de forma que autóctone e visitante convivam
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harmonicamente com o meio ambiente e que dessa relação resulte a preservação do
patrimônio cultural e natural, bem como o crescimento econômico da região.
Educação patrimonial: significados, conceitos e desafios
A Educação Patrimonial refere-se a uma atividade que está relacionada a ações
educacionais que visam o conhecimento do patrimônio cultural, seja ele local, regional ou
nacional, e tem como finalidade sua preservação para que no futuro se tenha conhecimento
sobre os fatos ocorridos no passado.
Desse modo, a proposta de desenvolver ações educativas com a finalidade de fazer
uso e se apropriar dos bens culturais, surge no Brasil em 1983 no 1º seminário “Uso
Educacional de Museus e Monumentos” que ocorreu em Petrópolis, Rio de Janeiro, Horta
(1996, p.1). No entanto, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional- IPHAN
desde a sua criação na década de 30 salienta sobre a importância de criar estratégias para a
proteção e preservação do patrimônio, dando destaque as ações educativas.
Desde a sua criação, em 1937, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – IPHAN – manifestou, em documentos, iniciativas e projetos, a
importância da realização de ações educativas como estratégia de proteção e
preservação do patrimônio sob sua responsabilidade, instaurando um campo
de discussões teóricas e conceituais e metodologias de atuação que se
encontram na base das atuais políticas públicas de Estado na área
(FLORÊNCIO, CLEROT, BEZERRA, RAMASSOTE, 2014, p. 5).
Por isso, o Patrimônio Cultural é um direito do ser humano e isso foi formalizado em
1998 pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos). Como descrito por
Rodrigues (2005) todo homem tem direito e este deve ser respeitado, mostrando-se autêntico,
expressando sua identidade, utilizando seu patrimônio e dos demais, participando das decisões
relacionadas à sua cultura, podendo associar-se para defender e preservar este.
Seguindo esta perspectiva é preciso ressaltar que a cultura resulta de uma construção
social, visto que é a partir da convivência entre os indivíduos e sua interação com o meio
ambiente que surgem os interesses em comum que os fazem pertencerem a um grupo social
especifico. Esta por sua vez é o que contribui para a criação de uma identidade seja individual
ou coletiva.
[...] Cultura é um processo pelo qual o homem acumula as experiências que
vai sendo capaz de realizar, discerne entre elas, fixa as de efeito favorável e,
como resultado da ação exercida, converte as idéias em imagens e
lembranças, a princípio colocadas às realidades sensíveis, e depois
generalizadas, desse contato inventivo com o mundo natural (PINTO, 1968,
p. 123, apud TRIGO, 1993, p.52).
Ao destacar que as experiências se convertem em imagens e lembranças o autor faz
uma reflexão a respeito da memória que é outro fator importante ao se trabalhar à educação
patrimonial, pois através da memória coletiva, estimulada no ambiente escolar, é que se pode
concretizar a apropriação e valorização da cultura local.
Segundo Cabral (2004, p.36) a “memória como construção, formada da inter-relação
entres os seres e entre seres e coisas, sendo esta a base para a construção da identidade, da
consciência do indivíduo e dos grupos sociais e é assim que se estabelecem as relações, a
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partir dessa identificação”. Partindo desse pressuposto é valido ressaltar que memória e
identidade são primordiais para a existência e preservação do Patrimônio Cultural, o que
Batista (2005, p.30) reforça ao dizendo que:
A identidade cultural e a memória reforçam-se mutuamente. Conhecemos as
nossas raízes, distinguimos o que nos une e o que nos divide. Estamos aptos
a entender que a cultura e a memória são faces de uma mesma moeda e que a
atitude cultural por excelência e com o que nos rodeia, desde os testemunhos
construídos ou das expressões da natureza aos testemunhos vivos aos quais
são imprescindíveis para a construção desta identidade.
Seguindo essa perspectiva a Educação Patrimonial tem nos bens culturais, sejam
estes materiais e imateriais e/ou tangíveis e intangíveis, a fonte de conhecimento primário,
capaz de transformar a realidade de comunidades que muitas vezes não são percebidas pelos
próprios moradores de quão importante é a sua cultura e que seu conhecimento e
reconhecimento é preciso para que esta continue viva e assim possa fortalecer sua identidade
e memória.
Nesse sentido, a escola é concebida como um espaço sociocultural, em que tem como
obrigações conduzir o indivíduo ao conhecimento e assim o exercício pleno da cidadania,
feita através de sua colaboração para com a comunidade onde está inserido. Neste sentido, é
preciso frisar a importância que o sistema educacional tem em relação ao desenvolvimento de
ações que visem ao respeito à diversidade cultural do país, buscando assim a valorização não
só do patrimônio cultural nacional, mas principalmente ao patrimônio que se encontra ao seu
redor. Para isso a Educação Patrimonial deve-se ser inserida, de fato, nos currículos escolares,
entretanto deve-se pensar em uma metodologia inovadora, que agregue valores referentes à
realidade das comunidades.
Do ponto de vista de Magalhães (2009, p.2), existem duas possibilidades ao se
pensar na Educação Patrimonial, com características distintas e opostas, que são a educação
tradicional e a educação transformadora. A primeira dá ênfase a uma visão impositiva que tem
interesses específicos, enquanto a segunda segue uma visão de caráter libertador, em que o
sujeito é autônomo capaz de produzir seu próprio conhecimento e perceber contradições nesse
processo. Esse autor ainda justifica suas palavras dizendo que a educação tradicional “[...]
preocupa-se apenas com construções significativas para alguns grupos sociais, geralmente
identificados aos grandes barões do café ou a edificações religiosas, vinculando a memória da
cidade com estes personagens. [...]” (p.4).
Desta maneira o desafio da educação está em inserir nos currículos uma proposta
pedagógica que venha a trabalhar o educando de forma que o torne sujeito participativo no
que se refere a sua participação no meio em que vive, incentivando-o a exercer sua cidadania
e em consequência disto criar a possibilidade deste se apropriar e salvaguardar sua cultura.
Nas argumentações de Biazzeto (2013) em seu trabalho sobre educação patrimonial e
memória, é destacado o arquivo histórico de Porto Alegre, e dois projetos desenvolvidos nele,
como lugar de memória e a utilização deste como espaço não formal de educação, para esse
autor lugares como esses “[...] contribui na construção de identidades a partir do momento que
propicia a apropriação dos bens culturais que os educandos entram em contato durante as
ações, conscientizando que todos são sujeitos históricos, construtores de memória e
identidade”.
De acordo com Biazzeto (2013), pode-se referir a um método não muito recente, mas
que se bem planejado é capaz de ultrapassar as barreiras existentes entre a teoria e a prática,
são as chamadas aulas passeio ou city tour, em termos mais atuais visitas técnicas. O passeio
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pela cidade funciona como um importante instrumento pedagógico no processo de ensino
aprendizado do estudo do meio utilizando práticas de recreação a fim de integrar conteúdos
curriculares as vivências sociais e assim contribuir para enriquecer os conhecimentos sobre o
lugar em que vive e seus moradores. Nesse contexto, a proposta se confronta com os
princípios do turismo pedagógico.
No entanto a proposta de que trata esta pesquisa, não é necessariamente de levar os
alunos a conhecerem a cultura de outros locais, não no primeiro momento, mas sim instigá-los
a conhecer sua própria, para se auto afirmarem como possuidores de uma identidade autêntica
e que tem valor equiparado às demais. As instituições educacionais, em sua grande maioria,
insistem em uma educação tradicional com metodologias defasadas e que tem provocado
diversos problemas, então a ideia é utilizar métodos que envolva o sujeito para que este passe
de espectador a ator e autor da sua própria história. Gomes (1996, p. 87) diz que: “Discutir,
compreender e pesquisar sobre a relação entre cultura, escola e diversidade étnica cultural nos
possibilita um olhar mais aguçado sobre a instituição escolar e a adoção de novas práticas
pedagógicas”.
A Educação Patrimonial tem com isso o papel fundamental de promover uma
aproximação do educando com sua realidade, possibilitando que os conhecimentos adquiridos
em sala de aula se intensifiquem na vivência da prática, criando deste modo novas
possibilidades de ações dos cidadãos, bem como a preservação de seus bens culturais,
construindo um elo entre passado e presente e desconstruindo assim essa identidade que por
tempos foi imposta pelo sistema educacional. Para isso é interessante averiguar o tem sido
feito em relação à introdução de políticas públicas que visem à valorização do patrimônio
local por parte de todos os envolvidos no cenário onde este se encontra.
O programa mais cultura nas escolas e sua possibilidade de
ampliação
Diante do que foi exposto emerge a necessidade de explanar sobre um recente
programa de política pública relacionada à temática, que é o Programa Mais Cultura nas
Escolas. Este foi implantado em 2013 em todo território brasileiro e foi elaborado por uma
iniciativa interministerial, Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Cultura (MinC),
(MANUAL, 2013). Esse tipo de iniciativa se torna necessário visto que os municípios não
disponibilizam de recursos para a execução de projeto que requer uma atuação mais prática
dos sujeitos envolvidos. De acordo com Sowa e Rosa (2014, p.5) “políticas como essas
possibilitam a redução das desigualdades sociais, assim como garantir o direito humano e de
cidadania a cultura”.
O Programa Mais Cultura teve seu surgimento iniciado a partir de dois outros
programas do MEC, que são: Mais Educação (2007) e Ensino Médio Inovador (2009). Estes
foram criados para comtemplar gradativamente a integralização do ensino público Sowa e
Rosa (2014). Por isso que uma das exigências para as escolas se escreverem no Programa, era
está participando de um desses outros dois. A finalidade é promover ações que façam a
ligação entre o projeto pedagógico de escolas públicas e as experiências culturais nas
comunidades locais e nos diversos territórios (MANUAL, 2013). Dentre os objetivos dos
quais se propôs essa iniciativa destaca-se quatro dos nove que consta no manual de elaboração
de atividades, que são:
•Reconhecer e promover a escola como espaço de circulação e produção da
diversidade cultural brasileira; Contribuir com a formação de público para as
artes e ampliar o repertório cultural da comunidade escolar;
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•Promover, fortalecer e consolidar territórios educativos, valorizando o
diálogo entre saberes comunitários e escolares, integrando na realidade
escolar as potencialidades educativas do território em que a escola está
inserida;
•Proporcionar encontro entre vivências escolares e manifestações artísticas e
culturais fora do contexto escolar;
•Fomentar o comprometimento de professores e estudantes com os saberes
culturais locais (MANUAL, 2013).
Os objetivos em destaque são os que mais têm relação com o que foi exporto nesta
pesquisa, que trazem a escola como espaço de integração e produção da diversidade cultural,
enfatiza a importância das vivências e trocas de experiências entre saberes escolares e
comunitários, que se fazem presente nas propostas da Educação Patrimonial. E por que não
dizer que tem uma relação como a atividade turística?
A proposta de inserir o turismo nessas atividades se justifica por ser esse projeto
aplicado em uma escola que está situada em uma cidade que tem perspectiva em se tornar um
destino promissor e que possui diversos fatores que contribuirão para a expansão/extensão do
projeto, auxiliando no processo de ensino aprendizagem que colaborarão para o
enriquecimento dos conhecimentos vistos apenas em sala de aula. Visa com isso à inovação
ou reformulação de métodos que permite uma compreensão mais eficaz do contexto histórico-
socioambiental em que esse educando esteja inserido.
No entanto vale fazer uma ressalva quanto à aplicabilidade desse tipo de iniciativa,
pois em sua grande maioria a sua ineficácia acontece por falta de continuidade desses projetos
tanto por parte do órgão criador, como pelos executores. De forma que esses projetos devem
ser vistos pelas escolas como base inicial para o desenvolvimento e elaboração de outros que
busquem enquadrar conteúdos das disciplinas formais com a realidade dos alunos.
A organização dos conteúdos em torno de projetos, como forma de
desenvolver atividades de ensino e aprendizagem, favorece a compreensão
da multiplicidade de aspectos que compõem a realidade, uma vez que
permite a articulação de contribuições de diversos campos de conhecimento.
Esse tipo de organização permite que se dê relevância às questões dos Temas
Transversais, pois os projetos podem se desenvolver em torno deles e serem
direcionados para metas objetivas, com a produção de algo que sirva como
instrumento de intervenção nas situações reais (como um jornal, por
exemplo) (BRASIL, 1998, p.41)
A educação neste sentido pode utilizar-se do turismo para desenvolver atividades
educadoras e criar mecanismo que facilite o processo de ensino aprendizagem. Para isso os
educadores precisam se renovar quanto as suas práticas e investir em recursos que traga o
aluno a participar mais das questões urgentes da sua realidade. Isso pode ser desenvolvido
através de atividades complementares que ultrapasse os muros escolares, como visto na
Educação Patrimonial.
Educação, turismo e hospitalidade
Até agora o discurso aqui produzido serviu para enfatizar a Educação Patrimonial no
que diz respeito à preservação da identidade cultural de um povo. No entanto a proposta de se
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trabalhar a Educação Patrimonial deve ir além dos estudos aplicados à preservação do
patrimônio material e imaterial, como já foi supracitado, deve envolver ações que
comtemplem o desenvolvimento como um todo da comunidade, visando à qualidade de vida
tanto do residente quanto das pessoas que possam vir a visitar a localidade.
Dentro desta perspectiva, o turismo de maneira geral, independente de qual seja o
segmento, tem ajudado a mudar a realidade de inúmeras comunidades, dessa forma cabe fazer
uma ressalva quanto ao envolvimento da população em relação à implantação ou ampliação
desta atividade, uma vez que a população vai ter que se habituar a essa nova condição.
Camargo (2002, p.98) salienta para o fato de que: “são os habitantes da localidade e do
entorno imediato os primeiro a ser sensibilizados, com apoio na afetividade, para valorizar o
patrimônio”.
Partindo desta concepção Barreto (2000, p.17) também destaca que a “ideia não é
manter o patrimônio para lucrar com ele, mas lucrar com ele para conseguir mantê-lo”. Neste
sentido o turismo pode contribuir nesse preservar, conscientizando a população de que sua
cultura desperta o interesse do outro, pois embora esses indivíduos se reconheçam como
pertencentes daquele meio, muitos não sabem valorizar o que tem. Ainda de acordo com
Camargo (2002, p. 98) “Ao contrário do que se pode imaginar, os moradores locais, embora
possuindo afetividade por elementos do patrimônio constituído ou potencialmente a constituir,
não tem condições para distinguir sua importância enquanto tal”.
Por isso ao surgir o interesse em investir no turismo e em desenvolvimento local é
preciso ter em primeiro plano a inclusão social, pois a participação de todos tende a evitar
grandes impactos, sobretudo entre a cultura do visitante e da comunidade receptora. Já Bastos
(2004) faz uma observação em relação às rupturas simbólicas que poderão surge a partir das
trocas sociais e culturais com a implantação da atividade turística e ressalta que somete
através do acesso educativo cultural é que se pode evitar o desenraizamento dos sujeitos com
seu patrimônio. Ainda a respeito da exploração comercial do patrimônio, Bastos (2004, p.3)
deixa claro que esta deve:
[...] ser precedida por um planejamento e acompanhamento permanente para
que não ocorra a expropriação cultural das comunidades receptoras, a
degradação ambiental, desequilíbrios socioeconômicos e a desvalorização
cultural. Os empreendimentos devem promover a rentabilidade econômica e
o desenvolvimento social, alicerçados em critérios de qualidade que resultem
na melhoria da qualidade de vida dos moradores e não apenas canalizados
para o bem estar do turista.
Seguindo a perspectiva da autora a Educação para o Turismo dar-se-á mediante a
necessidade de deixar a par dos acontecimentos todos os envolvidos, não somente gestores
públicos e empresários, mas sim a instância mais afetada (população local) pela atividade,
pois a ausência da comunidade no processo de planejamento e monitoramento poderá
acarretar problemas irreversíveis no futuro que vão desde os impactos causados no meio
físico/ambiental como a degradação e descaracterização dos patrimônios explorados.
Do ponto de vista de Bonfim (2010) a estreita relação que existe entre turismo e
educação vem de longe, visto que no século XVIII jovens aristocratas ingleses viajavam pela
Europa, com o objetivo de obter mais conhecimento e ganhar destaque no meio profissional.
Como observado por Silva e Holanda (2012) a inclusão do turismo nos currículos, seja feito
como tema transversal, disciplina ou em atividade extraclasse, tem sentido pelo fato de que o
turismo se torna uma ferramenta para o preenchimento de diversas lacunas que existe na
implementação da transversalidade na educação formal, facilitando assim o processo de
aprendizagem.
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Como descrito por Fonseca Filho (2007) o processo de construção do conhecimento
turístico é recente e se concentra mais nos âmbitos da educação técnica e superior, ficando a
educação básica de fora deste contexto. Por isso, o foco do seu estudo está direcionado ao
ensino do turismo na educação básica, onde o turismo possa dialogar com as disciplinas
tradicionais: geografia, história, artes, ciências, biologias dentre outras áreas afins.
Partindo dessa análise a integração do turismo com as disciplinas formais possibilita
a criação de vínculos da comunidade com seu meio. De acordo com as concepções de Issa
(2007, p. 7) “o turismo é um fenômeno social, que envolve relações, vínculos, trocas de
interesses entre os diversos setores e atores e que desse relacionamento possa resultar tanto
relações amistosas e satisfatórias, quanto vínculos insatisfatórios”. Neste sentido é importante
considerar que essas relações se tornam sujeitas em um cenário turístico e que precisa ser
desenvolvidas de forma que as duas partes envolvidas tenham a satisfação garantida.
Com base as colocações desses autores à educação para o turismo tanto é importante
no que diz respeito ao processo de ensino-aprendizagem contínuo, visando à sustentabilidade
de modo geral, como também para o artifício do bem receber o turista. A harmonia entre essas
vertentes vão fazer com que o turismo seja bem recebido pela comunidade e esta será
respeitada por quem a visita. Nas considerações de Scorsato (2006, p. 84) “O turismo é uma
atividade que exige sempre um bem-receber, seja ele em uma pousada, em um restaurante, no
transporte, na casa de amigos ou parentes, na cidade etc.”.
Levando em consideração a ideia de um espaço preparado para o sujeito residente,
bem como este consciente que seu lugar, seu povo e cultura são motivadores para o
estrangeiro vir a conhecer, esta comunidade se tornará hospitaleira, que é um dos motivos que
faz com que o visitante retorne ao destino e/ou o indique a outras pessoas. Dentro desta
perspectiva Scorsato (2006) ressalta que dentre os vários motivos que levam uma pessoa a
viajar, ser bem-recebido é o que há de denominador comum entre os diversos tipos de turistas.
Busca neste sentido o relacionamento amistoso entre hóspede e anfitrião, visto que
para Bedim e de Paula (2007) a hospitalidade é fruto da relação construída socialmente entre
ambos. Dessa forma, o turismo e a hospitalidade devem estar alicerçado um ao outro, para
que atividade turística desenvolva de forma ordenada e com a participação de todos
amenizando os impactos negativos típicos desta prática.
De acordo como os estudos de Bezerra (2007) a hospitalidade é concebida a partir de
duas fontes, a escola francesa e a norte-americana, em que a primeira se baseia nas
concepções de Mauss (1974) que tem ênfase nos três deveres: dar, receber e retribuir,
enquanto a segunda possui uma visão mais capitalista, contradizendo assim a primeira, é
regida pelas atividades comerciais e que está mais direcionada a atividade turística são eles:
ato de receber, hospedar, alimentar e entreter.
A hospitalidade vista pela ótica da cultura, da moral e tida como uma dádiva está no
sentido daquilo que circula entre os envolvidos, que vai além da troca monetária Bezerra
(2007, p.341). Ou seja, é uma relação que vai além dos tramites comerciais, envolve
cordialidade, simpatia, reciprocidade, solidariedade e outros sentimento que está inserido no
processo de acolhimento de um lugar.
Neste sentido, um dos principais aspectos da hospitalidade nestas
comunidades é o bem-querer do turismo, ou seja, um dos fatores principais
para que haja a hospitalidade é o exercício da reciprocidade, a comunidade
deseja o turismo e o turista compartilha do modo de vida da comunidade.
Esta reciprocidade gera a troca, que pode ser pelo simples fato de querer
agradar o outro ou com a finalidade de suprir uma necessidade ou de prestar
um serviço (SCORSATO, 2006, p.86).
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Para Issa (2007, p. 9) a hospitalidade tem como fundamento básico o acolhimento,
independente da parte física do lugar, é o simples fato de acolher o indivíduo, no turismo, a
autora faz referência da hospitalidade como sendo esta, dinâmica e que pode ser orientada e
trabalhada para melhor desenvolver a atividade. Issa (2007) ainda acrescenta que sendo a
aprendizagem um atributo básico do ser humano, devido a este ser dinâmico e propício a
adaptações, a hospitalidade pode ser aprendida e absorvida pelo indivíduo.
Isso reafirma o papel que a educação tem em relação à promoção da atividade
turística nas comunidades, visto que muitas vezes os autóctones podem ser hospitaleiros em
decorrência da dádiva e/ou do dom, por outro lado os sujeitos podem ser inospitaleiro no
sentido de não estarem preparados para aceitar o visitante, pois podem ver estes como
invasores que irão prejudicar seu meio.
Dessa forma o acolhimento deve ser percebido desde a entrada do viajante no destino
até o retorno para sua residência. Na visão de Dias (2010) assim como a placa na entrada diz
algo sobre o lugar, a higiene dos locais utilizados para satisfazer suas necessidades básicas, o
comportamentos dos operadores de serviços, assim como as placas de sinalizações agregam
valores percebidos por qualquer cidadão que se insere nesse novo espaço.
Procedimentos metodológicos
O delineamento da pesquisa se caracterizou como estudo de caso, sendo o seu objeto
bem delimitado, pois envolveu a aplicação de um projeto em um determinado local. Neste
caso Gil (2012) considera este um processo profundo e desgastante de um ou poucos objetos,
no entanto permite um amplo e detalhado conhecimento sobre o objeto.
A pesquisa classificou-se como exploratória e descritiva e, para fundamentar
teoricamente a investigação recorreu-se a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, para
propiciar uma melhor compreensão sobre as questões abordadas nesta investigação. A
pesquisa bibliográfica nas considerações de Gil (2012) se define com base em material já
publicado, como livros e artigos científicos. Sendo assim a investigação teve como alicerce
trabalhos publicado em relação ao tema aqui abordado. Para isso buscou-se em livros, artigos,
jornais, rede eletrônica e revista informações para subsidiar e fortalecer o embasamento
teórico, tendo como fonte autores que descrevem sobre as temáticas: educação; patrimônio;
turismo; cultura; hospitalidade dentre outros temas correlacionado com o objeto da pesquisa.
Utilizou-se também a pesquisa documental que ainda na concepção de Gil (2012)
diferencia da bibliográfica pelo simples fato dos materiais não receberem tratamento analítico
ou mesmo por poderem ser refeitos de acordo sua o surgimento de necessidades. A pesquisa
documental é feita principalmente através de documentos oficiais, como foi o caso desta
investigação que se valeu da LDB- Leis de Diretrizes e Base da Educação, dos PCN-
Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação/ Temas Transversais, bem como de
documentos extra oficial como fotografias, cartas, jornais, diários, dentre outros.
Após essa etapa a pesquisa estendeu-se ao campo, que para Andrade (2010) é onde
ocorre a coleta de dados sem a interferência do pesquisador, e teve como colaboradores
docentes e discentes da Escola Municipal Borges Machado localizada no município de
Parnaíba/ Piauí, onde se encontra o objeto de estudo, tudo isso para desenvolver da melhor
maneira um trabalho consistente e com embasamento suficiente para as conclusões da
pesquisa.
Como instrumentos de coleta de dados optou-se por fazer um levantamento através
de entrevista não padronizada que segundo Andrade (2010) possui um grau de estruturação
focado no assunto que vai ser explorado permitindo assim que o entrevistado sinta-se livre e
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espontâneo no decorrer do processo. Esse procedimento é interessante para se ter uma
compreensão maior sobre a opinião real dos entrevistados e de que forma estes se posicionam
em relação ao assunto em questão.
Em seguida foi aplicado um questionário com outros atores envolvidos no estudo. O
documento foi elaborado pelo autor da pesquisa que serviu de subsídio para a identificação
dos impactos socioculturais que o objeto de estudo traria para atividade turística. Desta
maneira Dencker (1998) enfatiza que os questionários devem ser redigidos de forma clara e
que os entrevistados tenham conhecimento do que se trata a pesquisa, qual seu objetivo, por
esse motivo deve constar na parte inicial um resumo sobre o assunto, bem como o
agradecimento por fazerem parte desse processo.
A análise bem como a interpretação dos dados coletados foi realizada com a
finalidade dar respostas à problemática inicial, de forma harmônica com a realidade, fazendo
ligações com os conhecimentos existentes na literatura acerca da temática abordada.
Os resultados apresentados refletem as principais informações obtidas através da
entrevista e dos questionários aplicados. Esses dois procedimentos apesar de possuírem
conceitos diferentes estão intimamente ligados, uma vez que a análise tem como fim
organizar e sumariar os dados, enquanto a interpretação se refere ao processo de confrontar as
ideias dos dados obtidos durante a pesquisa e os conhecimentos já produzidos.
O primeiro contato com local da pesquisa de campo ocorreu no dia 19 de março de
2015 e teve como objetivo consultar os responsáveis a possibilidade de concretizar a pesquisa
na escola. Nesta ocasião, foi colocado ao conhecimento da Diretora do se que se tratava a
pesquisa, quais objetivos pretendidos e qual sua importância de ser realizada. E, neste sentido,
houve uma boa receptividade por parte da mesma, que se colou disponível em colaborar com
este processo, autorizando a continuidade da pesquisa. Essa conversa prévia é um passo muito
importante para que os sujeitos investigados não se sintam invadidos e colabore de forma
voluntária coma investigação.
Neste mesmo momento houve uma breve explanação sobre o projeto, feito pela
gestora da escola, visto que a idealizadora deste não se encontrava no recinto, pois estava a
caminho da capital, Teresina- PI, para a defesa de sua tese de mestrado. Solicitou-se então os
contatos da professora responsável pelo projeto afim de que pudesse entrar em contato para
agendar a próxima visita. Neste encontro a diretora se comprometeu em enviar via e-mail o
projeto que foi enviado ao Ministério da Educação, visto que apenas ela tinha acesso ao
sistema.
Logo em seguida entrou-se em contato com a coordenadora do projeto por meio de
um telefonema, que ficou que enviar o projeto por e-mail que de fato ocorreu no dia 26 de
março do ano corrente.
A entrevista de semiestruturada e/ou não padronizada passou-se para padronizada
devido a falta de tempo da entrevistada, esse procedimento aconteceu em dois momentos: o
primeiro, de forma informal na escola onde atua, no dia 14 de maio de 2015, e a segunda foi
feita através de questionário aberto contendo 12 perguntas subjetivas no dia 22 de maio, na
Regional de Educação seu outro local de trabalho. Esse foi o processo que mais se encontrou
dificuldades, pois sempre que se entrava em contato com a professora não era possível o
encontro, por falta de tempo da entrevistada, no entanto foi superado depois de várias
tentativas.
No primeiro encontro com a professora, na escola, foi apresentado o questionário
que os alunos responderiam, para que a professora pudesse fazer as alterações cabíveis para
melhor entendimento destes, visto que ela conhece os alunos envolvidos no projeto, isso foi
uma espécie de pré-teste. O questionário é composto por 10 questões, sendo sete fechadas de
múltiplas escolhas e três abertas. Neste sentido, Andrade (2010) alerta sobre os cuidados que
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
se deve ter ao elaborar as perguntas de um questionário, pois tem de levar em consideração
que os pesquisados não contarão contar com demais esclarecimentos do pesquisador.
O público alvo desta fase foram os alunos do 7°, 8° e 9° ano do ensino fundamental
II, esta etapa aconteceu no dia 15 de maio, após as alterações feitas a pedido da professora.
Foram deixados setenta cópias do questionário com as professoras de cada turma e foram
recolhidas quarenta e quatro. A divisão se fez da seguinte forma foram treze alunos do 7º ano,
dezoito do 8º e treze do 9º ano.
Após a coleta houve a organização dos dados, a análise e interpretação das
informações coletadas. Por consequência houve um confronto da literatura aplicada com o
que foi detectado na realidade. Para isso utilizou-se o cruzamento de dados que possibilitou
chegar às conclusões desta pesquisa.
Análise: escola e projeto
Pretende-se com este tópico mostrar os dados, seus resultados e análises da pesquisa
de campo, com o intuito de saber ao final se os objetivos propostos foram alcançados. Para
isso, optou-se por dividir em duas partes, a primeira está relacionada à análise dos dados
coletados com a coordenadora e responsável pelo Projeto de Educação Patrimonial a
professora Mestre Maria Dalva Fontenele Cerqueira e a segunda diz respeito aos resultados da
aplicação dos questionários com os alunos do sétimo, oitavo e nono ano do ensino
fundamental II da escola Municipal Borges Machado.
Esta divisão foi necessária tendo em vista que se realizou entrevista e aplicação de
questionários com perguntas fechadas e abertas, o que requer uma análise separadamente,
porém isso não quer dizer que os dados não possam ser cruzados em algum momento. A
primeira parte a ser analisada é a entrevista que foi planejada com o intuito de buscar
informações acerca da parte técnica do projeto desenvolvido na Escola Municipal Borges
Machado, em que se procurou saber como aconteceu todo o processo, quais os envolvidos e
outros detalhes que pudessem ajudar nesta investigação.
A professora entrevistada atua na escola desde 2012, ministrando a disciplina de
História, o que confirma a concepção que se tem quando se trata de ações de Educação
Patrimonial, pois a disciplina que mais trabalha com essa temática é História, apesar dos PCN
focarem a pluralidade cultural como tema transversal e distribuir essa responsabilidade as
disciplinas formais:
Optou-se por integrá-las no currículo por meio do que se chama de
transversalidade: pretende-se que esses temas integrem as áreas
convencionais de forma a estarem presentes em todas elas, relacionando-as
às questões da atualidade e que sejam orientadores também do convívio
escolar (BRASIL, 1998, p. 27).
Ao ser questionada sobre por qual meio soube do projeto, a professora diz que foi
através da Secretaria Municipal de Educação-SEDUC e que este foi o único órgão que os
apoia no projeto, sendo que para a elaboração do documento houve o envolvimento de todos
os professores, juntamente como a diretora da escola. O envolvimento entre outros órgãos
sejam públicos ou privados é indispensável para resultados positivos na construção e
execução de projetos como este, devido à sua complexidade em trabalhar fatores que
correspondem aos valores de uma comunidade e isso talvez seja um dos pontos negativos ao
investir nesse tipo de atividade, pois é desenvolvido de forma isolada em cada escola, sem o
envolvimento da comunidade em geral. No entanto em conversas informais, posteriormente, a
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
professora deixou claro o seu interesse em formar parceria com a Universidade Federal do
Piauí- UFPI, mais especificamente com o núcleo de mestrado sobre patrimônio, para ampliar
e dar continuidade ao projeto.
Outra dificuldade encontrada no decorrer da execução do projeto, descrita pela
docente, foi à falta de estrutura física da escola que consistiu em um empecilho durante todo o
processo, uma vez que para trabalhar algumas das atividades era necessário um espaço mais
amplo, como uma quadra coberta ou um auditório em que pudesse realizar palestra sobre o
tema. Entretanto, a instituição não dispunha desse tipo de ambiente. Isso poderia ser sanado
com a parceria feita entre Universidade e escola, visto que a primeira dispõe de lugares
amplos que podem servir de apoio para o desenvolvimento de algumas atividades do projeto,
como os momentos de culminância, que são as apresentações de todas as tarefas executados
pelos alunos no final dos trabalhos, haja vista que este é um dos requisitos apresentados nos
PCN, os quais descrevem:
Ao final do projeto, é interessante que seu resultado seja exposto
publicamente, na forma de alguma atividade de atuação no meio, isto é, de
uso no âmbito coletivo (seja no interior da classe, no âmbito da escola ou da
comunidade) daquilo que foi produzido (BRASIL, 1998, p.41).
Em relação ao tempo de execução do projeto, segundo a entrevistada, não foi
possível concluir na data prevista, pois estava planejado para realizar todas as atividades em
2014, mas até o momento da entrevista não havia sido concluído, devido a não entrada da
segunda remessa de verba. O projeto envolveu toda a escola, nos turnos manhã e tarde, sendo
que a pesquisa de campo envolveu somente o turno da manhã. O tempo entre o lançamento do
edital e a execução da primeira parte do projeto foram dois meses e está previsto para
terminar até o mês de julho, porém vale ressaltar que isso só ocorrerá se o restante da verba
for disponibilizado. No que se refere à continuidade do projeto a professora foi enfática, ao
confirmar que, por se tratar de um projeto proposto por ministério era inviável continuar, pois
ele tem um prazo para ser concluído.
Essas questões levantadas pela educadora, do tempo de execução e o da não
continuidade do projeto, reflete o progresso de todo o processo educacional, devido ao
sistema não disponibilizar meios para investir em uma educação de qualidade que possibilite
ao educando construir seu próprio conhecimento através das vivências do seu cotidiano. Por
outro lado, existe a acomodação por parte dos professores, o que não é o caso da entrevistada,
em pensar que ao se determinar um prazo para concluir tais projetos, estes não devem ser
continuar, visão esta que deve ser repensada, visto que esses mecanismos servem como ponto
de partida para a elaboração de diversos outros planos, ou seja, são exemplos a serem
seguidos, melhorados e adaptados à realidade de cada um.
O projeto, segundo a professora, não contempla a área do turismo, pois a escola tinha
que optar pelos eixos temáticos propostos no edital e optou por Educação Patrimonial
dividido entre patrimônio material e imaterial, memória, identidade e vínculo social. Tendo
em vista que os locais visitados também são pontos turísticos da cidade e do estado, relatou
ainda que o turismo foi mencionado, superficialmente. No entanto, nas considerações de
Fonseca Filho (2007), o turismo, como caráter multidisciplinar, pode, através da educação em
turismo, desenvolver-se de maneira que aborde questões como cidadania, alteridade,
sociabilidade, cultura, educação ambiental e patrimonial, que são extremamente relevantes
para a formação dos cidadãos e que são deixados de lado devido à obrigação de cumprir os
conteúdos das disciplinas formais.
A seguir, têm-se um quadro referente aos resultados obtidos através da primeira e
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
décima questão feita aos alunos do sétimo, oitavo e nono ano, respectivamente. Esses dois
questionamentos foram formulados com a finalidade de compreender se os alunos associam o
patrimônio cultural a pontos e/ou atrativos turísticos, para isso a posição das questões foi
escolhida de modo a fazer com que os participantes tivessem um intervalo a responder tais
indagações. A primeira questão pedia para citar três ou mais patrimônio cultural ou natural da
cidade de Parnaíba, enquanto a décima solicitava para apontar quais pontos turísticos eles
conheciam ou tinham vontade de conhecer.
Pesquisados Questão 1 Questão 10
7º Ano
Sujeito 1 Portos das Barcas, Casarão e Praça
da Graça.
Casarão, Estação do Trem e Porto
das Barcas
Sujeito 2 Casarão Porto das Barcas e Estação
do Trem.
Porto das Barcas e Casarão
Sujeito 3 Portos das Barcas Rodovia
Floriópolis e Casarão
Pedra do Sal Lagoa do Portinho e
Portos das Barcas
Sujeito 4 Portos das Barcas, Casarão e Estação
Floriópolis
Porto das Barcas e Praça da Graça
Sujeito 5 Portos das Barcas, Casarão e Estação Porto das Barcas
Sujeito 6 Portos das Barcas, Casarão e Pedra
do Sal
Porto das Barcas, Casarão e estação
de trem
Sujeito 7 Porto das Barcas Estação de Trem e
Igreja Nossa Senhora das Graças
Eu conheço Porto das Barcas e
tenho interesse Estação de Trem
Sujeito 8 Porto das Barcas, Estação Floriópolis
e Igreja Nossa Senhora das Graças
Porto das Barcas, Estação
Floriópolis e Igreja Nossa Senhora
das Graças
Sujeito 9 Porto das Barcas, Pedra do Sal. Coqueiro da praia, Pedra do sal e
praia do coqueiro
Sujeito 10 Porto das Barcas Casarão e Praça da
Graça
Porto das Barcas e Estação do Trem
Sujeito 11 Porto das Barcas, Estação
Floriópolis, Nossa Senhora das
Graças e Casarão
Porto das Barcas, Casarão e Sete
Cidades
Sujeito 12 Porto das Barcas, Casarão e Rio
Igaraçu
Porto das Barcas
Sujeito 13 Porto das Barcas, Estação de Trem e
Nossa Senhora das Graças
Casarão e Sete Cidades
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
8º Ano
Sujeito 1 Porto das Barcas, casarão, Estação de
Parnaíba e Floriópolis
Porto das Barcas, casarão, Estação
de Parnaíba e Floriópolis.
Sujeito 2 Estação Floriópolis e porto das
Barcas
Portinho Porto das Barcas, Delta.
Sujeito 3 O Trem Maria Fumaça, Estação
Floriópolis e porto das Barcas.
Delta, Porto das Barcas e Lagoa do
Portinho.
Sujeito 4 Porto das Barcas, Casarão de
Simplício Dias e Estação Floriópolis.
Estação Floriópolis
Sujeito 5 Estação Florianópolis, Porto das
Barcas e Catedral.
Não lembro
Sujeito 6 Estação Floriópolis, Porto das Barcas
e Casarão de Simplício Dias.
Porto das Barcas
Sujeito 7 Estação Floriópolis, Porto das Barcas
e Casarão de Simplício Dias.
Estação Floriópolis, Porto das
Barcas, queria conhecer o Casarão.
Dizem que é muito grande.
Sujeito 8 Delta do Parnaíba, Porto das Barcas
e Pedra do Sal.
Delta do Parnaíba, Serra da
Capivara e Sete Cidades.
Sujeito 9 Porto das Barcas e Estação Museu Porto das Barcas, Casarão e Delta
do Parnaíba.
Sujeito 10 Porto das Barcas, Estação e Igreja. Porto das Barcas, Estação, Casarão
e Igreja.
Sujeito 11 Porto das Barcas, Estação Floriópolis
e Casarão.
Praia Pedra do Sal
Sujeito 12 Porto das Barcas, Pedra do Sal e
Estação.
Porto das Barcas e Pedra do Sal
Sujeito 13 Porto das Barcas e Casarão Simplício
Dias
Casarão Simplício Dias
Sujeito 14 Trem Maria Fumaça e Estação
Floriópolis.
Porto das Barcas, Lagoa do
Portinho, Pedra do Sal e Praia de
Luís Correia.
Sujeito 15 Estação Floriópolis, Porto das Barcas
e Praça da Graça.
Porto das Barcas
Sujeito 16 Estação Floriópolis, Porto das Barcas
e Praça da Graça.
Praça da Graça, Estação Floriópolis
e Porto das Barcas.
Sujeito 17 Porto das Barcas, Pedra do Sal e Porto das Barcas, Pedra do Sal.
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Estação do Trem.
Sujeito 18 Porto das Barcas e Casarão Simplício
Dias
Casarão Simplício Dias
9º Ano
Sujeito 1 Casarão Simplício Dias, Matriz e
Estação Floriópolis.
Pedra do Sal, Porto das Barcas, etc.
Sujeito 2 Porto das Barcas, Casa Simplício
Dias e Praça da Graça
Porto das Barcas e Estação
Floriópolis
Sujeito 3 Casarão, Portos das Barcas e Pedra
do sal
Portos das Barcas, Praça da Graça,
Portinho e Luís Correia
Sujeito 4 Casarão Simplício Dias, Matriz e
Estação Floriópolis
Não respondeu
Sujeito 5 Casarão Simplício Dias, Matriz e
Casa Inglesa
Delta, Pedra do Sal e Porto das
Barcas.
Sujeito 6 Casarão Simplício Dias, Porto das
Barcas e Estação Floriópolis
Delta, São Raimundo Nonato e
outros, tenho muita vontade de
conhecer.
Sujeito 7 Casarão Simplício Dias, Praça da
Graça Matriz
Casarão, Praça da Graça, Matriz,
etc.
Sujeito 8 Casarão Simplício Dias, Matriz e
Estação Floriópolis
Porto das Barcas
Sujeito 9 Casarão Simplício Dias, Casa
Inglesa, Estação Floriópolis e Porto
das Barcas
Porto das Barcas, Lagoa do
Portinho e Igreja Matriz
Sujeito 10 Casarão Simplício Dias, Porto das
Barcas e Praça da Graça
Porto das Barcas
Sujeito 11 Porto das Barcas O Delta
Sujeito 12 Porto das Barcas, Casarão Simplício
Dias e Praça da Graça.
Estação Floriópolis, Porto das
Barcas, Casarão Simplício Dias
Sujeito 13 Casa do Simplício Dias, Porto das
Barcas.
Porto das Barcas
Quadro 1: resposta das questões 1 e 10 do questionário
Como se pode observar no quadro acima existe uma associação por parte dos alunos
entre o patrimônio e pontos turísticos. Essa correlação só foi possível devido à inserção do
projeto de Educação Patrimonial, que segundo a professora não contemplava o tema turismo,
todavia por se tratar de locais tombados e que são visitados pelos viajantes, houve explicações
de maneira informal sobre o tema, o que de fato contribui para o conhecimento dos alunos em
relação à atividade turística.
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Dentre os locais mais citados, o Casarão Simplício Dias, Portos das Barcas e Estação
Floriópolis, foram os que mais apareceram tanto como patrimônio quanto pontos turísticos,
isso se justifica pelo o fato de que esses lugares estavam entre os locais a serem visitados
como uma das atividades proposta no projeto. Além desses o projeto inclui outros locais
como: Esplanada da Estação; Praça da Graça: incluindo as duas igrejas, o prédio do Instituto
Histórico, geográfico e genealógico de Parnaíba; Praça Santo Antônio e o Parque Nacional
Sete Cidades situado numa cidade circunvizinha (PROJETO ESCOLAR, 2014). A partir disto
os alunos eram instigados a produzir materiais referentes às atividades realizadas, que
descrevem os relatos sobre o que aprenderam durante todo o processo, como: relatório das
visitas; história oral; produção de crônicas; construção de jornal. Desta maneira, o projeto
desenvolveu-se de forma organizada e pode-se identificar as três etapas primordiais no
desenvolvimento desse tipo de ação que são os processos que acontecem antes, durante e
após:
As viagens e os passeios incluem aprendizagens que ocorrem através de pelo
menos, três momentos: o do planejamento, isto é, a fase de organização, que
deve contar com a participação dos estudantes, num exercício de
democracia, através da escolha do lugar a ser visitado, da elaboração de
regras, da pesquisa sobre o local a ser visitado; o da execução propriamente
dita, através da observação e coleta de dados, da fruição do prazer de dirigir
o olhar para uma paisagem; o das atividades de retorno, através da
sistematização de conhecimentos, de montagens de relatórios, de
organização de painéis com fotos, com desenhos e textos, podendo-se contar
atualmente, com os recursos multimídia advindos dos computadores e da
Internet (VINHA, GARCIA, ROMÃO, et al. 2005, p.7).
De acordo com a pauta da reunião do projeto (anexo A), seu objetivo tem por
finalidade mobilizar a escola e a comunidade em geral para conhecer e valorizar o patrimônio
histórico material e imaterial de Parnaíba, não somete os já citados, mas os alunos foram
levados a conhecer o que seu entorno (PROJETO ESCOLAR, 2014).
Segundo Dias e Machado (2009, p. 3) o patrimônio é visto como uma construção
social e cultural, devido a este ser concebido a partir da realidade concreta da comunidade,
percebendo-o como um processo simbólico e representativo de uma identidade coletiva. Neste
sentido, “a educação deve levar o indivíduo a compreender sua própria existência e em
consequência, suas necessidades e as necessidades ao seu entorno”. Na concepção desses
autores, a educação deve buscar uma articulação entre a comunidade no geral para o
fortalecimento de elos comuns entre si, visando assim à continuidade e sobrevivência da
localidade.
Neste sentido é importante ressaltar que o turismo tem contribuído de forma
significativa para o desenvolvimento de diversos municípios, que tem utilizado seus
patrimônios, sejam eles naturais ou culturais, para atrair viajantes. Nas considerações de Dias
e Machado (2009, p. 1) “a relação patrimônio cultural e desenvolvimento local torna-se cada
vez mais relevante a partir do papel dinâmico desempenhado pelo Turismo”. De acordo com
Silva e Holanda (2012, p.3), o turismo tem um grande potencial no processo educativo,
podendo este ser utilizado como ferramenta de ensino e aprendizagem, devido ao seu caráter
social, cultural, econômico, ambiental e político:
A inclusão do turismo nas escolas de municípios turísticos contribui para
contextualizar os conteúdos das disciplinas tradicionais com a realidade da
localidade, colaborando, por conseguinte, para a melhora do rendimento
escolar. Além disso, a inserção do turismo pode auxiliar a formação de
cidadãos críticos em relação à degradação dos patrimônios ambientais e
66
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
histórico-culturais, aculturação, exploração sexual, dentre outros impactos
negativos atribuídos ao fenômeno turístico, potencializando assim, os
impactos positivos da atividade turística que, quando bem planejada, pode
contribuir, significativamente, para o desenvolvimento local sustentável.
Dentro desta perspectiva, para não haver dúvida referente ao entendimento dos
alunos sobre essa relação entre turismo e patrimônio cultural, foi perguntado diretamente a
respeito disto, sendo que a nona questão dizia o seguinte: você acha que Patrimônio Cultural e
turismo tem uma relação? Diante das respostas foi possível perceber o grau de compreensão
dos investigados sobre a temática aqui abordada.
Dos quarenta e quatro participantes, cinco disseram não existir relação alguma
enquanto trinta e nove disseram ter. Dois fatores chamaram a atenção nessa resposta: o
primeiro foi que entre os cincos alunos que responderam não, três deles estão no nono ano de
ensino fundamental II, indo para o ensino médio, levando-se em consideração a sua idade,
estes deveriam ser os que mais poderiam se expressar de forma positiva em relação a esse
questionamento, porém os PCN destacam que: “crianças pequenas têm, em geral, maiores
possibilidades de participar produtivamente em situações simples nas quais possam perceber
com clareza as consequências de sua intervenção” (BRASIL, 1998, p. 38). Ou seja, quanto
mais cedo inserir nos currículos os temas transversais, os resultados serão positivos,
consistentes e transformadores da realidade local.
O segundo fato destaca-se quando cruzados os dados da primeira e décima questão
com a nona, pois dos cinco alunos que disseram não ter uma relação entre patrimônio e
turismo colocam como sendo patrimônio cultural apenas os monumentos que visitaram, já
quando pedidos para citar pontos turísticos, os mesmos alunos dão respaldo ao patrimônio
natural, como Delta, Portinho, Pedra do Sal e outros. Deste modo, é importante enfatizar que
o patrimônio engloba não somente a parte cultural, mas também o natural.
Partindo dessa premissa é certo afirmar que essa conceituação não tenha ficado claro
para os alunos, uma vez que até mesmo a maioria dos profissionais da área deixam de falar
sobre a parte natural dentro dos projetos de Educação Patrimonial que desenvolvem, o que
dificulta o processo de conhecimento, apropriação e preservação do meio ambiente. Isso
ganha evidência na fala da professora entrevistada quando é questionada sobre seu preparo
para trabalhar essa temática:
Não sou especialista na área em Educação Patrimonial, sou especialista e
mestre em História do Brasil, no entanto a minha pesquisa de mestrado
envolve o Patrimônio Ferroviário Parnaibano, assim realizei leituras sobre
patrimônio, memória e identidade trabalhando estes conceitos na parte
teórica da pesquisa (FONTE PRIMÁRIA, 2015).
Diante disto entende-se que as colocações dos cincos alunos de não compreender que
patrimônio inclui o cultural e o natural, reflete a falta de exposição sobre o meio ambiente
neste processo, tendo em vista que o projeto enfatiza o patrimônio cultural dividido em
material e imaterial que como já citado, este último, não aconteceu ainda.
Dentre as respostas afirmativas, algumas merecem destaque, pois demostram um
nível de conhecimento elevado sobre turismo em relação às expectativas iniciais da pesquisa.
Entre as argumentações que se segue pode-se perceber que na concepção dos alunos o turismo
envolve o descolamento para conhecer novos lugares, patrimônio e cultura, bem como a vinda
de estrangeiros para conhecer a sua própria:
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
•Porque no turismo nós visitamos e conhecemos a cultura.
•Porque o turismo vem conhecer a nossa cidade, nosso histórico da nossa
cidade.
•Porque a cultura chama muita atenção do turista.
•Porque as pessoas tem cultura de conhecer novos lugares.
•Porque é através do turismo que conhecemos novos lugares.
•Porque se não for pelo turismo como vamos conhecer os lugares, conhecer
a cultura.
•Pois sem o turismo não poderíamos conhecer os patrimônios culturais
(FONTE PRIMÁRIA, 2015).
Outro aspecto importante é que alguns deles colocam a palavra “nosso (a)”, criando
uma ideia de pertencimento o que de fato a Educação Patrimonial tem como finalidade que é
a apropriação, e por conseguinte, a preservação do patrimônio. Essa apropriação que tanto se
busca para a criação de uma identidade é decorrente do processo de ensino-aprendizagem que
aos poucos, embora muito timidamente, vem sendo introduzido no sistema educacional
envolvendo a interação entre o ensino formal e o ensino a partir da realidade do educando,
como acontece na Educação Patrimonial. No entanto, Cascaes (2010) alerta sobre os cuidados
que se deve ter em relação aos projetos de Educação Patrimonial para que seus resultados
sejam de forma satisfatória e independente de que seja voltada para alunos ou professores este
deve ser um processo sistemático e continuado.
Do ponto de vista de Cerqueira (2005) o desenvolvimento da educação patrimonial
na escola deve visar à formação de cidadãos com qualidade, preocupada com o fortalecimento
da identidade cultural, para tanto, é necessário que seja implementada de forma criativa
incluindo atividades extraclasses e tendo professores preparados para os novos desafios. Neste
sentido, a educação para o turismo ganha força para ser efetivado como uma ferramenta a
mais para alcance do conhecimento, pois ampliaria o campo de estudo nas atividades fora do
espaço escolar.
Partindo dessa realidade é importante ressaltar a resposta de três alunos que referiram
à atividade turística como um meio de aprender sobre sua realidade, onde disseram: “sim.
Porque incentiva na aprendizagem” (FONTE PRIMÁRIA, 2015). Isso é de comum acordo
com o posicionamento de Silva e Holanda (2012, p.2) quando diz que “O turismo pode ser
utilizado para facilitar a aprendizagem, seja como conteúdo transversal, como disciplina ou
como atividade extracurricular”.
Dessa forma é possível promover a introdução do turismo em meio à educação
formal, para através desde preparar a população não só para receber bem o visitante, mas para
conscientizar a todos sobre o real valor do seu patrimônio e que se a própria população não se
apropriar deste outros irão fazer isso de forma desordenada e provocar o desaparecimento da
sua cultura. Para melhor compreender essa questão destacam-se as respostas abaixo, sobre a
relação entre patrimônio e turismo, na visão dos alunos:
•Uma relação de deixar a história marcada o que eles viveram.
•Patrimônio cultural e turismo são iguais porque se não tiver o turismo não
terá o patrimônio
•Porque são relações turísticas para que patrimônio não se perca (FONTE
PRIMÁRIA, 2015).
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Percebe-se que os próprios alunos tem uma noção de que através do turismo pode-se
estabelecer estratégias que possibilitem a preservação do patrimônio cultural e natural. Neste
sentido, Fonseca Filho (2007) percebe a educação como base para a formação de indivíduos
críticos e participativos e um meio de envolver estes nos eventos cotidianos, acordando-os
para as questões sociais. Desta maneira a educação turística vem complementar o processo de
preservação de valores no que se refere à cultura e ao meio ambiente natural.
Para Dias e Machado (2009) à medida que o indivíduo compreende a sua realidade,
ele passa a dar valor a sua história e consequentemente a sua memória, que neste caso se torna
uma ligação entre o indivíduo e a preservação de sua identidade, sendo que sem essa
consciência as pessoas ficam incapazes de construir a cidadania. Nessa perspectiva os autores
consideram que ao salvaguardar o patrimônio os grupos se tornam conscientes não só do seu
passado, mas também do presente e futuro.
Dando continuidade à análise dos dados o gráfico a seguir corresponde aos
resultados das questões 2ª a 8ª, do questionário. Para uma compreensão mais detalhada, por
ser o gráfico é meramente ilustrativo, os resultados serão descritos abaixo.
Gráfico 1. Representação das questões 2º a 8º do questionário
A segunda questão perguntava se os alunos gostavam das aulas passeios, do total de
quarenta e quatro alunos pesquisados quarenta responderam que sim enquanto quatro
disseram que às vezes. E quando questionados, na terceira pergunta, a dizer como eram essas
aulas vinte e um deles responderam serem ótimas, dezenove disseram boa e quatro normais,
nenhum disse ser as aulas cansativas. Esse resultado significa que os alunos em sua grande
maioria aprovam esse tipo de atividade (metodologia) até mesmo, como a diretora ressaltou
em uma conversa informal, muitas vezes esses são os únicos momentos de lazer que esses
adolescentes desfrutam.
A quarta questão perguntava se os patrimônios estudados faziam parte do seu
cotidiano vinte e oito marcaram às vezes, onze responderam sim e cinco não. A quinta
questionava sobre o estado de conservação dos locais visitados vinte e um boa, quinze ótima e
cinco disseram regular. Percebe-se nestas respostas que os patrimônios escolhidos não fazem
parte do seu entorno, uma vez que grande parte dos alunos respondeu que às vezes esses
69
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
patrimônios encontram-se no seu cotidiano, descreve-se então um cenário de passagem.
Neste caso é importante ressaltar que o projeto destaca em seus objetivos que tem
pretensão de valorizar o seu entorno (bairro), todavia neste mesmo projeto não apresenta
nenhum local a ser visitado nas proximidades da escola. E ao enumerar os locais de visita à
região que é comtemplada faz parte do Centro Histórico de Parnaíba. O que justifica o fato da
maioria dos pesquisados terem dito que a conservação desses espaços encontra-se em boas
condições, visto que essa área é tombada e por isso pode está recebendo mais atenção por
parte dos órgãos competentes. Na visão de Dias e Machado (2009, p.7) “As simples práticas
do tombamento ou do registro não estabelecem referência para que uma sociedade se
identifique com um bem cultural”.
Procurou saber, na sexta questão, se as aulas passeios ajudavam na aprendizagem dos
conteúdos, trinta e nove disseram que sim e cinco marcaram às vezes, ou seja, é um resultado
bastante positivo, pois a finalidade desse tipo de atividade é ajudar no processo de ensino-
aprendizagem. Segundo Bonfim (2010, p.124):
As aulas-passeio acabam por proporcionar um ambiente onde as relações
sociais, econômicas e culturais interagem-se, permitindo caracterizar essa
atividade como uma forma de lazer e turismo aplicados à educação. Essas
técnicas identificadas por Freinet, podem ser vistas também como um elo
entre a pedagogia e o turismo, confluindo para o que chamamos atualmente
de turismo pedagógico, proporcionando a conversão e reconversão do olhar
nos envolvidos.
Ainda de acordo com as concepções dessa autora ao incluir o lazer nas atividades
educativas apresenta-se mais uma possibilidade de fazer desse processo algo eficiente capaz
de envolver a teoria e prática dos conteúdos abordados em sala de aula, o contato com
artefatos que pertencentes ao contexto histórico da região, as aulas se tornar mais dinâmicas e
menos cansativas, ocasiona por consequência disto um estreitamento das relações entre
professores e alunos, visto que se percebe uma quebra de barreira construída na sala de aula,
onde o professor é considerado o dono do saber e não o mediador deste. Neste sentido Vinha,
Garcia, Romão, et al. (2003, p.15) estabelecem que: “o espaço da aprendizagem feita com
prazer, mas não é aquele prazer típico da alienação, é o prazer que é fruto da ampliação do
conhecimento, do esclarecimento, da convivência e do lúdico”.
A sétima questionava sobre a importância da preservação do patrimônio esse
resultado foi unanime, em que os quarenta e quatro alunos responderam que sim, é importante
preservar o patrimônio material e imaterial. Tendo como base essa resposta pode-se dizer que
aplicação desse projeto de Educação Patrimonial contribuiu para conscientizar esses alunos o
quão importante é a preservação em relação a permanecia desses artefatos, visto que para
Magalhaes (2009, p.9) “a educação patrimonial deve proporcionar o conhecimento crítico e
apropriação consciente, levando em consideração a diversidade sociocultural e as
possibilidades de apropriação, compreensão e preservação do patrimônio”.
As políticas de preservação nas considerações de Dias e Machado (2009) só são
completas e coesas quando fazem referência à memória de um povo, bem como integrar as
questões socioeconômicas, técnicas, artísticas e ambientais, tendo como finalidade a
qualidade de vida, o respeito ao meio ambiente e a prática da cidadania. Esses requisitos se
tornam indispensável na formação de uma identidade social, sendo que o reconhecimento
desses valores, atitudes, representações cria na comunidade um sentimento de pertencimento.
A oitava questão perguntava se nas atividades do projeto ouviu-se ou estudou-se
sobre turismo trinta e nove disseram que sim, enquanto cinco disseram que não, essa resposta
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é compatível com as colocações da professora quando ela ressalta que o turismo foi
mencionado de modo superficial.
Partindo da premissa que os PCN (BRASIL, 1998) estabelecem como objetivo o
conhecimento e valorização das características indenitária do país e com isso barrar qualquer
tipo de discriminação referente às diferenças culturais, seja coletiva ou individual, percebe-se
que o sujeito se torna mediador no que concerne a manutenção e preservação do patrimônio,
devido a isso a educação deve desenvolver-se de forma que os educandos se envolvam nos
problemas existentes na sua comunidade e desta maneira procurar meios para solucioná-los,
visto que a cidadania é exercida a partir do momento em que há contato com o meio social em
que estão envolvidos e de alguma forma contribuir para a transformação e melhoria do local.
Com isso o indivíduo passa a exercer uma cidadania democrática e participativa, que o faz ter
uma compreensão mais detalhada das questões relevantes que surgem:
A educação para a cidadania requer que questões sociais sejam apresentadas
para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, buscando um tratamento
didático que contemple sua complexidade e sua dinâmica, dando-lhes a
mesma importância das áreas convencionais. Com isso o currículo ganha em
flexibilidade e abertura, uma vez que os temas podem ser priorizados e
contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais e
que novos temas sempre podem ser incluídos (BRASIL, 1998, p. 25).
Com isso, a Educação para o Turismo pode e deve fazer parte do contexto escolar
através dos temas transversais, que priorizam as questões sociais urgentes, neste sentido cabe
destacar que o turismo se encaixa nos critérios adotados para introduzi-lo transversalmente
nas disciplinas formais, que são: urgência social; abrangência nacional; Possibilidade de
ensino e aprendizagem no ensino fundamental; Favorecer a compreensão da realidade e a
participação social, ou seja, a eleição dos temas transversais se dá mediante a existência
desses quatros critérios. Em que a urgência social se refere às questões graves que impede o
desenvolvimento pleno da cidadania, afronta à dignidade das pessoas e deteriora sua
qualidade de vida e como ficou exposto anteriormente o turismo pode impactar na vida das
pessoas de forma negativa se não planejado de acordo com as necessidades dos moradores
locais.
Em adição a isso, o turismo é uma atividade que abrange não só o território
brasileiro, mas o planeta, basta para isso que se tenha ou se crie um destino ou produto
turístico. Por outro lado a Educação para o Turismo funcionaria como uma ferramenta para
trabalhar temas como Educação Patrimonial e Ambiental, Orientação Sexual, visto que a
exploração sexual compõe o cenário turístico, dentre outros temas correlacionados, que fazem
parte da realidade do educando, isso irá auxiliá-los na compreensão e participação ativa no
meio em que vivem.
Portanto, o turismo possui inúmeros aspectos que contribuem ao processo de ensino-
aprendizagem, porém vale ressaltar que as instituições devem buscar auxílio de profissionais
qualificados que possam desenvolver projetos planejados e eficazes.
Considerações finais
Diante dos resultados obtidos através da pesquisa bibliográfica e de campo pode-se
perceber que o processo de conhecimento adquirido na sala de aula tem maior respaldo
quando trabalhado em conjunto com as vivências na prática. Desta forma a Educação
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Patrimonial tem contribuído para validar as experiências e conhecimento da realidade dos
envolvidos e com isso cria-se um sentimento de pertencimento e afetividade com seus bens
patrimoniais, bem como a revitalização e valorização de suas tradições. Neste sentido,
observou-se que a pergunta norteadora desta investigação foi respondida, pois os alunos
pesquisados mostraram-se conhecedores do patrimônio e cultura local, apesar de não fazerem
referência a locais do seu entorno, mas que de certa forma os lugares citados fazem parte do
contexto histórico social desses alunos.
Do mesmo modo notou-se que os objetivos foram alcançados, devido à percepção e
o envolvimento dos pesquisados perante aos resultados positivos obtidos por intermédio das
atividades extraclasses como forma de aprendizagem. Cabe ressaltar que o comprometimento
de todos da escola pesquisada, possibilitou que o projeto de Educação Patrimonial tenha
alcançado êxito com relação à parte do patrimônio material e imaterial, no entanto no que se
refere ao meio ambiente natural, o projeto não se tornou eficaz, uma vez que evidenciou a
falta de explanação sobre o assunto tanto pela professora quanto pelos alunos.
Por outro lado pode-se perceber que os resultados positivos encontrados na pesquisa
ainda se configuram de modo isolado por ser essa temática desenvolvida de forma aleatória e
não abrangente, devido ao Projeto Mais Cultura nas Escolas não contemplar a todas as
instituições de ensino, junta-se a isso a falta de interesse e/ou conhecimento/leitura, sobre os
PCN e sua flexibilidade em relação à adoção de novos métodos que possibilita a inserção dos
temas transversais. Em adição a carga horária exaustiva que esses profissionais são
submetidos para cumprir com as obrigações de aplicar os conteúdos das disciplinas
tradicionais, bem como a falta de tempo e de investimentos em especialização, participação
em capacitações e em desenvolvimento de projetos relacionados ao tema de Educação
Patrimonial, dentre outros temas.
Observou-se, ainda, que a atividade turística não se encontra no contexto escolar,
apesar de percebê-lo entre as atividades desenvolvidas no projeto, pois os lugares visitados
são pontos turísticos da cidade de Parnaíba-PI e de cidades vizinhas. Diante disto, fica em
evidência que o que tem sido feito é pouco em relação à dimensão e importância que os
patrimônios exercem sobre a construção e permanência da identidade de um povo, ademais a
escola como componente integrante no processo de preservação desse patrimônio deve
desenvolver estratégias funcionais que desperte seus alunos para a realidade que o cerca.
A sugestão é buscar no turismo formas para auxiliar a aprendizagem, visto que o
turismo é multidisciplinar e estabelece diálogos com as demais disciplinas. No entanto, vale
ressaltar que em qualquer projeto que seja aplicado no ambiente escolar deve-se priorizar sua
continuidade, pois grande parte desses projetos não alcançam resultados positivos e relevantes
devido a essa falha. Neste sentido a solução constitui-se em utilizar projetos, como o proposto
pelos Ministérios da Educação e Cultura, como modelos para renovar as metodologias de
ensino.
Neste sentido, a melhor maneira de trabalhar o turismo nas escolas é como tema
transversal, devido os componentes curriculares já se encontrar lotados de disciplinas. Desta
maneira, o turismo perpassaria por todas as áreas do saber, como: História, Artes, Geografia,
Sociologia, língua estrangeira, ciências naturais e outras. Desta maneira, a Educação para
Turismo proporciona ao aluno uma participação ativo no processo de construção do
conhecimento, pois promove uma transmissão de conhecimento a partir de uma construção
dinâmica entre saberes escolares e demais saberes e isso pode ser realizado com a retirada
desses alunos dos espaços formais das instituições de ensino para lavá-los a espaços públicos
com a finalidade de desenvolver a aprendizagem.
Dessa forma, esses sujeitos passam a ser críticos e participantes da realidade, com
isso cria-se condições para intervir e transformá-la. Para isso a educação deve introduzir-se
nesse cenário contemporâneo com foco nos estudos que visem à cidadania, sustentabilidade,
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globalização, diálogo, respeito e socialização. A escola neste sentido precisa atuar nesse
cenário e estimular seus os professores para o surgimento dos novos desafios como educar
para a diversidade. Criando assim estratégias que auxiliam na aprendizagem diferenciada e
estimuladora baseado na construção do conhecimento.
Por fim, a Educação para o Turismo pode dar um novo sentido ao exercício da
cidadania, bem como desenvolver na população a consciência de pertence da sua comunidade
com o objetivo de preservar suas tradições, histórias, seus bens patrimoniais culturais e
naturais, com isso evitar que seus costumes se percam para que as gerações que virão possam
obter conhecimento a respeito dos seus antepassados. Em consequência disso, tem-se uma
cidade preparada para receber bem o viajante de maneira que seja capaz de agregar o orgulho
do indivíduo em relação a sua cultura ao acolhimento e diversidade cultural do outro.
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A formação do professor alfabetizador e a linguística
Neide Aparecida Arruda de Oliveira Mestre em Linguística Aplicada pela Unitau. Professora e Coordenadora do Curso de Letras das Faculdades
Integradas Teresa D’Ávila – Fatea.
Fernanda Valéria Pereira Moliterno Graduada em Pedagogia. Pós-graduanda em Língua Portuguesa – Literatura e Linguagem pelas Faculdades
Integradas Teresa D’Ávila - Fatea
Resumo O objetivo deste estudo é o de promover uma reflexão sobre a importância do professor alfabetizador
em sua formação para o ensino da linguística, nesta fase que merece atenção e deve ser discutida,
visto que, as dificuldades na aprendizagem acerca da fala e escrita continuam e pouco se tem feito
para solucionar os problemas que acometem a forma de alfabetizar. A alfabetização é apresentada
como simples codificação e decodificação do sistema na aprendizagem da leitura e escrita, aprender a
ler pressupõe não só decifrar o código escrito, como interpretar e compreender os textos de diferentes
gêneros; aprender a escrever envolve não somente o escrito, estabelecendo correspondência entre
letra e som, mas estar apto a produzir textos em diferentes situações comunicativas que esse
alfabetizando vivencia. A Língua Portuguesa no Brasil apresenta uma grande variedade de dialetos, e
estes se diferenciam por cada grupo social, o que faz reforçar o embasamento linguístico na formação
do professor alfabetizador, para que o mesmo não assuma uma postura de “certo” e “errado” na
alfabetização de seus alunos, sendo a alfabetização um processo de ensino-aprendizagem da língua
que tem como objetivo dar ao alfabetizando mais um processo de comunicação verbal, a escrita, desse
modo se faz necessário que o professor alfabetizador tenha conhecimento das variações linguísticas.
Palavras-chave Formação do professor alfabetizador; Alfabetização; Linguística.
Abstract The aim of this study is to promote a reflection on the importance of literacy teacher in your training
for language teaching at this stage that deserves attention and should be discussed, given that the
difficulties in learning about the speaking and writing remain and little It has been done to solve the
problems that affect the form of literacy. Literacy is presented as simple encoding and decoding
system in the reading and writing learning, learning to read requires not only decipher the written
code, how to interpret and understand texts of different genres; learn to type involves not only writing,
establishing correspondence between letter and sound, but be able to produce texts in different
communicative situations that literate experiences. The Portuguese language in Brazil presents a wide
range of dialects, and these are different for each social group, which makes strengthen the linguistic
basis in training literacy teacher so that it does not take a position of "right" and "wrong" literacy of
their students, and literacy a language teaching-learning process that aims to give the more literate a
verbal communication process, writing, thus it is necessary that the teacher literacy aware of
linguistic variations.
Keywords Training of literacy teacher; Literacy; Linguistics.
Introdução
Este estudo apresenta uma pesquisa bibliográfica acerca do processo de
aprendizagem na fase da alfabetização e na formação do professor alfabetizador, pois a
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alfabetização na esfera educacional é uma fase que merece atenção e deve ser discutida pelos
que se preocupam com o caminhar da educação brasileira, visto que há décadas observam-se
as mesmas dificuldades de aprendizagem e pouco se tem feito a respeito. (Cagliari, 2010 p.5).
Os resultados obtidos não têm sido expressivos na solução dos problemas que acometem a
forma de se alfabetizar. O que motivou esta pesquisa foi perceber dificuldades na
alfabetização e letramento desses alunos nesta fase, pois pressupõe que estes alunos venham
sem conhecimento nenhum da língua materna, o que não é verdade, ele já vem com um
dialeto próprio que deve ser respeitado para que o aluno atinja um domínio da língua em suas
diversas variedades (dialetos, registros e modalidade oral e escrita). O objeto desta pesquisa
foi delinear o estudo da linguística na alfabetização e a formação deste alfabetizador para que
haja mudanças significativas no modo de ensinar já que em tese a alfabetização se apresenta
como simples codificação e decodificação do sistema na aprendizagem da leitura e escrita,
aprender a ler pressupõe não só decifrar o código escrito, como interpretar e compreender os
textos de diferentes gêneros; aprender a escrever envolve não somente o escrito,
estabelecendo correspondência entre letra e som, mas estar apto a produzir textos em
diferentes situações comunicativas que esse alfabetizando vivencia. Segundo Cagliari (2010),
ler e escrever são atos linguísticos, no entanto, a criança ao entrar na escola perde toda a
consciência que tem da linguagem oral. Assim, se a escola e seu professor alfabetizador não
tratam à escrita e a fala adequadamente, a dificuldade para lidar com a leitura e como
interpretá-la refletirá para esse aluno no ensino fundamental e médio.
Alfabetizar – ato de ensinar a ler e a escrever
Ferreiro (1999, p.47) afirma que “a alfabetização não é um estado ao qual se chega,
mas um processo cujo início é na maioria dos casos anterior a escola é que não termina ao
finalizar a escola primária”.
Há crianças que chegam à escola sabendo que a escrita serve para escrever
coisas inteligentes, divertidas ou importantes. Essas são as que terminam de
alfabetizar-se na escola, mas começaram a alfabetizar muito antes, através da
possibilidade de entrar em contato, de interagir com a língua escrita. Há
outras crianças que necessitam da escola para apropriar-se da escrita.
(FERREIRO, 1999, p.23)
A alfabetização inclui várias esferas para que aconteça com competência, e uma
delas e não menos importante é a consciência do educador de como se dá o processo de
aquisição de letramento e de oralidade deste alfabetizando, que vem em constante evolução
no seu processo de desenvolvimento emocional, interacional, e da sua realidade linguística em
seu processo de alfabetização. Sem dúvida, a alfabetização é a iniciação mais importante do
educando no mundo letrado e falado. O domínio da escrita representa na sociedade maior
fonte de poder do conhecimento humano. No entanto, poucos são os que realmente são
considerados competentes na arte da escrita e da leitura. A Língua Portuguesa no Brasil
apresenta uma grande variedade de dialetos, e estes se diferenciam por cada grupo social, o
que faz reforçar o embasamento linguístico na formação do professor alfabetizador, para que
o mesmo não assuma uma postura de “certo” e de “errado” na alfabetização de seus alunos, já
que a alfabetização um processo de ensino-aprendizagem da língua que tem como objetivo
dar ao alfabetizando mais um processo de comunicação verbal, a escrita. Desse modo se faz
necessário que o professor alfabetizador tenha conhecimento das variações linguísticas, visto
que os alunos já chegam à escola usando pelo menos a variante familiar da língua. Partindo
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desse pressuposto, é fundamental formar um usuário competente da língua que seja capaz de
usar os diversos recursos de modo adequado na construção de textos para veicular a
determinação de significações, produzindo efeitos de sentido pretendidos em situações
variadas e específicas de comunicação e, ao mesmo tempo, seja capaz de compreender os
sentidos veiculados pelos textos que recebe. Portanto, desenvolver a competência do professor
alfabetizador para que possa realizar um ensino efetivo na competência comunicativa desse
aluno. É importante ressaltar que não esperamos que a linguística consiga resolver o
problema da alfabetização, mas um caminho para que o professor realize seu trabalho sob
uma perspectiva linguística que fomente as dificuldades de leitura e de escrita perceptíveis ao
longo do processo estudantil dos alunos por meio de avaliações governamentais que avaliam a
qualidade de ensino oferecido por Estados e Municípios. Assim este estudo vem reforçar a
ideia já difundida por outros autores, sobre a importância da linguística no processo de
alfabetização e a formação do professor para que se dê com efetividade a sua proposta de
ensino da língua materna. Para Vygotsky,(1993) o desenvolvimento do pensamento é
determinado pela linguagem e pela experiência sociocultural da criança. Partindo desse
pressuposto, a linguagem duplica sua importância, pois, além de constituir um instrumento de
interação entre os falantes em idade de alfabetização, é um fator que também determina o
desenvolvimento psicológico desses iniciantes no mundo letrado. Vygotsky,(1993,p.44)
reitera: “O aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade escolar,
e é também uma poderosa força que, direciona o seu desenvolvimento, determinando, o
destino de todo o seu desenvolvimento mental”.
Uma criança que entra para a escola já vem com um conhecimento das suas relações
sociais e já adquiriu um conhecimento e uma habilidade linguística muito desenvolvida, ou
seja, já tem um dialeto, espelho da sua realidade linguística. Para Cagliari, (2010), um dialeto
não é simplesmente um uso errado do modo de falar de outro dialeto. São modos diferentes.
Esta mesma criança tem outras necessidades que o professor alfabetizador por sua formação
tem como obrigação ter conhecimento dos vários níveis que englobam a alfabetização: nível
fonético-fonológico, nível sintático-semântico, nível textual, o professor conhecendo essas
estruturas e sabendo como aplicá-las fica mais fácil de mediar às dificuldades dos alunos, mas
embasado somente nesse conhecimento o professor alfabetizador não realizará um trabalho
eficaz, faz-se necessário que ele leve em conta as variações dialetais que seus alunos
apresentam, pois uma classe ou comunidade escolar nunca é homogênea no dialeto, há
variações históricas, geográficas e sociais, e para tanto, o professor alfabetizador deve
conhecer e respeitar a fala dos alunos que irá ensinar, entendendo sua realidade linguística, já
que fazem parte de culturas diversas socialmente. Assim esses alunos levam as diferenciações
de fala do grupo ao qual pertence que pode ocorrer por características como; idade, sexo
níveis de fala ou por registro do que aprendeu com seus semelhantes, registro formal ou
coloquial. Os princípios linguísticos irão desenvolver-se a partir do momento em que a
criança resolve o problema da forma como a linguagem escrita esta elaborada para extrair
significados na cultura.
De acordo com Cagliari (2010, p.15-16)
A escola deve respeitar os dialetos, entendê-los e até mesmo ensinar como
essas variedades funcionam comparando-as entre si, ensinando como usar as
variedades linguísticas, sobretudo o dialeto padrão (...). A escola desta forma
não só ensina o português, como desempenha um papel imprescindível de
promover socialmente os menos favorecidos pela sociedade.
Desse modo, o professor alfabetizador contribui para o conhecimento dessas
variações linguísticas e estará conduzindo-os para que compreendam o seu mundo e o dos que
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os rodeiam, desmitificando o estigma de que a cultura e o saber só detêm quem fala o dialeto
padrão. O professor necessita ter um conhecimento linguístico para que essa desmistificação
aconteça ensinando a seus alunos a verdade linguística, assim, certamente a sociedade aceitará
as diferenças linguísticas da comunidade que a compõe. Infelizmente, muitos alfabetizadores
estão mais preocupados com a gramática descontextualizada estabelecida pela sociedade, e
que ignoram as variantes dialetais, e impõem sem perceber a norma da fala da classe
dominante, esquecendo-se do papel fundamental que tem a oralidade e gerando um
desconforto aos seus alunos, fazendo-os calarem-se por medo de não enquadrar-se ao que é
considerado “correto”. Em geral, os critérios que determinam os padrões de uma língua se
estabelecem principalmente pela ação da escola e dos meios de comunicação, levando os
falantes de um idioma aceitar como “certo” o modo de fala do segmento social mais
privilegiado, tanto no aspecto econômico como no cultural. Ocorre então, que a maneira
segundo a qual esse grupo se utiliza da língua vai se impondo como um padrão da gramática
normativa para estabelecer os conceitos de “certo e errado”, e o professor baseia-se neste
padrão para o ensino da língua materna sem ao menos oferecer ao estudante condições de
interpretar de maneira coerente que o modo de sua fala não é “errado” , mas inadequado a
certas situações, cabe então ao professor oferecer o ensino de modo que o aluno domine as
estruturas (regras) da língua culta, a fim de que, quando for conveniente, ele tenha condições
de utilizá-la sem perder sua identidade. É imprescindível que o professor na fase de
alfabetização não queira impor ao aluno o que a sociedade acha correto, mas mostrar-lhe
maneiras de como usar a língua culta, de que existem contextos que a língua informal pode
ser sim utilizada sem o preconceito linguístico. Quando uma pessoa se comunica com outras,
para que esse ato se realize de forma eficiente, é necessário que ela faça a adequação da
linguagem, assim, se o professor alfabetizador tiver essa consciência será muito mais fácil de
ensinar esse aluno sobre as regras gramaticais a serem utilizadas.
Fiorin diz que: (2004, p. 78),
São inúmeros os fatores que, individualmente ou combinados, interferem no
modo como o falante ajusta sua linguagem às circunstâncias do ato de
comunicação. Entre esses fatores destacam-se:
O interlocutor – não se fala do mesmo modo com um adulto e uma criança;
O assunto – falar sobre a morte de uma pessoa amiga requer uma linguagem
diferente da usada para lamentar a derrota do time de futebol;
A relação falante-ouvinte – não se fala da mesma maneira com um amigo e
com um estranho; em que uma situação social informal e em uma formal.
A linguística na formação do professor alfabetizador
Como o termo linguagem pode ter um uso não especializado bastante extenso,
podendo referir-se a linguagem dos animais até outras linguagens – música, dança, pintura,
mímica etc. – convém enfatizar que a Linguística detém-se somente na investigação científica
da linguagem verbal humana. No entanto, é de se notar que todas as linguagens (verbais e não
verbais) compartilham uma característica importante – são sistemas de signos usados para a
comunicação. A Linguística é, portanto, uma parte dessa ciência geral; estuda a principal
modalidade dos sistemas sígnicos, as línguas naturais, que são a forma de comunicação mais
altamente desenvolvida e de maior uso. (FIORIN,2004, p.17)
A chamada educação linguística de que tanto se fala é um conjunto de fatores
socioculturais que acompanham um indivíduo e possibilitam desenvolver seu conhecimento
sobre a língua materna. A cultura que circula numa sociedade também faz parte de uma
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língua, suas lendas, mitos e crenças, o que poderíamos chamar de uma ideologia linguística,
neste contexto também vemos e não é menos importante o aprendizado das normas
gramaticais que fazem parte da educação, a educação linguística que incidem nos grupos
sociais nos quais o indivíduo participa. Partindo desse pressuposto, pode-se dizer que a
educação linguística de cada indivíduo começa no início da sua vida na interação com outros
indivíduos, família, escola e comunidade em que está inserindo formando um conjunto de
dialetos que formam uma sociedade.
A educação em seu momento atual necessita de uma análise no que tange o
panorama das relações língua e sociedade, pois ainda há um mal entendido acerca de como se
ensina a língua materna respeitando a fala e o dialeto de cada falante. Diante desse fato, é de
suma importância que o Educador, professor alfabetizador tenha como cerne a sua formação
continuada em busca de aprender a aprender, ou seja, aprender como ensinar a língua materna
buscando uma formação integral para que possa ensinar com propriedade inovando sua
didática e não morra nas velhas práticas pedagógicas de um ensino mecanizado da tradição
normativa da língua, porém para que isso ocorra de modo participativo e com propriedade é
necessário que esse professor alfabetizador e de língua tenha formação para tal, para que
tenha uma perspectiva pragmática sobre como usa a linguística para ensinar a gramática de
modo que o desenvolvimento da proficiência oral e escrita do aluno não seja o único objetivo.
Infelizmente muitos graduados em Pedagogia e Letras vêm de um ensino que tem como
alicerce a gramática normativa pura, tornando assim o estudante um meio repetidor da
doutrina gramatical tradicional. Uma reflexão sobre língua e linguagem fica limitada em
geral, a uma disciplina introdutória à linguística, de simples historiografia dessa ciência.
Muitos estudantes que se graduam em Pedagogia e vão trabalhar especificamente com a
alfabetização, jamais ouviram falar durante sua formação, de pragmática linguística, de
conversação, de gramaticalização, de análise do discurso, linguística textual, etc.
Isso tudo acaba resultando em uma inaceitação por parte dos educadores
alfabetizadores e do ensino da língua materna dos documentos que regem as políticas de
ensino como o PCN de Língua Portuguesa e o PCN do Ensino básico, tendo dificuldade de
interagir com a ideia de inovação, de interação com o novo, pois não foram familiarizados
com esse tipo de reflexão em sua formação. Para validar essa afirmativa pode-se citar alguns
livros didáticos disponibilizados pelo MEC que foram erroneamente interpretados, um deles o
livro didático para o ensino da EJA da Editora Global, Coleção Viver e Aprender para uma
vida melhor, cujo objetivo era trabalhar as variedades linguísticas e estabelecer um novo
modo de se ensinar uma gramática mais reflexiva no que tange a linguística. O livro que traz
expressões como “nós pega os peixe” ou “os menino pega o peixe” é o único livro de
português que foi distribuído para este segmento de ensino pelo Programa Nacional do Livro
Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLDEJA) do MEC.
Com isso, abre-se um precedente para discussões sem fundamento sobre as propostas
oficiais do ensino da língua, a formação desses docentes que ainda por formação não são
capazes de assegurar os direitos linguísticos dos sujeitos em formação sem transgredir o seu
direito de usar seu dialeto, causando assim um preconceito linguístico.
Vê-se a necessidade de certa urgência na reflexão e ação que sejam capazes de suprir
uma demanda social no que concerne o ensino da língua materna, nos cursos superiores de
qualquer segmento educacional devendo interferir na formação de seus docentes e na
formação de seus licenciados. Os professores sejam eles de qual disciplina for agora
generalizando, deve deixar essa concepção prefixada ao longo de sua vida estudantil do certo
e do errado, é necessário que haja mudanças significativas para conceber essa postura
impregnada mesmo involuntariamente, e não gere mais comportamentos preconceituosos em
relação aos diferentes usos da língua e por consequência a seus usuários. Sem dúvida o
professor deve sim ensinar a norma padrão, logo no início da alfabetização, digo letramento,
80
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
pois alfabetizar subentende-se ensinar as letras e letramento não é somente e tão simplesmente
ensinar a ler e a escrever, mas criar condições para que a formação desse sujeito seja plena e
participativa na sociedade “letrada” na qual ele está inserido e cheio de variedades linguísticas
a ser respeitada. Para tanto, o ensino dever ser respeitado em sua pluralidade cultural e
linguística, e esse trabalho implica na formação desse docente que deve pautar-se na
pedagogia da existência e valorização das características específicas do pensamento, da
emoção e da ação do indivíduo, em sua formação deve manifestar-se contra o tradicionalismo
que ignora a profundidade da educação e letramento, na busca de ideias e técnicas mais
eficientes no letramento de seus alunos tendo como tarefa principal a educação linguística
oferecendo propostas teóricas e práticas visando o interesse e necessidade do aluno
adequando, portanto a suas variedades linguísticas sendo norteadoras da primazia na
formação desses novos docentes. Cabe às instituições de curso superior enfatizar e despertar
em seus licenciandos o reconhecimento e entendimento das especificidades do português
brasileiro e no modo de como isso poderá interferir na didática no que diz respeito ao ensino
da linguística dos falantes e ou na fala dos sujeitos acerca das variações linguísticas
existentes, pois, as especificidades do português brasileiro são pouco e mal reconhecidas e
quando mencionadas, destinam-se a condenar os “supostos” erros praticando assim somente o
ensino da gramática normativa que vem de longa data a ser o correto em meio a uma
sociedade elitista.
Com o domínio de como se processa a aprendizagem e sobre qual modelo deve
prevalecer para o pleno desenvolvimento de indivíduos falantes de dialetos diferentes, do
português escrito, permitindo ao professor conhecer melhor seus alunos e seu universo
linguístico, oferecendo material que não se restrinja às variedades cultas, mas também que
não isole as variações linguísticas.
A pesquisa foi embasada na fundamentação teórica de vários autores, dentre eles
Cagliari (2010) e Travaglia (1995) que assumem uma concepção clara acerca do assunto.
Para tanto foi realizada uma pesquisa bibliográfica para embasar as perguntas feitas
por este objeto, tratando-se de uma pesquisa qualitativa para o estudo e análise da prática do
professor alfabetizador em sua formação.
Leitura
Muito se tem falado e escrito sobre a importância da leitura na vida do homem, sobre
as causas e consequências da falta da leitura numa sociedade letrada que exige um
desempenho linguístico no que se refere ao falante. Segundo Cagliari (2010), a alfabetização
tem sido uma das fases da educação de um sujeito que mais preocupa, já que há muitas
décadas se observam as mesmas dificuldades de aprendizagem. No entanto, os órgãos oficiais,
em suas tentativas não têm obtido resultados expressivos na solução dos problemas. Partindo
desse pressuposto, deve-se buscar uma formação que capacite o educador para o exercício de
suas funções. Mostra-se nesta pesquisa que a capacidade referida diz respeito principalmente
à formação técnica do professor alfabetizador.
Segundo Cagliari (2010) o processo de alfabetização tem como objetivo a aquisição do
conhecimento, de como o aluno irá situar-se em termos de desenvolvimento cognitivo,
emocional e de como evolui o seu processo linguístico durante a alfabetização, para isso o
professor terá de ter práticas produtivas para o aprendizado, sem que haja sofrimento e
preconceitos linguísticos. As instituições formadoras desses alfabetizadores têm que rever as
práticas deste profissional para que tenha domínio da escrita, linguagem para maior fonte de
métodos e técnicas.
81
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
O professor alfabetizador não deve apenas satisfazer as necessidades do aluno, mas
despertar novas necessidades, organizando métodos, conteúdos e modelos, assim faz-se
necessário que a formação técnica do professor seja referência. (MEYER;BERTAGNA,
2006).
Vê-se que tem havido muitas pesquisas em Linguística, em Sociolinguística, em
Psicolinguística e em Análise do Discurso que têm contribuído para o debate acerca do ensino
de língua desde os anos iniciais, no entanto os avanços são tímidos e ainda não avançaram no
que tange à formação do professor alfabetizador ao convergir teoria em prática, partindo desse
pressuposto, um dos aspectos mais conflitantes na relação entre ensino e aprendizagem nos
graus iniciais e os estudos da linguagem e da aprendizagem nas instituições universitárias
encontram-se centralizadas na formação dos professores alfabetizadores, ou seja, os futuros
Pedagogos. O currículo na formação de Pedagogos e Profissional de Letras permite apenas
análises superficiais acerca das diferentes abordagens sobre o ensino e a aprendizagem da
língua, promovendo assim uma disputa entre os defensores de vertentes tradicionais e de
vertentes atualizadas.
Poucos são os resultados que alteram os rumos dos estudos da linguagem e
aprendizagem dos licenciados em pedagogia, que consequentemente trazem para nossas salas
de aula.
Evidentemente que esta desarmonia nos cursos de licenciaturas reflete-se nos cursos
de formação de professores de Ensino fundamental e Médio, assim vale ressaltar o quanto se
faz necessária e urgente uma implementação eficaz das políticas de formação de professores
para esta esfera do ensino. Em 2011, o MEC deu início ao Programa de Formação continuada
em Alfabetização (PROFA), e atualmente oferece o Pró-Letramento, Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa, cujos objetivos mais ampliados englobam a formação do
professor do Ensino Fundamental. Muitos Estados e Municípios já fazem parte do programa,
no entanto, ainda há muita resistência em aderir ao programa e os que aderem desistem por
falta de incentivo do próprio governo ao atrasar o valor da bolsa estipulada para a participação
do professor.
No que se refere à formação do professor e na construção do conhecimento e da
identidade social do mesmo e das maneiras como essa construção de conhecimento e
identitária interfere nas práticas discursivas e nas relações sociais, como o professor de
escolas públicas se vê como profissional, como vê sua atuação pedagógica na educação e
construção do indivíduo em formação global, como entende sua função social no que tange o
ensino no contexto sócio-histórico em que pretende atuar são questões que contemplam os
objetivos deste estudo fomentando a prática das instituições formadoras de professores
alfabetizadores.
Resultados
A pesquisa realizada aborda a falta de preparo de profissionais da educação em sua
formação para o uso de técnicas e métodos acerca do uso da linguística na Educação
Fundamental e Ensino Médio. O currículo na formação de Pedagogos permite apenas análises
superficiais acerca das diferentes abordagens sobre o ensino e a aprendizagem da língua,
promovendo assim uma disputa entre os defensores de vertentes tradicionais e de vertentes
atualizadas, esta desarmonia nos cursos de licenciaturas reflete-se nos cursos de formação de
professores, desse modo, vê-se a necessidade de certa urgência na reflexão e ação que sejam
capazes de suprir uma demanda social no que concerne o ensino da língua materna, nos
cursos superiores de qualquer segmento educacional devendo interferir na formação de seus
docentes e na formação de seus licenciados para que possam atuar com competência
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exercendo sua função de modo que contribua para o pleno desenvolvimento do sujeito como
um todo. É bom lembrar que, no Brasil, as reflexões sobre a problemática dos cursos de
licenciatura acerca da formação do profissional de Letras e do Pedagogo, em si é uma crise
tão antiga quanto a própria crise na educação atual.
À luz do pensamento dos vários autores citados, a intenção deste trabalho foi o de
explicitar a compreensão do que se convenciona dizer de “falta de preparo das instituições
para formação de professores acerca do uso da linguística desde os anos iniciais”. O uso que o
homem faz da linguagem é uma ação tão natural que não é hábito refletir sobre sua
importância e seu poder nas relações e em seu contexto social, visto que a fala apresenta uma
variedade de dialetos que, devem ser respeitados e contemplados em sala de aula para que o
aluno tenha conhecimento da própria língua e seu uso em diferentes contextos. Assim, a
formação do professor alfabetizador no caso dos licenciados em Pedagogia deveria haver
mais ênfase no que se refere à linguística para que ao estar em sala de aula com alunos
falantes de formas diferentes esse profissional saiba respeitar sua maneira de se expressar,
respeitando o contexto onde vive e a fala trazida do seio familiar mostrando as adequações na
escrita sem julgá-los pelo seu modo de falar.
Considerações finais
Conclui-se que a falta de preparo de profissionais da educação em sua formação para o
uso de técnicas e métodos acerca do uso da linguística na Educação Fundamental e Ensino
Médio, é uma vertente a ser mais aprofundada, apesar de muitos teóricos já abordarem o
assunto, ainda não é um tema que altera o que se espera de um curso de licenciatura na
formação de professores alfabetizadores, ou seja, pedagogos, mas já mostra uma tendência de
pensamento crítico acerca da reformulação que deve ser realizada nas instituições e na
formação desses indivíduos que entendendo claramente a ideia e distinção e para que, e como
usar a linguística em sua prática pedagógica, não perde assim a consciência dos fenômenos da
fala.
Referências
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. O que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2003.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione, 2009.
FIORIN, José Luiz. Introdução à Linguística I Objetos Teóricos. São Paulo: Contexto, 2004.
MAIA, Joseane. Literatura na formação de leitores e professores. São Paulo, Paulinas,
2007.
MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Leitura, produção de textos e a escola: reflexões
sobre o processo de letramento. Campinas, Mercado de Letras; Autores Associados, 1994.
MEYER, João F. da Costa Azevedo, BERTAGNA, Regiane Helena. O ensino a ciência e o
cotidiano. Campinas, Editora Alinea, 2006.
TRAVAGLIA, Luis Carlos. Gramática e interação. São Paulo, Cortez, 1995.
VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e linguagem. Trad. de Jeferson Luiz Camargo.
São Paulo, Martins Fontes, 1993.
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Um estudo gramatical do poema “O mundo, o novo
mundo” de Péricles Eugênio da Silva Ramos
João Francisco Pereira Nunes Junqueira Doutorando em Estudos Literários na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” –
UNESP/Araraquara (Bolsista CAPES). Professor das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – FATEA/Lorena.
E-mail: [email protected]
Resumo
O presente artigo tem o objetivo de discutir o poema “O mundo, o novo mundo”, do poeta
paulista Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992), a partir de algumas idéias propostas
por Roman Jakobson em seu ensaio “Poesia da gramática e gramática da poesia”.
Acreditamos que o ensaio de Jakobson possa nos dar um novo olhar sobre o poema,
ampliando aspectos de leitura que muitas vezes permanecem adormecidos. Assim, esperamos
levantar questões pertinentes aos estudos literários e poéticos, como o uso de estruturas
gramaticais recorrentes com o fim de expressar imagens poéticas, e de estruturas gramaticais
que trazem em seu bojo um pouco da forma de pensamento do poeta; também procuramos
demonstrar como o ritmo, muitas vezes, para ser permanente, necessita de padrões
gramaticais que possibilitem suas idas e voltas.
Palavras-chave
Péricles Eugênio da Silva Ramos; Poesia brasileira; Gramática poética.
Abstract
This article aims to discuss the poem "O mundo, o novo mundo," the paulista poet Péricles
Eugênio da Silva Ramos (1919-1992), from some ideas proposed by Roman Jakobson in his
essay "Poesia da gramática e gramática da poesia". We believe that the essay of Jakobson
can give us a fresh look at the poem, extending aspects of reading that often remain asleep. So
we hope to raise pertinent questions to literary and poetic studies, such as the use of
recurring grammatical structures in order to express poetic imagery, and grammatical
structures that bring in its wake some of the way of thinking of the poet; also to demonstrate
how the pace often to be permanent, requires grammatical patterns that allow their return
back.
Keywords
Péricles Eugênio da Silva Ramos; Brazilian poetry; Poetic grammar.
Introdução
O presente artigo é um exercício, possui o objetivo de discutir o poema “O mundo, o
novo mundo”, do poeta paulista Péricles Eugênio da Silva Ramos, a partir de algumas idéias
propostas por Roman Jakobson em seu ensaio “Poesia da gramática e gramática da poesia”,
presente no livro Lingüística. Poética. Cinema. Acreditamos que o ensaio de Jakobson, “o
poeta da lingüística”, segundo Haroldo de Campos, possa nos dar um novo olhar sobre o
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poema, ampliando aspectos de leitura que muitas vezes permanecem adormecidos. Antes de
iniciarmos, vamos ao poema:
O mundo, o novo mundo
1 Porque tentasse decifrar os signos da matéria,
2 com seu rumor de concha sob a forma silenciosa;
3 porque sem olhos desejasse ver além do que se vê,
4 os pés feriu à margem do caminho,
5 dilacerou as mãos nas grimpas da montanha.
6 Um deus, porém – sim, foi um deus –,
7 penalizado o socorreu no meio da jornada,
8 oferecendo-lhe, na voz, os olhos com que visse,
9 as asas com que o vale do mistério transpusesse.
10 E canta o socorrido, e em sua voz um novo sol gravita,
11 como o que luz no céu, porém mais quente,
12 como o que apaga estrelas, mas sem corpo.
13 Ei-lo que canta, e um novo mar se encrespa;
14 ei-lo que canta, e um novo homem nasce,
15 um novo homem sob um novo sol.
16 Ei-lo que canta; e uma só língua ecoa pela Torre de Babel;
17 ei-lo que canta!
18 E surge o mundo, o novo mundo, sobre o túmulo da esfinge.
(RAMOS, 1972, p.4).
O poema, de fundo metapoético, descreve a tentativa de um ente (um futuro poeta?) se
tornar detentor do poder de controlar “os signos da matéria”, e ver mais do que lhe é possível,
ou lhe é dado ver. Feridos os pés e dilaceradas as mãos, um deus, que não se sabe qual,
penalizado o ajuda, oferecendo na voz o poder que o ente busca. Agora o ser tem como cantar
com sua própria voz, digamos poética, e criar um novo mar, um novo homem e um novo
mundo. E esta única língua ecoará pela Torre de Babel. Esta língua, que será a língua própria
do novo poeta, será única, assim como o ritmo binário do poema será constante (veremos este
ponto mais abaixo), portanto, ritmo e conteúdo se plasmam na unicidade deste novo poeta.
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O autor do poema é considerado dentro a crítica literária como parte da chamada
“Geração de 45”. Nasceu em Lorena, cidade do estado de São Paulo, no dia 24 de outubro de
1919, e faleceu no dia 14 de maio de 1992 na cidade de São Paulo. Além de poeta, foi crítico
literário e tradutor.
A poesia de Péricles Eugênio é composta por cinco livros, são eles: Lamentação floral
(1946), Sol sem tempo (1953), Lua de ontem (1960), Futuro (1968) e Noite da memória
(1988). Em 1972, a José Olympio Editora lança Poesia quase completa, reunião dos quatro
primeiros livros do poeta.
“O mundo, o novo mundo” e a poesia da gramática
O poema em questão neste artigo, “O mundo, o novo mundo”, está presente na obra
Lamentação floral de 1946, seu primeiro livro publicado. É interessante observar que na
republicação dos quatro livros iniciais do poeta no volume Poesia quase completa Péricles
Eugênio deixa uma “Advertência” como prefácio para o livro, e chama a atenção para um
aspecto formal importante em sua obra, o uso sistemático do ritmo binário. Vejamos o trecho:
Já no 1o poema de Lamentação floral, de resto, como em muitos outros dêsse
livro, eu havia sistematizado o meu próprio verso livre, fazendo-o flutuar de
oito a vinte sílabas, num ritmo sustentadamente binário. Desconheço
exemplo de rigor semelhante em qualquer poeta anterior de nossa língua,
isto é, desconheço precedentes da sistemática de Lamentação floral e Sol
sem tempo, bem como do andamento, também binário, dos dois poemas em
prosa de Lua de ontem. Mostra isso que o autor não procurava repetir
ninguém, mas pelo contrário moldar seu próprio verso livre em bases
rítmicas binárias, como sinal de que ouvira a advertência de Mário de
Andrade sôbre a “desritmação bôba” que andava grassando pelo verso livre.
(RAMOS, 1972, p. xiii).
O primeiro poema de Lamentação floral é o próprio “O mundo, o novo mundo”. Em
outro momento tentamos desvendar o uso do ritmo binário neste poema, e propondo o número
“2” para as sílabas fortes e semi-fortes e o número “0” para sílabas fracas, chegamos ao
seguinte esquema rítmico, de base iâmbica (apresentamos aqui apenas a primeira estrofe):
1 Por/que/ ten/ta/sse/ de/ci/frar/ os/ sig/nos/ da/ ma/té/ria, 14 sílabas
0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 binário
2 com/ seu/ ru/mor/ de/ con/cha/ so/b a/ for/ma/ si/len/cio/sa, 14 sílabas
0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 binário
3 por/que/ sem/ o/lhos/ de/se/ja/sse/ ver/ a/lém/ do/ que/ se/ vê/, 16 sílabas
0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 binário
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4 os/ pés/ fe/riu/ à/ mar/gem/ do/ ca/mi/nho, 10 sílabas
0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 binário
5 di/la/ce/rou/ as/ mãos/ nas/ grim/pas/ da/ mon/ta/nha. 12 sílabas
0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 binário
O mesmo padrão permanece em todo o poema, com apenas alguns momentos em que
o andamento binário parece não se ajustar perfeitamente, como, por exemplo, no verso 6:
6 um/ deus,/ po/rém/ – sim,/ foi/ um/ deus/ -,
0 2 0 2 (2) 2 0 2
Nossa possível explicação para este verso seria as pausas sugeridas pela vírgula após o
advérbio “sim” e o travessão anterior ao “sim”, o que possibilita uma seqüência de três sílabas
fortes sem o enfraquecimento de uma delas. Apresentamos este verso como amostra, mas é
possível neste poema, e em outros da obra do poeta, encontrar versos em que poderíamos
discutir a efetividade do uso do ritmo binário.
Embora, em um primeiro olhar, o uso do ritmo binário nos pareça um formalismo um
tanto gratuito, o seu uso reiterado e plasmado à criação imagética do poeta nos dá um padrão
de construção próprio, e, ao mesmo tempo, faz com que a estrutura gramatical utilizada por
Péricles Eugênio também possa dialogar com este ritmo.
Como exemplo do que afirmamos acima, poderíamos citar a seguinte seqüência
padrão do poema “O mundo, o novo mundo” que vai costurando as últimas três estrofes do
poema, sempre mantendo a frase gramatical artigo indefinido/adjetivo/substantivo/verbo:
10 [...] um novo sol gravita
13 [...] um novo mar se encrespa
14 [...] um novo homem nasce
A mesma sequência ocorre com algumas alterações ao fechar os dois tercetos, porém,
agora, sem os verbos e com o uso das preposições “sob” e “sobre”, além da mudança do
artigo indefinido para o artigo definido:
15 um novo homem sob um novo sol
18 [...] o novo mundo, sobre o túmulo da esfinge
Nestes exemplos notamos a presença do ritmo binário organizando os versos:
10 [...] um/ no/vo/ sol/ gra/vi/ta
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0 2 0 2 0 2 0
13 [...] um/ no/vo/ mar/ se en/cres/pa
0 2 0 2 0 2 0
14 [...] um/ no/vo/ ho/mem/ nas/ce
0 2 0 2 0 2 0
15 um/ no/vo/ ho/mem/ so/b um/ no/vo/ sol/
0 2 0 2 0 2 0 2 0 2
18 [...] o/ no/vo/ mun/do/, so/bre o/ tú/mu/lo/ da es/fin/ge
0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0
Nossa ideia ao apresentar estes exemplos acima é tentar demonstrar como o uso de
determinada frase gramatical pode estar vinculada ao ritmo acentual. E, deste modo, tentar
expor a estrutura gramatical funcionando como meio de expressão para o conteúdo do poema.
Como ponto de partida, separamos o seguinte trecho do ensaio de Roman Jakobson como
pedra de toque para a análise, diz Jakobson:
Pode-se afirmar que na poesia a similaridade se superpõe à contigüidade e,
assim, ‘a equivalência é promovida a princípio constitutivo da seqüência’
(Jakobson). Nela toda reiteração perceptível do mesmo conceito gramatical
torna-se um procedimento poético efetivo. Uma descrição não-apriorística,
atenta, exaustiva, completa, dos processos de seleção, distribuição e inter-
relacionamento das diferentes classes morfológicas e das diferentes
construções sintáticas presentes em um dado poema surpreende até mesmo o
investigador que a realiza. (JAKOBSON, 1970, págs. 72-73).
Partindo dessa premissa, que é a definição da “função poética” apresentada por
Jakobson no seu famoso artigo “Lingüística e poética”, observamos que no poema de Péricles
Eugênio esta reiteração gramatical com fins poéticos ocorre de forma satisfatória.
O poema é composto por cinco estrofes. De forma descendente, a estrofe (I) possui 5
versos; a estrofe (II) 4 versos; as estrofes (III), (IV) e (V) possuem 3 versos cada. Partindo de
uma visão geral, podemos perceber que a estrofe (I) e a estrofe (II) têm um movimento
próprio visto pela estrutura gramatical, enquanto as estrofes (IV) e (V) mantêm um padrão
gramatical paralelístico muito próximo uma da outra. A estrofe (III) especificamente no verso
10 liga-se às estrofes (IV) e (V). Enquanto os outros dois versos (11 e 12) têm um movimento
paralelístico próprio. O que chama a atenção é que mesmo com algumas variações entre as
estrofes é nítido um sentido de construção onde cada palavra precisa ser medida com precisão
para o efeito almejado, ainda mais se vincularmos isto ao ritmo binário aplicado pelo poeta no
poema.
Outro ponto que gostaríamos de aventar é a possível reorganização da última estrofe
do poema, que, ao que nos parece, poderia ser dividida da seguinte forma para manter certo
paralelismo com a estrofe anterior (segue o trecho original, e o trecho reorganizado
respectivamente):
16 Ei-lo que canta; e uma só língua ecoa pela Torre de Babel;
17 ei-lo que canta!
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18 E surge o mundo, o novo mundo, sobre o túmulo da esfinge.
16 Ei-lo que canta; e uma só língua ecoa pela Torre de Babel;
17 ei-lo que canta! E surge o mundo,
18 o novo mundo, sobre o túmulo da esfinge.
É claro que esta nova divisão, totalmente arbitrária, visa apenas evidenciar uma
aparente construção entre as estrofes (IV) e (V), ou seja, apenas um recurso didático. Porém,
não deixa de ser relevante o fato da quebra do verso 17 ocorrer bem no momento em que o
“cantor” (um poeta em busca de sua linguagem?), após sofrer as penas da busca pela
decifração dos signos da matéria, e posteriormente ser socorrido por um deus do qual
desconhecemos - um deus anônimo? seriam Musas? este “deus” em minúsculo nos deixa
desamparado neste sentido, em que o “cantor” faz surgir o “novo mundo”, que agora é
precedido pelo artigo definido “o”, e não mais a presença do artigo indefinido “um” até então
preponderante. Já no verso 18 temos uma seqüência de três artigos definidos “o”, a criação
está consumada, e o mundo anterior, em formação, desaparece. O novo mundo está
plenamente realizado, o verbo “surge” está apartado da luta anterior, e nos dá num novo verso
(verso 18), e a imagem da esfinge, do túmulo da esfinge, pode ser a imagem do poeta que
vence o desafio e declara sua própria linguagem como seu novo caminho poético, o caminho
de um poeta pleno de sua função.
Pensando o poema desde seu início poderíamos abordá-lo a partir do paralelismo, pois
em todas as estrofes temos este procedimento com maior ou menor eficácia, e no caso
específico das estrofes (IV) e (V) temos um paralelismo padrão entre as duas estrofes. Segue
outro trecho do ensaio de Jakobson para nos guiar:
A “figura de gramática” recorrente, que, ao lado da “figura de som”, era
considerada por Gerard Manley Hopkins como o princípio constitutivo do
verso, é ainda mais palpável nas formas poéticas em que unidades métricas
contíguas se combinam de forma mais ou menos consistentes em dísticos e,
opcionalmente, em tercetos, através do paralelismo gramatical. A afirmação
da Sapir, acima citada, é perfeitamente aplicável a essas seqüências
contíguas: “são na realidade uma mesma sentença fundamental, diferindo
apenas pelo revestimento material”. (JAKOBSON, 1970, págs. 68-69).
Ao ler o trecho acima, percebemos que em todo poema “O mundo, o novo mundo” há
certo padrão paralelístico presente. Na estrofe (I) citamos as analogias (no sentido proposto
por Alfredo Bosi em O ser e o tempo da poesia, analogia como enriquecimento da percepção)
entre os versos 1 e 3, e entre os versos 4 e 5:
1 Porque tentasse decifrar os signos da matéria,
3 porque sem olhos desejasse ver além do que se vê,
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4 os pés feriu à margem do caminho,
5 dilacerou as mãos nas grimpas da montanha.
Estes dois grupos de analogias, portanto, reforçam o desafio proferido pelo ente, e
criam uma primeira imagem do poema. Além disto, podemos argüir em relação às
recorrências, que surgem em alguns momentos. Há recorrências morfológicas, como, por
exemplo, os verbos dentro da primeira analogia, que estão no mesmo tempo verbal
“tentasse/desejasse” (pretérito imperfeito), da mesma forma na segunda analogia
“feriu/dilacerou” (pretérito perfeito simples). Na primeira analogia há a recorrência do
pronome “porque”, no início dos dois versos. Também podemos nos referir às recorrências
sintáticas, como a que há na segunda analogia, que é o caso do genitivo: “do caminho/da
montanha”.
Ainda sintaticamente, há uma inversão entre os versos 4 e 5:
4 os pés feriu
5 dilacerou as mãos
A estrofe (II) é aquela que apresenta a menor incidência de uma estrutura gramatical
padrão. Temos entre os versos 7 e 8 certo paralelismo:
7 [...] os olhos com que visse
8 as asas com que o vale do mistérios transpusesse.
É interessante que o que fica sobrando neste paralelismo é a parte que dialoga com
outros pontos da estrofe (I), e mesmo da estrofe (II), os genitivos:
1 [...] os signos da matéria
4 [...] à margem do caminho,
5 [...] nas grimpas da montanha.
7 [...] no meio da jornada,
8 [...] o vale do mistério
A estrofe (III) já está em pleno diálogo com a estrutura das duas estrofes finais. O
verso 10,
10 E canta o socorrido, e em sua voz um novo sol gravita,
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mantém ligações com as estrofes (IV) e (V), já que “E canta o socorrido...” nos sugere “Ei-lo
que canta...” (estrofes (IV) e (V)), e em “... um novo sol gravita”, nos sugere “... um novo mar
se encrespa” (estrofe (IV)), e também há uma certa relação entre “... e em sua voz...” e “e uma
só língua ecoa...” da estrofe (V). Neste ponto nos parece que a voz que canta é a voz que
ecoará pela Torre de Babel.
Já os versos 11 e 12 têm um padrão próprio. Vejamos:
11 como o que luz no céu, porém mais quente
12 como o que apaga estrelas, mas sem corpo.
Trata-se de dois versos decassílabos. Na primeira parte dos versos temos uma
conjunção “como” seguida do artigo definido “o” e de um pronome relativo “que”, repetidos
desta forma nos dois versos. O acento na sexta sílaba ocorre em dois substantivos: “céu” e
“estrelas”, dentro de um mesmo campo semântico. Na segunda parte dos versos temos as
conjunções “porém” no verso 11 e “mas” no verso 12. A partir daí os versos sofrem
alterações, no verso 11 surge o advérbio “mais” seguido de adjetivo “quente”, e no verso 12 a
preposição “sem” seguida do substantivo “corpo”. De qualquer forma, mesmo com pequenas
mudanças entre os versos, a frase gramatical que os percorre nos faz com que os leiamos
como se tivessem um mesmo padrão, um mesmo sentido, porém de difícil compreensão.
Estas tessituras gramaticais apresentadas não deixam de ser importantes para
definirmos algo como o estilo do autor, ou até mesmo o estilo de uma época, como afirma o
próprio Jakobson:
A tessitura gramatical da poesia apresenta, além dos procedimentos comuns
ou mais constantes, muitos traços diferenciais salientes, característicos de
uma dada literatura nacional ou de um período limitado, de uma tendência
específica, de um determinado poeta ou até mesmo de uma única obra.
(JAKOBSON, 1970, p. 76).
Assim, de grande relevância seria o estudo de um número grande de poemas de
Péricles Eugênio para termos uma medida ideal dos processos gramaticais utilizados pelo
poeta. De um modo geral, a partir de um estudo anterior feito sobre o ritmo na poesia do
poeta, acreditamos que o ritmo binário em muitos momentos requer estruturas recorrentes.
Como ilustração, apresentamos o início do poema “Um dia azul de outubro” presente na obra
Lua de ontem, de 1960. Trata-se de um dos dois poemas em prosa citado por Péricles Eugênio
em sua “Advertência”. Segue o trecho inicial:
Um dia azul de outubro
Carne pelos trilhos. Carne sôbre as pedras. Carne humana.
Degradada carne humana. Abatida, aviltada carne humana, feita
choque e humilhação. Sangue, lágrimas, tristeza...
(...)
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(RAMOS, 1972, p.101)
No trecho percebemos a repetição de vocábulos (“carne” aparece 5 vezes, “humana” 3
vezes) ou o uso de paroxítonas com quatro sílabas (“degradada”, “abatida”, “aviltada”). Isto
facilita que a alternância binária se instaure. Façamos a seguir a acentuação deste trecho:
Car/ne/ pe/los/ tri/lhos. Car/ne/ sô/bre as/ pe/dras. Car/ne hu/ma/na.
De/gra/da/da/ car/ne hu/ma/na. A/ba/ti/da/, a/vil/ta/da/ car/ne hu/ma/na/, fei/ta
cho/que e hu/mi/lha/ção/. San/gue/, lá/gri/mas/, tris/te/za...
Assim feito, temos a presença da alternância binária demonstrada. Observamos a
presença de sílabas semifortes, e apenas no vocábulo ‘lágrimas’ seria interrompida a
alternância, pois teríamos uma seqüência forte-fraca-fraca, a menos que colocássemos a
sílaba final ‘mas’ como uma semiforte, dando-lhe um valor maior. O que cairia perfeitamente
com o vocábulo seguinte ‘tristeza’, que inicia com a sílaba fraca ‘tris’. Isto nos daria uma
alternância binária perfeita.
Partamos, agora, com o intuito de finalizar, para as duas estrofes finais. Observando
estas duas estrofes do poema, percebemos uma estrutura gramatical constante entre ambas as
estrofes, e um paralelismo entre os versos 13 e 14, e depois entre os versos 16 e 17.
13 Ei-lo que canta, e um novo mar se encrespa;
14 ei-lo que canta, e um novo homem nasce,
15 um novo homem sob um novo sol.
16 Ei-lo que canta; e uma só língua ecoa pela Torre de Babel;
17 ei-lo que canta!
18 E surge o mundo, o novo mundo, sobre o túmulo da esfinge.
O primeiro ponto que salta aos olhos é o procedimento anafórico (“Ei-lo que canta”)
presente nos dois primeiros versos de cada estrofe, ou seja, repetido quatro vezes. Seguindo a
anáfora, temos na segunda parte dos versos 13 e 14 uma estrutura gramatical feita com as
mesmas classes gramaticais:
13 e um novo mar se encrespa
13 preposição artigo adjetivo substantivo verbo com partícula reflexiva
14 e um novo homem nasce
14 preposição artigo adjetivo substantivo verbo
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Esta mesma estrutura gramatical comunica a mesma idéia de pensamento, a idéia de
algo novo florescendo a partir do canto. Para enriquecer os dois versos acima, o verso 15
potencializa a idéia de nascimento:
15 um novo homem sob um novo sol
15 art. indefinido adjetivo subs. prep. art. indef. adjetivo subs.
Considerações finais
Assim, esperamos com este breve estudo ter levantado questões pertinentes aos
estudos literários e poéticos, como o uso de estruturas gramaticais recorrentes com o fim de
expressar imagens poéticas, e de estruturas gramaticais que trazem em seu bojo um pouco da
forma de pensamento do poeta; também procuramos demonstrar como o ritmo, muitas vezes,
para ser permanente, necessita de padrões gramaticais que possibilitem suas idas e voltas. A
riqueza da expressão se dá quando um mesmo padrão gramatical é enriquecido com material
diferente, deste modo o paralelismo ao invés de se tornar um processo fastidioso passa a ser
um recurso de enriquecimento, na tentativa do poeta em plasmar verbalmente a imagem
visual já apartada da realidade.
Referências
BALLARINI, Teodorico. A poética hebraica e os salmos. Petrópolis: SE, 1985.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
JAKOBSON, Roman. Poesia da gramática e gramática da poesia. In: ___. Lingüística.
Poética. Cinema. Trad. Cláudia Guimarães de Lemos. São Paulo: Perspectiva, 1970, p. 65-79.
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Poesia quase completa. Rio de Janeiro: José Olympio,
1972.
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Cartografia de controvérsias como procedimento
metodológico: mapeando processos culturais em uma
associação de artesãos de Maria da Fé/MG
Adilson da Silva Mello Professor Adjunto IV da Universidade Federal de Itajubá. Possui graduação em Filosofia, mestrado em
Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999) e Doutorado pelo Programa de
Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor,
Pesquisador e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade.
Áreas de interesse: Tecnologias e Sociedade; Trabalho; Cultura e Desenvolvimento. Coordenador do GEPE de
Ciências Sociais e Desenvolvimento do Instituto de Engenharia de Produção e Gestão da Universidade Federal
de Itajubá.
Guilherme Garrido Mestrando em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade pela Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) com
bolsa CNPq. Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas do Sul de
Minas (FACESM) (2013). Pesquisa sobre a relação entre artefatos e tecnologia. Atua principalmente nos
seguintes temas: Tecnologia e Sociedade, tendo como grande área Sociologia.
Camila Lorrichio Veiga Mestrado em andamento em Desenvolvimento, Tecnologia e Sociedade na UNIFEI e bolsista FAPEMIG.
Graduada em Design pelas Faculdades Integradas Teresa D'Ávila (FATEA). Foi bolsista PIBIC e PIBITI na
FATEA. Pesquisa e Desenvolvimento nas áreas de design de produto, cartografia de controvérsias e teoria ator-
rede. Como trabalho de monografia, estudou a otimização da produção de uma movelaria em Lorena/SP por
meio de uma catalogação informatizada e gestão de produtos elaborados na mesma. Escritora com dois livros
publicados e membro da Academia Jovem de Letras de Lorena.
Resumo
O presente artigo tem como objetivo demonstrar a utilização da cartografia de controvérsias
como método. Essa pesquisa tem por locus a associação Casa do Artesão Mariense,
localizada cidade de Maria da Fé/MG, e todos os atores que se relacionam a ela nos vários
momentos da rede. Com a dúvida se era possível utilizar a cartografia de controvérsias como
método, realizou-se o mapeamento de uma das controvérsias que apareceram durante a
pesquisa: sobre a permanência da associação no local atual, o Centro Cultural. Com o
mapeamento de dados, realizou-se uma série de redes traçadas pelos atores para uma
visualização facilitada da complexidade da controvérsia. Consegue-se concluir que por meio
de uma demonstração virtual as possibilidades de visualização na rede possam a ser
ampliadas e também que essa visão auxilie na visualização da movimentação da rede e atores
e onde/como agem.
Palavras-chave
Cartografia de controvérsias; Ator-Rede; Maria da Fé; Centro Cultural; Artesão.
Abstract
This article aims to demonstrate the use of mapping controversy as a method. This research
has the locus association Craftsman House Mariense located in Maria da Fé City/ MG, and
all the actors who relate to it at many times of the network. To doubt whether it was possible
to use the mapping controversy as a method, it was conducted mapping of the controversies
that have appeared during the research: on the association of staying at the current location,
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the Cultural Center. With the data mapping, carried out a series of networks drawn by the
actors for easy visualization of the complexity of the dispute. It can be concluded that through
a virtual demo visualization possibilities on the network can be expanded and also that this
view helps network drive display and actors and where / how they act.
Keywords Cartography of disputes; Actor-Network; Maria da Fé; Cultural Center; Craftsman.
Introdução
Esse artigo é parte de uma pesquisa de mestrado que teve início em 2014, com uma
incursão no campo a partir de maio de 2014 em uma associação de artesãos de Maria da
Fé/MG. Também é parte de um projeto maior que envolve mais duas pesquisas diferentes. A
visão proposta aqui percorre a ampliação de agência apresentada pela Teoria Ator-Rede1,
onde humanos e não-humanos são ambos considerados dotados de agência na rede.
O trabalho do designer tende a se relacionar com várias áreas e profissionais,
inserindo-se com diversas funções. Em vários trabalhos visualiza- se que há uma cisão entre
design e artesanato, uma fissura que se mostra pautada em um preconceito de que um é mais
formal que outro, mais acadêmico que o outro. Mesmo assim, há uma gama ampla de
discussões sobre o que é o design e o que é o artesanato até o presente momento. Dentro dessa
incursão de pesquisadores com formação em Design, Administração e Ciências Sociais foi
coletada uma grande série de dados de campo sobre o cotidiano da Associação Casa do
Artesão Mariense, das associadas, dos produtos e das conexões que existem entre todos os
atores envolvidos.
Articulando toda essa quantidade de dados e na Teoria Ator-Rede, que vem sendo
trabalhada desde o início da pesquisa, obtivemos contato com a Cartografia de Controvérsias2,
pensada por Bruno Latour e Tommaso Venturini, que permite descomplexificar o complexo
da vida social. Não sem muito esforço.
O objetivo desse artigo é responder à indagação da possiblidade de utilizar a
Cartografia de Controvérsias como procedimento metodológico para essa pesquisa
especificamente, na qual a quantidade de “dados off-line” é enorme, divergindo dos caminhos
pesquisados em Venturini (2012), onde a maior parte dos dados provém de textos e são
trabalhados virtualmente.
A estrutura do presente trabalho segue a sequência:
Primeiramente demonstramos o lócus da pesquisa, visualizando a associação
estudada, Casa do Artesão Mariense, e os atores que compõem esse cenário formatado em
rede. Em seguida situamos nos itens 2 e 3 a Teoria Ator-Rede e a Cartografia de
Controvérsias, respectivamente. No item 4 é concluída a análise por meio da Cartografia da
controvérsia sobre a permanência da associação no local atual.
1 Teoria Ator-Rede (Actor-Network Theory), desenvolvida por Bruno Latour, Michel Callon e John Law, tem
como pontos-chave a simetria de agência, o não-reducionismo no campo, a visão de que as redes não são
estáveis e a reflexividade, onde o pesquisador não se considera diferente do objeto estudado. Mais à frente há um
aprofundamento sobre o tema. 2 A Cartografia de Controvérsias é proposta como uma maneira de visualizar a complexidade da rede, como um
modo de traduzir as relações em um determinado momento e sob um determinado ponto de vista. No item 3 esse
tema é explanado mais profundamente.
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Contexto histórico da Casa do Artesão Mariense: como, quando e
quem
Maria da Fé é uma cidade localizada no sul de Minas Gerais, e tem uma população
estimada de 14.518 habitantes, de acordo com dados do IBGE de 20153, é uma cidade com
202.898 km², com grande parte da sua população residindo em área rural.
A associação estudada, Casa do Artesão Mariense, tem até o presente momento 43
associados, trabalhando com os mais variados materiais: palha de bananeira, palha de milho,
madeira, biscuit, tecido, entre outros. Segue abaixo um relato do cotidiano da Casa do Artesão
Mariense realizado pelos pesquisadores durante os anos de 2014 e 2015.
De acordo com o Caderno de Atas mantido por uma das artesãs, a Casa do Artesão
Mariense foi inaugurada aos 7 de junho de 2008, como uma premissa da Secretaria Municipal
de Cultura e Turismo, por haver uma grande quantidade de artesãos marienses que não faziam
parte de nenhum tipo de associação ou cooperativa, ou outra forma de institucionalização.
Ainda de acordo com o caderno, consta que a prefeitura assume as despesas referentes ao
espaço onde a Associação se estabelece, o Centro Cultural de Maria da Fé.
Figura 1. Foto do Centro Cultural de Maria da Fé, a Associação se encontra na lateral do mesmo. Fonte: Autores, 2015.
No início, o funcionamento da Associação ocorria pelo revezamento dos associados
nas funções cotidianas como forma de manter a loja da Associação sempre em
funcionamento. Nesse esquema de revezamento não havia cobrança de taxa para que os
3 Dados do IBGE, Ferramenta “Cidades@”, disponível em:
<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=313990&search=minas-gerais|maria-da-fe>
Acesso em: Outubro de 2015.
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associados expusessem e vendessem seus produtos artesanais. Atualmente, de acordo com a
pesquisa de campo e entrevistas realizadas4, ainda há o revezamento, com escala do mês
seguinte sendo decidida nas reuniões mensais, mas é cobrada uma taxa sobre os produtos, que
é direcionado aos fundos de reserva da Associação. O arranjo atual dessa contribuição
funciona da seguinte forma: Para os associados que também trabalham na loja em funções
determinadas, é cobrada uma taxa de 5% sobre o valor de venda de suas peças. Para aqueles
que optam por não trabalhar no funcionamento da loja ou outras atividades administrativas,
essa taxa é reajustada para 10% do valor total da venda dos itens.
Figura 2. Exemplo de produtos vendidos e organização na loja Fonte: Autores, 2014.
De acordo com a ata e entrevistas, a Associação já possuiu cinco presidentes desde
sua institucionalização. A organização também obteve apoio de outras instituições, como o
Grupo Bem Viver da 3ª Idade, o qual contribuiu apoiando os associados na tentativa de
registro de um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), bem como a própria
organização institucional necessária para que o grupo de artesãos se tornasse formalmente
uma Associação. A partir de então, alguns cargos e funções foram estipulados. As atividades
partiam desde as escala de limpeza, confecção de embalagens fiscalização e controle de
qualidade do produto, funções operacionais financeiras, como o recebimento de pagamentos e
distribuição de taxas de contribuição aos artesãos. A institucionalização possibilitou também
uma realocação de espaço físico dentro do Centro Cultural do município. Em meados de
março de 2009, a Associação foi contemplada pela Prefeitura Municipal de Maria da Fé com
uma ampliação do seu espaço de funcionamento.
O espaço onde a Associação se estabelece é um ator que sempre se mostrou ativo na
rede. A Casa do Artesão sempre esteve, desde sua fundação, no Centro Cultural, porém esse
espaço sempre esteve sujeito a diversas mudanças, bem como às movimentações vetorizadas
4 Houve registro fotográfico e gravação de áudio das visitas e entrevistas sociotécnica e transcrição das
gravações, além de registros em cadernos de campo.
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por interesses políticos. Essa ampliação de local é um exemplo dessa manutenção da
instabilidade da rede. Em outras palavras, o espaço cedido à Associação foi iniciativa de um
prefeito, o qual buscou formas de apoiar e fomentar o trabalho artesanal na cidade de Maria
da Fé. Naquela época, a Associação possuía mais associados que atualmente, além de maiores
vínculos estratégicos com a Secretaria de Cultura e Turismo do município. A controvérsia, e
também o exemplo da instabilidade de uma rede de afetações, está no cenário observado
atualmente acerca da Associação. O atual prefeito possui intenções de construir quiosques
para todas as Associações da cidade de Maria da Fé em observância à retirada da Associação
Casa do Artesão Mariense do local onde estão atualmente, no Centro Cultural. O problema
não se restringe à mudança do local da Associação, mas também à reforma dos custos de
funcionamento. Esses quiosques não seriam cedidos sem ônus aos associados. Seria sobrado
um aluguel pelos mesmos. O rastreio da controvérsia em questão centra-se na questão dos
quiosques, que têm sua própria articulação na rede.
Outras consequências da institucionalização recaíram sobre a Associação Casa do
Artesão Mariense. A organização formal das artesãs resultou na constituição de um
regulamento interno, uma diretriz para a ordenação das competências de cada artesão, bem
como daqueles que estão no exercício do plantão na loja.
A abertura dessa pesquisa para um olhar diferente sobre o social, também significa
reformular a maneira como o pesquisador observa a rede. Dessa premissa, nascem as
incertezas e ficam mais evidentes os pontos de imprevisibilidade dessa rede de afetações.
Essas imprevisibilidades são algumas vezes expressas em controvérsias.
O aprofundamento dos pesquisadores na realidade da Associação revelou
determinadas características desde o estatuto da organização que não previa nenhum sistema
de punição aos infratores das cláusulas acordadas, como também o aparecimento de outras
realidades provenientes de um “emaranhado” de atores.
Depois de conversas com as artesãs descobrimos que elas não são uma associação
formalizada, pois não possuem um CNPJ, apesar dos esforços para tal. A Associação está
vinculada a uma outra associação denominada Associação Arte Livre, que por falta de
atividade não possui mais o próprio CNPJ. Para uma real institucionalização da Associação
Casa do Artesão Mariense, haveria necessidade de total desvinculação dessa outra associação
para que se configurasse legalmente uma Associação de artesãos.
Mesmo com essas questões controversas acerca da formalização da organização, suas
atividades permaneceram constantes desde sua constituição. Um evento importante, e que
nesse cenário se configura como um ator importante foi o Festival de Inverno de 2014, que
ocorreu no mês de julho. Esse evento é um festival anual, que até então era promovido pela
Secretaria de Turismo e Cultura da Prefeitura Municipal de Maria da Fé. Esse evento buscava
reunir vários estandes de comida, roupas e artesanato advindos da cidade e de outros
municípios próximos.
Foi possível um acompanhamento do evento, com o enfoque sobre a Associação e
sua exposição na feira. Os dias de maior intensidade de fluxo de visitantes eram os do final de
semana. Com isso, a equipe de quatro pesquisadores foi dividida em duas duplas e ambas
frequentaram os dois finais de semana que compunham a feira e nela realizaram observação
participante.
O que pode ser observado nesses dias foi que a confiança das associadas havia
aumentado com o evento. Porém a presença dos pesquisadores causou uma movimentação
nessa rede que apresentou seus pontos recalcitrantes. Muitas informações não eram expressas
diretamente, principalmente devido às experiências negativas ocorridas com os membros da
Associação em relação a outros pesquisadores.
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O modelo de funcionamento da Associação Casa do Artesão foi copiado anos antes
dessa pesquisa por um órgão de apoio ao pequeno produtor. Com isso, a desconfiança por
parte dos associados se apresentou como ponto de dificuldade para essa pesquisa.
Durante essas visitas diversas informações foram coletadas. Essas informações
abrangiam desde sua organização, passando por esquema de escalas, atritos entre os membros
da associação, as controvérsias que nela estavam presentes, e também o público-alvo dos
festivais e da própria Associação. A maior parte dos visitantes era composta por turistas de
cidades vizinhas ou de municípios mais distantes. Os visitantes muitas vezes se tornam
compradores. Para o público da cidade de Maria da Fé, a existência da Associação e de seus
produtos é quase desconhecida.
Depois do Festival de Inverno de 2014 surgiu a possibilidade de realizar uma
pesquisa mais aprofundada nos locais onde eles desenvolviam o trabalho artesanal. Então,
esses locais foram denominados laboratórios. A resistência à inserção dos pesquisadores nas
realidades vividas pelos membros da Associação continuou presente.
Com o passar do tempo as respostas positivas à presença dos pesquisadores foram
surgindo gradualmente. O início se deu com a anuência da presidente da Associação, a qual
cedeu uma entrevista em 5 de agosto de 2014. Depois de realizada essa etapa, as resistências
foram diminuindo gradativamente e foram realizadas um total de 17 entrevistas com artesãs e
mais 2 entrevistas com pessoas externas à Associação, mas importantes quanto à constituição
da instituição como tal.
As entrevistas forneceram dados essenciais para a construção de uma rede de
controvérsias sobre as quais foi configurado aquele social observado na época do
desenvolvimento da pesquisa.
A ANT e a Casa do Artesão
A Teoria Ator-Rede pode ser abreviada, mas a preferência aqui por utilizar a
abreviatura ANT ao invés de TAR, também utilizada em vários trabalhos, é devido à relação
que Latour (2012) traz com a palavra em inglês “ant”, que significa formiga. Assim a Teoria
Ator-Rede é relacionada com o trabalho da formiga, que condiria com um viajante “cego,
míope viciado em trabalho, farejador e gregário” (LATOUR, 2012). Para não perder essa
carga de significado, que traduz o que Latour enxerga de um trabalho utilizando a Teoria
Ator-Rede: lento, penoso, cheio de obstáculos e mudanças de percurso (devido às incertezas,
que serão tratadas adiante), com deslocamentos árduos e equipamento que verifica os vínculos
bem pesados, como uma formiga que arrasta um peso muito maior do que pode carregar, se
optou por utilizar o termo ANT.
Bruno Latour, Michel Callon e John Law, trabalharam em conjunto para desenvolver
a Teoria Ator-Rede, ou Actor-Network Theory, que tem como preceitos um modo de pensar e
estudar a heterogeneidade. Isto é, uma proposta de simetria generalizada, uma abordagem
construtivista que teve influências da etnometodologia de Harold Garfinkel, dos conceitos da
semiótica de Algidas Julius Greimas, da sociologia de Gabriel Tarde, da Filosofia das
Ciências por Michel Serres, do princípio metodológico da simetria de David Bloor, da noção
de rizoma de Deleuze e Guattari e do conceito de dispositivo de Michel Foucault (FREIRE,
2006). Para Callon (2008), a ANT se refere à inovação, subjetividade e agência, e segundo a
qual não se pode compreender a constituição da coletividade sem levar em conta a
“materialidade, as tecnologias e os não-humanos” (CALLON, 2008, p. 308).
A ANT também é conhecida como “sociologia da tradução” e “sociologia da
inscrição” (LEMOS, 2013). Para John Law, a “materialidade do mundo é heterogênea, uma
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mistura de social, econômico, material, humano, ‘natural’ e técnico” (LAW, 2014). Uma das
maneiras de entender essa materialidade é, para ele, a ANT, na qual os processos sociais
poderiam ser entendidos por um toolkit, uma ferramenta que ele chama de material-semiotics
(MORAES, ARENDT, 2013, p. 316).
Quando a atenção do estudo da ANT foca nas organizações há uma abertura que leva
o pesquisador a não se concentrar somente no elemento considerado ou social ou humano,
mas estender suas observações às materialidades presentes na realidade (CAVALCANTI,
ALCADIPANI, 2013, p. 558). Essa mediação de humanos e não-humanos sempre fez parte
do próprio humano, ele se relaciona com todos, e Lemos (2013) traz que a própria
constituição, como conjunto de elementos que constituem alguma coisa, da modernidade
acabou por fazer com que essa questão fosse ignorada, separando os híbridos de relações
humanas e não-humanas em “sujeitos e objetos”.
Muitos autores concordam no sentido de que o nome Teoria Ator-Rede, não é
realmente próprio para o que ela é, mas o objetivo é simplesmente perceber essa nova maneira
de analisar o mundo, de compreender as subjetividades e materialidades. As redes sociais são
pontos e possuem relações identificáveis, e não se pode descrever a ação realmente
considerando as origens das mesmas como pontos, mas sim como relações, pelas coisas que
circulam e agem. Já que a rede está sempre em movimento e em crescente mutação. É uma
rede de afetações (LATOUR, 2012). Ela não age sozinha, em um único ponto, mas está
inserida em um contexto, onde todos agem, inclusive os híbridos, surgidos da interação
homem-natureza.
Para Law, a ANT é um grupo de procedimentos que não ignoram as complexidades
da rede de relações, e que nada existe fora dessas relações (MORAES, ARENDT, 2013, pg
315). Vários conceitos são traçados e retraçados quando se considera a ANT e teorias
adjacentes. Como: o que é o social?
Em Reagregando o Social (2012) tem-se essa indagação por parte de Latour, de que
o próprio conceito de social deveria ser reunido, recompreendido, por conta de estar sendo
usado atualmente como um diferencial, um “material” que modifica aquilo a que se vincula,
esse conceito limita a possibilidade de rastrear as conexões da rede, pois prevê uma
estabilidade da mesma. Ele continua traçando o panorama até rever as questões da própria
Sociologia, trazendo o que ele considera um paradoxo: “Sociologia da Ciência”. Ele trabalha
com a definição de “Sociologia de Associações”, onde o “Social” não é algo estabilizado, fixo
em suas definições, conceitos, mas sim algo que é explicado por meio das associações que são
encontradas. São várias associações entre atores heterogêneos, são conexões. Ele define o
social como “um movimento peculiar de reassociação e reagregação” (LATOUR, 2012, p.
25), pode se relacionar a coisas que não são sociais em si. Torna-se um movimento, uma coisa
que só é visível pelos traços, pelas linhas que vai deixando na rede, só existe enquanto está lá
e enquanto se busca essas associações.
Para Callon (2008) entidades são mais importantes que pontos ou estruturas na rede,
devem ser observadas enquanto estão circulando, enquanto estão agindo, só se observa
quando uma ação acontece, quando vira realidade. A intenção é acabar com essa separação
entre humanos e não-humanos, tanto que o termo usado para quem age nas relações é somente
actante. Actante vem da semiótica de Greimas e é o que gera uma ação, que age, gera
movimento e modificações e pode ser humano ou não humano, é o que chama-se aqui de
Ator. São compostos tanto quanto compõem a rede. (LATOUR, 2012; LEMOS, 2013).
Também há a consideração de um intermediário, que é aquele ou aquilo que não modifica,
apenas transporta relações, complementa a rede, mas não media nada, não é um actante. A
dificuldade surge por não ser possível avaliar quem age e quem sofre agência da rede, nem de
onde uma ação surge ao ponto em que a rede se constitui. Já que todos agem nessa rede
heterogênea, todos deveriam ser igualmente considerados. Aí que entra o conceito de simetria
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generalizada. Em Callon (2008), tem-se que, para o autor, essa divisão não deve ser o foco,
mas sim as agências, os agenciamentos sociotécnicos. Esses híbridos de natureza e humanos,
e essas relações entre todos os atores, levaram a “reconstruir um labirinto heterogêneo de
homens e máquinas, de grupos sociais e sistemas tecnológicos” (THOMAS, et al, 2013, p. 12,
tradução dos autores).
A questão posta sobre as associações e suas incertezas já começa por não se
conseguir saber de onde, a fonte, a ação vem, nem para onde ela vai e nem valorar e fazer
julgamento de qualidade dessas relações a priori, é um processo que se constrói (LEMOS,
2013).
Dentro da ANT, temos o conceito de tradução, que é aquele momento onde a
comunicação e transformação dos actantes se presta, onde as redes se constituem, é a ação que
um ator faz a outro, ela é “uma operação semiótica entre actantes modificando ambos a partir
de interesses específicos”, é o movimento, a circulação. (LEMOS, 2013).
Há níveis de interesse nesses momentos de tradução, aqueles que são relacionados a
um interesse particular e se relaciona com outros atores com o mesmo interesse; quando há
uma mobilização para despertar o interesse em outros; quando alguns deixam os interesses de
lado para acompanhar outros interesses; quando se modificam todos os interesses envolvidos,
se constrói novos grupos, objetivos; quando existe uma mobilização coletiva em prol de um
objetivo para que ele se torne indispensável. Há outros conceitos dentro de tradução, como
delegação (ator de delegar) ou mudança, quando acontecem essas modificações de objetivos,
de interesses, ocorrem as traduções (LEMOS, 2013).
Ainda em Moraes e Arendt (2013), temos que, em estudos mais recentes, Moser,
Law e Mol não consideram mais que o objetivo seja acompanhar como os objetos se
estabilizam, mas sim com essas intervenções dos atores que criam realidades, as fazem existir,
e a construção de uma rede não é nada mais que uma possibilidade. Na ANT se “redefine o
próprio objeto de investigação da sociologia das ciências” (FREIRE, 2006), onde não se tem
apenas uma construção social, mas sim uma “sócio-natureza”, se tem naturezas-culturas.
Em vários momentos e trabalhos são tratadas as questões de algumas críticas, como a
questão da ANT não ser política, respondida por Law em A Sociology of Monsters “a política
da ANT trata das distribuições hierárquicas, ou seja, de como ordens específicas criam
inclusões e exclusões específicas que são realizadas de forma heterogênea" (CAVALCANTI,
ALCADIPANI, 2013, p. 563). Para Law há dificuldades na abordagem da translação, que é
examinar o processo de organização dessas redes heterogêneas, que são relacionadas ao
problema encontrado de modificar acontecimentos para dados, todos eles relacionados à
atuação do pesquisador, seja por conta dele não ter testemunhado algum deles, ou não terem
sido anotados de alguma forma e posteriormente esquecidos, não terem sido considerados
relevantes, compreendidos e o próprio sistema de translação não ser confiável o suficiente
(CAVALCANTI, ALCADIPANI, 2013, p.561).
Ainda em Cavalcanti e Alcadipani (2013), temos alguns princípios metodológicos
que guiam a ANT na opinião de Law:
• Simetria: tudo merece uma explicação;
• Não reducionismo: crítica à prática da sociologia moderna, que parte ao campo
com conceitos prontos ou reduções;
• Visão processual, contingente e precária do objeto analisado: nada pode ser
encarado estável;
• Reflexividade: pesquisador não se considerar diferente do que está sendo
estudado;
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Como pode ser visto, os autores sempre trabalham tendo como foco as relações, e a
ANT serve para enfatizar essas relações, esses movimentos que os atores deixam ao se
relacionar, interagir. A proposta é trabalhar com uma sociologia de associações, onde se segue
os atores, se busca descobrir a realidade criada por eles, as relações travadas, as novas
associações que eles travam a todo momento em que a rede se configura (LATOUR, 2012). E
também traduzir isso por meio de uma cartografia de controvérsias, a ser tratado mais a fundo
no próximo item.
A ANT também foi construída se alimentando de vários direcionamentos para seguir
como uma abordagem diferente de compreender as realidades que são construídas, seja por
que ponto de vista, de John Law, Michell Callon, Bruno Latour, Annemarie Mol, as relações
geradas pelas ações dos actantes são o elemento chave para tentar compreender o que ocorre,
não se prendendo à conceitos pré-concebidos ao ir em campo; não se esquecendo da questão
da simetria, onde tudo merece uma explicação e é essencial, por mais que, como as críticas e
o próprio John Law tenham explicitado, há falhas em considerar o que é essencial na
pesquisa; o pensamento de que as realidades não são estáveis, podem e irão mudar a cada
interação e movimentação dessa rede; e a mudança de paradigma do pesquisador não poder se
considerar diferente da pesquisa, superior à ela, como aparece em Jamais Fomos Modernos
(1994) de Latour, que na sociedade dita moderna de não se estuda a si mesmo, apenas
sociedades externas à nossa, além do conceito de tradução, essencial no momento de
visualizar e compreender a rede serem complexos.
A Cartografia de Controvérsias e a ANT
A ANT trabalha bastante a questão das controvérsias: de acordo com Latour (2012)
analisando as controvérsias se consegue trabalhar melhor as “instituições das ciências
sociais”. Controvérsias são o que possibilitam ao social ser social e às Ciências Sociais
visualizarem e permitirem essa construção das redes, essas associações que são travadas. Elas
são todo pedaço de ciência e tecnologia que ainda se consegue rastrear, não se solidificou ou
fechou-se em uma caixa-preta. É como uma incerteza que os atores envolvidos na rede
dividem, tudo aquilo que não virou consenso ou não é de conhecimento do coletivo, gerando,
assim, discussão. Elas funcionam como “fóruns híbridos”, espaços de conflito e negociação
entre atores, que abrem caixas-pretas e renovam discussões (VENTURINI, 2010).
As controvérsias, que são a chave importante na observação com a ANT, é onde se
elaboram as relações, onde o social é constituído e desconstituído, já que não há uma
estabilização verdadeira da rede. É o meio por onde se enxerga a rede. Rastreia-se as
controvérsias para se rastrear as associações e relações, entender como o social se constitui
naquele momento da rede, antes que se tornem caixas-pretas, que vão para o fundo da rede, e
precisaríamos desconfigurá-las para entender como se constituem. Só que ao se tornarem
caixas-pretas, se torna extremamente dificultoso entender quem e o quê as constituem. Elas se
tornam os tais intermediários anteriormente citados. Como traz Lemos (2013):
[...] toda associação tende a virar uma caixa-preta, a se estabilizar e cessar a
controvérsia. O interesse é sempre abrir as caixas-pretas, colocar de novo em
causa (enquanto “matters of concern”, como prefere Latour) os elementos
estabilizados, ressaltado a necessidade de olhar para as controvérsias (a
construção das associações) e as suas novas e futuras estabilizações (em
outras caixas-pretas) (LEMOS, 2013, p. 56, grifo do autor).
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Ainda em Lemos (2013), temos a Cartografia de Controvérsias, um método para
“revelar as mediações”, proposta por Latour e Venturini, elas “desenham” esse processo de
rastrear os atores, segui-los, como as ações são distribuídas e se constituem, como se fossem
mapas. Em Venturini (2010) temos a descrição de que a cartografia de controvérsias como a
prática da ANT sem limitações de teorias e metodologias, o que não quer dizer desconsiderá-
las, mas trabalhar com o máximo de pontos de vista possíveis. Ele prossegue dizendo que ela
é construtivista e que o objetivo dessa cartografia é tornar a complexidade da vida social
legível, dando o protagonismo devido aos atores que encabeçam cada fenômeno social
(VENTURINI, 2010).
Tem-se vários problemas ao tentar compreender o como fazer isso. As controvérsias
são aquelas que geram as tensões, geram as polêmicas na rede, que ainda causam desarmonia
na rede, que ainda não se tornaram caixas-pretas. Mas como se seleciona as controvérsias
relevantes, qual o melhor formato para fazê-lo, já que também é construído, e ainda mais
considerando que o pesquisador colabora na construção dessas controvérsias, e por vezes é
também um ator na rede.
O primeiro passo, em Lemos (2013), seria conseguir compreender quais são as
controvérsias, que todos os atores concordam que são, concordam na desarmonia da mesma
na rede constituída. Essa cartografia se propõe a reunir o social a partir dos rastros, mesma
proposta da ANT em si, em buscar os indícios, as pistas, para constituir esse mapa, que não
podem generalizar nada na verdade, porque a questão não é gerar estereótipos, voltar à
Sociologia antiga que criava fotos ao invés de entender que as redes sempre se movimentam e
reconstituem.
Em Lemos (2013) tem-se alguns passos para evitar uma “má” controvérsia: evitar as
frias, já harmonizadas ou que não interessam a vários atores; evitar controvérsias que já se
constituíram como caixas-pretas, preferir as que ainda são debate, ainda geram discussões;
fugir das que são ilimitadas, grandes demais, e por vezes não se tem recursos suficientes para
rastreá-las, sejam eles monetários, humanos ou temporais mesmo; evitar assuntos que sejam
difíceis de acessar ou secretos. Deve-se ter sempre em mente, porém, que ao final, se é que se
pode chamar de final, não há uma verdade absoluta a ser encontrada, definida, não há
essência, mas sim uma “coleção de rastros deixados” pelos atores.
Há uma sintetização dos passos para uma criação de uma cartografia de
controvérsias:
1. Definir a controvérsia;
2. Observar e descrever o porquê de ser uma controvérsia;
3. Identificar as características da mesma (quente/fria; presente/passada;
secreta/pública; difícil acesso/acessível; limitada/ilimitada);
4. Recolher declarações, opiniões, ler literatura relacionada;
5. Identificar os atores humanos e não-humanos, esboçando a rede;
6. Identificar os cosmogramas, ideologias e visões de mundo.
7. Entender a representatividade, influência e interesses dos atores. (LEMOS,
2013)
Segue-se com as questões do que o pesquisador deve fazer:
1. Ouvir todos os atores, já que são eles que trazem a definição da controvérsia;
2. Observar os vários pontos de vista;
3. Descrever bem as controvérsias
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4. Dar peso proporcional aos atores. (LEMOS, 2013)
Além dessas recomendações se traz os seguintes instrumentos para o conjunto de
mapas a ser gerado:
1. Glossário de termos aceitos e controversos;
2. Repertório de documentos;
3. Análise da literatura especializada
4. Análise de opiniões publicadas na mídia
5. Mapa das posições contrárias ou ações de discordância
6. Limites ou escala da controvérsia
7. Diagrama dos atores-rede
8. Cronologia da controvérsia
9. Tabela “cosmos” ou das ideologias diferenciadas (LEMOS, 2013)
Ao acompanhar a descrição e estudo da cartografia de controvérsias por Venturini
(2010, 2012) temos que essa observação das mesmas também não é feita de forma simples.
Ela requer três questões chave: não restringir a observação a apenas uma teoria ou método;
observar do máximo de pontos de vista possível e sempre priorizar as “vozes” dos atores
acima das presunções do pesquisador. Vozes entre aspas por conta de atores não-humanos não
possuírem uma voz literal.
Venturini (2010) segue trazendo algumas “lentes” para se observar as controvérsias:
Pensar nos argumentos usados e a literatura envolvida na controvérsia. Mapear
a rede de referências
Pensar da literatura para os atores. Ampliar a rede pensada dessas referências
até os atores envolvidos, os atores actantes, que fazem diferença nessa rede
no caso.
Pensar dos atores para as redes. Atores isolados não existem, atores atuam na
rede e a modificam e são modificados por ela, trabalham relações. Observar
as controvérsias é ver esse movimento de conexões e interações na rede.
Pensar das redes pro-cosmos. Pensar a observação além de “statements, actions
and relations” (afirmações, ações e relações), mas em como o significado que
atores dão pra essas questões modificam a rede. Pensar nesse significado.
Pensar do Cosmos para a cosmopolítica. As verdades consideradas como
verdades são potenciais controvérsias. É preciso multiplicar pontos de vista,
atores e discussões.
Segue-se lembrando sempre que a simetria que é trazida na ANT, mantém-se na
Cartografia, e não significa de forma alguma uma simetria de pesos nas agências dos atores
envolvidos. Assim, Venturini (2010) traz as diretrizes pra se lidar com os pesos de cada ponto
de vista de uma controvérsia:
Pesar a representatividade de cada ponto de vista.
o Como? Quantidade de atores que adere a ele. Dar o peso proporcional a
cada um.
Pesar a influência de cada ponto de vista.
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o Como? Atores que tem mais influência na rede podem modificar mais a
controvérsia.
Pesar os interesses.
o Como? São as minorias que discordam de pontos de vista que trazem a
controvérsia à tona, que fazem caixas-pretas abrirem.
Justificar cada escolha de recorte em uma controvérsia.
Pensando em todas essas questões que propomos trabalhar no presente artigo uma
controvérsia e seu peso em um período específico de tempo de incursão dos pesquisadores,
para entender como funciona utilizá-la como método na prática.
Controvérsia do Local da Associação: de maio de 2014 a agosto
de 2015
O local onde a Associação se encontra, o Centro Cultural, como já foi dito
anteriormente, é fonte de controvérsias expressivas: a dúvida sobre a permanência no local; a
construção de quiosques menores; o pagamento de aluguel; a organização interna; a
distribuição de produtos; a escala de trabalho. Como demandaria muito espaço percorrer
detalhes e mapas de todas as considerações anteriores, propõe-se nesse artigo fazer um recorte
das controvérsias relacionadas ao local pensando no que foi coletado quanto à permanência no
local. A justificativa para tanto é baseada no fato de ainda ser uma controvérsia no seu estado
magmático (VENTURINI, 2010), com atores interagindo a cada instante na rede e ela ainda
não ter sinais de que vai se fechar em uma caixa-preta (LATOUR, 2012). Então essa foi a
escolha dentre as controvérsias citadas com o intuito de observar as interlocuções da rede em
questão. Considerando a estrutura proposta no item anterior, tem-se como ordem:
Rede de Referências
Diagrama dos Atores-Rede
Cronologia das Controvérsias
Há mais etapas e considerações nesse âmbito, mas como a cartografia é voltada para
assuntos tecnocientíficos (VENTURINI, 2012) e com informações e referências muitas vezes
online, reduziu-se a gama de referências no caso.
A rede de referências quanto ao assunto percorre todos os cadernos de campo desde
julho de 2014 até agosto de 2015, com base em um mapeamento de palavras-chave
relacionadas ao local, um mapeamento manual pesquisando-se através dos arquivos digitais e
também em um caderno físico. Os cadernos de campo percorrem as entrevistas, transcrições
de conversas gravadas e/ou filmadas, as visitas periódicas à Associação e outras anotações,
como ligações realizadas por associadas. Também foi pesquisado o banco de arquivos da
prefeitura de Maria da Fé, disponível online no site oficial5.
O Diagrama do Atores-Rede foi realizado tentando não ignorar nenhum tipo de ator
envolvido na controvérsia em questão, mas tentando, simultaneamente restringir aos que
possuíam relação direta com a controvérsia, que eram atores de fato e não intermediários.
5 Página da Secretaria de Cultura e Turismo de Maria da Fé, disponível em:
<http://www.prefeiturademariadafe.com/#!cultura-e-turismo/c1l9g>, acesso em 19.08.2015
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Criou-se uma lista de nomes, que podem ser vistos na Tabela 1, de cada ator, 6e
estabelecidos pesos para frisar a representatividade de cada ator, já que a simetria premente é
relacionada tão somente à agência de todos e não à intensidade da mesma, e um fluxograma
de relações. Todos os pesos foram pensados depois do mapeamento das referências
anteriormente citadas, quanto mais citado e mais influente um ator, maior seu peso.
Produtos (4) Artesãs (3) Prefeitura (3) Ator A (2) Conselho Municipal
de Patrimônio
Cultural (3)
Eleições
futuras (2)
Ator P. (5) Artesã M. (4) Centro Cultural
(5)
Espaço menor (5)
Quiosques (5) Verba externa
(3)
Organização
interna (3)
Rodoviária (4) Movimento Turístico
(5)
Maria da Fé (4) Ator A. P. (5)
Tabela 1. Atores envolvidos na controvérsia "Permanência no Local" (Os pesos são os números entre
parênteses variaram de 1 a 5, sendo 1 menor representatividade e 5 maior representatividade)
Fonte: Autores, 2015
A primeira referência que tem-se sobre uma possível mudança do local da
Associação consta de 4 de julho de 2014, durante a primeira participação do Festival de
Inverno. Essa mudança é relacionada, naquele momento, diretamente ao Ator P. e Ator A. P.
em decorrência de atritos pessoais envolvendo críticas à gestão e até alegações de roubo da
Associação. Ao mesmo tempo, temos um ator externo que funcionou como intermediário que
trouxe um ponto de vista oposto para se expressar positivamente em relação ao Ator P.,
criticando a postura de recriminação para com esse ator.
Nessa época também temos os elementos do conselho de turismo e da falta de
movimento turístico sendo citados, principalmente o fator de não haver reuniões para se
decidir caminhos para melhorar o turismo, objetivo desse Conselho, a Artesã M. faz parte do
Conselho e foi ela quem forneceu a informação sobre a ausência de atividade do mesmo, que
tinha sido criado havia 8 meses. Frisou-se que a falta de turismo na cidade era diretamente
relacionada à falta de divulgação.
Ao ser realizada uma busca no site da prefeitura os documentos referentes ao
Conselho, obtivemos que o nome de fato desse conselho é Conselho Municipal de Patrimônio
Cultural, e a primeira reunião ocorreu no dia 11 de julho de 2014. Nessa reunião do dia 11,
temos que Maria da Fé aderiu ao Sistema Nacional de Cultura.
A segunda referência que se tem começa nos cadernos de campo dos dias 11 e 12 de
julho de 2014, ainda durante o Festival de Inverno. Temos a informação de que durante junho
de 2013 houve uma manifestação contra a prefeitura, e que a partir dessa data, o apoio que se
tinha da mesma foi reduzido. Também foi feita uma alegação de que o Ator A. P. tenta tirar a
Associação do local desde que o Ator P. assumiu a gestão, por “não gostar delas desde o
início” e terem ocorrido rixas pessoais.
Em 8 de agosto de 2015, durante uma entrevista, foram feitas alegações quanto a
falta de auxílio da prefeitura e de que as associadas não pagam manutenção do Centro
Cultural, a prefeitura não cobrando aluguel nem energia. Há a primeira menção aos
6 Para alguns atores humanos não utiliza-se o nome completo para não constranger, mas apenas uma inicial para
fins de descrição das ações.
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quiosques, um projeto da prefeitura de criar um quiosque para cada associação/cooperativa da
cidade e cobrar aluguel pelo uso.
Também já se começa a pensar os problemas de organização interna que seriam
ocasionados pela mudança para um espaço menor, com problemas no sistema de escala e
também de locomoção para quem mora na zona rural.
Em 8 de agosto também foi realizada a segunda reunião do Conselho Municipal de
Patrimônio Cultural, onde se traz a relação do clima frio com o aumento do turismo e uma
iniciativa de reformas de alguns locais da cidade.
Uma contradição fica na declaração da artesã M. de que não teve reunião do
Conselho nesse dia, o mesmo da entrevista, e sua assinatura constar na ata lavrada. Tanto que
o nome da mesma não consta na escrita da ata.
Seguindo para a entrevista do dia 8 de setembro de 2014 tem-se citações diretas à
precariedade do Centro Cultural, da estrutura de fiação elétrica ser muito antiga, terem
ocorrido problemas de infiltração e de que a Associação já teve que arcar com a troca de uma
janela quebrada por crianças que brincavam de bola na frente das mesmas.
A artesã entrevistada naquele momento também demonstrou claramente a
preocupação sobre a permanência no local, citando que havia uma preocupação de algumas
artesãs em ter de votar nesse prefeito atual para não perder os benefícios. A entrevistada
discordou, já que se tratava de um prédio público e elas auxiliam na manutenção e atração
turística, já que o museu que havia por lá foi retirado.
Continuados os procedimentos investigativos, foi observada uma ata da terceira
reunião do Conselho de Turismo do município, datada de 22 de outubro de 2014, onde se diz
que Maria da Fé não atingiu pontuação necessária para requerer o ICMS Cultural, subsídio
para fomento do turismo e de eventos culturais. Também ficou evidente que mais eventos
culturais seriam promovidos no ano seguinte para pleitear o mesmo. Esses dados, de acordo
com a ata, foram descritos e apresentados pelo ator A., que foi figura presente em todas as
atas. Novamente há assinaturas de várias pessoas, inclusive da artesã M. que não estava
presente na ata lavrada.
Em uma visita posterior, a artesã M. comentou sobre a baixa pontuação do município
na avaliação do ICMS Cultural. As artesãs também comentaram que a ideia era tornar o
Centro Cultural uma rodoviária, o que entraria em conflito direto com os esforços de
promoção cultural do município.
Em várias visitas foi citado o contato próximo do ator A. com a Associação, mas
uma falta de interlocuções em relação à um auxílio na divulgação ou um possível auxílio na
permanência da associação no Centro Cultural reconfiguraram essa relação, e os vetores de
afetação se transformaram.
Buscou-se também as atas de reuniões de 2015, mas o último arquivo disponível é de
julho de 2014 a dezembro de 2014. E não há uma agenda disponível das reuniões de 2014,
nem de 2015. Esse tipo de registro ocorre apenas até o ano de 2013.
Seguindo com os cadernos de campos, temos dados de 7 de abril de 2015, durante
uma oficina de Criatividade em Artesanato, onde citou-se a questão de organização interna e
como lidar com uma gama muito grande de produtos num espaço menor, como o dos
quiosques, que ofertariam um espaço bem reduzido em relação ao atual. Nessa época os
quiosques ainda não eram uma certeza, e as artesãs esperavam que a ideia não se
concretizasse. Em uma reunião posterior dessa oficina, realizada no dia 28 de abril de 2015,
tem-se declarações referentes à necessidade de uma rodoviária. A artesã M. diz que é
simplesmente pra prejudicar os moradores e que assim a prefeitura poderia ganhar mais
dinheiro com a taxa de embarque, já que os pontos de ônibus mais próximos seriam excluídos
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e seria priorizada a rodoviária. Uma das artesãs presentes retrucou, dizendo que seria muito
bom ter uma rodoviária oficial, que todas as cidades próximas possuíam uma, exceto Maria da
Fé. Houve uma declaração de uma terceira artesã também referente à preocupação de uma
reforma interna no Centro Cultural, devido esse ser um patrimônio histórico. Havia também o
fato de que os artesãos gostariam que a lateral do mesmo se tornasse um museu pra voltar a
atrair turistas.
Em 5 de maio de 2015, durante uma outra oficina foi trazido à tona novamente a
questão dos quiosques, mencionados os problemas que viriam de uma organização interna,
que teriam um gasto a mais, que seria mais complicado trabalhar com escalas e também a
questão logística dos produtos devido questões de segurança. As artesãs pensam que os
quiosques serão abertos.
Em uma ligação de uma das artesãs no dia 12 de agosto, tem-se uma reviravolta na
controvérsia dos quiosques. Eles são finalmente aprovados e com prazo de finalização até
julho de 2016, e ainda segundo ela, e elas terão de sair do Centro Cultural até essa data.
Com base nessas informações e traçados, construiu-se um diagrama de relações ator-
rede, que pode ser observado na Figura 3.
Figura 3. Nuvem de palavras recorrentes nos trechos descrevendo a controvérsia.
Fonte: Autores, 2015 (Feito por meio do site Wordle.net)
Como pode ser visualizado na Figura 3, várias palavras que foram citadas como
portadoras de representatividade apareceram, algumas não por conta da utilização do nome
diferenciado.
Com isso em mente e com todo o mapeamento de dados de pesquisa, trabalhou-se
uma construção de uma linha do tempo utilizando-se o site Timeline7 envolvendo os
momentos-chave que apareceram na análise dos dados. Ela é composta de duas páginas
contendo a descrição da atividade da data em questão e uma pequena descrição do momento.
Que pode ser visualizada na Figura 4.
7 Timeline do site Read, Write,Think. Disponível em:
<http://www.readwritethink.org/files/resources/interactives/timeline_2/> Acesso em 20.08.2015
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Figura 4. Linha do Tempo da Controvérsia sobre a Permanência do Local
Fonte: Autores, 2015. (Feito no site Timeline da ReadWriteThink)
Considerações finais
O interessante de se utilizar a cartografia de controvérsias na análise de dados da
pesquisa de campo é verificar essa movimentação da rede e da complexidade da vida social.
Foi também uma experiência interessante verificar como a configuração da rede pode se
modificar a cada instante, tornando o que era certeza uma incerteza e a controvérsia se
mostrando solidificar e voltar ao estado magmático conforme o tempo. Não é simples a tarefa
de pensar essa complexidade de dados e atores de forma sucinta, até por conta da necessidade
de valorizar todos os pontos de vista para entender as várias facetas da rede naquele momento
em questão e ainda falta pensar maneiras diferenciadas de trabalhar esses dados coletados e
visualizá-los, por conta dos estudos permearem trabalhos tecnocientíficos online e a presente
pesquisa ter mais dados físicos ou coletados por meio de conversas. Os resultados dessa
pesquisa também não são definitivos, já que podem surgir declarações de atores que
reconfigurem toda a organização da rede e a modifiquem a favor de seus interesses. Como foi
o caso da construção dos quiosques e a possível mudança de local da Associação Casa do
Artesão do Centro Cultural. Entende-se também que a possibilidade de verificar tantos pontos
foi a de estar presente enquanto a controvérsia ainda se fazia presente e ativa, não tinha se
tornado uma caixa-preta, e dos pesquisadores estarem abertos para ouvir todos os atores,
humanos e não humanos.
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O (im)possível da educação como processo e a
constituição do sujeito no campo da cultura: alguns
apontamentos sobre o ensinar e o educar12
Polyana Ribeiro de Assis Corrêa Professora de Língua Portuguesa na rede pública municipal de Guaratinguetá. Mestranda em Desenvolvimento,
Tecnologias e Sociedade pela UNIFEI (Universidade Federal de Itajubá). Especialista em Língua Portuguesa:
Gramática e Uso pela UNITAU (2013) e em Ética, Valores e Cidadania na Escola pela USP (2014)
Rogério Rodrigues Docente Associado Nível II da Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI. Tem experiência na área de
Educação - Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior. Trabalha na linha de pesquisa:
Fundamentos da Educação; Educação do corpo; Educação, Saúde e Trabalho. Atualmente, desenvolve o
projeto de pesquisa intitulado: A educação entre as práticas e os discursos: a aprendizagem escolar e o
processo de formação cultural do sujeito. (Projetos de Pesquisa em Educação Básica Acordo CAPES
FAPEMIG/2013 APQ-03301-12). Professor e Pesquisador do Programa de Pós-graduação em
Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade (UNIFEI). Área de interesse: Educação, Saúde e Trabalho.
Resumo
É notória a desqualificação da educação básica contemporânea, diante de dados que
evidenciam a crise da educação. Acredita-se que parte dessa desqualificação está ligada à
falta de compreensão sobre a prática educativa, principalmente, a diferenciação entre o
ensinar e o educar. Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo analisar se as
práticas cotidianas escolares, especificamente, no processo de alfabetização, caracterizam-se
como produto ou como processo. Para tal, realizou-se pesquisa de campo com observação
participante e diário de campo nos anos iniciais da educação básica, especificamente, nos 1º,
2º e 3º anos do Ensino Fundamental. A fundamentação teórica acerca da relação entre
desenvolvimento e educação e o ensinar e o educar pauta-se em Adorno (1995), Arendt
(2011), Freud (1990), Guattari (1981), Larrosa (1999), Marx (1983), Rodrigues (2013), Silva
(2002). Conclui-se que a escola deve encaixar-se nos parâmetros das sociedades
democráticas: equidade, igualdade, solidariedade e desenvolvimento humano, diferenciando-
se do mercado que objetiva a excelência e a competitividade individual, uma vez que o
mercado tenta reduzir os valores sociais, éticos e educativos da escola aos objetivos
relacionados à produção fabril.
Palavras-chave
Fundamentos da Educação; Ensinar; Educar; Processo de alfabetização.
Abstract
It’s noticeable the disqualification of the contemporary basic education. It’s believed that part
of this disqualification is linked to the lack of comprehension about the difference between
teaching and educating. With that being said, the present work has for objective to analyze if
the school daily practices in the process of literature is characterized as product or a process.
1 O referido artigo trata-se de parte da pesquisa realizada no mestrado em Desenvolvimento, Tecnologia e
Sociedade do programa Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá
(UNIFEI). 2 Agradecemos o apoio aos Projetos de Pesquisa em Educação Básica – Acordo CAPES – FAPEMIG. (Processo
Nº CHE-APQ-03301-12).
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
For that, it was done a field research with a present and constant observation to the early
years in the beginning of the basic education, specifically on the 1st, 2nd and 3rd grades. The
theoric foundation about the relationship between development and education as well the
teaching and tutoring in Adorno (1995), Arendt (2011), Freud (1990), Guattari (1981),
Larrosa (1999), Marx (1983), Rodrigues (2013), Silva (2002). It’s known that the school
should fit in the parameters of a democratic society: equity, equality, solidarity and human
development. Being different from the market that aim the excellence and individual
competitively, which the market try to reduce social values, ethics and school development to
the objectives related to a production scale.
Keywords
Foundations of education; Tutoring; Teaching; Educating; Tutoring process.
Introdução
Ao se lançar um olhar para a sociedade, nota-se que muito se fala em desenvolvimento
voltado aos índices econômicos, ao aumento de rendas individuais e ao crescimento do
Produto Interno Bruto, mas não se pensa em desenvolvimento como “processo de expansão
das liberdades reais que as pessoas desfrutam” (SEN, 2010, p. 15).
Quando se fala em desenvolvimento, compreende-se que desenvolvimento vai além
das questões concernentes ao PIB ou ao aumento de lucros, rompendo com as privações da
sociedade contemporânea que abrangem desde pobreza, disposições econômicas e sociais,
acesso à saúde e à educação e negação de direitos civis e políticos, como é abordado por Sen
(2010).
O desenvolvimento para além do econômico só se faz possível mediante o aumento
das liberdades e, diante disso, educação básica está no cerne da questão por se tratar de um
componente constitutivo do desenvolvimento e por possibilitar ao sujeito a conscientização
das demais liberdades instrumentais e substantivas, contribuindo para sua formação como
sujeito agente, ou seja, como membro público e participante de ações econômicas, políticas,
sociais, ambientais, e de questões que envolvam a totalidade da sociedade e do indivíduo.
A educação, em seu aspecto geral e específico, é peça fundamental nessa proposta de
desenvolvimento contrária ao fetiche econômico que subjulga o sujeito a mercadoria, como
aborda Marx (1983), uma vez que possibilita ao educando acesso a liberdades instrumentais
que poderão possibilitar a participação social, econômica e política de forma que este
educando possa transformar-se num sujeito agente, por meio de uma formação crítica
mediante uma educação como processo.
Diante desse quadro, o presente trabalho tem por objetivo analisar se as práticas
cotidianas escolares, especificamente, no processo de alfabetização, caracterizam-se como
produto ou como processo.
A pesquisa compreende ações para conhecer o cotidiano escolar no processo de
alfabetização do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental I, analisando as práticas educativas
durante o processo de alfabetização, buscando compreender se as ações efetuadas permitem
efeitos de melhoria na qualidade da educação.
Delimita-se a investigação nos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental I mediante a
proposta do Plano Nacional da Educação (BRASIL, 2011 - 2020) em que se estabelece como
meta que o aluno seja alfabetizado até o 3º ano do Ensino Fundamental I e porque se entende
que o processo de alfabetização é uma fase relevante em que o aluno começa a formar-se
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
como sujeito e começa a conhecer a cultura letrada e a desenvolver suas habilidades. Proposta
pela alfabetização que é reafirmada no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(BRASIL, 2013), no qual se estabelece como prioridade, nos três primeiros anos do Ensino
Fundamental, a alfabetização das crianças até os 8 anos.
Dessa forma, essa pesquisa justifica-se mediante o recorte da necessidade de se
investigar as interfaces entre a educação básica e desenvolvimento para que se possa entender
a educação não apenas como instrumento para o letramento, mas como instrumento de
cidadania e como uma liberdade substantiva que contribuirá para que desenvolvimento
ultrapasse os interesses mercadológicos.
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, realizada numa escola pública
municipal, situada num bairro rural de uma cidade localizada no Vale do Paraíba, interior do
estado de São Paulo. É realizado um estudo de caso e, por meio da observação participante, de
entrevistas individuais, de questionários, de registros de falas das professoras e dos alunos em
áudio e de diário de campo com as observações diárias.
Durante a pesquisa de campo, no processo de alfabetização, verificou-se a dinâmica
em que o aluno é visto como coisa, um ser que precisa ser treinado para que metas sejam
alcançadas, ou seja, não há preocupação com a formação desse indivíduo para a criticidade,
para além de uma visão na qual o aluno seja um produto a ser moldado para o consumo.
Então, a indagação é lançada: Qual seria a diferença básica entre a educar e ensinar?
As diferenças entre essas concepções são determinantes no papel do desenvolvimento social e
econômico? Diante dessas questões, o texto traz a relação entre educação e desenvolvimento
e, em seguida, a discussão que envolve o educar e o ensinar, a partir de observações da
vivência nas séries do processo de alfabetização.
Acredita-se que seja preciso romper com a ideologia educacional atual para se
reconstruir o verdadeiro sentido da educação a fim de que se consiga uma formação em que se
considere o homem como inteiro, numa concepção de escola que seja “instrumento a serviço
da instauração de uma sociedade igualitária” (SAVIANI, 1999, p. 75).
Educação e desenvolvimento
Hoje, ao se pensar as relações entre desenvolvimento e educação, são necessários
alguns cuidados para realizar as medições que possam permitir a compreensão das possíveis
determinações desses campos. Há quem considere não apropriadas as relações que associam
diretamente educação com desenvolvimento, pois, muitas vezes, o educar está sendo
interpretado como treinamento para o trabalho que atenda somente ao interesse de reprodução
do capital.
No entanto, acredita-se que a concepção de educação associada ao desenvolvimento
está relacionada aos diversos indicadores sociais que apontam para a qualidade de vida do
sujeito. Neste caso, a educação deveria ser compreendida como um fator, entre tantos, que
pode ser associado à qualidade de vida e, por isso, um elemento que pode favorecer a
condição de o sujeito interpretar sua existência crítica, que permite o acesso à cultura,
constituindo-se como um instrumento de cidadania.
A educação pode ser a peça fundamental nessa proposta de desenvolvimento não
atrelada ao fetiche econômico, uma vez que a educação é considerada a base para o
desenvolvimento includente, desde que se preocupe com a formação do sujeito em agente,
sujeito esse que irá atuar como membro público e que participará de ações econômicas,
políticas, sociais, ambientais, questões que envolvam a totalidade da sociedade e do
indivíduo.
114
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Para tanto, compreende-se a educação a partir da teoria crítica de Adorno (1995) no
campo da educação e a unidade escolar como local de trabalho especializado na transmissão
do saber, no sentido de estabelecer a inserção do sujeito no campo da cultura científica. Essa
inserção do sujeito na cultura científica é algo que também transforma a própria concepção de
vida em relação à sociedade, portanto, o intelectual, na unidade escolar, deveria
responsabilizar-se por essa intervenção, no sentido de autorizar-se para produzir no outro a
diferença de si mesmo. Neste caso, o processo educativo é fazer do sujeito um “vir a ser” que
se transforma e se constitui em novos costumes e valores, quando o intelectual assume sua
autoridade que consiste na responsabilidade do professor pelo mundo e pelo aprendizado dos
alunos.
O trabalho escolar pauta-se, muitas vezes, em objetivos e planos de ensino que têm
como resultado a “formação do aluno crítico e participativo”, objetivos esses que compõem
um discurso que não corresponde à dinâmica do real. Ao olhar os planos de ensino das escolas
será possível encontrar objetivos voltados à criticidade e ao protagonismo, contudo, no
cotidiano escolar pouco se vê em relação a ações que contemplam tais objetivos, uma vez que
as práticas escolares estão voltadas a uma mecanização ligada aos interesses do capital.
E essa mecanização da educação básica, inclusive, do processo de alfabetização vem
configurar o impossível da educação como processo e da constituição do sujeito no campo da
cultura, uma vez que a escola não proporciona a democratização da cultura e não se busca a
formação do aluno como um todo, mas se prioriza pelo “passar o ponto” e se limita aos
interesses do capital, evidenciando toda a perversidade da educação contemporânea.
Educar e ensinar
A realidade escolar está em contraposição ao que propõe a teoria crítica da educação
de Adorno (1995), pois se compreende que a cidadania do sujeito não se realiza numa
sociedade fragmentada e, no caso da transmissão do saber, toda a organização do
funcionamento da escola encontra-se pautada na divisão dos saberes em diversas ciências.
Essa fragmentação do saber acaba por dificultar a produção do sujeito crítico e participativo.
Desse modo, as determinações do “projeto pedagógico” perdem-se em seus resultados,
já que a condição da realização da cidadania é algo que escapa por completo como sendo o
papel da escola. O “saber escolar” restringe-se a tarefas que não permitem ao sujeito
contextualizar e transformar o real, não possibilitando assim que o aluno constitua-se como
cidadão. Mesmo os parâmetros curriculares nacionais propondo competências e habilidades e
a interdisciplinaridade, as escolas continuam fragmentando o conhecimento em áreas,
promovendo um esvaziamento dos conteúdos, desqualificando as instituições escolares e
limitando os alunos a uma mecanização, como destaca Silva (2002).
Toda meta do trabalho escolar seria muito mais simples, em termos de organização
educacional, se fosse possível reconhecer que não se controla diretamente a produção do
sujeito- cidadão crítico e participativo e que esses elementos – criticidade e participação –
encontram seus determinantes presentes no tecido social, nas relações que se estabelecem
entre desenvolvimento e educação.
Assim sendo, a condição da realização da cidadania é algo mais complexo do que os
objetivos presentes no projeto pedagógico e do que aquilo que se encontra no objetivo de
ensino. O papel da unidade escolar é colaborar, oferecendo instrumentos teóricos que possam
permitir ao educando compreender a sociedade e também sentir-se representado como sujeito
no tecido social. Para isso, de acordo com Larrosa (1999), a escola precisa ser um espaço em
que o aluno tenha acesso ao conhecimento e à cultura, porém, o que ocorre hoje é um
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apagamento do sujeito, não se permite o encontro, a descoberta e a aventura durante as aulas.
Neste caso, a questão da cidadania e sua produção nas atividades escolares é uma
proposta paradoxal, ou seja, a escola é responsável pela produção da cidadania e,
simultaneamente, a escola não produz a cidadania.
Na primeira vertente, que considera a escola como responsável pela cidadania,
compreende-se que a rotina escolar deveria estar orientada para aspectos gerais e específicos
que direcionam o sujeito a pensar sua relação com o coletivo e, principalmente, que toda ação
individual corresponde a determinados efeitos na coletividade. Para tanto, a organização da
transmissão dos conteúdos deveria pautar-se numa unidade interdisciplinar, proporcionando
ao sujeito produzir relações mais amplas sobre o conhecimento transmitido no campo das
ciências disciplinares e deveria haver espaço para que o aluno pudesse se manifestar sobre as
diversas questões escolares e também participar das decisões que são tomadas.
Na segunda vertente, na qual é considerado que a escola não produz cidadania,
entende-se que o sujeito encontra-se inserido no campo das relações humanas, em
determinações objetivas e subjetivas e que o aparelho escolar é apenas um espaço de
representação dos conflitos que se encontram presentes na sociedade. Para agravar essa
situação, a divisão do saber em disciplinas fechadas em conteúdos específicos não permite aos
sujeitos compreender amplamente a realidade.
Entre essas duas esferas que envolvem a questão da cidadania na unidade escolar, há
que se tornar possível pensar esse paradoxo que se constitui na diferença entre o ensinar e o
educar. Uma educação pautada na primeira ou na segunda vertente apenas ensina ao sujeito o
que é cidadania.
O educar seria um trabalho adverso que consistiria em elaborar o conjunto das
contradições entre o real concreto e o real pensado, no sentido de proporcionar ao sujeito as
condições de assumir a responsabilidade, a autoridade e a autonomia durante sua existência na
sociedade, numa dinâmica crítica e participativa.
No conjunto dessa obra paradoxal, da questão da cidadania realizada pela unidade
escolar, encontra-se uma concepção hegemônica que interpreta o educar como algo que tem
como resultado o sujeito que obtém uma alteração do comportamento e, principalmente, o
domínio de determinados saberes/informações nas relações de ensino e aprendizagem. No
entanto, o que seria a especialidade no domínio do saber escolar e quais suas relações com a
produção da cidadania?
A resposta a essa pergunta pode determinar um corte entre o ensinar e o educar, pois,
de um lado, para o ensino, o saber pode ser o apresentar a informação, e do lado do educar, o
saber pode ser o representar criticamente a informação.
A diferença entre o apresentar a informação (ensino) e o representar pautado na crítica
(educar) é compreendida como o que qualifica a condição do sujeito do saber, que,
respectivamente, se encontra pautada na memória ou na elaboração do pensamento. Portanto,
a compreensão das diferenças entre o ensinar e o educar leva também a pensar a separação
entre o educar como produto e o educar como processo.
No caso do educar como produto (ensinar) no “projeto pedagógico”, cabe ao educador
empenhar-se na tarefa de transmitir aos alunos diversos conteúdos que compõem a grade
curricular. Nessa concepção de ensino, reduz-se, quase por completo, o encontro entre aluno e
professor na instituição escolar com ampla objetividade, a ponto de que toda aula pode
materializar-se em “dados” ou, como é conhecido no senso comum escolar, o “passar o
ponto”. Isso, o “passar o ponto”, é o que caracteriza a ideia da educação como produto, pois
se deve avaliar o desempenho da aprendizagem a partir de resultados objetivos, o que, na
atualidade, corresponde a critérios que, na educação básica e superior, se referem,
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respectivamente, a ingresso na universidade ou no mercado de trabalho.
Na realidade escolar observada durante a pesquisa de campo, denota o “passar o
ponto”, a transmissão do saber e não o processo ensino-aprendizagem, pois os professores
colocam-se na frente da sala de aula com o livro na mão ou com uma folha de informações
retiradas da internet, passando todo o conteúdo na lousa para que o aluno copie no caderno ou
entregando uma folha desse conteúdo para ser colada no caderno.
Durante uma matéria nova, um novo conteúdo a ser abordado, não há diálogo, não se
verificou nenhuma atividade que levasse o aluno à descoberta, à construção do conhecimento,
não se viu nenhuma situação de provocação ou uma situação em que o professor considerasse
o conhecimento prévio do aluno, o que facilitaria a assimilação daquele conteúdo.
O aluno das séries iniciais da educação básica é tratado como um mini adulto que deve
absorver o máximo de informações passadas, fazendo o menor ruído possível para que tenha
êxito e desenvolva-se. O sistema de ensino adotado pelos professores alfabetizadores é muito
próximo ao modelo de produção industrial.
Numa fábrica, a matéria-prima é colocada numa esteira, dessa esteira é conduzida até
uma máquina ou várias máquinas, voltando para a esteira, depois de várias rupturas e
moldagens em sua estrutura, como um produto. Na escola a dinâmica é a mesma: há algo a ser
moldado. O aluno entra na sala de aula, senta-se na sua carteira enfileirada, deve olhar o
tempo todo para frente onde está o professor, e diante de todo o “ponto” que é lançado pelo
professor, ele deve comportar-se de forma exemplar, assimilando o máximo possível de
informações.
Todas as condições objetivas que potencializam essa vertente da educação como
produto, no caso específico das “máquinas de ensinar”3, são otimizadas e apresentam-se como
elementos que produzem a “qualidade na educação”, o que, nessa concepção particular,
constitui-se como uma pseudoqualidade na educação e atende, especificamente, aos
determinantes do mercado como sendo um produto de qualidade.
O problema não se encontra em ingressar na universidade ou no mercado de trabalho.
Aliás esses ingressos são demarcações importantes que se apresentam como ligações do
sujeito com a sociedade. A presente crítica apresenta-se quando esses “elementos de ingresso”
reduzem o papel da unidade escolar ao de “escola preparatória”.
Acredita-se que essa ideia da escola básica como “escola preparatória” é uma redução
do papel da unidade escolar para um estágio do ensino voltado para uma meta/função de
preparo para outro estágio maior, já que a unidade escolar se reduz à rotina de informar os
conteúdos ou técnicas, respectivamente necessários para o ingresso na universidade ou no
mercado de trabalho.
Tais critérios são reducionistas, pois não levam em consideração que a inserção no
campo da cultura não atende diretamente ao ingresso na universidade ou no mercado de
trabalho, os quais se encontram associados à lógica da reprodução do capital. O que se deseja,
de fato, é a radicalização da função da “escola preparatória” para a inserção do sujeito no
campo da cultura.
Diante disso, ao se observar a realidade dos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental,
3 A ideia de “máquinas de ensinar” é trabalhada no projeto de dissertação de mestrado (em andamento)
intitulado “Desenvolvimento, tecnologias e educação: a implicação do uso das tecnologias no processo de
alfabetização”, inserido no programa Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade da UNIFEI, e elucida o uso
das tecnologias como produto, no qual o humano deixa de ocupar o centro do processo e torna-se apêndice.
Uma tecnologia encontrada em sala de aula que se constitui como uma “máquina de ensinar” são os livros
didáticos, os quais são utilizados pelo professor como um manual de instrução, fazendo com que haja perdas
no processo educativo, uma vez que o professor passa a ser instrumento da tecnologia, não possibilitando o
desenvolvimento de sua autonomia, uma possível criticidade e reflexão diante do que é apresentado.
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verificou-se que as práticas não se preocupavam em levar o aluno a pensar, a dizer o que
pensava, a argumentar, mas a ele cabia cumprir as atividades propostas sem fazer barulho e
sentado em sua cadeira para que, no momento exato, pudesse adquirir êxito nas avaliações.
Nos meses de acompanhamento diário nas salas dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, os alunos não tiveram uma atividade em que se aprendesse ou tivesse contato
com a leitura e com a escrita por meio do lúdico. Nesse tempo, o aluno manteve-se sentado
em sua cadeira e quando levantava era advertido a voltar a sentar-se sem haver
questionamento.
Um exemplo a ser citado foi durante a leitura de poesias de Vinicius de Moraes, pois
os alunos estavam envolvidos num projeto da SME (Secretaria Municipal de Educação) que
tinha como foco o poeta. Um dos alunos do 2º ano fez sons com a boca do animal da poesia
que estava sendo lida: A foca. A professora, numa atitude de castração, advertiu
Psiu! Não quero sons impróprios, nem brincadeira na hora de
trabalhar! Já disse e vou repetir só mais uma vez: Agora é hora de
acompanhar com o dedinho. (Fala da professora do 2º ano)
Nessa concepção de educação como produto, o professor pouco se envolve com o
aprender e o ensinar, não permite que os alunos manifestem-se durante a lição e não permite
ainda que os múltiplos sentidos da aprendizagem extravasem a superfície e possibilitem a
democratização da cultura. Não se assume a responsabilidade pelo ensinar, o professor não se
compromete como intelectual nesse processo e não coloca as experiências como um
“movimento da pluralidade do aprender” (LARROSA, 1999, p. 144). Pluralidade está ligada a
inúmeras ações, como: descobrir, aventurar-se, respeitar, dialogar, pensar, comunicar, refletir,
trocar com o outro, apreender, reformular, construir.
Os conhecimentos construídos pelas crianças não podem ser ignorados, mas devem ser
olhados com atenção, pois riscos não são simples rabiscos, mas uma ânsia de tentar expressar-
se e fazer uso da linguagem. Uma situação observada no 2º ano permitiu perceber como o
aluno tenta incorporar o que aprende em sala de aula ao seu próprio saber, utilizando meios
diversos para construir seu aprendizado. Ao perguntar sobre a tarefa de matemática para o 2º
ano, a professora depara-se com a seguinte resposta
Tia, eu usei a ração do meu cachorro! Tinha continha que acaba meus
dedinhos, aí eu peguei a ração e deu certo! Acredita? (Fala de um
aluno do 2º ano)
Diante de tal resposta, a professora respondeu que ela já ensinou a calcular com a
cabeça, que basta colocar alguns números na cabeça e outros no dedo. Ignorou-se a fala do
aluno e principalmente a forma como ele buscou construir seu raciocínio.
Percebe-se o esvaziamento de sentido do processo de ensino-aprendizagem, pois as
atividades são basicamente mecânicas, os professores não assumem a responsabilidade como
ponte entre o aluno e o mundo e não se quebra com o autoritarismo professoral, para que se
permita o falar e o olhar do outro, numa relação de implicância entre ensinar e aprender e de
consciência de que o aprendizado ocorre na troca, na relação, numa construção permanente.
Portanto, em contraposição, o educar como processo deveria ser compreendido como
o “projeto pedagógico” em que, no seu desempenho, o educador apresenta-se como
intelectual. Este seria aquele que, ao entrar numa sala/quadra de aula, transmitiria os
conteúdos para além do ensinar, porque atuaria como responsável, com autoridade para inserir
o outro no campo da cultura. Para tanto, posicionar-se-ia criticamente perante a ciência.
Dessa forma, as “máquinas de ensinar” são utilizadas como elementos que colaboram
com o processo educacional e posicionam o educador no papel de intelectual, porém não são
esses elementos que caracterizam a qualidade. Nessa concepção, a educação é pensada para
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além da espetacularização dos recursos tecnológicos e do mercado, rompe-se com os modelos
estabelecidos e com a concepção do aluno como objeto. É aqui que a qualidade na educação
apresenta-se como sendo uma construção pontual que se realiza no encontro entre os sujeitos
no campo escolar. Dir-se-ia que essa qualidade na educação não é possível materializar-se
objetivamente e deve, a cada encontro, ser reconstruída como sendo a realização de uma
tarefa humana daqueles que desejam pensar a cultura e está nas relações humanas.
Essas diferenças, basicamente, colocam o sujeito educador entre aquele que repete a
informação e aquele que elabora a informação, na concepção do papel do sujeito crítico, no
campo educacional. É isso que estabelece um corte entre a educação como produto e a
educação como processo: a questão de inserir o sujeito no campo da cultura ou não.
O ensinar associado ao educar como processo deveria constituir-se em uma ponte
entre o saber e a constituição do argumento crítico. Desse modo, a função do educador está
para além do aprendizado pautado na informação, pois deve ocorrer o trabalho do pensamento
na elaboração, que se estabelece na relação com os conteúdos e compreensão crítica do real.
O professor, numa relação de responsabilidade e implicância, tem o papel primordial de
possibilitar o movimento da sala de aula para o mundo, promovendo instrumentos para que o
aluno possa desenvolver-se, modificando seu estado inicial em direção a uma mudança
pessoal, social, política.
Entender a educação como processo, é ultrapassar a ideia de que a escola deva
contemplar apenas ações voltadas para o desenvolvimento econômico, é pensar a educação
num contexto em que a escola seja um espaço social de ensino-aprendizagem que permita o
acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade, conhecimento esse que permitirá a
formação do aluno como sujeito social, tendo acesso à cultura, dialogando com o mundo que
o cerca, construindo conhecimentos e formando opinião a partir dessa relação estabelecida,
mas para que isso ocorra o professor deverá ser o elo entre o aluno e o mundo, corroborando
sua autoridade e sua responsabilidade, como aborda Arendt (2000), assumindo o papel de
intelectual nesse processo.
Neste contexto, o elemento primordial para a ruptura entre o ensinar e o educar seria o
diálogo que se produz no encontro entre os sujeitos na unidade escolar. E a postura crítica do
educador perante o saber elaborado é algo que corresponde à diferença que se estabelece entre
uma educação como produto e uma educação como processo na transmissão do saber.
A educação como produto encontra-se muito próxima da teoria comportamental, que
se resume à lógica simples dos esquemas em que o estímulo aplicado no sujeito produz uma
determinada resposta. Cabe ao educador analisar o conjunto dessa resposta e estabelecer o
retorno, que alimenta o próprio sistema. O aluno é visto sob uma óptica fabril, na qual aquele
que produz é quem faz as atividades propostas com agilidade, as quais passam pelo controle
de qualidade do professor e são aprovadas ou não. Essa concepção de ensino pode estabelecer
os seus ajustes na questão da eficiência e eficácia do ensino, e, portanto, a questão central
seria reinterpretar esse modelo para, verdadeiramente, compreender a dinâmica das relações
que se estabelecem entre o “eu” e o “outro” no campo escolar.
Essa preocupação em possibilitar a educação como processo está fundamentada no
fato de se entender os conteúdos científicos como construções históricas, que deveriam estar
inseridos na interpretação do sujeito. Sem esse trabalho intelectual de compreender tais
conteúdos como produção humana e de recusar que sejam apresentados nas unidades
escolares descontextualizados, eles tornam-se sem função operante para o pensamento crítico
e as atividades continuam mecânicas e sem sentido.
Assim, o papel do intelectual é atuar nas relações educativas como mediador dessa
interpretação do “real concreto” e, portanto, como aquele que reconhece a função da ciência,
que está realizando a transmissão do saber, e que apresenta no conjunto de estratégias para
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constituir o sujeito no campo da cultura.
Pode-se ensinar para os alunos diversas coisas da matemática, física, química: enfim,
todo um conjunto de ciência. No entanto, sem a possibilidade de interpretar a dinâmica que se
encontra presente na construção dessas ciências, as disciplinas escolares apresentam-se como
um conjunto de informações completamente alheias para serem memorizadas, mas não
interpretadas e compreendidas como elementos que possam produzir sentido como algo
relacionado com a “experiência de vida”.
Num primeiro apontamento, pode-se afirmar que o ensinar está para o entendimento e
que o aprender está para outra esfera, que é a compreensão, a qual requer um grau de
sofisticação do pensamento, que se encontra para além do acúmulo de informação. O trabalho
do pensamento é um trabalho de interpretação da realidade.
Em muitos casos, foi falado para os alunos do curso de graduação, nas licenciaturas,
que se o papel do professor for pautado na transmissão de informação e, principalmente, na
avaliação do aluno pela memória desses dados, acaba-se por destituir o papel fundamental da
educação que se encontra no fato de permitir ao sujeito a condição de pensar e elaborar sua
condição de existência.
Neste caso, o educar como sendo somente a transmissão de informação constitui-se no
paradigma de compreender o sujeito como máquina para armazenar informação, como, por
exemplo, um “pen-drive” que se constitui como um objeto que possui maior capacidade
acumulativa que o sujeito. Portanto, a diferença, em termos de qualidade na educação seria
entre a coisa/objeto com capacidade de acumular informação e o aluno sendo o sujeito
pensante como aquele que pode inovar e criar algo completamente diferente com o saber
disponibilizado no campo da cultura.
No caso do objeto, a informação pode ser acessada como um dado, cabendo ao sujeito
interpretá-la e transformar o real a partir de sua posição de existência política. Essa passagem
entre a informação e a condição de pensar é que define o verdadeiro papel da unidade escolar
no projeto pedagógico de formar o sujeito crítico e participativo. A realização desse projeto
pedagógico configura-se uma esperança de que o sujeito possa avançar com o conhecimento
adquirido e assumir a condição de responsabilidade, autoridade e autonomia.
Em contrapartida, pode-se observar que, na contemporaneidade, os conteúdos das
ciências e o centro da relação educativa tornaram-se neutros, a ponto de todo o processo
educacional transformar-se em produto que se materializa no domínio de alguma técnica.
Portanto, há perda por completo de aspectos primordiais do educar o outro, no sentido mais
amplo da palavra, que se relaciona com um modo de ser do sujeito no campo da cultura.
Numa sociedade pautada no mercado, quase por completo, todos desejam apropriar-se
de uma técnica que qualifique o sujeito perante o mercado de trabalho. Nesta vertente, a
educação como produto posiciona os sujeitos na relação educativa como objeto neutro – sem
responsabilidade, sem autoridade e sem autonomia. Nesta vertente educacional, de um lado,
há aquele que administra o conteúdo científico como uma informação a ser passada, e do
outro lado, há aquele que absorve a informação que o torna aparentemente capaz e
competente e, principalmente, eficiente perante a lógica do mercado, mas que continua a
corroborar a desqualificação da escola.
No interior dessas unidades escolares em que tudo é objeto, inclusive alunos e
professores, percebe-se que os sujeitos atuam numa posição esquizofrênica, no sentido de o
sujeito estar completamente destituído de sua humanidade, na relação de completo
fechamento de si mesmo entre o “eu” e o “outro”. Nessa posição de fechamento em si mesmo,
em que se destitui por completo o sujeito de sua própria humanidade, o que prevalece na
relação entre o “eu” e o “outro” é a atuação do fazer pedagógico como sendo a realização do
objeto manipulável no campo da “ciência educacional”.
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Nessas relações destituídas de humanidade, analisa-se qual seria a posição do
professor: seria ensinar uma prática de atender aos alunos no sentido de que sejam tratados
como objeto na demanda por realizar tarefas educacionais? Seria avaliar o outro e chancelar
os “aprovados” e “reprovados”?
Na concepção de professor, entre o ensinar a fazer e o avaliar encontra-se uma linha
demarcatória que torna grande parte das unidades escolares lugares sem contexto e,
principalmente, sem sentido algum para uma sociedade emancipada. É muito fácil encontrar
alunos que desejam ser mandados a fazer coisas e que querem ser ensinados e avaliados numa
posição de objeto. Essa dimensão do ensinar e o avaliar um monte de coisas apresentam-se
como perfil hegemônico no funcionamento da maioria das instituições escolares, em que há
uma pseudoqualidade em termos de educação, qualidade essa mascarada por índices e por
aprovações em exames externos.
O grande problema educacional é que nem sempre a condição do sujeito, que é tratado
como objeto, cuja memória é treinada para assimilar o conteúdo, resulta na aprendizagem. Os
diversos exames avaliativos indicam que esse viés educativo apresenta baixo rendimento
escolar dos alunos, pois os exames oficiais indicam que
[...] em 2012, o desempenho dos estudantes brasileiros em leitura
piorou em relação a 2009. De acordo com dados do Pisa (Programa
Internacional de Avaliação de Alunos), o país somou 410 pontos em
leitura, dois a menos do que a sua pontuação na última avaliação e 86
pontos abaixo da média dos países da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico). (...) Com isso, o país
ficou com a 55ª posição do ranking de leitura, abaixo de países como
Chile, Uruguai, Romênia e Tailândia. (UOL Educação)
Por isso, a grande tarefa a ser pensada por todos aqueles que se comprometem com o
denominado “processo educacional” seria como romper com essa condição de perda de
sentido no processo educacional em que se pode “(...) ensinar sem educar e pode-se aprender
durante o dia todo sem, por isso, ser educado” (ARENDT, 2011, p. 247).
Seria importante que os educadores assumissem como problema o fato de que se pode
“ensinar sem educar”, e isso seria o ponto central para se compreender toda a recusa e a
falência do sistema educacional que lança como “produto final” sujeitos coisificados,
destituídos de compreensão e representação simbólica do seu papel como sujeito no campo
das relações sociais.
Pode-se identificar naquilo que se denomina curso de licenciatura, um lugar
especializado na formação de futuros professores, sujeitos ocupados, em grande parte, em
fazer um conjunto de atividades, mas perdendo o foco por não entender o verdadeiro papel do
educar. Isso pode resultar em perda de ação na transmissão de conteúdos destituídos de valor
e, sobretudo, de desejo de saber por parte daqueles que ensinam e dos outros que aprendem.
O quadro atual da educação é formado por professores com habilitação, mas com
qualificação precária, sem formação crítica e sem compreender o educar, como aborda Silva
(2002). É preciso repensar a formação inicial e continuada do professor para que ele possa
exercer o papel de intelectual para além das medidas técnicas que são estabelecidas pelas
Secretarias de Educação, pois de nada bastam pontos que serão acumulados na carreira
profissional, mas que não proporcionam conhecimentos teóricos, práticos e políticos com os
quais o professor possa implicar-se no processo de construção do conhecimento ao lado do
aluno. Faz-se necessário romper com o “fazer por fazer” e com a ideia de o espaço escolar ser
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concebido como espaço de subsistência e não de desejo e de responsabilidade pelo mundo.
A educação possui um papel primordial na instauração do novo e, portanto, o ponto
crítico na crise da educação seria que essa instauração do novo implicasse outros processos
educativos, que deveriam estar comprometidos em estabelecer uma resistência à sociedade de
mercado e, principalmente, em restabelecer um novo sentido à tarefa de educar orientado para
a emancipação do sujeito, rompendo com a lógica do consumo.
Para Arendt (2011), a questão de saber por que Joãozinho não sabe ler envolve muitos
outros aspectos. Interpreta-se que a crise na educação pode estabelecer novos fatores
associados à qualidade do ensino, que podem ser avaliados a partir de vários determinantes,
sejam eles práticos, no interior da sala de aula, ou elementos institucionalizados pela
administração pública.
Esses problemas no campo educacional já são identificados por Freud, no prefácio de
“A Juventude Desorientada de Aichhorn”, o qual já anunciava que existem “(...) três
profissões impossíveis — educar, curar e governar” (FREUD, 1990, p. 341). Na condição de
analisar esses outros aspectos é que a opção de avaliar a qualidade da educação refere-se à
tarefa do impossível de se compreender as relações entre as práticas e os discursos no interior
da unidade escolar, no sentido de entender a hipótese de Arendt (2011) na radicalidade, mais
propriamente de como a prática educativa poderia constituir uma resistência às concepções
educativas que tratam o sujeito como objeto e permitir o surgimento de novas ideias que o
faça se encontrar no aspecto da criticidade.
Parte-se do pressuposto de que a educação é algo que em si institui práticas e discursos
e que também, por decorrência, institui a verdade sobre o sujeito por meio do processo de
ensinar e aprender, numa dinâmica reflexiva constante. A escola precisa ser um espaço de
movimento entre o aluno e o mundo, entre a cultura e o conhecimento sistematizado. Tem-se
como hipótese de estudo, no campo educacional, que a aprendizagem encontra-se na
polarização entre “o passado e o futuro”, que pode ocasionar o sucesso ou a falta na realização
dessa tarefa de inserir as crianças no mundo adulto. Neste caso, cabe a responsabilidade do
adulto numa escolha de mundo no qual deseja inserir a criança – o pathos da novidade, de
acordo com Arendt (2011).
Partimos da compreensão que, em termos educativos, tanto o sucesso como o fracasso
acabam por produzir algum tipo de eficácia no processo de formação cultural do sujeito no
campo educativo, portanto, entende-se que a crise na educação seria uma fissura política nesta
passagem entre o novo e o velho, que, nas palavras de Arendt (2011), tem relação com o papel
a ser desempenhado pela educação, que seria o de começar um mundo novo.
Há dificuldade em compreender o que seria a qualidade na educação. No entanto, tem-
se como hipótese de investigação que é possível identificar, quanto à perda da qualidade na
educação, que a intensificação das práticas e dos discursos sobre a questão da aprendizagem
seria um modo de o educador evitar o enfrentamento dos problemas educacionais, conforme
destaca Rodrigues (2013).
Sobre a perda da qualidade na educação, é possível identificar diversos fatores. Em
uma conversa entre professores, numa instituição de ensino, um deles afirma ao colega de
trabalho: “Não sei o que fazer: os alunos não estão conseguindo entrar na linguagem da
ciência para compreender o assunto!”. Para se evitar esses desajustes nas metas educacionais,
o educador circunscreve as práticas educativas por demasiadas explicações que, por um lado,
justificam o real e, por outro lado, acabam também por produzir certo grau de eficácia no
processo de formação cultural dos sujeitos. Portanto, a crise na educação seria uma
oportunidade de pensar a passagem entre o mundo antigo e o mundo novo, que ainda se
mantém sem solução aos problemas da pobreza e da opressão. Dir-se-ia que a grande questão
para ser resolvida nessa passagem entre o mundo antigo e o mundo novo em termos
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educacionais seria resistir às
[...] novas formas de fascismo molecular: um banho-maria no
familialismo, na escola, no racismo, nos guetos de toda natureza, supre
com vantagens os fornos crematórios. Por toda a parte, a máquina
totalitária experimenta estruturas que melhor se adaptem à situação:
isto é, mais adequadas para captar o desejo e colocá-lo a serviço da
economia do lucro. (GUATTARI, 1981, p. 188).
Assim, responder à questão de os alunos não entrarem no assunto e ficarem fora da
linguagem da ciência seria compreender que outras formas de organização do pensamento
encontram-se presentes em imagens e representações. Cabe a possibilidade de representá-las
no conjunto da discussão que esteja voltada para a representação do real como sendo a
“síntese de múltiplas determinações” (MARX, 1983, p. 218). O que seria essa “síntese das
múltiplas determinações” no campo educacional?
A compreensão dessa “síntese” é o que diferencia o educador que atua no papel de
professor daquele que atua na reprodução do sistema, agindo como “monitor” no papel de
professor. O educador seria aquele que reconstrói o espaço da sala/laboratório/quadra de aula
como um lugar da experiência humana. O professor é aquele que tenta conduzir o aluno ao
encontro do conhecimento, num processo em que a formação não seja um fim, mas uma
aventura, na qual a “viagem exterior se enlaça com a viagem interior, com a própria formação
da consciência, da sensibilidade, do caráter do viajante” (LARROSA, 1999, p 53).
Já o monitor/instrutor de ensino seria aquele para quem o espaço da
sala/laboratório/quadra de aula é um lugar em que prevalece a informação sem experiência
humana, pois tudo se reduz ao ensino no sentido de apropriação da técnica interpretada como
uma produção neutra, em que se minimiza o conhecimento a decorar regras, a repetições, a
atos mecânicos que não possibilitam a formação crítica do aluno, mas perpetuam a lógica
mercadológica de produção, eficácia e eficiência em uma estrutura seletiva e excludente da
educação, de acordo com Silva (2002).
O educar é a possibilidade da realização de um algo a mais que se pauta na autoridade,
na responsabilidade e na autonomia e cujos resultados não se controlam e, portanto, há
necessidade da presença do educador como intelectual na relação para que sempre seja
retomada a intervenção a fim de direcionar o sentido do produzir no outro os efeitos do “vir a
ser” sujeito. Portanto, educar é compreender que a técnica, a ciência e a tecnologia não são
neutras e que possuem a marca e, principalmente, o vínculo daquele que profere em suas
palavras o modo de apropriar-se como um modo de fazer experiência humana, proporcionar a
reinterpretação na existência do “vir a ser” sujeito e, principalmente, permitir a constante
crítica que o instaura numa inconsistência que lhe permite inaugurar o inédito em ser o
sujeito.
Considerações finais
A educação básica é de extrema relevância porque é por meio dela que a criança se
inclui no mundo. Contudo, a educação hoje é vista sob a óptica de produto, pois se acomoda
as massas e se sonda o desenvolvimento do aluno contabilizando a produtividade durante as
atividades e não se consideram a criatividade, a espontaneidade, as falas e os pensamentos do
aluno; a maioria das práticas de alfabetização acaba não possibilitando ao aluno o direito de
pensar.
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O professor deve ser aquele que tenta conduzir o aluno ao encontro do conhecimento,
num processo em que a formação não seja um fim, mas uma aventura, na qual a “viagem
exterior se enlaça com a viagem interior, com a própria formação da consciência, da
sensibilidade, do caráter do viajante” (LARROSA, 1999, p 53), não podendo ser ignorados
alguns elementos, como, o meio em que o aluno está inserido, as pessoas com as quais ele
convive e as experiências que se dão pelo caminho.
Para educar é preciso que o professor tenha implicância, mobilize e se sensibilize,
capturando os sinais que o aluno transmite durante as atividades, sendo a escola um espaço de
reinterpretação, transformação e diálogo com o mundo.
A possibilidade de transformação é aquela que rompe com o discurso determinante e
com a subordinação do aluno, possibilitando o pensar e o movimento de fazer, refazer e
desfazer ideias, conceitos e valores.
A ideia de educação como processo é a que coloca o aluno como aquele que terá um
olhar crítico para o que o cerca, seja televisão, mídia, redes sociais, jornais ou informações
que são colocadas, que reproduzem, manipulam e até falsificam os fatos. A educação como
processo é a que possibilita ir além dos resultados de exames padronizados, mas que permite
uma dinâmica de atividades na qual o diálogo, o pensar, a reflexão, a descoberta e a aventura
são movimentos constantes a fim de que se possa olhar com criticidade para a
espetacularização, ora dos recursos tecnológicos, ora das teorias pedagógicas milagrosas, num
exercício de se buscar entender a realidade escolar. Entretanto, o que se observa é a educação
como produto, já que os objetivos e as ações escolares estão voltados ao mercado.
Não foram observadas práticas durante o processo de alfabetização que se
constituíssem como processo durante a pesquisa de campo. Durante as aulas em o professor
realizava a leitura de algum texto na frente da sala para os alunos, não era permitido ao aluno
expor sua opinião acerca do texto ou colocar alguma informação que se somava àquela
leitura, pois ao término da leitura, o professor exigia que os alunos voltassem às atividades em
silêncio, sendo que muitos alunos nem ao menos tinham percebido o que tinha ocorrido.
Assim, a ideia de leitura na escola ainda está sob a óptica da decodificação e não se permite
que o aluno explore o texto, aventure-se na leitura, assumindo o professor a função de ponte
entre o aluno e a cultura.
O desenvolvimento das aulas em que o professor sempre ocupava um lugar na frente
da sala, alunos todos enfileirados, sentados em suas cadeiras e produzindo atividades
solicitadas, avaliados constantemente como produtivos ou não, corroboram a ideia de uma
educação contemporânea voltada aos moldes do capital.
Essas observações evidenciam a urgência de transformações efetivas na educação
básica para que se possa ir além da ideia de desenvolvimento como produto, pensando nas
relações sociais que devem ser estabelecidas nas escolas para que ocorra o diálogo com o
mundo e para que seja possível se pensar na formação cidadã do aluno.
O professor deve ser aquele que tenta conduzir o aluno ao encontro do conhecimento,
num processo em que a formação não seja um fim, mas uma aventura, não podendo ser
ignorados alguns elementos como o meio em que o aluno está inserido, as pessoas com as
quais ele convive e as experiências que se dão pelo caminho.
A escola que se defende encaixa-se nos parâmetros das sociedades democráticas:
equidade, igualdade, solidariedade e desenvolvimento humano, enquanto o que o mercado
objetiva é a excelência, a formação vocacional e a competitividade individual, pois o mercado
tenta reduzir os valores sociais, éticos e educativos da escola aos objetivos relacionados à
produção fabril.
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Referências
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LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: Danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte:
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do Sul, v.18, n.3, p. 89-106, set./dez.2013.
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Educação online e mudanças nas práticas
comunicacionais de discentes no sertão do Piauí na
modalidade EAD
Juscelino Francisco do Nascimento Professor Pesquisador do Centro de Educação Aberta e a Distância (CEAD) da Universidade Federal do Piauí
(UFPI), em Teresina. Licenciado em Letras/Inglês pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Especialista em
Docência para o Ensino Superior, pelo Instituto de Ensino Superior Múltiplo (IESM); e em Libras, pela
Faculdade Latino-Americana de Educação (FLATED). Obteve seu título de Mestre em Letras, Área de
Concentração em Estudos de Linguagem, pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Atualmente, é
Doutorando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília
(UnB). Sua experiência profissional abrange, especialmente, o Ensino Superior. Atua nas áreas de Línguas
Inglesa e Portuguesa, Estágio Supervisionado e Libras, além de cursos de extensão e de pós-graduação lato
sensu.
Lívia Fernanda Nery da Silva Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual do Piauí, mestrado em Educação pela Universidade
Federal do Piauí e Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Atualmente, é professora Adjunto II da Universidade Federal do Piauí. Tem experiência na área de Educação e
Comunicação, com ênfase em Educação, mídias, EaD e processos de ensino e aprendizagem digitais.
Resumo
Este trabalho objetiva apresentar as apropriações comunicacionais de discentes da Educação
a Distância (EaD) da Universidade Federal do Piauí, haja vista que essa modalidade
possibilita mudanças nas suas práticas comunicacionais/educacionais. A problemática
sistematizada reconhece que o processo comunicativo/educativo pode ser efetivado na
internet, basicamente em ambientes digitais. Contudo, pareceu-nos relevante a percepção do
“como” isso se processa. É nessa imbricação que surge o nosso problema de pesquisa, que, a
rigor, envolve a “maneira como” se dá a comunicação na modalidade a distância, bem como
a circulação desse processo nas plataformas educacionais/sociais digitais. Aplicamos um
questionário para a constatação de dados relativos à vida dos discentes; cartografamos as
práticas na internet antes e depois do curso EaD, bem como suas características pessoais, os
fluxos e as migrações comunicacionais. Os autores que balizaram estes estudos envolvem a
relação estabelecida entre os discentes e a cibercultura, sendo referendados, entre outros, por
Citelli e Costa (2011), Bonin (2011), Lopes (2006), Maldonado (2011), Freire (1983) e Hall
(2005). Os resultados apontam que os sujeitos passam a utilizar a internet como ferramenta
de aprendizagem obrigatória, reconfigurando o processo de aprendizagem e assinalando o
estabelecimento de um Contrato de Educação Midiatizada – CEMid.
Palavras-chave
Comunicação; Apropriações; Educação a distância.
Abstract
This paper aims at presenting the communicational appropriations of Distance Education
students of the Federal University of Piauí, given that this modality allows changes in their
communicational/educational practices. The systematic problem recognizes that the
communicational/educational process can be effected on the Internet, basically in digital
environments. However, it seemed relevant the perception of "how" it is processed. It is this
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overlap that our research problem arises, which, strictly speaking, involves the "how" is given
communication in distance education, and the circulation of this process in digital
educational/social platforms. We applied a questionnaire for finding data on the lives of
students, we also mapped practices on the internet before and after the distance education
course as well as their personal characteristics, the flows and communication migrations. The
authors that guided these studies involved the relationship established between the students
and cyberculture, being endorsed, among others, by Citelli and Costa (2011), Bonin 2011)
Lopes (2006), Maldonado (2011). Freire (1983) and Hall (2005). The results indicate that the
subjects started to use the internet as a compulsory learning tool, reconfiguring the learning
process and marking the establishment of a mediated education contract - MidEC.
Keywords
Communication. Appropriations. Distance education.
Palavras iniciais
Esta pesquisa foi enquadrada no âmbito comunicacional, contudo, com uma interface
educacional, pois se trata de um estudo dos aspectos comunicacionais e educacionais dos
estudantes da modalidade a distância e das produções comunicacionais desses sujeitos. Para
tanto, foram consideradas as apropriações comunicacionais e educacionais em ambiência
digital, por meio da internet, dentro ou fora do ambiente de aprendizagem digital específico.
Nesse sentido, conforme Flick (2009, p. 238):
A internet tornou-se parte da vida cotidiana de muitas pessoas. Portanto,
necessita de análises profundas sobre a sua inserção no dia a dia das pessoas,
já que tem transformado aspectos culturais da sociedade contemporânea.
A interface entre comunicação e educação não é um fenômeno recente, haja vista que
Citelli e Costa (2011) informam que, nos Estados Unidos, tais estudos surgiram em 1930; e,
no Brasil, com as ações de Roquette Pinto e Anísio Teixeira. Além disso, há mais de vinte
anos, especialistas da América Latina reuniram-se convocados pelo Fundo das Nações Unidas
para a Infância – UNICEF e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura – UNESCO para asseverarem que:
A educomunicação inclui, sem reduzir-se, o conhecimento das múltiplas
linguagens e meios pelos quais se realiza a comunicação pessoal, grupal e
social. Abarca também a formação do sentido crítico, inteligente, frente aos
processos comunicativos e suas mensagens para descobrir os valores
culturais próprios e a verdade (UNICEF; UNESCO, 1992 apud APARICI,
2010).
Esses especialistas perceberam a necessidade de serem analisadas as inter-relações dos
campos comunicação e educação, observando-se um posicionamento sério e crítico ante o uso
de ambientes digitais e da tecnologia. A interface tem, portanto, como fundamentos, os
princípios da pedagogia crítica de Paulo Freire.
Além de Freire, nomes como Daniel Prieto Castillo, Mario Kaplún e Francisco
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Gutierrez são reconhecidos como educomunicadores precursores. Freire (1983) apresenta a
educomunicação como uma filosofia e uma prática pautada no dialogismo. Para Aparici
(2010), ser dialógico é problematizar o conhecimento, não apenas estabelecer um diálogo
complacente, um diálogo para nada ou apenas para conversação, mas um diálogo que
proporciona mudanças e posicionamento crítico-ideológico nos sujeitos do processo de
ensinar e aprender.
Vale destacar que o desenvolvimento da educomunicação, entre os anos 1970 e final
dos anos 1990, foi inversamente proporcional à expansão das novas tecnologias e ao
desenvolvimento de paradigmas economicistas que se trasladaram ao mundo da educação
(APARICI, 2010). Nesse sentido, podemos afirmar que as revistas, os estúdios de televisão, os
jornais e o vídeo em sala de aula foram substituídos por aulas de informática e o cenário
virtual1 transformou-se no e-learning. O modelo proporcionado pela tecnologia e pela
virtualidade conduziu o processo educativo a situações inéditas, as quais não haviam sido
abordadas pelos educomunicadores, tais como a interatividade, a imersão, a nova forma de
participação e a convergência (APARICI, 2010). Foi assim que, dentro da vida escolar, o novo
cenário digital e as tecnologias da comunicação, bem como as afetações desse novo modelo
educativo, tornaram-se o objeto de estudo da educomunicação.
Para Citelli e Costa (2011), a interface comunicação/educação já sinaliza as
circunstâncias históricas das transformações dos modos de produção, circulação e recepção do
conhecimento e da informação, levando-se em conta o papel central da comunicação nestes
processos. Segundo o entendimento dos autores, existem diversas maneiras de serem
trabalhados os vínculos entre comunicação e educação, pelo que afirma ser relevante analisar
“o plano epistemológico voltado a indagar acerca de possível novo campo reflexivo e
interventivo resultante dos encontros, desencontros e tensões, entre os processos
comunicacionais e educação” (CITELLI; COSTA, 2011, p. 13). Sob essa perspectiva, os
autores demonstram a necessidade de cogitarmos sobre a dimensão formal da inserção da
tecnologia e das culturas midiáticas e sobre as possíveis transformações nos modos de ser e
estar no mundo dos sujeitos. Propõem, ainda, que a comunicação e a educação envolvem
elementos da relação mídia-escola, alfabetização para a comunicação, a leitura crítica dos
meios e os estatutos das relações de ensino-aprendizagem atuais, tais como os dispositivos de
produção, circulação e recepção do conhecimento e da informação.
Nesse mesmo diapasão, Baccega (2001) afirma que o espaço da
comunicação/educação é de convergência de vários saberes, sendo fundamental para a
construção da cidadania. A autora lembra que o ensino de qualidade não é caracterizado
apenas pelo uso das tecnologias, mas pela implantação de projetos adequados e pela inserção
do discente como sujeito crítico na sociedade.
A partir dessas concepções, verificamos a pertinência de caracterizar nossa pesquisa na
interface comunicativa e educativa.
A trajetória metodológica da pesquisa
Essa pesquisa qualitativa foi permeada por várias fases, dentre elas, a pesquisa da
pesquisa2 em Comunicação e Educação, pois, com ela, conseguimos desvelar elementos, tais
como a apropriação dos conceitos e conhecimentos já existentes em relação ao tema proposto.
Para Bonin (2011), a pesquisa da pesquisa é uma prática relevante para o avanço sistemático
1 O termo virtual é usado no sentido de digital, não de algo irreal ou não concreto. Essa terminologia é usada
para designar o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). 2 A pesquisa da pesquisa é a revisita ao que já foi pesquisado e produzido em relação ao objeto em construção,
tranformando-a em elemento ativo na elaboração da nova pesquisa que se realiza.
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do campo da comunicação, pois possibilita a reflexão, a desconstrução, reformulações,
alargamentos em vários níveis. Nesse caso, a pesquisa da pesquisa permite verificar os pontos
fortes e fragilidades nas outras pesquisas, ajudando a sustentar o objetivo maior da nova
pesquisa, ou seja, a construção do conhecimento.
A segunda fase foi constituída pelo trabalho de campo prático, o qual teve início, em
2010, com uma pesquisa exploratória, que desejava ampliar a familiarização com o fenômeno,
bem como uma imersão no contexto para a verificação da exequibilidade da pesquisa, já que
os sujeitos residiam em locais diversos. A pesquisa exploratória serviria como movimento de
aproximação ao objeto de pesquisa para perceber os contornos, especificidades e
singularidades (BONIN, 2011; LOPES, 2006, MALDONADO, 2011).
Para tanto, elaboramos um questionário de perguntas abertas e fechadas que indagava
características do grupo, tais como idade, sexo, profissão, condições de vida e emprego,
acesso à educação e à internet, bem como algumas concepções e percepções dos estudantes
em relação à educação e à vida cotidiana deles. O questionário foi um instrumento de
aproximação com o campo e os sujeitos da pesquisa, gerando uma visão ampla do perfil dos
entrevistados, já que nos possibilitou identificar as condições de produção da pesquisa.
Na análise dos dados dos questionários, foi usado o Statistical Package for the Social
Science - SPSS, um software aplicativo, um pacote estatístico para as ciências sociais, o qual
possui dimensões analíticas e transforma dados em informações. A partir dele, foram feitas as
análises de questões fechadas, as quais apresentaram dados estatísticos analíticos que
possibilitavam a categorização das respostas.
Para aprofundar a compreensão do fenômeno pesquisado, foram realizadas entrevistas,
que foram transcritas e digitadas no banco de dados para serem classificadas e analisadas,
tendo em vista que, conforme Bardin (2000, p. 217), “um dado do discurso é submetido a
certo número de operações de desmembramento e de classificação semânticas, sintáticas e
lógicas simultaneamente”. Essa técnica foi aprofundada com a observação dos sujeitos
pesquisados em ambientes digitais, de modo que, somente com a confluência dessas técnicas,
pudemos capturar o objeto da pesquisa, bem como fortalecer o próprio desenvolvimento
metodológico do trabalho.
Neste texto, apresentamos dados que foram apreendidos nas várias fases da pesquisa e
que apontam elementos relevantes da prática comunicacional/educacional dos discentes na
EaD.
Comunicação e educação no sertão do Piauí
A comunicação, a cultura e a educação são os pontos de partida que se entrelaçam
neste trabalho, bem como na vida do ser humano. Nesta empreitada, a investigação do
processo de comunicação das experiências vividas por sujeitos residentes em pontos distintos
do Piauí3 é geradora de questões pertinentes às apropriações e produções comunicacionais
desses sujeitos, os quais residem em um dos estados mais pobres do Brasil. Nessa perspectiva,
as reflexões aqui engendradas adentram o cotidiano desses atores, cujos aspectos
comunicacionais e educativos são refeitos a partir da inserção no curso superior na
modalidade a distância.
Vale destacar que o público que cursa essa graduação no semiárido piauiense é,
3 O IDH do Piauí, em 2005, foi de 0,703, o 25º do Brasil. Os últimos estados são Maranhão e Alagoas,
respectivamente 26º e 27º. Fonte: PNUD/Fundação João Pinheiro. CEPAL/PNUD/OIT. 2005. Na avaliação
apresentada pelo PNUD 2013, o Piauí ocupou a 24ª posição com IDH de 0,646. Fonte:
http://www.atlasbrasil.org.br/2013/ranking. Acesso em 30 de Agosto de 2013.
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comumente, aquele que reside em pontos longínquos da capital e que vive da agricultura, de
programas assistencialistas ou do serviço público. Assim, aparecem com a idade acima da
média dos ingressantes em graduações presencias, conforme informações do Núcleo de
Tecnologia da Universidade Federal do Piauí – UFPI, como podemos observar no gráfico a
seguir:
Gráfico 1 – Faixa Etária dos Discentes do Semiárido Piauiense
Fonte: Núcleo de Tecnologia da UFPI (2013).
Em conformidade com Peters (2001) e de acordo com o que se confirmou nesse
levantamento (tanto do questionário da pesquisa quanto dos dados do Núcleo de Tecnologia
da UFPI), os estudantes da modalidade a distância são diferenciados em relação à faixa etária,
já que, via de regra, ingressam tardiamente no ensino superior. Além disso, o autor afirma que
as condições da experiência de vida e profissional são maiores como constitutivas de um
estudante que se compromete com a educação de modo diferente. Contudo, destacamos que
esses estudantes têm, na EaD, uma chance para obter a graduação, já que muitos deles
provêm de locais onde não lhes podem ser oferecidos cursos superiores na modalidade
presencial.
Entendemos, dessa forma, que esses sujeitos são inseridos em uma educação via
internet pelo fato de esta ser a única forma de ingresso ao curso superior ou, ainda, por outras
questões que os excluem das salas de aula presenciais. Discorremos, a seguir, sobre o uso e o
acesso semanal ao ciberespaço pelos discentes EaD, participantes da pesquisa, antes e depois
do início da graduação. Os dados aqui apresentados foram resultados dos questionários
aplicados na pesquisa exploratória, que consistia na primeira fase da nossa pesquisa, que nos
permitiu evidenciar que a primeira mudança perceptível ocorreu com o aumento da carga
horária de acessos semanais à internet após a inserção na graduação EaD.
Nesse sentido, começamos a identificar os primeiros sinais do que denominamos como
Contrato de Educação Midiatizada4, o qual, em princípio, impõe a necessidade do aumento da
carga horária do discente no ciberespaço. Constatamos nos questionários que, após o ingresso
4 O Contrato de Educação Midiatizada – CEMid consiste nas práticas comunicacionais compulsórias, requeridas
ao discente da educação a distância, que podem ser percebidas na quantidade de tempo delegado ao processo de
aprendizagem em rede, bem como nos usos e apropriações, comunicacionais e educacionais, ressignificadas a
partir do ingresso na modalidade a distância. Obviamente, tais ressignificações serão, também, percebidas nas
produções comunicacionais/educacionais, bem como nas identidades desses discentes.
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
no curso, 75,7% dos discentes passaram a conectar-se à internet por quatro horas ou mais,
quando, anteriormente, apenas 19,7% deles faziam o acesso com essa frequência.
Ressaltamos, ainda, que, antes da EaD, 22,7% dos discentes não usavam a internet,
percentual que desaparece após o ingresso no curso a distância. Em seguida, percebemos que
o percentual de 53% passa acessar cinco horas ou mais de internet por semana, elevando esse
número, que era de 13,6%. Dessa forma, se observarmos os dados, verificaremos que existe
um aumento significativo na quantidade de horas que os estudantes passaram a destinar à
grande rede.
A partir desses dados, vemos que o aluno da EaD passa, compulsoriamente, a integrar-
se cada vez mais aos processos midiáticos, principalmente no caso da Educação a Distância
da UFPI, em que o uso das mídias digitais é o elemento básico dessa modalidade na
Universidade.
Além disso, ao examinar os questionários, pudemos identificar as mudanças nos
modos e objetivos de acesso dos estudantes à internet antes, durante e depois do curso,
posteriormente verificados nas entrevistas e na observação em ambientes digitais. Para tanto,
quando perguntados sobre o que faziam na internet antes e depois do curso EaD, os
participantes da pesquisa apresentaram respostas que destacavam mudanças em determinados
itens da cultura digital, conforme a Tabela 1, a seguir. Para a melhor compreensão, convém
destacar que a tabela foi ordenada decrescentemente em relação ao item que os estudantes
passaram a fazer após o ingresso no curso EaD, o qual ficou situado na primeira coluna; na
segunda coluna, temos o item que apresenta as atividades que os discentes já faziam antes do
curso e, na terceira, as atividades que não faziam antes nem fazem atualmente na internet.
PASSOU A
FAZER
APÓS EAD
JÁ FAZIA NEM FAZIA,
NEM FAZ
Participar de fóruns de
discussão 78,4 18,5 3,1
Participar de conversas em
bate-papos educativos 51,6 25,0 23,4
Elaborar hipertexto 40,0 27,7 32,3
Conhecer outras culturas por
meio de sites 40,0 46,2 13,8
Escrever e passar e-mails 40,0 58,5 1,5
Assistir a vídeos on-line 38,5 53,8 7,7
Ler notícias e informações on-
line 38,5 56,9 4,6
Participar de conversas em
bate-papos 38,5 43,1 18,5
Fazer pesquisas no google 31,3 68,8 0,0
131
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Criar blogues 31,3 10,9 57,8
Fazer compras em sites 30,8 49,2 20,0
Baixar vídeos e músicas 29,2 50,8 20,0
Participar de comunidades
digitais 26,2 56,9 16,9
Ouvir música 26,2 53,8 20,0
Frequentar redes de
relacionamento 24,6 43,1 32,3
Escrever diários digitais 21,5 12,3 66,2
Postar vídeos on-line 20,0 21,5 58,5
Encontrar pessoas para
relacionamentos de namoro ou
amizade
18,5 56,9 24,6
Tabela 1 – Atividades realizadas na internet antes e depois da EaD
Fonte: Questionário da pesquisa (2010).
A partir dos questionários, mapeamos as atividades realizadas pelos discentes antes,
durante e depois da EaD e detectamos que a maior mudança foi no âmbito comunicacional
educacional, haja vista que 78,4% dos estudantes passaram a participar de fóruns de
discussão, fato que correlacionamos à forma de interação comunicacional/educacional
disposta na plataforma Moodle 2007. Apesar disso, um percentual de 3,1% afirmou que não
fazia nem faz essa atividade, fato que nos permite concluir, pela existência de uma lacuna na
participação desses estudantes, que, de alguma forma, eles burlam a avaliação dos
professores/tutores em relação à participação nos fóruns. Já 18,5% afirmaram participar de
fóruns de modo geral, posto que os fóruns são importantes para o processo educativo, já que
se constituem em um instrumento de aquisição de conhecimento colaborativo no qual o
estudante pode apresentar suas opiniões, pesquisas e questões pertinentes aos conteúdos
desenvolvidos em cada disciplina.
Verificamos, em seguida, que 51,6% dos estudantes, conforme eles próprios relataram,
só passaram a participar de conversas em bate-papos educativos depois do ingresso no curso
EaD. 25% disseram que já participavam de chats antes do ingresso no curso, em contraste
com 23,4%, que não realizavam no passado nem realizam no presente essa atividade.
Conforme se percebe, o bate-papo virtual pode realmente sofrer prejuízo em decorrência das
questões de condições de acesso à internet, de tempo e de lugar que comprometem a
interação, haja vista que os chats são síncronos, sem contar com a sincronização dos tempos
de todos os sujeitos envolvidos no processo.
O terceiro item de maior alteração no modo de fazer digital dos estudantes foi a
elaboração de hipertextos conhecidos por wikis. Nessas atividades, 40% dos discentes
passaram a escrever hipertextos, o que se configura em uma atividade bastante enriquecedora
ao processo de ensino-aprendizagem, pois resulta da interação coletiva e da própria
inteligência coletiva, além de ser um excelente exercício de respeito ao conhecimento
partilhado e colaborativo. Apesar disso, 32,7% dos estudantes não faziam nem fazem esta
atividade, que fica também em um patamar inferior de aplicação no Moodle 2007. Os outros
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
27% já haviam construído hipertextos antes da EaD.
Analisaremos agora o item mais praticado pelos estudantes antes de cursarem a EaD,
as pesquisas em sites de busca. Verificamos que 68,8% dos discentes já realizavam pesquisas
no Google, por exemplo. Isso aponta para um fator relevante que caracteriza um uso comum
da internet: a procura por conhecimento e informação. Contudo, um número significativo
(37,3%) só passou a fazer pesquisas a partir da inserção no curso a distância. Mais
interessante ainda foi o fato de que nenhum dos estudantes informou estar fora dessa prática
após o início do curso EaD, o que representa outro ponto relevante, ou seja, que 100% dos
estudantes que responderam aos questionários fazem pesquisas, atualmente, por meio da
internet no âmbito educativo ou não.
O segundo item com maior índice de prática dos estudantes antes do curso na
modalidade EaD foi a de receber e enviar e-mails, já que somente 58,5% dos estudantes
costumavam usar o correio eletrônico como forma de comunicação. Apesar disso, 40% dos
discentes afirmaram que só passaram a enviar e-mails após o início do curso, ao passo que
apenas 1,5% continuam sem utilizar esse serviço. Assim, constatamos que 98,5% dos
estudantes escrevem e mandam e-mails como forma de comunicação, dado que confirma a
relevância do correio eletrônico, já constatada por Druetta (2009). Segundo a autora, os usos
da internet são fundamentalmente instrumentais e relacionados ao trabalho, à família e à vida
cotidiana, sendo o e-mail amplamente empregado para esses fins.
O terceiro item que mais compunha a prática comunicacional dos estudantes antes da
EaD apresentou triplo empate técnico com percentual de 56,9%, a saber: ler notícias e
informações on-line; participar de comunidades digitais e encontrar pessoas para
relacionamentos de namoro ou amizade. Para procedermos ao critério de desempate, usamos
o maior percentual da resposta dos que passaram a executar a prática após o curso EaD.
Assim, com 38,5%, ficou em terceiro lugar a leitura de notícia e informações on-line,
confirmando a ilação da pesquisa de que os estudantes estão sempre buscando informar-se
dos fatos que ocorrem no seu entorno e no mundo.
Em relação ao item que corresponde às atividades não praticadas pelos estudantes nem
antes nem depois do curso, o maior percentual foi de 66,2%, que corresponde a escrever
diários digitais. Embora presente no ambiente Moodle 2007, essa tarefa não parece ser
desenvolvida como atividade de aprendizado, de modo que boa parte dos estudantes
desconhece a sua formatação e utilização. Apesar disso, 21,5% dos discentes afirmaram já ter
escrito diários virtuais após o ingresso no curso a distância. Os 12,3% restantes jamais
produziram um diário virtual.
Após a análise das informações, verificamos que houve, grosso modo, mudanças
significativa nas práticas comunicacionais cotidianas dos estudantes, ou seja, um grupo
passou a desenvolver atividades que nunca haviam praticado; outros transpuseram práticas
comunicacionais para o campo educacional, e parte das atividades foi ampliada. A partir das
respostas recebidas, podemos caracterizar as apropriações comunicacionais e educacionais
desenvolvidas por eles, já que, segundo Leontiev (1978), ao tomarem consciência do uso
comunicacional digital tanto nos processo de aprendizagem quanto nas demais áreas, passam
a apropriar-se desses conhecimentos e a usá-los em benefício pessoal, o que acaba gerando
mudanças culturais e identitárias nos sujeitos. Compreendemos identidade aqui como aquela
culturalmente construída pela ligação que estabelece com as identidades coletivas,
produzindo sentidos e referências (HALL, 2005; BAUMAN, 2005).
O que se percebe é que os estudantes dão indício de mutação para a identidade
discente híbrido-cultural (HALL, 2005), uma categoria discursiva, pois não é caracterizada
biologicamente, mas sim organizadora das formas de comunicar, expressar, dos sistemas de
representação e práticas sociais, dentre as quais a comunicativa/educativa.
133
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Aprendizagem significativa em ambiência digital
Durante a pesquisa, descobrimos que os estudantes de EaD, após a incursão no mundo
educativo digital, passavam também, considerando esse novo existir, a ser produtores de
materiais digitais didáticos. Nessa conformidade, como asseverado por Canclini (2008, p. 37):
Exalta-se a criatividade nos novos métodos educacionais, nas inovações
tecnológicas e na organização das empresas, nas descobertas científicas e em
sua apropriação para solucionar necessidades locais. A pedagogia comum e
os cursos de reciclagem fomentaram a criatividade, a imaginação e a
autonomia para recolocar-se num tempo de mudanças vorazes.
À vista disso, examinaremos agora as produções das estudantes matriculados no curso
e que estudam no polo de Inhuma – PI, um dos municípios piauienses em que há turma do
curso e no qual uma das estudantes de pedagogia, por exemplo, criou um blog que divulga as
atividades realizadas em cada uma das disciplinas estudadas. Dentre as postagens, figuram os
slides usados nos seminários ministrados pelos estudantes de todas as disciplinas cursadas no
período, bem como os projetos elaborados ao longo do curso, planos de estágio e outros
materiais didáticos. Essa prática da estudante (re)significa os modos de aprender, já que a
discente foi educada na cultura de ensino presencial e passa, na ocasião, a ser produtora,
trabalhando na construção colaborativa dos conteúdos a serem socializados no Moodle 2007 e
no blog, apontando para a criatividade e a imaginação necessárias aos novos tempos. O
interessante nisso é que ela, ao aprender/se apropriar, passou a ensinar, pois produziu
conhecimento que foi divulgado e, certamente, servirá de fonte de aprendizado a outras
pessoas que buscarem algum dos temas trabalhados nas disciplinas do curso.
Figura 1 – Blog de discente do curso de pedagogia
Fonte: Disponível em pedagogiainhuma.blogspot.com. Acesso em 12.04.15.
Vale destacar que a discente que gerencia o blog não tinha familiaridade com o uso da
internet antes de iniciar o curso a distância, conforme relata a estudante “Blogueira” em uma
entrevista concedida para este trabalho: “Antes da EaD, eu não sabia de nada de net; morava
numa cidade que só acessava pagando, lá em São José. Aqui em Inhuma, temos net de
graça”.
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A partir da inserção à nova tecnologia, a “Blogueira de Inhuma” migrou para outras
formas de comunicação e divulgação os conhecimentos pedagógicos, artesanais,
aprendidos/produzidos ao longo da sua jornada de estudante. A propósito, no dia em que
concedeu-nos a entrevista, ela realizava uma filmagem sobre a teoria piagetiana do
desenvolvimento infantil, que seria apresentada em seminário e, posteriormente, postada, por
ela, no YouTube: “Estamos gravando um filme para nosso seminário sábado. No filme,
representaremos os estágios da teoria cognitiva de Piaget. Nós seremos as crianças,
narradores, roteiristas, cinegrafistas etc. Imagine o tamanho das crianças!”
Figura 2 – Créditos do filme “Teoria Piagetiana” do Curso de Pedagogia.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=xEQU4g4MH8c. Acesso em 12.04.15.
A filmagem foi dividida em seis vídeos; os quatro primeiros dramatizavam os estágios
operacionais de Piaget. O quinto vídeo continha os créditos do filme e o último era o making-
off das filmagens. A caracterização das discentes apresenta traços distintos da identidade
nordestina, a saber: as roupas são tipicamente interioranas e o boneco da criança de dois anos
era um bebezão negro; as expressões usadas no texto também têm características de
“nordestinês”, destacando as origens das estudantes. Isto revela a existência de uma forte
imbricação entre a identidade das alunas, já que elas mantêm, nas postagens, traços da sua
cultura, lançando-os na rede. Assim como este, são diversas as socializações de
aprendizagem dos discentes EaD do sertão piauiense que expressam posicionamento político,
conforme podemos perceber, por exemplo, na postagem da discente do curso de Biologia de
Simões, outro município do semiárido do Piauí.
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Figura 3 – Post da discente EaD em protesto à Presidência da Comissão de Direitos Humanos
Fonte. http://www.facebook.com/photo.php?fbid=504808706241820&set=a.3192229
64800396.73299.319213451468014&type=1&theater. Acesso em 03/04/15.
A partir do ingresso no curso e com base no uso das tecnologias a que têm acesso e
que são requeridas nas atividades das disciplinas, os alunos passam a produzir diversos
trabalhos, como o da figura acima, em que são ativados os conhecimentos exteriores ao texto,
por meio da imagem do Trapalhão, para construir o humor e, ao mesmo tempo e
principalmente, fazer um protesto à Presidência da Comissão de Direitos Humanos, na pessoa
do deputado Marcos Feliciano, o qual “não representa” o personagem da foto, representando,
assim, os alunos do curso que comungam da mesma opinião de não aceitar as ideias do
pastor-deputado frente à comissão em discussão.
Considerações finais
Em relação às apropriações comunicacionais e educacionais dos estudantes EaD,
identificamos, a partir das observações, dos questionários e das entrevistas, a participação em
fóruns de discussão, bate-papos educativos, elaboração de hipertextos, visitas a outras
culturas por meio de sites, despachos de e-mails, postagem de vídeos na internet, leitura de
notícias e informações on-line, pesquisas em sites, criação de blogs, entre outras. Isso aponta,
claramente, para o fato de as mediações exercidas pelos meios, especificamente a internet,
estarem produzindo novas formas de agrupar, identificar, pertencer, agir, comunicar e
aprender.
Ainda sobre as apropriações, verificamos que os discentes extrapolam o ambiente
digital de aprendizagem, em busca de socialização do conhecimento, passam a produzir blogs
com conteúdos educativos, vídeos no YouTube, visando divulgar o que aprendem. Ademais,
apresentam posicionamentos políticos, estéticos e éticos.
Detectamos, durante a pesquisa, que os discentes usavam a rede para as novas formas
de aprendizagem, avaliação e socialização de conhecimentos adquiridos.
Destacamos que duas apropriações, em especial, que totalizaram ser praticadas por
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98,5% e 100% dos discentes, foram, respectivamente, o uso de e-mail e a realização de
pesquisas em sites, sendo que esse índice (quase o total de discentes pesquisados) só foi
alcançado após o ingresso no curso EaD. Um resultado como esse mostra que as formas de
comunicação digital ganharam importância decisiva no cotidiano desses estudantes após a
graduação nessa modalidade de ensino.
Por fim, descobrimos que as apropriações extrapolaram o âmbito educativo, passando
para outros campos, como as formas de comercializa/comprar/vender passaram a ser
realizadas pela internet, quando os estudantes perceberam as facilidades de compra e os
menores preços dos produtos, embora alguns ainda tivessem receio em usar esse tipo de
transação pela falta de confiança no processo comercial midiatizado. Outra prática realizada
também com certo receio foi a dos discentes usarem a internet para encontrar
relacionamentos pelas redes sociais, apesar de um pequeno grupo ter afirmado levá-los a
efeito.
Referências
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BONIN, J. A. Revisitando os bastidores da pesquisa: práticas metodológicas nas construções
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137
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138
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Interações temporais na era da convergência:
perspectivas das Gerações Y e Z nas redes sociais digitais
Álvaro Nunes Larangeira Pós-doutor em Jornalismo pela Universidade de Coimbra. Doutor em Comunicação pela PUCRS. Docente do
PPGCOM da Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: [email protected]
Moisés Cardoso Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens PPGCOM/UTP; Mestre em
Desenvolvimento Regional PPGDR/FURB; pós-graduado em Novas Mídias FURB. Publicitário formado pela
FURB. Jornalista formado pelo IBES/Sociesc; atualmente é professor nos cursos de Publicidade e Propaganda
da FURB e FAMEG.E-mail: [email protected]
Alexandre Artur Kumm Bacharel em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda FURB.
E-mail: [email protected]
Resumo
O advento das redes sociais digitais influenciou diferentes aspectos do cotidiano dos consumidores.
Nessas plataformas é possível gerar uma riqueza prodigiosa de interações temporais por parte das
empresas e clientes. O presente estudo tem o objetivo de analisar as interações temporais
desenvolvidas pelas gerações Y e Z a partir de seis categorias classificatórias: Passatempo,
Promocional Corrida Cartoon, Promocional Jogos Online, Apropriação de Conteúdo, Institucional/
Promocional Canal, Atualizações de Capa e Informativo Corrida Cartoon. Utilizou-se o método
bibliográfico para realizar um levantamento teórico dos conceitos que envolvem a temática e
posteriormente uma pesquisa descritiva para análise da página do canal Cartoon Network Brasil na
rede social Facebook, sob a perspectiva de como os usuários das gerações Y e Z, se comportam no
ambiente digital. Os resultados apontam que as interações temporais na era da convergência como
um processo de evolução do veículo de comunicação, juntamente com a modificação no
comportamento do público receptor.
Palavras-chave
Interações, Comunicação, Redes Sociais, Mídias Digitais.
Abstract
The advent of digital social networks influenced different aspects of the daily lives of consumers. These
platforms can generate a prodigious wealth of temporal interactions by companies and customers.
This study aims to analyze the temporal interactions developed by the Y and Z generations from six
qualifying categories: Hobby, Promotional Race Cartoon, Online Promotional Games, Content
Ownership, Corporate / Promotional Channel, Cape Updates and News Race Cartoon . We used the
literature method for performing a theoretical survey of concepts involving the theme and then a
descriptive research to analyze the Cartoon Network Brazil channel page on the social network
Facebook, from the perspective of how users of generations Y and Z if They behave in the digital
environment. The results show that the temporal interactions in the convergence era as a process of
evolution of the means of communication, along with the change in the target public's behavior.
Keywords
Interactions, Communication, Social Networks, Digital Media
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Introdução
O advento da internet transformou o mercado e suas operações ao longo dos últimos
anos. Novas possibilidades de comunicação e comércio surgiram e, a cada dia, mais
oportunidades continuam a aparecer vindas desta mídia. A conexão de uma sociedade é o
resultado da difusão de suas redes, mas especialmente, da sua utilização a partir de interações
entre novos paradigmas tecnológicos e a sociedade como um todo (CASTELLS e
CARDOSO, 2005).
Vale a pena destacar que o conceito de redes sociais, tem sua origem antes da internet,
que consiste em um conjunto de relações concretas entre as pessoas, capazes de vincular um
indivíduo aos outros. Entende-se então, que as redes sociais funcionam como elos que
interligam pessoas por meio de conexões já existentes, podendo ser elas gostos, habilidades,
conhecimentos, entre outros. Uma rede social consiste em um conjunto formado por dois
elementos: os atores formados por pessoas, grupos ou instituições e as suas próprias
conexões, definidas como laços sociais. Estes laços são compostos por relações sociais, as
quais são possíveis por meio da interação social, sendo capazes de causar um reflexo
comunicativo entre o indivíduo e seus respectivos pares. (BARNES, 1987 e RECUERO,
2009).
As redes sociais digitais são fundamentalmente diferentes de qualquer mídia
tradicional por causa de sua estrutura e natureza igualitária, tornando-se estratégicas para a
gestão da imagem das organizações. A fim de construir e manter a influência na mídia social,
uma marca precisa identificar e atrair um grupo de usuários que se envolvam com a marca. As
interações temporais atribuem papéis sociais dentro de uma rede que permite influenciar as
percepções de outros usuários. A comunicação publicitária tende a incorporar algo com o qual
não estava acostumada: a comunicação entre os consumidores. Não apenas a comunicação
direcionada ao consumidor é necessária, mas onde estes passam a ter a marca como um
veículo de interação entre a empresa e o mercado (CARVALHO, 2011).
As interações temporais dentro das plataformas digitais passaram a desenvolver uma
nova dinâmica com o surgimento da web 2.0 e também dos sites de redes sociais, que
significam uma grande mudança na relação existente entre os consumidores brasileiros, as
marcas e a forma com que estas se comunicam. A comunicação publicitária evolui dos
modelos um a um e um a muitos para o modelo de muitos a muitos.
Imersos nas redes sociais e seguidores de modismos e consumidores fiéis às marcas,
os membros da Geração Y cresceram em meio a grandes avanços tecnológicos. Os meios de
comunicação em conjunto com o volume avançado de informação, facilitaram para que
ficassem conectados 24 horas por dia. Por outro lado, a Geração Z, inserida à tecnologia
desde que nasceu e com a característica de ser capaz de executar múltiplas funções ao mesmo
tempo, apresenta grande favoritismo por produtos e marcas sustentáveis, uma vez que já
tomaram conhecimento de que eles irão sofrer as consequências causadas pelo uso indevido
dos recursos naturais pelas gerações passadas (TRINDADE; FESTA; CLARO, 2013).
Compreender as interações temporais destas gerações torna-se importante porque a
mensagem precisa ser recodificada pelos veículos para ser decodificada pelo consumidor de
um determinado conteúdo, exigindo assim rearticulação dos produtores de conteúdo, em
função dos avanços tecnológicos possibilitados através da evolução da conectividade humana
através da internet,
Ao analisar os estudos a respeito das interações em redes sociais digitais, convergência
e a respeito das gerações Y e Z é possível identificar diferentes autores que consolidam a
importância do tema. Quanto ao marco teórico empregado a fim de compreender o fenômeno
estudado, destacamos Ceretta e Froemming (2011); Filho e Lemos (2009); Jenkins (2009);
141
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Jenkins, Ford e Green, (2014); Levy (2007); Primo e Recuero (2003).
O presente estudo visa aprofundar tal discussão e tem o objetivo de analisar as
interações temporais desencadeadas pelas gerações Y e Z, no ambiente digital midiático, a
partir das categorias classificatórias detectadas na página na rede social Facebook, do canal de
televisão infantil Cartoon Network Brasil (CNB)
Utilizou-se como aporte teórico-metodológico a referência de Caseiro e Barbosa
(2011), que aborda uma divisão dos conteúdos por tipologia, apresentados em quadros para
melhor visualização e compreensão das estratégias de Social Media Marketing adotadas pelas
marcas. As categorias definidas foram divididas em “Publicidade / Serviços / Campanhas”,
“Informação” e “ofertas / Concursos / Passatempos”. Posteriormente subdividiram a maneira
como os fãs se relacionam com a página por meio de quatro categorias, para assim, relacionar
interações e publicações estabelecidas nas páginas. São elas: “Pedidos / Dúvidas”, “Informal”,
“Respostas a Passatempos / Concursos” e “Reclamações”.
Estruturou-se o artigo em quatro seções: Introdução, Marco Teórico, que aborda os
desdobramentos tecnológicos e características dos atores sociais que compõe essa
investigação; Metodologia, Apresentação e Discussão dos Resultados e Considerações Finais.
Marco teórico
No decorrer da década passada visualizou-se uma ampliação do conjunto de tecnologias
móveis digitais. Como as redes sem fio, que são compostas pela característica de velocidade e
de abrangência, entre outras especificidades e diferenciações entre elas; e ainda as redes Wi-
Fi, 3G, 4G (terceira e quarta gerações) e Blutooth, que logo foi absorvido pela publicidade e
imprensa. Hoje, a cidade informacional do século XXI encontra na cultura da mobilidade o
seu princípio fundamental: a mobilidade de pessoas, objetos, tecnologias e informação sem
precedente (FILHO e LEMOS, 2009).
Existe uma mudança de paradigmas ocorrendo nos mercados midiáticos muito
similares a outras já vivenciadas pela sociedade, como a retórica da revolução digital na
década de 1990, no qual se argumentava a possibilidade dos novos meios de comunicação
substituírem os antigos, que a internet substituiria a radiodifusão e que tudo isso permitiria
aos consumidores acessar mais facilmente o conteúdo que mais lhes interessasse (JENKINS,
2009).
Muitas das novas empresas se referiam a convergência, de modo a acreditar que os
antigos meios de comunicação seriam substituídos pelas tecnologias emergentes. Um
paradigma da revolução digital juntamente com as previsões feitas em épocas analógicas, no
qual acreditava-se que as tais "novas mídias" substituiriam as "antigas". A convergência
argumentava que novas e velhas mídias estariam cada vez mais conectadas através da
interação de um com o outro (JENKINS, 2009).
O processo de convergência digital se resume a junção dos meios midiáticos através
do foco adotado pelas empresas quanto a produção e consumo de conteúdo cultural, no qual
rádio, televisão, música, livros, revistas, notícias e internet estão interligados. Devido a
convergência digital desses meios, são reorganizados os modos de acesso aos bens culturais e
às formas de comunicação (CANCLINI, 2008). Em a “Cultura da Conexão”, Jenkins, Ford e
Green (2014) apontam para uma modificação de paradigma que ocorreu na mídia, que passa
de uma mentalidade gerida pela lógica da radiodifusão, que dominou todo o século 20, para
uma nova proposição que consente e estima o engajamento das audiências.
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Geração Y
Seguidores de modismos e consumidores fiéis às marcas, os membros da Geração Y
cresceram em meio a grandes avanços tecnológicos. Os meios de comunicação em conjunto
com o volume avançado de informação, facilitaram para que ficassem conectados 24 horas
por dia. O crédito fácil juntamente com sua renda positiva, fez com que se tornassem uma
geração com baixa preocupação ambiental. (TRINDADE; FESTA; CLARO, 2013).
A respeito da maneira como os membros desta geração levam a vida e expressam seus
hábitos e costumes, Lombardía, Stein e Pin (2008) mencionam que são oriundos de famílias
pequenas, com poucos filhos, nas quais suas mães tentam combinar os lados profissional e
pessoal da vida enquanto assumem empregos fora de casa. As crianças crescem assistindo a
televisão e utilizando os computadores de seus pais ou irmãos mais velhos, o que faz com que
a tecnologia se torne uma de suas aliadas. Para Filho e Lemos (2008), as novas tecnologias
utilizadas pelos jovens nas mais diversas situações como cursos e lazer, são responsáveis por
lhes proporcionar experiências de comunicação nunca antes vistas. Sendo capaz de causar
uma possível mudança em seu comportamento, podendo alterar também seu método de
aprendizado e a maneira como se relacionam com as atividades rotineiras.
Sites como Google, YouTube, entre outros, como exemplos atuais de páginas
desenvolvidas por jovens com caráter microempresário em um curto período de tempo, e que
já igualam suas façanhas aos parâmetros financeiros traçados por Gates e Jobs. Jovens como
estes se tornam responsáveis por indicar uma nova maneira de se relacionar com o trabalho,
no qual o ambiente despojado e a autonomia na rotina de trabalho, ocupam o lugar do trabalho
sedentário. (FILHO; LEMOS, 2008).
Em essência, a Geração Y possui cum conjunto de valores que foram se estabilizando
ao longo dos últimos anos, originando indivíduos com um olhar diferenciado da sua realidade,
no campo profissional e nas relações interpessoais Lipkin e Perrymoe (2010); Liu et al.
(2013); Nursair, Bilgihan, Okumus e Cobanoglu (2013); Oliveira (2010) entre outros.
Geração Z
A Geração Z ou Geração Pontocom, diz respeito a atual população de jovens e
adolescentes, nascidos a partir da década de 1990. Filho e Lemos (2008) destacam como a
facilidade destes jovens em lidar com as tecnologias digitais afetou não só a si mesmos, mas
também a vida em família. Agora são os jovens da Geração Z que ensinam os adultos a
navegar na internet e realizar outras atividades, são capazes de fazer download de arquivos,
instalam programas e se responsabilizam pela segurança do computador.
Esta nova geração de jovens e crianças, mais conhecida como Geração Z, terminologia
originária da palavra zapping, os autores afirmam com base em seus estudos, que este
segmento possui como uma de suas principais características o contato desde cedo com a
tecnologia e seus dispositivos em constante evolução, no qual estes são responsáveis por
direcioná-los para um estilo de vida completamente distinto daquele vivido pelas gerações
anteriores (FILHO e LEMOS, 2008).
Segundo Ceretta e Froemming (2011), este grupo de indivíduos pode ser caracterizado
como consumista, uma vez que o consumo e o ato de fazer compras faz parte de sua rotina
enquanto procura a autoafirmação e a valorização de seu status perante os amigos. Estão
ligados às tendências e todas as inovações tecnológicas, o que consequentemente atrai o
interesse de diversas organizações. Valores como beleza e juventude são muito valorizados
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
por esta geração, na qual a moda é um dos principais canais que utilizam para se expressar
através das tendências. Roupas, acessórios, lanches, cosméticos e tênis, são os produtos e
serviços entre os mais adquiridos por estes jovens que investem sua renda em transações de
consumo diário, com moda e vaidade. A capacidade de exercer múltiplas funções ao mesmo
tempo é característica deles. Conforme explicam Ceretta e Froemming (2011), o jovem Z é
envolvido por todo tipo de mídia, ferramenta e tecnologia que possa transferir informações.
Interações temporais
O termo "inteligência coletiva" desenvolvido por Levy (2007), retrata a inteligência
coletiva como o conhecimento que se encontra distribuído pelas mais diversas partes. Este se
faz de valor, organizado e estruturado em tempo real e gera uma movimentação dos
indivíduos competentes a determinado assunto. Não cabe aos seres humanos a capacidade de
ter conhecimento pleno de tudo, portanto juntam suas referências e habilidades.
Além da inteligência coletiva, deve-se considerar também a inteligência distribuída,
como fruto da convergência. Esta se faz possível por meio dos diversos canais de informação
e das novas ideias, possibilitadas através da interação oriunda da evolução tecnológica
(BEIGUELMAN, 2010). Aspectos culturais e sociais vindos da interação e comunicação são
o que caracterizam a abrangência da cultura da convergência, o qual é capaz de atingir até
fatores mercadológicos e criativos.
Entretanto, todos esses aspectos somente são possíveis através do desenvolvimento
tecnológico e quando distribuídos nas mídias. Avanço este no incremento de mídias digitais,
fora responsável pela transformação do processo de comunicação existente. Anteriormente
este procedimento se dava por meio de um conteúdo produzido por poucos, mas transmitidos
para muitos. No desenvolvimento atual da comunicação, há uma potencialização aos acessos
às informações culturais (FACCION, 2010).
Hoje, uma base de fãs e seguidores não se restringe ao simples papel de consumidor
passional, frente a um conteúdo atrelado a lógica da mídia tradicional. Eles têm proatividade,
discutem, reagem, espalham seus interesses e críticas pelas diferentes modalidades midiáticas.
Querem ser ouvidos, atendidos e muitas vezes recompensados pelo engajamento (JENKINS,
FORD e GREEN, 2014). Mas não cabe se aprofundar na temática e descrever os modos como
a midiatização atua no que ocorre com a comunicação quando sujeitos, instituições e
organizações utilizam a mídia. É necessário apenas aceitar neste contexto que a sociedade e a
cultura como um todo dependem de uma mídia específica (KROTZ e HEPP, 2011, p.123).
Neste sentido podemos definir as interações temporais e a midiatização como um o
conceito utilizado para analisar as inter-relações de longo prazo entre a mudança da mídia e
da comunicação, por um lado, e a mudança da cultura como conhecemos até o presente
momento de espaço e tempo e da sociedade moderna que se reconfigura de diferentes formas
de uma maneira crítica (HEPP, 2014).
Redes sociais digitais
Uma rede social não se estabelece pela conexão tecnológica ela rata-se de um processo
emergente que mantém sua existência através de interações entre os envolvidos (PRIMO,
2007). Neste sentido ela diz respeito às conexões interpessoais, estabelecidas ou não por
plataformas digitais, no qual estas conectividades assumem o propósito de otimizar a
resolução de problemas, compartilhar conhecimento e estabelecer novas ligações entre
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pessoas. Os autores completam ao afirmar que, estas relações são frutos da identificação dos
usuários uns com os outros, através de ideais, vontades, objetivos entre demais fatores em
comum que estes venham a possuir. Assim sendo, se agrupam e compartilham informações,
conhecimentos e desejos similares (WENGER, TRAYNER e LAAT, 2011).
Redes sociais são serviços baseados na web que permitem aos indivíduos construir um
perfil público ou semi-público em um sistema limitado. Estes sites permitem ainda, a
articulação de uma lista de outros usuários dos quais compartilham de uma conexão,
visualizando e atravessando a lista de conexões destes e de outros que utilizem o sistema.
Sendo capaz de mudar o comportamento e a maneira como as pessoas se relacionam umas
com as outras, as redes sociais digitais são descritas como um dos meios de comunicação em
maior ascendência ao redor do mundo. Expõe em sua definição, uma estrutura social
composta por pessoas ou empresas, interligadas por dependências mútuas de parentesco,
afinidade, amizade, entre outras ligações (GABRIEL, 2010).
No âmbito empresarial podem ser entendidas através de ações exercidas pelas
empresas, para se conectar de forma comunicativa, com os consumidores. Mas deve-se ter
cuidado ao posicionar uma empresa ou marca neste ambiente digital, e pode resultar em
consequências devastadoras para a mesma, por isso estar apenas presente não se faz suficiente
(HENRIQUES, 2013). Cabe aos profissionais atuantes desta área estar e preparar esta
migração e atuação de forma planejada e eficiente.
Metodologia
Caracteriza-se a presente pesquisa como de natureza básica, com abordagem qualitativa. Sob
o ponto de vista do objetivo, consiste em uma pesquisa exploratória, pois visa proporcionar
maior familiaridade com o problema. Quanto aos procedimentos técnicos, o trabalho e
referente a uma pesquisa bibliografica acerca dos temas: Geração Y e Z, interações temporais
e redes sociais digitais.
O estudo da página na rede social Facebook, do canal de televisão infantil Cartoon Network
Brasil (CNB) é classificado como um procedimento tecnico de estudo de caso, orientado por
avaliacoes qualitativas. Selecionou-se a fan page em questão por se tratar de um assunto
recente e em ascendência, o qual agrega de forma positiva as diversas áreas de estudo da
comunicação, incluindo os hábitos e comportamentos do consumidor, as mídias sociais e
digitais. As Gerações Y e Z, jovens que possuem desde sua infância um contato total ou
parcial com a internet e as tecnologias digitais. Nascidos respectivamente entre os anos de
1977 à 1988 e 1989 à 2010, em diante (CERETTA; FROEMMING, 2011).
A coleta de dados teve como finalidade categorizar informacoes sobre as interações na fan
page no Facebook, atraves de análise das postagens na comunidade entre agosto de analisar e
categorizar todas as 27 publicações realizadas durante o período de análise estabelecido,
sendo este de 17 de julho a 14 de setembro de 2013. Durante o período de 60 dias analisados
por meio de 27 postagens, foram geradas 27.536 interações vindas de fãs.
Destaca-se a importância de afirmar os termos "visíveis" neste momento do estudo. Devido às
opções de privacidade que a rede social Facebook disponibiliza para seus usuários, no qual
cada pessoa pode definir que o conteúdo publicado em forma de texto, vídeo ou imagem seja
visível somente para determinadas redes de amigos, ou estendam-se somente para pessoas
ligadas a estas amizades, muitos dos comentários não estavam disponíveis para visualização
pública, impossibilitando assim a análise de todos os comentários realizados. Após a análise
completa do objeto de estudo, é possível avaliar o impacto que os comentários visíveis ou
não, geraram para os resultados desta pesquisa.
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Numa primeira etapa foram analisados unitariamente todos os comentários visíveis dispostos
em cada publicação para posterior classificação teórico-metodológica.
O quadro a seguir, demonstra a quantidade exata de comentários visíveis dispostos em cada
publicação gerada pela marca, agrupados de acordo suas categorias.
Categorias Total de Comentários Visíveis
Passatempo 3.186
Promocional Corrida Cartoon 2.378
Promocional Jogos Online 332
Apropriação de Conteúdo 110
Institucional / Promocional Canal 88
Atualizações de Capa 70
Informativo Corrida Cartoon 69
Quadro 01: Total de comentários visíveis por categoria
Fonte: Elaborado pelos autores.
A partir de um recorte teórico-metodológico de Caseiro e Barbosa (2011), foram
definidas 6 tipologias para que cada comentário pudesse ser agrupado e relacionado com a
categoria das publicações analisadas. São elas:
Interações estimuladas e espontâneas: nesta tipologia foram agrupados todos os
comentários que interagiram diretamente com o conteúdo proposto pela publicação. Estas
interações podem ser uma resposta direta a um questionamento feito por parte da página em
sua publicação, ou um simples comentário espontâneo demonstrando o fanatismo por um
personagem relacionado a imagem do conteúdo publicado.
Marcações/ interações entre usuários: nesta tipologia foram agrupados todos os
comentários que indicam a interação entre os usuários, por meio do recurso disposto pelo
Facebook que permite às pessoas divulgarem qualquer conteúdo diretamente no perfil pessoal
de outros usuários listados em sua rede de amizades, através da marcação do nome deste
indivíduo na publicação. Nesta tipologia, também foram consideradas todas as outras
interações realizadas entre usuários no campo de comentários da página, no qual muitas vezes
usuários acabam por contribuir a questionamentos feitos entre si ou mesmo para a página.
Questionamentos: foram agrupados todos os questionamentos feitos por parte dos
usuários para a página. Vale ressaltar que, uma das principais técnicas adotadas pela fan page
para incentivar a interação do público, se faz por meio de questionamentos aos mesmos.
Contudo, em nenhum momento durante o período analisado, houve qualquer contrapartida
dos administradores da página em responder aos questionamentos feitos pelos internautas.
Reclamações: no decorrer da análise dos comentários, percebeu-se a maneira como
muitos jovens acompanham e interagem com a página do canal Cartoon Network tanto para
expressar seu fanatismo e favoritismo pela programação e conteúdos dispostos, como também
o utilizam em forma de púlpito, para expor suas opiniões mesmo que negativas a respeito do
canal. Do mesmo modo, por meios destas reclamações os internautas esperam por explicações
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ou soluções dos problemas abordados. Nesta categoria, todas as reclamações expostas e sem
respostas foram agrupadas. A figura a seguir exemplifica a forma como estes jovens se
expressam por meio da página.
Sugestões: foram agrupados todos os comentários nos quais, diferentemente das
reclamações, os usuários interagiam com o canal por meio da exposição de ideias e
complementos, vistos por estes como melhorias para o conteúdo apresentado. Infelizmente, é
necessário ressaltar que novamente estas expressões capazes de estreitar as relações entre o
canal e seus fãs, foram totalmente desconsideradas por parte dos administradores da página.
Este fato pode gerar uma futura inibição por parte dos usuários, ou mesmo uma rejeição
destas gerações que não se contentam mais com a posição de telespectador, mas sim de
produtor de conteúdo.
Spam: Por fim, para agrupar e separar todos os comentários nos quais o conteúdo fazia
referência a outras páginas ou conteúdos, sem qualquer nexo com a temática apresentada pela
página do canal Cartoon Network. Compreende-se este tipo de ação, como uma maneira
encontrada por outras páginas e/ou usuários de tirar vantagem da grande quantidade de
usuários reunidos em função da página em estudo, para transferir sua atenção para outro site,
página do Facebook ou demais ações impertinentes.
Apresentação e discussão dos resultados
A partir da análise individual das categorias de publicações e tipologias dos
comentários, este capítulo fará uma reflexão geral sob os dados resultantes destas análises,
relacionando-os com as teorias abordadas no decorrer da fundamentação teórica do presente
trabalho.
Primeiramente, é importante ressaltar a validade da análise das tipologias de
comentários ainda que não estivessem disponíveis todas as informações mencionadas neste
campo de interação, uma vez que o ranking das categorias não sofreu grandes alterações. A
ordem das categorias de maior relevância na hora de incentivar o público a interagir se
manteve estática, com exceção das duas últimas listadas como "Informativo Corrida Cartoon"
e "Atualização de Capa", que inverteram suas posições pela diferença de apenas um
comentário, o qual é naturalmente compensado pelos demais campos de interação
mencionados no início da análise.
O quadro a seguir apresenta o ranking geral do total de interações por categoria de
publicações:
Categorias Total de Comentários Visíveis
Passatempo 16.723
Promocional Corrida Cartoon 4.885
Promocional Jogos Online 2.203
Apropiação de Conteúdo 1.174
Institucional/ Promocional Canal 1.115
Informativo Corrida Cartoon 726
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Atualizações de Capa 710
Quadro 02: Ranking total de interações por categoria de publicações
Fonte: Elaborado pelos autores.
Para compreensão da análise total da pesquisa realizada, também se faz importante à
apresentação do quadro geral do ranking de comentários visíveis por tipologia.
Tipologia Total de Comentários
Interações estimuladas e espontâneas 5.888
Spam 128
Marcações/Interações entre usuários 116
Questionamentos 47
Reclamações 36
Sugestões 18
Quadro 03: Ranking total de interações por categoria de publicações
Fonte: Elaborado pelos autores.
Através da análise realizada, fica evidente que a categoria de publicações
"Passatempo" exerceu maior influência sobre os jovens em ênfase neste estudo, o qual gerou
um total de 16.723 interações durante o período analisado. Assim, torna-se possível relacionar
o público aqui em análise aos estudos apresentados pela agência Linea (2013), o qual afirma
que passatempos estão em primeiro lugar no ranking de interesse dos jovens que acessaram o
Facebook em 2012.
Através da relação entre estes dados, pode-se afirmar o pensamento apresentado por
Tapscott (1999), no qual o autor pondera que, de forma contrária ao que muitos pensam, as
crianças estão utilizando a internet para executar tarefas similares as que sempre o fizeram
como brincar, aprender e até se relacionarem com seus amigos. Vale destacar aqui que, entre
todos os comentários visíveis desta categoria, além das interações estimuladas e espontâneas
que representaram a maior parte das interações, esta categoria também foi responsável por
estimular 40 comentários que puderam ser agrupados sob a tipologia “Marcações/Interações
entre Usuários”.
A categoria “Promocional Corrida Cartoon”, foi à segunda categoria com o maior
número de interações apresentadas. Esta foi responsável por estimular o total de 4.885
interações. Este resultado mostra a relevância do conteúdo divulgado nesta categoria, o qual
serviu de base para definição do período de análise da pesquisa. Através das informações aqui
coletadas, afirma-se a relevância da plataforma Facebook para a divulgação do evento
“Corrida Cartoon”, o qual, este foi o segundo conteúdo de maior influência sobre os usuários
da rede, na hora de estimular a interação. Ainda na categoria a principal tipologia de
comentários constatada foram as “Interações Estimuladas e Espontâneas”. Justifica-se o
destaque desta tipologia, devido ao posicionamento adotado pelas publicações, os quais
faziam perguntas diretas aos internautas que as respondiam neste campo de interação
oferecido pela rede social.
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Para confirmar a importância de publicações como esta, que visam se comunicar com
os internautas ao invés de apenas informar, basta citar Tapscott (1999, p. 03), “eles querem ser
usuários não apenas espectadores ou ouvintes”. O autor também afirma que a prática da
colaboração uma forte característica da Geração Z. A troca de informações,
compartilhamentos e opiniões define o perfil desta geração. (TAPSCOTT, 2010).
As publicações categorizadas como “Promocional jogos Online”, aparecem em
terceiro lugar entre as categorias definidas. Das 2.203 interações geradas a partir destas
publicações, a maior parte dos comentários visíveis está relacionada a interações estimuladas
ou espontâneas, de forma similar as demais tipologias descritas anteriormente. Ressalta-se
como característica destas publicações, a prática da convergência midiática realizada pelo
canal Cartoon Network. Neste caso, visualizada por meio da apresentação e divulgação dos
jogos onlines, dispostos no site do canal. Conforme menciona Canclini (2008), a cultura da
convergência é capaz de modificar a maneira como os internautas interagem com as mídias.
Esta, influencia seus hábitos de leitura, a maneira como assistem às informações e navegam
na internet.
Ainda em análise aos comentários constatados nesta categoria de publicações,
destacaram-se também os comentários enquadrados como “Reclamações”. A partir de
publicações que apresentavam novas plataformas de interação, a margem para reclamações
foi aberta e negativamente constatada. Os internautas relatavam problemas ao se conectar com
estas novas plataformas apresentadas nas publicações, no entanto, não foi constatado retorno
da página para solução ou esclarecimento destas adversidades. Destaca-se neste momento, a
importância da velocidade das respostas exigida de forma instantânea, como característica
desta geração. (TAPSCOTT, 2010).
Por permitirem aos usuários um relacionamento ainda mais profundo com os
personagens do canal Cartoon Network, justifica-se também o nível de interação dos
internautas com as publicações da categoria “Promocional Jogos Online”, as quais os
internautas mostraram abertamente sua opinião, ainda que negativa, sobre os jogos
apresentados.
A categoria de publicações intitulada “Apropriação de Conteúdo”, aparece no ranking
geral como a quarta maior em número de interações. Percebeu-se nesta categoria que a
maioria dos comentários enquadram-se na tipologia “Interações Estimuladas e Espontâneas”.
Vale relacionar esta categoria com a apresentada anteriormente, “Promocional jogos online”,
por ambas se tratarem de um modelo explícito da prática da convergência. Enquanto a
primeira abre o leque para interação direta dos fãs com os personagens, por meio dos jogos
online, a segunda se caracteriza por dispor de conteúdo que não prevê interação direta com os
internautas. Originalmente transmitido no canal de televisão, estes conteúdos são
disponibilizados na página do Facebook do canal por meio de link com uma segunda rede
social, o YouTube. Assim sendo, compreende-se que os conteúdos que possibilitam maior
profundidade de interação, geram mais interesse e, consequentemente, maior interação por
parte dos internautas. Conforme mencionado por Jenkins (2009), as ações de convergência
são capazes de estimular um novo comportamento migratório, no qual o público consumidor
dos meios de comunicação utilizados passa a buscar a experiência em seus momentos de
entretenimento. Esta conclusão está atrelada aos resultados obtidos nas interações das
publicações que fazem parte das categorias “Promocional Jogos Online” e “Apropriação de
Conteúdo”.
As interações geradas a partir da categoria “Institucional/Promocional Canal”, também
obtiveram o maior número de comentários categorizados na tipologia “Interações Estimuladas
e Espontâneas”. Com apenas uma publicação listada durante o período de análise, esta
categoria apresentou um resultado expressivo se comparado ao número de publicações
realizadas nas demais, bem como as interações geradas. Destaca-se que esta publicação em
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análise, não possibilitou interação direta de grande profundidade dos internautas com o
conteúdo divulgado, uma vez que apenas anunciava a programação do canal televisivo. Mais
uma vez, ressalta-se a importância da geração de conteúdos que permitam maior grau de
interação entre a página e os internautas (BLATTMANN e SILVA, 2007), quando afirmam
que a interação gerada pode contribuir para a qualidade do conteúdo distribuído. Além do
mais, é princípio de uma rede social a interação humana como principal fator presente.
(GABRIEL, 2010).
Na sexta posição do ranking geral do total de interações, aparece a categoria
“Informativo Corrida Cartoon”. Este agrupamento encontram-se duas publicações as quais
apresentam conteúdo relacionado ao durante e pós-evento “Corrida Cartoon”. Novamente, se
manteve como líder entre os comentários a tipologia "Interações Estimulada e Espontânea".
Observou-se que os internautas expressaram suas opiniões sobre o evento através de
comentários, tanto positivos como um único, no entanto profundo, depoimento negativo sobre
o evento, conforme figura a seguir.
Destaca-se igualmente a imparcialidade da página sobre o comentário da tipologia
"Reclamações", o qual contou com o apoio de demais usuários através das exposições feitas
sob a tipologia "Marcações/Interações entre Usuários". Neste ponto, avalia-se como negativo
o posicionamento do canal sob os conceitos de Laudon e Laudon (2010) quando enfatizam
que as redes sociais perdem seu sentido de existência caso não possam contar com o fator
comunicação seja este estabelecido entre pessoas e/ou pessoas e empresas.
Por fim, a última categoria definida com "Atualização de Capa" contou com
publicação de duas notificações automáticas quando atualizadas. Mesmo sendo a categoria
com o menor número de interações, esta se deu de forma espontânea pois se tratavam de
publicações capazes de contar apenas com os recursos visuais da publicação, sem qualquer
exposição textual. Igualmente as demais tipologias averiguadas neste artigo, esta se destacou
com maior relevância na classificação "Interações Estimuladas e Espontâneas".
Através das publicações coletadas nesta categoria, fica evidente o conceito exibido por
Mangol e Faulds (2009) que incentivam as empresas para que adentrem estas plataformas
digitais e as administrem de modo a gerar uma comunidade virtual, capaz de reunir usuários
de interesses e gostos em comum. Por meio das publicações analisadas nessa última categoria,
percebe-se a excelência da página neste quesito. No qual as publicações listadas não
necessitaram de qualquer incentivo textual para que os usuários, fãs dos personagens
apresentados, se expressassem coletivamente a respeito deste.
Considerações finais
Através deste estudo foi possível verificar as teorias que compõem as interações
temporais na era da convergência. Isto foi possível devido ao processo de reinvenção dos
veículos e meios de comunicação, em função dos avanços tecnológicos possibilitados através
da evolução da internet. Em seguida, avaliou-se as características dos jovens pertencentes às
Gerações Y e Z de modo a relacionar seus hábitos e costumes com as teorias abordadas pelos
autores relacionados. O trabalho se desenvolveu por meio dos estudos teóricos dos assuntos
apresentados e pelo estudo de caso da página no Facebook do canal de televisão Cartoon
Network Brasil. A partir deste objeto foram analisadas 27 publicações determinadas por um
período relevante de 60 dias, nos quais foram categorizados e analisados todos os conteúdos
dispostos pela página ao se comunicar com seus fãs. Também foram levados em consideração
na análise, todas as interações e comentários realizados por parte dos fãs. Ao longo da
pesquisa realizada, foi possível suprir os objetivos propostos, de modo a responder os
questionamentos iniciais.
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Com base nos conceitos apresentados, é possível definir que as interações temporais
na era da convergência como um processo de evolução dos meios de comunicação,
juntamente com a mudança no comportamento do público. Conforme as análises realizadas,
identifica-se que nenhuma mídia é descartada durante este processo. Todas passam por uma
reinvenção de conteúdo, no qual agora o receptor assume também papel de produtor, graças
aos avanços tecnológicos que o permitem estar conectado a qualquer hora e lugar.
Sendo assim, identificou-se que o objeto de estudo desta pesquisa, utiliza a rede social
Facebook para se aproximar do seu público alvo, os jovens pertencentes às Gerações Y e Z,
de modo a adequarem seu conteúdo televiso para o meio web. Identificou-se que o canal
utiliza da imagem de seus personagens presentes nas animações que compõem a
programação, em todas as publicações analisadas, de modo a proporcionar um campo de
comunicação direta entre os internautas e seus desenhos favoritos.
Foi possível identificar também a interação do canal de televisão entre o Facebook e
mais duas plataformas midiáticas que não haviam sido previstas no início deste estudo. As
publicações analisadas mostram que o canal utiliza da rede social para divulgar e convidar os
usuários para interagir com os jogos online dispostos no site do mesmo. Percebeu-se também,
que alguns dos comerciais institucionais do canal, puderam ser assistidos através das
publicações na própria fan page, por meio de uma ligação direta com uma outra rede social, o
YouTube. Este tipo de conexão enfatiza bem os conceitos de convergência e interações
temporais, ao demonstrar a apropriação de um mesmo conteúdo adaptado às diversas
plataformas midiáticas, de modo a ampliar o alcance do conteúdo desejado.
É necessário destacar, que apesar de ser nítido o interesse do canal de televisão em
utilizar de sua página na rede social digital para interagir com seu público alvo, não foi
identificado qualquer tipo de interação por parte da mesma quando as interações eram
respondidas pelos fãs. Calando assim, o processo de comunicação iniciado pelo próprio canal.
Através do estudo realizado e relacionado aos conceitos apresentados na revisão
teórica, foi possível identificar a maneira interativa com que os jovens pertencentes às
Gerações Y e Z se comportam no ambiente digital. Constatou-se que as publicações
categorizadas como “Passatempo”, é a grande preferências destes jovens ao acessarem o
portal. Por meio das 27.536 interações e 6.233 comentários visíveis, divididos entre as 27
publicações analisadas, confirmando a maneira como estes jovens estão dispostos a interagir
com a marca e os personagens apresentados.
Entre todas as tipologias de comentários visíveis, foi possível relatar a maneira como
os fãs utilizam das redes sociais para interagir. Em sua maior parte estas interações ocorreram
de forma espontânea ou estimulada com as publicações, em seguida com os demais usuários
para realizar reclamações, sugestões e questionamentos, sem esquecer dos diversos spams,
compreendido sob o ponto de vista empírico do comportamento das crianças. Nas quais,
muitas vezes não possuem a capacidade de discernimento de certo, errado, verdadeiro e falso,
totalmente formado e acabam sendo facilmente influenciados a participar destes tipos de
brincadeiras.
Fica evidente a forma como o momento atual da comunicação se encontra em fase de
modificação. Os diferentes autores abordados relatam conceitos futuros de como os avanços
da conectividade digital irão modificar as diferentes mídias e as interações temporais com o
mundo irão se alterar.
Como proposta para futuros estudos indica-se a realização de novas aferições a
respeito desse comportamento digital, já que o conteúdo abordado encontra-se em constante
evolução e poderia ser aproveitado de forma diferenciada, se aplicado de forma quantitativa,
através da realização de pesquisas com membros das Gerações Y e Z no formato de um
questionário por exemplo. Outra possibilidade de grande relevância seria a adaptação desta
151
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proposta para com os membros das gerações antecedentes, brevemente vistos neste trabalho,
denominados de Baby Boomers e Geração X que agregariam uma nova complexidade ao tema
abordado.
Referências
BEIGUELMAN, Giselle. Estéticas transmídia. In: 4º Congresso da ABES, 2010. Anais
eletrônicos. Disponível em: <http://www.desvirtual.com/esteticas-transmidia/>. Acessado em:
26 jun. 2015.
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Jornalismo e cultura: uma experiência de ensino e
extensão universitária
Carlos Fernando Martins Franco Graduado em Comunicação Social pela Faculdade da Cidade, Mestre em Psicologia pela Universidade Estácio
de Sá, e doutor em Comunicação pela Faculdade Vale dos Sinos (Unisinos). É documentarista e professor do
curso de Jornalismo da Universidade Federal do Tocantins, na área de audiovisual.
Verônica Dantas Meneses Jornalista e mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe, doutora em Comunicação pela
Universidade de Brasília; professora do curso de Jornalismo e do Mestrado em Comunicação e Sociedade da
Uuniversidade Federal do Tocantins.
Resumo
O artigo aborda a potencialidade do uso do documentário audiovisual etnográfico como
ferramental tanto no ensino do jornalismo como na difusão das culturas populares e
tradicionais como expressão e comunicação, a partir do projeto de extensão Cultura por
múltiplos olhares, desenvolvido pelo núcleo de Pesquisa e Extensão em Comunicação,
Imagem e Diversidade (CID) da Universidade Federal do Tocantins, desde 2015. O projeto
visa adicionar a linguagem audiovisual ao universo dos construtos, já que tem como
características estar em construção permanente, com infinitas possibilidades, e ser atraente
às novas gerações, que ao longo de seu desenvolvimento consumiram muito mais produtos
desta natureza do que a leitura, por exemplo. O projeto busca instrumentalizar os discentes
de jornalismo de diferentes períodos com as técnicas de produção, roteirização, captura de
imagens e edição audiovisuais, para instigar o exercício de novas possibilidades de
linguagem e incursão em olhares diversos sobre a realidade e o cotidiano, a partir de uma
metodologia aberta e sensível às diferenças. As primeiras experiências do projeto apontam
para o que chamamos de abordagem pluridimensional, ou seja, o fato de o enfoque ter o
potencial de abordar várias dimensões: uma cultural, ligada ao contexto social da localidade
e de sua população; outra subjetiva, na perspectiva que cada discente fotógrafo pela
atratividade construiu seu discurso; e uma didática, na experiência adquirida no uso
diferenciado das imagens em sua formação como jornalista; entre outras.
Palavras-chave
Cultura popular, documentário, etnografia, jornalismo, ensino.
Abstract
This paper discusses the potential use of ethnographic audiovisual documentary as a tool
both in journalism teaching and the dissemination of popular and traditional cultures as
expression and communication, from the extension project Culture for multiple looks,
developed by the Center of research and extension in communication, image and diversity
(CID), of the Federal University of Tocantins, on 2015. The project aims to add language to
the audiovisual universe, since it has features like be in permanent construction, with endless
possibilities, and be attractive to new generations, which its development consumed more
products of this nature than reading, for example. The project seeks to inform the students of
journalism about different periods with the techniques of production and screen play writing
as well as, capturing images and audiovisual editing, to instigate the exercise of new
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possibilities of language and foray into different looks on the reality and daily life, from an
open methodology and sensitive to differences. The first experiences of the project point to
what we call a multidimensional approach, namely, the fact that the approach have the
potential to address various dimensions: a cultural, linked to the social context of the locality
and its population. Another subject, in that each student’s photography showing attractiveness
built by language speech; and a teaching experience in differentiated use of the images in his
training as a journalist; among other.
Keywords
Traditional Culture, documentary, ethnography, journalism, teaching.
Introdução
Tornou-se senso comum certos discursos sobre a diversidade cultural presente no
Brasil. De fato, cada encontro com manifestações populares, religiosas e folclóricas, quer nos
grandes centros urbanos ou nos mais desconhecidos povoados do interior, mostra a
criatividade de um povo unindo suas demandas de vida, sua fé, valores e a necessidade de
reforçar laços identitários. Ainda que com a mesma origem e raízes, cada fato se torna único e
representa cada lugar, revelando suas expectativas presentes nas peculiaridades dos ritos
compartilhados comunitariamente.
Contudo, o cotidiano se mostra muitas vezes um enigma, quando pensamos nas
distintas realidades locais e neste sujeito contemporâneo da sociedade da informação. Pensar a
cultura é enveredar por contornos teóricos e empíricos diversos e com significados complexos
que mapeiam a própria dinâmica da existência humana, que inclui, entre outros fatores, a
presença efetiva dos meios tecnológicos nas vidas das pessoas, a compreensão dos processos
culturais que emergem por meio do diálogo, da vida em comum e cotidiana e as
heterogeneidades dentro do espaço-nação (DE CERTEAU, 1994; WILLIAMS, 1980).
O sujeito do século XXI, diferentemente daquele do anterior, não se desenvolve
inserido em um contexto apenas de consumidor de conteúdo midiático, mas como produtor.
Não produtor de conhecimento, que é um processo complexo e duradouro, mas de informação
com potencial de divulgação. Observemos o que acontece na internet com as redes sociais. As
pessoas sentem a necessidade de compartilhar suas experiências com as outras de seu grupo
de relacionamento, mesmo que esse conjunto de indivíduos não se conheça por presença ou
contato físico.
Mais do que compartilhar informação, experimentam linguagens e modos de
expressão, mesmo que não sejam profissionais da comunicação. Muitas dessas
experimentações ou modos de expressão acabam por se tornar “clichês”, como é o caso do
autorretrato em espelhos de banheiro, muito comum entre os adolescentes. Isto nos dá indícios
de que o problema talvez não esteja no que é mostrado, mas como é. Não é o conteúdo, mas a
forma como o produtor se relaciona com ele. Não é o consumidor, mas o foco em quem
captura, gerencia e divulga a informação. Daí originar-se-ia o processo que culmina na
atratividade tão buscada pelos produtores e programadores de conteúdo?
Baseados em tal referência, propusemos o projeto de extensão Cultura por múltiplos
olhares, por meio do Núcleo de pesquisa e Extensão Comunicação, Imagem e Diversidade
Cultural (CID), que trabalha com uma pesquisa metodologicamente experimental, tendo como
norteamento conceitual a etnografia, com base no uso sistemático da linguagem audiovisual
como uma ferramenta possível de ser utilizada também no ambiente acadêmico. O CID
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propõe o resgate do patrimônio imaterial do Estado do Tocantins a partir das manifestações
festivas e da cultura popular, bem como dos movimentos identitários e culturais diversos
presentes neste Estado, ou outras regiões.
Desta forma, já desenvolve pesquisas de cunho observacional-descritivo com caráter
etnográfico, cujos construtos são artigos produzidos tanto pelos discentes participantes,
quanto pelos professores líderes, e produtos audiovisuais. A ideia de adicionar a linguagem
audiovisual ao universo dos construtos é inerente ao propósito do Núcleo, pois esta linguagem
tem como características estar em construção permanente, com infinitas possibilidades, e ser
atraente às novas gerações, que ao longo de seu desenvolvimento consumiram muito mais
produtos desta natureza do que a leitura, por exemplo. Mais ainda, de acordo com os estudos
em Folkcomunicação, que também dão aporte teórico-metodológico aos nossos trabalhos, a
comunicação nas manifestações folclóricas e da cultura popular ocorre sob formas não apenas
lingüísticas, mas também icônicas. Para se analisar estas formas de comunicação é necessário
um acervo visual que possa contribuir com esta análise, pois cada cor, forma e gesto estão
carregados de herança e informação (BENJAMIM, 2004).
No Cultura por múltipos olhares, a ideia é experimentar na prática a produção em
mutirão. Este processo produtivo se operacionaliza através do dispersar a equipe para dentro
do evento a ser registrado, munida de equipamento de registro, após receberem prévia
instrumentalização sobre técnicas de produção, roteirização, captura de imagens e edição
audiovisuais, bem como indicações para a observação científica dos objetos. Isto produz um
copião por meio de múltiplos olhares, descentralizando e coletivizando a visão do diretor e
orientadores. O objetivo final é observar como tal linguagem poderia ser utilizada
experimentalmente, tendo como pano de fundo a diversidade cultural e o cotidiano, a
convergência tecnológica e a expansão dos meios de produção e divulgação.
Como já citamos anteriormente, o sujeito da contemporaneidade é um produtor de
informação, mais do que um consumidor. Deste modo, por que não promovermos por meio
desta pesquisa experimental a oportunidade do exercício do olhar, a fim de que possamos
tentar responder aos questionamentos que tanto incomodam os programadores e a audiência,
centrados em um modo de se produzir conteúdo a partir dos anseios de um consumidor?
Outro ponto importante é o fato de que a preservação do patrimônio imaterial tem
como público as novas gerações, que terão a missão de perpetuá-la, divulgando tais elementos
culturais que cimentam laços de pertencimento e valores comunitários específicos. Portanto,
não se trata de somente descrever os atos, festas e outras manifestações folclóricas e da
cultura popular, mas abordá-los sob o aspecto da comunicação. Assim, os alunos
extensionistas buscam entender as estratégias utilizadas para transmitir informações, as trocas
culturais efetivadas dentro do grupo e do grupo para a sociedade em geral, ou seja, os
processos de sociabilização produzidos nestas manifestações, as referências identitárias e
territoriais e com isso as relações de pertencimento dos membros com suas comunidades
sustentadas pelas manifestações culturais tradicionais, a posição de novos agentes,
representações e as formas de ativismos geradas dentro destes grupos. Olhar estas
experiências com uma metodologia aberta, a partir de vários olhares, é importante para
apreendermos a identidade e diversidade destas culturas e dar visibilidade a grupos que não
tem acesso aos grandes meios de comunicação.
Como outro tensionamento, há um problema na formação do profissional de
jornalismo: o conceito de informação. Temos observado desde 2003, pelo convívio
experiencial em sala de aula, que existe uma tendência de apenas enfatizar o objeto máximo
do jornalista, que é a notícia; e esta tem um caráter de prestação de serviço e efemeridade.
Tudo aquilo que potencialmente tende a se perpetuar também tende a não ser considerado
objeto jornalístico.
Isto tende a criar no profissional muita dificuldade em gerenciar informações perenes,
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como é o caso da informação considerada periférica à notícia. Um festejo junino, dentro de
uma ótica jornalística estaria muito mais vinculado à quantidade de pessoas, às atrações
oferecidas, à data de acontecimento do que a todo o aporte cultural e histórico que representa
para a população local e nacional. Vemos nas matérias veiculadas nas televisões, regionais ou
nacionais, uma abordagem horizontal e utilitária de tais festejos. No que tange às imagens,
utiliza-se uma linguagem que se constitui em um sequenciamento ilustrativo, cuja única
função é atender ao texto como “cobertura”, que tende a não valorizar as sonoridades e
plasticidades inerentes.
Assim, reeducar o olhar, transpor o aluno de jornalismo a um olhar menos ferramental
e tecnicista não é uma tarefa fácil. Ou seja, hierarquicamente, as regras dos manuais de
formato, culturalmente, sempre tendem a ser mais importantes. Pensamos em abordagens
mais autorais e menos narrativas, enfatizar mais a composição fotográfica, com planos longos,
valorização das sonoridades (principalmente os ruídos ambientais) e menor ênfase em
depoimentos e textualidades; com escolha de depoentes mais focados no conceitual e no
testemunho diacrônico, deixando de lado as expectativas e impressionismos, muito comuns na
apuração jornalística.
Em função disto, propusemos outro olhar. Que parte do que o objeto em questão quer
dizer ou diz a partir das plasticidades e sonoridades ali apresentadas. Sem deixar de respeitar a
abordagem jovem e atual, o modo como corriqueiramente o ferramental é utilizado para
descrever, interpretar e levar o mundo às rodas virtuais de amizade, e principalmente, o olhar
jovem e ainda pouco caricaturado dos discentes.
A realidade do público e do conteúdo atuais
O público tornou-se mais exigente. Não por um caráter de refinamento cultural sob
uma perspectiva formal, mas por uma expectativa e consciência do controle social. Hoje em
dia percebemos um fluxo informacional gigantesco, em função das redes e mídias sociais. Isto
fez com que a chamada mídia tradicional se dobrasse a este controle social, o que é
perceptível em qualquer programa de TV, seja ele ao vivo ou não: o que a recepção repercute
on line determina o que deve ou será veiculado.
Paralelamente a isto, tornamo-nos uma sociedade produtora de conteúdo (informação).
Quase tudo o que se grava, fotografa, escreve acaba se tornando público, devido ao fato de os
dispositivos de captura também serem terminais de rede telemática. Deste modo, conteúdos
que poderiam ser considerados de baixa qualidade ou fúteis dentro de uma perspectiva
“profissional”, acabam por atingir audiências altas nessas modernas mídias sociais. Muito
maiores, por exemplo, que os programas veiculados pela televisão pública, considerando
apenas a audiência absoluta nacional, pois a internet tem alcance global. Logicamente que
pelas redes sociais tais conteúdos acabam por ser divulgados diretamente pela sua própria
audiência.
Mas o que, fundamentalmente, possuem esses conteúdos que os tornam tão atraentes?
Seria apenas o modo pelo qual são divulgados? Não é o objetivo do presente trabalho tal
análise, mas tais constatações poderiam ir ao encontro de respostas aproveitáveis em
processos discursivos de produção. Todos os dias, recebemos em nosso correio eletrônico, por
meios de conhecidos ou não, pequenas peças audiovisuais. Em sua maioria de cunho hilário,
de curta duração, que acabamos por consumir, descartar ou passar adiante quando nos
divertimos com elas. Como produtores e pesquisadores, começamos a observar que tais
conteúdos seriam atraentes apenas por serem divertidos. Todavia, indo mais fundo e incluindo
aqueles que não dialogam com a categoria comédia, percebemos algo importante e comum
que nos chama à atenção: a liberdade de experimentação estética. Isto não é fácil de encontrar
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na mídia tradicional, com exceção de programas cuja proposta de formato seja flexível. Mas
este é um dado muito relevante, pois a falta ou o medo da experimentação faz com que, por
exemplo, emissoras de grande porte adquiram licenças de formato para quadros de programas.
O programa Domingão do Faustão (Globo) licencia diversos quadros de propriedade
intelectual da Endemol. Por que isto acontece? Possivelmente por haver uma saturação de
ideias locais; ou se tem medo de criar, ousar, se experimentar localmente ou até por problemas
de custo.
No caso citado acima, é interessante ressaltar que a Globo sempre ousou na sua
teledramaturgia, principalmente inovando em formato e estética. As grandes minisséries
baseadas na literatura brasileira dos anos 80, os grandes documentários do Globo Repórter
nos anos 70, quando não havia muita liberdade para veiculação de determinados conteúdos,
entre outros exemplos disponíveis na história da emissora. O programa Cassino do Chacrinha
inovou ao mostrar os bastidores da produção televisiva como elemento cênico. Há ainda
novos programas como o Globo comunidade, Globo universidade, o próprio Globo rural,
entre outros que não são muito comuns entre as televisões abertas, o que caracteriza
originalidade.
Há exemplos de experimentações e quebra de paradigmas em outras emissoras. A
Band com A liga, onde há quebra do formato jornalístico para um aporte mais autoral e
interpretativo. Essas experiências sinalizam para a busca por um padrão que na atualidade
consiga criar empatia e identificação por parte do público. Vemos também uma tentativa de
apresentar a diversidade brasileira, mas que entra em choque com o modelo concentrado da
produção audiovisual no Brasil, centralizado no eixo Rio-São Paulo, e que por isso mesmo
apresenta um olhar caricatural e estereotipado, sem referências nas realidades e no cotidiano,
das demais regiões do Brasil (MENESES, 2015).
A assistência atual não se atenta a apenas um dispositivo, pois é multimidiática. Isto
pode ser constatado ao observarmos em locais públicos ou privados pessoas escutando a TV e
olhando para telefones celulares, computadores ou tablets. Muitas vezes, o que está sendo
consumido nesses dispositivos não está relacionado àquilo que se veicula no momento pela
televisão. Isto comprova que existe um problema com a linguagem utilizada na edição dos
programas televisivos, pois não atrai mais a atenção absoluta dos espectadores,
principalmente os mais jovens que estão incisivamente inseridos no atual contexto
tecnológico.
Por essa problematização e motivação à experimentação estética, no ano de 2013
participamos do Projeto 21 – um diálogo com o cinema, o qual consistiu na produção de vinte
e um documentários de curta duração na cidade de Porto Nacional-TO. Este projeto, que
durou pouco mais de um ano, nos motivou a levar o experimento da pesquisa de cunho
experimental para o ambiente acadêmico. Cada peça, de aproximadamente dez minutos,
propunha a experimentação de linguagens diversas a serem utilizadas tanto no roteiro, quanto
na montagem dos produtos. Isto nos fez concluir que poderíamos criar uma enunciação cuja
constituição discursiva se adequasse mais às demandas do objeto focado. Principalmente,
mostrou que é possível a utilização de linguagens diversas daquelas usuais e que algumas
respostas para a citada crise poderiam estar aí. Ou seja, os conceitos de formato, gênero e
categoria (SOUZA, 2004), no atual contexto, poderiam estar em xeque.
Jornalismo x “documentarismo”
Outra discussão que deve ser trazida é: qual o conceito real e viável de jornalista que
estamos propondo nos projetos pedagógicos? Qual a real situação que os profissionais
encontram no mercado consumidor e de trabalho? O que define um produto como
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jornalístico? Estes questionamentos poderiam dar origem a outras investigações futuras.
Dentro do campo do audiovisual, que é o enfoque deste trabalho, um produto
jornalístico seria aquele que responde a duas demandas: ao chamado valor notícia e ao
formato rígido, a fim de se encaixar em um programa televisivo do gênero. Ou seja, seu
tempo enunciatório (FRANCO, 2010) deve obedecer ao disponibilizado pelo editor chefe para
levar a informação ao público. Geralmente, uma matéria de telejornal tem em média de um a
dois minutos. Já uma reportagem pode ser maior, pois o tema pautado tem maior relevância
social naquele momento. Mas ambas obedecem a um formato ou tempo pré-determinado para
sua edição, o que pode justificar uma não verticalização da abordagem.
O que ora chamamos valor notícia é a relação entre os potenciais de agendamento
(TRAQUINA, 2000), a relevância social (temas que estão sendo referendados com frequência
pelos veículos), o público e o perfil editorial da empresa que veiculará. Quando um assunto
obedece a esses requisitos, pelo menos em parte, potencialmente trata-se de uma pauta, cuja
apuração e produção não garantem sua veiculação, pois dependem ainda de fortuitos de
última hora.
O jornalismo é e deve sempre ser atual, relacionado a acontecimentos que afetam a
vida das pessoas de forma direta ou apenas aticem sua curiosidade. Nem todo assunto pode
ser enquadrado como informação de cunho jornalístico. Isto não quer dizer que não sejam
informações e remetam a fatos que marcaram direta ou indiretamente indivíduos ou
provoquem a citada curiosidade.
Ou seja, a relação informação-jornalismo está muito mais ligada à atualidade do que à
natureza inerente a esta informação. Quando deixa de pertencer à atualidade não deixa de
existir, torna-se um documento testemunhal do fato, passando a pertencer primeiramente aos
arquivos dos veículos e posteriormente à história (SODRÉ, 2008; SOUZA, 2004).
Um acidente aéreo em uma cidade é uma notícia, com certeza. Em um mês, os
resultados das apurações de culpa continuarão sendo, mas o acidente e tudo aquilo que o cerca
serão para o jornalismo apenas informações e imagens “de arquivo”, não mais notícia.
Principalmente, o que por questões óbvias de viabilidade, tempo e apuração ficou na periferia
do fato, pertence ao acontecido, mas não está no que será noticiado; mas é aquilo que desperta
no mínimo curiosidade a quem acessa. É aí que entramos no campo do documentarismo, pois
a princípio tudo tem o potencial de se tornar documento histórico (inclusive matéria
jornalística de arquivo). Isto prova sem polêmica que documentário não pertence ao campo
dos gêneros jornalísticos. Mas não deixa de ser um produto que lida com a informação e com
em geral com mais profundidade do que o noticioso, dado o seu rigor científico de apuração,
que o diferencia do chamado rigor jornalístico.
Em nome da credibilidade, o chamado rigor jornalístico se preocupa, em um ambiente
ético, em mostrar todos os lados, a fim de atribuir um equilíbrio de pontos de vista. O que não
é obrigatório em uma apuração de documentos históricos, que focam centralmente não no
testemunhal do fato, mas no que ilustra e comprova, podendo inclusive se tendenciar para
defender teses.
Isto nos remete novamente à questão de que o jornalista também é um produtor de
conteúdo, enquanto desempenha outro papel social: o de receptor. Como anteriormente
dissemos isto é uma característica da contemporaneidade. Desta forma, podemos conceituar o
jornalista atual como um gerenciador profissional de informação, mesmo que ainda
insistamos na qualidade de educadores e pesquisadores em contribuir para formar mão de
obra para o funcionamento de veículos apenas, desprezando potenciais inovadores oriundos
deste perfil.
Muitas vezes em função de uma mudança de comportamento não perceptível de forma
explícita como expectadores, ao assistirmos a telejornais na televisão questionamos a
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qualidade dos produtos jornalísticos, a falta de rigor que traz informações não muito precisas,
a prática de copy-paste a partir de outros veículos, geralmente a internet. E isto é culpa,
possivelmente, de uma formação mecanicista dos processos, mais especificamente do não
trato da informação em sua integralidade, mas apenas com a efemeridade do que se considera
notícia e não como documento que constrói a história partir do presente; de conteúdo muito
maior do que o recorte dado pelo profissional da notícia.
Em virtude disto, vemos a prática da produção do documentário como uma atividade
construtiva na formação do profissional de jornalismo, mesmo que o produto não se constitua
em pertencente a esse gênero. Pois apesar de não possuir uma atualidade inerente, necessita
de um rigor muitas vezes não presente na corrida diária da prática profissional do jornalista.
O projeto de extensão
Já existem iniciativas similares no campo profissional que buscam a quebra de
paradigmas. Um exemplo disto é o programa Profissão Repórter (Globo), que propõe um
olhar diferenciado, da vídeo-reportagem, aos novos profissionais. O que se percebe ao assistir
ao programa é uma mudança de foco para uma percepção mais autoral, que dialoga com o
fato jornalístico em voga. Isto mostra que é possível uma utilização de outro critério de
noticiabilidade, enfatizado nos objetos contidos no fato com uma maior contextualização.
Apesar de não termos nos baseado no referido programa, o que propusemos para a
execução da pesquisa experimental e do projeto de extensão foram exercícios do olhar,
tomando como base conceitual o processual do documentário etnográfico.
A etnografia é uma metodologia do campo da Antropologia que propõe desconstruir o
“olhar habitual” quando da presença de manifestações culturais diversas. O citado método
enfatiza o descritivo. Assim:
[A] etnografia se enquadra nesta abordagem, pois busca compreender os
significados atribuídos pelos próprios sujeitos ao seu contexto, a sua cultura,
assim a pesquisa etnográfica se utiliza de técnicas voltadas para descrição
densa do contexto estudado [...] Desta forma, a etnografia, como também
outras pesquisas qualitativas, buscam a inserção no contexto natural para
acessar as experiências, aos comportamentos, às interações e aos
documentos para assim compreender a dinâmica do grupo estudado (LIMA,
2015, p.4).
O que chamamos a atenção como habitual são os processos de produção baseados na
ilustração por imagens e do texto como construto, muito comum na chamada Escola
Americana do jornalismo. Tal estilística técnica tem sua raiz nas técnicas de produção do
rádio, o que propõe a utilização das imagens como informação acessória ao texto. A forte
presença do repórter nos stand-ups e nas narrações off atribuem à informação uma ênfase na
textualidade, deixando as imagens, salvo a do repórter, em segundo plano.
A adoção de uma postura etnográfica ao experimento proposto não força os
participantes a um distanciamento ou estranhamento, mas a uma imersão observacional, pois
todas as três manifestações culturais exploradas na primeira fase do projeto são relativamente
conhecidas, por pertencerem ao universo de divulgação tanto da mídia regional, quanto das
políticas culturais do Estado do Tocantins de incentivo ao turismo.
Os primeiros roteiros desenvolvidos pelo projeto foram os festejos juninos em
162
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Tocantinópolis, norte do Estado, aproximadamente seiscentos quilômetros; os festejos de
Monte do Carmo, cerca de cem quilômetros da capital; e as Cavalhadas de Taguatinga, região
sudeste a quatrocentos e cinquenta quilômetros de Palmas. Todas as manifestações são de
origem europeia ou de forte herança africana.
Embora participem do projeto oito alunos do curso de Jornalismo, de vários períodos,
para cada viagem, foram selecionados entre três a cinco alunos, buscando mudar em cada
experiência, com o suporte dos dois professores orientadores e supervisores. A proposta foi
deixar os acadêmicos produzirem na totalidade, com liberdade, desde os contatos,
organização logística para transporte até a operação dos equipamentos de captura de imagens
e edição final.
Com uma filmadora e duas ou três fotográficas, optamos pela utilização de uma
captura de imagens em movimento a partir do olhar de um expectador. Ou seja, deixar que os
discentes se atraíssem pelo que houvesse de atraente plasticamente e emocionalmente, a partir
do que os atraísse nas histórias. Isto levaria à quebra do olhar profissional jornalístico que
vem apurar o que lhe é referendado por uma pauta naquele momento; o que os faria, em tese,
produzir imagens atraentes, pelo menos a um público similar a eles.
Como procedimento metodológico no processo de produção, em função da proposta
citada anteriormente, propusemos o chamado roteiro aberto (NICHOLS, 2005), ou seja, não
muito diferente do que é feito em uma matéria de telejornal. O esqueleto temporal do produto
final seria concebido e preparado após a captura das imagens, durante o que se chama de
decupagem. Isto se justifica pelo fato de não se saber o que será presenciado; dialogando de
forma coerente com a proposta conceitual e metodológica da etnografia. Cada experiência
gerou a edição de um documentário sobre cada local isoladamente para posterior montagem
de um média metragem mesclando todos os festejos.
Primeira missão: festejos juninos de Tocantinópolis – junho de 2015
Esta foi nossa primeira experiência na captura de imagens por parte dos discentes
participantes do projeto. Pela falta de experiência no trato com o equipamento, as primeiras
imagens capturadas apresentaram alguns problemas técnicos e não puderam ser aproveitadas.
Segundo levantamento gravado em um dos depoimentos, a cidade de Tocantinópolis
possui um espaço dedicado, único no país, a tais festejos, localizado à beira do rio Tocantins
(chamado de Quadrilhódromo). Além disto, houve outra informação relevante que é o fato de
tais festejos trazerem tanto a ritualística junina tradicional, quanto as chamadas quadrilhas
estilizadas, com enredos com cenografia e figurinos centrados no contar uma história, bem
como apresentações amadoras e comunitárias e até transversais, como uma quadrilha LGBT.
Como o nosso objetivo principal foi o exercício do olhar, os discentes munidos dos
equipamentos portáteis (câmera DSLR) tomariam inicialmente os preparativos para os
festejos, que aconteceriam em quatro dias consecutivos. Assim, foram captadas imagens que
teriam como função a ilustração do processo que culminaria nas noites festivas. Paralelamente
a tal captura, que fechou em cerca de duzentas e setenta tomadas de imagens em movimento e
cerca de trezentas fotografias, foi feito um planejamento de produção, por meio do qual foram
gravados onze depoimentos sobre a festa e a representação para a comunidade.
Obedecendo à desconstrução do olhar jornalístico e utilização da postura
observacional etnográfica, foram evitados enfoques no evento ou informações logísticas do
mesmo. Desta forma, cada discente focou em valorizar toda a plasticidade imagética e sonora,
pois, através de tal registro se poderia ter um panorama dos elementos culturais presentes na
manifestação por parte da comunidade.
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Para isto, foram orientados a utilizar tomadas de imagem longas e com o mínimo
possível de movimento de imagem (FRANCO, 2010), sendo utilizados apenas quando para
omitir ou buscar, dando ênfase, a determinados elementos visíveis.
Foi escolhido, do grupo, um aluno que ficaria responsável pela seleção das imagens e
produção do roteiro de montagem, além da operação do computador com o software de
edição. Esta metodologia seria utilizada em todos os trabalhos a fim de dinamizar o processo
e dar oportunidade de um aprendizado holístico a todos.
Segunda missão: os festejos de Monte do Carmo – julho de 2015
Monte de Carmo apresenta a peculiar tradição de unir três festejos no mesmo período,
originado pela necessidade de agregar os moradores devido especialmente às distâncias
percorridas antigamente, à pé ou à cavalo. São eles a festa, mais religiosa, da padroeira Nossa
Senhora do Carmo, a festa ou Folia do Divino Espírito Santo, e a festa de Nossa Senhora do
Rosário, cujo momento mais esperado é a Caçada da Rainha.
Na semana anterior aos festejos, o grupo foi àquela cidade para tratar da logística de
produção, hospedagem, agendamento de gravação de alguns depoimentos.
A caçada da Rainha faz parte das celebrações de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
nos dias 17 e 18 de julho todos os anos. A pesquisa sobre o festejo foi fundamental, pois se
trata de uma manifestação pluricultural, com um viés católico e outro profano. A experiência
mostra que nem tudo o que acontece é divulgado, pois muito da ritualística faz parte de um
sacrifício religioso católico que muitas vezes não interessa ao turista comum.
A equipe teve de estar pronta para a captura de imagens na alvorada, por volta das
cinco da manhã e seguir as procissões e festejos na igreja matriz da cidade. Nesta parte do
projeto, houve o revezamento entre duas alunas na captura das imagens em movimento e
fotografias.
Terceira missão: as cavalhadas em Taguatinga – agosto de 2015
As Cavalhadas são o evento anual mais importante da cidade de Taquatinga, localizada
no sudeste do estado do Tocantins próximo à divisa com a Bahia. Tradicional, tem a força da
comunidade, assim como os demais festejos citados, como base para a perenidade dos
mesmos.
Diferentemente dos outros festejos, o momento mais esperado das Cavalhadas é uma
competição realizada em um campo de futebol na cidade, durante os últimos dois dias. Ou
seja, o maior desafio aqui foi o fato de não só mostrar imagens ilustrativas dos cerimoniais
religiosos, mas cobrir um evento. A equipe teve de se mobilizar em uma agenda puxada, que
começava antes das cinco da manhã com a alvorada, acompanhamento de procissões e
gravação de imagens com muito deslocamento a pé, sob um forte calor.
Por fim, conseguimos mais de trezentas imagens em movimento, duzentas fotografias
e seis depoimentos, além de um registro dos dois dias de competições a cavalo, ponto
culminante dos festejos de Nossa Senhora D´Abadia na região.
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A experiência
A priori, as informações repassadas aos professores orientadores do projeto pelos
discente/extensionistas mostram que existe uma percepção das dimensões que são abordadas
com a participação no projeto, seja no aspecto profissional ou no pessoal, como sugere o
depoimento abaixo:
A viagem me trouxe a oportunidade de conversar com pessoas de outras
culturas e realidade, de ouvir histórias diferenciadas, bem como capturar
imagens do meu olhar e a partir disso aperfeiçoar minhas técnicas de captura
e olhar fotográfico. (EXTENSIONISTA A. Relatório do projeto de extensão,
2015).
A experiência dos discentes mostra em alguns momentos certo deslumbramento com
as realidades registradas e vivenciadas, sobre as quais não conheciam e por isso mesmo não
carregavam expectativas ou imagens pré-concebidas, favorecendo a percepção mais crua e
honesta do evento. A primeira incursão pode ser resumida no depoimento abaixo,
A experiência de participar para uma festa popular procurando observar seus
costumes e crenças e tudo o que está envolvido nessa tradição nunca me foi
tão marcante. Confesso que fiquei surpresa de como é forte o poder de uma
tradição. Onde o senhor, o pai de família, o solteiro, a criança, a idosa
participam de uma festa em que não há distinção. Numa pequena cidade onde
praticamente todo mundo se conhece, a festa do Divino é motivo para a
cidade toda parar e comemorem juntos (EXTENSIONISTA B. Relatório do
projeto de extensão, 2015).
É perceptível que as Festas Juninas de Tocantinópolis são muito
democráticas e inclusivas. Todas as pessoas participam. A diversidade de
gêneros, classe social, faixa etária, condição física é basicamente
significativa. Essa manifestação cultural combate, puramente, às opressões,
mesmo que de forma indireta (EXTENSIONISTA C. Relatório do projeto de
extensão, 2015).
Percebe-se ainda a perspectiva dos valores que observam na comunidade, que gerou
um comprometimento com a causa:
A nossa ida à cidade e a forma que as pessoas nos trataram mostrou o quanto
as pessoas amam e veneram as solenidades do mês de junho. Os
tocantinopolitanos realmente se mobilizam como algo sagrado, como se
essas festas justificassem o seu cotidiano, o seu amor pela cidade. Também
foi possível sentir o quanto essa festa é carente de divulgação, mesmo que
popular.
A produção do documentário após as filmagens trará mais autoestima para os
tocantinopolitanos, eles se virem na telinha os farão acreditar em sua riqueza
histórica e cultural, já que a cidade aparenta sofrer com isso. Alguns
moradores comentaram sobre os monumentos históricos terem sido
derrubados para a construção de prédios públicos, isso deteriorou a história
de um povo. Em contrapartida, as festas juninas vêm acontecendo com
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assiduidade nos últimos trinta anos, afirmando ser o maior patrimônio
cultural imaterial da cidade (EXTENSIONISTA C. Relatório do projeto de
extensão, 2015).
Outro depoimento revela a importância desta imersão para desconstruir idéias pré-
formadas e mesmo desenvolver o olhar crítico e cuidadoso do futuro jornalista:
Apesar de ser a minha cidade natal e já ter um conhecimento prévio da sua
cultura, foi uma experiência interessante acompanhar pessoas que nunca
tiveram contato com aquela região e o quanto ficaram encantadas. Além de
claro, aprender um pouco mais o lado técnico e prático da fotografia. De
modo geral foi bastante fácil conseguir contatos e depoimentos, muitas vezes
surgiam mais do que prevíamos e isso era algo ótimo (EXTENSIONISTA D.
Relatório do projeto de extensão, 2015).
Outra dimensão relatada foi a condição de estranhamento que os alunos sentiram e ao
mesmo tempo o questionamento de como se inserir no contexto do local de modo mais
natural. Nesse momento, o receio em relação à pouca experiência mostrou-se um elemento
dinâmico, pois ao tempo em que inibe o pesquisador, contribui para a busca de informações
mais naturais e honestas:
Somos quatro novos rostos perambulando pelas ruas com câmeras,
microfone e caderninhos nas mãos, querendo arranjar papo, descobrir pela
boca dos nativos um pouco ou o máximo que der da grandiosa história e
tradição do município. Como aproximar-se das pessoas sem assustá-las?
Como deixa-las confortáveis para que possam ser genuínas? Foram algumas
das perguntas que passaram pela minha cabeça de pessoa ainda sem jeito e
sem costume com pesquisas de campo (EXTENSIONISTA E. Relatório do
projeto de extensão, 2015).
Pelo exposto, o discente parece ter consciência de que não é parte do lugar, embora
busque adquirir certa intimidade com as pessoas do local, e ao mesmo tempo aquela sensação
de turista, que acaba se envolvendo, se maravilhando e se familiarizando com os valores que
cada manifestação representa para cada grupo, inclusive captando as diferentes referências...
O olhar de orgulho dos personagens principais dessa festa é o mesmo olhar
de orgulho dos “coadjuvantes”. Do imperador ao espectador mais fiel. O que
os move é a sua crença. O sentimento geral de todos é de orgulho, de honra
(EXTENSIONISTA E. Relatório do projeto de extensão, 2015).
...e induzindo a questionamentos sobre o futuro, de si e do outro:
Os jovens perderam o interesse pela tradição da sua cidade? Que lugar da
história de Monte do Carmo abrigará Taieiras, Congueiros, Reis e Rainhas,
Imperadores e Imperatrizes em 30 anos? Novas perguntas se formulam em
minha cabeça. Existe uma preocupação dos mais velhos em passar o que lhes
foi apresentado desde cedo a diante, mas poucos são os mancebos que se
preocupam em aprender o que eles têm para ensinar (EXTENSIONISTA E.
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Relatório do projeto de extensão, 2015).
Por fim, estar neste projeto já me proporciona uma grande experiência. A
forma que me vejo é cada vez mais preparada para entrar em contato com o
que é desconhecido para mim, podendo absorver o máximo dele. O
sentimento de conhecer de perto os diferentes hábitos culturais de um povo é
indescritível (EXTENSIONISTA E. Relatório do projeto de extensão, 2015).
Considerações finais
As experiências e conclusões relatadas no presente ensaio estão ainda em
desenvolvimento, pois o projeto tem uma duração maior e ainda depende de outras incursões.
Todavia, pudemos até o presente momento apresentar algumas observações.
Um dos pontos centrais do projeto e ação extensionista é a percepção gradual de
responsabilidade e crescimento profissional que os discentes extensionistas adquirem a partir
da metodologia do projeto, o que promove a construção de um olhar mais comprometido com
a diversidade, essencial para o desenvolvimento tanto do futuro pesquisador, como do
profissional mais engajado, com visão mais holística e, sobretudo, relativizada. Isto porque a
cada encontro com a realidade os extensionistas/pesquisadores percebem, como afirma Zaccur
(2001, p.177), que “quem pesquisa o cotidiano vai se dando conta de que lida com caça
especialmente arisca”.
Percebemos que surgiu nos discente certa identificação embrionária de que as
pesquisas sobre o cotidiano requerem a necessidade de o pesquisador manter-se aberto às
diferenças e também de uma abordagem do objeto de pesquisa/extensão fora das tradições
sociológicas assentadas num determinismo tecnológico e econômico.
Em outro patamar, nossa hipótese de que o discurso audiovisual quando do ensino de
jornalismo é restrito a formatos não pôde ser confirmada ou desmentida, pois os discentes
participantes são de períodos diversos. Alguns já cursaram telejornalismo e fotografia e outros
não. Mas o que observamos é que se iniciou um processo de percepção holística das
possibilidades de exploração da linguagem, visto que todo o processo está sendo executado
pelos alunos e com a valorização de seu olhar. O não uso de recursos comuns como a narração
em off e o stand-up mostrou que tais ferramentas não são obrigatórias e podem ser
dispensadas, inclusive em trabalhos de cunho jornalístico.
Outro ponto que deve ser enfatizado e refletido é o fato da escolha do formato. Os
construtos tiveram entre quinze e vinte minutos de tempo enunciatório, o que trouxe uma
experiência para com o objeto de profundidade pluridimensional. O enfoque dado à plástica e
às sonoridades do objeto em exploração trouxe aos estudantes de jornalismo outra abordagem,
menos textual e mais descritiva, com menos narratividade e mais autoralidade. Assim, na
transposição para o discurso jornalístico, a percepção ética dos enfoques, posicionamentos
e/ou pontos de vista torna-se mais fácil, pois com esta experiência o olhar se acostuma a
perceber que existe um contexto e a consciência de informações, mesmo que devam ser
dispensadas pela imposição das regras, uma vez que os objetos pertencem a um contexto
muito maior do que o acontecimento ou fato motivador de sua amostragem.
O que chamamos de profundidade pluridimensional é o fato de o enfoque ter o
potencial de abordar várias dimensões: uma cultural, ligada ao contexto social da localidade e
de sua população. Outra Subjetiva, na perspectiva que cada discente fotógrafo, pela
atratividade construiu seu discurso. Outra didática, na experiência adquirida no uso
diferenciado das imagens em sua formação como jornalista. Além de outras que possam ser
amadurecidas em outras abordagens e experimentações por meio de outros projetos similares.
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Esta perspectiva pode ser evidenciada no depoimento de um dos
discentes/pesquisadores: “A viagem me trouxe a oportunidade de conversar com pessoas de
outras culturas e realidade, de ouvir histórias diferenciadas, bem como capturar imagens do
meu olhar e a partir disso aperfeiçoar minhas técnicas de captura e olhar fotográfico”
(EXTENSIONISTA B. Relatório do projeto de extensão, 2015).
Entendemos o resultado do projeto como uma síntese dos múltiplos olhares. Cada
experiência subjetiva, munida da técnica individual utilizada na abordagem e captura,
culminou na síntese de um produto único que os contêm. Ou seja, construímos produtos com
uma enunciação realmente coletiva e despida de regras fechadas, limitações de formato/tempo
ou perfis editoriais. Apenas um aluno, sob a supervisão de um docente, editou o material,
fruto dos mais diversos olhares e das várias subjetividades atualizadas nas imagens
capturadas.
Mesmo com dúvidas diversas, os discentes se mostraram competentes, desta forma
conseguindo imprimir seu olhar explorador, distanciado (mesmo sem desconhecer o objeto),
desconstruir e refletir sobre possibilidades de linguagem, tal qual metodologicamente é
proposto na etnografia.
Por fim, a exploração de outras linguagens dentro de uma grande ferramenta em
construção como o audiovisual amplia os horizontes. Em tempos em que tanto o ensino de
jornalismo quanto a própria mídia parecem estar em crise, a presente pesquisa experimental
sinaliza para a necessidade da utilização de novas metodologias na formação dos jornalistas
em busca de aperfeiçoamentos, respostas ou soluções.
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Gaúcha de Folclore, 2004.
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ZELDIN, T.. Uma história íntima da humanidade. São Paulo: Record, 1996.
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A evasão escolar na microrregião de Guaratinguetá: uma
análise a partir de indicadores educacionais
Márcia Maria Dias Reis Pacheco Possui graduação em Pedagogia pela Universidade de Taubaté (1992), Mestrado em Educação: Psicologia da
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e Doutorado em Educação: Psicologia da
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Atualmente é Professor Assistente Doutor
da Universidade de Taubaté efetivo (2010), lotado no Departamento de Pedagogia, concursada na disciplina de
Didática com atuação na graduação e pós-graduação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Didática, Didática do Ensino Superior e Psicologia da Educação. Atua como Supervisor de Ensino pela
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Compõe o corpo permanente de docentes do curso de
Mestrado Interdisciplinar de Desenvolvimento Humano: formação, políticas e práticas sociais. Suas Áreas de
Pesquisa são: Formação de Professores, Avaliação Educacional e Políticas Públicas.
André Luiz Silva Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1996), mestrado em Ciências da
Religião (2003) e doutorado em Ciências Sociais (2011) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É
docente efetivo de sociologia, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas de Práxis Contemporâneas e
docente do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Humano: Formação, Políticas e Práticas Sociais
da Universidade de Taubaté. É pesquisador colaborador do Grupo de Estudos de Práticas Culturais
Contemporâneas da PUC-SP. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Urbana, e
na área de Sociologia da Cultura. Pesquisa os seguintes temas: conflito simbólico, religiosidade, identidade,
diversidade cultural, cultura popular, mediação cultural e políticas culturais.
José Edson da Silva Mestrando em Desenvolvimento Humano pela Universidade de Taubaté, Pós-Graduado em Gestão de Produção
pela UNESP de Guaratinguetá, Graduado em Tecnologia Mecânica com ênfase em Processos de Produção
pelas Faculdades Integradas de Cruzeiro. Experiência profissional de 25 anos na Indústria, em empresas de
médio e grande porte tais como Philips do Brasil em São José dos Campos, Tekno S.A. em Guaratinguetá e
Iochpe-Maxion Structural Components em Cruzeiro onde trabalha atualmente.
Ludmila Correa Gesualdi Chaves Gomes Mestranda em Desenvolvimento Humano pela Universidade de Taubaté. Profissional graduada em Psicologia e
com pós-graduação na área de Psicologia Analítica pela UNISAL. Atua no consultório, realizando atendimento
clinico.
Resumo
Esse estudo tem como objetivo apreender alguns aspectos do processo em que se dá a evasão
escolar, particularmente, entre o ensino fundamental e o ensino médio. A pesquisa se baseia
em dados provenientes de censos recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Essas fontes foram
utilizadas por meio da Internet em seus respectivos sites oficiais. A microrregião de
Guaratinguetá foi escolhida, como locus desse estudo, em virtude da consonância com os
objetivos dos pesquisadores que desenvolvem atualmente outros trabalhos científicos em
municípios da região. A evasão escolar pode trazer, de forma implícita, uma série de fatores
sociais, culturais, econômicos e até religiosos, que, se bem trabalhados, tem a propriedade de
definir, em certa medida, o perfil de uma sociedade. Diz-se isto, porque os motivos que levam
uma criança ou um jovem a desistir dos estudos antes de concluí-los, (no caso específico da
presente pesquisa, deixar de prosseguir no ensino médio, o que pode ser considerado o nível
mínimo de formação para um cidadão ter possibilidades de ingressar no mercado de trabalho
atual) não acontece sem que haja causas importantes. Este trabalho se propôs a, a partir de
indicadores educacionais de acesso público, estabelecer relações de causa e efeito entre
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alguns índices, e analisá-los a fim de revelar relações causais que identifiquem alguns fatores
que dificultam a permanência de jovens na transição do ensino fundamental para o ensino
médio.
Palavras-chave
Evasão escolar; Guaratinguetá; Indicadores educacionais.
Abstract
This study aims to learn some aspects of the process that gives school dropouts, particularly
among elementary school and high school. The research is based on data from recent
censuses of the National Institute of Educational Studies Anísio Teixeira (INEP), the Brazilian
Institute of Geography and Statistics (IBGE) and the United Nations Development
Programme (UNDP). These sources were used over the Internet in their respective official
websites. The microregion of Guaratingueta was chosen as the locus of this study, because of
the support of the objectives of the researchers are currently developing other scientific works
in municipalities. The truancy can bring, implicitly, a number of social, cultural, economic
and even religious factors, which, if well-crafted, has the property to define, to some extent,
the profile of a company. It is said that because the reasons why a child or young person to
give up studies before complete them, (in the particular case of this research, but continuing
in high school, which can be considered the minimum level of training for a citizen to have
possibilities to enter the current job market) does not happen without major causes. This work
proposes to, from educational indicators of public access, establish relations of cause and
effect between some indexes, and analyze them in order to reveal causal relationships to
identify some factors that make it difficult for young people to remain in the transition from
elementary school for high school.
Keywords
School dropouts; Guaratinguetá; Educacional indicators.
Introdução
Existem inúmeros indicadores da educação e todos eles podem auxiliar muito o
pesquisador na análise de uma problematização. Informações corriqueiras tais como dados
demográficos, pirâmide etária, nível de desemprego, dentre outros, podem ser aliados aos
dados específicos da área da educação e resultarem em perspectivas importantes, talvez
inéditas, na medida em que determinados indicadores nunca tenham sido juntados.
É de fundamental importância que haja, por parte do pesquisador, o cuidado com a
confiabilidade das fontes, assegurando que os dados utilizados sejam sempre fidedignos, bem
como, é essencial que haja sensibilidade e clareza no encontro de dois ou mais indicadores de
forma que a crítica proposta tenha coerência e relevância.
A análise sobre determinado indicador da educação resultará necessariamente na
inclusão de outros indicadores que venham a auxiliar o entendimento de alguns cenários,
portanto, deem subsídios para que a pesquisa possua um desenvolvimento analítico que traga
algumas respostas possíveis para o problema proposto inicialmente.
Esse movimento de junção de vários indicadores originais, e a partir daí a geração de
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novos indicadores derivados daqueles, proporcionarão ao pesquisador uma relação de causa e
efeito, por meio da qual será possível desenvolver hipóteses e provocar novas perguntas. Ao
final de cada um desses processos, a compreensão sobre a temática da educação tornar-se-á
mais clara e passível de discussões em busca de melhorias.
Com esse intuito, pretende-se refletir nesse estudo, sobre a evasão escolar que se dá
entre o ensino fundamental e o ensino médio, dessa forma, foram utilizados dados relativos ao
número de alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental e alunos matriculados
no ensino médio. Definido o indicador principal para análise, para que se tenha foco e
delimitação no presente trabalho, foi proposto considerar a microrregião de Guaratinguetá
inserida na mesorregião do Vale do Paraíba Paulista. Por fim, foram considerados alguns
indicadores adicionais para dar subsídio ao entendimento desse objeto, que compreende a
diminuição do número de alunos matriculados no ensino médio quando comparado ao número
de alunos matriculados nos anos finais no ensino fundamental.
Metodologia
A partir da definição sobre o indicador da educação que seria o objeto do estudo, foi
realizada pesquisa exploratória a fim de obter dados atualizados que possibilitassem a
construção do indicador primário. O objeto “evasão escolar entre o ensino fundamental e o
ensino médio” não foi localizado de forma direta, por isso, foram utilizados os dados sobre a
quantidade de alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental e a quantidade de
alunos matriculados no ensino médio. Por meio desses dois tipos de dados foi calculado o
percentual de diferença entre as quantidades de alunos no ensino fundamental e médio. O
cálculo foi realizado para cada um dos onze municípios que compõem a microrregião
escolhida para análise. Esses dados foram obtidos em consulta ao site do INEP (2014).
Em consulta ao PNUD (2013) foram obtidos os dados do IDHM de cada município.
Esse indicador foi escolhido para análise de relação causal com o indicador de evasão escolar
em função de sua representação multidimensional. O IDHM é um índice que reúne vários
aspectos e que é amplamente conhecido e utilizado para medição de condições gerais para o
desenvolvimento humano de uma determinada cidade, região, estado, e assim por diante.
O segundo indicador pesquisado para relação causal com a evasão escolar, foi a
resultante entre a quantidade de escolas e a população. Esses dados foram coletados no site do
IBGE (2014) e foram trazidos com o objetivo de entender possíveis relações de causa e efeito
entre a quantidade de escolas disponíveis no ensino fundamental e no ensino médio, com a
desistência de alunos.
Por fim, foram utilizados os dados relativos à quantidade de alunos por sala, também
no ensino fundamental e médio, para análise da relação causal com a evasão escolar. Esses
dados foram obtidos no site do INEP (2014).
Depois da organização de todos os dados em torno de indicadores originais e
indicadores criados a partir de outros, cada relação de causa e efeito foi analisada
separadamente com o uso de quadros comparativos e gráficos de Pareto. Ao fim de todas
essas correlações, foi elaborada uma única matriz por meio da qual pretendeu-se possibilitar a
visualização de todos os indicadores em um único ambiente. Esses dados foram analisados
por meio de um critério criado pelos pesquisadores no qual foram selecionados os três
municípios com menor evasão escolar e os três municípios com maior evasão escolar, e a
partir daí, foram apontados todos os demais indicadores da mesma forma. Foi feita a
observação da presença e da frequência dos municípios em blocos similares, ou seja, três
melhores e três piores, para cada indicador.
172
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
O resultado desse cruzamento de dados possibilitou a construção de um quadro final
que serviu de base para as discussões conclusivas a respeito do tema estudado.
Revisão de literatura
Com a intenção de refletir e promover o debate teórico sobre a evasão escolar que se
dá entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, buscar-se-á conhecer os estudos que já
existem a respeito desse fenômeno. Inicialmente, será feito um relato introdutório do caminho
metodológico traçado para execução desta pesquisa denominada “Estado do Conhecimento”.
E após, uma apresentação sobre a análise das produções acadêmicas encontradas.
As pesquisas denominadas Estado do Conhecimento, são:
Definidas como de caráter bibliográfico, elas parecem trazer em comum o
desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes
campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm
sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que
formas e em que condições têm sido produzidas certas dissertações de
mestrado, teses de doutorado, publicações em periódicos e comunicações em
anais de congressos e de seminários (FERREIRA, 2002, p.258).
Esse tipo de busca é considerado como pesquisa bibliográfica. O método utilizado foi
o exploratório-descritivo, considerando, para análise, os seguintes descritores: Evasão
Escolar, Ensino Fundamental e Ensino Médio. O período de anos e o idioma também foram
determinados. Optou-se por considerar o português e os últimos 10 anos, portanto, o período
de 2005 a 2015.
A pesquisa foi elaborada a partir de uma busca realizada no Banco de Dados de
Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e
também no diretório de dados da Scielo (Scientific Eletronic Library Online), biblioteca
eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros.
A discussão e as considerações finais foram apresentadas sob a forma textual com
uma linguagem descritiva, sem acréscimo de gráficos ou quadros ilustrativos.
Faz-se necessário apontar que esse mapeamento, tem suas limitações, pois apenas
auxilia na organização textual e no conhecimento dos teóricos da área. É pretensioso da parte
do pesquisador acreditar que sua construção sobre “estado do conhecimento” é capaz de
refletir fidedignamente a trajetória histórica de um objeto específico de investigação
(PEREIRA, 2014).
Diante disso, o que se propõe com este estudo de caráter bibliográfico é ampliar o
universo informacional sobre o tema Evasão Escolar entre o Ensino Fundamental e o Ensino
Médio.
Conforme já mencionado, foram utilizados dois bancos de dados para essa pesquisa, a
CAPES e o diretório da Scielo.
Em relação a CAPES, a pesquisa pautou-se pela identificação dos periódicos com os
seguintes descritores: Evasão Escolar, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Como filtros de
pesquisa foram utilizados o idioma português e os anos de 2005 a 2015.
No banco de dados da Scielo os descritores foram os mesmos obedecendo as mesmas
regras estipuladas pelo filtro dos anos.
173
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
De todos os trabalhos encontrados, em ambas as bases de dados eletrônicas, foram
analisados, de maneira sucinta e breve, o título, as palavras-chaves e resumo. Com base nessa
análise inicial, selecionou-se os textos que tratavam de assunto correlatos com o tema da
Evasão Escolar que acontece entre o ensino fundamental e médio no sistema de ensino
brasileiro.
A pesquisa realizada no portal de periódicos da CAPES, se deu da seguinte forma:
num primeiro momento foi colocado o descritor “Evasão Escolar” com o filtro do idioma
português e dos anos 2005 a 2010. Os resultados foram de 136 (cento e trinta e seis) para
portal de periódicos. Em seguida acrescentou-se o descritor “Ensino Fundamental”,
considerando os mesmos filtros. Foram localizadas 29 (vinte e nove) unidades para o portal de
periódicos e selecionados para uma análise mais detalhada 16 (dezesseis) unidades. Os nãos
selecionados tratavam de temas distintos dos pesquisados aqui, como por exemplo, evasão
escolar no ensino superior, desempenho no vestibular, como os professores lidam com os
diferentes níveis de sono e vigília dos alunos, educação de jovens e adultos (EJA), crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade, comunidade indígena e educação nos presídios.
Após essa pesquisa, limparam-se os campos e foram colocados os descritores “Evasão
Escolar” e “Ensino Médio” respeitando os mesmos filtros. Localizou-se 18 (dezoito) unidades
para portal de periódicos. Após análise breve do título, palavras-chaves e resumo, selecionou-
se 09 (nove) unidades. As outras unidades tratavam de objetos tais como, o currículo de
matemática no ensino médio, evasão na educação técnica, trajetória educacional acidentada de
alunos que cursam o ensino médio regular no período noturno, educação de Jovens e Adultos
(EJA), educação indígena e ensino superior.
Após análise, foi possível perceber que muitos periódicos se repetem no decorrer na
pesquisa, totalizando assim 20 (vinte) unidades de periódicos da base de dados da CAPES
para uma leitura e análise maior e mais detalhada, que será apresentado abaixo.
Os mesmos descritores de seleção utilizados para a pesquisa no banco de dados da
CAPES foi utilizado na Scielo. Porém, os resultados foram bem diferentes, como segue a
seguir. Utilizando apenas o descritor “Evasão Escolar” um total de 13 (treze) periódicos foram
localizados. Porém, somente 01 (um) foi selecionado para análise, pois o restante trata de
objetos específicos e distintos do interesse essa revisão de literatura como, evasão no ensino
superior, educação para jovens e adultos (EJA), desempenhos no vestibular e ensino técnico.
Acrescentou-se o descritor “Ensino Fundamental” e não se localizou nenhuma unidade.
Com os descritores “Evasão Escolar” e “Ensino Médio” localizou-se 01 (um) artigo,
que não foi selecionado para análise detalhada, pois o mesmo trata de entender a evasão no
ensino técnico de nível médio de Minas Gerais, logo, não contempla o objeto de estudo da
evasão entre o ensino fundamental e médio.
Uma nova pesquisa foi realizada juntando os três descritores, Evasão Escolar, Ensino
Fundamental e Ensino Médio. Nenhuma referência foi encontrada.
A partir da Revisão de Literatura sobre o tema da Evasão Escolar que ocorre entre o
ensino fundamental e médio, foi possível perceber que a evasão escolar está dentre os
assuntos que, historicamente, faz parte dos debates e reflexões no âmbito da educação pública
e que até os dias atuais está presente de maneira preocupante. (QUEIROZ, 2006).
No artigo de Figueiredo (2009) e na dissertação de Yamamoto (2012), evidencia-se,
historicamente, que o país tem se preocupado com o tema e têm proposto medidas. A partir de
1990, políticas públicas, programas e projetos têm sido gerados e financiados com o intuito de
enfrentar as altas taxas de evasão.
Foi possível perceber ainda que a evasão escolar não é um problema restrito apenas a
algumas unidades escolares especificas, mas sim nacional que vem ocupando relevante papel
174
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
nas discussões e pesquisas educacionais no cenário brasileiro. (QUEIROZ, 2006). Segundo
Silveira (2008), o levantamento na base de dados do INEP revelou altas taxas de evasão
escolar no Brasil, como todo.
Como aponta Klein (2006), o acesso ao ensino fundamental está, de certa maneira,
generalizado no Brasil, mas a sua conclusão não é garantida. Segundo o autor, as taxas de
evasão escolar (embora altas) deixaram de cair nos últimos anos e estão subindo no ensino
médio. A expansão do ensino médio estagnou. Logo, a conclusão do ensino fundamental e do
médio, por parte dos alunos, ainda não é generalizada ou mesmo satisfatória.
Por algum tempo, a evasão escolar era vista como, apenas, fator social e cultural, o
que gerava uma certa isenção de responsabilidade por parte da escola, por seu corpo
administrativo e docente. Mas Cerratti (2008, p. 17) faz uma reflexão apresentando uma
dúvida, que faz mudar esse cenário, se a evasão estaria voltada para a “cultura social e
política, que por sua vez é segregadora e excludente, ou se a escola não reproduz essa mesma
sociedade contribuindo para que os alunos continuem excluídos da sociedade”. A partir dessa
reflexão a passividade da escola frente ao tema toma outra característica.
Em relação às causas da evasão escolar, os estudos apontam, de maneira geral, que
existem fatores internos e externos à escola que excluem os alunos da dinâmica escolar.
Dentre os fatores internos, os quais mais se repetiram foram o conteúdo do ensino e o preparo
dos professores. Já os fatores externos, o próprio aluno, familiares e econômicos.
Os pesquisadores colocam essas questões de maneiras distintas. Para Ceratti (2008) o
fracasso escolar é o produto da interação de três tipos de determinantes: psicológicos,
socioculturais e institucionais.
Segundo Queiroz (2006, p.38),
[...] vários estudos têm apontado aspectos sociais considerados como
determinantes da evasão escolar, dentre eles, a desestruturação familiar, as
políticas de governo, o desemprego, a desnutrição, a escola e a própria
criança, sem que, com isto, eximam a responsabilidade da escola no
processo de exclusão das crianças do sistema.
No artigo publicado em 2011, Evasão escolar no ensino médio: velhos ou novos
dilemas? dos autores, Antonia de Abreu Sousa, Tássia Pinheiro de Sousa, Mayra Pontes de
Queiroz, Érika Sales Lôbo da Silva, realizou-se uma análise da evasão escolar de alunos
que cursam o Ensino Médio regular da rede pública. E a falta de incentivo da família e da
escola, a necessidade de trabalhar e o excesso de conteúdos escolares e amizades erradas
foram as causas da evasão segundo a direção da escola, os docentes e discentes.
De acordo com Auler; Ferrão (2012), os resultados da evasão escolar podem ser
sintetizados em três categorias temáticas: cumprir programas, interesse: fazer sentido estar na
escola e Currículo naturalizado.
Nos estudos realizados por Neri (2009), identificou como os motivos da evasão
escolar, dificuldade de acesso a escola, necessidade de trabalho e de geração de renda e falta
intrínseca de interesse.
Já para Falcão (2010), o motivo principal da evasão escolar por parte de estudantes
dos ensinos fundamental e médio seria a “chatice da escola” (sic). E para o autor, uma das
razões da chatice seria a desconexão da escola em relação ao mundo extra-escolar.
Diante disso, o que se pode perceber em relação ao conteúdo do ensino, é que muitas
das vezes, eles são mesmos distantes da realidade do aluno, se tornando assim desinteressante
175
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
e sem ligação alguma com a realidade vivida por eles fora dos muros da escola.
De fato, uma certa vertente do discurso psicológico (em psicologia da
aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo) sugere que a escola (isto é,
os conteúdos e atividades de ensino-aprendizagem) seria chata sempre que
se desconectasse da “vida real”, e seria interessante sempre que se mostrasse
“relevante”, “contextualizada”, “instrumental” (FALCÃO, 2010, p.641).
Nesse sentido, o autor continua sua reflexão, defendendo que para que a sala de aula
seja atraente e eficaz, é preciso que aja um professor comprometido, que seja um mediador, e
não apenas detentor de informação, que promova “discussão e ofereça a seus pupilos a
necessária educação para a atividade intelectual de construção do saber”. (FALCÃO, 2010, p.
652)
Ceratti (2008) também faz uma reflexão sobre os motivos que afastam os alunos da
escola, e segundo ele, são fatores didáticos e pedagógicos, que acaba deixando os educandos
desestimulados e com baixa autoestima.
A linguagem diferenciada utilizada pelos professores com os alunos e os elementos
afetivos na relação professor-aluno também se fizeram presentes nas pesquisadas analisadas.
Percebeu-se que os professores utilizam linguagens que não fazem parte do vocabulário dos
alunos, dificultando assim a aprendizagem e o interesse deles. E as relações afetivas,
geralmente são pobres (QUEIROZ, 2006).
Sobre os fatores econômicos, pode-se dizer que a evasão escolar e pobreza estão
intimamente ligadas (NERI, 2009), que existe uma necessidade, muitas vezes, imediata de
renda, por parte da família dos alunos e que se encontra uma falta de perspectiva na escola,
uma vez que os retornos futuros oriundos de estudos são baixos.
Em uma perspectiva mais crítica, Avila (2007, p. 68) diz que,
[...] o capitalismo neoliberal generalizou a pobreza, obrigando muitas
famílias a recorrer ao trabalho dos filhos para garantir sua subsistência. Pelo
trabalho, as crianças abandonam a escola. Quando adultos, pela perda da
educação, só conseguem ocupações que exigem menor qualificação e pelas
quais recebem menores ganhos. Em conseqüência, provavelmente serão pais
de novas crianças trabalhadoras, reproduzindo intergerações a pobreza.
Dentre os fatores ligados a ordem econômica, Queiroz (2006) aponta as necessidades
do aluno de trabalhar, as condições de desnutrição das crianças que acaba tendo impacto
direto na sua aprendizagem e as desvantagens culturais, vistas a partir da imensa desigualdade
social existente na sociedade.
Outro ponto que merece destaque diz respeito a família e ao próprio aluno. Segundo
Queiroz (2006), as condições da família destacando-se o nível de escolaridade dos pais e o
não acompanhamento dos filhos em suas atividades escolares, são geradores de evasão
escolar.
Em relação aos fatores que dizem respeito aos próprios alunos sobre o tema da evasão,
as pesquisas apontam que a falta de interesse do aluno, às vezes, é uma maneira de mascarar
sua incapacidade para se esforçar, e que a criança pode ser responsabilizada sim por seu
abandono dos estudos, através da pobreza, da má-alimentação, da falta de esforço, ou mesmo
pelo desinteresse (CERATTI, 2008; QUEIROZ, 2006).
176
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Cerullo (2006) em sua tese aponta para indícios de que maiores dimensões de capital
social, nos tópicos de informação e comunicação, confiança e solidariedade e coesão e
inclusão social, podem estar relacionados, de forma não determinante, a melhores
desempenhos nas unidades escolares. Seu objeto de pesquisa foi levantar e analisar as
relações existentes entre o capital social e dois indicadores específicos de desempenho de
instituições educacionais: evasão escolar e reprovação.
Já Silva (2009), também em sua tese, objetivou compreender algumas questões
relacionadas ao fracasso, à indisciplina e à evasão escolar sob a perspectiva do aluno pobre,
que segundo ela, vivencia a experiência de não ter se adaptado ao sistema formal de ensino
público.
Dimiani (2006) fez uma investigação, num primeiro momento, sobre os fatores de
risco para o fracasso escolar (entendidos como repetência e/ou evasão escolar). Os resultados
confirmam os encontrados em outras pesquisas, indicando a importante influência de fatores
como grupo étnico, renda familiar, número de irmãos, escolaridade dos pais, tipo de moradia,
entre outros, sobre o desempenho das crianças. A segunda parte do trabalho relata estudos de
caso de duas escolas cujas taxas de reprovação e evasão eram contrastantes.
Em síntese, a partir da revisão de literatura, foi possível perceber que discutir a
questão da evasão escolar é bastante delicado, pois a problemática envolve diversos fatores, e
que vai muito além de apontar apenas um ou outro responsável.
Nas considerações finais do estudo realizado por Queiroz (2006) ele aponta que tanto
a escola quanto à família, pouco têm feito pela criança que evade. Segundo o autor, no que se
refere à evasão, o que tem sido feito são ações isoladas com crianças que frequentam a escola,
e não às crianças que a abandonaram.
Diante disso, é preciso pensar e planejar políticas públicas que cuide desse fenômeno
que atinge a educação brasileira.
Queiroz (2006, p. 69) aponta duas sugestões para a problemática. Uma seria cuidar e
incentivar as crianças que estão na sala de aula, e buscar propor atividades que demandam a
participação dos pais. A segunda seria a inclusão da criança na escola, através de projetos
políticos e que garantam a participação da família nesses projetos, que “lutem e reivindiquem
junto ao poder público, apoio, orientação e acompanhamento, recursos materiais e de pessoal,
espaços físicos, para atividades específicas para que o aluno possa retornar à escola”.
Finalizando, Paiva; Silva (2013) acreditam que a evasão escolar, principalmente no
ensino médio, implica na substituição dessa sociedade meritocrática e individualista, na qual o
sujeito é totalmente responsabilizado pelo seu sucesso e pelo seu fracasso; por uma sociedade,
na qual todos os bens materiais e culturais estejam disponíveis a todos os cidadãos.
Resultados e discussão
De acordo com o IBGE (2014) o Vale do Paraíba Paulista compõem uma mesorregião
da unidade federativa de São Paulo. Essa mesorregião é subdividida em seis microrregiões
sendo, Bananal, Campos do Jordão, Caraguatatuba, Guaratinguetá, Paraibuna/Paraitinga e São
José dos Campos. É objeto desse estudo a microrregião de Guaratinguetá, que é composta de
onze municípios sendo, Aparecida, Cachoeira Paulista, Canas, Cruzeiro, Guaratinguetá,
Lavrinhas, Lorena, Piquete, Potim, Queluz e Roseira. Essa microrregião, dentre as seis que
constituem a mesorregião do Vale do Paraíba Paulista, é mais distante geograficamente da
capital do Estado de São Paulo, e situa-se mais próxima das divisas com os Estados de Minas
Gerais e Rio de Janeiro, especificamente Sul de Minas e Leste Fluminense.
177
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
A escolha pelo estudo da microrregião de Guaratinguetá se deu em função do interesse
dos pesquisadores participantes, que desenvolvem outros estudos correlatos em municípios
dessa região, o que vem a contribuir com a consolidação do entendimento sobre as demais
pesquisas em andamento.
Apresenta-se inicialmente, conforme o Quadro 1, o número de alunos matriculados no
ensino fundamental e os alunos matriculados no ensino médio, por município. Além disso, o
quadro traz as totalizações dos municípios, por ensino fundamental e médio, e a relação
percentual da diminuição do número de alunos matriculados no ensino médio quando
comparado ao número de alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental.
Observa-se que a média de evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino
médio na microrregião de Guaratinguetá é de 28,4%, o que representa em números absolutos,
quase 7.000 alunos a menos, num universo de pouco mais de 24.000 alunos que chegaram até
o final do ensino fundamental. A partir dessa média é possível evidenciar municípios que se
posicionam acima e abaixo dessa linha referencial, sendo que, o município de Cruzeiro detém
o menor índice de evasão, com 21%, portanto, o melhor desempenho dentre os municípios
estudados, enquanto o município de Potim detém 47,8% de evasão, o pior desempenho entre
os municípios estudados. Nesse último caso, tem-se uma queda praticamente pela metade, do
número de jovens que terminam o ensino fundamental e ingressam no ensino médio.
Dos 11 municípios estudados, 8 apresentam índice acima da média que compõem a
microrregião de Guaratinguetá, enquanto apenas 3 posicionam-se abaixo da média. São eles
Cruzeiro, Guaratinguetá e Lavrinhas, com 21%, 22,3% e 23,3%, respectivamente. Para que se
tenha um parâmetro comparativo de maior amplitude, foram levantados na mesma fonte de
dados, os indicadores do município de São Paulo, capital do Estado, e também do município
de São José dos Campos, o mais populoso e de maior arrecadação da mesorregião do Vale do
Paraíba Paulista. O índice de São Paulo é de 19,1%, enquanto São José dos Campos apresenta
22,4%. Percebe-se que, a média da microrregião de Guaratinguetá encontra-se acima da
referência de dois grandes municípios do Estado de São Paulo, contudo, há municípios que
estão tecnicamente nivelados com esse parâmetro. É importante salientar que, os municípios
de São Paulo e São José dos Campos não podem ser considerados como referência positiva
meramente por serem mais populosos e de maior renda, trata-se portanto de conjecturas
possíveis que se fazem para aguçar a reflexão.
Em números absolutos, o município de Canas tem o menor número de alunos
matriculados, tanto no ensino fundamental, 302, como no ensino médio, 172, enquanto o
município de Guaratinguetá tem o maior número, 6.788 no ensino fundamental e 5.274 no
ensino médio.
Quadro 1
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
A Figura 1 é um gráfico de Pareto que permite relativizar percentualmente o número
de alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental por município da microrregião
de Guaratinguetá. Observa-se que os municípios de Guaratinguetá, Lorena e Cruzeiro, são os
mais numerosos nesse quesito, ao passo que, Roseira, Canas e Lavrinhas, são os menos
numerosos. Cabe explicar que o gráfico consolidou os dados de Canas e Lavrinhas na última
coluna denominada como other em função de modelo matemático advindo do próprio
software onde o Pareto foi elaborado.
Juntos, Guaratinguetá, Lorena e Cruzeiro, representam 68,4% do total de alunos
matriculados no ensino fundamental nessa microrregião. Os municípios de Roseira, Canas e
Lavrinhas representam 5,4% do total.
Figura 1
Fonte: Censo escolar 2014 do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)
Elaboração: SILVA, J.E. (2015)
A Figura 2 também traz um gráfico de Pareto. Os dados referem-se aos números de
alunos matriculados no ensino médio por município. Nesse caso, os municípios com maior
número de alunos continuam sendo Guaratinguetá, Lorena e Cruzeiro, como foi observado no
ensino fundamental, todavia, a segunda posição se inverte com a terceira, passando Cruzeiro a
ter maior número de alunos matriculados no ensino médio que Lorena. Essa alteração
numérica remete ao bom desempenho percebido no Quadro 1 com relação ao município de
Cruzeiro. Ou seja, a menor diferença entre o número de matrículas entre o final do ensino
fundamental e o ensino médio. Esses três municípios somam 70,6% do total de alunos
matriculados no ensino médio nessa microrregião, enquanto, Roseira, Canas e Lavrinhas,
representam 4,9% do total, nesse gráfico consolidados todos como other na última coluna.
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Figura 2
Fonte: Censo escolar 2014 do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)
Elaboração: SILVA, J.E. (2015)
Na Figura 3 observa-se o confronto dos dados relativos ao número de alunos
matriculados no ensino fundamental com os dados relativos ao número de alunos
matriculados no ensino médio, por município, o que resulta numa relativização percentual que
mostra a evasão de alunos entre essas duas etapas da formação escolar.
O município de Potim apresenta a maior evasão, conforme comentado junto à análise
do Quadro 1, enquanto o município de Cruzeiro apresenta a menor evasão. Contudo, o gráfico
apresentado como Figura 3 acrescenta mais um dado, que é o percentual de evasão a partir da
comparação dos percentuais individuais, entre todos os municípios estudados. Dessa forma,
Potim é responsável por 12,9% do total de alunos evadidos nessa microrregião, seguido de
Queluz com 12,1% e Canas com 11,6%. Os municípios de Cruzeiro, Guaratinguetá e
Lavrinhas, com os melhores índices, somam juntos, 18% do total de alunos evadidos.
Figura 3
Fonte: Censo escolar 2014 do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)
Elaboração: SILVA, J.E. (2015)
Com o propósito de estabelecer uma relação causal, o Quadro 2 mostra o IDHM
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
(Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) para cada município da microrregião de
Guaratinguetá, como forma de permitir a discussão sobre a evasão de alunos entre o ensino
fundamental e o ensino médio na microrregião estudada, a partir de algumas correlações entre
esses indicadores.
O IDHM foi escolhido por conta de representar um indicador com relativa robustez,
haja vista, ser constituído de várias dimensões. Apesar de não ser possível, no IDHM, ter
todas as variáveis importantes representadas, noutra via, esse índice considera algumas
vertentes relevantes.
Pode-se tomar o IDHM como uma das causas que explicam a evasão escolar, mas
também é possível entender que a evasão escolar compõem, direta ou indiretamente, esse
índice. Assim, permitiu-se aqui propor, que o IDHM é, com relação à evasão escolar, tanto
causa, como efeito.
A Figura 4 apresenta um gráfico de Pareto com o IDHM de cada município da
microrregião de Guaratinguetá. Pode-se observar que Guaratinguetá, Cruzeiro e Lorena, tem
os melhores índices, ao passo que Queluz, Canas e Potim, tem os índices mais baixos.
Nessa primeira relação causal observa-se um comportamento que chama a atenção,
pois os dois municípios com maior IDHM são os mesmos que apresentam menor evasão
escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio, bem como, os três municípios com
maior evasão escolar, são os mesmos municípios detentores dos IDHM mais baixos. A única
alternância percebida nessa relação é do município de Lavrinhas, que aparece como um dos
três com menor evasão escolar, contudo, é o oitavo IDHM entre os municípios considerados.
Dessa maneira, evidencia-se mais concordâncias do que diferenças, o que permite
supor que haja importante relação causal entre o IDHM e a evasão de alunos entre o ensino
fundamental e o ensino médio nos municípios. O fato do município de Lavrinhas ser o único
que fugiu dessa tendência pode denotar a influência de outros componentes do IDHM que
exercem peso sobre esse índice e que são mais significativos do que a evasão escolar em si.
Cada município e cada indicador contém inúmeras possibilidades de exploração analítica,
porém, não cabe nesse estudo o aprofundamento do caso de Lavrinhas, mas deixa-se em
aberto a possibilidade para novos estudos desse caso específico.
Ao analisar o gráfico da Figura 4 pode-se interpretar a princípio que, apesar de haver
Quadro 2
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
diferença do IDHM dos municípios, a variação é pequena, sendo o maior 0,798 e o menor
0,697, ou seja, apenas 13% de distância entre os extremos desse gráfico, o que faz dele, na
relação percentual, praticamente uma reta, com as colunas absolutas muito niveladas.
Todavia, a que se ter cuidado com essa perspectiva matemática, pois há uma classificação por
níveis designados pelo IDHM, nesse caso, 0,798 é tido como alto, enquanto 0,697 é tido como
médio.
Mais do que isso, observando o ranking do IDHM de 2013, nota-se a sensível
diferença representativa desse índice quando se trata de um munícipio classificado com 0,798
em comparação com outro com a classificação 0,697. Foram analisados 5.565 municípios
abrangendo todo o território nacional brasileiro e Guaratinguetá com 0,798 ocupa a posição
47 nesse ranking, enquanto o município de Potim com 0,697 ocupa a posição 1.995
juntamente com alguns outros municípios. O município de São Caetano do Sul, localizado nas
imediações da capital paulista, tem a primeira colocação no ranking brasileiro com o IDHM
0,862. Na outra extremidade do ranking, ocupando a posição 5.565, está o município de
Melgaço, no Estado do Pará, com o IDHM 0,418.
Portanto, cabe novamente, chamar a atenção para as diversas possibilidades de análise
acerca dos municípios e seus indicadores como oportunidades futuras, mas para o presente
estudo, faz-se a contenção do foco estabelecido para a evasão escolar entre o ensino
fundamental e o ensino médio. Para dar conta da relação causal proposta entre o IDHM e a
evasão escolar, sugere-se cautela na interpretação dos dados apresentados, mediante as
perspectivas apontadas, sendo que, o município de Potim, com o IDHM mais baixo dentre os
municípios da microrregião de Guaratinguetá, também detentor do mais alto índice de evasão
escolar dessa amostra, pode ser considerado afetado em relação causa e efeito de forma direta
entre esses indicadores. Entretanto, pode-se acrescentar ainda, que, o município de Potim, se
comparado com São Caetano do Sul, com relação ao IDHM, é bastante deficitário, mas, se
comparado aos índices nacionais, encontra-se em posição intermediária. Por fim, entende-se
relevante observar que numa microrregião com onze municípios, naturalmente inscritos
geograficamente em região de características muito semelhantes, tem-se uma diferença entre
um índice de desenvolvimento humano que distancia o mais privilegiado, nesse caso,
Guaratinguetá, em 1.948 posições no ranking, do menos privilegiado, nesse caso, Potim.
Pretende-se, com esse diálogo entre os indicadores IDHM e evasão escolar entre o
ensino fundamental e o ensino médio, predizer que foi constatada relação causal entre eles.
Figura 4
Fonte: Censo escolar 2014 do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)
Elaboração: SILVA, J.E. (2015)
182
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Como segunda relação de causa e efeito propõem-se apresentar os dados relativos ao
número de escolas do ensino fundamental e do ensino médio, por município, para refletir
sobre a influência da disponibilidade de escolas com relação às oportunidades que os jovens
possuem, em suas localidades, para ter acesso adequado ao ensino médio. Porém, fez-se
necessário agregar outro dado a essa análise, pois, considerar de forma simples e direta, a
quantidade de escolas, provavelmente acarretará distorções à análise dos dados. Por essa
razão, foram trazidos os dados relativos às populações dos municípios. Evidentemente, o tema
abordado nesse trabalho está relacionado ao público jovem, na fase adolescente, e não a toda
população, no entanto, seria inviável para o propósito dessa pesquisa, buscar os dados exatos
por faixa etária, pois, inclusive a idade de trânsito entre o ensino fundamental e ensino médio
podem ter variações, o que também causaria distorções nos resultados das análises. Por isso,
entendendo que haja um comportamento etário semelhante na microrregião de Guaratinguetá,
a população total dos municípios foi utilizada como dado complementar ao número de escolas
para que fosse possível criar um fator relativizado que permitisse análise mais confiável.
No Quadro 3, encontra-se a quantidade de escolas de cada município e a população
deste, o que resulta num fator de “habitantes/escola”. A correlação foi feita para as escolas do
ensino fundamental e também para as escolas do ensino médio.
Na análise voltada para o ensino fundamental, dentre os municípios da microrregião
de Guaratinguetá, Lavrinhas apresenta a menor relação de habitantes por escola, 1.098, o que
pode ser interpretado como aspecto positivo, pois, em tese, há maior disponibilidade de
escolas para atender à população. Na mesma perspectiva, Potim apresenta a maior relação de
habitantes por escola, com 4.849, o que pode denotar maior concorrência por vagas, ou até
mesmo, maior distanciamento físico entre os munícipes e as escolas. A média observada nessa
amostragem é 1.880 habitantes/escola, portanto, há nove municípios abaixo da média,
enquanto apenas dois, acima da média, são eles, Potim e Canas.
No caso do ensino médio, o município de Potim continua apresentando o índice mais
alto, com 19.397 habitantes/escola, enquanto Lavrinhas, que apresenta relação mais baixa no
ensino fundamental, tem 3.295 habitantes/escola. No entanto, o município com a relação mais
baixa no ensino médio é Cachoeira Paulista, com 2.736 habitantes/escola. A média observada
na relação com ensino médio é de 6.706 habitantes/escola. Sendo assim, sete municípios estão
abaixo da média, e outros quatro, acima da média, são eles, Aparecida, Piquete, Queluz e
Potim.
Na Figura 5, o gráfico de Pareto mostra a relação entre número de habitantes e número
de escolas no ensino fundamental. Chama a atenção nesse indicador, a acentuada diferença do
município de Potim em relação aos demais. O município de Canas aparece como segundo
maior na relação de habitantes por escola e Aparecida vem em terceiro praticamente igual a
Guaratinguetá. Os municípios de Cachoeira Paulista, Piquete e Lavrinhas tem as relações
mais baixas. Na Figura 6, o gráfico relativo ao ensino médio, mostra Potim e Queluz com as
maiores relações, enquanto, Canas, Lavrinhas e Roseira, tem as relações mais baixas. Dessa
forma, observa-se que Potim tem a maior relação de habitantes por escola, tanto no ensino
fundamental como no ensino médio.
No ensino fundamental, Cachoeira Paulista, Piquete e Lavrinhas, tem as menores
relações, enquanto no ensino médio, ocorre uma alternância com Canas, Lavrinhas e Roseira,
portanto, somente Lavrinhas permanece nos dois grupos.
183
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Diferentemente da relação estabelecida com o IDHM, o número de escolas apresenta
menos comportamentos convergentes entre os indicadores. Observa-se uma alternância entre
os municípios nas extremidades dos gráficos quando analisa-se o ensino fundamental e o
ensino médio. Contudo, há um município que merece destaque, pois em todas as relações
construídas até aqui, demonstra evidências de comportamento com tendência regular. É o caso
do município de Potim, que, figura como a maior evasão escolar entre o ensino fundamental e
o ensino médio conforme Figura 3, o menor IDHM conforme Figura 4, a maior relação de
habitantes por escola no ensino fundamental conforme Figura 5 e a maior relação de
habitantes por escola no ensino médio conforme Figura 6.
Entende-se que, a quantidade de escolas existentes num município, não determina de
forma isolada, a qualidade do ensino para as pessoas, sendo indispensável levar em conta as
condições físicas das instalações, os salários dos professores e funcionários da escola, a
qualidade e disponibilidade da merenda, a qualidade e oferta da biblioteca, as questões sócio-
econômicas das famílias, etc., mas reforça-se aqui, a necessidade de confrontar diferentes
dados para buscar o entendimento aproximado das questões que circundam a temática da
educação.
Figura 5
Fonte: Censo 2014 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
Elaboração: SILVA, J.E. (2015)
Cabe refletir, por exemplo, que o município de Cruzeiro, que aparece com a menor
Quadro 3
184
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio, se posiciona de forma também
positiva com relação ao IDHM, mas em posição intermediária nas relações de número de
habitantes por escola. Pode-se, dessa forma, inferir que, o IDHM somado a outros fatores
auxiliam o município de Cruzeiro a sofrer menos baixas de alunos na passagem do ensino
fundamental para o ensino médio, independentemente do número de escolas existentes.
Também é possível perceber que para o município de Potim, ter um IDHM mais baixo e
também ter uma oferta de escolas relativamente baixa, causa impacto grave na continuidade
dos estudos dos jovens que saem do ensino fundamental, impossibilitando-os de ingressar no
ensino médio. Portanto, mediante essas considerações, é proposto que, também ocorre relação
causal entre a evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio com o número de
escolas existentes em cada município.
Figura 6
Fonte: Censo 2014 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
Elaboração: SILVA, J.E. (2015)
Com o objetivo de estabelecer mais uma relação de causa e efeito, o Quadro 4
apresenta o número de alunos por sala de aula no ensino fundamental e no ensino médio.
Esses dados foram entendidos como importantes para a correlação com a evasão escolar,
mediante a perspectiva de que uma sala com maior ocupação pode configurar tendência de
menor atenção ao aluno por parte do professor, além de maior desconforto para compartilhar
os recursos físicos, por exemplo, cadeiras, carteiras, materiais de trabalho, a própria sensação
de calor em épocas de temperaturas mais elevadas, iluminação, proximidade das lousas,
painéis, projetores, e assim por diante.
A média de alunos por sala de aula no ensino fundamental observada na microrregião
de Guaratinguetá foi de 25,7. O município de Roseira apresenta o menor índice, com 20,6
alunos por sala, seguido de perto por Lavrinhas, com 20,9. Além dos municípios de Roseira e
Lavrinhas, outros cinco apresentaram índice abaixo da média observada, enquanto quatro
mostraram índices acima da média.
185
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Dentre os quatro municípios com índice acima da média, Potim apresenta o valor mais
elevado, com 33,1 alunos por sala de aula no ensino fundamental. Além de Potim, Aparecida,
com 28,9 alunos por sala, Guaratinguetá, com 27 alunos por sala, e Lorena, com 28,9 alunos
por sala, formam o grupo de municípios acima da média.
Ao analisar os dados do ensino médio, nota-se que, o município de Canas, com 24,7
alunos por sala, apresenta o menor índice, ao passo que, o município de Potim, com 34,7
alunos por sala, apresenta o maior índice. A média observada para o ensino médio foi de 30,8
alunos por sala, sendo assim, cinco municípios apresentaram índices abaixo da meta, são eles,
Cachoeira Paulista, Canas, Guaratinguetá, Lorena e Roseira.
Assim como foi abordado nos indicadores anteriores, este também não pretende ser
decisivo, mas, contribuinte para a compreensão da evasão escolar entre o ensino fundamental
e o ensino médio. De forma ainda mais indireta do que os demais, este indicador não oferece
números diretos para retratar a evasão, mas pretende-se nessa análise, sugerir que salas mais
cheias ofereçam menos incentivo para os alunos permanecerem na escola.
Quadro 4
Figura 7
186
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
A Figura 7 é constituída de um gráfico de barras que permite a comparação entre a
ocupação das salas de aula no ensino fundamental e no ensino médio. É importante
compreender corretamente a dinâmica desse gráfico. A barra que representa a quantidade de
alunos por sala no ensino fundamental, legendada como EF, será melhor, quanto menor for
seu comprimento, pois significa que há menor sobrecarga de alunos por sala. Dessa forma,
Roseira e Lavrinhas estão em condição mais favorável. Da mesma maneira, Aparecida,
Lorena e Potim, apresentam condições supostamente mais desfavoráveis.
Ao analisar os dados do ensino médio, EM, a lógica para interpretação é a mesma,
portanto, Potim, Queluz, Piquete e Aparecida, apresentam condições mais desfavoráveis,
enquanto, Cachoeira Paulista e Canas, apresentam condições mais favoráveis.
Todavia, esse gráfico também deve ser analisado por meio da comparação entre as
duas barras de cada município, pois essa perspectiva mostra a diferença que um aluno,
efetivamente, sentirá ao sair de uma sala do ensino fundamental e entrar numa sala do ensino
médio. Por exemplo, o aluno do município de Potim que estudou no ensino fundamental com
33,1 alunos por sala, passará a estudar numa sala de 34,7 alunos. A diferença de ocupação
dessa sala em Potim é de 4,8% conforme o Quadro 4. Porém, em Lavrinhas, o aluno que
cursou o ensino fundamental e adaptou-se a uma realidade de 20,9 alunos na sala, enfrentará
no ensino médio, salas com 31,3 alunos, o que representa uma diferença adicional de 49,8%.
Nesse caso, os indicadores parecem conduzir o entendimento para uma composição
entre dois fatores, sendo um deles a quantidade de alunos por sala acima da média de forma
direta, e o outro, o salto na quantidade de alunos por sala na transição do ensino fundamental
para o ensino médio. Observa-se que o município de Potim, apresenta o maior número de
alunos por sala em ambos os cenários, ensino fundamental e médio. Portanto, intui-se que,
mesmo com uma pequena diferença na transição entre os níveis fundamental e médio, ser o
detentor do mais alto índice de alunos por sala, em comparação com os municípios da
microrregião em que está inserido, tem maior significância com relação à evasão escolar. Essa
hipótese é ainda mais reforçada na medida em que analisa-se o município de Lavrinhas, que
acabamos de citar, tem o maior distanciamento entre o número de alunos por sala na
comparação entre o ensino fundamental e o ensino médio, todavia está entre os três
municípios com menor evasão escolar.
Portanto, o estudo sugere que a quantidade de alunos por sala, independente no nível
de ensino, constitua um aspecto importante para a evasão escolar, caracterizando a relação
causal.
De acordo com o Quadro 5, foi possível estabelecer algumas relações de causa e efeito
num único ambiente de comparação entre indicadores. Primeiramente, na parte superior do
quadro, foi feita a organização dos municípios em blocos, sendo dispostos em três melhores
índices e três piores índices por indicador. Nessa parte do quadro, o indicador de referência
que está sendo estudado também foi posicionado da mesma forma, ou seja, a evasão escolar
entre o ensino fundamental e o ensino médio.
Na parte inferior do quadro foi montada uma matriz por meio da qual foi possível
listar todos os municípios do grupo estudado, e atribuir a cada um deles um número, que
corresponde a quantidade de vezes que o município apareceu no quadro superior, no bloco
dos melhores índices e no bloco dos piores índices.
187
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Ao analisar a matriz do Quadro 5, observa-se que os três municípios que apresentam a
menor evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio na microrregião de
Guaratinguetá, não figuram nenhuma vez no bloco dos piores índices, ao passo que aparecem
ao menos uma vez no bloco dos melhores índices. Os municípios que apresentam os maiores
índices de evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio na microrregião de
Guaratinguetá, aparecem no mínimo duas vezes no bloco dos piores índices, e não aparecem
no bloco dos melhores índices necessariamente.
A primeira ressalva a se fazer com relação aos resultados dessa matriz, é que o
município de Canas está entre os três maiores índices de evasão escolar, porém, aparece três
vezes no bloco dos melhores índices. Também vale ressaltar que os municípios de
Guaratinguetá e Cruzeiro, têm os menores índices de evasão escolar, mas aparecem apenas
uma vez no bloco dos melhores índices.
Portanto, pode-se ponderar sobre esses resultados matriciais considerando que, para
apresentar os menores índices de evasão escolar é mais importante não estar presente no bloco
dos piores índices nenhuma vez, do que figurar várias vezes no bloco dos melhores índices.
Também pode-se supor que o IDHM, particularmente, tem maior representatividade na evasão
escolar do que os demais indicadores considerados nas análises de causa e efeito. Dos seis
municípios que apresentaram os três maiores e os três menores índices de evasão escolar,
cinco também estão no grupo dos três maiores e três menores IDHM, portanto, dos
indicadores considerados nesse estudo o IDHM é o que apresenta maior fidelidade com os
indicadores de evasão escolar entre o ensino fundamental e o ensino médio.
Também entende-se como relevante, observar os índices do município de Potim, pois,
diferentemente dos demais, que permaneceram em zonas intermediárias ou navegaram entre o
bloco dos melhores e o bloco dos piores índices, este se diferencia muito da amostra, com
índices desfavoráveis em todos os indicadores, o que pode dar mais sustentação à relação de
causa e efeito entre todos esses indicadores.
Quadro 5
188
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Considerações finais
A guisa de conclusão, entende-se que, por meio dos dados eleitos e apresentados nesse
estudo, na forma original ou modificada em alguns casos, foi possível desenvolver análises
com bases numéricas, por isso quantitativas, e também reflexões de teor subjetivo. Todas
essas discussões remetem ao entendimento de que não há indicadores absolutos e
independentes, mas sim, indicadores que auxiliam na construção do conhecimento por meio
de correlações com outros indicadores e também sob a análise crítica do pesquisador.
Particularmente, os indicadores explorados nesse estudo levam à conclusão de que há relação
causal entre todos eles, em maior ou menor grau, e de acordo com especificidades de cada
município e também da microrregião. A descontinuidade dos estudos do jovem na faixa de 14
ou 15 anos de idade, pode trazer prejuízos irreversíveis para o futuro do sujeito e da
sociedade, portanto, entende-se que esse estudo tem potencial para provocar e auxiliar na
discussão sobre a evasão de alunos entre o ensino fundamental e médio, ficando em aberto a
possibilidade importante de elaborar estudos que ajudem a sociedade na compreensão dos
desdobramentos que essa evasão escolar pode causar em médio e longo prazo.
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190
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191
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O novo voluntariado e a comunicação de ONGs no
contexto da América Latina
Gino Giacomini-Filho Doutor e livre-docente pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).
Docente do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul
(USCS). Docente no curso de Comunicação Social da ECA/USP.
Ricardo Carvalho de Almeida Mestre em Comunicação pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e docente de cursos de
especialização da USCS: Empreendedorismo Social, Empregabilidade e Projeto de Vida, Desenvolvimento de
Novas Competências. Coordenador de programas de extensão: PAES – Programa de Apoio a Entidades Sociais.
PROEDUC - Programa de Contribuição com a Educação Básica. Fundador / Diretor Administrativo Financeiro
da Organização Social Opção Brasil.
Resumo O presente estudo objetiva apresentar e discutir o novo voluntariado em atividades
comunicacionais de ONGs no contexto latino-americano. Trata-se de um estudo exploratório
que se vale de modelos teóricos sobre as novas configurações do trabalho voluntário e sua
interação com a comunicação das ONGs. A pesquisa também recorreu ao estudo de caso
sobre o novo voluntariado nas atividades funcionais de comunicação da Opção Brasil em
2014, ONG integrada à rede Opción Latinoamérica (OLA). Os resultados apontam que os
espaços de participação em ONGs criados e estimulados para o voluntariado em atividades
de comunicação destas organizações se estabelecem em um ambiente transformador, tanto
para a ONG, como para o voluntário. O modelo de comunicação encontrado na Opção Brasil
apresenta características heterogêneas quanto a: motivações e interesses do voluntário;
limites de recursos e intenso volume de ações comunicativas da organização; dependência do
voluntariado de estudantes e profissionais para o cumprimento de sua missão organizacional.
Palavras chaves Comunicação; Novo Voluntariado; ONGs Latino-americanas.
Abstract This study aims to present and discuss the new volunteering in communication activities of
NGOs in the Latin American context. This is an exploratory study that makes use of
theoretical models of the new configurations of volunteer work and its interaction with the
statement of NGOs. The research also used the case study on the new volunteering in
functional communication activities of Opção Brasil in 2014, NGO integrated in Opción
Latinoamérica (OLA). The results show that the spaces of participation in NGOs created and
encouraged for the volunteer work in communication activities enhance either volunters as
these organizations. The communication model found in Opção Brasil has heterogeneous
characteristics as: motivations and interests of volunteer; resource limits and high volume of
communicative actions of the organization; dependence of students and professionals
voluntaries to fulfill their organizational mission.
Keywords Communication; New volunteering; NGOs in the Latin American.
192
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Introdução
Os estudos contemporâneos em comunicação organizacional indissociáveis das
influências transformadoras e inovadoras propiciadas pela sociedade atual, assim como as
recentes mudanças nos ambientes democráticos e de participação, sugerem a constante
atualização de modelos teóricos e conceituais para a aplicação e avaliação das práticas
comunicativas das organizações.
As instituições públicas e privadas também se apropriam desses referenciais para o
aprimoramento da comunicação para os seus serviços, negócios, relacionamentos, ambiente
ou imagem institucional. O terceiro setor, em especial as ONGs, que possuem missões
humanitárias e sociais, convivem com restrições de recursos, mas a prática voluntária tem
lançado novas luzes, em especial às práticas em ONGs na região da América Latina.
Partindo deste contexto, estima-se que nas ações voluntárias há o envolvimento de
distintos atores sociais, como profissionais, universidades e estudantes, que ao exercer o
voluntariado em comunicação, orientam seus propósitos na direção da construção de uma
nova cidadania. A opção pelo voluntariado significa adesão a causas, algo que ocorre por
distintas motivações, seja por altruísmo ou identificação ideológica, seja pelo engajamento às
questões sociais ou aprimoramento profissional. O trabalho voluntário incentiva soluções
inovadoras, caso de estudantes universitários que vivenciam experiências que ultrapassam os
limites da burocracia ou fórmulas já testadas no mercado tradicional.
Esses contornos específicos e recentes possibilitaram cunhar o termo “novo
voluntariado”, que se diferencia do modelo anterior de voluntariado, pois considera, entre
outros, o voluntário como um indivíduo independente mas com visão coletiva, que motivado
por valores de participação, identidade e solidariedade doa parte de seu tempo e aplica suas
competências para realizar intercâmbios de contribuição mútua nas atividades, trabalhos
coletivos ou em rede, de maneira espontânea e não remunerada, amparado por normas e
diretrizes institucionais recentes.
O novo voluntariado parece ajudar a conceber uma estruturação diferenciada para a
comunicação organizacional, principalmente na dinâmica com que os produtos
comunicacionais são elaborados, na formação e desenvolvimento de comunicadores nos
aspectos profissionais, acadêmicos e pessoais.
Esse estudo apresenta e discute de uma forma introdutória a configuração do novo
voluntariado nas atividades comunicacionais em ONGs na América Latina neste início de
século XXI, em especial das que dependem da contribuição voluntária para cumprir com suas
demandas em comunicação, uma realidade organizacional desse segmento, comum para um
número substancial de ONGs na região.
Deste modo, este artigo realizado em ordem dedutiva e por delineamento exploratório
aborda o novo voluntariado contextualizando sua correlação com as ONG na América Latina
e em sua configuração na comunicação destas organizações. A pesquisa recorreu também ao
estudo de caso sobre o novo voluntariado nas atividades funcionais de comunicação da ONG
Opção Brasil de modo a tratar configurações deste modelo de comunicação que pode ser
comum às ONGs na região.
193
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Considerações ligadas à legitimidade do voluntariado na
América Latina
As organizações de voluntariado na região latino-americana começaram a se
desenvolver desde a independência em relação às coroas portuguesa e espanhola. A saída dos
conquistadores deixou vazios nos incipientes serviços sociais que se fizeram sentir pelos mais
pobres e que são latentes até os dias atuais. Nestas iniciativas encontra-se a frequente
participação de homens, mulheres e até crianças trabalhando para resolver as necessidades
básicas dessas comunidades.
Desde épocas de la tradicional “minga” hasta nuestros días, el trabajo en
beneficio de la comunidad ha sido una constante cultural, practicada en
sábados, domingos y tiempo libre de las personas, que no perciben por ello
más remuneración que la satisfacción del beneficio próprio y ajeno
(THOMPSON; TORO, 2000, p.4).
Esse voluntariado espontâneo, conjuntural e não institucionalizado tem contribuído
com países latino-americanos para solucionar muitas necessidades das populações carentes.
Por isso, como defendem Thompson e Toro (2000, p.4) “Al hablar de voluntariado en
América Latina y Caribe es necesario reconocer esta forma permanente y silenciosa de
donación de tiempo personal al servicio del bien común”.
Com a redemocratização em boa parte da América Latina, marcada pela queda de
algumas ditaduras militares na década de 1980, o neoliberalismo surgiu como concepção
política, econômica e cultural para a região. Essas mudanças provocaram a redução
orçamentária do Estado à assistência social, o que permitiu o surgimento de um voluntariado
individual, autônomo e independente que veio preencher lacunas e assistir excluídos do
sistema.
O voluntariado passa a figurar como peça chave para a intervenção nos problemas
sociais, associando-se à corresponsabilidade entre o Estado e a sociedade civil. Assim,
organizações sociais, fundações e instituições empresariais voltaram-se a uma ação
assistencialista e participativa de maneira personalizada voltada para o bem público,
enfrentamento de problemas sociais e demandas para o desenvolvimento da sociedade.
Nesse contexto, muitas idéias sobre atitudes e comportamentos da sociedade
foram apontadas como parte dessas transformações, apresentadas como
novas, no sentido do ineditismo, como signos de um momento de renovação.
Muitas dessas idéias e atitudes ditas novas vêm permanecendo no cenário
público com esse aspecto, mantendo os termos que assumiram quando de
seu surgimento (CUNHA, 2005 p. 142).
A década de 1990, como também define o Instituto Brasil Voluntário:
[...] abre as portas para um “novo voluntariado” que supere o anterior e
considere o voluntário como um cidadão, que motivado por valores de
participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento de maneira
espontânea e não remunerada em prol de causas de interesse social e
comunitário (INSTITUTO, 2014, s/p).
194
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Neste mesmo contexto de inovações no voluntariado, acentua-se a atuação das ONGs,
na perspectiva de um conceito relacional para a sociedade civil entre
estado/mercado/sociedade civil, que se apresentam enquanto “não mercado” e “não governo”.
São instituídas no terceiro setor, relacionadas às demandas por cidadania, democratização,
direitos humanos e similares voltadas a contribuir com os rumos do desenvolvimento social.
Nesse entendimento, a sociedade civil é o espaço em que nascem e organizam-se as
associações voluntárias e autônomas. Entretanto, constituídas por indivíduos que trazem
consigo a síntese de suas relações comunitárias e culturais, indissociáveis de suas relações
com o mercado e o Estado (SCHERER-WARREN, 1993).
Considerando essas variáveis e contextos sobre o novo voluntariado e as ONGs
percebe-se que a orientação de indivíduos em intervenções em uma determinada realidade
social força um processo de adaptação da sociedade, seja a partir de uma nova ordem legal,
seja pela reorganização do sistema de maneira mais interativa. As mudanças vivenciadas nos
movimentos no entorno do voluntariado sempre ocorreram em função de uma pressão ou
iniciativa da sociedade.
El voluntariado es un desencadenante de círculos virtuosos en valores éticos,
educación ciudadana y conductas de asociatividad. Es un constructor neto de
capital social que, al incrementarse, creará un clima más favorable para el
impulso y el desarrollo del voluntariado (KLIKSBERG, 2007, p. 9).
Kliksberg também discorre sobre esse novo voluntariado configurado em algo
construtor de cidadania e participação. O autor comenta que há um forte avanço no modelo
atual de voluntariado pela necessidade de reposicionar os modelos tradicionais baseados na
ajuda, por outro reestruturado, onde o voluntário e a comunidade assistida constroem uma
relação de iguais e o objetivo do trabalho está em fortalecer a construção de cidadania.
O novo voluntariado vem se configurar como uma forma de apoiar a transformação
social, política e econômica da sociedade, contribuindo com a expansão de ambientes
democráticos na região latino-americana. Essa nova interpretação do trabalho civil voluntário
tem refletido no grau de credibilidade e representatividade das organizações que estimulam o
voluntariado, pois passam a ser percebidas como formas representativas de expressão das
demandas comunitárias. O modelo anterior de voluntariado configurou-se como paternalista,
num ato de caridade e unilateral, apesar de digno e contributivo. O novo modelo procura
promover a participação de maneira espontânea e com a finalidade do bem comum, um
voluntariado comunitário, protagônico, de interesse coletivo e independente, que se
caracteriza por uma relação horizontal entre quem se voluntaria e quem recebe a ação
voluntária, transformando ambas as partes pelo crescimento mútuo.
O conceito de novo voluntariado está atrelado em princípios de prazer, identificação,
alcance de trabalho e relações sociais, altruísmo, benefícios ao próprio voluntário, distantes do
sentido negativo de obrigação como no início destas atividades ou de resistência em períodos
de opressão vividos na região. Nesses novos espaços de participação possíveis, as atividades
são desenvolvidas de acordo com a disponibilidade, interesse e competências dos indivíduos
que se voluntariam.
195
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Comunicação organizacional – refletindo conceitos nas ONGs
pela via do novo voluntariado.
A comunicação organizacional encontrada nas ONGs, com características recentes,
particulares e voluntárias recorrem em grande parte a medidas e decisões inovadoras se
comparadas aos modelos tradicionais que a postulam.
Scroferneker (2000) trata da comunicação organizacional em seu estudo sobre
perspectivas teóricas da comunicação organizacional entendendo-a como um composto que
dá forma à organização e que a informa fazendo-a ser o que é. Para Kunsch (2003, p.150): “A
comunicação organizacional deve constituir-se num setor estratégico, agregando valores e
facilitando os processos interativos, por meio das Relações Públicas, da organização com os
seus diferentes públicos, a opinião pública e a sociedade em geral”.
Por sua presença e historicidade recente na América Latina, assim como por suas
características legais e distintas linhas de atuação, as ONGs executam distintos papéis
comunicativos, em que a escassez financeira e o trabalho voluntário condicionam os
complexos compostos de comunicação de grande parte destas organizações, uma
comunicação também pautada na autossustentação, entendida por Erege (2011, p.36) como:
Condição que garante a autonomia de uma organização e que acontece
quando ela gera receita suficiente para sustentar suas atividades-fim e meio.
As despesas com seus programas, projetos e sua administração são cobertos
com receita própria, que advém da colaboração de seus associados, de
prestação de serviço, atividades produtivas (por ex. marcenaria) ou
comerciais (por ex. bazar). A organização não depende da captação de
recursos externos.
As atividades de comunicação de ONGs, a fim de estabelecer comunicação ativa e
sustentabilidade comunicativa, por vezes, se apresentam de forma amadora e imprecisa por
contar com a contribuição de indivíduos com competências discutíveis em função de falta de
atualização, proveniência de outros campos profissionais e pouca afinidade com o foco social
do trabalho.
O contexto da comunicação organizacional, assim como o das ONGs em que se
estabelece o novo voluntariado, recebe influências causadas pelas transformações nos
ambientes democráticos e de participação cidadã.
Como também interpretou Peruzzo (2013, p.104):
[...] entendemos que os fundamentos teóricos da Comunicação
Organizacional e de outras áreas da Comunicação Social, desenvolvidos para
empresas e poderes públicos, não podem ser simplesmente transferidos e
reproduzidos no âmbito do terceiro setor, especialmente nos movimentos e
organizações sem fins lucrativos de base popular e mobilizadora.
A interatividade presente na atividade comunicativa, que por natureza emite valores e
significados outros ao consumo, influencia na formação do cidadão, quando possibilita o
acesso, a participação e o usufruto das informações e conhecimentos produzidos e
autoproduzidos. Trata-se da apropriação de conteúdos e cidadania comunicativa
(GIACOMINI-FILHO; CAPRINO, 2007). Isso ocorre quando a participação resulta na
196
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
interação dos indivíduos por identificação e sentimento de pertencimento pelos conteúdos,
temas comunicados e defendidos pela organização.
O processo evolutivo da comunicação organizacional frente às transformações no
comportamento da sociedade, tanto pode trazer contribuições quanto sofrer influências das
práticas de comunicação das ONGs. Essas oferecem modelos de comunicação organizacional
peculiares e eficientes, calçados em um sistema integrado por contribuições voluntárias
associadas a atividades profissionais e amadoras, ingresso de doações, interface com
programas acadêmicos, que oferecem inovações e novas experiências no âmbito da
comunicação organizacional.
O grande desafio enfrentado pelos profissionais que trabalham nessas
organizações é, muitas vezes, a falta de recursos financeiros para a
implementação de projetos estratégicos de comunicação e uma formação
muito técnica e pouco humanística, que o permita entender o outro e dialogar
com ele. Com isso, é preciso que usem a criatividade, façam
experimentações e tenham motivação e um olhar atento para perceberem
tendências, demandas e desenvolverem um bom trabalho. Além do mais, é
uma área de atuação relativamente nova, não havendo ainda “fórmulas” de
como fazer comunicação para o Terceiro Setor (PAIVA, 2009).
Assim, esse ambiente comunicativo das ONGs configura-se num espaço de
aprendizado e criação, um laboratório constante da responsabilidade social da comunicação,
daquela responsabilidade social que se encontra no centro da própria comunicação desde seu
conteúdo até a maneira de fazê-la.
As manifestações comunicacionais, nesse universo, se configuram a partir de
um conjunto de premissas e atividades, com vistas a mobilizar e efetivar
mudanças reais na vida das pessoas, e, por outro lado, posicionar e facilitar o
relacionamento desses atores junto aos seus públicos e à sociedade, no
âmbito geral (PERUZZO, 2013, p. 104).
As dificuldades mais relevantes das ONGs quanto a sua autonomia remetem
centralmente na disponibilidade de recursos para garantir sua capacidade operativa,
dificuldades quanto aos recursos (humanos, materiais e financeiros) que afetam cada
organização (SOTO et al., 2005). Esses autores concentraram-se nas características, práticas e
representações das organizações sociais locais na Argentina, o que permitiu identificar que
dentre as dificuldades mais presentes, encontram-se as que estabelecem relação direta com a
fluidez da comunicação nas ONGs: escassez de recursos financeiros, dificuldades com relação
a recursos humanos, alta demanda, dificuldades em relação à população-alvo e socialização
de suas ações, falta de vínculos com outras organizações, dificuldades de comunicação e
organização interna, e falta de capacitação (SOTO et al., 2005)
A necessidade de uma comunicação ativa e sustentável nessas organizações enquanto
instituições sem fins lucrativos é imperativa, o que possibilita a presença e relevância do novo
voluntariado nas atividades funcionais para a comunicação das ONGs na região.
197
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
O novo voluntariado e a responsabilidade social na ação
comunicativa das ONGs
As também recentes práticas de responsabilidade social no ambiente organizacional
surgidas sob as mesmas circunstâncias de um cruzamento entre fatores políticos, econômicos
e sociais mais evidentes no decorrer dos anos 1990 induziram a colaboração entre Estado e
empresariado e “deu origem a expressões como voluntário profissional ou cidadania
empresarial e o emprego de concepções sobre competitividade entre organizações sociais ou
eficiência e resultados do trabalho voluntário.” (CUNHA, 2005, p.145). Marcam a
participação como uma resposta da iniciativa privada às novas demandas sociais.
Os novos padrões competitivos, as novas competências exigidas dos indivíduos e das
organizações para que essas se mantenham não só competitivas, mas também sustentáveis,
fizeram surgir e moldaram a responsabilidade social corporativa e, dentre suas ações, o
voluntariado corporativo, quando possibilita a inserção de programas de estímulo e incentivo
do trabalho voluntário na, para e pelas organizações. Propôs-se então aos funcionários,
colaboradores e servidores, a participação voluntária e a ação cidadã.
Já as ONGs, mediante as demandas características do terceiro setor, buscam e, muitas
vezes, necessitam da contribuição técnica de instituições como as universidades e participação
voluntária de estudantes em seus processos de desenvolvimento. Essas, por sua vez, por
programas de extensão e da responsabilidade social universitária, possuem potencial e
mecanismos (que ainda deixam muito a desejar) dentre suas práticas de estímulo ao
voluntariado estudantil.
Há um grande desafio à gestão universitária de criar uma nova cultura institucional,
caso de encarar a extensão universitária com sua devida relevância, para que, assim, possa
realmente exercer sua missão pública, independente de sua natureza jurídica, encontrando
caminhos para que essas práticas se tornem financeiramente viáveis e sustentáveis
(CALDERÓN, 2005).
No que tange à formação de uma juventude mais autônoma e solidária, Costa
(1997/98) comenta o sentido de competência na formação de jovens protagonistas inseridos
em processos e espaços de participação democrática, como é o das ONGs; inclui o acúmulo
de conhecimentos e o proveito de oportunidades para aprofundar e enriquecer suas
competências para dar conta da missão que os tempos de aceleradas mudanças lhes impõem.
O autor defende que as esferas da educação devam ser capazes de desenvolver, de maneira
equilibrada nos jovens, as competências pessoais (aprender a ser), competências sociais
(aprender a conviver), competências produtivas (aprender a fazer), e competências cognitivas
(aprender a aprender).
A responsabilidade social presente na ação de comunicação das ONGs pela via do
novo voluntariado configura-se, também, como um exercício para se diferenciar e se
reconhecer no outro em um mesmo tempo. “Comunicar-se com o outro é comunicar-se
consigo mesmo” (SILVA, 2004, p.43), ou seja, a alteridade exercitada no comunicar é o meio
de integração e socialização. O modo de comunicar, de forma voluntária, é um ativo
sustentável pela construção ética de uma cultura pautada no outro.
A comunicação organizacional nas ONGs da América Latina, ora alternativa, ora
comunitária, de autossustentação pelo modo voluntário de se realizar, expressa-se por uma
prática imbuída de alteridade. Vale-se da responsabilidade ética, da obrigação com o outro,
contribuindo para o desenvolvimento da sociedade quando comunica: gestos, atitudes,
posicionamentos, conteúdos, a respeito das bases de interesse social que determinam uma
cultura e identidade regional.
198
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
As motivações para o trabalho voluntário são de diversos tipos e características, mas
que convergem para escolhas autônomas e individuais de cada um; são influenciadas por
circunstâncias da vida que contribuem ou atrapalham a adesão de participantes. Podem
apresentar diferentes configurações quanto a: Categorias de motivação: Assistencial;
Humanitária; Política; Profissional; Pessoal (SILVA, 2004); Tipos de motivações: Altruísmo,
Pertença, Ego e reconhecimento social, Aprendizagem e desenvolvimento (FERREIRA et al,
2008); Perspectivas motivacionais: Eu faço bem a mim mesmo; Eu faço bem ao outro; Fazer
bem ao outro me faz bem; Fazer bem ao outro faz bem ao outro (AZEVEDO, 2007);
Perspectivas para o desenvolvimento de competências: Competência Pessoal; Competência
Social; Competência Produtiva; Competência Cognitiva (COSTA, 1997/98); Motivações
relacionadas com os campos de atuação das ONGs: a filantropia; o desenvolvimento; a
cidadania (SCHERER-WARREN, 1994).
O novo voluntariado na comunicação e a ONG Opção Brasil
Buscou-se materializar a abordagem do novo voluntariado nas ONGs por meio de
estudo de caso, pois como aponta Yin (2005, p.32), esse método proporciona a investigação
de “[...] fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, especialmente quando
os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.
A ONG Opção Brasil, objeto de estudo desta pesquisa, está sediada na cidade de São
Caetano do Sul-SP, Brasil, e configura-se como uma organização da sociedade civil, sem fins
lucrativos, que para a realização das suas atividades funcionais em comunicação e
sustentabilidade não possui autonomia financeira para suprir com suas demandas precisando,
assim, recorrer à contribuição voluntária de recursos humanos para o desenvolvimento de seus
projetos e ações. Surgiu em 2001 como parte da Red Opción Latinoamérica, rede de
organizações estabelecida em 1995, com apoio da Organização dos Estados Americanos.
Atualmente a OPCION Latinoamérica (OLA) é integrada por diversos países da América
Latina e possui sede na cidade de Bogotá.
A Opção Brasil tem como missão contribuir com o desenvolvimento justo,
participativo e sustentável da sociedade, configurando-se como um espaço de participação,
aprendizagem, integração e oportunidade para a prática da cidadania, de maneira ativa e
voluntária pela atuação de jovens frente aos desafios de seu tempo. Possui o intento de
promover o protagonismo, a integração e empreendedorismo da juventude no Brasil e
América Latina, por meio da realização de programas culturais, educativos, de voluntariado,
educação, intercâmbios, mobilidade acadêmica e cidadã, cultura e educação indígena, com o
fim de contribuir com o desenvolvimento da região. Seus programas, projetos e atividades
estão vinculados a três linhas de atuação Juventude e Participação; Mobilidade Acadêmica e
Integração Regional; Cultura e Diversidade.
O estudo de caso valeu-se de entrevistas com voluntários e dirigentes da ONG em
2014; a entrevista é um recurso apropriado para colher informações, opiniões e observações
de pessoas a fim de estabelecer um quadro real, experiencial e aderente com as categorias de
assuntos que se deseja desenvolver (GIL, 2010).
Inicialmente, os dirigentes e responsáveis pela comunicação da ONG indicaram seis
instrumentos e peças de comunicação que poderiam expressar a contribuição do novo
voluntariado em comunicação, ou seja: Vídeo Institucional (2013), Portal
Institucional/Website (2011), Portal institucional – Programa Opción Latinoamérica de
Intercâmbios (2011), Promocional – Programa Opción Latinoamérica de Intercâmbios (2014),
Encarte institucional – (2004), Vídeo documentário – Programa Índios na Cidade – Episódio
02 (2012). Para cada desses seis trabalhos foram identificadas as atividades funcionais
199
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
passíveis de realização por voluntários tais como: criação, direção, produção, tradução de
textos, locução etc. Desta forma foi possível estabelecer o perfil do trabalho voluntário
conforme a tabela 1 quanto à condição de estudante ou profissional (graduado), área de
atuação em comunicação ou outra área, e quanto à nacionalidade (brasileiro ou estrangeiro).
Considerando os seis instrumentos e peças de comunicação analisados, foram
identificadas 136 participações voluntárias em 59 atividades funcionais, de forma que alguns
voluntários exerceram duas ou mais atividades. Dessas participações voluntárias, 60 foram
realizadas por estudantes e 76 por profissionais, mostrando que a ONG optou por mesclar a
experiência de profissionais com o experimentalismo dos estudantes, porém todos como
agentes voluntários.
De outro lado, enquanto a maior parte dos estudantes é brasileira e da área de
comunicação, predomina nos profissionais um perfil de brasileiros, porém atuantes em outras
áreas, talvez sinalizando que para estes o importante é colaborar, participar das ações da ONG,
não apenas exercitar atividades de sua formação. Essa maioria representativa de estudantes da
área da comunicação reflete o significativo papel que as universidades, com seus cursos de
comunicação, exercem para o desenvolvimento e contribuição com a comunicação das ONGs,
que necessitam do trabalho voluntário para cumprir com suas demandas e interesses em
comunicação, assim como propiciam oportunidades para que os jovens comunicadores
desenvolvam novas competências, experiências e adicionem uma vivência de cunho
comunitário, social e cidadão (Costa, 1997/98). O exercício da Responsabilidade Social
Universitária fortalece e amplia as dimensões da extensão universitária, para uma formação
humana, de jovens mais autônomos, proativos e responsáveis (CALDERÓN, 2005).
A quantidade de estrangeiros entre estudantes é mais que o dobro do que entre
profissionais, espelhando uma das propostas da ONG de fomentar intercâmbios e mobilidade
acadêmica em torno do voluntariado e participação cidadã. Os estrangeiros trazem diferentes
visões de mundo, articulam as ações de comunicação segundo valores sociais muitas vezes
diferentes dos brasileiros, tornando-se assim fator inovador para o modelo de voluntariado
organizacional e para as práticas de comunicação da ONG.
No mesmo estudo de caso foi realizada entrevista com os voluntários que
desempenharam as atividades funcionais para a comunicação da ONG Opção Brasil, por meio
da aplicação de questionário (DUARTE, 2012), com questões abertas e questões fechadas por
abordagem linear do tipo quantitativa e em escala, com o intuito de identificar e analisar as
motivações ao trabalho voluntário em comunicação; a percepção dos voluntários quanto as
contribuições; a relevância deste modelo de comunicação com base no voluntariado. Os
Tabela 1 – Perfil do voluntariado na ONG Opção Brasil
Quantidade de
atividades funcionais
na elaboração dos seis
instrumentos de
comunicação
Quantidade de voluntários em atividades funcionais para a
comunicação.
Estudante Total Profissional Total Total
Gera
l CO
M
OUT BRA EST CO
M
OUT BRA EST
59 50 10 46 14 60 32 44 70 6 76 136
COM (área de comunicação) ou OUT (outra área); BRA (brasileiro), ou EST (estrangeiro).
200
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
questionários foram enviados no segundo semestre de 2014 para os que tiveram sua
participação voluntária em atividades funcionais para a comunicação da ONG Opção Brasil. A
qualidade das respostas foi diversificada, cabendo aqui indicar uma síntese das manifestações.
Quanto às motivações ao trabalho voluntário em comunicação, destacaram-se :
“desejo de contribuir na divulgação de um projeto relevante”; “propagar a integração dos
povos”; “ajudar a difundir uma iniciativa que eu acredito”; “para o próprio fortalecimento da
Organização”; “gosto muito de participar nesse processo fazendo as traduções quando
necessárias”; “como sou da área de artes visuais e já tinha tido diversas experiências na área
de design gráfico, assumi algumas demandas nessa área por interesse pessoal”.
No teor dessas respostas estão presentes menções diretas ao trabalho na comunicação
como fator de contribuição à formação técnica, humanística, integracionista, participativa para
um desenvolvimento pessoal e coletivo.
As avaliações sobre as contribuições do trabalho voluntário realizado em atividades
funcionais para a comunicação da ONG com relação à vida profissional, pessoal, social,
cidadã e acadêmica revelaram temas como: ética e ação solidária; desenvolvimento
sustentável e justo; participação social, exercício da cidadania e da solidariedade; forma de
lidar com a diversidade social e cultural. Tais questões foram relacionadas com o altruísmo, à
cidadania e ao bem comum, que transcendem o benefício pessoal e contemplam a experiência
da alteridade para o participante. Entre todas as questões apresentadas aos voluntários, a de
melhor avaliação foi quanto à contribuição de aspecto social, ou seja, “Para criar novos
amigos e redes de pessoas”. Entre as questões relacionadas à contribuição do trabalho
voluntário em atividades funcionais para a comunicação da ONG com relação à vida
acadêmica dos estudantes voluntários participantes, a questão melhor avaliada foi quanto:
“Ao aprendizado a partir do intercâmbio cultural vivenciado”.
Com base no modelo de auditoria em comunicação organizacional proposto por
Kunsch (2012), foi possível relatar e descrever as experiências vividas em comunicação pelos
voluntários formais dirigentes (diretores, gestores) e não dirigentes da organização.
Quanto à avaliação dos voluntários não dirigentes da organização sobre as questões
referentes à relevância do trabalho voluntário em comunicação para a ONG, foi destacado:
Para os fins sociais, culturais e comunitários que a organização comunica; Para a contribuição
com a sustentabilidade da organização. Já na opinião dos voluntários dirigentes coube
destaque em: Estimular a integração e participação de novos voluntários.
Percebeu-se que a ONG Opção Brasil possui um modelo de comunicação
organizacional com características próprias, com aspectos positivos e negativos pertinentes à
realidade organizacional quanto ao: Comprometimento dos voluntários - ou seja, não há um
comprometimento formal, lastreado na obrigação, o que pode prejudicar o cronograma para
entrega de um trabalho; Tempo e continuidade do trabalho - o período e horas de trabalho
variam, diferentemente do emprego formal, ficando a mercê dos interesses do voluntário;
Dificuldades para planejamento e cobrança dos resultados – a disponibilidade dos serviços
dos voluntários é relativa, afeita também a fatores grupais e emocionais, além da desobrigação
de contrapartidas, pois não há remuneração ou salário.
Esse modelo de empreendedor parece ser incompatível em relação à lógica das
organizações privadas que visam o lucro; porém, talvez, tais problemas podem ser superados
ao se verificar ganhos e entropia em vários aspectos: Participação – o colaborador percebe
aderência de aquilo que a organização solicita com seu ideário social e pessoal, ou seja, sente
uma sensação de pertencimento; Envolvimento com a organização - o colaborador pode se
sentir parte da organização, e não apenas um prestador de serviços; Apropriação da missão
organizacional – mostra sintonia com os propósitos da organização podendo não só
aprofundar relacionamentos com esta, como também difundir uma imagem positiva de seus
201
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
experiências naquele ambiente de trabalho.
Considerações Finais
As ONGs exercem papéis comunicativos de relevância social e política, com potencial
de contribuir para as bases de uma democracia mais participativa, para uma cultura ética,
solidária e sustentável em âmbito local, regional e global.
A dimensão do voluntariado em suas novas configurações se apresenta indissociável
da dimensão das ONGs nos seus desafios e proposições. Ambas têm em sua historicidade
exercido papéis relevantes nas transformações e configurações da sociedade civil. A
participação dos indivíduos e organizações influencia e é influenciada nos contextos sociais,
políticos e econômicos que estão inseridos.
Essa participação permitida aos indivíduos, de maneira formal no ambiente das
organizações, mais autônoma e de ação cidadã, em um local de trocas, responde a fatores
motivacionais com relação ao prazer e significado pessoal, sendo uma participação ainda
melhor alocada quando viabilizada a partir de associações de indivíduos, independentes, que
se organizam entorno de interesses comuns e coletivos como as ONGs.
Os espaços de participação nas ONGs, conduzidos por indivíduos voluntários,
congregam adeptos por fatores como identificação, altruísmo, sentimentos de comunidade e
pertencimento. Daí se apresenta e se contextualiza a dimensão da comunicação.
A comunicação nas ONGs, que se faz voluntária, de modo independente e autônoma,
possibilita benefícios ao indivíduo comunicador nesses espaços, entre relações sociais,
culturais, políticas, profissionais e de aprendizagem, durante o desenvolvimento de ações
comunicativas que se orientam para a filantropia, o desenvolvimento profissional e a
cidadania.
Essa dimensão da comunicação pelo novo voluntariado nas ONGs está condicionada
a:
O que as ONGs comunicam e a relação do voluntario com o conteúdo;
Para quem comunicam e a interação do voluntário com a causa ou o público;
O que se pretende com a comunicação e a identificação do voluntário com o fim
social que a ONG se preste e;
Como essa comunicação é desenvolvida, onde entra a dimensão da comunicação
frente aos desafios organizacionais possíveis nesses espaços de participação voluntária, em
meio aos distintos papéis comunicativos exercidos pelas ONGs.
Os processos de comunicação complexos e particulares de cada organização podem se
sustentar e se manter ativos pelas novas características do trabalho voluntário, trazendo
contribuições de distintas naturezas não monetárias, para o indivíduo voluntário e as ONGs.
As ONGs, para se manterem independentes do Estado e reticentes à lógica competitiva
e de consumo do mercado, são desafiadas a eficientes processos organizacionais, para que, em
conformidade às suas particulares características, possam se fazer sustentáveis.
Essa configuração torna ainda mais desafiador para as ONGs estabelecerem eficientes
processos comunicativos entre as demandas organizacionais que já sofrem reveses para se
fazerem sustentáveis. É aí que se permite um modelo de comunicação particular a cada
demanda e organização, calcado na autossustentabilidade via voluntariado.
As motivações ao trabalho voluntário são de origens diferentes e também se ampliam,
202
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
reduzem ou diversificam, de acordo como é conduzida tal expectativa na relação de troca
estabelecida entre voluntário e ONG. Esta precisa desenvolver meios mais flexíveis, até
alternativos, para permitir a relação sinérgica entre os comunicadores voluntários e o
cumprimento das demandas, e sobre como, onde, em que momento e de que forma esses
podem contribuir aos fins da comunicação.
A dependência da ação comunicativa voluntária das ONGs se torna ainda mais frágil
no contexto do novo voluntariado em que o compromisso estabelecido, tempo atribuído à
função e a priorização para o desenvolvimento das atividades são determinados pelo
voluntário, que como todo indivíduo, se encontra em processos de constante reorganização de
sua vida cotidiana, assim, cabendo às ONGs considerarem formas possíveis e ajustáveis à
disponibilidade e possibilidade do comunicador voluntário contribuir.
Muitas dessas demandas, por exemplo, pelas novas tecnologias da informação e
comunicação não necessitam da participação presencial do indivíduo, permitindo ao
voluntário se comprometer, sem o agravante desmotivador dos deslocamentos demasiados e
seus custos envolvidos.
As ONGs dão a entender a necessidade de as universidades exercerem a extensão e a
responsabilidade social universitária para o desenvolvimento social de maneira qualificada e
estratégica; também valorizam o potencial contributivo do voluntariado estudantil, mesmo
mediante processos ainda pouco praticados ou instituídos pelas universidades. Cabe a estas
estimular programas de extensão a partir dos cursos de comunicação social orientados a
contribuir com o desenvolvimento comunicativo das ONGs pela via do voluntariado, um dos
caminhos apropriados para qualificar a comunicação dessas organizações, assim como para
possibilitar uma formação mais social e humana do futuro comunicador.
O exercício de comunicar com o outro, a relação de valores e significado da
comunicação das ONGs pautada no social e coletivo, permitem o desenvolvimento da
competência social, do aprender a ser por meio do sentimento de pertencimento e alteridade
exercitada no processo comunicativo. Diferentes esferas do trabalho voluntário em
comunicação contribuem pelo difundir uma cultura estabelecida no respeito e ética, calcada
na relevância social do papel do comunicador que se doa aos fins dessas organizações que, em
última instância, destinam-se a atender a sociedade local e global.
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Tempo linear e tempo mágico nas propagandas
educacionais
Cláudia da Silva Pereira Doutora (2008) e Mestre (2003) em Antropologia Cultural pelo PPGSA (Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia) do IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro). Professora Ajdunta e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
PUC-Rio, concentra suas pesquisas nos estudos das representações sociais da juventude na mídia,
especialmente na publicidade, e suas relações com o consumo. Pesquisadora Plena do PECC - Programa de
Estudos em Comunicação e Consumo - Academia Infoglobo/PUC-Rio.
Marcelo Siqueira Maia Vinagre Mocarzel Doutorando em Comunicação (PUC-Rio). Mestre em Educação (UFF). Professor do Unilasalle-RJ.
Pesquisador do NUGEPPE/UFF e do PECC/PUC-Rio.
Resumo
Contrariando expectativas, a publicidade é a guardiã do pensamento mágico na sociedade
capitalista. Dentro dela opera um sistema de tempo cíclico, não-linear, que resolve
magicamente todos os problemas e burla as determinações do tempo histórico: passado e
futuro se confundem com o presente para fazer valer o consumo. Neste artigo analisaremos
três anúncios publicitários de instituições ligadas ao campo educacional, apontando como o
discurso construído rompe com a noção de tempo linear e reorganiza a vida social de
maneira totêmica.
Palavras-chave
Publicidade; Tempo; Consumo; Magia.
Abstract
Contrary to expectations , advertising is the guardian of magical thinking in capitalist society
. It operates a cyclical time system , non-linear , which magically solve all problems and
fraud determinations of historical time : past and future merge with the present to enforce
consumption. In this article we analyze three commercials institutions linked to the
educational field, pointing out how the discourse constructed breaks with the notion of linear
time and reorganizes the social life in a totemic way .
Keywords
Advertising; Time; Consumption; Magic.
Introdução
O capitalismo, enquanto estrutura hegemônica, se sedimentou no mundo a partir da
combinação das resultantes de duas grandes revoluções do século XVIII: a Francesa, com a
queda da nobreza e a ascensão da burguesia como classe dominante e a Industrial, com as três
fases da industrialização, estendendo-se até o século XX. Esta última consolidou o modo de
produção e, consequentemente, a sociedade que hoje conhecemos como de consumo, que para
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Baudrillard (2011, p. 264), “é a palavra da sociedade contemporânea sobre si mesma”. Mas
suas raízes são anteriores.
O capitalismo burguês tem suas origens nas cidades-estados italianas do fim da Idade
Média (séculos XIV e XV). Com a ruptura com o sistema feudal, o consumo passou a ser a
via de sobrevivência; não mais a produção agrícola para subsistência. Nas cidades era preciso
vender sua força de trabalho para obter bens de troca, que por sua vez eram convertidos em
bens de consumo. Assim surgiu o consumo que hoje conhecemos.
Esta estrutura inicial durou até o século XIX, quando ocorre a grande transformação,
explicitada por Polanyi (2012, p. 7): “Após 1815, a mudança é súbita e completa. A
repercussão da Revolução Francesa reforçou a maré montante da Revolução Industrial,
estabelecendo os negócios pacíficos como um interesse universal.” Este tempo de paz, citado
pelo autor, durou aproximadamente cem anos, atendendo aos interesses comerciais das
lideranças europeias, sendo quebrado somente com a Primeira Guerra Mundial.
A grande transformação diz respeito à ascensão e sedimentação da economia
capitalista de mercado, a partir do caso inglês, algo que mudou os rumos da história da
humanidade. Hoje, estudamos o consumo devido a essa transformação, que consolidou um
novo modelo de homem e um novo projeto de sociedade.
Este artigo irá investigar a publicidade como uma desbravadora da sociedade de
consumo, entendendo que é justamente seu aspecto mágico o que garante sua eficiência. A
publicidade é a ponta da lança na cruzada do capitalismo em busca da dominação global. Sua
expansão não possui precedentes na história da humanidade: nenhum conquistador, nenhum
Império dominou tantos territórios quanto esta ideologia sem rei.
Tempo(s)
O processo civilizatório compeliu as sociedades a se localizarem no tempo e no
espaço. Houve o desenho de fronteiras, com mapas, muralhas, cercas e a invenção de
ferramentas para controlar o tempo, como o relógio e o calendário. Diferentemente do que
acontecia nas sociedades primitivas, o tempo ganhou uma concretude, uma possibilidade de
quantificação.
É importante diferenciar dois tipos de tempo: o tempo linear e o tempo cíclico. O
tempo linear é o tempo quantificável, aferível, que nos separa em passado, presente e futuro.
Há uma valorização do tempo presente, da atualidade, sobretudo na sociedade de consumo.
“A cultura de massa privilegia o presente em uma imensa extensão que desposa e estimula a
atualidade” (MORIN, 2011, p. 173)
Já o tempo cíclico é mágico: não pode ser somado, contabilizado de maneira racional.
Ele guarda tradições etiológicas, como aponta Lévi-Strauss (2013) e não projeta o futuro;
preserva a permanência. O tempo mágico está a serviço da narrativa que o constitui,
desrespeitando a lógica cartesiana que tenta ser imposta a ele. A partir da análise do
“pensamento selvagem”, o tempo coloca-se como mítico, totêmico. Pelos olhos dos nativos, o
tempo pode simplesmente não existir, como descreve Elias:
Um inspetor das escolas de uma reserva de índios sioux conversou com Hall
sobre as dificuldades de adaptação dos grupos tribais. (…) "Que acharia o
senhor", perguntou ele, "de um povo que não dispõe de nenhuma palavra para
expressar 'tempo'? Minha gente não tem nenhuma palavra que signifique
'atrasado' ou 'esperar'. Eles não sabem o que é esperar ou chegar atrasado." E
prosseguiu: "Cheguei à conclusão de que eles nunca se adaptarão à cultura dos
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brancos, enquanto desconhecerem o que significa o tempo e não souberem
dizer as horas. Por isso é que resolvi lhes ensinar o que é tempo. (ELIAS,
1998, p. 111)
A noção de tempo sofreu disputas intelectuais: se os newtonianos tinham o tempo
como algo absoluto e objetivo, Kant o pensou como um a priori – algo intrínseco ao humano,
parte de seu aparato intelectual e subjetivo, sem realidade objetiva fora da existência humana.
Durkheim adotou uma posição parcialmente kantiana, apenas deslocando a ideia de a priori
do indivíduo para a sociedade.
A partir desse panorama analítico apresentado por Rodrigues, buscamos entender o
tempo linear, datado, quantificável como uma estrutura de organização social, “um
instrumento para regular a convivência humana” (RODRIGUES, 2006, p. 86). Os homens
passaram a controlar o tempo, com seus relógios, se afastando da ideia mítica de blocos
temporais de passagens abruptas, como sinaliza Elias.
A sociedade burguesa repudia o tempo mágico em sua constituição ordinária.
Deterioram-se as narrativas míticas, separando a vida privada da religião, lugar que conserva
o aspecto sagrado. “Tende a destruir o in illo tempore1 dos mitos para substituí-lo por um
“chegou essa semana”. (MORIN, 2011, p. 174)
Há um novo imperialismo: o da cultura de massa. Para Morin, a cultura de massa não
consegue cristalizar-se como religião da vida privada, por isso baseia-se no mercado e no
consumo, criando seus próprios ritos. Faz-se um união ferrenha entre o imaginário e o real,
algo mais profundo que qualquer religião é capaz de fazer.
A sociedade de consumo experimenta o que Lévi-Strauss chama de “vazio totêmico”
(2012, p. 271): estabelecem-se critérios racionais que deixam o pensamento mágico de fora da
narrativa principal. Com exceção, talvez, de um campo: a publicidade. Esta ainda se pretende
mágica, como sinaliza Rocha (1995) e é justamente essa permanência que vamos analisar
adiante, a partir da categoria “tempo”.
Vale ressaltar que o tempo deve ser encarado como uma categoria social, construída
pelos homens a partir de suas necessidades. O tempo é um símbolo, segundo Elias, que
carrega uma dimensão física. O tempo está a serviço da consciência, trata-se de um elemento
organizador, mas nada tem de atávico.
O tempo serve à sociedade histórica, quando ele registra a linearidade dos fatos e
possibilita a construção de novas narrativas, como por exemplo o evolucionismo e o
materialismo. Para Elias: “O caráter de dimensão universal assumido pelo tempo é apenas
uma figuração simbólica do fato de que tudo encontra-se no fluxo incessante dos
acontecimentos.” (ELIAS, 1998, p. 31).
Portanto, o homem coloca-se nesse fluxo, amarra-se ao contínuo da história, buscando
mensurar o que antes não podia ser mensurado, saindo da lógica do mito, que para Barthes
(2013, p. 234), “é a eliminação histórica das coisas”, que perdem a lembrança de sua
produção e transformam eventualidade em eternidade. O controle do tempo é a fuga do mito;
é uma tentativa de combater a angústia de sentir-se sozinho no mundo, sem saber de onde se
veio e sem saber para onde se vai.
1 A expressão latina significa “Naquele tempo...”, um modo comum de iniciar a narrativa dos mitos.
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Publicidade, magia e consumo
Para Lévi-Strauss, o pensamento mágico na sociedade capitalista seria algo residual.
Estaria confinado em alguns pequenos espaços, dando lugar à racionalidade, ao pragmatismo.
O totemismo teria cedido a vez à razão prática, como lembra Sahlins:
É verdade que Lévi-Strauss escreve como se o totemismo se houvesse
limitado, em nossa sociedade, a uns poucos locais marginais ou práticas
ocasionais. E com razão – na medida em que o “operador totêmico”,
articulando diferenças na série cultural com diferenças na espécie natural,
não é mais um elemento principal no sistema cultural. Mas deve-se
questionar se não foi substituído por espécies e variedades de objetos
manufaturados, os quais como categorias totêmicos têm o poder de fazer
mesmo da demarcação de seus proprietários individuais um procedimento de
classificação social. (SAHLINS, 2003, p. 176)
A colocação de Sahlins vai ao encontro da proposição de autores como Wagner (2012)
e Rocha (1995). Para este, a publicidade é o locus da magia na sociedade capitalista. É
também, um sistema de classificação, uma vez que é um “caminho para o entendimento de
modelos de relações, comportamentos e da expressão ideológica dessa sociedade” (p. 29). A
publicidade opera, segundo o autor, como um sistema de ideias feito para circular no interior
da ordem social.
Até mesmo o nome que tão bem nos define – sociedade de consumo – a partir da
visionária proposição de Baudrillard só é possível através da publicidade. “É pela publicidade
que se transforma o domínio da produção – onde os produtos são indiferenciados, múltiplos
seriados e anônimos – no domínio do consumo, onde o produto tem nome, nobreza, mistério e
vida”. (ROCHA, 1995, p. 61).
Ao romper com o cotidiano, a publicidade traz o pensamento mágico e o totemismo
para o centro da cultura de massa: sem sair do lugar podemos nos transportar para lugares
paradisíacos, todos os nossos problemas são resolvidos pelos produtos e serviços oferecidos e
não há espaço para a dor, a tristeza, o sofrimento, a frustração.
Segundo Wagner (2012, p. 163), a publicidade – ou propaganda, nos termos do autor –
“redefine sutilmente que tipos de resultados as pessoas ‘desejam’ ao falar de seus produtos”.
Sendo assim, a publicidade vende a satisfação desses desejos antes de vender os produtos
(uma casa limpa, uma roupa macia, uma viagem inesquecível etc.). Se o desejo prometido
encontra a demanda, o produto é vendido.
Dessa forma, a propaganda se parece com a “magia” dos povos tribais, que
também objetifica a atividade produtiva por meio de outras imagísticas.
Assim como o significado dos produtos precisa ser continuamente inventado
para que as pessoas comprem, para que os produtos não sejam tomados
simplesmente como detalhes ordinários da vida, também os povos tribais,
para os quais a produção faz parte da vida familiar e de parentesco, precisam
continuamente criar um significado e direção separados para sua atividade
produtiva, para que ela não se torne meramente uma maneira de relacionar-
se com as pessoas. (WAGNER, 2012, p. 163)
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Wagner faz ainda um interessante levantamento de como o discurso publicitário utiliza
a expressão “como mágica” em suas tentativas de enaltecer os produtos. Um simples pneu e
um sabão em pó funcionam como mágica ao resolverem os problemas cotidianos dos
consumidores. A magia torna-se então um projeto de vida, assim como nas sociedades
totêmicas.
A partir da visão dos autores, concordamos que o pensamento mágico não é tão
marginal no capitalismo quanto Lévi-Strauss afirmava. A cultura de massas deu à publicidade
um relevo considerável na vida das pessoas. A publicidade bombardeia os seres urbanos
através de diversos suportes (televisão, Internet, revistas, jornais, painéis, cartazes etc.),
fazendo com que o consumo seja o mito do tempo capitalista.
Para começar, um universo social precisa de uma dimensão temporal
demarcada. O calendário deve ser subdividido em período anuais,
semestrais, mensais, semanais, diários e outros ainda mais curtos. A
passagem do tempo é então carregada de significado. O calendário
estabelece um início para a rotação dos deveres, para o estabelecimento de
precedência, para a revisão e renovação. Outro ano passou, um novo
começo; vinte e cinco anos, um jubileu de prata; cem, duzentos anos, uma
celebração de centenário ou bicentenário; há um tempo de viver e um tempo
de morrer, um tempo de amar. Os bens de consumo são usados para marcar
esses intervalos. Sua variação de qualidade surge a partir da necessidade de
estabelecer uma diferenciação entre o ano calendário e o ciclo da vida.
(DOUGLAS & ISHERWOOD, 2013, p. 110)
O consumo, na modernidade, ritualizou-se. Adquiriu aspectos do sagrado para dar
sentido à incompletude dos acontecimentos. Rocha (apud DOUGLAS & ISHERWOOD,
2013) indica que o consumo possui uma importância ideológica e prática no mundo em que
vivemos, como “estruturador de valores que constroem identidades, regulam relações sociais,
definem mapas culturais” (p. 8).
Douglas e Isherwood analisam o consumo através de diferentes enquadramentos:
hedonista (prisma da publicidade, felicidade e realização pessoal), moralista (crítica à relação
entre consumo e os problemas sociais) ou naturalista (consumo como algo naturalmente ou
biologicamente necessário). Vamos aqui tratar do enfoque hedonista, a partir da análise de três
peças publicitárias.
O consumo traz, como indica Baudrillard (2011), uma configuração reflexiva e
discursiva. Ele reflete os desejos e anseios da sociedade e projeta novos desejos, criados a
partir de novos discursos. Para o autor, a única realidade objetiva do consumo seria a própria
ideia de consumo. “A nossa sociedade pensa-se e fala-se como sociedade de consumo. Pelo
menos, na medida em que consome, consome-se enquanto sociedade de consumo em ideia. A
publicidade é o hino triunfal desta ideia” (BAUDRILLARD, 2011, p. 264)
Tratamos aqui a publicidade como a ponta da lança do capitalismo. A metáfora não é
arbitrária: num duelo de cavaleiros, a ponta da lança definia o vitorioso. Aquele que tocasse
primeiro no oponente com a ponta da lança era o campeão. Enxergamos a publicidade neste
trabalho como a ponta da lança: é ela que garante a hegemonia do sistema, é ela quem lidera
as cruzadas em busca de novos mercados, não foi a produção industrial, mas sim o desejo de
consumir que batizou-nos como sociedade do consumo.
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Pequena nota metodológica
Mais adiante analisaremos três anúncios publicitários veiculados na Revista Nova
Escola, publicação mensal da Editora Abril. Esta revista é a maior publicação jornalística
voltada para a educação no país, tendo como público-alvo principal, professores, gestores
escolares e pais de alunos. Tais anúncios foram encontrados em três edições a que tivemos
acesso (n° 204, de agosto de 2007; n° 220, de março de 2009; n° 256, de outubro de 2012) e
correspondem a propagandas de organizações educacionais.
Optamos por analisar tais propagandas a partir de um visão interpretativa inicial,
enfatizando a categoria “tempo”. Na constituição da tese, é nossa intenção analisar as
propagandas a partir do encontro da Análise de Discurso Francesa e da Teoria das
Representações Sociais. Tal combinação não é apenas possível, como é instigante, mas
demanda um esforço de construção metodológica que caberá a outra etapa da tese. Neste
momento, faremos uma descrição analítica, a partir da Análise de Conteúdo, que segundo
Bardin (2011) é o tratamento de informações e descrição dos conteúdos das mensagens.
Três casos de tempo mágico nas propagandas de empresas
educacionais
Antes de iniciarmos a análise das três peças selecionadas, é preciso deixar claro que
toda propaganda deseja vender algo a alguém: seja um produto, uma marca, uma ideia, sua
intenção é seduzir, persuadir, convencer o espectador ou leitor de algo.
Para isso, a publicidade – e os publicitários – se utilizam de argumentos mágicos, de
soluções rápidas, práticas e definitivas para todos os problemas que o consumidor enfrenta em
seu cotidiano. Um produto ou serviço traz consigo um projeto de vida. Rocha nos alerta:
Quando vemos um produto funcionar magicamente é porque ele funciona,
antes, dentro do anúncio. As vidas projetadas nos anúncios dão sentido
absoluto ao produto, organizando a experiência do seu consumo. A
necessidade é colocada dentro do anúncio. (ROCHA, 2005, p. 203)
Sendo assim, nos casos a seguir, iremos buscar identificar como o tempo é
categorizado como algo mágico, não-linear, diferente do tempo-calendário que pauta a
sociedade industrial em seu cotidiano. Vejamos o primeiro caso2:
2 REVISTA NOVA ESCOLA. Anúncio da empresa Objetivo (parcial). São Paulo: Editora Abril, Ano XXVII, n.
256, p. 52, out. 2012.
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Neste anúncio temos o logotipo da empresa na parte superior e seus contatos (telefone
e página virtual) na parte inferior. Ocupando o eixo central do anúncio encontramos cinco
fotos acompanhadas de legendas. Na primeira, ao lado da imagem de uma menina, de
aproximadamente cinco ou seis anos, carregando um urso de pelúcia e um estetoscópio lê-se
“Vitória, futura Médica Veterinária”. Na segunda temos uma adolescente de jaleco e
estetoscópio e lê-se “Isabela, futura Neurocirurgiã”. Na imagem central temos um menino de
três ou quatro anos, aparentemente, brincando com blocos de montar e a legenda “Luís Felipe,
futuro engenheiro civil”. Nas duas últimas imagens temos um adolescente portando um tablet
e a legenda “André, futuro Administrador de Empresas” e uma menina de seis ou sete anos
mostrando um vaso de plantas, acompanhada do texto “Julia, futura Engenheira Ambiental”.
A única palavra que se repete em todas as legendas é futuro, trocando apenas o artigo
de gênero. A princípio poderíamos pensar que este anúncio está dentro da lógica linear do
tempo, que divide passado, presente e futuro. Mas a mágica reside justamente na sobreposição
desses tempos históricos. Ao lermos a peça publicitária, nos damos conta que já conhecemos
o futuro desses cinco personagens, mesmo que este futuro ainda não tenha chegado. O futuro
se faz presente, no momento em que cada um porta um atributo ligado à profissão
determinada. O futuro já estaria definido? Ou o futuro já está acontecendo?
A sobreposição dos tempos históricos é obra dos ‘feiticeiros publicitários’, que juntam
tudo magicamente para resolver todas as questões. Se esperar pela definição profissional é
algo angustiante para pais e filhos, nesta propaganda não é preciso se preocupar. O Objetivo
traz a solução mágica, objetiva (com a devida licença para o jogo de palavras). Fica claro que
trata-se de uma nova forma de classificação, em que quem será médica já é médica, quem será
engenheiro já é engenheiro etc. Se pensarmos nas profissões como clãs, poderíamos dizer que
há uma marca atávica em cada um dos seus integrantes e que nada irá desviá-los de seus
destinos. A propaganda não deixa brecha para desvios, mudanças, questionamentos, com a
força implacável que a magia deve ter. Podemos pensar nos objetos como operadores
totêmicos, pois eles codificam o texto e dão sentido ao anúncio.
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O segundo anúncio3 traz a sobreposição do tempo de forma ainda mais nítida.
Vejamos:
Temos uma imagem editada que domina toda a página, com um texto de apresentação
na parte superior e diversas assinaturas de empresas responsáveis pela ONG Amigos da
Escola na parte inferior, bem como um texto e uma indicação para acesso à página virtual da
instituição.
Um olhar menos cauteloso poderia entender que se trata de uma propaganda de
instituição sem fins lucrativos, uma iniciativa louvável de valorização das escolas através do
voluntariado. Mas fica clara a intenção publicitária quando vemos as marcas das empresas e
instituições adornando o anúncio: trata-se aqui da valorização das marcas frente ao público,
através de iniciativas socialmente positivas. Este anúncio busca vender a imagem da Rede
Globo, por exemplo, como uma empresa “amiga” da escola, uma personificação que por si só
já é mágica.
O título do anúncio traz as seguintes frases: “Estimule o aprendizado do seu filho. No
futuro, ele vai agradecer.” Na assinatura encontramos os seguintes dizeres: “Ajudar no dever,
acompanhar os estudos dos filhos. Ações simples que ajudam na educação. Saiba mais:
www.amigosdaescola.com.br”. Abaixo estão os logotipos da Rede Globo, UNICEF e outras
instituições parceiras do projeto.
A foto central já é mágica por si só: traz uma fileira de jovens que parecem estar na
cerimônia de formatura da graduação. No meio da fila, há um recorte na imagem, onde se
3 REVISTA NOVA ESCOLA. Anúncio da ONG Amigos da Escola. São Paulo: Editora Abril, Ano XXII, n. 204,
p. 30, ago. 2007.
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encaixa uma imagem de um menino estudando com uma adulto ao lado, que aparenta ser seu
pai. Este aluno está sobreposto ao formando que deveria aparecer. A ideia é mostrar que
aquele aluno que agora recebe o diploma um dia já contou com o acompanhamento do pai nos
estudos.
Novamente vemos a lógica do tempo linear ser embaralhada. O texto inicial traz a
ideia que seu filho irá te agradecer por algo no futuro, um período que ainda não chegou.
Assim como no primeiro caso, a ideia de futuro funde-se com a de presente: como saber no
presente o que acontecerá no futuro? Há uma ideia de tempo cíclico presente: o que vai
acontecer já aconteceu.
A imagem traz a magia de forma estética: a presença da criança na fila dos formandos
possibilita que dois corpos ocupem o mesmo lugar no espaço. Naquele pedaço do ambiente
escolar entra um ambiente doméstico, com paredes diferentes, iluminação própria, algo
milagroso. O adulto oculto é adulto e ao mesmo é criança. A criança é a projeção do que foi e
do que será. A formatura, um rito de passagem da sociedade burguesa, aos olhos de Gennep
(2011), dá espaço aos rotineiros estudos de uma criança. Uma marcação importante: os
formandos olham para frente, para o horizonte (marcando o futuro); a criança olha para baixo,
marcando o presente.
A solução mágica desta propaganda está numa equação simples: (estudo +
acompanhamento dos pais) = (sucesso acadêmico + gratidão). E como o anúncio se dirige aos
pais, entendemos que a resultante (sucesso acadêmico + gratidão) resolve as angústias e a
ansiedade deste público frente à formação dos filhos.
Por fim, temos um terceiro anúncio4 que traz à tona de forma ainda mais categórica a
sobreposição do tempo histórico.
4 REVISTA NOVA ESCOLA. Anúncio da Rede Salesiana de Escolas. São Paulo: Editora Abril, Ano XXIV n.
220, p. 31, mar. 2009.
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Trata-se da propaganda da Rede Salesiana de Escolas, cujo título é: “Aqui o futuro é
presente”, que é onde vamos nos deter. Abaixo há um longo parágrafo publicitário
enaltecendo as qualidades e valores da Rede. Por fim, há o logotipo da escola e a frase
“Garanta sua vaga!” acompanhada da página virtual da instituição.
A frase inicial é direta: o futuro é presente. Ao afirmar isso, em paralelo com a
imagem, a propaganda valida o discurso do tempo cíclico, em que o futuro está para o
presente assim como uma equação matemática está para uma obra futurista. Esta organização
texto/imagem trabalha com a ideia de que o aluno será capaz de projetar obras assim
aprendendo as equações naquela instituição de ensino.
Parece ser uma relação pobre, mas não é: é simples justamente por ser mágica. O
anúncio coloca que o futuro é presente num jogo de espelhos, em que o presente pode ser a
obra arquitetônica, assim como pode ser a equação. O que representa mais o futuro? Uma
obra futurista construída no passado ou uma equação que servirá de base para novas
construções. Este sistema se retroalimenta de tal forma que nos parece impossível identificar
em que tempo histórico se encontra cada coisa.
Assim, este anúncio reforça o sentido mítico das coisas: quem veio primeiro, a obra ou
a equação? Não se sabe. Se o futuro é presente, será que o presente também é futuro? A
confusão temporal causada só nos parece ilógica quando olhamos com a visão do outro, com
o estranhamento de quem não se reconhece no projeto de vida apresentado pela publicidade.
Mas ao mergulharmos na estrutura construída, fica clara a intenção do anunciante: informar
que a escola oferece a garantia do futuro.
Algumas considerações
Quando pensamos na força do consumo, pensamos imediatamente na publicidade. Ela
é a seta disparada, a ponta da lança, a catequese da modernidade, que leva o sagrado, o mítico,
o mágico para os lares contemporâneos.
Para muitos pesquisadores, o consumo moderno surge com a moda no século XVIII
(CAMPBELL, 2001; MCCRACKEN, 2003; MCKENDRICK, 1982), a partir da grande
indústria têxtil que se forma. Mas é a publicidade que garante sua sedimentação no mundo no
século seguinte. As lojas de departamento – os grandes magazines – serviam como “vastas
salas de aula nas quais os cidadãos do século XIX podiam aprender as artes e habilidades de
seu novo e vital papel como consumidores”; seus catálogos funcionavam como verdadeiras
cartilhas que instruíam e, ao mesmo tempo, seduziam. Os novos mercadores passaram a ser
“os profissionais do marketing”. (MCCRACKEN, 2003, p. 51).
A publicidade traz o sentido mágico esquecido de volta ao centro da cultura de massa,
resolvendo magicamente todos os problemas dos consumidores, despertando desejos, sonhos,
criando necessidades para depois vender as soluções. O tempo na publicidade tende a ser
mágico, diferentemente do tempo-calendário do cotidiano.
Sua própria lógica de repetição faz com que vejamos o mesmo anúncio várias e várias
vezes, como sendo algo novo a cada vez, além da própria estética de construção da narrativa
publicitária. Este artigo buscou exemplificar a magia relativa ao tempo encontrada nas
propagandas, a partir de três exemplos de uma revista específica do campo da educação.
Buscamos mostrar que na propaganda o tempo está em outra dimensão: ele não passa, mas se
repete em ciclos. Bem-vindo ao lugar em que o cowboy nunca envelhece e nem sofre dos
pulmões.
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Referências
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Usos e apropriações de multimídias na educação para a
biodiversidade em escolas de Belém/PA
Lúcia das Graças Santana da Silva Doutoranda em Museuologia na universidade Lusófona em Lisboa, Portugal. Mestre em Teoria Literária pela
UFMG. Chefe do Serviço de Educação do Museu Paraense Emílio Goeldi/MCTI.
Vanja Joice Bispo Santos Mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas. Especialista em Comunicação Cientifica e Tecnológica.
Analista de Ciência e Tecnologia e Chefe do Serviço de Comunicação Social do Museu Paraense Emílio
Goeldi/MCTI.
Mayara Santos Maciel Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Bolsista do Programa de Capacitação
Institucional no Museu Paraense Emílio Goeldi/MCTI.
Resumo Esta pesquisa, realizada no âmbito do Programa de Capacitação Institucional através do Museu
Paraense Emilio Goeldi/MCTI, identificou as percepções sobre o conceito de biodiversidade em duas
comunidades escolares de Ensino Fundamental e Médio da cidade de Belém do Pará - Brasil,
vinculadas aos sistemas municipal e estadual de ensino, a saber: Fundação Centro de Referência em
Educação Ambiental Professor Eidorfe Moreira e Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio
Vilhena Alves. Também identificou como as Tecnologias da Informação e da Comunicação e
multimídias atuam como mediadoras dos processos de ensino e aprendizado sobre biodiversidade
nestas comunidades. Como metodologia foi utilizada a pesquisa-ação com observação participante
(PERUZZO, 2003) e entrevistas em profundidade do tipo semi-abertas com questões semi-
estruturadas (Duarte, 2009). Concluiu-se que o conceito de biodiversidade deve ser melhor
trabalhado em âmbito escolar, de uma forma estruturada e com o auxílio pedagógico das TICs, cujo
uso educativo deve ser favorecido com melhores investimentos na educação pública, principalmente
na formação e sensibilização de professores para o uso pedagógico das TICs e multimídias.
Palavras-chave Biodiversidade; educomunicação; multimídia; educação; comunicação.
Abstract This research, carried out under the Capacity Institutional program through the Paraense Emilio
Goeldi Museum/MCTI, identified perceptions about the concept of biodiversity in two school
communities of elementary and high school in the city of Belém do Pará - Brazil, linked to municipal
systems and state education, namely: Reference Center for Environmental Education Foundation
Teacher Eidorfe Moreira and State Elementary School and Middle Vilhena Alves. Also identified as the
Information and Communication Technologies and multimedia, act as mediators of the processes of
teaching and learning about biodiversity in these communities. The methodology used is action
research with participant observation (PERUZZO, 2003) and in-depth interviews of semi-open type
with semi-structured questions (Duarte, 2009). It was concluded that the concept of biodiversity
should be better worked in the school environment, in a structured way and with the pedagogical
assistance of ICTs, whose educational use should be favored with the best investments in public
education, especially in training and teachers' awareness of the pedagogical use ICT and multimedia.
Keywords Biodiversity; educomunication; multimedia; education; communication.
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Introdução
Ao longo de quase 150 anos o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) pesquisa
diversos aspectos da biodiversidade brasileira, sobretudo da Amazônia. A experiência e
tradição na construção e compartilhamento de conhecimentos científicos sobre biodiversidade
fez da instituição uma referência no assunto.
Há aproximadamente 5 anos, o Museu Paraense Emílio Goeldi, através da Escola da
Biodiversidade Amazônica (Ebio)1, um dos sub-ptojetos formulados no âmbito do
INCT/Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia2, estuda e experimenta linguagens e
formatos multimidiáticos para a comunicação pública da ciência produzida pela instituição,
através de práticas educomunicativas que buscam formar redes de saberes que valorizem a
sabedoria popular amazônica em diálogo com o conhecimento científico. Para comunicar a
ciência, a Ebio desenvolve produtos adaptados para a web, rádio e mídias locativas como
telefones celulares e tablets. Dentre as ações da Ebio destacam-se o Prêmio José Márcio
Ayres3, a Agência Tubo de Ensaio4, o projeto Viva Amazônia5, e outros.
A experiência da Ebio norteou a elaboração e execução desta pesquisa, executada no
âmbito do Programa de Capacitação Institucional, através do Museu Paraense Emílio
Goeldi/MCTI no período de outubro de 2014 a setembro de 2015. A primeira fase da pesquisa
mapeou práticas de educação e comunicação multimidiáticas em escolas públicas ligadas aos
sistemas municipal e estadual de ensino de Belém e identificou os imaginários dessas
comunidades escolares sobre o tema da biodiversidade e o papel das TICs e multimídias na
construção destes imaginários. Assim, pretendia-se, também, conhecer um dos públicos
prioritários da Ebio, e, portanto, do Museu Goeldi, e analisar como um assunto tão importante
na agenda científica do MPEG, o estudo da biodiversidade, é abordado nas escolas. O Museu
Paraense Emílio Goeldi é uma referência mundial nas pesquisas sobre a diversidade biológica
da Amazônia, e a popularização dessa temática junto ao público escolar é uma meta do
programa institucional Biodiversidade da Amazônia.
O termo biodiversidade ficou conhecido na literatura na década de 1980 e passou a ser
difundido após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a
Rio 92. Apoiada em Primack (1992), Fonseca (2007, p. 65) afirma que, do ponto de vista
biológico, a biodiversidade “refere-se à variedade de formas de vida presente na Terra
(diversidade de espécies), aos genes que as constituem (diversidade genética) e aos
ecossistemas dos quais são parte (diversidade de ecossistemas)”.
Corroborando esta ideia, Wilson (1992 apud CASTRO et al, 2014) afirma que o termo
biodiversidade refere-se à
1A Ebio tem o objetivo de “propor, planejar, experimentar e estudar a organização de processos de aprender-ensinar-
comunicar conhecimentos sobre a biodiversidade amazônica e o uso da terra na Amazônia”. 2 O INCT/Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia é um projeto que foca no desenvolvimento de pesquisas, ações de
educação e comunicação da ciência no Arco do Desmatamento”. Informações retiradas de <http://museu-goeldi.br/inct/>.
Acesso em 25/03/2015. 3O PJMA é uma iniciativa do Museu Paraense Emílio Goeldi e da Conservação Internacional (CI Brasil) com o
apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia e da Escola
da Biodiversidade Amazônica. O Prêmio tem a proposta de provocar e estimular entre os estudantes de ensino
fundamental e médio a curiosidade em relação aos conhecimentos sobre a biodiversidade da região amazônica,
suas interrelações, seus impactos à sociedade e ao meio ambiente. 4A Agência Tubo de Ensaio – a escola no caminho da ciência, é uma rede colaborativa formada por estudantes do
ensino médio, professores, universitários e profissionais de comunicação para reportar assuntos científicos de
forma simples e criativa, a partir dos princípios da comunicação pública da ciência. 5Concebido pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, o Projeto “Viva Amazônia” pretende apresentar ao público
informações sobre a Amazônia em seus diversos aspectos, a partir dos acervos científicos do MPEG, como os
biológicos, etnográficos, arqueológicos, fósseis e minerais, de obras raras, documentais e das coleções vivas de
fauna e flora do Parque Zoobotânico.
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
Variedade de organismos considerada em todos os níveis, desde variações
genéticas pertencentes à mesma espécie até as diversas séries de espécies,
gêneros, famílias e outros níveis taxonômicos superiores. Inclui variedade de
ecossistemas, que abrange tanto as comunidades de organismos em um ou
mais habitats quanto às condições físicas sob as quais elas vivem (WILSON,
1992, p.412 apud CASTRO et al, 2014, p. 2).
Anos depois, em uma publicação posterior, Wilson (1997) faz uma afirmação
diferenciada. Neste trabalho, dá a seguinte definição para biodiversidade:
Biodiversidade é toda variação em todos os níveis de organização, desde os
genes dentro de uma simples população local ou espécie, até as espécies que
compõem parte de uma comunidade local e, finalmente, as próprias
comunidades que compõem a parte viva dos ecossistemas multifatoriais do
mundo. A chave precisa para a efetiva análise da biodiversidade está em cada
nível de organização que está sendo discutido (WILSON, 1997, p.1 apud
OLIVEIRA; MARANDINO, 2011, p. 56).
O Artigo 2 da Convenção sobre Diversidade Biológica, do Ministério do Meio
Ambiente, considera que o termo “diversidade biológica” significa a
Variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo,
dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas
aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo
ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas
(___, 2000, p. 9).
A biodiversidade, no entanto, não se resume à terminologia das ciências naturais, ela
também tem caráter social e cultural, visto que é um produto da relação entre a natureza e as
populações humanas. De acordo com Diegues et al (2000), a biodiversidade
É também uma construção cultural e social. As espécies são objetos de
conhecimento, de domesticação e uso, fonte de inspiração para mitos e
rituais das sociedades tradicionais e, finalmente, mercadoria nas sociedades
modernas (DIEGUES et al, 2000, p. 1).
Em âmbito escolar, a questão da biodiversidade é abordada especialmente nas
disciplinas ciências e biologia, e é visualizada também pela perspectiva da educação
ambiental, área interdisciplinar que conflui entre os campos educativo e ambiental.
Inicialmente, a experiência em educação ambiental no Brasil carregou fortes marcas
conservacionistas e naturalistas originadas no campo ambiental, caracterizadas, entre outros
aspectos, pelas práticas de educação realizadas em espaços de conservação e na sustentação
de uma militância política na área (KAWASAKI; CARVALHO, 2009).
No entanto, o conceito de educação ambiental crítica, de acordo com Loureiro (2007),
ultrapassa a tendência comum até os anos 1980, que associa a educação ambiental apenas ao
ensino de temas relacionados à biologia e ecologia e a práticas ecologicamente corretas. Para
o autor, a educação ambiental crítica
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Se insere no mesmo bloco ou é vista como sinônimo de outras denominações
que aparecem com frequência em textos e discursos (transformadora,
popular, emancipatória e dialógica), estando muito próxima também de
certas abordagens da denominada ecopedagogia. A sua marca principal está
em afirmar que, por ser uma prática social como tudo aquilo que se refere à
criação humana na história, a educação ambiental necessita vincular os
processos ecológicos aos sociais na leitura de mundo, na forma de intervir na
realidade e de existir na natureza. Reconhece, portanto, que nos
relacionamos na natureza por mediações que são sociais, ou seja, por meio
de dimensões que criamos na própria dinâmica de nossa espécie e que nos
formam ao longo da vida (cultura, educação, classe social, instituições,
família, gênero, etnia, nacionalidade etc.). Somos sínteses singulares de
relações, unidade complexa que envolve estrutura biológica, criação
simbólica e ação transformadora da natureza (LOUREIRO, 2007, p. 66).
Apesar das diversas compreensões sobre a biodiversidade apontadas pelos autores, que
estão nos níveis da variedade genética, de espécies, de ecossistemas e das relações sociais e
culturais, a abordagem do tema nas escolas de Ensino Médio de Belém (PA) necessita de
maior exploração tanto por parte dos professores quanto dos alunos, já que um estudo
realizado por Fonseca (2007) mostra que maior parte dos docentes entrevistados em sua
pesquisa têm apenas informações básicas sobre os conceitos apresentados, sem
aprofundamento teórico. A afirmação é comprovada pela pesquisadora quando aponta que 17
dos 24 professores consultados entendem a biodiversidade em seu conceito de nível básico de
compreensão (variação do número de espécies existentes) e essa compreensão também é
dirigida a seus alunos por meio de livros didáticos. Dos 503 alunos ouvidos na pesquisa e que
afirmaram conhecer o termo biodiversidade, 352 (69,9%) apresentam construções centradas
em apenas um nível de compreensão, o mesmo que os professores.
Dessa forma, acreditamos que uma das possibilidades para favorecer uma discussão
mais ampla sobre os conceitos de biodiversidade nas salas de aula, visualizada não só pelo
viés biológico, mas alcançando também as questões sociais, econômicas, culturais e as
relações entre homem e natureza, especialmente na Amazônia, é a utilização de Tecnologias
da Informação e Comunicação como mediadoras dos processos educativos, componentes
pedagógicos dentro e fora dos ambientes escolares, desde que não funcionem como simples
aparatos de reprodução de conteúdos, mas como instrumentos importantes no processo de
autonomia da educação (FREIRE, 1983) e na busca por uma educação sensória e integrada
(MORAN, 1994).
Martín-Barbero afirma que o público em idade escolar, prioritariamente jovem, tem
intimidade com o uso das TICs e das multimídias.
Eles têm maior empatia cognitiva e expressiva com as tecnologias e com
novos modos de perceber o espaço e o tempo, a velocidade e a lentidão, o
próximo e o distante. Trata-se de uma experiência cultural nova, ou como
chama Walter Benjamin, um sensorium novo. Novos modos de perceber e de
sentir; uma sensibilidade que, em muitos aspectos, se choca e rompe com o
sensorium dos adultos (MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 54).
A atual Pesquisa Brasileira de Mídia mostra que 42% dos brasileiros apontam a internet
como meio de comunicação mais utilizado. 65% dos jovens brasileiros até 25 anos acessam a
internet todos os dias. Quando se trata de mídias sociais, os índices aumentam: 92% dos
usuários de internet estão conectados na rede por meio de mídias sociais. Destes, o Facebook
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é a mídia social mais utilizada, com 83% das respostas, seguido do WhatsApp (58%) e do
YouTube (17%).
Estes dados demonstram a presença cada vez mais constante de hipermídias6 e
multimídias na vida dos brasileiros, especialmente dos jovens. O filósofo francês Pierre Levy
(1999) definiu o termo multimídia como
Aquilo que emprega diversos suportes ou diversos veículos de comunicação.
[...] Hoje, a palavra refere-se, geralmente, a duas tendências principais dos
sistemas de comunicação contemporâneos: a multimodalidade e a integração
digital (LEVY, 1999, p. 58).
Soares (2000) arriscou a previsão de que na metade da primeira década dos anos dois
mil, aproximadamente 60% do ensino do país estaria sendo ministrado fora dos ambientes
tradicionais de educação, ou seja, inteiramente através do ciberespaço7. De maneira geral, as
tecnologias são mediações que permeiam o cotidiano dos brasileiros, assim como as
hipermídias.
A incorporação destas tecnologias na educação pode ser a chave para o envolvimento e
protagonismo das juventudes em seus próprios processos de aprendizado. Adilson Citelli
(2000) afirma que a escola vem reconfigurando suas práticas a partir das mudanças que
surgem na contemporaneidade.
A escola está sendo pensada, assim, como espaço mediativo cada vez mais
cruzado pelas novas linguagens e pelas transformações científicas,
tecnológicas, culturais e de comportamentos que marcam o mundo
contemporâneo (CITELLI, 2000, p.83).
Tendo isso em vista e incrementando as pesquisas e experimentações que o Museu
Paraense Emílio Goeldi desenvolve desde 2010 sobre comunicação e educação no âmbito da
Escola da Biodiversidade Amazônica e do Prêmio José Márcio Ayres, mapeamos neste estudo
práticas de educação e comunicação multimidiáticas em algumas escolas municipais e
estaduais de Ensino Fundamental e Médio de Belém (PA) para percebermos como constroem
suas percepções de ensino e aprendizado sobre a biodiversidade amazônica utilizando as TICs
como mediadoras do processo de ensino e aprendizagem.
Objetivos
Esta pesquisa teve o objetivo de mapear práticas de educação e comunicação
multimidiáticas em algumas escolas municipais e estaduais de Ensino Fundamental e Médio
de Belém (PA) e saber como constroem suas percepções de ensino e aprendizado sobre
biodiversidade. Também foram objetivos desta pesquisa realizar um levantamento das escolas
de Ensino Fundamental e Médio da cidade de Belém (Pará – Brasil) que têm afinidade com o
uso das TICs e plataformas multimídia; e investigar de que forma as TICs são utilizadas como 6 Hipermídia é uma "expressão não linear da linguagem, que atua de forma multimidiática" (BAIRON, 2011, p. 7
apud MELLO; ASSUMPÇÃO, 2012, p. 1). 7De acordo com Pierre Levy, o ciberespaço é um meio de comunicação oriundo da interconexão mundial de
computadores. Não se refere unicamente a infraestrutura material da comunicação digital, mas também ao
universo de informações que esta engloba, bem como as pessoas que nutrem e estão presentes neste universo.
(LEVY, 1999, p. 14).
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colaboradoras no processo de ensino e aprendizado sobre a biodiversidade nas escolas
selecionadas na pesquisa.
Percurso metodológico
Como metodologia de pesquisa, utilizamos a pesquisa-ação com observação
participante. De acordo com Cicília Peruzzo (2003, p. 2) este método teve forte presença nos
estudos de comunicação no Brasil nos idos de 1980 e 1990, e “consiste na inserção do
pesquisador no ambiente natural de ocorrência do fenômeno e de sua interação com a situação
investigada”.
A pesquisa-ação precede da presença do observador no ambiente investigado,
analisando de forma dinâmica os problemas manifestados, para tomar decisões e executar
ações a partir deles, compartilhando das atividades e do contexto do grupo pesquisado para a
proposição de uma ação planejada, de caráter social/educacional/técnico.
De acordo com Peruzzo (2003, p. 13), contextualizada no campo da Comunicação, a
observação participante “objetiva observar como se processa a recepção das mensagens dos
mass media, como elas são entendidas, decodificadas e reelaboradas. Pode também ter a
finalidade de observar os processos comunicativos interpessoais, grupais ou comunitários,
envolvendo os mass media ou outros processos de comunicação como os grupais e meios
alternativos de comunicação”.
O trabalho de pesquisa foi complementado pela aplicação entrevistas em profundidade
do tipo semi-abertas com questões semi-estruturadas, que “conjuga a flexibilidade da questão
não estruturada com um roteiro de controle” (DUARTE, 2009, p. 66).
Durante o período da pesquisa foram coletados e analisados depoimentos de
professores, gestores e alunos de duas escolas vinculadas aos sistemas públicos de ensino
Municipal e Estadual. Um levantamento elaborado durante a pesquisa identificou 129 escolas
estaduais e 55 municipais que possuem afinidade com o uso das Tecnologias da Informação e
da Comunicação, satisfazendo um dos objetivos da pesquisa. Este levantamento foi realizado
com o suporte do Núcleo de Tecnologia Educacional Professor Washington Luís Barbosa
Lopes (NTE-Belém)8 e do Núcleo de Informática Educativa9.
Dentre as instituições de ensino inventariadas, selecionamos uma escola do sistema
municipal e uma do sistema estadual de ensino para compor o corpus de análise da pesquisa, a
saber: Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Vilhena Alves e Fundação Centro de
Referência em Educação Ambiental Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira (Funbosque). A
seleção das escolas que formaram o corpus de análise da pesquisa foi motivada pela presença
das TICs, pela relação pré-estabelecida com o Museu Goeldi e pela atuação pedagógica
voltada à educação ambiental.
A escolha da E.E.E.F.M Vilhena Alves é justificada pela relação que a escola mantém
com o Museu Goeldi através da participação de alunos na 5ª edição do Prêmio José Márcio
Ayres para Jovens Naturalistas (PJMA) e outras atividades educativas. Já a escolha da
Funbosque foi motivada principalmente pela valorização da educação ambiental em seu
Projeto Político Pedagógico, sendo esta a prática norteadora de suas ações.
8 O NTE-Belém é vinculado à Coordenação de Tecnologia Aplicada à Educação, da Secretaria Estadual de
Educação. Em todo o Brasil, os Núcleos atuam como multiplicadores do PROINFO, prestando assessoria e
formação de professores sobre o uso das TICs na escola e disseminando os princípios da educomunicação. 9 Órgão da Secretaria Municipal de Educação que oferece formação em informática educativa a professores do
sistema público de ensino.
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Através da metodologia da pesquisa ação (PERUZZO, 2003) e da aplicação de
entrevistas em profundidade do tipo semi-abertas com questões semi-estruturadas, coletamos
depoimentos de 10 alunos na faixa etária de 13 a 20 anos, cursando o 8º ano do Ensino
Fundamental e o 2º ano do Ensino Médio nessas escolas, por considerar que são etapas de
ensino intermediárias onde os estudantes estão em pleno processo de formação de suas
percepções sobre biodiversidade. Destes, 6 discentes entrevistados fazem parte do corpo de
alunos da Funbosque e 4 da E.E.E.F.M Vilhena Alves. Entrevistamos 3 professores das
disciplinas biologia e ciências, sendo 2 da Funbosque e 1 da E.E.E.F.M Vilhena Alves; além
de 2 gestores, sendo 1 representante da coordenação pedagógica da Funbosque e 1 da vice-
direção da Escola Vilhena Alves.
As entrevistas na Escola Bosque foram realizadas no dia 22 de abril de 2015, já na
E.E.E.F.M Vilhena Alves foram feitas em 14 de abril e 25 de setembro de 2015. As entrevistas
foram gravadas em aparelho celular Samsung, transcritas, lidas, analisadas e selecionadas em
alguns trechos com informações sobre as percepções de ensino da biodiversidade e o papel
das TICs neste processo em ambiente escolar.
Como parâmetro de análise sobre os conceitos de biodiversidade, utilizamos os autores
que compõem a base de referência desta pesquisa: Wilson (1992, apud CASTRO et al, 2014),
Wilson (1997, apud OLIVEIRA; MARANDINO, 2011), Primack (1992 apud FONSECA,
2007) e Convenção sobre Diversidade Biológica (2000). Também utilizamos como parâmetro
para análise das respostas obtidas, o conceito atribuído por Diegues (2000), que assume um
espectro mais amplo para o termo, tomando a biodiversidade como uma construção social.
Para analisar as respostas obtidas a respeito do uso pedagógico das TICs e multimídias
na educação, utilizamos autores como Soares (2011), Citelli (2000), Martín-Barbero (2000),
Moran (1994, 2015), Freire (1983), a Pesquisa Brasileira de Mídia (2015) e outros.
Principais resultados
Entre os resultados da pesquisa sobre as percepções das comunidades escolares a
respeito do conceito de biodiversidade, concluímos que os alunos das duas escolas
investigadas não possuem um conhecimento sistematizado sobre o conceito de biodiversidade
e não o definem de forma hierárquica, nos níveis da variedade de genética, variedade de
espécies e variedade de ecossistemas, de acordo com a literatura utilizada nesta pesquisa. A
maioria dos alunos utilizou a variável “diversidade de vidas” em suas respostas, o que
consideramos aproximar-se do nível de variedade de espécies atribuído pelos autores base de
nossas referências sobre biodiversidade, como Wilson (1992, apud CASTRO et al, 2014),
Wilson (1997, apud OLIVEIRA; MARANDINO, 2011), Primack (1992 apud FONSECA,
2007) e Convenção sobre Diversidade Biológica (2000). Além disso, os discursos dos alunos
relacionavam a biodiversidade aos aspectos da natureza e a interação do homem nestes
espaços naturais, o que consideramos aproximar-se do conceito atribuído por Diegues et al
(2000), que define a biodiversidade também como construção social e cultural.
A relação estabelecida entre homem e natureza fica mais evidente nos discursos dos
alunos quando perguntados sobre a importância que eles atribuem à biodiversidade.
Pra mim é uma importância grande porque a gente estuda a vida dos seres,
mas é só estudar? Não! O que eles têm a ver com a gente? Tipo, um
exemplo, eu vou estudar sobre uma preguiça, mas eu só vou estudar sobre
ela, e o que ela vai trazer pra mim depois? Então pra mim não é só estudar os
seres, mas estudar a vida deles com a nossa, entendeu? É juntar eles com a
gente porque as mesmas coisas que eles sentem a gente sente também, tipo,
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não é só estudar eles, mas sim ver como é a adaptação (Aluno 4 – 2º ano do
Ensino Médio - Funbosque, 2015).
Notamos que as respostas dos alunos aproximam-se não só do conceito de
biodiversidade como construção social e cultural, mas aproximam-se, também, do conceito de
educação ambiental crítica, apontado por Loureiro (2007), que interliga os processos sociais
aos processos ecológicos, já que, segundo o autor, é através das mediações sociais que nos
relacionamos com a natureza. Para o autor, a principal marca da educação ambiental crítica
Está em afirmar que, por ser uma prática social como tudo aquilo que se
refere à criação humana na história, a educação ambiental necessita vincular
os processos ecológicos aos sociais na leitura de mundo, na forma de intervir
na realidade e de existir na natureza. Reconhece, portanto, que nos
relacionamos na natureza por mediações que são sociais [...] (LOUREIRO,
2007, p. 66).
Entre os entrevistados nas duas escolas, apenas um relacionou biodiversidade ao nível
da variedade genética e ao conceito social de raça.
Percebemos, entre os alunos do Ensino Fundamental das duas escolas, uma diferença de
compreensões sobre os conceitos de biodiversidade. Os discentes do 8º ano do Ensino
Fundamental entrevistados na Escola Vilhena Alves não conhecem o termo biodiversidade,
por isso não conseguiram definir seus entendimentos sobre o tema e nem responder às demais
questões relacionadas no questionário de entrevista. Já os alunos da mesma etapa de ensino da
Funbosque (8º ano) conheciam o termo e relacionaram suas compreensões à diversidade de
vida. Ambas as escolas oferecem em sua grade curricular a disciplina “ciências”, matéria que
relaciona conteúdos afins.
Esta diferença pode estar atrelada à política de ensino da Escola Bosque, pautada na
educação ambiental. A escola está inserida em um ambiente favorável ao ensino da
biodiversidade, permitindo interação entre os alunos e demais elementos da natureza, por
estar situada em uma área de mata e preservação ambiental.
Sobre a percepção dos professores de ciências e biologia das duas escolas investigadas a
respeito da biodiversidade, concluímos que a definição deles está baseada na diferença de
espécies existentes em uma determinada área, na grandeza do que seria a diversidade de vida,
na diversidade da natureza e na sua conservação.
Percebemos nos discursos diferenças de abordagens. Enquanto um dos professores foi
mais específico e relacionou biodiversidade a um dos níveis presente nos conceitos vistos na
bibliografia desta pesquisa (nível da diversidade de espécies), os outros professores
entrevistados utilizaram conceitos mais gerais.
Quanto ao uso das TICs e multimídias para o ensino da biodiversidade na Funbosque, a
coordenação pedagógica afirmou que os alunos são estimulados ao uso educativo, porém,
tanto alunos quanto professores afirmam que os recursos didático-tecnológicos disponíveis
(como computadores) são insuficientes para atender a demanda da escola.
Na Escola Vilhena Alves, a vice-direção mencionou o uso das mídias sociais e o
planejamento para a implementação de produtos de comunicação com finalidade educativa, a
exemplo de um blog e de um jornal escolar. Professores e alunos da E.E.E.F.M. Vilhena Alves
também afirmam que os recursos didático-tecnológicos são insuficientes e que o uso em sala
de aula não é frequente.
Dessa forma, podemos dizer que ambas as escolas possuem TICs com usos voltados ao
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ensino da biodiversidade, mas são recursos limitados.
Quanto ao estímulo ao uso das TICs no ensino da biodiversidade, de maneira geral
podemos dizer que os professores da Funbosque estimulam o uso em medidas diferenciadas.
A frequência e a forma de uso das TICs nesta escola dependem da afinidade e identificação do
professor com as ferramentas. Porém, este uso é dificultado pela insuficiência da estrutura de
ensino.
Notamos que um dos professores da Funbosque divide suas aulas em momentos
distintos: as aulas teóricas em sala de aula, onde é sugerido que celulares e demais
ferramentas tecnológicas e multimidiáticas não sejam utilizados, e os momentos extraclasse,
que seriam na sala de informática e no auditório, locais onde é permitido o uso de tecnologias
como datashows e a linguagem audiovisual para ensinar. Por outro lado, o outro professor
entrevistado na Funbosque tenta utilizar este tipo de recurso com mais frequência.
Eu faço o máximo que eu posso pra fazer com que os alunos tenham uma
interação melhor com outras mídias, além de ficar só olhando pro quadro e
fazendo trabalho etc (Professor 1 - Funbosque, 2015).
Podemos dizer que a afinidade que o Professor 1 tem em relação ao uso de diferentes
mídias e linguagens em sala, corresponde à sua formação. Este professor realizou trabalho de
conclusão de curso de licenciatura em jogos eletrônicos e ainda pesquisa o assunto.
Enquanto um dos professores utiliza as multimídias e as TICs de forma pedagógica para
envolver seus alunos em suas aulas, o outro professor entrevistado na Funbosque evita utilizá-
las para que não tirem a atenção dos discentes, e em consequência, atrapalhem o momento da
aula dento da sala.
Eu vou te ser sincera, é um pouquinho complicado trabalhar com alguns
tipos, exemplo, celular dentro de sala de aula, acaba atrapalhando, tirando a
concentração do aluno porque muitas das vezes a gente está falando e ele
está ali no Facebook, então a gente tem que saber lidar com os meios
tecnológicos porque eu acho que tem momento pra tudo, né? [...] Geralmente
eu trabalho com a parte teórica, e quando não estou em sala eu estou no
auditório preparando um vídeo pra eles [...] só que o laboratório de
informática não atende todos os alunos [...] (Professor 2 – Funbosque, 2015).
José Manuel Moran (1994) atribui tal fato ao receio que educadores sustentam em
relação aos meios.
Diante da fascinação que exercem os meios e da sua aparente transparência,
muitos educadores e intelectuais sentem verdadeiro horror e os criticam de
forma radical, por isso apoiam qualquer curso ou palestra que denuncie os
meios, que aponte seus desmandos, exageros, mecanismos de dominação.
Procuram os cursos de leitura crítica, mas não chegam desarmados; trazem
uma carga de preconceitos, de leituras, que esperam ver confirmados
(MORAN, 1994, p. 46).
Martín-Barbero (2000) afirma que os jovens têm mais empatia cognitiva e expressiva
com as tecnologias, por isso o estímulo do uso dessas ferramentas de forma educativa e
criativa pode ser um importante aliado na otimização do ensino e do aprendizado.
Já na E.E.E.F.M Vilhena Alves, o professor entrevistado afirmou estimular a o uso
pedagógico das TICs e de multimídias, mas esbarra nos problemas de estrutura para o uso das
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ferramentas na escola.
O professor entrevistado na E.E.E.F.M. Vilhena Alves afirmou que as informações
fornecidas pelo celular, através da internet, não trazem “grande proveito” e que os jovens não
estariam interessados em pesquisa, pois o ensino não é prazeroso.
Eu queria era incentivar a pesquisa com eles, é essa e sempre foi a minha
intenção, tentar fazer com que eles pensem porque hoje a maioria dos jovens
é imbecil, eles têm muita informação mas não sabem nada, porque o celular
te dá tudo quebrado, nenhuma informação que possa trazer grande proveito.
Ele sabe tudo, na sala de aula de vez em quando aparece um achando que
sabe alguma coisa, mas ele só sabe aquele tópico que apareceu lá, aquela
informação quebrada ali. Genética, por exemplo, “ah, é isso? É e tal”. A
minha intenção, eu queria isso, mas eles também não estão interessados, eles
estão interessados em outra coisa. Estão interessados em celular, estão
interessados em festa, reuniões, acho que bebidas, drogas, porque tu sabes
que o ensino não é prazeroso, eles não têm prazer. Alguns te escutam, mas...
(Professor 1, E.E.E.F.M Vilhena Alves, 2015).
Para que o ensino seja prazeroso, é necessário que professores, alunos, gestão,
comunidade e principalmente os gestores da educação no país estejam interessados e
envolvidos na construção de projetos de educação mais integrados, que não se apoiem em
subdivisões de disciplinas, mas que que integrem corpo e mente, unam os saberes, a razão, as
emoções e sensações. A educação formal bancária considera pedagógico apenas o
conhecimento sistematizado, que destaca a lógica matemática e a escrita e deixa às margens
do fazer educativo o conhecimento abstrato e intuitivo. De acordo com Manuel Moran (2013),
aprendemos de diversas formas, inclusive pelo prazer.
[...] Aprendemos pela credibilidade que alguém nos merece. A mesma
mensagem dita por uma pessoa ou por outra pode ter pesos bem diferentes,
dependendo de quem fala e de como o faz. Aprendemos também pelo
estímulo, pela motivação de alguém que nos mostra que vale a pena investir
num determinado programa, num determinado curso. Um professor que
transmite credibilidade facilita a comunicação com os alunos e a disposição
para aprender. Aprendemos pelo prazer, porque gostamos de um assunto, de
uma mídia, de uma pessoa. O jogo, o ambiente agradável, o estímulo
positivo podem facilitar a aprendizagem (MORAN, 2013, p. 27-29).
Professores da Funbosque e da Escola Vilhena Alves apontaram o uso do celular em
sala de aula como um “empecilho” para a aprendizagem, visto que esta ferramenta tiraria a
atenção dos alunos ou ofereceriam informações “quebradas”.
Apenas um professor da Funbosque afirmou usar o celular de forma pedagógica durante
suas aulas e ainda disse conseguir maior transdisciplinaridade no ensino utilizando meios
tecnológicos.
Esta discordância nos discursos nos leva a crer que o problema não estaria impresso no
uso das TICs e multimídias na sala de aula, mas sim na forma como elas são utilizadas.
Enquanto um professor acredita que essas ferramentas são aliadas da educação, outros
acreditam que tiram a atenção. Dessa forma, acreditamos que a formação e a sensibilização do
professor para o uso pedagógico e educativo das TICs em sala de aula (virtual, presencial ou
externa) conformaria uma estratégia para que o ensino da biodiversidade seja mais prazeroso
e engaje os educandos de forma integral em seus processos de construção de conhecimento,
227
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dando a eles oportunidades de expressão, baseada em uma pedagogia educativa dialógica.
No discurso do professor entrevistado na E.E.E.F.M Vilhena Alves, notamos que os
alunos foram rotulados como imbecis, pois “eles têm muita informação mas não sabem nada”.
A estrutura da educação bancária sugere uma dicotomia entre homem e mundo, e prega o
homem como espectador e não recriador e transformador do mundo (Freire, 1983). A visão
bancária da educação dá ao educador uma postura de opressor, detentor de conhecimento a ser
transmitido aos educandos, seres que, de acordo com esta concepção, são incapazes de pensar
o mundo de forma crítica e apenas recebem, de forma passiva, informações processadas por
educadores bancários. Para Paulo Freire (1983),
A concepção e a prática da educação que vimos criticando se instauram
como eficientes instrumentos para este fim. Daí que um dos seus objetivos
fundamentais, mesmo que dele não estejam advertidos muitos do que a
realizam, seja dificultar, em tudo, o pensar autêntico, Nas aulas verbalistas,
nos métodos de avaliação dos “conhecimentos’, no chamado “controle de
leitura”, na distância entre o educador e os educandos, nos critérios de
promoção, na indicação bibliográfica, em tudo, há sempre a conotação
“digestiva” e a proibição ao pensar verdadeiro (FREIRE, 1983, p. 73).
Para o autor é necessário superar esta dicotomia e a verticalidade que afasta o educando
do educador e, em seu lugar, pôr em prática uma educação baseada no diálogo, que respeite os
educandos como pessoas autônomas, capazes de pensar e recriar o mundo e suas realidades, e
formar da mesma forma que é formado.
Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe
com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se
como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os
educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo.
É através deste que se opera a superação de que resulta um termo novo: não
mais educador do educando, não mais educando do educador, mas educador-
educando com educando-educador.
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto
educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também
educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos
e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se,
funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e
não contra elas.
Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si
mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.
Mediatizados pelos objetos cognoscíveis que, na pratica “bancária”, são
possuídos pelo educador que os descreve ou os deposita nos educandos
passivos (FREIRE, 1983, p. 78-79).
Reforçando a ideia de Freire (1983), a educomunicação propõe a construção de
ecossistemas comunicativos em ambientes educativos. Os ecossistemas comunicativos são
ideais de relações construídos em um espaço geralmente escolar para favorecer o diálogo e o
convívio social, tendo como metodologia a troca de ideias, considerando o uso das
tecnologias pra potencializar essa relação. Este diálogo tem que ser construído de forma
coletiva, de maneira a congregar os personagens da educação e as TICs. Estes espaços, então,
devem ser abertos, democráticos e participativos, garantindo que os sujeitos sociais
envolvidos tenham possibilidade de se expressar de forma igualitária (Soares, 2011).
228
ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
A dificuldade que os alunos das escolas investigadas apresentaram na definição do
conceito de biodiversidade de acordo com a literatura utilizada como referência na pesquisa
pode estar relacionada à forma como o ensino é realizado.
Considerações finais
De maneira geral, acreditamos que o conceito de biodiversidade deve ser melhor
trabalhado em âmbito escolar, de uma forma estruturada e com o auxílio das Tecnologias da
Informação e da Comunicação, que, em certa medida, são utilizadas nestas comunidades
escolares investigadas para favorecer o ensino da biodiversidade e demais temas, no entanto,
este uso é prejudicado pela ausência de estrutura adequada nas duas escolas investigadas, que
não atendem às demandas das comunidades escolares de forma plena, por isso acreditamos
que o uso integral dessas tecnologias seria favorecido com melhores investimentos na
educação pública, principalmente no que diz respeito à formação e sensibilização de
professores para o uso pedagógico das TICs e multimídias e ao estímulo à experimentação de
novas linguagens no ensino da biodiversidade e demais temas.
Como projetos futuros, propomos a sensibilização e a formação dos professores das
escolas investigadas para o uso pedagógico e educativo das Tecnologias da Informação e da
Comunicação, bem como de multimídias para dinamizar o ensino e o aprendizado sobre a
biodiversidade e outros temas
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A literatura oral no ensino da língua portuguesa
Carlos Nogueira Universidade de Vigo – I Cátedra Internacional José Saramago
Resumo
Com este artigo pretendemos chamar a atenção para um aspecto muito específico dos
programas de língua portuguesa. Refletimos sobre as razões ideológicas, éticas e estéticas
que têm presidido à inclusão de textos da tradição oral portuguesa (e não só) nos manuais de
língua portuguesa dos ensinos básico e secundário de diversas épocas. Centrar-nos-emos no
caso português, mas as conclusões a que chegamos são aplicáveis, no essencial, aos países
de língua oficial portuguesa.
Palavras-chave
Tradição oral; Literatura; Ensino.
Abstract
With this article we intend to draw attention to a very specific aspect of English language
programs. We reflect on the ideological, ethical and aesthetic reasons which have guided the
inclusion of the Portuguese oral tradition texts (and not only) in the manuals of Portuguese
primary and secondary schools from different eras. We will focus on the Portuguese case, but
the conclusions reached are applicable essentially to Portuguese-speaking countries.
Keyword
Oral tradition; Literature; Teaching.
Falar de programas, de ensino da língua portuguesa e do lugar que aí ocupa a literatura
de transmissão oral implica falar de manuais escolares1. A tese de que parto baseia-se num
princípio inerente a tudo o que tem a ver com opções curriculares. Isto é: o uso que se faz, no
âmbito do currículo e dos processos de operacionalização didática, dos textos da tradição oral
resulta das mentalidades, das ideologias e dos conhecimentos científicos de cada momento
histórico. A preocupação era, sensivelmente até ao 25 de Abril de 1974, mais normativa e
moral do que estética. Tanto a literatura de autor como a literatura oral, regra geral adaptada
através de figuras de intertextualidade como a redução ou a substituição, estavam ao serviço
da ideologia nacionalista e religiosa. Com a ditadura salazarista este fenómeno assumiu uma
dimensão muitíssimo maior e claramente normativa, e por isso é que, em 1950, temos esta
directriz da Direção dos Serviços da Censura, que faz parte das Instruções sobre Literatura
infantil:
1 Um livro particularmente útil para o conhecimento do manual escolar é O Mural do Tempo. Manuais Escolares
em Portugal, de Justino Magalhães, onde se faz uma história crítica do manual escolar e onde se apresenta um
inventário de manuais escolares portugueses, “editados, aprovados e selecionados para o Ensino Primário
(Elementar e Complementar), publicados entre o século XVI e o XX, especificamente, até 1974” (2011, p. 10).
Este livro é também muito importante pela bibliografia crítica que vai convocando.
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Parece desejável que as crianças portuguesas sejam cultivadas, não como
cidadãos do Mundo, em preparação, mas como crianças portuguesas que
mais tarde já não serão crianças, mas continuarão a ser portuguesas.
(Cortez, 2013, p. 43)
Mas, no fundo, o duplo objectivo de moralização e valorização da pátria já existia há
muito, como se percebe por estas “Observações” que acompanham o Programa de Português
– III Classe, regulado pelo Decreto de 3 de Novembro de 1905 (Magalhães, 2011, p. 42):
(…) O livro de leitura será organizado de maneira a servir para as três
primeiras classes. (…); e nas composições em verso procurar-se-á atingir
o conveniente fim educativo, com fábulas, contos tradicionais, romances
populares postos em português moderno (…). (Magalhães, 2011, p. 42)
Convém fazer já uma clarificação teórica e terminológica. Estamos a falar de “textos
da tradição oral” ou de “transmissão oral”, mas do que se trata é, antes de mais, de textos que
resultam da tradição oral ou de textos de inspiração oral e tradicional. A literatura oral vive na
oralidade, e, por isso, quando a registamos por escrito, é já outra literatura; uma literatura que
é ao mesmo tempo oral e escrita. Os Contos Populares Portugueses (1879), de Adolfo
Coelho, ou os Contos Tradicionais do Povo Português (1883), de Teófilo Braga, não são
populares ou tradicionais num sentido estrito; são textos, em parte, reescritos ou preparados
para uma existência impressa, e, portanto, não são completamente fiéis à versão que se
recolheu junto de um informante; não são nem podem ser, muitas vezes, demasiado próximos
das versões originais, porque uma fixação palavra por palavra poderia pôr em causa a
legibilidade do texto e a sua utilização pedagógico-didática. Mais propriamente populares são
algumas versões que encontramos, por exemplo, em José Leite de Vasconcelos, as quais
procuram, tanto quanto possível, registar as especificidades dialectais do texto dito pelo
informante, a ponto de termos algumas versões que são quase, na medida do possível,
transcrições fonéticas.
Pensando especificamente nos textos literários “orais” que encontramos em manuais
escolares, estamos, por outro lado, a lidar com literatura oral ou de inspiração oral usada
como literatura dirigida aos mais novos.
Hoje, as razões que presidem à escolha de textos da tradição oral são tão éticas quanto
estéticas. Continua a assumir-se, sobretudo no caso do conto e da fábula, que há uma
moralidade cuja importância para a formação humana e cívica das crianças e dos jovens não
pode ser esquecida; mas o lúdico, o conhecimento e a exploração do mundo não interessam
menos. Ensina-se língua portuguesa e ao mesmo tempo promove-se “a liberdade de ser e de
pensar, o aprofundamento da educação para a cidadania e a implementação de novas
capacidades cognitivas” (Nogueira, 2011, p. 75).
E é assim porque se admite que «O que está em causa sempre que uma criança utiliza
um texto da literatura oral não é uma mera “iniciação no mundo da arte” (Coelho, 1883, p.
16); um poema oral infantil, uma adivinha ou um provérbio fazem parte do mundo do
literário, enquanto mundo de autonomia do estético e do belo, e permitem já a criação, a
descoberta e a exploração de identidades e intersubjectividades» (Nogueira, 2011, p. 76).
Sophia de Mello Breyner dizia que toda a arte é didática (ou seja: cumpre, no melhor sentido
da expressão, funções culturais e sociais). Por isso, quando o professor valoriza o património
literário oral da comunidade e, muito em particular, os textos literários orais que um aluno ou
os alunos usam, está a reconhecer os seus códigos linguísticos, sociais e culturais. “Desse
modo, investe na cultura de cada um e de todos, e faz da sala de aula e da escola espaços de
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acolhimento que contribuirão para a melhoria da qualidade de vida pessoal e social (do lazer
ao trabalho, do exercício da cidadania ao exercício profissional)” (Nogueira, 2011, p. 76). Ao
unir pessoas, esta literatura aproxima culturas e povos. Daí o ponto de vista da UNESCO, em
carta de recomendação assinada em 1989 em Paris: a literatura oral, tradicional e popular é
património universal da Humanidade.
Não faltam textos ditos orais ou de inspiração oral nos livros de leitura aprovados para
o Ensino Primário Elementar durante o Estado Novo. Há uma pragmática evidente a cumprir
por estes textos, que devem seduzir os leitores mas não podem deixar de ter uma
intencionalidade didáctica e moralizante inequívoca. A versão do conto popular “A Formiga e
a Neve”, que aparece no manual Leituras… Para a 1.ª Classe, de A. Augusto dos Santos,
promove, desde o incipit, princípios morais, normas e padrões de comportamento
considerados exemplares:
Era uma vez certa formiga muito trabalhadeira e esperta, que ia levando
para o formigueiro um grão de trigo.
De repente um pé prendeu-se-lhe na neve que cobria todo o chão.
(Santos, 1932, p. 17)
Na versão de Adolfo Coelho não há qualquer moralidade explícita no início, que é
muito direto e económico: “Uma formiga prendeu o pé na neve” (Coelho, 1999, p. 85). A
lição moral vai sendo deduzida pelo leitor ou ouvinte, a quem se pede que depreenda que há
sempre alguém mais forte do que nós e que a humildade e a honestidade são princípios e
atitudes a assumir. No final, temos ainda a noção de que a morte é universal e inevitável:
Ó carniceiro, tu és tão forte que matas o boi, que bebe a água, que apaga
o lume, que queima o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come
o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve que o meu
pé prende!
Responde o carniceiro: Tão forte sou eu que a morte me leva. (Coelho,
1999, p. 86)
A versão de A. Augusto dos Santos não inclui a conclusão de Adolfo Coelho, mas não
sabemos se se trata de uma supressão e, portanto, de uma suavização. O autor não nos diz em
que versão se baseou (escrita ou recolhida por ele), e por isso podemos apenas colocar
hipóteses. Uma vez que outras versões que conhecemos deste conto encerram com a resposta
do carniceiro, é de supor que este corte foi deliberado, embora não devamos esquecer que o
autor poderá ter tido acesso a uma versão sem este desfecho. Tratando-se de um manual para
crianças do 1.º ano, talvez o objectivo tenha sido o de não entrar numa questão (a da morte)
tão sensível. Seja como for, a moralidade que o texto encerra, e que, aliás, o professor com
certeza se encarregaria de notar bem na aula, é sublinhada por uma frase que surge destacada
um pouco abaixo do texto: “Não te julgues superior aos outros” (Santos, 1932, p. 21).
Esta versão convida-nos a reflectir um pouco sobre o que devemos pensar das
adaptações de contos e lendas que encontramos em manuais escolares do passado e do nosso
tempo, e a procurar saber se devemos aceitar ou recusar versões de textos ditos tradicionais
mais ou menos livres. Se a qualidade literária não for questionável, são tão legítimas como as
versões orais de que provêm; versões orais de que, como vimos acima na breve consideração
sobre o que é um texto literário oral, estamos já mais ou menos afastados, sempre que lemos
um texto dito “popular”, “oral” ou “tradicional”. São textos que se inscrevem numa família
textual que começa e se desenvolve na tradição oral, e continua na tradição escrita e muitas
vezes também iconográfica. Estas versões mantêm os elementos essenciais que permitem
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identificar a narrativa, mas, como qualquer versão oral, substituem, cortam, alteram, moldam-
se ao presente.
Poderíamos comparar e convocar outras especificidades textuais, mas as conclusões a
que chegaríamos não seriam diferentes. Apesar da rigidez moralizante a que já nos referimos,
estes textos atraíam (e, se lidos hoje, continuam a atrair) as crianças porque não deixam de ser
recreativos e lúdicos. Regra geral, situam os leitores infantis e juvenis num mundo natural e
vivo que tem tudo a ver com o imaginário animista que lhes é próprio. Acontece o mesmo nos
textos em verso ou nas narrativas de autor que imitam a literatura de transmissão oral. “Vozes
de animais”, de Pedro Dinis, organizado em onze quadras de sete sílabas, é um bom exemplo:
“Palram pega e papagaio/ E cacareja a galinha;/ Os ternos pombos arrulham,/ Geme a rola
inocentinha.// Muge a vaca; berra o touro;/ Grasna a rã; ruge o leão;/ O gato mia; uiva o
lobo,/ Também uiva e ladra o cão” (AA. VV., 1961, p. 9. Sublinhados no original).
Tais versões ou tais textos popularizantes não negam nem desprestigiam a tradição
oral de onde vêm; celebram a sua criatividade e performatividade, e lembram-nos que as leis
da tradicionalidade e da criatividade da literatura oral não são incompatíveis com a literatura
escrita. Ler num manual (ou ouvir a partir de) um conto, uma lenda, um provérbio, uma
adivinha ou uma quadra não é simplesmente ler um texto que dizemos da literatura oral, do
nosso património cultural, da nossa matriz identitária; é ler um texto em diálogo connosco,
individualmente, e com o nosso tempo histórico-cultural.
Contra a crise da literatura (na sociedade e na universidade), que é uma crise de
valores humanistas, esta literatura pode cumprir dinamicamente as funções sociais e culturais
de que a literatura oral e popular sempre se incumbiu. Nestas funções entram a valorização e a
democratização da língua portuguesa, que escritores como António Torrado ou Álvaro
Magalhães se orgulham de saber usar com criatividade e sentido humanista. A língua
portuguesa é, como lembra Vítor Manuel de Aguiar e Silva, “a mais esplendorosa, perdurável
e irradiante criação de Portugal” (2010, p. 9), mas há muito deixou de ser uma língua
exclusiva de portugueses. Língua de comunhão universal, de entendimento entre países,
comunidades e pessoas de várias partes do mundo, o português experimenta-se e enriquece-se
na literatura de inspiração oral. Se devidamente valorizado e divulgado, este fenómeno
literário e cultural poderá ser cada vez mais um dos grandes ex-líbris da cultura lusófona e um
símbolo de liberdade de expressão.
A fórmula “Não te julgues superior aos outros”, que sintetiza a leitura orientada da
versão do conto “A Formiga e a Neve” a que acima nos referimos, pode suscitar em nós
repulsa, condescendência ou incredulidade; mas o que acima de tudo importa é que ela diz-
nos que hoje pensamos de modo muito diferente em relação à prática pedagógica em geral e
ao que devemos fazer com a literatura numa sala de aula dos ensinos básico e secundário. É
por isso mesmo que devemos olhar para estes manuais com atenção. Conhecê-los ajudar-nos-
á a perceber melhor o que somos e o que podemos pensar da nossa cultura e da nossa
sociedade; e, portanto, o que podemos melhorar no ensino da língua portuguesa através da
literatura oral ou de inspiração oral.
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O ensino de literatura com base em uma atividade social:
o resgate da voz discente a partir da criação coletiva de
um blog
Rodolfo Meissner Rolando Doutorando em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC/SP. Mestre em Linguística Aplicada
pela Universidade de Taubaté. Professor efetivo de Língua Portuguesa do Colégio Técnico Industrial de
Guaratinguetá-UNESP; Professor de Redação do Sistema Anglo de Ensino; Professor da Pós-Graduação em
Língua Portuguesa e Literatura da FATEA.
Resumo
Há uma crise vigente no ensino de literatura, conforme indicam os estudos de Cereja (2005),
Cosson (2006,2014), Paulino e Cosson (2009) e Zilmerman e Rösing (2009). Com o intuito de
contribuir para a superação dessa crise, o presente artigo tem o objetivo de discutir o ensino
de literatura com base em uma Atividade Social. Tal discussão se ancora teoricamente na
Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural – TASCH (Vygotsky, 2001; Leontiev, 1977;
Engeström, 1999) e nos estudos sobre Atividade Social realizados por Liberali (2009,2011).
Para a concretização do objetivo deste artigo, escolheu-se a criação de um blog sobre
literatura como objeto da atividade discutida. Espera-se, a partir das discussões aqui
expostas, contribuir para ressignificar o ensino de literatura, favorecendo a criação de
relações colaborativas e transformativas em uma aula de literatura.
Palavras-chave
Ensino de Literatura; Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (TASCH); Atividade
Social.
Abstract
There is a current crisis in the teaching of literature, as shown by studies of Cereja (2005),
Cosson (2006,2014), Paulino Cosson (2009) and Zilmerman and Rösing (2009). In order to
contribute to overcome this crisis, this article aims to discuss the teaching of literature based
on a Social Activity. This discussion is theoretically anchored in the Theory of Socio-
Historical-Cultural Activity - CHAT (Vygotsky, 2001; Leontiev, 1977; Engeström, 1999) and
studies performed by Liberali (2009,2011) about Social Activity (2010). To achieve the
purpose of this article, we have chosen to create a blog about literature as a subject of
discussion activity. It is expected from the discussions here exposed, contribute to reframe the
teaching of literature, helping to create collaborative and transformative relationships in a
literature class.
Keyword
Literature Teaching; Theory of Socio-Historical-Cultural Activity (TASCH); Social activity.
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Introdução
Hoje me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem
espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver.
Todorov
Há uma crise vigente no ensino de literatura, como mostram os trabalhos de Cereja
(2005), Cosson (2006, 2014), Paulino e Cosson (2009) e Zilmerman e Rösing (2009). Para
Cosson (2006, 2014), a presença da literatura no ensino médio brasileiro tem se limitado à
história da literatura brasileira. O autor comenta ainda que esse tipo de ensino pautado apenas
pela história se dá, na maior parte das vezes, de modo engessado e alienante, em uma
sucessão dicotômica entre os estilos de época, biografismo e recortes teóricos sobre gêneros
literários, retórica e métrica. Ainda segundo o pesquisador, as aulas de literatura organizam-
se, em geral, em uma perspectiva tradicional e, muitas vezes, descontextualizada. Fica nítido,
portanto, que o ensino de literatura organizado dessa forma oferece poucas (ou nulas)
oportunidades de valorização da reflexão, da criticidade e da sensibilidade dos estudantes,
uma vez que o interesse do estudante não costuma ser valorizado nesse formato de aula,
tendo, em geral, a sua voz e as suas necessidades silenciadas.
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é discutir uma unidade didática de ensino de
literatura com base em uma Atividade Social. Mais especificamente, oferecer-se-á, para o
trabalho com o ensino médio, uma unidade didática centrada na elaboração de um blog sobre
literatura, tencionando desencapsular a aprendizagem do fenômeno literário, buscando, assim,
superar os limites impostos pela aula “tradicional” e encontrar a realidade propriamente
vivida pelos adolescentes.
Para tanto, este artigo se apoia teoricamente no quadro conceitual da Teoria da
Atividade Sócio-Histórico-Cultural – TASCH (Vygotsky, 2001; Leontiev, 1977; Engeström,
1999) e nos estudos sobre Atividade Social realizados por Liberali (2009,2011).
E por que a opção por um trabalho com literatura visto como Atividade Social se
justifica? De acordo com Liberali (2009), a Atividade Social possibilita que a vida se
transforme em brincadeira na sala de aula e a brincadeira em sala de aula se transforme em
um palco para que os alunos se apropriem da cultura na qual se inserem, impulsionando,
assim, a reflexão, o prazer e a criticidade discentes. No dizer da autora (2009, p. 12), em um
trabalho com Atividade Social, o “foco recai sobre formas de ensinar pautadas por uma
reflexão sobre a vida”. Na esteira desses apontamentos, o ensino-aprendizagem de Literatura,
pensado sob o viés da TASCH, pode representar um movimento profícuo para a superação da
crise vivida por tal disciplina. Ademais, faz-se mister destacar como esse tipo de trabalho com
a literatura se coaduna com a visão transdisciplinar de ensino, contribuindo para ultrapassar as
limitações da perspectiva fragmentada da “disciplinaridade”, ainda tão cara ao ensino
brasileiro.
Sendo assim, para fins de organização, este texto obedecerá a seguinte divisão: 1.
Discute brevemente os postulados norteadores da TASCH e apresenta o conceito de Atividade
Social; 2. Problematiza os problemas observados no ensino de literatura no Ensino Médio e
aponta a perspectiva transdisciplinar como forma de enfrentá-los; 3. Apresenta e discute uma
sugestão de unidade didática de ensino centrada na elaboração de um blog sobre literatura,
organizada como uma Atividade Social.
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Fundamentação teórica
Esta seção discute a Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (TASCH) e o
conceito vygotskyano de ZPD, que são considerados centrais para a compreensão das
possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento que apoiam este artigo. Ademais, ainda
nesta seção, discute-se a crise no ensino de Literatura e a importância do paradigma
transdisciplinar na tentativa de superação de tal crise.
A Teoria da Atividade Sócio Histórico-Cultural (TASHC): breves considerações
Dado o objetivo deste artigo em oferecer, à luz da TASCH, uma proposta de ensino
que entende a Literatura como Atividade Social, faz-se necessário apresentar suscintamente
alguns aspectos dessa teoria que sustentam tal iniciativa.
Apoiada nas ideias de Vygotsky (2001), Leontiev (1977) e Engeström (1999), a Teoria
da Atividade Sócio-Histórico-Cultural – TASHC – vem se configurando como uma base
essencial para se pensar o processo de ensino-aprendizagem, como comenta Liberali (2009).
Segundo a autora, a TASCH dá ênfase ao estudo das atividades em que os sujeitos estão em
interação com outros em contextos culturais determinados e historicamente dependentes.
Liberali (2009) ressalta ainda que o conceito de atividade não pode ser tomado apenas como
um conjunto de ações e explica que os sujeitos nela atuantes estejam dirigidos a um fim
específico, definido a partir de uma necessidade percebida.
Ao discutir a TASCH, Stetsenko (2011) salienta a importância de se compreendê-la a
TASCH como uma possibilidade de gerar um quadro teórico-metodológico que supere o
reducionismo das abordagens behaviorista, cognitivista e construtivista na estruturação e
condução de pesquisas de intervenção formativa, em contextos de aprendizagem e
desenvolvimento. Para Magalhães (2012), sob a ótica da TASCH, o processo de ensino-
aprendizagem é visto como a produção de um movimento dialético e dialógico, propiciando
aos participantes de um dado contexto a compreensão e a transformação de si e do outro, o
que pode corroborar a construção do novo, ou seja, resultar em aprendizagem e
desenvolvimento.
Dessa maneira, pode-se dizer que a TASCH se ocupa em propiciar a reflexão crítica
sobre as ações de um sujeito histórico e culturalmente situado, agindo sobre o mundo, em
relação com o ambiente, com o outro e com a comunidade, vivenciando o eterno “tornar-se”
que rege a vida humana. Assim, ao se organizar uma pesquisa a partir da perspectiva da
TASCH, ter-se-á uma atividade em que, desde o início, pesquisadores e participantes de um
determinado contexto discutirão os sentidos contraditórios atribuídos ao objeto da atividade,
“por meio de ações recíprocas, intencionalmente pensadas, e dialética e dialogicamente
organizadas, para ouvir e considerar as ações e discursos dos outros e, com base nelas,
repensar os próprios modos de agir” (MAGALHÃES, 2012, p. 18). Desse modo, uma aula de
literatura, planejada e estruturada a partir dos postulados da TASCH e organizada como
Atividade Social, isto é, como uma atividade do mundo, pode contribuir para a construção da
criticidade dos alunos e para a transformação de todos os envolvidos na aula a partir das
relações criadas na/pela atividade. Em outras palavras, esse processo transformativo presente
nas relações que são estrturadas em sala de aula pode ocorrer, na aula de literatura, a partir da
criação de ZPD. Mas o que são “ZPD”? É o que discuto a seguir.
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A ZPD: conceito Vygotskyano expandido à luz da TASCH
Para Vygotsky ([1984] 2000; [1987] 2000), a Zona de Desenvolvimento Proximal –
ZPD – representa a distância entra aquilo que a criança já consegue realizar sozinha –
desenvolvimento real – e aquilo que ela consegue fazer com a ajuda de um adulto ou alguém
mais experiente que ela – desenvolvimento potencial. Ou seja, para o teórico, é neste espaço
entre o “real” e o “potencial”, tendo em vista a relevância da interação e da inserção dos
indivíduos em práticas sociais, que o desenvolvimento e as transformações acontecem.
No entanto, o conceito de ZPD vem passando por algumas expansões desde a sua
formulação por Vygotsky. Como comenta Ninin (2013), há muitas discussões sobre esse
conceito vygotskyano e tais discussões têm sido realizadas por diferentes autores, nos mais
diversos contextos educacionais e sob a tutela dos mais diversos objetivos. Dessa maneira,
apesar de possíveis divergências teóricas, a autora pontua que prevalece o fato de que “é nesse
espaço imaterial, não mensurável, onde circulam as dissonâncias, conflitos e contradições
com as quais convive o ser humano em função de sua sociohistórica, que toda atividade de
aprendizagem ocorre” (NININ, 2013, p.53).
Magalhães (2012), na mesma direção, destaca que o conceito de ZPD se expande sob
o enfoque da TASCH, passando a ser compreendido como um movimento de colaboração e
contradição, mediado pela linguagem, constituindo relações de compreensão e ressignificação
de sentidos e de produção compartilhada de significados. Holzman (2010), por sua vez,
afirma que a criação de ZPD é um construto fundamental para a gestação do novo e para o
entendimento da criatividade.
Comentando a relação entre a ZPD e a construção de novos saberes, Magalhães e
Oliveira (2011, p. 107) entendem a ZPD como um processo inter-intra-extra psicológico,
“característico da produção de sentidos, na e pela linguagem, um movimento de organização
de linguagem nas relações interpessoais que criam contextos para aprendizagem e
desenvolvimento”. Portanto, uma aula de literatura que se preocupe intencionalmente em criar
ZPDs representaria uma oportunidade para a efetiva transformação discente, rompendo com
um ensino, grosso modo, alicerçado em biografismo, em historicidade opaca, em
memorizações e que sequer contempla, em muitos casos, o texto literário em si, como elucida,
por exemplo, Cereja (2005).
Conceituando Atividade Social
Liberali (2011) expõe que a TASCH focaliza o estudo das atividades em que os
sujeitos estão em interação um com o outro em contextos culturais determinados e
historicamente dependentes. Ao encontro dessa ideia, a autora argumenta que “uma atividade
não é simplesmente um conjunto de ações” (LIBERALI, 2009, p. 12). Para a autora, para que
dado conjunto de ações possa ser entendido como, de fato, uma atividade, é imprescindível
que os sujeitos dela participantes estejam dirigidos a um fim específico, definido a partir de
uma necessidade percebida. Isto é, uma atividade é realizada por sujeitos que atuam
coletivamente – de modo intencional – para o alcance de objetos compartilhados que
satisfaçam as suas necessidades.
Para a concepção histórico-cultural, a atividade é um conceito fundamental. Segundo
Libâneo e Freitas (2007, p. 3), “a atividade mediatiza a relação entre o homem e a realidade
objetiva. O homem, pela sua atividade, põe-se em contato com os objetos e fenômenos do
mundo circundante, atua sobre eles e transforma-os, transformando também a si mesmo”.
Com base nas discussões de Vygotsky ([1934] 2007) e de Leontiev (1978), Engeström
(1999) define a atividade como um sistema humano dinâmico mediado por artefatos culturais.
Em tal sistema, os sujeitos que participam da produção colaborativa de um objeto, agem,
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inseridos histórico e culturalmente em uma dada comunidade, com regras e divisão de
trabalho estabelecidas. Dessa maneira, de acordo com Liberali (2011), para Vygotsky, a
atividade acontece entre três polos básicos: os sujeitos, o objeto sobre o qual eles agem e os
instrumentos específicos elaborados a partir de experiências de gerações precedentes que
alargam as experiências possíveis. A pesquisadora ressalta que “são esses instrumentos que
dão certa forma à atividade, que transformam os demais polos e por eles são transformados”
(LIBERALI, 2009, p. 14).
Assim, o conceito de Atividade Social, tomando como base Liberali (2009), pode
engendrar, em sala de aula, práticas culturais e possibilidades de mediação, muitas vezes,
incomuns ao universo dos alunos. Isso porque insere novos instrumentos no contexto escolar,
possibilitando a ressignificação de concepções de ensino-aprendizagem e, sobretudo,
permitindo forjar, no cerne da escola, novas concepções de ser no mundo/sociedade nesse
eterno “devir-transformativo” da experiência humana. Portanto, (re)pensar o ensino de
literatura visto como Atividade Social pode representar caminhos para superar a crise
observada no ensino de tal disciplina e para transformar os modos de pensar e agir de todos os
sujeitos envolvidos na aula. Mas, afinal, que crise é esta que este artigo está abordando?
A crise no ensino de Literatura
Cosson (2006, 2014) afirma que o ensino de literatura no ensino médio brasileiro tem
se limitado à história da literatura brasileira. O autor comenta ainda que tal historiografia se
dá, na maior parte das vezes, de modo engessado e indigente, preso a biografismo e a recortes
teóricos sobre gêneros literários, características de escolas literárias, retórica e métrica. Nesse
sentido, para o autor (2006, p. 21), “os textos literários, quando aparecem, são fragmentos e
servem prioritariamente para comprovar as características dos períodos literários antes
nomeados”. Ou seja, pode-se depreender desses apontamentos que, em geral, as aulas de
literatura acontecem sem a presença efetiva do texto literário, o que indica uma prática cuja
eficiência é altamente discutível.
Contribuindo para essa discussão, Cereja (2005) assevera que, independentemente da
opção metodológica escolhida no trabalho com a literatura, é preciso uma postura menos
rígida no trabalho em torno de leitura de textos literários e de contextualizações desses textos
no âmbito maior da literatura e da cultura brasileira como um todo. O autor pondera ainda que
o texto precisa ser o objeto central de tais aulas. Conforme Cereja (2005, p.198) “partilhar
com os jovens a leitura de um texto literário é ensinar a ler, função primordial das aulas de
literatura”. Vale ressaltar que, na tentativa de oferecer caminhos para a superação da crise
vigente no ensino de literatura, Cereja (2005) chama a atenção para o dialogismo como
metodologia necessária para o ensino de literatura. No dizer do autor, a historiografia literária
– abordagem mais comum nas escolas brasileiras - não pode ser uma simples camisa de força
para o trabalho docente. Não pode ser fator impeditivo de um trabalho mais significativo com
o texto literário em sala de aula. Como aponta o autor, existem interessantes propostas de
ensino de Literatura sem desprezar os movimentos diacrônicos do fenômeno literário. Em
outras palavras, Cereja (2005) assevera um trabalho com a Literatura aberto para os elementos
externos do texto – contexto histórico-social e cultural, relações com outras linguagens, estilo
de época, público leitor, etc. – e as relações dialógicas existentes entre diferentes textos,
independente da época, possibilitando um inesgotável percurso de exploração da Literatura.
Além disso, ainda na tentativa de compreender melhor os obstáculos enfrentados pelo
ensino de literatura, Paulino e Cosson (2009) apontam alguns elementos que dificultam ou
mesmo impedem a formação de leitores de literatura na tradição escolar. Segundo os autores,
muitas vezes, a escola enfatiza aquilo que é conhecido e mensurável. Isso se comprova, por
exemplo, na figura do aluno cuja competência mais reconhecida é repetir o que o professor
disse ou o que o livro didático apresenta. Nesse modelo de ensino, não há espaço para o
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inusitado e a subversão, marcas essenciais do texto literário. Além disso, os autores apontam
contradições da cultura letrada em âmbito escolar. Para eles, a escola é impelida a buscar um
letramento funcional e básico na tentativa de agradar a uma sociedade já estruturada, com
funções predefinidas para os sujeitos. Assim, comentam que, quando surgem textos e práticas
que possibilitam uma interação questionadora, poética e aberta – marcas do fenômeno
literário -, a tendência de parte dos educadores é negar os sentidos imprevistos na esfera
escolar, em uma busca pelo consenso e pela homogeneização.
Ainda sobre a questão do ensino de literatura, Paulino e Cosson (2009) também
partilham da ideia de que a disciplina se fecha em biografismo e historicismo, o que
representa um importante problema. Em suas palavras (2009, p.72):
Cai-se assim num elitismo cultural de fachada, de almanaque, em que o
conhecimento é aprendido sem integrar-se às vidas dos alunos enquanto
sujeitos. A soma de conhecimentos sobre literatura é o que interessa, não a
experiência literária.
Moraes (2010) evidencia outros aspectos que estão diretamente relacionados às
dificuldades enfrentadas pela literatura na contemporaneidade. Para a autora, o homem atual
vive em um período profundamente marcado pela velocidade da tecnologia, pelas imagens
instantâneas, pela cultura de massa, entre outros aspectos. Nesse cenário, segundo a autora, a
literatura aparece como uma espécie de luxo para uma geração que tem se formado, muitas
vezes, apenas pela ideológica programação televisiva e pelos maniqueístas jogos virtuais.
Ao encontro desse diagnóstico, Antônio (2013, p. 11) argumenta que “na chamada era
da informação, da sociedade do conhecimento, a poesia tem sido cada vez mais exilada”.
Assim, o autor nos explica que a literatura – sobretudo em sua dimensão poética- tem sido
esquecida pelos poderes do mercado, pelas lógicas do entretenimento e do consumo
descartável, bem como pelas maquinarias de seduções de propaganda e marketing. Não
obstante, Moraes (2010) comenta a contradição que parece existir nessa sociedade que atingiu
um alto grau de desenvolvimento tecnológico, conhecimento e racionalidade, mas que,
simultaneamente, convive com cenas de decadência moral e barbarismo. O apontamento de
Moraes (2010) é relevante e desvela a necessidade de se perceber as aulas de literatura a partir
de um enfoque transdisciplinar e como uma Atividade Social, rompendo os limites alienantes
de um ensino perpassado por biografismos e memorizações de autores e obras e encontrando
“a vida propriamente dita”. Desse modo, a aula de literatura aqui defendida deve ter como
norte o despertar da criticidade dos alunos, valorizando a vida e o mundo reais na perspectiva
da transdisciplinaridade.
O ensino de Literatura e a emergência da Transdisciplinaridade
Nas últimas décadas, o ensino tem sido, em geral, perpassado pela disciplinaridade. Ou
seja, os chamados “conteúdos” são organizados e oferecidos aos alunos de forma, muitas
vezes, desconexa e estanque. A própria organização da grade curricular é alvo de críticas por
ser engessada e não possibilitar ao professor uma prática pedagógica capaz de abarcar a
complexidade e a amplidão do conhecimento. Ademais, observa-se, em muitos momentos, a
inquietação do universo discente, pois boa parte dos alunos não consegue compreender por
que exatamente tem que aprender determinada “matéria” e, na maioria das vezes, eles não são
capazes de estabelecer qualquer tipo de relação entre as diferentes áreas do conhecimento,
como expõe Santos (2008).
Na tentativa de melhor compreender a origem desse problema, Santos (2008) afirma que o
cartesianismo preconizado por Descartes passou a organizar toda a estrutura educacional nos
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últimos séculos e tem responsabilidade por essa forma de encarar a educação. De acordo com
o autor, isso resultou em um modelo marcado pela simplificação, fragmentação e
descontextualização. Ainda de acordo com Santos (2008), esse modo de ser cartesiano
direciona o olhar das pessoas, exclusivamente, para o que é objetivo e racional, desprezando
aspectos relevantes da vida e do cotidiano como a emoção, a intuição e a sensibilidade. Morin
(2003) corrobora essa ideia quando afirma que os alunos têm saído das escolas com a cabeça
“bem cheia” de informações, mas não necessariamente “bem feitas”.
De fato, comentando o ensino hoje, Morin (2001, p. 21) aponta que um dos pontos que
mais se fazem ausentes é “a arte de organizar o próprio pensamento, de religar e, ao mesmo
tempo, diferenciar”. Isto é, o autor revela a necessidade de (re)ligação entre os saberes, indo
além do conhecimento científico acumulado, incluindo aí a arte e os aspectos existenciais do
ser humano.
Nicolescu (1999), por sua vez, assevera que a transdisciplinaridade representa uma
possibilidade de fomentar uma nova arte de viver, visando à unidade do conhecimento.
Assinala, portanto, novas propostas de ensino na medida em que almeja uma educação
comprometida com o todo e com a vida. Seria uma ferramenta importante na busca de superar
a crise que se observa na escola atual, possibilitando a tão desejada construção de
conhecimento no âmbito escolar. Conforme Nicolescu (2000, p.150):
Aprender a conhecer significa ser capaz de estabelecer pontes – entre os
diversos saberes, entre esses saberes e seus significados para a nossa vida
cotidiana, entre esses saberes e significados e nossas capacidades interiores.
Ainda segundo Nicolescu (1999), a transdisciplinaridade significa transgredir a lógica da
não contradição, articulando os contrários: sujeito e objeto, subjetividade e objetividade,
matéria e consciência, simplicidade e complexidade, unidade e diversidade. Como explica
Santos (2008), a transdisciplinaridade solicita uma postura em que todos os saberes são
igualmente importantes, superando a hierarquização do conhecimento. Esse novo olhar de
educação traz o desafio de transitar pela diversidade dos conhecimentos, maximizando a
aprendizagem dos alunos ao trabalhar com imagens e conceitos que mobilizam, de forma
integrada, as dimensões mentais, emocionais e corporais, tecendo relações tanto horizontais
como verticais do conhecimento, conforme afirma o autor.
Compartilhando da visão transdisciplinar de ensino, Coelho (2000) discute o papel da
literatura como campo do saber capaz de conduzir o indivíduo em tempos de “caos” e
transição de paradigmas. A autora aponta que é a literatura como prática complexa de
linguagem que representa uma das possibilidades mais profícuas no planejamento e
organização do ensino em perspectiva transdisciplinar nessa incursão pela
contemporaneidade.
Nesse sentido, o trabalho com a literatura em sala de aula necessita atender exatamente a
esses anseios. Afinal, nesse novo cenário em que se vive, é preciso que as propostas
pedagógicas sejam capazes de demonstrar o compromisso da educação com a vida real e com
a formação integral de um ser que saiba viver e conviver de forma criativa, consciente, ética e
responsável.
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Literatura como atividade social: a construção coletiva de um
blog
A seção a seguir apresenta e discute a criação coletiva de um blog sobre literatura
como uma possibilidade de ensino ancorada teoricamente nos postulados da TASCH. Mais
especificamente, pretende-se oferecer e discutir um caminho para o ensino de literatura com
base em uma Atividade Social. Após a apresentação da atividade propriamente dita, discutir-
se-á sua pertinência, relacionado a atividade em foco à fundamentação teórica e ao objetivo
deste artigo.
Literatura como Atividade Social: sugestão de uma unidade didática centrada na
elaboração coletiva de um Blog
A unidade de ensino, vista como Atividade Social, oferecida por este artigo, centra-se
na elaboração de um blog sobre literatura. Sendo assim, cabe a seguinte indagação: por que a
escolha por um blog?
Antes de responder a essa indagação, vale comentar brevemente a concepção de
gênero aqui adotada. Este artigo se apoia no pensamento bakhtiniano ([1952,1953/1979],
2003) e faz coro às palavras de Rojo e Barbosa (2015, p. 27) quando estas destacam os
gêneros discursivos como “entidades da vida”, indo muito além das visões mais estruturalistas
sobre texto e tipologias textuais. Para as autoras (2015, p. 28) “tudo o que dizemos, cantamos
ou escrevemos/digitamos, tudo o que enunciamos, dá-se concretamente na forma de
enunciados ou textos. E todo enunciado articula-se em uma forma relativamente estável de
enunciar, que é o gênero”. As pesquisadoras ainda ressaltam a inevitável relação dos gêneros
com as esferas sociais nas quais circulam e as práticas histórico-culturais das quais são –
inevitavelmente- representativos.
No entanto, sobre os gêneros que são mais valorizados no contexto escolar, Rojo e
Barbosa (2015) fazem um apontamento importante: a escola ainda privilegia, quase que
exclusivamente, a chamada cultura “culta”, sem levar em conta “os multi e novos letramentos,
as práticas, procedimentos e gêneros com circulação nos ambientes da cultura de massa e
digital e no mundo hipermoderno atual” (ROJO; BARBOSA, 2015, p. 135). Ao encontro
dessa inquietação, as autoras indicam que a escola deve qualificar a participação dos alunos
nas práticas da web, propiciando aos estudantes experiências significativas com produções de
diferentes culturas e com práticas, procedimentos e gêneros que circulam em ambientes
digitais. A escolha por um “blog” tenciona, portanto, contribuir para responder aos desafios de
inserir na escola – consciente e criticamente – os gêneros pertencentes ao ambiente digital.
Tendo isso em vista, a atividade “blog de literatura” pode ser organizada, dados os
componentes de um sistema de atividade (Engeström ,1999), como mostra o quadro a seguir:
Instrumentos Poemas, contos, romances, computadores.
Sujeitos Blogueiros, leitores, alunos, professores,
curiosos.
Regras Prazo para a leitura das obras a serem
resenhadas/discutidas para a postagem no
blog. Cronograma para a produção e
revisão dos textos e consequente ativação
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do blog na internet.
Comunidade Todos os leitores – na escola (diretores,
professores, alunos, funcionários) e fora
dela (pais, colegas, internautas) - que se
interessarem por literatura.
Objeto Criação coletiva (alunos e professor) de
um blog sobre literatura na internet.
Divisão de tarefas Alunos-editores definem as obras a serem
divulgadas/discutidas no blog; alunos-
redatores produzem os textos a serem
postados; alunos-blogueiros criam vídeos
e/ou outras formas de discutir literatura a
serem inseridas no blog; alunos-revisores
fazem uma revisão atenta de todo o
conteúdo apresentado no blog; alunos-
leitores leem e comentam o conteúdo do
blog.
Quadro 1. Atividade “Criação de um blog sobre literatura”
A atividade “blog sobre literatura” acima descrita pode ser organizada ao longo de um
bimestre letivo. O professor de literatura pode iniciar o seu trabalho fazendo um diagnóstico
sobre o conhecimento dos alunos sobre blogs, investigando, dessa forma, se algum aluno já
tem um blog ou se há, na turma, alguém que acompanhe esse gênero na internet, etc. O
objetivo desta etapa é verificar o conhecimento prévio dos alunos sobre o assunto, além de
procurar fomentar o interesse discente para as futuras etapas. Cabe destacar, neste ponto, a
importância de o docente procurar entender, despertar e valorizar o interesse discente para a
participação na construção do objeto da atividade. Com expõe Vygotsky (2010, p. 192),
“entende-se o interesse como um envolvimento interior que orienta todas as nossas forças no
sentido do estudo de um objeto”. O teórico russo ainda explica que “se um mestre quer que
algo seja bem assimilado deve preocupar-se com torná-lo interessante” (VYGOTSKY, 2010,
p. 193).
Posteriormente, o docente pode discutir com os alunos o fato de existirem diversos
blogs na internet sobre os mais variados temas, inclusive sobre literatura. Nesse ponto, os
estudantes podem ser levados a responderem algumas perguntas, tais como: “para que serve
um blog de literatura?”, “quem normalmente produz um blog dessa natureza?”, “quem é o
público-alvo desse tipo de blog?”; “com que intenção se produz, normalmente, um blog sobre
literatura?”. Enfim, a intenção é, neste momento, estimular uma reflexão dos estudantes a
respeito da real circulação de um blog sobre literatura em esferas sociais reais e
historicamente situadas.
Após esse preâmbulo, o professor e os alunos – coletivamente – podem definir
algumas obras literárias – poema, conto, romance – para leitura, discussão coletiva e
apreciação crítica em sala de aula, com o intuito de comentar/discutir e divulgar tais obras –
posteriormente - a partir de um blog sobre literatura criado pela turma na internet. Sendo a
atividade concretizada por meio de ações, operações e tarefas, suscitadas por desejos e
necessidades dos participantes, como assevera Leontiev (1977), é importante, então, que o
professor saiba valorizar as necessidades e os motivos de todos os estudantes da turma e leve
em consideração esses anseios na condução da criação do blog.
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Ademais, as relações em sala de aula devem receber atenção especial para que
funcionem como ZPD. Essas ZPD, segundo Vygotsky ([1930] 2007), possibilitam
compreender as relações entre o “eu” e o “outro”, favorecendo a construção de significados
compartilhados em contexto escolar. Nessa direção, Newman e Holzman (1993, p. 110),
esclarecem que “a ZPD permite uma reorganização dos cenários ambientais para criar novo
significado e uma aprendizagem que conduz o desenvolvimento” e, ao encontro dessa
explicação, os autores apontam ainda que a ZPD funciona como “atividade revolucionária”, o
que, na criação do blog de literatura aqui sugerida, poderia propiciar a todos os sujeitos
envolvidos na atividade a possibilidade de transformação de si e dos outros.
Não obstante, uma aula de literatura organizada da forma aqui sugerida, pode resgatar
a voz do estudante na interpretação e discussão de textos literários, uma vez que, muitas
vezes, o professor de literatura detém em si “a verdade” sobre o texto discutido. A aula de
literatura com base em uma Atividade Social poderia ainda ir de encontro a uma postura, boa
parte das vezes, individualista e já cristalizada na construção de conhecimento em âmbito
escolar. Como elucida Magalhães (2011, p.13):
[...] há na cultura escolar, uma persistente e a-histórica estabilidade de
sentidos e significados, quanto a ações-discursos valorizados nas práticas
diárias de sala de aula, que estão embasados em uma compreensão
reducionista e individualista, quanto a metas e propósitos para agir, conhecer
e produzir conhecimento.
A aula de literatura organizada como Atividade Social poderia, portanto, oferecer um
“lócus” – tanto para o professor quanto para o aluno – de renúncia a um sentido
convencionado e imutável a ser transmitido pelo texto literário, possibilitando a negociação
coletiva de significados sobre o objeto da atividade e também sobre a interpretação dos textos
literários discutidos ao longo da atividade. Em consonância com essa perspectiva está Rouxel
(2013, p.20) quando, sobre novas possibilidades metodológicas para o ensino de literatura, a
pesquisadora comenta que “trata-se de partir da recepção do aluno, de convidá-lo à aventura
interpretativa com seus riscos, reforçando suas competências pela aquisição de saberes e de
técnicas”.
Ainda sobre aquilo que concerne à atividade proposta por este artigo, após a escolha,
leitura e discussão coletiva das obras, o professor poderia discutir em sala de aula as
diferentes formas de “alimentar” um blog sobre literatura na internet, tais como: produção de
resenhas críticas, vídeos, elaboração de enquetes e seções de comentários para um diálogo
mais estreito com o leitor, postagem de charges, tirinhas, letras de música e/ou cenas de filme
que tenham relação com as obras discutidas/divulgadas pelo blog, entre outras possibilidades.
Após a preparação, produção e revisão de todo o material desenvolvido na atividade, o blog
pode ser lançado/divulgado na escola e na própria comunidade na qual o trabalho se
desenvolveu.
Nesta etapa, cabe um apontamento: as sugestões aqui contidas não podem nem
pretendem ser “uma camisa de força” para o professor. São apenas recomendações para a
organização de uma aula de literatura capaz de superar as limitações que a memorização de
escolas literárias, nomes de obras e/ou autores podem trazer à disciplina, desencapsulando,
portanto, as potencialidades do texto literário em um movimento transdisciplinar (Nicolescu,
1999,2000) de encontro com a vida real e com os anseios dos estudantes, ou seja, uma aula de
literatura organizada com base em uma Atividade Social (Liberali, 2009, 2010).
Em síntese: pretende-se, após todos os movimentos da atividade aqui discutidos,
desenvolver a agência dos estudantes. Entende-se agência aqui, tomando como base Ninin e
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Magalhães (prelo), como “ações que, além de intencionais e conscientes, surgem imbricadas
às necessidades e aos interesses coletivos dos sujeitos da atividade”. Com isso, as sugestões
aqui contidas pretendem contribuir para resgatar o prazer estético de estar em uma aula de
literatura, vista como um movimento de produção coletiva de conhecimento e como um
espaço de valorização da voz de todos os sujeitos envolvidos na atividade em busca de um
comportamento crítico de estudantes do ensino médio.
Considerações finais
Tendo em vista o objetivo deste artigo em discutir o ensino de literatura com base em
uma Atividade Social, cabe destacar que as sugestões aqui oferecidas/discutidas, que tomaram
como eixo o objeto da atividade “criação de um blog sobre literatura”, pretendem oferecer
caminhos para ressignificar o ensino de literatura, contribuindo, assim, para superar a crise
vigente no ensino dessa disciplina.
Com base no que foi exposto neste artigo quanto ao ensino de literatura e a sua crise, é
possível inferir que há uma profunda assimetria de papeis entre professor e aluno, em que a
interpretação discente é, muitas vezes, desvalorizada e silenciada diante da “voz
interpretativa” autoritária do professor. No sentido aposto a essa perspectiva tradicional, o
ensino de literatura, visto sob a ótica da TASCH, pode engendrar um movimento colaborativo
de negociação de significados na construção do objeto da atividade, o que, consequentemente,
possibilitaria uma reformulação dos papeis normalmente atribuídos a professor e aluno em
uma aula de literatura, contribuindo, desse modo, para uma relação menos assimétrica entre
esses sujeitos, além de facilitar a acolhida de “sentidos imprevistos” surgidos ao longo da
aula, marca essencial do fenômeno literário. Como afirma Rouxel (2013, p.24), “a literatura
lida em sala convida também a explorar a experiência humana, a extrair dela proveitos
simbólicos que o professor não consegue avaliar, pois decorrem da esfera íntima”.
Na esteira desses apontamentos, vale ainda ressaltar que a passividade do aluno se
configura como condição inaceitável para o desenvolvimento de leitores críticos e definitivos:
leitores que tendem a continuar o seu percurso de leituras para além dos muros da escola.
Tem-se, portanto, no ensino de literatura com base em uma Atividade Social, um caminho
potencial para a formação de leitores proficientes e duradouros. Dada a natureza ambígua e
polissêmica do texto literário, abrir o ensino de literatura para além da voz autoritária do
professor representaria a criação de um espaço efetivamente capaz de abarcar a natureza
complexa desse tipo de texto e de formar leitores proficientes. Poder-se-ia, dessa maneira,
pensar em uma sala de aula de literatura em que as relações entre os sujeitos fossem mais
valorizadas e que houvesse, por conseguinte, o resgate da voz discente a partir da construção
coletiva do objeto da atividade.
Em suma, a aula de literatura organizada com base em uma Atividade Social pode
desvelar um horizonte profícuo para a efetivação de uma sala de aula acolhedora,
emancipatória e aberta à criação do novo: condições “sine qua non” do fenômeno literário e
da formação de leitores de literatura.
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Web rádio: modelos de gestão e empreendedorismo
Marcus Augusto Santos Silva Mestre em Linguística Aplicada pela UNITAU. Professor das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila - FATEA
Sandro Ramos Obeica Cardoso Graduação em comunicação social com habilitação em Radialismo (Rádio & TV) - FACHA, RJ (2008), MBA
em Gestão de Marketing & Negócios - FATEA (2015)
Resumo
Acompanhando as novas tendências tecnológicas e tudo que elas podem contribuir para a
reformulação e a reinvenção dos veículos de comunicação, este artigo pretende através de
pesquisa bibliográfica e do descritivo de práticas, ressaltar o quanto o Rádio mudou desde
que foi criado. Apontando novas diretrizes e modelos de gestão de negócios e
empreendedorismo voltados à Web radio, ele aborda novos formatos, plataformas e
conceitos, que aliados ao advento da internet, deram um novo fôlego ao tradicional meio e
lhe traçam novas perspectivas, sugerindo ações recomendáveis aos gestores de Web rádios e
rádios com transmissão em FM ou AM hoje. O entendimento de como funcionam estas novas
plataformas, aliadas aos mais recentes conceitos de marketing, juntamente com um estudo
sobre as novas práticas de consumo, contribuem para que novos modelos de negócios
voltados a esta área surjam a fim de suprir uma demanda nova e segmentada de consumo
musical e informacional.
Palavras-chave
Web Radialismo; Radialismo; Segmentação; Marketing; Modelos de negócio.
Abstract
Accompanying the new technological trends, and all that they can contribute to the
reformulation and the reinvention of the media, this article aims through literature and
descriptive practices, point out how much radio has changed since it was created. Pointing
new guidelines and business management models and entrepreneurship aimed at Web radio,
it addresses new formats, platforms and concepts, which combined with the advent of the
internet gave a new "breath" to the traditional middle and draw you new perspectives,
suggesting recommended actions to web managers radios and radios broadcast on FM or AM
today. Understanding how these new platforms, combined with the latest concepts of
marketing, along with a study on the new consumption practices, contribute to new business
models related to this area arise in order to supply a new, targeted demand Music and
informational consumption.
Keywords
Web Radio; Radio; Segmentation; Marketing; Business models.
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Introdução
Em um breve resumo de como surgiu o Rádio no mundo, pode-se citar Aleksander
Stephanovitsh Popov, que em meados de 1895, conseguiu fazer as primeiras transmissões de
sinais de Rádio em curtas distâncias no mundo. Guglielmo Marconi, outro grande estudioso
nesta área, juntou seus conhecimentos aos de Edouard Brainly, que possuía estudos avançados
em Coesores, os detectores de sinais de Rádio na época. Aleksander Popov já havia
desenvolvido a antena que captava estes sinais e Oliver Lodge, havia desenvolvido a sintonia,
onde poderia selecionar o recebimento de uma frequência especifica dentre as inúmeras
captadas por uma antena. (MIRANDA, 1998)
Em 1983 no Brasil, o padre Roberto Landell de Moura, pioneiro no Brasil, realizou a
primeira transmissão de palavra falada e sinais sonoros, sem fios, através de ondas
eletromagnéticas do alto da Avenida Paulista ao morro do Sant´anna, na cidade de São Paulo.
Em 1922, em ocasião do centenário da independência do Brasil foi realizada a primeira
transmissão realizada no Rio de Janeiro A primeira emissora de rádio do Brasil, a Rádio
Sociedade Rio de Janeiro, surgiu em 1923, fundada por Roquette Pinto e Henrique Morize.
(MIRANDA, 1998)
Entre as décadas de 1930 a 1950, o rádio viveu a sua “Era de Ouro”, pois naquela
época era o principal meio de divulgação de informações, artistas e talentos, juntamente ao
cinema. Em 1932, veio a autorização do governo Vargas para a veiculação de publicidade no
rádio, o que deu um grande impulso comercial e popular ao veículo, criando por exemplo o
conceito de publicidade “ao vivo”. Assim nascia o testemunhal e o merchandising. Em 1934,
nascia a Rádio Mayrink Veiga, uma das mais importantes do país pelas três décadas
seguintes. Nos anos seguintes foram criadas a Rádio Jornal do Brasil e a Rádio Tupi, duas
emissoras históricas que existem até hoje e em 1936, surge a Rádio Nacional, que além de
liderar a audiência por 20 anos, transformou e revolucionou os padrões de linguagem do
Rádio Brasileiro. (MIRANDA, 1998)
Na Década de 50 foi o “boom” do Rádio, que antes da criação da TV, era o meio mais
rápido de comunicação, já que naquela época, o que imperava eram os jornais impressos. A
velocidade da informação, o alcance e a qualidade eram as suas principais características, o
que favoreceu muito á expansão e o aprimoramento deste veículo. (MIRANDA, 1998)
Uma “recente alternativa”, foi a criação do Rádio Digital, que trouxe mais qualidade
às FM´s, (Frequência modulada) e às AM´s, (Amplitude modulada). Este “novo” formato
trouxe diversas possibilidades ao Rádio que há tempos “agonizava” por mudanças e
adequações aos novos formatos dos novos meios de comunicação. Por ser um meio digital, a
qualidade do áudio melhorou consideravelmente, além da transmissão de rádio poder incluir
além do tradicional áudio, vídeos e imagens. Fica ainda uma expectativa de que o “velho”
rádio seja reinventado com esta nova tecnologia, alternativa viável para essa tão esperada
evolução do Rádio, a Web rádio. (FERRARETTO e KLOCKNER, 2010)
Criado junto as Universidades Americanas e o governo dos Estados Unidos, o
protocolo de transmissão de dados foi primordial para a transmissão de dados em larga escala,
ou seja, um sistema unificado onde todos podiam se comunicar em uma mesma linguagem.
(PRATA e MARTINS, 2011)
As primeiras transmissões de áudio via internet foram através do Voip, (Voice Over
Internet Protocol), o que proporcionou no final da década de 1980 a digitalização das redes de
comunicação e a popularização do Fax. Com isso, logo se conseguiu uma maneira de se
digitalizar a voz ou colocar o áudio dentro de um IP, onde se criou o Streeming que quer dizer
fluxo continuo, ou seja, para se enviar arquivos de áudio, era preciso um fluxo continuo de
dados para transmitir áudio ou vídeo. (PRATA e MARTINS, 2011)
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Após estas descobertas que dariam novos rumos a esta nova plataforma que se tornava
a internet, em meados de 1995 nos Estados Unidos, no Estado do Texas, foi fundada a
primeira Web Radio do mundo, a Rádio K.L.I.F. No Brasil, a primeira transmissão de rádio
pela Web foi feita em 1998, pela da Web Radio Totem, em Belém do Pará. (PRATA e
MARTINS, 2011)
As Web Rádios ganharam notoriedade como meio de comunicação, principalmente
através da popularização da Internet, em seguida a expansão das redes Wireless, sem fio. A
criação de dispositivos móveis interligados a internet, deram total mobilidade e singularidade
ao conteúdo. A Internet ao longo dos anos se tornou um poderoso meio de comunicação, uma
nova plataforma interativa para a convergência de antigos formatos em comunicação, unindo
vários conceitos diferentes em apenas um sinal, o que mudaria e muito os próximos formatos
a serem adotados. (FERRARETTO e KLOCKNER, 2010)
Rádio Analógico X Web Rádios
Segundo Luiz Artur Ferraretto, principalmente ao longo destes últimos 5 anos, ocorreu
uma verdadeira revolução na maneira de se comunicar via internet. As inúmeras redes sociais,
canais de vídeo, os sites de Rádios Web, a mobilidade e as particularidades dos dispositivos
móveis, vêm trazendo um novo fôlego ao “velho Rádio”, mudando a maneira de se comunicar
e traçando novos horizontes na comunicação. (FERRARETTO e KLOCKNER, 2010)
Embora alguns setores mais tradicionais ainda achem que a única e eficaz maneira de
divulgar e montar estratégias para seus produtos, serviços e negócios é através de mídias
físicas e canais de comunicação massificados, muitos já perceberam que a segmentação e a
implementação de canais não tão convencionais, podem trazer ótimos resultados estreitando o
contato direto com seus consumidores e promovendo a sua marca. (KOTLER, 2008)
É inevitável ressaltar o quanto o Rádio convencional perdeu espaço frente aos veículos
que se integraram a internet. Existem inúmeras dificuldades em se adquirir uma concessão e
conseguir operar legalmente, seja em FM (frequência modulada) ou em AM (amplitude
modulada). Os limites geográficos para as transmissões, e as regras restritivas impostas pela
ANATEL, vem tornando o rádio convencional cada vez menos atraente como negócio
lucrativo. Já a Web rádio tem um processo muito menos burocrático e por sua característica
não apresenta fronteiras geográficas para a transmissão, ou seja, ao criar um canal de Rádio
Web na Internet, abre-se literalmente a transmissão para o mundo.
Estes fatores fazem com que a Web rádio seja um ótimo investimento para os
apaixonados por rádio que já enxergavam esta convergência como óbvia, produtiva e
inevitável dentre os mais diversos meios de comunicação.
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Gráfico 1 – Consumo musical no mundo
Fonte: (http://www.prweb.com)
Empreendedorismo na Web & Web Rádio
O empreendedorismo digital é algo que está em evidência quando ressaltamos as
gerações Y e principalmente a Z. Estas gerações que foram concebidas em meio ao “caos”
digital, tanto que se acostumaram a conviver com estas inovações múltiplas, são propicias a se
adaptarem a este espaço comum e sem fronteiras que é a internet e também aos novos
formatos de meios de comunicação que convergiram para este meio. (KOTLER, 2008)
A Web rádio tornou-se ao longo do tempo e aos olhos dos amantes do bom e “velho”
rádio, um grande negócio, principalmente pela sua viabilidade, pois com poucos
equipamentos de informática, conhecimento em TI, (Tecnologia da Informação) e
conhecimentos técnicos, qualquer pessoa pode ter o seu próprio canal de Web rádio. Ao longo
do tempo estas oportunidades se multiplicaram despertando em grandes empresas e seus
gestores, este olhar mais detalhista com relação ao Webradialismo a fim de explorar esta nova
maneira de se comunicar de inúmeras maneiras. (PRATA e MARTINS, 2011)
Modelos de negócios em Web rádio – Benchmarking
Ao fazer um estudo, detectamos quatro segmentos distintos como modelos comerciais em
Web rádio.
Web rádio como sonorização ambiente personalizada em estabelecimentos
(personalizada)
Web rádio como canal de comunicação de empresas com consumidores
Web rádio comercial.
Modelo Freemium
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Sonorização ambiente
Utilizada como sonorização ambiente de estabelecimentos comerciais ou institucionais
é uma Web Rádio personalizada de uma determinada empresa, gerando conteúdo específico
sobre produtos e serviços daquele determinado negócio a fim de que ela seja a programação
oficial do estabelecimento comercial, com programação adequada aquele público que
frequenta o local, plástica, informações e spots comerciais especificamente sobre produtos e
serviços exclusivos deste estabelecimento. Em alguns modelos neste gênero, a carga musical
pode ser escolhida e mudada a qualquer momento pelo gestor e só pode ser ouvida no
estabelecimento comercial o que a torna única. (PRATA e MARTINS, 2011)
Neste formato também dá à liberdade de um locutor intervir ao vivo na programação
fazendo algum tipo de “serviço de utilidade pública” interna do estabelecimento, anunciando
promoções ou estabelecendo contato com sua equipe. Geralmente este serviço é muito
encontrado em lojas de departamento, em grandes redes de supermercado, em negócios bem
específicos e segmentados, onde pretendem ambientar musicalmente o seu estabelecimento a
fim de torná-los propício ao consumo por parte seus clientes. (PRATA e MARTINS, 2011).
Podemos citar como exemplo a Rádio C&A, Rádio Renner, Supermercados Spani, entre
outras.
Canal de comunicação
No modelo de Web Rádio como canal de comunicação de empresas como
consumidores, o intuito é promover a marca ou produto e estabelecer um canal
comunicacional direto entre a empresa e o consumidor. Percebemos variações neste formato
de Rádio Web que fornece conteúdo informacional a respeito da marca, informações
segmentada sobre os artistas que são executados em seu canal de maior audiência, links
diretos para as redes sociais e o serviço onde o próprio ouvinte pode criar a play
list personalizada. Para usufruir deste conteúdo, o internauta tem que se cadastrar e fornecer
informações preciosas para que a empresa estude o perfil de seus consumidores, o que se
torna uma grande ferramenta de captação de informações para o banco de dados desta
empresa. Em alguns casos, a ideia é simplesmente propagar a marca e o conteúdo musical
apenas, o que torna uma mecânica muito mais simples. (PRATA e MARTINS, 2011) como a
Rádio Skol, Rádio Bradesco Seguros, Rádio Coca Cola, etc.
Web Rádio comercial
Além do Rádio ter mudado bastante, quando o ouvinte que estabelecia os contatos
através de telefone ou carta e simplesmente a ouvia sem muita interferência na diretriz de
programação, hoje, com este cenário de mudanças drásticas na maneira de se comunicar,
abriu-se uma oportunidade importantíssima para que o rádio não mais estivesse fadado à sua
extinção. As Web Rádios comerciais reinventaram a maneira de se fazer rádio, trazendo
conceitos do rádio convencional para este novo formato, só que de uma maneira muito mais
dinâmica, se unindo a vários outros meios e se tornando onipresente. (FERRARETTO e
KLOCKNER, 2010)
As Web Rádios comerciais, como modelo de negócio, são bem semelhantes às Rádios
convencionais, em frequências AM ou FM, no quesito formato de programação normal. A
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métrica é a mesma, porém, com inúmeras ferramentas e facilidades que a Internet
proporciona, tornam as Web Rádios veículos únicos.
Pode-se ressaltar uma palavra que deve ser muito considerada nas Web rádios
comerciais: segmentação. Segmentação de audiência, de público, de anunciantes, estilo
musical, faixa etária, sexo, conteúdo, etc. Por conta da grande oferta é o ouvinte/internauta
que vai determinar como os anunciantes devem atuar. Importante ressaltar que na Web, há
espaço e público para qualquer o tipo de conteúdo radiofônico, porém, estudar bem estes
fatores e traçar um panorama geral do perfil de audiência, adequado à localidade, premissas
culturais, turismo e logística, são imprescindíveis para se obter sucesso empreendendo em
Web rádio.
Modelo Freemium
O modelo de negócio “Spotify” é um serviço de streeming de músicas que funciona de
maneira semelhante a uma Web rádio, porém, é denominado Freemium e como tal, possui
duas maneiras de gerar a sua renda.
“Free” (gratuita): São financiadas por anúncios e publicidade que estão inseridos entre
as músicas, seja como spot´s comerciais ou anúncios em banners e span´s na tela do
aplicativo.
“Premium” (conta paga): Onde o assinante paga uma mensalidade para não ter
inserções de anúncios e propaganda em sua programação que pode ser personalizada ou em
play lists já pré-determinados.
Embora o número de contas “premium” seja menor, são estas que representam a
contribuição principal para o volume de negócios da empresa. Este serviço de streaming conta
com cerca de 50 milhões de usuários hoje, dos quais mais de 12,5 milhões são “premium”,
número este que vem crescendo anualmente. Podemos citar como exemplo Spotify, Rdio,
Groove Shark, entre outras.
Gráfico 2 – Comparativo do Spotify entre usuários Premium & Free Users
Fonte – (https://www.spotify.com/br/)
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Web Rádio: Foco Regional X Desregionalização
As Web rádios podem ser trabalhadas de maneiras bem distintas, inclusive quanto a se
focar em uma programação regional, semelhante às Rádios convencionais ou
(des)regionalizar, fazer o caminho inverso. (CORDEIRO, 2004)
O modelo de Web rádio com foco regional trabalha com segmento bem focado em
uma programação regional, voltada a atender os anseios deste público, trazendo também uma
carga informacional a fim de atender esta demanda bem especifica regional. Também possui
uma programação mais popular e homogênea direcionada ao Pop em geral, a fim de agradar
maiorias. Estas se espelham em grandes corporações e em uma programação semelhante a de
grandes rádios que são referência em capitais, replicando modelos, algo bem próximo do
antigo rádio, só que fazendo o uso destas novas tecnologias como ferramentas agregadoras em
Web rádio, coisa que hoje as rádios convencionais também fazem uso. (CORDEIRO, 2004)
Para uma análise do modelo de Web rádios com foco em públicos não locais, vale
ressaltar que ou a rádio tem que estar localizada em uma região turística ou trabalhar
segmentos muito específicos para poder explora-la comercialmente e obter êxito. Vale
também ressaltar que pelas Web rádios serem provenientes e usarem a Internet como seu
principal canal de comunicação, transmissão e difusão de informação, estar neste universo se
torna uma grande vantagem pois esta plataforma, centraliza tudo ou grande parte do que uma
Web rádio pode fazer uso, em um espaço comum, falando linguagens específicas, ousando,
inovando e trazendo este novo modelo com toda a interatividade que a internet nos
proporciona.
Um bom exemplo é a Rádio BSide que após detectar inúmeros fatores favoráveis a
bons negócios resolveu mudar a sua sede para Penedo, um distrito da cidade de Itatiaia, RJ,
entendendo que ali é a porta de entrada para a região das Agulhas Negras, uma região
montanhosa muito famosa no Brasil, localizada no eixo Rio X São Paulo. Dentre as inúmeras
vantagens em estar numa região como esta, os fatores logística, cultura, gastronomia,
entretenimento, fora as belezas naturais e o fato de o distrito ser bem conhecido por sua cena
musical que atrai inúmeros músicos de outras localidades do Brasil e de fora do país.
A Rádio BSide, foi criada com o intuito de atingir um público distinto, sendo de
dentro ou de fora desta região, porém que se interessasse pelo que acontece ali, oferecendo
uma programação diferenciada a fim de atrair ouvintes de fora de Penedo, porém que tenham
ou queiram ter alguma ligação com este lugar e anunciantes que queiram propagar seus
produtos e serviços a este mesmo público, principalmente os que vem visitar Penedo e a
região. Ao mesmo tempo em que a marca é trabalhada dentro da cidade com publicidade
física e virtual, a carga publicitária virtual é muito mais direcionada ao público de fora da
cidade, o que a torna atraente a investidores a serem anunciantes da Rádio BSide, com o
intuito de alavancarem seus negócios, que nesta região, são diretamente ligados ao turismo.
Fundamentos & Mix de Marketing
Tendo como premissa os fundamentos de sua empresa como missão, visão, valores,
negócio e sempre observando lideres, pode-se traçar um modelo de gestão de negócios
específico em Web rádio e desenvolvê-lo no segmento predeterminado a fim de atuar em
mercados únicos e se destacar desenvolvendo um “produto” com o intuito de suprir uma
demanda específica. (KOTLER, 2002)
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No Marketing 3.0, é preciso reconhecer que “o consumidor é mais do que um simples
comprador”. “Ele tem preocupações coletivas, ambientais e aspira por uma sociedade
melhor”. Estamos na era do Marketing centrado no indivíduo, onde temos em vista que
estaremos lhe dando com consumidores altamente conscientes e isso nos força a entender e
criar uma rede mútua de colaboração, abrangendo empresa, clientes e fornecedores, todos
juntos e interligados. (KOTLER, 2008)
Tendo como premissa os conceitos e fundamentos do Marketing 3.0, alguns aspectos
são de extrema importância ressaltar como, tratar sempre muito bem os seus clientes e
respeitar o seus concorrentes, ser sensível às mudanças e estar sempre pronto a se transformar
saber o que você faz e quem você é, procurar primeiramente os clientes que vão se beneficiar
com o que você pode oferecer, proporcionar um bom pacote a um preço justo, estar sempre
disponível e espalhar as boas notícias, cultivar sempre seus clientes e fazendo-os crescer. Seu
negócio sempre será uma empresa de serviços, refine o seu negócio em termos de qualidade,
custo e entrega, reúna o máximo de informações para assim chegar a sua melhor decisão de
acordo com o panorama. (KOTLER, 2008)
O Marketing identifica a necessidade e cria a oportunidade. Por este prisma, podemos
dizer que na Web rádio a significância é a mesma. Detectar alguns fatores antes de abrir um
negócio é imprescindível para o seu sucesso.
A verificação de variáveis como o macro ambiente que abrange fatores econômicos,
demográficos, socioculturais, tecnológicos, político e legais, o Micro Ambiente, que abrange
concorrentes, público, fornecedores e clientes, e sempre observar o ambiente interno da
empresa para que tudo funcione sempre de forma rápida e concisa. (KOTLER, 2008)
No caso de uma Web rádio, cada um destes fatores tem sua devida importância.
Localização, poder de compra, interesse, cultura, ambiente macro e micro, em suma, a
realização de um projeto em Web rádio em um local turístico, onde há circulação de pessoas
com poder aquisitivo alto e de comerciantes que querem propagar seus negócios, torna este
ambiente propício à sua realização com êxito.
Os fatores tecnológicos influenciam diretamente, pois para este modelo, precisa-se de
uma série de componentes quanto à tecnologia e logística para a realização e o seu
desenvolvimento. Os fatores políticos e legais também são importantes, já que a princípio,
não existe uma regulamentação para este tipo de negócio no Brasil.
Por fim, os fatores socioculturais, sendo fatores relevantes em uma determinada
localidade, são de extrema importância pois agregando estes fatores ao conteúdo de uma Web
rádio, faz com que o público correlacionado a cultura local se torne e dê audiência ao veículo.
Em um distrito como Penedo, a premissa cultural/artística, por ser extremamente forte, é
referência frente ás cidades periféricas, principalmente pela concentração de grandes músicos
e artistas, nacionais e internacionais, que ali residem.
Em Penedo, por exemplo, existem vários fatores a serem explorados como as belezas
naturais, música, artes, cachoeiras, cultura finlandesa, ecoturismo, gastronomia,
entretenimento, ou seja, quanto mais atributos tem o lugar e de alguma maneira isso possa ser
explorado por um veículo como estes, faz com que o veículo se aproxime de todos, tanto os
que ali residem quanto já conhecem o lugar ou que possivelmente virão conhecer, aliando isto
ás boas experiências de quem está a passeio ou a quem tem negócios por ali.
Deve-se também levar em consideração os 4 P´s para uma melhor avaliação de qual
plano de Marketing seja o melhor a ser implantado.
Quanto ao “produto”, uma Web Rádio trabalha com serviços intangíveis por oferecer
entretenimento musical, informacional e cultural sem custo algum ao ouvinte. Ao anunciante,
oferece espaços publicitários em sua programação, no site, aplicativo e em suas redes sociais.
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Uma Web rádio deve oferecer aos ouvintes e aos anunciantes, além de um conteúdo musical
segmentado, conteúdo informacional dentro de uma diretriz, inúmeros canais para que esta
conectividade seja efetuada através das mais diversas plataformas, cultura e entretenimento e
o que mais lhe for pertinente oferecer.
Outro fator importante é estudar os nichos específicos de mercado a fim de explorar
mercados ainda inexplorados, pois ser precursor e ao mesmo tempo não ter concorrência em
seu mercado de atuação, faz com que você seja único e sempre leve vantagem, mesmo que
após algum tempo, concorrentes venham a surgir.
Quanto ao “preço”, este é determinado a partir de custos de produção de comerciais,
comparação com outros veículos similares como o Rádio, veiculação junto à programação e
embasamento quanto aos preços praticados pelo mercado e seus concorrentes. O preço
também determina o posicionamento de sua empresa. Algumas empresas desejam passar a
seus compradores a imagem de preços imbatíveis, outras trabalham um posicionamento de
valorização de seus serviços a partir de preços mais elevados, levando em conta o status como
ferramenta principal na aquisição de produtos ou serviços. Planos sob medida e descontos
especiais para seus clientes que fidelizam anunciando em sua empresa por um determinado
tempo, pois hoje se sabe a importância em manter clientes fiéis ao seu negócio. Algo também
praticado é oferecer vantagens em número de inserções como forma de atrair novos clientes e
manter os já consolidados, pois acreditamos que os anunciantes fiéis, além de estarem
apoiando o crescimento do seu negócio, serão um bom canal para a divulgação do mesmo.
Quanto à “praça”, quer dizer como o serviço estará disponível ao seu cliente. A
localização e estrutura adequadas, canais de prestação de serviço disponíveis aos seus
clientes, a relação com seus fornecedores e terceirizados serão determinantes para levar ao
cliente o que ele necessita. Neste caso, além de portfólios via internet, web site e redes
sociais, além de parcerias com outros fornecedores de serviços, caso seja necessário, os
vendedores vão até os clientes a fim de mostrar o portfólio de comerciais já produzidos e
tentar as melhores soluções para cada um dos clientes, tratando cada um deles de uma
maneira singular. Caso o cliente queira conhecer as instalações e estúdios, oferece-se a opção
de marcar uma conversa na sede. Vale ressaltar que estar em um local privilegiado, com
infraestrutura de ponta e parcerias que agregam valor e mobilidade ao seu negócio, são de
extrema importância para esta fluência. Além das ações on line para que os clientes conheçam
a programação e os serviços oferecidos é importante investir em sinalizações externas a fim
de desmistificar e fazer com que a Web Rádio seja conhecida também no âmbito físico.
A “promoção” tem a função de estimular a demanda relacionando serviços a
necessidades e desejos dos seus clientes. “A chave do sucesso está em reter e atrair a atenção
de seus clientes”. Em especial, a promoção trabalha com três premissas:
*Informar aos clientes potenciais a existência dos produtos e serviços e suas vantagens.
*Informar aos clientes potenciais onde e como obter esses serviços.
*Lembrar aos clientes a existência dos produtos e serviços oferecidos.
Para isso, na Web rádio o cadastro nos inúmeros sites e aplicativos a fim de ampliar a
visualização da marca e seu conteúdo em outros canais de comunicação, atraindo ouvintes
novos para o seu canal e formando um novo target de clientes/ouvintes que são tão
importantes quanto os clientes/colaboradores que anunciam. Faz-se o uso frequente de
publicidade nas redes sociais a fim de lembrar sempre a marca aos que estão presentes em sua
rede de sua programação e conteúdo, produzindo e anunciando seus serviços e atrativos para
que os clientes se conectem ao veículo e consumam o conteúdo proposto.
Faz-se o uso de inúmeras maneiras de propagar a marca, peças publicitárias ou
informacionais relacionadas à empresa em inúmeros veículos de comunicação para se ter uma
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abrangência maior. Produzir matérias sobre a Web rádio, novidades na programação, novos
locutores, programas novos e promoções para atrair a atenção de outros veículos e assim ter
um alcance maior de público com este conteúdo.
As ações promocionais também se tornam importantes para que a marca apareça
juntamente a eventos e ações sociais positivas, pois ligar a sua marca a alguma boa ação ou a
eventos que abrangem o seu público, se torna eficaz trazendo o retorno em aumento de
audiência e em número de anunciantes, pois “quem não é visto, não é lembrado” e ter a sua
marca veiculada a grandes eventos, ações sociais e campanhas positivas, sempre geram
retorno referente a imagem da empresa.
O telemarketing é outra ferramenta importante na hora de estabelecer o contato com o
cliente e ir até ele, seja para a apresentação dos serviços, pacotes comerciais ou material
publicitário. Na era digital, o telefone ainda é uma boa ferramenta de contato direto com seu
cliente. Pela facilidade de poder transmitir shows e eventos ao vivo, além de gerar uma
programação bem diferenciada para uma Web rádio, e estar presente, gerando este conteúdo
singular, a propagação da marca se trona importante para quem está ali, visualizando e
acompanhando o evento ao vivo, tanto para quem não está presente e gostaria de acompanhar
a cobertura daquele evento, o que torna uma divulgação bi lateral e traz respaldo para a Web
rádio em propagar um conteúdo ao vivo, exclusivo e de interesse do seu target.
Causar o compartilhamento de experiências e informações entre os clientes, também
se torna imprescindível a empresas que queiram aderir a esta nova tendência, ajudando cada
vez mais os seus consumidores a se comunicarem uns aos outros através dos inúmeros canais
e comunidades disponíveis virtualmente. Quando o cliente começa a influenciar em seu
produto ou serviço, cabe à empresa ficar atenta ao feed back de quem os consome e criar
novas demandas, a fim de suprir as necessidades deste público. (KOTLER, 2008)
Ferramental tecnológico
Para a criação de uma Web rádio, é essencial que o ferramental tecnológico seja
adequado ao seu empreendimento, dando-lhe suporte para que a Web rádio não saia do ar. Ter
em mãos um computador ou notebook para ser usado como o gerador de informação em sua
transmissão, de onde vai se gerar o sinal oficial de sua transmissão, um computador ou
notebook para ser usado na edição e na pré-produção de todas as peças publicitárias, plástica
ou de propagandas institucionais. Softwares específicos para transmissão, edição e
equalização, são de extrema importância nesta mecânica, pois estes quem vão garantir a
qualidade do conteúdo em áudio propagado. Dentre os softwares essenciais estão o Zara
Rádio que é um organizador e gerenciador dos arquivos que vão ao ar, Opticodec que é quem
faz o link com o servidor, transmitindo pelo site ou quaisquer outros canais, ou seja, o
“transmissor” e o MBL4 que é o responsável pelos ajustes finos referentes à qualidade do
áudio a ser transmitido.
É de extrema importância ter um estúdio ou um cômodo a ser usado como um, para
ser o ambiente controlado de onde se gera o conteúdo ou se grava sem ruídos e intervenções
externas com a máxima qualidade. Mesa de som, um ou mais microfones, cabeamentos
necessários, são imprescindíveis para uma boa transmissão, pois além de refinar a qualidade
do áudio gerado, irão abrir a possibilidade de se trabalhar com intervenções de locutores ou
apresentadores de programas específicos, ao vivo, dando aquele toque “humanista” ao
conteúdo e a proposta que a Web rádio pretende oferecer ao seu ouvinte.
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No caso de uma Web rádio comercial, é importante ter estúdios físicos, de fácil
acesso, em local comercial, pois isso dá credibilidade a imagem da empresa, saindo da esfera
exclusivamente virtual, dando conotação real e profissional à empresa.
Lembramos que a transmissão de uma Web rádio pode acontecer de um estúdio fixo,
ou móvel, ou seja, pode-se transmitir de qualquer ponto que se tenha uma velocidade mínima
de internet e isso abre espaço para transmissões de shows ao vivo, programas que podem ser
transmitido de qualquer lugar, priorizando a exclusividade de conteúdo e a programação ao
vivo e na íntegra, o que cada vez mais se percebe que este tipo de conteúdo único como um
grande diferencial para sua Web rádio.
Gestão de pessoas e parcerias
As parcerias sejam elas com pessoas ou empresas são essenciais para que uma Web
rádio tenha sucesso. Para tanto, locutores, colaboradores, blogueiros, jornalistas e outros são
essenciais para esta engrenagem possa produzir conteúdo próprio e especifico, a fim de que
sua abrangência quanto à audiência seja ampliada. No rádio convencional ou na Web rádio,
gerar este conteúdo único se torna um grande trunfo para ter mais programas e conteúdo
diferenciado em sua programação, o que vai se refletir na íntegra em maior audiência.
(FERRARETTO e KLOCKNER, 2010)
No âmbito informacional, blogs, sites e aplicativos produtores de conteúdo, agências
de notícias e todo o conteúdo disponibilizado gratuitamente na internet, se tornam grandes
aliados ajudando a Web rádio a gerar o seu conteúdo específico. Por tanto, estar
permanentemente conectado a boas fontes informacionais é de extrema importância para
acompanhar em tempo real as notícias pertinentes ao seu veículo. (FERRARETTO e
KLOCKNER, 2010)
Parcerias muito recorrentes neste mercado são com empresas terceirizadas
fornecedoras de serviços como estúdios de produção de comerciais, técnicos em informática e
agências de publicidade especializadas em marketing digital, pois estes além de agregar
significativamente valor à sua empresa por serem parceiros, irão compor a sua carta de
serviços agregados, seja junto ao seu cliente ou junto a sua logística operacional. Estas
parcerias são muito importantes para uma prestação de serviços diferenciada, visando sempre
o atendimento em excelência e o crescimento do seu negócio.
Case Rádio BSide
A Rádio BSide tem como público-alvo homens e mulheres dos públicos “A” e “B”,
com idade dos 20 aos 45 anos, interessados em entretenimento, gastronomia, música de
qualidade, hobbies, viagens, natureza, relacionamentos e atividades ao ar livre.
A BSide nasceu em Resende, RJ, porém, ao perceber que grande parte do nicho de
mercado que ela pretendia alcançar era residente ou transitava como turista em Penedo, uma
região turística, que é distrito da cidade de Itatiaia, porta de entrada para a região das Agulhas
Negras e um dos polos turísticos mais importantes do Estado do Rio de Janeiro, se mudou
para aquela região. Após detectar se esta possibilidade logística era viável, desempenhou um
estudo amplo sobre a sua audiência onde foi detectado que a quantidade de ouvintes
residentes em cidades periféricas e nas grandes capitais era muito maior do que em sua cidade
sede. Concluindo que a logística como um todo era favorável ao negócio, inclusive por fatores
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culturais, decidiu se mudar definitivamente para Penedo e se tornar a “Rádio Oficial de
Penedo”.
Tendo como premissa que o seu target principal é focando nas classes A, B e C, dos
20 aos 45 anos, a Rádio BSide trabalha em sua programação normal programas segmentados
e uma musicalidade bem particular.
Com relação a sua programação, a Rádio BSide trabalha difundindo uma musicalidade
internacional muito atual e singular, onde no Brasil, poucos veículos tem alguma semelhança
neste quesito. Transitando entre o Rock, Indie, Folk, Soul e Reggae, tendo como proposta ser
diferente de todas as outras Web rádios, executando músicas bem atuais, porém pouco
exploradas pela maioria das rádios convencionais e Web rádios em nosso país.
As transmissões de shows ao vivo com artistas da região e outros grandes nomes
nacionais e internacionais que vem a Penedo para desempenhar os seus trabalhos musicais,
são outro grande ponto forte na programação da BSide que periodicamente, transmite shows
ao vivo, com alta qualidade através de sua programação.
Outro fator que chama atenção é o material institucional que a Web Rádio BSide
veicula em sua programação sobre Penedo e a região das Agulhas Negras, que se fazem
sempre presentes a fim de promover as particularidades da região, com isso, se tornando a
Rádio oficial de Penedo, enaltecendo a sua gastronomia, as belezas naturais, sua cena cultural
também relacionada ao entretenimento, os esportes radicais que podem praticados na região,
em suma, tudo que a região pode oferecer à um potencial turista. A Rádio BSide é
definitivamente um case que apesar de residir em Penedo, direciona a sua programação em
vários aspectos para uma audiência externa, para pessoas frequentam ou queiram conhecer
esta Colônia Finlandesa, pois através da BSide, o ouvinte pode conhecer e aprender muito
sobre Penedo, a região das Agulhas Negras e suas inúmeras maravilhas.
Em Penedo, até a chegada da Rádio BSide, não existia nenhuma rádio convencional
ou Web rádio, o que faz com que todos estes fatores influenciam para uma cada vez maior
aceitação deste veículo nesta região e potencialmente em regiões parecidas correlacionadas ao
turismo e seus inúmeros predicados.
Os próprios empresários ao viram com bons olhos a possibilidades de anunciar em um
veículo que se comunica com os Penedenses, ao mesmo tempo em que se faz presente junto
aos turistas, sejam eles de outras localidades ou das cidades periféricas, propagando tudo que
acontece em Penedo de uma maneira bem específica, a fim de seduzir ambos os públicos a
conhecerem a cidade, fornecendo-lhes informações preciosas sobre tudo que há de melhor,
acontecendo naquela localidade favorecendo todas estas conexões, sejam elas com
empresários, ouvintes e/ou turistas.
É de extrema importância perceber as inúmeras oportunidades existentes quando
conversamos sobre Web rádios. Engana-se quem diz que os canais hoje são exclusivamente o
site da Web rádio e/ou seu Aplicativo para mobiles. Hoje existem uma gama muito grande de
sites e aplicativos centralizadores de rádios convencionais e Web rádios, o que fez com que as
o internauta possa ouvir e descobrir conteúdos segmentados e os mais diversos estilos de
rádios convencionais ou Web rádios. Isso coloca as Web rádios lado a lado com grandes
corporações radiofônicas já consolidadas, tratando grandes e pequenos de maneira igual,
gerando livre concorrência e o direito de escolha exclusivamente por parte do ouvinte. Estes
sites e aplicativos centralizadores abriram uma grande oportunidade principalmente para as
Web rádios que hoje ocupam o mesmo espaço virtual que as grandes. O que vai predominar é
o segmento que cada uma atua o conteúdo que cada uma oferece e a qualidade que cada uma
possui.
Ao se tornar a Web rádio oficial de Penedo, sendo única existente, percebeu-se que se
o seu foco comercial fosse pautado em ter uma grande audiência fora daquela região, se
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tornando um veículo de comunicação atraente a quem tem produtos e serviços específicos
daquela região e deseja que estes sejam divulgados dentro e principalmente fora de Penedo, o
que poderia ser um grande diferencial como veículo de comunicação já que esta região é
muito carente no sentido de divulgar fora de sua área, todos os seus atrativos naturais,
gastronômicos e de entretenimento.
Além do fator peculiar da região ser turística, fatores como a base operacional fixa, o
escritório e os estúdios da Rádio BSide estão situados no shopping na entrada de Penedo, por
onde todos os turistas que vêm à região, são obrigados a passar, sem contar que o melhor
provedor de internet da região também tem a sua escritório central lá. Podemos citar como
pontos positivos o grande fluxo de turistas que ali transitam e o de comerciantes residentes
neste mesmo shopping, além do uso da área externa para placas de anúncios da Rádio BSide e
seus serviços.
Para gerar conhecimento de marca a Rádio BSide faz uso de campanhas físicas em
Penedo e região, e também virtuais, estas geralmente direcionadas ao público de outras
localidades a fim de sempre conseguir o maior número de ouvintes em localidades que já se
interessam pela atmosfera de Penedo.
Em campanhas físicas, faz-se o uso de panfletos com conteúdo sobre a programação
da Web rádio e sobre a parte comercial, releases explicativos para ambos os públicos sobre a
Web Rádio BSide, constando também contatos para maiores informações, além de banners
dentro de Penedo e Outdoors posicionados na rodovia a fim de alcançar o público que é
obrigado a passar por ali, indo para Penedo ou em quaisquer outros lugares lindos existentes
na Região das Agulhas Negras.
A periódica distribuição de adesivos e brindes da BSide também é usual, além de
descontos especiais em pacotes comerciais para os estabelecimentos comerciais que ficam
“sintonizados” em seus estabelecimento na Web Rádio BSide, a fim de que os turistas e
frequentadores possam também conhecê-la.
As transmissões ao vivo de eventos e shows também são um excelente canal de
divulgação da marca e sua programação, pois nestes estes eventos, os potenciais ouvintes da
BSide se encontram presentes e propagam esta transmissão a amigos que não puderam estar
presentes, além de fortalecer a marca junto ao público local.
O setor comercial também trabalha apresentando aos que ainda não conhecem a
programação e a proposta da Rádio BSide, além de efetuar venda do serviço posteriormente.
No âmbito virtual, a BSide trabalha inúmeras campanhas segmentadas em diversos
canais de comunicação. Redes sociais, malling, cadastro em sites e aplicativos especializados
em rádios convencionais e Web rádios no Brasil e no Mundo e claro, uma atenção especial
aos dispositivos mobiles.
Quanto às redes sociais, estas são trabalhadas de uma maneira bem peculiar, com
anúncios pagos e gratuitos no Facebook, twitter e instagram a fim de gerar conhecimento de
marca, causar um maior engajamento do público e consequentemente a sua audiência.
As ações táticas que a BSide desempenha frente ás redes sociais são feitas
estabelecendo um planejamento diário de postagens usando temas diferentes de publicidade
em banners virtuais e em texto, sempre constando o link direto para o seu web site e um link
para baixar o aplicativo, com o intuito de trazer o ouvinte a não só ouvir a rádio, mas a
navegar no conteúdo proposto em seu site ou através do aplicativo. A Rádio BSide possui
cronogramas diários de publicações em suas redes sociais que variam de acordo com a sua
programação, seus programas e suas campanhas especificas.
Como plano de ação, a BSide também faz uso de postagens com fotos sobre os artistas
que tocam em sua programação, notícias sobre estes artistas, sobre programas ao vivo, suas
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temáticas e horários, promoções exclusivas, divulgação do aplicativos para dispositivos
moveis, acesso à Rádio BSide por outros sites e App´s, mensagens positivas e subliminares
sempre ligadas a marca Rádio BSide, divulgação das ações de entidades filantrópicas,
iniciativas positivas e de eventos que sejam de seu interesse estar vinculada de alguma
maneira.
A Rádio BSide também trabalha as diversas singularidades que Penedo e a região
possuem, enaltecendo por exemplo os inúmeros atrativos naturais que a região possui, os
esportes radicais que podem ser praticados em toda a região das Agulhas Negras, a sua rica
gastronomia repleta de chef´s e restaurantes renomados e o entretenimento, que naquela
região já é um grande atrativo aos turistas. Estas campanhas estão presentes em áudio
inseridas na programação da BSide e em banners com o intuito de atrair os amantes, sejam
eles, das belezas naturais, de esportes radicais ou de todos os bons serviços existentes nesta
região e claro, gerar uma demanda de anunciantes que queiram ter seus produtos e serviços
vinculados a esta programação direcionada ao público turista.
A Web Rádio BSide, também oferece gratuitamente oficinas de especialização para a
formação de novos locutores e operadores de áudio, a fim de fornecer o treinamento de
pessoal, onde periodicamente, renova-se o casting de locutores e operadores de áudio na
Rádio BSide.
Considerações finais
O rádio definitivamente tem que se reinventar e promover mudanças drásticas quanto
a sua forma e conteúdo, se adequando às novas tecnologias e aos formatos interativos criados
a partir do advento da internet. Através de pesquisas relacionadas à maneira de se consumir
informação e entretenimento, estes paradigmas aos poucos devem ser quebrados, pois caso
contrário, o “velho rádio” está fadado à extinção, isto só será uma questão de tempo.
Quando falamos sobre Web rádio como modelo de negócios, temos que pensar em
inúmeros fatores para que sejam viáveis e rentáveis se investir em um veículo como este. O
panorama que temos é bem favorável, porém é preciso levar em conta alguns aspectos
logísticos, regionais, turísticos e culturais da região que se pensa em ser a base operacional da
Web rádio para que a fluência e os objetivos sejam alcançados com êxito.
Importante ressaltar que com a velocidade cada vez maior da informação que a
internet nos proporciona, o gestor de uma Web rádio deve além de ter conhecimento da área
operacional precisa entender o potencial de seu veículo e adequá-lo as condições do mercado
que pretende atuar. Deve ter também grandes e bons diferenciais em sua programação, pois a
segmentação de audiência explora justamente nichos específicos e bem direcionados com o
intuito de se fortalecer perante o público, o que interessa diretamente aos anunciantes.
De uma maneira geral, os negócios via internet tem crescido consideravelmente no
mundo inteiro. A facilidade em atingir cada vez mais públicos distintos e segmentados
espalhados pela rede e em um curto espaço de tempo faz com que este veículo tenha um
grande potencial frente aos outros meios que também habitam a internet como plataforma de
envio de sinal.
Portanto, este artigo tem como principal objetivo descrever tanto no prisma teórico
quanto no prático, argumentos que fomentam as Web rádios como modelos de negócios e
empreendedorismo, traçando paralelos entre o rádio hertiziano convencional e a Web rádio,
exemplificando com o modelo da Rádio BSide e ressaltando outros dentro desta perspectiva
do rádio on-line.
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A evolução das tecnologias e consequentemente do comércio eletrônico contribuiu
para o desenvolvimento de destes novos modelos de negócios e empreendedorismo na
internet, traçando novos horizontes no que diz respeito ao compartilhamento de informações e
quebrando paradigmas culturais entre as sociedades.
Os inúmeros modelos de negócios implícitos em uma Web rádio, abrem um universo
de oportunidades e segmentos nesta área. Cabe a cada gestor entender qual é o propósito de
seu veículo e direcionar sua gestão para o formato que mais se adequar ao seu panorama de
negócios.
Em um segundo momento vale ressaltar a necessidade evidente de que existam
parcerias com outras empresas e colaboradores. Atualmente, o mundo corporativo não
sobrevive de forma isolada e sim em forma de redes, através de conexões plurilaterais a fim
de estabelecer novas parcerias para o desenvolvimento do negócio e a criação de novos
produtos ou serviços agregados com o intuito de acrescentar de criar novos caminhos visando
a lucratividade.
O rádio contribuiu e continua a contribuir para os formatos em Web rádios, porém,
vale ressaltar que os formatos de programas devem ter conteúdo criativo e dinâmico,
oferecendo experiências contínuas, interativas e diferenciadas aos ouvintes, sempre com o
intuito de estabelecer uma relação de fidelidade, aumentando a audiência do veículo
justamente por apresentar um conteúdo diferenciado e único.
Tendo em vista todos estes fatores altamente relevantes quando se fomenta o estudo
mais aprofundado sobre Web rádios como modelo de negócios e empreendedorismo, vale
ressaltar que estes diferenciais na maneira de trabalhar e/ou atuar em qualquer um dos
segmentos deste objeto de pesquisa, farão toda a diferença no que diz respeito à rentabilidade
e a sustentabilidade do empreendimento, pois serão de extrema importância para o
crescimento do target de ouvintes, clientes e potencialmente em volume de negócios.
Referências
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IBÉRICO DE COMUNICAÇÃO NA COVILHÃ, II, Portugal, 2004.
FERRARETTO, Luiz Artur e KLÖCKNER, Luciano. E o rádio? Novos horizontes
midiáticos. Porto Alegre: Edipucrs, 2010.
KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e
controle. São Paulo: Atlas, 1998.
____________. Marketing em Ação. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
____________. Marketing para o século XXI. São Paulo: Ediouro, 2008.
MIRANDA, Orlando. A Era do Rádio. In: Nosso Século. Abril Cultural, n.º 17, 1998.
PRATA, Nair; MARTINS, Henrique Cordeiro. A webradio como business. Comunicação e
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Acesso em 23 de setembro de 2015.
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O serviço de Contact Center como um diferencial
competitivo de relacionamento em uma instituição
religiosa
Adriana Bernadete Barros Carvalho Garcia Graduada em Publicidade e Propaganda pela UNITAU, mestrado em Engenharia de Mecânica pela
UNESP/Guaratinguetá e Professora e Coordenadora do MBA em Marketing na Faculdade Integrada Teresa
D´Ávila.
Ana Carolina de Brito Bombachi Tecnóloga em Automação de Escritórios e Secretariado com ênfase em Marketing na Faculdade de Tecnologia
de Guaratinguetá
Daniela da Silva França Bacharel em Marketing na faculdade Anhanguera Educacional de Taubaté
Érica Bizaio Graduação em Comunicação Social - Relações Públicas pela Universidade de Taubaté. MBA Executivo pelo
Insper / Ibmec e Pós- Graduada em Administração de Marketing pela FAAP.
Resumo
Diante de um cenário empresarial mutante, marcado pelas constantes inovações tecnológicas
e concorrências acirradas, torna-se fundamental que as empresas se diferenciem através de
estratégias voltadas para o Marketing de Relacionamento, que contribuem como diferencial
para reter e encantar seus clientes. Este artigo tem como objetivo demonstrar a importância
do Contact Center como importante serviço em uma instituição religiosa que aplica os
conceitos de Marketing de Relacionamento e estratégias de CRM para criar valor e fidelizar
seus fiéis.
Palavras-chave
Marketing de Relacionamento, CRM, valor, fidelização, serviços.
Abstract Faced with a changing business scenario, marked by constant technological innovation and
fierce competitions, it is essential that companies differentiate themselves through strategies
aimed at Relationship Marketing, contributing as a differential to retain and delight your
customers. This article aims to demonstrate the importance of the Contact Center as an
important service in a religious institution that applies the concepts of Relationship Marketing
and CRM strategies to create value and retain the faithful.
Keywords
Relationship Marketing, CRM, value, loyalty, services.
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Introdução
Através da evolução do mercado, onde a competição aumenta cada vez mais, há uma
crescente e vital necessidade de se ter um diferencial competitivo nas organizações. Este
diferencial pode ser encontrado em um processo personalizado voltado ao cliente e a seus
valores. O dinamismo dos tempos atuais associado à crescente exigência do mercado e ao
aumento da expectativa e da demanda de uma sociedade eletrônica que funciona 24 horas por
dia, tem levado as organizações a buscarem serviços que permitam a orientação, captação e
fidelização de clientes por telefone, e-mail e rede social, através de Centrais de Atendimento
atualmente denominadas como Contact Center. Dessa forma, o presente estudo visa
demonstrar a importância do Contact Center e seu diferencial competitivo para as
organizações, bem como especificamente numa instituição religiosa.
O relacionamento eficiente e cordial com clientes por meio do Contact Center é um
importante diferencial, que tem o sucesso comprovado pelo mercado. Hoje muitas empresas
se evidenciam de forma positiva nesse segmento, tendo sempre o foco do cliente e não no
cliente, buscando agregar valor e superar as expectativas.
Como em qualquer organização, o atendimento a clientes em Contact Center é feito
por pessoas e para pessoas, com toda a sua complexidade de processos associados e
envolvendo capacidades, emoções, problemas, necessidades e mais uma enorme lista de
variáveis de difícil análise e controle, aspectos esses considerados como desafiadores para a
instituição.Este trabalho faz referência a teorias já estabelecidas demonstrando a importância
do Marketing de Relacionamento e estratégias de CRM aliadas à tecnologia.
Para evidenciar foi realizado um estudo de caso numa instituição religiosa na região
do Vale do Paraíba.
Fundamentação Teórica
O Marketing de Relacionamento e sua importância estratégica no ambiente de Contact
Center
Cresce cada vez mais os serviços de autoatendimento a fim de satisfazer ainda mais as
novas necessidades dos consumidores, que prezam por mobilidade e agilidade. Empresas que
se preocupam com a satisfação dos clientes nestes quesitos, aliados a boas práticas de
Marketing de Relacionamento com seus clientes, apresentam grande diferencial competitivo
perante às demais pois elas conquistam, retêm e encantam seus clientes, tornando-se
diferentes, líderes de mercado e altamente rentáveis.
De acordo com Madruga (2009), assim como o marketing de massa foi a solução no
século passado para levar o maior número possível de produtos para o maior número de
imaginável de clientes, o Marketing de Relacionamento na sua atualidade privilegia a
interação com o seu cliente, com o objetivo de desenvolver, especialmente para ele, um
conjunto de valores que o levarão à satisfação e longevidade do seu relacionamento com o
cliente. O autor ainda ressalta que para uma empresa que decide praticar conscientemente o
Marketing de Relacionamento na sua plenitude precisará desenvolver pelo menos seis
funções.
1. Elaboração Conjunta de uma nova visão e cultura empresarial voltada para os
clientes e parceiros.
2. Construção de objetivos de marketing de relacionamento conectados à visão e
sempre de natureza límpida.
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3. Estabelecimento das estratégias de marketing de relacionamento voltadas para a
criação de valores em conjunto com os clientes.
4. Implementação de ações táticas com foco no relacionamento colaborativo com
clientes.
5. Obtenção de benefícios mútuos, isto é, empresas e clientes tiram proveito da
cooperação ocorrida em vários momentos de contato.
6. Direção da ação, capacitação e envolvimento dos colaboradores da empresa para
relacionamentos superiores.
O Marketing de Relacionamento deve ser praticado prevendo-se a sustentação de suas
estratégias. Para que seja viável é necessário um processo contínuo de identificação e criação
de novos valores com os clientes. (MADRUGA, 2009)
De acordo com Kotler, vivenciamos hoje a fase de integração entre marketing e
valores (Marketing 3.0), onde as empresas querem aplicar na prática um conjunto de valores
que lhe oferecem personalidade e propósito. Qualquer separação entre marketing e valores é
inaceitável.
Uma das ferramentas estratégicas que poderá contribuir para construção de
relacionamentos produtivos e agreguem valor ao cliente é o CRM (Customer Relationship
Management), que pode ser traduzido para a Língua Portuguesa como Gestão de
Relacionamento com o Cliente.
Nos primórdios do surgimento do Telemarketing (década de 70) onde o objetivo
principal do serviço prestado era realizar vendas à distância através do telefone, devido seu
vasto crescimento e aceitação no mercado, na década de 90 a tecnologia se aliou às estratégias
de relacionamento com o cliente e os tradicionais centros de atendimento deram lugares a
estruturas com grande suporte tecnológico e organização de processos: os call centers. Estes
foram responsáveis pelo atendimento em larga escala e o telefone se tornou a principal opção
de contato por parte do cliente por satisfazê-lo através dos múltiplos serviços prestados, o que
torna a experiência do contato mais assertiva e satisfatória para ambas as partes envolvidas no
atendimento. Com a ampliação dos múltiplos serviços prestados aliados à tecnologia, os call
centers se transformaram em Contact Centers atendendo por outras mídias como e-mails,
chat, redes sociais e sms.
Segundo Wikipédia, o Brasil é um dos setores que mais emprega no país no ramo de
Contact Center, com mais de 600.000 empregos diretos. As companhias brasileiras possuem
tecnologia de ponta e mão-de-obra capacitada para atender diversos tipos de serviços de
empresas brasileiras e estrangeiras. Hoje o Brasil concentra mais de 60% dos call centers na
América Latina.
O Contact Center dentro das empresas deve ser visto como ação estratégica, pois é um
dos principais componentes de relacionamento com o cliente, afinal é uma ferramenta que
possibilita mensurar a satisfação dos clientes, percentual de problemas resolvidos, número de
ligações versus número de reclamações recebidas e outros mais ligados ao relacionamento são
de vital importância para a excelência no atendimento e relacionamento, contradizendo as
métricas tradicionais baseadas única e exclusivamente em custos e produtividade operacional,
como tempo médio de ligação e número de atendimentos por hora.
Estudos realizados pela E-Consulting, Março de 2015, o mercado de Contact Center
deverá movimentar cerca de 45,6 bilhões no Brasil, registrando crescimento de 3,78% em
relação ao ano de 2014, o que representa 65% de todo o setor do Brasil. De acordo com
Madruga (2006), as centrais de atendimento brasileiras já empregam mais de 800.000 pessoas
isto é, mais do o dobro do que todas as montadoras de automóveis reunidas. O faturamento do
setor atualmente ultrapassa R$ 5 bilhões por ano em transações por telefone.
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Vale ressaltar a importância percebida pelos clientes ao atendimento personalizado nos
serviços de Contact Center que prezem pelo tratamento com dignidade e sejam de fácil
manipulação pelo usuário final e pelos colaboradores das empresas prestadoras de serviços.
No âmbito de serviços, Kotler (2010) nos diz é necessário ter o espírito de querer servir ao
cliente e nunca ser considerado como um dever. As empresas precisam entender que seus
valores corporativos, expressos por meio dos produtos e serviços, devem ter impacto positivo
na vida das pessoas.
A ferramenta de CRM como importante aliada na construção e fidelização do
relacionamento
O CRM (Customer Relationship Management) une o potencial das estratégias de
marketing relacional com as Tecnologias de Informação e potência a oportunidade em utilizar
os dados e informações para compreender os clientes e criar valor. Isto requer uma integração
de processos, pessoas, operações e capacidades de marketing (Payne e Frow, 2005).
De acordo com Bretzke (2000), o CRM pode ser focado como uma estratégia de
negócios que busca ações voltadas para a satisfação e retenção do cliente, suportadas pela
tecnologia de informação. Consiste na integração entre marketing e tecnologia de informação,
abrangendo estratégias, processos, software e hardware. Seu objetivo é prover a empresa de
meios eficazes e integrados para atender, reconhecer e cuidar do cliente, em tempo real, e
transformar estes dados em informações que, disseminadas pela organização, permitam que o
cliente seja conhecido e cuidado por todos.
Roberto Madruga (2009) relata que o CRM deixou de ser um sistema de
relacionamento com o cliente e passou a ser comentado no meio empresarial como estratégia,
visão e orientação para o cliente.
No ambiente de Contact Center, onde o contato com o cliente acontece através de
vários meios eletrônicos, é de extrema importância que tenham uma posição de destaque na
estratégia CRM da empresa para melhorias no atendimento, relacionamento e fidelização.
Para que isso aconteça a solução de discagem precisa integrar com a base cadastral de clientes
pois assim pode se oferecer vantagem personalizada para cada tipo de cliente, facilitando a
conversão e êxito nos resultados.
Segundo Kotler; Armstrong, (2000) as empresas agora se preocupam em manter os
clientes existentes e a desenvolver com eles relacionamentos duradouros. Para vencer nos dias
hoje, com o lento crescimento da economia, uma concorrência sem trégua, com preços quase
iguais, e clientes extremamente exigentes, que não se contentam mais com serviços medianos,
a saída é a construção de valor, qualidade e satisfação superiores para o cliente.
A satisfação é a chave da fidelização. Satisfação tem a ver com expectativa, esperança
em receber o que se deseja.
A satisfação do cliente depende do desempenho percebido na entrega de
valor feita pelo produto em relação às expectativas do comprador. Se o
desempenho fica aquém das expectativas do cliente, ele fica insatisfeito. Se o
desempenho se equipara às expectativas, o comprador fica satisfeito. Se o
desempenho excede as expectativas, o comprador fica encantado. Qualidade
está intimamente ligada ao desempenho do produto ou serviço. (KOTLER &
ARMSTRONG, 2000, p.4)
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Qualidade em serviço
Segundo Gans, Koole e Mandelbaum (2002), a qualidade do serviço em Contact Center pode
ser dividida em três dimensões.
Refere-se à disponibilidade dos agentes. Procura-se responder a perguntas do
tipo: “quanto tempo o cliente precisa esperar para ser atendido?” e “quantas
ligações são abandonadas na fila antes de serem atendidas?”. Este tipo de
qualidade pode ser medida através de informações coletadas no sistema.
Refere-se à efetividade do serviço, em relação à necessidade de retrabalho. As
questões são: “o encontro de serviço resolveu completamente o problema do
cliente ou um trabalho adicional se fez necessário?”. Este tipo de qualidade é
avaliado através de uma inspeção aleatória. Os meios de contato são
selecionados ao acaso para serem analisados e então a necessidade de
retrabalho é avaliada.
O último tipo de qualidade monitorada é a interação do agente com o cliente.
Típicas perguntas incluem “o agente se referiu ao cliente pelo nome?”, “ele
falou com o cliente com um sorriso na voz?”, “ele direcionou a conversa da
maneira positiva?”. Neste caso também são ouvidas algumas ligações de forma
aleatória. Algumas vezes, o resultado da interação é rastreado e a pergunta “o
cliente ficou satisfeito?” é feita.
A satisfação dos clientes é coletada através de pesquisas. A noção de qualidade da
experiência do cliente vai além da interação com o agente. Por exemplo, é crítico incluir na
análise o tempo de espera na fila. Em particular, a natureza do tempo que o cliente espera na
fila ao telefone é diferente do tempo que ele espera no banco ou supermercado, por exemplo.
Neste caso, os clientes não veem os outros esperando e não possuem uma noção do seu
“progresso” se o Contact Center não prover a informação. Clientes que entram em uma fila
física podem começar insatisfeitos – quando veem o tamanho da fila – e passam a ficar mais
satisfeitos, quando se movimentam na fila. Em contraste, clientes que entram em uma fila
virtual podem estar otimistas no início – porque não têm noção do tempo que precisarão
esperar – e se tornam cada vez mais irritados enquanto esperam. (Gans, Koole e Mandelbaum
2002 apud Cleveland e Mayben 1997).
Satisfazer o cliente significa agregar valor a este. Segundo Kotler (2010), o Marketing
3.0 acredita que os clientes são seres humanos completos, cujas outras necessidades e
esperanças jamais devem ser negligenciadas. As empresas que praticam o Marketing 3.0
oferecem respostas e esperança às pessoas que enfrentam problemas e, assim, tocam os
clientes em nível superior. Elas se diferenciam por seus valores e em época de turbulência
trata-se de um diferencial e tanto.
Kotler (2010) nos coloca 10 credos inquestionáveis que integram o marketing aos
valores:
Credo 1: Ame seus clientes e respeite seus concorrentes, ou seja, trate seus
clientes com amor e respeite seus concorrentes
Credo 2: Seja sensível à mudança e esteja pronto para se transformar. Quanto
os tempos mudarem, mude também.
Credo 3: Proteja seu nome, deixe claro quem é você. Esclareça quais são seus
valores e não abra mão deles.
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Credo 4: Um cliente é diferente do outro; procure primeiro aqueles que podem
se beneficiar mais de você. Concentre-se no segmento ao qual você pode
proporcionar mais benefícios.
Credo 5: Ofereça sempre um bom pacote por um preço justo. Defina preços
justos para refletir sua qualidade.
Credo 6: Esteja sempre disponível, divulgue as boas-novas. Ajude seus futuros
clientes a encontra-lo.
Credo 7: Conheça seus clientes, cultive-os e conquiste outros. Considere seus
clientes como se fossem seus clientes para o resto da vida.
Credo 8: Não importa em qual setor você atue, será sempre no setor de
serviços. Toda empresa é uma empresa de serviços, pois todo produto envolve
um serviço.
Credo 9: Aperfeiçoe sempre seu processo de negócio em termos de qualidade,
custo e entrega.
Credo 10: Colete informações relevantes, mas use sua sabedoria para tomar a
decisão final. Considere outros aspectos além do impacto financeiro de uma
decisão.
Metodologia
O presente trabalho está baseado em um levantamento bibliográfico, que utiliza uma
série de fontes secundárias, como: livros de Marketing, publicações, sites e artigos.
A empresa em análise é uma instituição religiosa, localizada na região do Vale do
Paraíba, que contempla em sua organização um Contact Center voltado exclusivamente para
o relacionamento com os fiéis que subsidiam as obras evangelizadoras, sociais e de
construção do maior Centro Mariano de Peregrinação do Mundo. Embora de cunho religioso,
essa instituição busca aplicar as teorias de Marketing para se manter sólida e inovadora no
mercado, buscando dessa forma fidelizar seus “clientes – devotos” e conquistar novos
adeptos.
Estudo de caso
O estudo está baseado no relacionamento obtido pelo Contact Center da instituição em
análise, que tem como grande preocupação acolher bem e também evangelizar os milhares de
visitantes, além de manter e prover as diversas obras evangelizadoras.
Há 16 anos, tendo em vista a grande responsabilidade para realização dessas obras foi
criada uma campanha de arrecadação com a missão de sustentar a construção e manutenção
da Instituição e ampliar seus serviços de evangelização. Seu objetivo era contar com a
generosidade dos fiéis para a realização e manutenção das obras. Essa iniciativa tornou-se
bem aceita através de um compromisso de transparência e ética dos idealizadores e
administradores do Grupo. Como estruturação desse grande projeto, foi implantado um
Departamento de Marketing para cuidar da comunicação e relacionamento com os
colaboradores, subdividindo-se, posteriormente, nesses dois importantes e estratégicos
núcleos.
Ao longo destes anos importantes passos foram dados para a evangelização, sendo
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ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
tudo isso possível graças à generosidade dos fiéis que contribuem com essa grande missão.
Para melhor atender os fiéis que ajudam a instituição e os demais que buscam
informações de como colaborar ou buscam auxílio espiritual através de pedidos de oração, no
ano de 2000 foi implantado no Departamento de Marketing o setor de Call Center, composto
de 10 agentes que trabalhavam das 8h às 17h com software específico e desenvolvido
internamente, que possibilita um atendimento personalizado ao devoto contendo todas as
informações de relacionamento e doações, informações essas de extrema importância para o
relacionamento. No ano de 2002, foi criado um importante meio de comunicação impresso
como instrumento de evangelização e formação que passou a ser enviado mensalmente como
presente para todos os fiéis colaboradores. O recebimento desse “presente” tangibilizou e
valorizou o relacionamento com os fiéis através de personalização e segmentação aos diversos
perfis, aumentando assim a interação dos fiéis com os meios de contato. Em 2005, com a
inauguração de sua emissora de TV, a instituição passou a contar com um Contact Center,
com aproximadamente 30 PA´s (pontos de atendimento) para atender os diversos meios de
contato (telefone e mídias digitais), buscando a ampliação e melhorias no relacionamento.
Além disso ampliou seu horário de atendimento para 16hs. Posteriormente, passou a
desenvolver produtos oficiais da instituição e a vende-los pelo telefone e Internet, tornando
assim o Contact Center um potencial prestador e parceiro da área comercial. Com o advento
das mídias digitais, também passou a contar com o atendimento via e-mail e redes sociais.
Esse grande diferencial dentro da Igreja permite que os fiéis, mesmo de longe e de
diferentes perfis, desde os que menos possuem meios tecnológicos aos mais favorecidos,
sintam-se mais próximos da instituição e sejam atendidos em suas necessidades, e através
destas várias possibilidades de contato sentem-se acolhidos em suas necessidades, sejam elas
de suporte, informativas ou espirituais.
Como funciona o Marketing de Relacionamento e CRM do
Contact Center
A integração da base dados cadastrais com a solução de discagem do Contact Center é
de vital importância para o atendimento e relacionamento. Na instituição analisada essa
interação acontece entre as estratégias de CRM e o Sistema de gerenciamento do Contact
Center. Com essa integração é possível oferecer um atendimento personalizado e otimizado
aos fiéis colaboradores.
No software utilizado pela instituição são capitadas e registradas todas as solicitações
e necessidades dos colaboradores cadastrados na base, além de potenciais novos
colaboradores, registrando todo o histórico do contato realizado. Nele contém todas as
informações cadastrais e histórico de relacionamento que possibilitam um atendimento
personalizado e eficiente. Com a solução em discagem, todos os registros de contato
telefônico são captados, este integrado ao sistema direciona as ligações recebidas para filas
específicas de acordo com o tipo de atendimento solicitado (grupos cadastrados na árvore de
atendimento). Além disso, com a ferramenta de Fila, é possível realizar o retorno de ligações
não atendidas.
Através do software de gerenciamento de Contact Center, sistema que integra
diferentes meios de comunicação e emprega roteamento baseado em habilidades, é possível
que cada tipo de contato, seja ligação telefônica, e-mail ou redes sociais seja encaminhado
para quem estiver apto para atender. Também oferece solução para acompanhamento full time
das ligações em fila de espera e tratamento automático das ligações que abandonaram a fila de
espera armazenando seu contato para retorno posterior. Aplicando as estratégias de CRM,
torna-se possível a identificação automática das ligações com o colaborador mediante o
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telefone do cadastro.
Para que os atendimentos sejam otimizados é de suma importância que a URA
(Unidade de Resposta Audível) seja estruturada e constantemente atualizada de forma simples
e prática para quem interage, ou seja, projetada na visão dos clientes.
Abaixo, segue modelo de árvore de URA utilizada na instituição em análise:
Estrutura de atendimento telefônico do Contact Center
As medidas de performance ou Indicadores de Desempenho do Contact Center ou KPIs (Key
Performance Indicators) utilizadas para análises e medidas estratégicas utilizadas, são:
Velocidade média de resposta (VMR);
Tempo de espera da ligação (em fla);
Índice de abandono (porcentagem de clientes que cortam a ligação ou desligam antes
da resposta);
Tempo médio de conversa (TMA);
Cumprimento (os agentes estão em seus devidos lugares?);
Tempo médio de trabalho;
Percentual de ligações bloqueadas;
Tempo médio que o cliente esperou antes de desistir de ficar esperando;
Total de ligações recebidas e atendidas por horário
Avaliação de pesquisas respondidas através de notas dadas aos agentes
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Conversão do atendimento em novos cadastros
De acordo com as normas de Contact Center estabelecidas pelo ministério da justiça
em 2008, a instituição em estudo, tem sua fila de espera de 1 minuto para atendimentos
telefônicos. Após esse tempo a ligação é encerrada e o cliente informado via mensagem
eletrônica “nossos atendentes estão ocupados, seu telefone foi registrado e em breve
ligaremos para você”. Esse processo de retorno das ligações em fila é feito diariamente
fazendo com que todos que entrem em contato com a central de atendimento fiquem
satisfeitos ao receber o retorno de seu contato. Todo esse gerenciamento é realizado através de
um sistema de tecnologia que captam as informações pré definidas e as transformam em
ações.
Nas mídias digitais existentes, o relacionamento por meio destas vem crescendo
acirradamente e a instituição em estudo se organiza para que todas as interações aconteçam no
prazo médio entre um e dois dias no máximo.
Desafios do Contact Center
Nos últimos anos, gerenciar um Contact Center se tornou uma tarefa que requer
gerenciar pessoas, serviços e qualidade em um ambiente altamente competitivo e o
gerenciamento é dificultado ainda mais, quando se gerencia um Contact Center religioso.
Para auxiliar neste gerenciamento e torná-lo eficaz faz-se necessário a utilização de
sistemas gerenciais que auxiliem na captação de informações indispensáveis para melhorar o
atendimento prestado e dimensionar de forma eficiente as equipes.
Segundo Madruga (2006), o Brasil é uma referência mundial em número de
trabalhadores e qualidade de atendimento nos seus melhores call centers. Em contrapartida
cerca de 70% dos gestores dessa área não recebem das empresas todo investimento necessário
para sua formação, gerando lacunas de liderança, qualidade no atendimento e criando custos
desnecessários.
Podemos destacar neste ambiente, o risco de causar danos irreparáveis à imagem da
empresa através da interação de um profissional mal treinado com o cliente, seja por meio do
telefone ou mídias digitais. Somando-se a isso, a uma grande dificuldade de manter um nível
aceitável de profissionais capacitados e leais à empresa devido à grande rotatividade entre os
colaboradores.
Outro fator importante está relacionado a dificuldade de lidar com o comportamento
das chamadas que variam de acordo com a sazonalidade e diversidade do volume de
chamadas. Para acompanhar e manter o nível de atendimento. Muito se fala sobre a
importância de conhecer os clientes da empresa, suas características e necessidades, porém, é
fundamental traçar essa mesma estratégia internamente e buscar entender todas as
particularidades do centro de contato. O conhecimento real do Contact Center está atrelado
diretamente à eficiência e ao resultado do ambiente, refletindo não somente nos custos e em
sua eficiência, mas principalmente na satisfação do cliente.
Análise dos Resultados
A apresentação e a discussão dos resultados da pesquisa dividem-se em três quadros.
O primeiro traz os resultados do estudo a partir do cálculo da demanda X oferta de ligações
recebidos e atendidos. O segundo traz os resultados de e-mail recebidos e respondidos. O
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terceiro e último o quadro apresenta os resultados da pesquisa de satisfação, aplicada nos
clientes que fazem contato com a instituição, e que de forma simples e rápida podem avaliar o
atendimento recebido. Essa é uma pesquisa qualitativa, aplicada para contribuir com a
realização de novas estratégias dentro do campo de conhecimento no qual se situa.
O relacionamento eficiente com o cliente com base na confiança contribui para gerar
valor e satisfação no serviço. Hoje o gerenciamento das relações entre cliente e empresa
devem ter como base a confiança, o respeito e a colaboração.
Quadro 1. Fonte: Dados da Pesquisa
Ao analisar o quadro 1, nota-se que a demanda é maior que a oferta, mas que a
representatividade de atendimento está dentro do proposto, que para empresa em questão é
atender de imediato no mínimo 75% das ligações, já que para os 25% são retornadas após os
períodos de grande fluxo.
Quadro 2. Fonte: Dados da Pesquisa
O quadro 2, demonstra que a taxa de resposta dos e-mails recebidos mensalmente está
totalmente dentro do padrão aceitável para empresa, que é de responder até em 2 dias úteis.
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Quadro 3. Fonte: Dados da Pesquisa
Um dos quadros mais importantes é o quadro acima, que demostra dados qualitativos.
A cada ligação recebido o cliente é convidado a responder 2 perguntas para avaliar o
atendimento prestado e tem a possibilidade de demonstrar se está satisfeito ou não,
escolhendo uma nota de 1 à 4, sendo 1 totalmente insatisfeito e 4 totalmente satisfeito. A
média apresentada está dentro do esperado e com esses dados são definidas ações caso algum
atendente receba uma nota insatisfatória.
Considerações finais
No trabalho realizado, procurou-se demonstrar a importância do Marketing de
Relacionamento dentro de um serviço prestado por uma instituição religiosa. Nos dias de
hoje o setor de serviços ocupa um papel fundamental na sociedade para fidelizar e captar
novos potenciais clientes, e se destaca quem possui um bom atendimento voltado aos valores,
pois satisfazer já não é mais um diferencial e sim uma exigência do mercado. É
imprescindível agregar diferenciais de valor na prestação de um serviço se atentando aos
desejos, necessidades e expectativas dos clientes.
A preocupação de manter um bom relacionamento deve fazer parte do espírito de toda
empresa, e as mesmas devem adotar estratégias para manter os clientes já existentes e
fidelizá-los, uma vez que manter custa bem menos que conquistar novos clientes.
Conhecer melhor o cliente e ter um diálogo personalizado com o mesmo favorece a
fidelização e permite determinar com maior precisão seus desejos e necessidades, atendendo-
os com excelência e visando resultados satisfatórios para empresa.
Não somente paras empresas, mas também de maneira muito particular as entidades
religiosas que não se preocuparem com as novas tendências de mercado e aplicações do
Marketing de Relacionamento com eficácia, tornar-se-ão vulneráveis e decadentes. Conhecer
o cliente e satisfazer suas necessidades e desejos é fundamental para manter um bom
relacionamento em busca de confiança, fazendo com que sejam multiplicadores de potenciais
clientes. Aplicar estratégias de bom relacionamento torna–se essencial para que a empresa
venha obter a tão almejada fidelização e retenção dos clientes.
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KOTLER, Philip. 2010. Marketing 3.0. As forças que estão definindo o novo marketing
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MADRUGA, Roberto. Gestão Moderna de Call Center e Telemarketing. Editora atlas
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MADRUGA, Roberto. Guia de implementação de marketing de relacionamento e CRM.
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http://portalcallcenter.com.br/anuario/anuario_pcc_2015_2016.pdf
https://pt.wikipedia.org/wiki/Central_de_atendimento
279 ECCOM, v. 7, n. 14, jul./dez. 2016
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